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DOSSIÊ

apresentação/dossiê
OS INTELECTUAIS E A ESPECIALIZAÇÃO DA CULTURA

Edson Farias*

Já consolidado no contexto sociológi- sua origem e natureza (COSER, 1970; LE-


co desde a intervenção de Karl Mannheim CLERC, 2004; ALTAMIRANO, 2006; PAS-
(1974, p.40-68) sobre a “sociologia do es- SIANI, 2017, p. 16-47), os/as autores/as
pírito”1, a recorrente atenção conferida à que refletiram sobre o tema concordam que
camada social denominada por ele de “in- se trata de um grupo de indivíduos – cada
telligentsia” (MANNHEIM, 1974, p.69-141) vez menos identificável como um só grupo
ou mais amplamente entendida como os – que se destaca do conjunto da sociedade e
“intelectuais” é parte constitutiva da histó- produz reflexões e significações acerca das
ria das disciplinas socioantropológicas e do experiências sócio-humanas (GRAMSCI,
pensamento social. Por mais variadas e po- 1968; WINOCK, 1997; BOURDIEU, 1968;
lissêmicas que sejam as concepções sobre SAID, 2005). No anverso dessa conduta, a

* Pesquisador do CNPq. Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília – UNB –


(Brasília/DF/BR). E-mail: nilosed@gmail.com
1. A pesquisa e reflexão realizadas por Mannheim retomam o debate sobre a ontologia materialista do ser
social em Marx, em particular o advento da divisão do trabalho, entre exercício espiritual (intelectual) e os
fazeres manuais. Estribado à sua maneira na centralidade conferida à mediação do trabalho, quando escre-
ve as Teses sobre Feuerbach, Marx (s.d) rejeita a apreensão da realidade apenas como o sensível e não como
atividade, trabalho humano, isto é, exteriorização subjetiva nos termos antes já formulados nos Manus-
critos Econômico-Filosóficos, de 1844. Por isso, à contramão de Feuerbach (1997, p. 56), Marx considera
incompleta a crítica à religião, entendida enquanto o núcleo de toda alienação; o erro da proposição estaria
em não compreender a natureza da prática constituinte da humanidade. Ou seja, o trabalho enquanto a
produção material das condições de sobrevivência; mediante àquele se daria a objetivação humana, e o
autor compreende nele a dinâmica de engendrar a atividade vital pela vontade e pela consciência, capa-
citando o indivíduo dessa espécie apreender a própria vida como objeto e, no exercício prático-reflexivo,
extrapolar o imediato em favor da generalidade – quer dizer, em favor do conjunto das atividades sociais
que determinam historicamente a condição da sua existência e do seu pensamento (MARX, 2004, p. 85).

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atuação desses/dessas agentes contempla civilização ocidental, em particular como
mediações e traduções, colocando em mú- nela a balança “eu-nós” pendera para uma
tua referência ideias, concepções, valores e noção individualizada de pessoa, a qual se
normas, a princípio, incongruentes entre si. impõe em detrimento de concepções mais
Levando-se em conta a importância socioe- coletivas, no âmbito de estruturas de rela-
conômica hoje atribuída ao conhecimento ções sociais sempre mais urbanas e mar-
e o peso crescente das políticas de signi- cadas por coordenadas normativas impes-
ficado, aumenta também a importância e soais relativas ao ordenamento político-ju-
abrangência do trabalho intelectual. Assim, rídico e administrativo do Estado nacional
a proposta deste dossiê volta-se para pes- centralizado (ELIAS, 1994). Nesse sentido,
quisas, estudos e reflexões que abordam os a fundamentação do eu epistêmico e judi-
diferentes significados e funções que estão ficativo fez-se intrínseca àquela concepção
sendo ou podem ser discursivamente rela- de eu cujas bases remetem à secularização
cionados à categoria dos/as “intelectuais” da alma e da formação de uma psique in-
no mundo contemporâneo. trasubjetiva2 (MAUSS, 2003, p. 369-397),
Em linhas bem gerais, o ponto de vis- concepção esta que vazou os muros religio-
ta figurativo-processual respalda a cha- sos, propagando-se entre círculos eruditos
ve teórico-analítica cruzando psicogênese renascentistas e pós-renascentistas com o
(pesquisa acerca dos gabaritos de auto- aparecimento das academias, depois leva-
controle na formação de padrões de eco- dos para o cerne dos sistemas universitários
nomia emocionais) e sociogênese (o olhar reformulados no século XIX, com a inau-
lançado sobre as dinâmicas sócio-históri- guração da Universidade de Berlim. Neste
cas de montagem de estruturas sociais) no diapasão, a posição institucional do autor
entendimento dos intelectuais como qua- individual alinhou uma diversidade de for-
dro e posição social, neste dossiê. Em um matos textuais abarcada pela denominação
primeiro momento, se reconhece os intelec- literatura (CHARTIER, 1994). Algo assim
tuais internos à arquitetura cosmológica da se deu, de um lado, pela incorporação jun-

2. Sem aderir à concepção de Durkheim (1989), para a qual o pensamento conceitual diz respeito ao es-
tágio mais avançado do processo hominização, aqui, não se toma a formação dessa economia emocional
tão somente condicionada pela centralidade obtida pelo raciocínio por intercessão, nos círculos teológicos
da cristandade, à roboque das fórmulas racionalistas articuladas em torno da sistematicidade ética das
condutas próprias aos credos monoteístas (WEBER, 1992; SCHLUCHTER e ROTH, 1999). Ainda que se
ratifique a deflagração do processo de autonomia relativa do pensamento às restrições impostas às mo-
dalidades mágicas de pensar por adição/união, torna-se difícil atribuir um fator monocausal ao privilégio
concedido ao modo de pensar conceitual-discursivo, entre as extrações de classes sociais nas quais se re-
crutavam os quadros intelectuais. No esquema da educação formal da Idade Média, as chamadas sete artes
liberais contemplavam disciplinas divididas nos dois seguintes ramos: herdado do modelo greco-latino,
o “trivium” – correspondia às artes “retórica”, “lógica ou dialética” e “gramática”; o “quadrivium”, para
além de saberes igualmente provindos das matrizes da civilização ocidental, a “música” e a “aritmética”,
abrangia a “geometria” e “astronomia”, portanto, sinalizava determina circulação do conhecimento que,
da Índia, avançou pelo Oriente Médio e aos centros de estudos muçulmanos (FRANCO JÚNIOR, 2001). Por
outro lado, as frações ilustradas seculares fazem uso, exatamente, do pensamento abstrato no desmonte
da hegemonia teológica-cristã no pensamento europeu, o que indica outros aprendizados (ROSSI, 1992).

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to aos sábios teológicos muçulmanos da nas trocas públicas de sentido. Por outro
exegese do livro sagrado; por outro, com lado, são igualmente acolhidos olhares
o movimento pelo qual o registro fonéti- voltados aos posicionamentos de agências
co, pela força cosmopolita do latim como humanas e institucionais em processos de
idioma das camadas eclesiásticas cultas à mediação em que contracenam diferentes
luz das suas congêneres seculares romanas, âmbitos sociossimbólicos (culturas, civi-
facultou ao registro escrito alfabético pre- lizações, cosmologias, esferas sociais das
mência entre às demais formas expressivas experiências, entre outras). Nesta segunda
(LE GOFF, 1989; ROMANO, 1989; VERGER, vertente, atenta-se aos efeitos manifestos,
1990). É importante ressaltar que este pres- por exemplo, na redefinição de objetos e
tígio discursivo, mais tarde, viu-se trans- fazeres artísticos, na demarcação ou bor-
ferido aos segmentos eruditos falantes dos ramento/apagamento de fronteiras geocul-
códigos de expressão e comunicação verbal turais articuladas às divisões geopolíticas,
neolatinos e anglo-saxônicos, com a for- no deslocamento de formatos expressivos
mação dos distintos mercados linguísticos e de suportes técnicos e institucionais de
articulados à ascendência dos Estados na- comunicação, na emergência da silhueta
cionais europeus e dos impérios coloniais de novos sujeitos coletivos, na identifica-
lhes correlatos (BOURDIEU, 1996; GÓMEZ, ção de pautas de novas problematizações, e
2003, p. 94-124). Sobretudo, com o adven- agendas temáticas com impactos no plano
to da imprensa e no seu rasto dos mercados civil e estatal, entre outras possibilidades.
editoriais (BRIGGS e BURKE, 2016), a po- Ao longo deste ensaio introdutório, fo-
sição/função do autor/intelectual na trama caremos a posição dos/as intelectuais no
da divisão do trabalho será fixada como quadro de interesses de uma sociologia da
uma lugar de subjetivação, caracterizado cultura contemporânea, a partir da propo-
pelo exercício do controle da multiplicida- sição de que, cada vez mais, são estabeleci-
de dos enunciados em circulação no coti- dos novos parâmetros aos diversos regimes
diano, em razão da antecedência gozada de práticas tanto nos domínios das expres-
pela figura do sujeito de razão (cognitiva, sões e das comunicações (logo das forma-
estética e judificativa), com sua postura es- ções subjetivas e das interações) quanto nas
colástica, apto ao trabalho da criação dis- decisões sobre os usos e, igualmente, na or-
cursiva da conceituação (BOURDIEU, 2001; ganização sociopolítica dos recursos sim-
FOUCAULT, 2001). bólicos. Assim, enquanto uma ampla esfera
Frente a essa tipificação preliminar social em que se ajustam mercantilização,
atendendo à finalidade apenas de orientar modos de simbolização, além de técnicas e
o entendimento inicial da posição do in- equipamentos, ainda nichos institucionais
telectual, no conjunto dos artigos aqui re- variados, a cultura contemporânea parece
unidos interessa, de um lado, perspectivas sagrar-se ao concatenar a dinâmica de lu-
orientadas para as atividades vinculadas à cratividade do capital com circuitos de pro-
legislação do gosto e aos exercícios exe- dução e consumo de bens culturais e daí,
géticos e interpretativos que, extrapolando interagir com as lutas em favor da afirma-
áreas específicas do conhecimento, rever- ção de identidades e atendimento de esti-
beram na promoção de repertórios concei- mas. Abrange, igualmente, as prestações de
tuais e esquemas cognitivos com impacto serviços relativas à mobilização de saberes

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e linguagens na evocação de memórias e na produção, seja na transmissão e, tam-
patrimônios, mas na contrapartida de equi- bém, no acesso e usos das formas toma-
líbrios de poderes, sincronizando ordena- das pela simbolização das experiências, na
mentos locais, nacionais e transnacionais. sua transformação em saberes com efeitos
Nesse sentido, em um primeiro momen- indeléveis sobre os aprendizados, na mo-
to, retemos a ideia de “cultura-mundo”, delação das vontades e, assim, fazendo-se
proposta de Lipovetsky e Serroy (2011, elucidativa dos tipos de desempenhos de
p.31-61). Para um e outro autor, a cultura práticas que definem regimes institucionais
contemporânea se alia ao hipercapitalismo no mundo, hoje.
e, também, ao hiperindividualismo e à hi- Acerca desse último aspecto, referido
pertecnologia. Ou seja, a cultura contem- à abrangência desta “cultura-mundo”, os
porânea é indissociável da universalização mesmos autores inserem uma posição ana-
da lógica mercantil com seus imperativos lítica e interpretativa posta na contramão
de eficiência e concorrência. Mas, trata-se de ideias como a do “choque de civiliza-
da configuração desta lógica tanto no apelo ções” e do declínio dos Estados nacionais.
quanto na concretização dos usos de bens Para eles, é insustentável a tese de uma
e serviços respaldados em uma complexa homogeneização global, isto na medida
divisão do trabalho concatenando sedução, em que, se as civilizações existentes rea-
profissionalismo e dinheiro, estabelecen- firmam as suas respectivas proposições de
do sintonia intrínseca entre lucro e dese- autoimagem, chegando mesmo a abraçar
jo. Logo, a mesma cultura contemporânea alternativas fundamentalistas, ao mesmo
contracena, igualmente, com a robustez tempo interagem e se interpenetram, deslo-
adquirida pela subjetividade em detrimento cando e recriando tradições, reescalonando
dos aportes coletivos (parentesco, religião, suas respectivas heterogeneidades. Portan-
enquadramentos político-ideológicos, na- to, tomada de empréstimo de Edgar Morin3,
ção, entre outros), realçando, em especial, eles recuperam a concepção de a moder-
a inviolabilidade da liberdade como direito nidade constituir a primeira civilização de
inalienável do indivíduo humano, e o es- fato universal, para sublinhar que isto não
tado de felicidade seria a realização desse significa que ela:
ideário. Com isto, tonificando os temas
da identidade e das estimas, para além do Aboliu a diversidade das culturas particula-
bem-estar material e da segurança. Ainda, ristas no mundo. (Pois) Sobre um pano de
esta cultura, em sua amplitude mundial, fundo globalista de agora em diante con-
é simbiótica de uma ecologia sociotécni- vergente e de origem ocidental, podem er-
ca relacionada à centralidade obtida pela guer-se instituições políticas, ideológicas e
tela audiovisual e da linguagem digital seja valores dominantes que não são de modo al-

3. Nos anos de 1960, Edgar Morin (1990) sublinhava a novidade da Cultura Popular de Massas na medida
em que sua narrativa e seus símbolos evocariam uma nova mitologia; nesta última, o prosaico e o coti-
diano estariam elevados ao status de uma epopeia fazendo convergir técnica e moralidades. Constituindo,
assim, um novo panteon de ídolos e heróis saídos do cinema e do esporte. Esta mitologia estaria na base
de um novo “antrophos”, de um “novo homem” agente da primeira, de fato, civilização universal.

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gum os partilhados pelo Ocidente liberal: a a tal ponto considerável que se chega a falar,
globalização hipermoderna não traz consigo não sem razão, de “capitalismo cultural”. A
de maneira alguma o triunfo certo das de- cultura-mundo designa o sistema econômi-
mocracias liberais. (LIPOVETSKY e SERROY, co-cultural do hipercapitalismo globalizado.
2011, p.65) (LIPOVETSKY e SERROY, 2011, p.68)

A partir da proposição sobre o difusio- Ora, ao sublinharem um remanejamen-


nismo dos valores e instituições do Oci- to profundo em que se torna hegemônico
dente, em especial, da democracia liberal, um capitalismo global cuja lógica sistêmica
os autores assinalam as vicissitudes que está definida pelo vínculo entre cultura e
estariam gerando formações societárias e economia, nesta atual equação geopolítica
culturais em nada afinadas com a matriz planetária o que parece nitidamente sobrar
europeia e estadunidense. Fator decisivo a é a esfera política representada pelo Estado-
esse respeito estaria, para um e outro in- nação. Deste modo, a “cultura-mundo” é
térprete, na persistência do Estado-nação tradução de um arranjo societário em que o
como elemento de administração, regula- problema da integração se recoloca, porém,
ção e coordenação da vida planetária, o não mais no nível de integração segmentar,
que se faria sentir no fato de que as forças tampouco daquele do modelo da centrali-
transnacionais “promovem a valorização zação estatal. Nesse sentido, parece-nos,
da diferença e da identidade nacional, o sim, válido reiterar a posição dos autores
apego ao território e à memória, mas tam- acerca de que a cultura contemporânea não
bém egoísmos econômicos” (LIPOVETSKY condiz com o cenário belicoso em que ci-
e SERROY, 2011, p.65). vilizações se colocam em confronto e nem
No instante mesmo em que o argumento com aquele de um achatamento mutilador
proposto é sugestivo, ele igualmente suscita e dissolvente das diferenças étnico-históri-
dúvidas e, os dois autores fornecem ingre- cas. Contudo, ao corresponder a um mundo
dientes para isto quando, mais adiante, tra- em que se dá a crescente competição en-
tam da cultura-mundo como aquela em que tre culturas que, por sua vez, corresponde
o mundo das marcas e do consumo, o mundo à estilização de diferenças sociossimbólicas
mercantil, tornar-se-ia sinônimo de cosmo enquanto diversidades étnicas, sexuais, de
cultural. A cultura-mundo se define, então: gênero, etário-geracionais, entre outras, as
quais, nos tantos formatos adquiridos por
(...) em primeiro lugar pelo fim da separação estas qualidades, compõem os catálogos de
entre cultura e economia, em segundo lugar um mercado da alteridade, deixa em xeque
pelo significativo desenvolvimento da esfe- a contrapartida do monopólio de sentido
ra cultural, em terceiro lugar pela absorção legítimo exercido pelo Estado-nação; mo-
dela pela ordem mercantil. A cultura que ca- nopólio ainda exercido, em parte, nas ma-
racteriza a época hipermoderna não é mais neiras como as narrativas da identidade e
o conjunto das normas herdadas do passado da cultura nacional são figuradas nos bens
e da tradição (a cultura no sentido antropo- simbólicos e em seus suportes materiais.
lógico, nem mesmo o “pequeno mundo” das Deste modo, volto ao modelo de infe-
artes e das letras (a alta cultura); ela se tor- rência sociológica das conexões complexas
nou um setor econômico em plena expansão, com o propósito de tratar do problema acer-

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ca dos níveis de integração em relação ao que, sobre a ruína da condição moderna,
nexo intelectuais e estruturas sociais. Mas é erguia-se outra, a pós-modernidade – tal-
preciso frisar que o faremos no sentido de vez, no momento, Jean-François Lyotard
apreender e discutir a correlação entre a es- concentrasse essa última postura4. Ao levar
pecialização da cultura, no instante de sua a sério os comentários tecidos pelo autor
universalização pelo viés de cultura mer- no prefácio da edição brasileira, Bauman
cantil nos limites do ambiente da globali- encontra uma alternativa de se inserir no
dade, e as características que seriam pró- debate, justamente, tomando por objeto os
prias ao tipo de governança prevalecente maiores interessados na disputa: os intelec-
no que aqui passaremos a chamar de con- tuais. Investido dessa posição, não lhe cabe
texto pós-nacional. A opção analítica que tomar partido acerca de um ou outro polo,
adotamos para nos aproximarmos do pro- tampouco crer no desmonte do tipo moder-
blema acerca da especialização da cultura no de produção intelectual, até porque ob-
toma por referência a perspectiva adotada serva a interação entre a crítica pós-moder-
por Zygmunt Bauman, e isto nos conduz à na e a permanência da modernidade como
sua abordagem sobre a triangulação entre alvo a ser referido continuadamente5. Ocu-
intelectuais, cultura e modernidade. pa-se da disputa, etnografando os localiza-
dos em cada uma das posições, ou seja, os
*** “modernos” e os “pós-modernos”. Interes-
sa-lhe os itinerários para obter uma visão
Embora só lançado no Brasil em 2010, a abrangente da topografia do espaço social
publicação original de Legisladores e Intér- ocupado/constituído por ambas as linhas de
pretes: sobre modernidade, pós-modernida- forças opositivas e complementares.
de e intelectuais (Legislators and Interpre- A questão que motiva o sociólogo po-
ters: on modernity, post-modernity and in- lonês é a alteração no perfil destes perso-
tellectuals) se deu em 1987, na Inglaterra, e nagens – os intelectuais – da trama e da
tinha o propósito claro de participar de um história sociocultural do Ocidente e seu
acalorado debate travado na época: o en- argumento: a passagem dos intelectuais da
frentamento entre defensores de um projeto posição de “legisladores” do projeto de mo-
inacabado da modernidade (HABERMAS dernidade para a de “intérpretes” da pós-
[1992], sobretudo) e os que anunciavam modernidade. Se ele tem em mente os efei-

4. Embora sucinto, um documento importante deste debate é a interlocução entre Habermas, Peter Bürger
e Lyotard – ver Revista Arte e Cultura, n. 10, 1991.
5. A perspectiva da pós-modernidade da qual olha o sociólogo, inspirado pela tradição crítica, diz ele,
“significa sobretudo o rasgamento da máscara das ilusões; o reconhecimento de certas pretensões como
falsas e de certos objetivos como inatingíveis, e nem, por isso mesmo, desejáveis. A esperança, que guia
esse estudo, é de que, sob essas condições, as fontes de poder moral que, na moderna filosofia ética e
prática política, estavam escondidas da vista, possam se tornar visíveis, e as razões para sua passada invi-
sibilidade possam ser mais bem entendidas: e que, como resultado, as oportunidades de `moralização´ da
vida social possam – quem sabe – ser reforçadas. Resta a ver se o tempo da pós-modernidade passará para
a história como o crepúsculo ou como renascimento da moralidade” (BAUMAN, 1997, p.08).

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tos deste deslocamento, mas igualmente lhe concepções de parcialidade, regionalida-
interessa as implicações que o teria gerado. de, imprecisão, deslocamento, entre outros.
Em relação ao primeiro ponto, o autor Portanto, aos modernos importava a tarefa
nota uma alteração qualitativa no tocante legislativa calcada na condição extraor-
à composição deste segmento social: uma dinária e desterritorial, facultando-lhes o
complexa divisão do trabalho se estabelece, direito de se autocelebrarem tanto o crivo
desmembrando-o entre intelectuais “gerais” quanto o oráculo, supremos de uma socie-
e “parciais”. A contradição entre ambos es- dade laicizada, posicionar e fazer juízos
taria no acirramento da especialização fun- imparciais frente a qualquer tradição loca-
cional que garante a existência dos últimos lizada e sujeita às injunções dos interesses
em detrimento do conforto que assegurava cotidianos6. Para os pós-modernos, ao se
o domínio aos primeiros de todo o território autorreconhecerem igualmente territoria-
do conhecimento, da produção de sentidos lizados e inseridos nos parâmetros de um
e da validação de crenças. Certo politeísmo determinado círculo hermenêutico, a tradu-
acompanhado de uma competição crescen- ção entre os dois universos culturais seria
te entre alternativas de significação parece o mais apropriado. A tradução diz respei-
constituir os efeitos dessa clivagem; con- to ao exercício interpretativo que se funda
sequências cujos desdobramentos se fazem no esforço compreensivo, mas igualmente
sentir na erosão que dilui a pretensão uni- tem ciência de consistir em uma imputa-
versalista. Na contrapartida, no compasso ção circunstanciada por condicionantes de
da silhueta do “intelectual regional” em diversas ordens. À maneira do antropólogo
Foucault e Deleuze (1979, p. 69-78), admite, geertzniano (GEERTZ, 2002), essa inserção
mesmo valoriza, a contestação de qualquer delicada opta pela “descrição densa” do
primado unicista, totalizante, aderindo às convívio nativo, sabendo se tratar de uma

6. Sem dúvida, Jean Paul Sartre ilustra como ninguém esse personagem. Ao lado de Simone de Beauvoir
e Maurice Merleau-Ponty na edição da revista Temps Modernes, desde o final da década de quarenta,
Sartre definiu um eixo de interseção entre literatura e política no qual a linguagem corresponderia a um
instrumento conciliando a “positividade de um discurso político e ideológico proferido com clareza e a
negatividade própria da literatura, quer dizer, a sua capacidade de trabalhar o implícito e o não-dito dos
discursos, a fazer a aparecer a contradição que jaz no coração das representações instituídas, pronta a sub-
verter a positividade da palavra socializada” (DENIS, 2002, p.278). Este projeto fundado doutrinariamente
sobre a concepção existencialista de que a existência humana precede a toda essência veio na esteira da
luta contra a ocupação nazista e estava comprometido, apesar dos reveses e do afastamento do autor do
PC francês, com o comunismo soviético, na situação da Guerra Fria. No embalo da vitória colhida na
situação da resistência frente ao inimigo fascista e em sintonia com a teleologia revolucionária marxista
filtrada pela interpretação desenvolvida no livro O Ser e O Nada (SARTRE, 1997), considerando para isso
o legado fenomenológico de Husserl e Heidegger, entre as facções à esquerda da sociedade, a Sartre foi
delegada a autoridade para reivindicar um tratamento ao tema da consciência e da ação cujo foco era a
tensão entre liberdade e determinação no modo como a sociedade moldava os indivíduos. Estes seriam, no
terreno das possibilidades, capazes de ultrapassar os limites nas suas escolhas e estariam, a um só tempo,
comprometidos com toda a humanidade.

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situação interativa entre duas tramas de Numa tentativa de aplicação da “her-
significados e a comunicação estabelecida menêutica sociológica” à metanarrativa
está, assim, gerando novas significações – dos intelectuais no Ocidente, a proposta de
o que, mais tarde, Homi Bhabha denomina- Bauman está em evidenciá-los, tirando-os
rá de “terceiras culturas” (BHABHA, 2001; da opacidade em que costumam se encon-
RUTHERDORD, 1996)7. trar no que concerne às mudanças cultu-
Já em relação às implicações inerentes rais e aos processos sociais de um ponto de
a essa disputa territorial interna ao campo vista mais amplo. Para isto, ele recorre ao
intelectual, Bauman irá atentar à complexi- modelo de análise etiológica proposto pelo
ficação e à especialização mesma da cultu- antropólogo Paul Radin (2002), em que o
ra. Levanta a hipótese de que: exercício de autorrevelação transcultural
faculta desvelar o modo de constituição do
(...) o surgimento e a influência das duas próprio intelectual em sua sociedade de ori-
variedades distintas de práticas intelectuais gem, e esta se torna a condição para verifi-
podem ser mais bem-entendidas quando car a presença e a natureza desta presença
consideradas em comparação com as mu- dos “filósofos primitivos”. Bauman obser-
danças nas relações entre o Ocidente indus- va, a partir das elaborações do antropólo-
trializado e o resto do mundo; na organi- go, como se delineiam certas características
zação interna das sociedades ocidentais, na comuns entre os intelectuais, em especial
situação do conhecimento e dos produtores seu isolamento no conjunto societário, o
de conhecimento dentro dessa organização que lhe garante uma distância tanto para
de vida dos próprios intelectuais. (BAUMAN, julgar os outros regimes de práticas quanto
2010, p.21-22) para oferecer formulações que a princípio
não estariam contaminadas, seja pela par-
É deste modo em que se propõe: cialidade ou pela inconstância.
Com efeito, Bauman se volta para a fi-
(...) explorar as condições históricas sob as gura do intelectual no Ocidente e se depara
quais a visão de mundo e a estratégia in- com a presença recente do termo e do seu
telectual modernas se formaram e as con- significado, datada do final do século XIX,
dições sob as quais foram questionadas e ao que parece na França, tendo por emble-
em parte suplantadas, ou pelo menos com- ma a célebre carta J´accuse, escrita pelo ro-
plementadas, por uma visão de mundo e mancista Emile Zola ao presidente da Fran-
uma estratégia alternativas, pós-modernas. ça, reivindicando a revisão do julgamento
(BAUMAN, 2010, p.21). que condenou por traição o oficial judeu

7. Respaldado na desconstrução derridadiana da unicidade fônica do eu epistêmico (DERRIDA, 2017) e no


esquema da polifonia, em Bakthin (1996), a corrente pós-modernista na antropologia estadunidense ex-
tremou o perspectivismo interpretativista. Com isto, ressaltaram o papel de tradutor, já que o pesquisador
deveria atentar-se à multivocalidade e à multiplicidade de gestos dos/as seus/suas interlocutores (as). Como
observa James Clifford (2002, p.179-227), o ponto nevrálgico reside nos riscos da tradução intercultural
mais que mutilar – pois toda tradução é por natureza “traidora” –, forçar ao silêncio a alteridade sobre a qual
fala, em respeito ao imperativo de que a descrição e análise se mantenham fiéis ao realismo etnográfico.

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André Dreyfus. No documento, valendo-se tada ao renascimento da sociedade. A coe-
das prerrogativas de valores universais, o são deste grupo pelo acato da imagem e do
autor é tenaz na defesa do militar, denun- significado de serem um círculo cerrado em
ciando o antissemitismo que teria orien- suas próprias fronteiras, dentro das quais se
tado o desfecho da decisão judicial que o cultuava uma razão laica e não imiscuída
condenou (Rouanet, 2006, p.71-72). Impor- nas mesquinharias e parcialidades, naque-
ta-lhe, antes, a coincidência histórica entre le instante, fazia frente a um conjunto de
a demarcação da classificação de um grupo impasses e lacunas marcantes no contexto
de status, tendo por núcleo a excelência e social da França: uma monarquia absoluta
soberania do filósofo no direito/dever de madura e desgastada, abrindo flancos para
interferir no mundo público, e o declínio da posturas conservadoras e revolucionárias
concepção de razão substantiva, abarcando que complementassem, dando acabamento
em seu seio os planos científicos, morais, ao processo de centralização estatal; contu-
estéticos e políticos (BÉNICHOU, 1981). do, a nobreza cortesã mostrar-se-á incapaz
Persevera o autor que a tenacidade na de- de exercer a liderança deste processo, tam-
fesa do intelectual esteve em consonância pouco oferecia subsídios para implantar um
com a narrativa mítica acerca dos philo- controle social efetivo; assim, o declínio da
sophes iluministas (CHARLE, 1990; BA- nobreza se deu antes que qualquer outro
DINTER, 2007). Enquanto uma estratégia, grupo emergisse com autoridade para assu-
a evocação desse herói-civilizador permitiu mir a tarefa de classe dominante (TOCQUE-
não apenas respaldar o poder simbólico da VILLE, 1997; ELIAS, 2001).
autonomeação desta elite, mas igualmen- Desde já se torna claro o que interessa a
te garantir os dispositivos de recrutamento Bauman: a correlação estabelecida no cur-
dos seus membros. A antecedência mítica so histórico das sociedades nacionais euro-
dos philosophes estava fundada na utopia peias, entre as facções ilustradas e outros
da ilustração do século XVIII (TOURAINE, segmentos dominantes na composição dos
1994), ou seja, na emancipação humana espaços de poder. Desta maneira, executa
pela intervenção da transparência racional, uma sociogênese do nexo poder/conheci-
controlando tanto a fúria interna à anima- mento. Ou melhor, volta-se à apreensão
lidade existente no homem quanto as tur- da dinâmica histórica em que o ponto de
bulências relacionadas à natureza externa. vista dos philosophes sai de uma posição
Contudo, destaca Bauman, o empreendi- marginal e emergencial até se impor como
mento mítico-utópico não pode ser isolado uma ortodoxia. E o que seria próprio a este
das condições históricas do poder político ponto de vista? Exatamente a credulidade
francês do mesmo século XVIII, no qual es- na competência humana, por intermédios
ses personagens puderam se colocar como dos seus recursos cognitivos, mentais, de
anunciadores e juízes de um projeto da “boa domar os fatores que geravam inseguran-
sociedade”. Eles, aí, constituíam uma rede, ça. Ora, a ascendência deste ponto de vista,
a Republique das Lettres, composta pelas detecta o autor, ocorre no mesmo momento
sociétés de pensée. Enquanto uma noble- em que sobre as ruínas do “mundo estável”
se, os philosophes se distinguiam como um e “pacato” medieval, erguia-se a aurora da
padrão ideal de humanidade, uma reserva modernidade. O desmonte paulatino da or-
moral assentada no credo na razão habili- dem patrimonial e comunitária introduz a

Os intelectuais e a especialização da cultura 19


aceleração dos ritmos, os deslocamentos de engendramento de discursividades em que
coisas, pessoas e ideias. Impõe-se a deses- as populações são definidas objetos para
tabilização como um fator estrutural às vi- a interpelação de sujeitos de saber com a
das e socialidades. Uma atmosfera de medo operacionalidade contínua de exercícios
se propaga, generalizando-se. A figura do de comando (FOUCAULT, 2008). E algo
“homem livre” – mais tarde explorada por assim, acentua Bauman, dizia respeito, ini-
Marx, em O Capital –, do vagabundo tran- cialmente, à domesticação desses magotes
seunte sem paradeiro devido ao corte dos humanos, deixando-os em situação perma-
laços e obrigações com a terra e o senhor, é nente de objetos de vigilância por parte de
paradigmática: instituições dotadas de recursos de contro-
les totalmente assimétricos em relação às
Falando do ponto de vista sociológico, os populações submetidas aos seus desígnios.
homens livres vagabundos expunham a ob- Uma das alternativas adotadas no movi-
solescência dos mecanismos tradicionais de mento desta nova forma de controle social
reprodução social; por conseguinte, concen- é a intervenção do educador que, à maneira
traram sobre si o ódio e a ansiedade nas- do pastor de ovelhas8, é reconhecido por ser
cidos de uma nova incerteza. O medo era dotado do poder de condução e isto corres-
autocorroborante, era também irreduzível, ponde, por outro lado, à incapacidade de
à medida que os processos de cercamento autodireção por parte dos “arrebanhados”:
dos campos jogavam cada vez mais pessoas
nas estradas, e que os hábitos móveis dos A institucionalização da vigilância assimé-
homens livres multiplicavam seu número trica ofereceu uma estrutura arquetípica na
verdadeiro na consciência pública: cada ho- qual esta compreensão da “insuficiência”,
mem livre visitava e assustava muitas loca- “incompletude” ou “imaturidade intrínseca”
lidades num curto período de tempo. (BAU- dos seres humanos podia ser de novo forja-
MAN, 2010, p.65). da em ação prática, e, desse modo, testada e
reforçada. Essa prática, contudo, que de um
É na contrapartida desses deslocamen- lado reproduzia e “objetivava” as imperfei-
tos socioestruturais na Europa, em que o ções do indivíduo humano, estabelecia na
desprendimento de vidas humanas da ter- outra ponta do espectro de poder o papel do
ra e das comunidades campônias, tornan- educador – o especialista em fazer os seres
do-as mão-de-obra a serem comodificadas humanos ascenderem à perfeição exigida
no interior de um mercado em crescente pela ordem social, da forma adequada, reno-
unificação, que o Estado centralizado se meada agora de “bem comum”. (BAUMAN,
impõe como “agente do poder disciplinar”, 2010, p.74-78).
de acordo com o vocabulário focaultiano,
quando foca o controle e a regulação de A delimitação e a incompatibilidade es-
populações humanas mediante o mútuo tabelecida entre razão e paixão se tornam o

8. Há um diálogo entre o emprego dessa imagem por Bauman e as formulações foucautianas sobre o ad-
vento da arte de governar centrada na figura do pastor, em meio à afirmação da cristandade católica no
Ocidente (FOUCAULT, 2008).

20 Repocs, v.15, n.31, jan./jul. 2019


reverso da medalha, para o autor, da manei- as práticas populares passam a ser alvo de
ra como se conjugaram a ascensão do edu- desqualificação. Mais ainda. Tornando-se
cador e a consolidação da prioridade moral objeto de repressão, seus agentes são postos
do bem-comum, face normativa da ordem sob a vigilância, são coagidos à pedagogia
social consubstanciada no Estado centrali- racionalmente informada.
zado. Sob esses trilhos, perpetuar a atitude A denominação do intelectual como
ordeira, civil, estava relacionado tanto à “jardineiro”9 se faz em obediência às prer-
educação dos homens, suscitando sua com- rogativas deste contexto em que as elites
petência de autocontrole, quanto ao reco- ilustradas ascendem e se efetivam como
nhecimento por parte destes, da autoridade detentoras de um saber que as autoriza for-
de controle coletivo exercido pelo ordena- mular artefatos cognitivos com fundamen-
mento estatal. Bauman mostra de que for- tos e fins morais calcados na utopia da “boa
ma, nos debates tratados entre pensadores sociedade”. São, ao mesmo tempo, planeja-
na aurora moderna, a separação entre inte- dores e legisladores que julgam outras prá-
resse e paixão também tinha por objetivo ticas e propõem novas atitudes de acordo
traçar a distinção do que correspondia ao com o postulado do bem-comum e, assim,
julgo das vontades inteiradas no convívio fazem dueto com as razões do Estado cen-
social daquele plano natural, desprovido de tralizado. Civilizar afirma-se, então, como
uma regulação possível a partir do acordo um projeto visando formar almas e corpos
das vontades, quer dizer, da falta de um ar- para que estes não repercutam no coletivo
tifício institucional gerando previsibilidade à maneira das ervas daninhas no campo,
(FARIAS, 2009, p.17-58). Em todos esses rompendo os posicionamentos estabeleci-
aspectos, destaca-se a posição estratégica dos, enfim, promovendo a desordem10.
ocupada pela ideia de planejamento como Contudo, Bauman observa que o desen-
signo de uma competência intelectual apta lace desta parceria entre elites ilustradas e
a fazer frente aos desmandos de qualquer ordem estatal centralizada ocorreu nas vi-
natureza, sobretudo aqueles provenientes cissitudes geradas pela sua própria dinâmi-
da permanência de costumes – tradições ca sócio-histórica, ou seja, decorreu da im-
antigas, tomadas como inadequadas para o plantação da modernidade como modo de
tempo presente (BURKE, 2010). Com isto, vida e narrativa legítima, autodefinindo-se

9. O recurso a essa categoria aparece no livro Modernidade e Ambivalência, em que Bauman (1999, p.09-
113) identifica uma ciência da jardinagem no andamento de montagem da modernidade europeia. A seu
ver, essa ciência corresponde ao combate incessante a toda sorte de ambivalências decorrentes do próprio
avanço da sociedade-nação industrial burguesa. O concerto entre Estado e intelectuais teria desempenha-
do papel nevrálgico nessa guerra moral-cognitiva.
10. A questão civilizatória posta na ponta da lança das elites ilustradas europeias, a seu ver, respalda-
va-se num alicerce de uma moral unicistas. Ora, lembra o autor que os fenômenos humanos são em seu
âmago ambíguos, logo, todo impulso moral é essencialmente ambíguo, já que não se ajusta ao cálculo
dos meios e assim, por aflorar na contingência do estar face a face com o outro, a condução moral se faz
impossível de tomá-la como previsível à luz de princípios éticos filosóficos, abstratos. Os atos morais, ao
estarem fundados no ser para o outro – de acordo com o filósofo Emmanuel Lévinas (2005) –, não dizem

Os intelectuais e a especialização da cultura 21


e apresentando-se como o ponto culminan- uma certeza em combate, militante. Um re-
te da razão e da civilização de toda a hu- laxamento momentâneo de vigilância podia
manidade. O autor argumenta que o traço custar caro. Algumas vezes custou. (BAU-
bélico de cruzada moral e epistêmica desta MAN, 2010, p.175).
narrativa e da atitude lhe correlata sempre
esteve, ao mesmo tempo, pressionada pelo Ascensão do “intérprete” para Bauman
objeto a que deveria combater: a desordem, se deu, justamente, quando o relativismo
o irracional, aquilo sobre o que deveria le- inerente ao discurso e a atitude dos filó-
gislar a razão emancipada e substancial: sofos modernos, em sua batalha contra o
que não pode e nem deve exterminar, o ir-
A modernidade foi vivida numa casa mal racional, solapa-lhe os espaços. Isto ocorre
-assombrada. Ela foi uma idade de certezas, na medida em que as tantas formas de vida
mas teve seus demônios; era a segurança de absorvem a concepção modernista de au-
uma fortaleza sitiada, a confiança do co- tolegitimação, negando com isto o direito
mandante de um exército até então, graças de que um poder judificativo e epistêmico
a Deus, mais forte. Ao contrário da certeza possa, de fora, fundado em um postulado
dos escolásticos, a certeza dos filósofos mo- universalista de verdade, investir sobre suas
dernos envolveu uma consciência pungente respectivas características e prioridades11.
do problema do relativismo. Ela tinha de ser No plano discursivo se dão justaposições

respeito à concepção de um “nós” entendido como uma pluralidade de “eus”; a totalidade moral com-
preende a organicidade de cada eu insubstituível na responsabilidade da sua atitude frente ao outro, mas
sem com isto requerer uma simetria assentada na uniformidade diante tanto das ordens dadas quanto
daquelas recebidas. Recorrendo a Lévinas, Bauman delineia os contornos do ser moral, primeiro no en-
contro com o outro, no dado elementar da diferença, da pura assimetria que o encontro revela (BAUMAN,
1997, p, 59-60). Depois, no “nós” que resulta desta assimetria do “ser para o outro” não inscrito em um
mandamento universalizável, redunda ser minha responsabilidade “sempre um passo a frente, sempre
maior que a do Outro”, para o qual tenho a inextrincável certeza de que sua singularidade é o assegurar
da minha alteridade.
11. Segundo Bauman, a condição moderna, ao pôr-se o problema de desnaturalizar a ordem, introduziu
a humanidade no terreno movediço dos padrões autônomos. Acompanhando a pluralidade de contextos
autônomos, mas mutuamente referidos, dotou homens e mulheres da condição de indivíduos. Estes, não
estando determinados a princípio por identidades naturais, estiveram (e estão) obrigados ao exercício de
construí-las no porvir. A ênfase na escolha deixa patente o fenecimento da rigidez com que os elos cole-
tivos exerciam o controle sobre as condutas. Por outro lado, a proliferação desses contextos normativos
trouxe a avaliação para um lugar tão central a ponto de ferir a eficácia silenciosa do hábito. “Uma vez
que venha avaliar, porém, fica evidente que o `útil´ não é necessariamente `bom´, ou `belo´ não tem que
ser necessariamente `verdadeiro´. Uma vez que se fez a pergunta sobre os critérios de avaliação, as `di-
mensões´ da mensuração começam a se ramificar e crescer em direções cada vez mais distantes entre si.
O `modo certo´, uma vez unitário e indivisível, começa a dividir-se em ´economicamente sensato´, `esteti-
camente agradável´, `moralmente apropriado´. As ações podem ser certas num sentido, e erradas noutro.
Que ação deve ser medida e por que critérios? E se numerosos critérios se aplicam, a qual dar prioridade?”
(BAUMAN, 1997, p.09).

22 Repocs, v.15, n.31, jan./jul. 2019


contínuas entre modernistas, pós-moder- pressionados a ocuparem o lugar de espe-
nistas, feministas, pós-colonialistas, deoco- cialista. E isto, para autor, é particularmen-
lonialistas, representantes da teoria queer, te notável na medida em que arte-cultura
entre tantos outros (as). De acordo com e mercado se aproximam, tornando-se um
Bauman, nenhum campo foi mais sensível mesmo sistema:
a esse deslocamento que aquele das artes;
o advento das vertentes estéticas pós-mo- Tendo submetido à validação da cultura ao
dernistas (GUINSBURG e BARBOSA, 2008) julgamento prático e quantificável da de-
descortinou os impasses puristas herdado manda, o mercado reduziu a elite cultural a
das vanguardas modernistas em seus es- um dos muitos “grupos de interesse de gos-
forços de depurar a arte dos compromissos to” a competir uns com os outros pela bene-
com os grupos e valores estabelecidos nas volente atenção do consumidor (BAUMAN,
hierarquias societárias. Impasses decorren- 2010, p.215).
tes da retroalimentação do sistema artísti-
co e a vinculação crescente da obra de arte A ironia que anota Bauman está na vi-
com os critérios de legalizar, comerciali- cissitude da emancipação da cultura: vimos,
zar e realizar lucros, à maneira de outras sua especialização é fruto desta autonomi-
mercadorias e serviços (BAUMAN, 2010, zação, mas esta última, quando faculta um
p.182). Nesse sentido, o fundamento da au- crescente distanciamento em relação ao
tenticidade como critério de validação esté- ordenamento estatal e sua razão civilizató-
tica estivera cada vez mais corroído pela di- ria, depõe contra a possibilidade mesma da
nâmica mesma da afirmação da arte como república das letras legislar sobre todos os
uma forma de vida específica. Enfim, a es- domínios da experiência humana. Inserida
pecialização resulta do curso dos esforços no rol sistêmico do mercado e da divisão do
de autonomização frente à intervenção de trabalho complexa das sociedades contem-
qualquer fator exógeno à própria cultura. porâneas, a cultura se encontra destronada
Para Bauman, o diagnóstico posto pelas do status de fator de integração universal,
vertentes estéticas pós-modernistas pode mas nos limites da interlândia da territoria-
ser estendido ao conjunto dos ramos inte- lidade nacional. À luz das formulações de
lectuais no Ocidente. No instante em que Bourdieu (2009), o sociólogo polonês en-
são reforçadas as autolegitimações das di- tende que, imiscuída no mundo comum, or-
ferentes formas de vida, a prerrogativa dos dinário, em que se cruzam ideais e interes-
intelectuais de legislarem sobre a verdade, ses materiais, a cultura conhece profunda
o julgamento e o gosto em geral deixa de ressemantização na qual está referida aos
ter pertinência (BAYER, 2008, p.179-398). modos como se reproduzem e perpetuam
Ao contrário, deslocados da posição de os dispositivos sociais de controle não mais
meta-especialista, eles são, cada vez mais, pela disciplina e sim, mediante a sedução12.

12. Mais tarde, Bauman irá identificar um “mal-estar” específico à pós-modernidade, distinto daquele con-
cebido por Freud em relação à modernidade (ou ao seu corolário, a “civilização”), em função, justamente,
de “os homens e mulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de segurança por

Os intelectuais e a especialização da cultura 23


Nos rastros do que – nos Estados Unidos – pa aos nossos propósitos esmiuçar os passos
foi denominado de “virada cultural” (“the e interpretações que assinalam a ascensão
cultural turn”) (JAMESON, 2006). Agora, de arranjo societário condizente com esse
cultura e consumo compreendem um mes- paradigma. Basta sublinhar que, no início
mo par institucional e esfera da experiência dos anos setenta – do século XX –, o soció-
(FARIAS, 2017, p. 3-14). logo Daniel Bell advogava o que chamou
A essa altura da argumentação de Bau- de O Advento da Sociedade Pós-Industrial.
man, o diagnóstico sobre a especialização No livro editado em 1973, o autor se propu-
da cultura manifesta o cruzamento entre sera tornar inteligível tanto características
economia e cultura, mercadoria e simbólico, estruturais quanto padrões de transforma-
como um forte condicionante na redefini- ções “mais duradouros e coerentes” que re-
ção profunda que ora experimenta a posição velassem como as relações sociais ingressa-
social dos/as intelectuais. Alterações essas vam num patamar relacional em dependên-
dispostas no caudal da emergência da estru- cia da dimensão científico-tecnológica, em
tura social, destacada pela implicação mú- um elevado e novo coeficiente. Ainda que
tua entre dinâmica capitalista e conversão as peculiaridades das estruturas sociais na-
cibernética do saber em ativo com empregos cionais específicas impusessem alterações
em planos dos mais diversos da experiência significativas à apreensão desta dominân-
coletiva e individual contemporânea. cia, a integração dos elementos estaria em
Não é o caso de realizar, aqui, uma ge- obediência aos fatores técnicos e ao conhe-
nealogia do chamado paradigma tecnológi- cimento especializado. Então, a obra ataca
co informacional e, por consequência, esca- a tarefa de oferecer os limites do conceito

um quinhão de felicidade” (BAUMAN, 1998, p. 10 – em itálico no original). Ou seja, o imperativo moderno


da universalidade uniforme, manifesto na atitude do indivíduo de abdicar da própria liberdade de busca do
prazer, em nome da ordenação e regulação civilizatória da natureza desordenada e ambivalente, capitu-
laria atualmente ante a “desregulamentação” generalizada, a partir da qual é desenhada a cena “suja” do
dia-a-dia pós-moderno. Então, no entendimento do autor, ocorre a dissolução da tendência da sociedade
moderna, mediante o projeto de racionalização calcado na aliança entre o arranjo técnico-científico e o
aparato burocrático do Estado-nação moderno, de primeiro identificar para depois, estrategicamente, eli-
minar o estranho. O próprio Bauman, entretanto, coloca aspas na tolerância pós-moderna à diferença. E
demonstra como o imperativo de “pureza” (diferenciação, classificação e unificação) comparece ao círculo
das sociabilidades descentradas contemporâneas. Pois se, graças ao impulso infinito às novas sensações,
é saudada como liberdade a concorrência entre estilos e padrões de vida e o teste da permanente sedu-
ção se abre como a possibilidade de renovação constante, impulsionada pelo mercado consumidor, nem
todos são admitidos nos portais dessa convivência ávida de êxtase: “Uma vez que o critério da pureza é
a aptidão de participar do jogo consumista, os deixados fora como um “problema”, como a “sujeira” que
precisa ser removida, são os consumidores falhos – pessoas incapazes de responder aos atrativos do mer-
cado consumidor porque lhes faltam recursos requeridos, pessoas incapazes de serem “indivíduos livres”
conforme o senso de “liberdade” definido em função do poder de escolha do consumidor. São eles os
novos “impuros”, que não se ajustam ao novo esquema de pureza. Encarados a partir da nova perspectiva
do mercado consumidor, eles são redundantes – verdadeiros ‘objetos fora do lugar’” (BAUMAN, 1998b, p.
24 – em itálico no original).

24 Repocs, v.15, n.31, jan./jul. 2019


de pós-industrial. Porque abrigaria os mais ramento da cultura, passando à semântica
avançados processos nessa direção, os Es- da natureza pragmático-funcional, logo
tados Unidos foram priorizados como uni- “antinômica” e “anti-institucional”.
dade empírica para ilustrar o argumento e Para chegar a essas hipóteses, Bell ope-
o formidável montante de dados se refere à ra com um quadro sinótico de tendências
descrição de deslocamentos ocorridos na- que, sistematizadas, dariam evidências a
quela sociedade desde a década de 1950. cinco propriedades básicas da sociedade
A tese de Daniel Bell obteve visibilidade pós-industrial, ou melhor, suas dimensões
ainda em 1962, durante um debate em Bos- elementares. Seriam elas:
ton (nos Estados Unidos) sobre tecnologia.
Já naquela oportunidade, o autor deixara 1. Setor econômico: a mudança de uma eco-
patente o seu exercício de previsão, me- nomia de produção de bens para uma de
diante a verificação de índices estatísticos serviços;
que – concluíra – assinalavam que a es- 2. Distribuição ocupacional: a preeminência
trutura social das sociedades modernas do da classe profissional e técnica;
Ocidente tomava outros rumos, isto em se 3. Princípio axial: a centralidade do conhe-
considerando a organização das suas ins- cimento teórico como fonte de inovação e
tituições primordiais, principalmente no de formulação política para a sociedade;
que concernia o remanejamento entre estas 4. Orientação futura: o controle da tecnolo-
próprias instituições. Bell se atém no que, gia e a distribuição tecnológica;
para ele, consistia numa mudança de signi- 5. Tomada de decisões: a criação de uma
ficado a partir da confluência entre ciência nova “tecnologia intelectual”. (BELL, 1977,
e tecnologia sobre o sistema das ocupa- p.27-28);
ções. Deste modo, ele descreve a sociedade
pós-industrial sob as coordenadas de três Está claro que o livro de Daniel Bell
processos que se rebatem mutuamente. De evoca, como problemática, o delicado re-
um lado, a funcionalização e a burocratiza- lacionamento entre tecnocracia e política.
ção da produção científica de conhecimen- Uma verdadeira obsessão que dominou
to, conformando uma arquitetura alveolar as atenções de tantos outros autores que
de células altamente especializadas, mas lhes são contemporâneos. A efetivação
complementares. De outro, a maneira de o do modelo fordista keynisiano nas socie-
sistema político responder à tal rotação da dades industriais do Ocidente e do Estado
estrutura social que se manifestaria na pró- de planejamento nos países do Leste eu-
pria acentuação do peso conferido ao com- ropeu, área de influência da antiga URSS,
ponente técnico-científico no que tange à dispusera esse casamento como um tema
administração da sociedade. Assim, cientis- candente (ARON, 2002). O próprio Bell, no
tas, engenheiros e tecnocratas rapidamente livro O fim das ideologias (Bell, 1980), se
disputariam com os políticos as rédeas do debruça sobre os limites da política numa
comando da sociedade. Ora, a terceira pon- estrutura tecnocrática. Em As Contradições
ta do esquema, justamente, no instante que Culturais do Capitalismo (BELL, 1980a) o
implica na primazia conferida ao conheci- mesmo autor reflete sobre os impasses dos
mento teórico-cognitivo, compreenderia a cânones valorativos laboral-produtivista
diluição do sentido formativo e de aprimo- da modernidade, em meio à ascensão da

Os intelectuais e a especialização da cultura 25


tônica depositada no hedonismo próprio ao De acordo com a visão do autor, o com-
regime de valores e práticas da sociedade putador, como símbolo e artefato da socie-
de consumo. E, por isso, a fórmula estrutu- dade da informação, da mercantificação do
ral-funcionalista do conceito da sociedade conhecimento, está em muito vinculado à
pós-industrial contorna as diferenças ideo- ideia de uma “tecnoestrutura” de instâncias
lógicas referidas às relações de produção (a públicas e empresas privadas, contracenan-
questão da propriedade) para reconhecer do com a centralidade do trabalho regula-
as semelhanças nas alterações estruturais mentado na organização geral da sociedade
nos Estados Unidos e na União Soviética. industrial.
Ambas as sociedades convergiriam – num No ano de 1985, ciente da magnitude
futuro não tão distante – para um mes- que adquiria as tecnologias de informação
mo padrão societário. O ponto irônico na como força produtiva, mas intuindo seus
avaliação da obra de Bell está no quanto o desdobramentos sobre o âmbito das ocupa-
que há de pífio, falacioso, na sua proposta ções e deixando os seus efeitos sobre a sol-
é, por outro lado, algo sugestivo e mesmo vência do trabalho vivo e, logo, com reper-
com algum teor de antecipação histórica, cussões políticas e sociais, o pensador po-
embora as expensas da previsão do autor. lonês Adam Schaff (1995), em um relatório
De concreto, o colosso soviético inclinou- elaborado para o Clube de Roma, sublinhou
se para um sistema societário assemelhado a emergência de uma “sociedade-informá-
ao norte-americano, porém, tal conversão tica”. A seu ver, esta titânica alteração na
veio no caudal da insolvência do esquema base produtiva teria implicações na direção
estatal-socialista e, com isso, a Rússia e da recondução a um patamar democrático
suas antigas zonas de interferência foram novo, já não mais condicionado pelo esta-
deslocadas para a economia de mercado. tuto da propriedade, liberando as pessoas
Ao mesmo tempo, a ascensão de uma eco- ao ócio criativo da educação e da produ-
nomia de serviços contatada à hegemonia ção de conhecimento. Ou, ao contrário, à
do conhecimento teórico, consubstanciado desagregação resultante da eliminação das
num sistema de competências técnico-pro- possibilidades de garantir a sobrevivência
fissionais, em muito pouco efetivou um devido ao desemprego estrutural, o que po-
potente Estado administrativo de planeja- deria fazer recrudescer as lutas de classe e o
mento, capitaneado por uma intelligentsia emprego da força, consumindo recursos em
científico-política. um torvelinho alucinado, culminando em
Enfim, o diagnóstico de Bell revela ca- um sistema de opulência, desigual e totali-
racterísticas de um desenvolvimento que tário calcado na tecnologia de informação
compilou forças e fatores que emularam – cenário recorrente entre filmes de ficção
a favor do elo entre tecnologia, conheci- científica da década de 1980. A seguinte
mento e economia como um encadeamento ambiguidade decorre do seu olhar para o
cortante e agudo no potencial transforma- futuro: se a microeletrônica poderia provo-
dor das relações sociais, contribuindo na car o fim da propriedade privada no instan-
estruturação destas últimas em outro pata- te em que teria como eliminar a extração
mar. Contudo, Daniel Bell falava de dentro de mais-valia, também poderia comungar
de um padrão à acumulação capitalista en- contrariamente com a existência da demo-
camisado pelo Estado de bem-estar social. cracia, caso a abolição da apropriação pri-

26 Repocs, v.15, n.31, jan./jul. 2019


vada dos meios de produção tecnológicos indicava a inclinação para o enfraqueci-
fosse consequência de convulsões provo- mento de algumas das funções até então
cadas por massas desalentadas (SCHAFF, centrais do Estado-nação. A seu ver, a ima-
1995, p.58-59). Daí por que o autor sugere gem de sociedade emergente, na correlação
renúncias das classes proprietárias visando do capitalismo com novas tecnologias de
a preparar e assegurar às pessoas uma fon- informação-comunicação, implicaria em
te de rendimentos através da previdência um vínculo mais individualizado por par-
pública, com a qual pudessem dispor seu te das pessoas e, concomitantemente, mais
tempo livre na automoldagem como agen- complexo e móvel. Em lugar, portanto, das
tes lúdico-criativos. grandes narrativas legitimadoras (a nação,
Ora, é de dentro dessa atmosfera aspi- o socialismo, o humanismo, entre outras),
rada que se consagrou a expressão “pós- ter-se-iam funções de reprodução e regula-
moderno”, no final da década de 1970. gem a cargos de especialistas de todos os ti-
Nome de relevo naquele momento, o fi- pos, desde que com acesso às informações.
lósofo Jean-Fronçois Lyotard assinalava As expensas da elite política convencional,
as dificuldades em manter ajustada a tría- eles seriam membros de uma classe diri-
de cultura, política e Estado-nação – eixo gente composta de decisores, “dirigentes
fundamental à sistemática hegemônica nos de empresas, altos funcionários, dirigentes
dois últimos séculos no planeta. De olho de grandes órgãos profissionais, sindicais,
no quanto os aparelhos miniaturizados políticos, confessionais.” (LYOTARD, 1985,
iam já transformando o acesso, a operação p. 27). Competência e performance adquiri-
e a classificação do saber, o autor subli- riam, no seu entendimento, o status de cha-
nhava a alteração mesma na natureza do ves à legitimação em um arranjo em que
conhecimento; segundo ele, por se tornar o saber se impõe como poder. Com isto, o
traduzível nas tecnologias informacionais, autor diagnosticou o desmonte do projeto
o saber deixava de ser “espírito” e, logo, re- humboltiano do saber movido à formação
vertia-se na principal força produtiva. Em espiritual diante do nivelamento do co-
termos geopolíticos, os feitos da tendência nhecimento em informação processável e
em curso o leva à seguinte comparação: se performatizada nos circuitos da microele-
antes os Estados nacionais se confrontaram trônica. As palavras do autor possibilitam
para dominar territórios, doravante iriam concluir que a administração e distribuição
aos enfrentamentos na direção do domínio dos recursos e a coordenação das relações
das informações, o que abriria um novo sociais estariam cada vez mais em sinto-
viés para estratégias industriais, militares, nia com a economia simbólica. E esta úl-
comerciais e políticas. Porém, conclui algo tima corresponde à sistemática em que o
um tanto drástico: o próprio Estado tornar- dueto informação-comunicação condensa
se-ia um óbice nesta espiral mercantil do nele força produtiva, mercadoria, lógica
conhecimento (LYOTARD, 1985, p.06). O de interação/classificação e hierarquização
pensador tocava assim no ponto nevrálgi- dos estratos sociais de tal maneira potente
co da fase pós-industrial: os novos desafios a ponto de afrontar o primado do Estado
postos à legitimidade e ao próprio posicio- nacional.
namento dos termos na conexão entre po- Escrito já na metade final dos anos de
der e saber, no instante em que sua reflexão 1990, Era da Informação, de Manuel Cas-

Os intelectuais e a especialização da cultura 27


tells, oportuniza outro ponto de vista socio- da informação (CASTELLS, 2001, p.50-51).
lógico acerca do nexo entre tecnologia de Para Castells, apesar da diferença entre
informação e relações sociais. Quando, no as experiências nacionais, em todos os ca-
volume I, Castells mobiliza o conceito de sos a aceleração do desenvolvimento tec-
“meios de inovação” para descrever a loca- nológico contou com o decisivo estímulo
lização de interações entre sistemas de des- dos seus respectivos Estados nacionais ou
cobertas e aplicações tecnológicas (ou seja, fomentando as pesquisas, mediante a dota-
“o uso de conhecimentos científicos para es- ção de verbas previstas em seus orçamentos,
pecificar as vias de se fazerem as coisas de ou fazendo encomendas à iniciativa priva-
uma maneira reproduzível”), mostra o quan- da especializada do setor. O que leva Cas-
to a sinergia acionada nesses “meios” é ca- tells, portanto, a inferir que esse avanço se
paz de compactar agrupamentos que se rela- deu na correlação com macroprogramas de
cionam de maneira retroalimentar em raios pesquisa e grandes mercados fermentados
de alcance maiores (CASTELLS, 2001, p.55). pelos respectivos governos nacionais, mas
Assim, o encadeamento descrito por Castells lastreada na inovação descentralizada, cujo
permite relacionar o contexto da sociedade estímulo advém de uma cultura de “criativi-
estadunidense, em especial, o âmbito fervi- dade tecnológica” e por fulgurantes sucessos
lhante libertário de algumas das suas prin- pessoais. Para o autor desta rede, agrupando
cipais universidades – sobretudo aquelas da circuito de empresas, organizações e insti-
Califórnia – e o pulsar de iniciativas inova- tuições estatais, se forma um novo paradig-
doras na área da tecnologia informático-co- ma sociotécnico (CASTELLS, 2001, p.77).
municacional, no decorrer dos anos setenta. O paradigma sociotécnico informacional
No entendimento de Castells, a emergência está pautado, predominantemente, segun-
deste sistema tecnológico, naquela década, do a descrição do sociólogo espanhol, nos
nos Estados Unidos, precisa ser compreen- insumos baratos de informação, devido ao
dido pela combinação entre a descoberta e incremento tecnológico na microeletrônica
a difusão tecnológica, tendo efeitos sinérgi- e nas telecomunicações. Sua matéria-prima
cos sobre o conjunto das demais tecnologias são tecnologias com as quais se age sobre
(CASTELLS, 2001, p.65). Ao mesmo tempo, a informação, e se faz prosperar a lógica
assinala que a disponibilidade deste manan- das redes, em sua característica flexível e
cial tecnológico se tornou básica à reestru- complexa, isto graças ao poder de penetra-
turação socioeconômica dos últimos anos bilidade desse aparato tecnológico e de sua
oitenta. Para ele, é apenas na interação entre capacidade de reconfiguração. Isto é, são
as tendências autônomas – ou seja, do de- as redes dotadas de uma abertura a acessos
senvolvimento de novas tecnologias da in- múltiplos, nos quais prevalecem processos
formação e a tentativa da antiga sociedade contínuos de “ações deliberadas e interações
em se reaparelhar – que a “sociedade de re- exclusivas, que alteram normações” (CAS-
des” se viabilizará (CASTELLS, 2001, p.69). TELLS, 2001, p.81). E nesse sentido que o
Deflagrou-se, assim, o desenvolvimento que paradigma tecnológico informacional incide
dotou estas novas tecnologias da caracte- de maneira crucial nas rotações estruturais
rística de aplicação de conhecimentos e in- mais abrangentes nas relações sociais, afinal,
formações para geração de conhecimentos e a capacidade do sistema de redes em fisgar o
dispositivos de processamento/comunicação conjunto das informações e tornar estas úl-

28 Repocs, v.15, n.31, jan./jul. 2019


timas partes de um mesmo sistema, operan- talizada de si. Logo, o processo abrange a
do com velocidade maior, na contrapartida construção da subjetividade e também dos
de custos menores, terá impactos indeléveis laços interativos, mas se realiza na medi-
em várias dimensões da vida humana, prin- da em que são acionados dispositivos de
cipalmente no eixo econômico-financei- aprendizado pelos quais a competência
ro. Mas, de um modo geral, seu potencial simbólica do agente humano se efetiva em
está definido pelas articulações inéditas que gestos e sons mediante um tipo de reprodu-
permitem entre a criação e manipulação de ção e recriação de modelos de autocontrole
símbolos e como pode capacitar a ativação gerados no escopo da engrenagem sinto-
de produção e distribuição de bens e servi- nizando meios técnicos de produção e re-
ços, constituindo-se numa formidável força produção de imagens, gêneros, estilos e lin-
produtiva (CASTELLS, 2001, p.51). guagens de exposição, todos vinculados ao
Nesse cenário de ascensão da imateria- universo da comunicação social ampliada.
lidade como fator estruturante das relações Diríamos, enfim, que a informação se torna
sociais, desdobra-se o processo aqui deno- estrutural aos agenciamentos.
minado de informacionalização das expres- Nesse sentido, adotamos aqui a designa-
sões. Lançamos mão, a princípio, da manei- ção estrutura urbano-industrial e de servi-
ra como Pierre Lévy (1993) concebe a ten- ços, e o emprego obedece a dois propósitos.
dência arrolada desde o século XV, no Oci- O primeiro de natureza morfológica. Para
dente europeu, na qual materialidades são detalhá-lo, recorrerei ao vocabulário estru-
reprocessadas em esquemas técnicos bási- tural-funcionalista. Sabemos que o conceito
cos à confecção de roteiros, mapas, planos, de estrutura social compreende a referência
tabelas e horários. Movimento mais tarde aos limites de um sistema social. Quer di-
acelerado com o advento das tecnologias zer, abrange o padrão de inclusão/exclusão
de reprodução do simbólico e de amplia- e coordenação dos elementos qualificados
ção do raio de alcance da comunicação por como componentes funcionais à dinâmica
diferentes códigos e linguagens – sonoros, de reposição da própria sistemática em meio
visuais e audiovisuais. Ou seja, tal tendên- à sucessão de episódios histórico e cósmi-
cia é definida pela aplicação de fórmulas cos. Deste modo, podemos falar desses li-
fundamentadas na matemática com o obje- mites como a priori espaço-temporais cujos
tivo de simular e daí controlar virtualmen- matizes de escalas poderão tanto deflagrar
te a produção das próprias materialidades. ritmos em seus protocolos de rotinas à con-
Compreende propriamente a informaciona- dução dos atos quanto serem ritualizados
lização das expressões a inserção, entre o posicionamentos em graus estratificados
leque de possibilidades expressivas, daque- de institucionalização. Mas, esta primeira
la envolvendo um regime de modelação dos caracterização se aprimora, para reiterar a
humores corpóreos – intrínseco à formação concepção de Giddens (1989, p.86), ao po-
das disposições humanas – em que tanto a dermos remanejar o enunciado acima e to-
percepção da autoimagem quanto do reco- mar a estrutura como recurso capacitado
nhecimento pelo outro são mediados pela (por estar autorizado) a emoldurar a posição
centralidade da possibilidade de se tornar e reposição (equivalendo à recursividade re-
objeto não apenas da contemplação alheia, flexiva como também o desempenho dos/as
mas, sobretudo, de replicação técnica digi- agentes) das linhas de condutas definidoras

Os intelectuais e a especialização da cultura 29


de um sistema social. Algo assim facilita culos diretos com a cultura letrada, as alte-
o trabalho do analista comprometido com rações ora em vigência nas estruturas e di-
o estudo processual em sua odisseia de fi- nâmicas do mundo editorial são emblemáti-
guras. Facilita na medida em que exige do cas. Com o advento da chamada “revolução
intérprete rastrear e justificar aquilo por ele digital”, a cadeia composta por autores,
eleito enquanto recurso estrutural no escopo editores, empresários editoriais, revisores,
de determinada condição histórico-social, diagramadores, gráficas, designer, divul-
obrigando-o a qualificar processualmente a gadores, publicitários, livreiros, críticos e
própria condição (claro, e ele próprio como usuários é revolvida, em particular porque
sujeito reflexivo dessa objetivação). se dá a desnaturalização do nexo entre texto
Relativo ainda a esse aspecto, o outro e o suporte próprio à mídia livro. Se, de um
plano que chama atenção é a semântica da lado, verifica-se a pluralização das fontes de
ideia mesma de estrutura urbano-industrial concepção e produção textual, pressionando
e de serviços. Quer-se ressaltar com a deno- os regimes autorais e os protocolos jurídicos
minação uma tipologia societária na qual das patentes intelectuais, de outro, a instala-
a instrumentalização avança para além da ção de imensos conglomerados empresários,
intervenção humana na natureza, isto é, vai resultantes de fusões entre empresas em
adiante da formatação dessa última em ma- escala global, desloca e instaura posições e
téria-prima obediente à lógica produtivista funções dentro dessa cadeia, a exemplo do
e desenvolvimentista industrial-capitalista agente literário como corretor. A transna-
da modernidade. Com o emprego da cate- cionalização do capitalismo editorial, em
goria se trata, sim, sem advogar uma rup- dueto com a expansão planetária das gran-
tura com essa lógica, da iniciativa de des- des redes varejistas, por sua vez, estabelece
tacar a condição em que adquirem status níveis inéditos pela alta proporção de con-
as cadeias de formulação e processamentos centração dos meios de curadoria e circula-
responsáveis pela qualificação de algo em ção/divulgação de bens editoriais. Contra-
um bem. Enfim, ganha importância teórico cenando com a hegemonia político-militar
-analítica os complexos técnico-cognitivos e cultural-midiática dos Estados Unidos, a
nos quais a otimização dos estoques de co- indústria editorial anglófona impõe-se às
nhecimentos e suas mediações – a informa- demais concorrentes (THOMPSON, 2013),
ção, enquanto fluxos binários de comandos domínio este posto no reverso da crescente
(GLEICK, 2011) – protagonizam o incre- consagração do inglês como língua franca,
mento da produção e reprodução tanto nas nos mais diversos âmbitos (corporativos,
dimensões materiais quanto intangíveis, acadêmicos, turísticos, do marketing, da
e sob a égide da orientação monetário-fi- publicidade, etc.) constituintes do mercado
nanceira. Logo, a dinâmica de permuta e linguístico global (ORTIZ, 2008).
equivalência entre signos (e, portanto, não O atual cenário da indústria editorial ar-
entre signos e coisas) se insere crucialmen- ticula-se à emergência de modos de simbo-
te na vitalidade do capital e esta, por sua lização e de circulação dos conhecimentos e
vez, enraíza-se nos âmbitos da diversida- da culturas, mediante as teias das ecologias
de bioético-societal, definindo a condição sociotécnicas informacionais, com efeitos
contemporânea (FARIAS, 2010, p. 11-40). na definição tanto de outras instâncias de
Para os objetivos deste dossiê, pelos vín- legitimação/visibilidade da produção do

30 Repocs, v.15, n.31, jan./jul. 2019


trabalho intelectual quanto de multiplicação formação da consciência. Vê, portanto, um
dos perfis dos agentes intelectuais, cada vez outro patamar na relação entre habilidades,
mais especializados como “produtores de prestígio e fontes de financiamento no tan-
bens culturais”13. Somadas às participações gente à probabilidade de que o agir reco-
em noticiosos, talkshows e programas de nhecido como intelectual tenha repercussão
debate em TVs, com a proliferação das re- nas circunstâncias dos seu acontecer. Afi-
des sociais (Facebook, Twitter, WhatsApp), nal, se a concretização dessa probabilidade
ao lado de plataformas de vídeos (YouTube, está submetida à natureza e o valor confe-
por exemplo), além do recurso aos blogs, o rido aos meios de expressão e comunicação,
fornecimento e acesso a conteúdos simbóli- ora assistimos um aumento de volume e de
cos digitalizados pressionam no sentido da qualidades das práticas intelectuais, porém
ampliação e diversificação, mas também de estas se veem sobremaneira condicionadas
maior compartimentação/especialização dos aos trâmites e protocolos nos quais intera-
exercícios intelectuais de tradução e concei- gem capitalismo cultural, paradigma infor-
tuação dos ingredientes sociopsíquicos de macional e linguagem digital14.

13. Ao acompanhar a circulação cultural e dos saberes, Andréa Borges Leão tem sido especialmente feliz em
encontrar emblemas desses deslocamentos contemporâneos. Em “Fazer do velho uma novidade. As rein-
venções dos best-sellers juvenis” (LEÃO, 2017, p.463-474), a autora dá prosseguimento às suas pesquisas
acerca da montagem das interdependências sociofuncionais do espaço literário transnacional. Dessa vez,
a autora se debruça ante o regime de historicidade próprio à formação dos best-sellers infanto-juvenis, na
medida mesma em que desconfia da certeza que marca a classificação e a compreensão sociológica consa-
grada sobre esse gênero literário. Para essa última, o único critério de legitimação desse bem simbólico é o
êxito comercial, já que ele não atende a quaisquer dos critérios de avaliação de qualidade cujos guardiões se
aninham entre as determinações espaciais e temporais que, desde o século XIX, articulam a Europa Ociden-
tal, em especial França e Inglaterra, e as Américas pelos trânsitos de ideias, técnicas, editores, livreiros, etc.,
na conformação da teia que envolve autores, textos e leitores dessa literatura infanto-juvenil. Percursos
cruciais, inclusive, aos destinos da emergência e consolidação de diferentes literaturas nacionais nos dois
continentes. Na sua face atual, a mesma trama transatlântica se manifesta no reposicionamento do Brasil:
de importador a produtor ou exportador desses best-sellers. Borges Leão focaliza uma das protagonistas de
tal circuito internacionalizado da cultura, a jovem escritora carioca Thalita Rebouças. O exercício etnográfi-
co realizado pela socióloga permite constatar que, afastando-se dos cânones da arte simbólica estabelecidos
pela crítica romântica alemã, na definição do literário, ainda no século XIX, essa nova geração de autores
e autoras deixa ver um sistema literário no qual o regime de autoria e aquele de visibilidade se confundem
com a perspectiva de que obra literária e mercadoria não são porções disjuntivas, mesmo antagônicas
entre si. Observa Borges Leão, porém: não se trata apenas da postura modernista de apreço pelo “novo”; a
cumplicidade com o “antigo” se dá em razão da atualização de formulas editoriais consolidadas – contos de
fada, por exemplo. Nesse instante, apropriando-se da modelagem eliasiana e das fórmulas de Cas Wouters
sobre informalização do comportamento, característica da atual economia pulsional, a autora destaca as
regras e etiquetas internas ao esquema narrativo das obras, as quais ocupam espaço estratégico como dis-
positivos de refreios de afetos no movimento pelo qual promove a formação do autocontrole de emoções.
14. Esta complexa rede de interdependências sociofuncionais é considerada no artigo “O discurso do
marketing de lugar e os grandes eventos: investigação sobre artífices de um senso comum planetário”.
Nesse texto, Michel Nicolau Netto (2017, p.495-511) leva em conta a cada vez mais relevante posição

Os intelectuais e a especialização da cultura 31


O esforço no sentido de traçar constela- da cultura e paradigma tecnológico infor-
ções socioestruturais responde ao interesse macional digital-cibernético nas maneiras
de interpretar as maneiras como modali- mesmas como as funções intelectuais são
dades de compreensão humanas ganham exercidas, autorizadas e adquirem visibili-
vigência, na medida mesma em que os/as dade nas trocas públicas de sentido. Se não
agentes incorporam a questão da histori- se trata de fazer vaticínios como o “fim”
cidade do tempo e da mudança como fa- dos intelectuais (BOBBIO, 1997), tampouco
tores preponderantes à continuidade e o reclamar do seu silêncio (Novaes, 2006), a
reciclar das suas experiências e memórias, multiplicação das semânticas de aplicação
algo este tecido pelas interdependências e desse termo de nomeação tão prestigiado
interpenetrações sociofuncionais que ense- traz a reboque dúvidas concernentes não
jam coalescências de carências socialmen- só na identificação das instâncias de legi-
te significativas e instauradas no universo timação e dos meios de visibilidade dessas
simbólico e no plano das linguagens so- práticas, mas coloca em xeque o núcleo do
cialmente mobilizadas. Nesse sentido, ao que se percebe e categoriza como fazer/ser
se considerar a posição estratégica ocupada intelectual (MATO, 2004). Enfim, na atua-
pelos(as) intelectuais na decantação sim- lidade, há uma espécie de torpor deixando
bólica dos modos de compreensão huma- em suspenso o estofo ontológico pelo qual
na, o olhar lançado neste dossiê está em se ergueu essa posição de sujeito.
grande medida movido pela curiosidade em Em se tratando da América Latina (AL-
relação às incorporações dos condicionan- TAMIRANO e MYERS, 2008; RAMA, 2015;
tes socioestruturais contemporâneos rela- IANNI, 2012), mas em particular, do Bra-
tivos à convergência entre especialização sil, sobressai o vínculo secular entre inte-

cultural, econômica e política do circuito de grandes eventos, para se ocupar da modalidade específica
de mediação exercida no mundo contemporâneo pelos profissionais do setor de marketing que atuam em
escala global. Isso pelo fato de eles estarem aplicados à produção discursiva em que se tecem os sentidos
que ressignificam lugares como espaços nos quais se fazem visíveis algumas das figuras da globaliza-
ção. Desse modo, o autor focaliza o trânsito acionado por esses artífices entre traços sedimentados como
expressivos de identidades sociais e a lógica publicitária no emprego de marcas com a finalidade de po-
sicionar bens nos mercados. O artigo se aplica à análise dos efeitos práticos vinculados à discursividade
na qual se estabelece a homologia entre as ideias de mundo e de mercado, a qual adquire a envergadura
de um senso comum planetário. Nesse sentido, ao se ater às propriedades das narrativas que identificam
e vocalizam hipotéticas vocações de lugares para sediar grandes eventos, a análise do discurso empreen-
dida articula os nichos em que se posicionam as falas peritas dos profissionais do marketing às diversas
entidades políticas (Estados nacionais, por exemplo), econômicas (corporações privadas transnacionais) e
representativas de sistemas esportivos, artístico-musicais, de moda e outros. Assim, não apenas procura
objetivar sociologicamente os contextos de produção e circulação desses sentidos; em especial, interessa
sublinhar a emergência de novas instâncias de visibilização de bens culturais que consagram, conferindo-
lhes legitimidade tanto na agenda dos grandes eventos como no próprio discurso publicitário. E, nessas
instâncias, embora não estejam confundidos, simbólico, político e econômico transitam entre si, tornando
cúmplices prestígio e lucro financeiro.

32 Repocs, v.15, n.31, jan./jul. 2019


lectuais e a questão da nacional (ORTIZ, tos humanos, como também verberam in-
1984; PÉCAUT, 1990; MICELI, 2001). E, por sulamentos socioculturais que tanto ratifi-
meio desta última, aproximando-se do en- cam quanto promovem gestos intolerantes
gajamento com o temas tendo por núcleo de diferentes ordens (BOSCO, 2017). Já a
as experiência e condição de modernida- midiatização da imagem pública e do saber
de brasileira (TAVOLARO, 2005, p.5-22). (SARLO, 2004; 1997), ao mesmo tempo que
Além das problematizações a respeito do favorece a pluralização dos pontos de vista,
desenvolvimento socioeconômico, da con- deixando em xeque as certezas ortodoxas
solidação de um Estado democrático direi- favoráveis a facções sociais estreitas, pro-
to e da identidade nacional, são represen- move uma espécie de neosofismo em que
tativos desses temas os conflitos entre as a disputa incessante e cruenta das opiniões
classes sociais e os impactos étnico-raciais se levanta como obstáculos à montagem de
da escravidão numa sociedade movida pelo consensos negociados a partir do confronto
esforço de modernização (FERNANDES, dos argumentos em torno de fundamentos
2008). Logo, a modulação ontológica da a princípio indiscutidos. Na contramão des-
posição/função do intelectual revolve um se silenciamento, a execução de estratégias
terreno que, ao longo de todo século pas- de visibilidade das imagens pessoais subor-
sado, esteve cimentado por obter respostas dina as ideias à lógica social da celebridade
sobre os efeitos nesse fazer enraizado na (ORTIZ, 2016, p.669-697). No compasso da
condição de dependência socioeconômica intensidade obtida pela circulação global
de uma sociedade periférica no escopo do do conhecimento, a especialização/profis-
capitalismo internacional, de acordo com sionalização acadêmica responde à sincro-
Antônio Candido (1997). Muito embora nia do sistema universitário brasileiro aos
tal condição permaneça vigente, os com- esquemas dos mercados universitários e
plicadores na busca dessas respostas lidam científicos mundiais, cujos desígnios requi-
agora com os impasses vindos a galope dos sitam uma codificação do pensamento e da
efeitos da especialização da cultura dispos- linguagem a agendas temáticas e fórmulas
ta na dinâmica da economia simbólica à expressivas sintonizadas com audiências
contrapartida do amplo e heterogêneo raio amplas, porém culturalmente diversificadas
de alcance da sociedade de consumidores e a serem equacionadas por critérios de obje-
da estrutura urbano-industrial e de serviços tividade de escrita que evitem a polissemia
no país. Apenas para assinalar alguns des- (MARGATO e GOMES, 2004; BIANCHETTI,
ses aspectos, de maneira sumária, focaliza- 2015). As controvérsias em torno de poder
remos quatro entre eles; o relevo político à autoridade com pretensões universais do
adquirido pelas identidades coletivas num saber letrado e com respaldo no sistema
espaço público segmentado e de disputas escolar formalizado, exercido por peritos,
acirradas, que leva à tona uma gramática legislar sobre àqueles outros assentados no
moral calcada nas terapias comunicati- costume e na oralidade, com forte presença
vas orientadas ao desmonte dos racismos, das marcas corporais (étnico-raciais, gêne-
sexismo, homofobias, etc., às quais estão ro, sexual, classe e tantas outras), identi-
manifestadas nas políticas de significados, ficados a povos reconhecidos como “tra-
e não somente regionalizam as pretensões dicionais” e/ou a grupos estigmatizados,
de formações discursivas como a dos direi- acentuam os limites da própria pretensão

Os intelectuais e a especialização da cultura 33


da epistemologia universalista, flagrando texturas ambientais em que se inscrevem.
-a igualmente enraizada em territorialida- O problema ético suscitado coloca em tela
des cultural-hermenêuticas específicas (DA os debates políticos e intelectuais acerca do
CUNHA, 2007, p.76-84; TAYLOR, 2000). reconhecimento dos limites por parte da
Sem buscar qualquer consenso ante essa posição discursiva acadêmico-intelectual
problemática ontológica, decorrente da es- acostumada, na medida mesma em que se
pecialização do intelectual no escopo da autopercebe neutra, esquecer do quão é po-
cultura contemporânea, cada um dos seis sicionada em relação a outras posições so-
artigos que compõem este dossiê investe ciais, para logo evocar sua universalidade,
num complicador específico, não em obe- reduzindo os seus congêneres a particula-
diência à finalidade de ratificar incertezas; ridades culturais. Mas a autora estende a
aos moldes do poeta-adivinho benjaminia- recusa, afinal, cobra dessas manifestações
no (GAGNEBIN, 2002, p. 125-133) ou do da diversidade sociocultural evitarem o si-
historiador indiciário de Ginzburg (2017), lêncio em relação às condições socioestru-
os/as autores/as apostam nos sinais, naque- turais dessa interlocução. Contracenando
les rastros cujas silhuetas incitam avançar com a teoria do poder simbólico de Pier-
sobre tendências sócio-históricas e existen- re Bourdieu, a antropóloga reclama uma
ciais das quais os/as intelectuais são, a um postura ético-cognitiva que politize os tra-
só tempo, decantadores(as) e individuali- mados das posições no campo dos saberes
zações, logo intrínsecas às singularidades sócio-humanos, isto, no instante em que
subjetivas e aos seus círculos de interação, avance para além das disputas no mercado
mas atravessados em suas pulsões psíqui- concorrencial das epistemologias. Diante
cas pelas determinações socioestruturais dessa finalidade, Márquez potencializa sua
contemporâneas. inserção no espaço acadêmico das Ciên-
No movimento da sua argumentação, cias Sociais chilenas – tardia em relação ao
em "Ciências Sociais e Ética: sobre o respei- conjunto da América Latina, em se tratando
to aos outros saberes", professora da Uni- da problematização dos impasses e dilemas
versidade Humberto Hurtado, em Santiago relativos às fraturas e clivagens inerentes à
(Chile), a antropóloga Francisca Márquez formação nacional e do povo-nação. Aten-
toca num ponto nevrálgico ao pensamento ta aos próprios condicionantes socioestru-
e à produção do conhecimento no mundo turais que a atravessam, constituídas suas
contemporâneo: o diálogo das disciplinas possibilidades discursivas, a autora ratifica
socioantropológicas com a ampla e mul- o reconhecimento da posição de sujeito de
tifacetada polifonia étnico-histórica num voz e judificação para indígenas, jovens,
tempo em que estas últimas se recusam a desalentados de desastres socioambientais,
estarem reduzidas a objetos para os exer- entre outras faces dos atuais movimentos
cícios cognitivos e morais dos legisladores sociais ascendentes nos domínios de públi-
inscritos nos campos do saber social. Ou cos de visibilidade. Assim, requisita a escu-
seja, a tão assonante recusa diz respeito ao ta dos diversos saberes mediante uma cha-
silenciamento da dignidade dessas formas ve não restrita ao esquema da documenta-
de vida quanto à própria capacidade de se ção subordinado à lógica do arquivamento
autonomearem, de apresentarem versões acadêmico. Leva-nos (a nós, leitores[as]), à
singulares da experiência humana e das percepção do tema da desigualdade no pla-

34 Repocs, v.15, n.31, jan./jul. 2019


no silencioso das formas de expressão, da integrantes de primeira hora saírem das fi-
estratificação hierárquica estabelecida en- leiras da esquerda no país, o cenário polí-
tre as escrituras do conhecimento. Porque, tico-institucional posto no caudal da che-
se a triangulação memórias, histórias e co- gada do Partidos dos Trabalhadores ao go-
nhecimentos tece um mesmo denominador verno federal, argumentam os autores, teve
para as culturas, o fulcro do corpo vivo se decisivo papel na montagem da Rede Cult
mantém recalcado em razão do status de – foco analítico do texto. Tendo por sede a
universal concedido para o registro escrito Universidade Federal da Bahia, o grupo ca-
alfabético e numérico, ainda que este per- pitaneado por Albino Canela Rubim (pos-
maneça muito aquém do alcance de mo- teriormente, chefe da pasta da cultura du-
dos de experiência e simbolização cujas rante a administração de Jacques Wagner,
escritas são apresentações simultâneas às no governo estadual baiano) ocupa espaço
oscilações, deslocamentos e metamorfoses no domínio das discussões acadêmicas so-
corporais. bre as políticas públicas culturais, no com-
Assinado por Frederico Barbosa e Ma- passo mesmo do revestimento de prestígio
riella Pitombo, o artigo "A Linguagem da intelectual à institucionalização dessa are-
Paixão: intelectuais e políticas culturais no na no país, com os seus circuitos, fóruns e
Brasil", traz para o debate uma das vicissi- agentes. Tomando as rédeas da proposição
tudes atuais do amplo reescalonamento dos de eventos, da condução de publicações,
Estados nacionais à medida que as políticas instalando um programa de pós-gradua-
de significados e o direito à cultura redi- ção na área de produção e gestão cultu-
mensionam as semânticas do Estado Demo- ral, na última década, os representantes da
crático de Direito. A saber, o delineamento Rede Cult – muitos dos quais articulados
das pesquisas, estudos e reflexões sobre as às engrenagens governistas nos níveis lo-
políticas públicas culturais na condição de cais, regionais e federais – fixaram agendas
um campo de conhecimento alocado no tanto de avaliação quanto de formulação
âmbito acadêmico-universitário. Por certo, intelectual a respeito das políticas públi-
a experiência francesa, instaurada com o cas culturais. Notam os dois autores que,
advento do Ministério da Cultura, em 1959, no cômputo geral da conjunto produzido
ressoou e ainda permanece repercutindo pelo grupo, sobressai a defesa consensual
em partes distintas do sistema internacio- da postura pós-neoliberalista para a atua-
nal, mas em particular na América Latina, ção do Estado, tornando evidente um mo-
a qual já contava com as antecipações dos delo de pensamento com claras implicações
governos pós-revolucionários mexicanos. normativistas. Em lugar da opção por faze-
Os efeitos da promulgação do texto cons- rem-se de geômetras (usando o vocabulário
titucional, em 1988, conferiu certa siste- conceitual interno ao artigo), o personagem
maticidade para o caso brasileiro – objeto por excelência do credo racionalista platô-
de atenção do artigo, pois incluiu a cida- nico e, depois recuperado pelo eu epistêmi-
dania cultural entre os parâmetros de uma co cartesiano, como se olhassem de cima e
sociedade às voltas com a tentativa de se distantes, Barbosa e Pitombo perscrutam o
reencontrar com a democracia. Interessa- lugar mesmo do qual se manifestam para se
lhes, em particular, o período iniciado em lançarem à tarefa de descrever, analisar e
2003. Devido ao fato de muitos dos seus conceituar a Rede Cult. Deste modo, a argu-

Os intelectuais e a especialização da cultura 35


mentação desenvolvida no texto comparti- clore às políticas culturais", Celeste Mira e
lha com o artigo anterior o caminho acerta- Vera Lúcia Cardim de Cerqueira optam por
do de refletir sobre os limites da Sociologia considerar as mediações de intelectuais em
de fazer visível a trama das relações sociais. três momentos significativos da história
Para isso, consideraram o tenso equilíbrio das formações étnico-históricas abarcadas
de uma epistemologia comprometida com pela denominação cultural popular, na ex-
a verdade resultante do controle teóri- periência paulistana. Inscrita num intervalo
co-empírico das proposições e o encontro de quase cem anos, a argumentação desen-
desta, na produção de conhecimentos, com volvida no artigo alcança o projeto de Má-
as prerrogativas de diferentes moralidades, rio de Andrade, entre as décadas de 1920
sabendo-se que não está em jogo tão so- e 1930, com todo o empenho deste erudito
mente fazer o julgamento pleno em lisuras não apenas de mapear, catalogando as múl-
dessas últimas, porque os agentes socioan- tiplas manifestações populares brasileiras –
tropológicos não estão isentos de moral e algo realizado por meio de suas “missões”
interesses. Seres apaixonados, logo incom- pelo Norte e Nordeste do país –, mas alocá
pletos, compostos pelos afetos das redes de -las na dimensão artístico-cultural. Com a
dependências e pressões mútuas em que se troca de sinais e status, ele almejava favo-
encontram, igualmente, são delimitados no recer a inserção da cultura popular no acer-
alcance das suas objetivações. vo patrimonial da nação e, com isto, atrair
Intérpretes à maneira de Renato Ortiz o cuidado por parte de ações executadas
(1992), Roger Chartier (1995, p. 179-192) pelos representantes estatais. Fundado em
e Peter Burke (2010) sublinharam a ori- 1935, o Departamento de Cultura da cidade
gem erudita da categoria de cultura popu- de São Paulo, sem dúvida, é o marco na
lar e sua propagação no compasso tanto administração pública no Brasil. Neste ór-
da centralização promovida pelos Estados gão municipal, Andrade idealizou e pôs em
nacionais quanto o estabelecimento das prática alguns dos seus projetos, tendo por
estruturas urbano-industriais com efeitos objeto a cultura do povo. Em um segun-
indeléveis na requalificação de grupos só- do momento, as autoras focalizam um dos
cio-humanos. Outros, como Adam Kupper desdobramentos dessa atuação do literato
(1988), enxergam na ideia de cultura po- modernista, na cidade: o braço paulista do
pular uma versão, para uso doméstico, do Movimento Folclorista Brasileiro. A atenção
mesmo ímpeto de anacronização de modos se volta, em especial, para o nome de Ros-
de vida aplicados aos povos “sem história” sini Tavares de Lima, eleito presidente da
(WOLF, 2005) pelo colonizador europeu, Comissão Paulista de Folclore e cujo feito
ao se fazer uso do conceito de “sociedade maior esteve em integrar manifestações da
primitiva”. O emprego da ideia de cultura cultura popular regional às comemorações
popular evidencia, portanto, o desempenho do IV Centenário de São Paulo. Já o terceiro
legislativo próprio ao poder de nomeação estágio na exposição e análise traz a inter-
a cargo de facções intelectuais, categori- venção de um dos alunos do curso sobre
zando práticas, símbolos e formas huma- folclore ministrado por Tavares de Lima,
nas de vida. Sem descuidar dessa faceta de já na década de 1980: o autor e diretor de
dominação simbólica, em "Os Intelectuais teatro Antonio Teixeira de Macedo, respon-
e a Cultura Popular em São Paulo: do fol- sável pela criação do grupo cultural Aba-

36 Repocs, v.15, n.31, jan./jul. 2019


çaí, nos anos de 1990; grupo decisivo em analíticos: de um lado, o percurso de Sa-
se tratando de uma matriz de apropriações mico referido aos seus diferentes diálogos
simbólicas de artesanais, músico-percussi- com nomes consagrados do campo artístico
vas e artesanais, entre extrações de classes brasileiro, na sua clave modernista, à ma-
médias urbanas, em meio à replicação de neira de Lívio Abramo e Goeldi; de outro, a
grupos afins, atraindo em particular jovens circularidade é retomada sob a perspectiva
com níveis mais elevados de escolaridade das aproximações entre o erudito e o popu-
formal. O percurso levado a cabo por Mira lar. Dimitrov persegue esse último aspecto
e Cerqueira deixa entrever os rastros das auscultando à ascendência do Movimento
mediações exercidas por esses intelectuais, Armorial, mais especificamente Ariano, es-
fomentando públicos dos quais saíram con- praiando-se dos domínios pernambucanos
tinuadores; estes se firmam espécies de her- às instâncias de classificação e consagra-
deiros que, normalizando a cultura popular, ção dos bens simbólicos no país. De olho
a inserta no quadro de políticas públicas, na pressão exercida sobre a conversão nos
num momento que o horizonte herme- modos de perceber os objetos artísticos e os
nêutico-normativo da diversidade cultural artistas, interessa-lhe a cumplicidade esta-
repercutiu também nas agendas do Esta- belecida entre as prescrições de Suassuna
do brasileiro na última década. Ao mesmo sobre os itens que definiriam uma gravura
tempo, porém, igual trajetória identifica os nordestina, popular-nacional, e às rotações
limites de tais atuações, considerando-se a no fazer de Gilvan Samico, esforçando-se
recorrente precariedade quanto ao finan- no sentido de deixar para trás as influên-
ciamento dos agenciamentos pessoas e ins- cias em termos de escolhas de motivos pic-
titucionais da cultura popular, ao lado da tóricos, adoção de paleta de cores, proce-
incapacidade de se autonomear sem fazer dimentos e técnicas “alienígenas” herdadas
recurso ao pensamento erudito. durante o estágio no Sudeste brasileiro. O
Uma vez mais, a trama das interdepen- traço perspicaz da interpretação do autor
dências sociofuncionais é ressaltada no to- está em colocar em suspenso a preten-
cante ao exercício de mediações por seg- sa conversão do gravador a um regiona-
mentos intelectuais, mas agora colocando lismo autorreferido, capaz de subsumir as
em destaque as implicações entre artistas hierarquias e desproporções de recursos
e críticos de arte. No artigo "Centro e Peri- simbólicos e financeiros que atravessam,
feria na Produção e Avaliação da Obra de perfazendo os lugares da criação, da críti-
Gilvan Samico", Eduardo Dimitrov se volta ca e da recepção. Fazendo uso criativo das
ao trânsito desse artista plástico pernam- categorias de “semelhança forçada” ou de
bucano no percurso que o levou do reci- “difusão enquanto conflito”, tomadas de
fense Ateliê Coletivo, no qual lhe foi im- empréstimo do teórico da literatura Franco
presso os primeiros conhecimentos sobre Moretti (2003), ele rastreia na caminhada
gravuras com Aberlado da Hora, até São do artista a naturalização das categorias e
Paulo, de onde se deslocou para o Rio de esquemas eruditos que circulam do centro
Janeiro e, de lá, fez o caminho de volta a nacional – lembrando ser este um polo pe-
Olinda. Portanto, o debate sobre a circula- riférico no mapa da arte internacional, à luz
ção cultural informa a análise, mas o autor da centralidade europeia e estadunidense –
o faz entretendo os dois seguintes planos ao Nordeste, inclusive, respaldando confli-

Os intelectuais e a especialização da cultura 37


tivamente uma essência local/regional. Na da capital paulista, na passagem das déca-
contramão da tônica depositada no valor das de 1950 e 1960, isto é, a dinâmica de
do autêntico, comum ao discursivo ideo- metropolização/industrialização se decal-
lógico da região e/ou nação, a cartografia vava na estratificação social, mas estava
geopolítica realizada por Dimitrov deixa transfigurada na Faculdade de Filosofia,
por saldo a possibilidade de objetivar mais Letras e Ciências Humanas da Universida-
que o entrelaço desigual e discrepante no de de São Paulo (FFLCH/USP). Eis o locus
acesso aos meios de nomeação e afirmação do qual parte a autora, focando os grupos
expressiva das posições-funções no espaço surgidos com a finalidade de ler O Capi-
de possíveis artístico; sobretudo, como es- tal (de Marx). Os episódios se mostram de
sas características dessa constelação de po- fato heurísticos, porque os encontros e en-
sições estão materializadas nos corpos dos laces aproximaram mestres e estudantes e,
objetos, críticos e criadores. assim, diferentes trajetórias – homens ma-
Em comum com o artigo anterior "Po- duros e jovens, representantes de facções
der, Sexo e Línguas no Marxismo à Brasi- tradicionais e de famílias em mobilidade
leira", debruça ante o problema da posição- social, nativos e filhos de imigrantes, etc.
função, levando em conta a perspectiva da – se inscreveram em disputas a princípio
circulação internacional, no caso de ideias. restritas às lutas escolásticas, cujo obje-
A inspiração teórico-analítica bourdieu- to seria a preponderância no mundo dos
siana para tratar do tema manifesta-se na bens espirituais. Assim, o tecido narrativo
atenção dada às condições locais de re- do artigo desvela as condições institucio-
cepção e uso de uma fortuna intelectual. nais numa conjuntura em que há o pre-
Com isso, assinado por Lidiane Rodrigues, domínio da filosofia e, com este, o pres-
o texto contém elementos muito sugestivos tígio conferido aos falantes de alemão nos
à sociologia da ciência e do conhecimen- círculos de marxistas, que fez dueto com
to dedicado a um dos caminhos intrigantes a expansão da universidade pública, refú-
tomados pelo desenvolvimento do campo gio desses mesmos grupos no período da
do pensamento social no Brasil: a alocação ditadura militar mais ainda. Inicialmente
das diferentes linhagens marxistas dentro sugerida, a estratégia de inferência morfo-
do meio universitário. Afinal, Rodrigues lógica, adiante, permite tirar consequências
revolve o problema de maneira original no analíticas bem mais proveitosas, pois o re-
instante em que opta por atentar aos dife- curso à categoria de população permite não
rentes rendimentos em termos do retorno só alcançar o aumento progressivo das li-
simbólico para os investimentos em instru- nhagens marxistas, mas também a diferen-
mentos cognitivos e de expressão-comu- ciação interna ao conjunto dessas mesmas
nicação, no tocante à inserção no espaço extrações com suas desproporções em ter-
acadêmico feitos pelos diferentes agentes. mos da distribuição de recursos e, portanto,
Recorre, justamente, à equação da con- com distintos efeitos de posicionamento no
fluência entre o valor de diferenciação ofe- campo acadêmico. Deste modo, a complexa
recido pelo domínio/emprego de um idioma interação entre dominados e dominantes
e à montagem de um mercado acadêmico no espaço acadêmico encontra-se traduzi-
das humanidades no país. Os fatores so- da no subcampo marxistas. Neste, desde o
cioestruturais decisivos às peculiaridades início, sobressai a localização periférica das

38 Repocs, v.15, n.31, jan./jul. 2019


mulheres, as quais enfrentam dificuldades de curatorial lhes atiça a curiosidade, mas
ao acesso do núcleo prestigioso compos- sem descuidar dos(as) intervenções de ar-
to pela articulação da disciplina filosófica quitetos e influenciadores midiáticos, por
com o clube dos falantes da língua alemã. exemplo. A trajetória da narrativa do texto,
Núcleo restrito, masculinizado, ocupado no entanto, alarga a bitola temporal com o
pelos herdeiros dos mestres acadêmicos objetivo de rastrear a intelectualização do
com suficientes recursos financeiros econô- artístico que se insinua na passagem do sé-
micos e simbólicos para recalcar e no mes- culo XVIII para o XIX, com o advento das
mo diapasão fazer prevalecer suas origens teorias estéticas – base epistemológica para
de classe atravessadas pelas modulações de o ingresso da figura do crítico de arte; este
gênero, étnico-raciais e familiares. Ao final último, o cúmplice respaldado em aportes
do computo de quase décadas coberto pelo filosóficos, socioantropológicos, psicana-
artigo, dois aspectos são sinalizados para líticos e psicológicos, além da história da
futuros desdobramentos sincronizados. arte, das vanguardas modernistas, cujos
Quer dizer, o retorno à formação do campo passos legam ao século XX a conversão
das humanidades no Brasil à luz da circu- revolucionária da percepção, para empre-
lação internacional das ideias, mas segun- gar a chave conceitual com que Bourdieu
do o empenho de requalificar o conceito de interpreta os efeitos da presença de Ma-
campo, insistindo menos na prerrogativa net. Se a parceria das vanguardas moder-
da autonomia relativa, isto em favor da nistas com os críticos de arte se deu sobre
percepção da unidade complexa e disposta o pacto utópico em torno da promessa do
no caudal de inércias e reorientações histó- novo, resistindo à acomodação burguesa
ricas, a qual envolve domínios intelectuais, e, logo, contrapondo-se à acachapante re-
suas clientelas, financiadores, instâncias de dução à condição de mercadoria, incitada
visibilização/divulgação do conhecimen- pela estrutura urbano-industrial capita-
to e meios de expressão, sem esquecer das lista, a certa altura do argumento expos-
bases sociomorfológicas em que os(as) pri- to no artigo é sublinhado o deslocamento
meiros(as) são recrutados(as). da tônica. Agora, a profissionalização e
O reencontro com o problema em torno inserção nos meandros mercantis não são
da autonomia do espaço social da arte se inimigos a serem combatidos; impõe-se,
dá em "Intelectuais, Política e Arte: sobre o sim, como dueto alvo de estratégias postas
jogo de ressignificação da autonomia artís- em execução no contexto de uma socieda-
tica", de Kadma Marques Rodrigues e Die- de na qual estão amalgamados consumo e
go Soares Rebouças. Contudo, em lugar do comércio do conhecimento como informa-
terreno próprio ao ethos escolástico-acadê- ção. Na contramão do profetismo funda-
mico, ganha relevo empírico o entremeado do na bandeira da novidade, que alinhou
dos, circuitos reunindo as artes plásticas e românticos e modernistas, artes e artistas
visuais sob os desígnios dos valores do mo- contemporâneos deslocam-se para o plano
derno e do contemporâneo. Neste espaço, ordinário, no andamento mesmo em que a
de olho nas imbricações tão vastas quanto estética penetra o cotidiano. Descompro-
múltiplas da arte contemporânea, os au- missados com os primados universalistas,
tores perseguem os sinais da emergência porque inteirados a temas pontuais da vida
de novas funções intelectuais. A ativida- diária num dado momento (identidade se-

Os intelectuais e a especialização da cultura 39


xual e étnico-racial, defesa do direito das as interações intersubjetivas e os compor-
mulheres, etc.), os (as) artistas são incitados tamentos dos indivíduos estão atravessados
a deixarem os museus e galerias, na mes- pelo mesmo desígnio, a saber, o mercado
ma medida em que optam por modalidades constitui a chave de inteligibilidade, tanto
processuais de apresentação, em detrimen- ontológica, quanto formal (epistêmico-cog-
to de objetos. Nessas atmosferas, nas quais nitiva) da vida coletiva e pessoal. Para Sil-
a interação e as dialogias se impõem como va, as coordenadas doutrinário-normativas
critérios morais sobre as diretrizes estéticas, liberais intrínsecas à utopia do mercado ab-
um fôlego extraordinário é dado à ativida- soluto, com impactos já notáveis nas linhas
de sistematizante do curador, à intervenção de comando mundo afora, deixando entre
de instaurar ambiências de arquitetos e à seus sinais o incremento da concentração
competência comutativa de influenciadores socioeconômica manifestam uma postura
midiáticos. intelectual legislativa fundada sobre a le-
Assinado por Lucas Trindade da Silva, gitimidade de uma moralidade com preten-
"Gênese e Desenvolvimento da Intelectua- sões universalistas, a qual se respalda no
lidade Neoliberal" segundo Michel Foucault apelo à objetividade de uma ciência isenta
reúne elementos que ajudam a elucidar a ro- de valores.
tação artística analisada no artigo anterior.
O argumento do texto de Silva tem por las- Referências
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