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ENI - A ESTEIRA SAGRADA


Há muito objetos na nossa Religião que tem a categoria de Sagrado. Um deles,
indispensável em qualquer atividade religiosa é a ESTEIRA.

Enim, adicissa, dicissa, e esteira nagô, são alguns dos


nomes que a Esteira é conhecida. Feito de vários
materiais: taboa, sisai, palha de babaçu, buriti, etc., esse
objeto Sagrado é muito importante para o ‘Povo do
Santo’. Está presente em quase todos os Rituais
Sagrados, tais como: Bori, Iniciação (Feitura), Sasanha
etc. Tem função de cama, mesa e também serve de
divisória p ,#a compartimentos Sagrados do Templo.

ENI - Nome dado à esteira de palha utilizada pelos


Neófitos, sobretudo durante o período de reclusão. É
empregada como 'mesa’, 'cama’ e 'tapete’ em diversos
rituais. No candomblé é usual a expressão "irmãos-de-
esteira" para designar o conjunto de Neófitos reclusos
ao mesmo tempo, e que eventualmente tenham
compartilhado esse artefato simbólico na Liturgia da
Iniciação.

Conta uma Lenda que quando ela quis vir a Terra, preocupada com algo que era
totalmente desconhecido e sabendo que a condição humana era (e ainda é), muitas
vezes, cruel, foi buscar um bom presságio na casa de um Bab .. wò (Awô). Este lhe
previu longa existência e reconhecimento humano, pois aquele que pisasse com
sapatos a Esteira teria seu castigo e aquele que caminhasse. descalço, receberia
pela planta dos seus pés, Bênçãos Espirituais. Mas para conseguir todo o
reconhecimento deveria fazer ebó. O Babalawõ o aconselhou fazer uma oferenda
com animais: um àkuko (galo) para Exu, àkuko para Ogum, dois eiyelé (pombas)
para Obatalá Òrisànlá e algumas pedras pesadas. A Esteira realizou o seu ebó e
desceu para Terra a fim de cumprir seu destino.
Nesse tempo os Seres Humanos caminhavam sem conforto algum e dormiam sobre
o piso ou terra. Mas quando a Esteira chegou lhes proporcionou comodidade e fez
mais agradável seus descansos. Exu alertou que a Esteira era indispensável para o
bem-estar e por isso sugeriu que a partir desse momento seria de suma
necessidade ser utilizada em todo tipo de Iniciação Religiosa, porque desde os Reis,
até mesmo os mais necessitados a usavam.

A Esteira é parte do Ritual de qualquer Iniciação, seja de Orixá ou de lfá. Não só


serve como acomodação, mas também é parte integral do arquétipo de todo trono
(lgbódu Orixá ou de lfá - local sagrado para iniciar uma pessoa nos mistérios dos
Orixás).

Chamadas de dicissa (adicissa) pelos Bantus (Candomblé de Angola), de eni


(enim) pelos Yorubás (Candomblé de Ketu) e de zocré pelo povo Fon (Candomblé
de Jêje = Djedje), as Esteiras são feitas de palha, um dos emblemas de Obaluaiyê.
Para as obrigações usamos a Esteira conhecida como nagô (nàgó), aquela bem
fina, confeccionada com palha trançada. Em algumas casas, para as funções de
Egungun, é utilizado outro tipo de esteira, confeccionada de palha grosseira, com os
fios horizontais amarrados com cordão.

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Além disso, representa a comunicação dinâmica da
energia do corpo humano com a terra, pois nela dormem
e comem os ‘Iniciandos’ e os ‘Iniciados’.
Todos, de lfá a Orixás, Reis e Iniciados devem render-
lhe culto e homenagem, pois com ela se faz as
penitências e súplicas de reconhecimento ou culto aos
mesmos.

O INICIANDO (YAWÓ E OUTROS) E A ESTEIRA


A Esteira, para nossos Ancestrais, é o Símbolo de cama
e mesa e também de algo Sagrado. O YAWÓ deve
começar por conhecer a humildade e começar a
acostumar-se com a nova escala de espiritualidade que
o vincula a um ORIXÁ CONSAGRADO.

Dormir na esteira representa o retomo ao princípio da vida, o reencontro com a


Ancestralidade. Dormimos na esteira para ter contato com o Elemento que nos deu
a vida: a TERRA! E também porque precisamos confrontar os nossos MEDOS, mais
conhecidos como: vaidade, futilidade, orgulho, avareza, ciúme, inveja etc., Esta
acareação durante o processo de Iniciação faz-se necessária, visto que o
INICIANDO, ao adentrar para participar do Ato Litúrgico de Iniciação, vem com a
proposta de renovar-se, renascer para uma nova vida. Abrir mão momentaneamente
de seus confortos modernos e exercitar a humildade é um dos pré-requisitos exigido
para aqueles que se candidatam à Iniciação na Religião do Candomblé.

A Esteira, quando a pessoa esta recolhida serve também como ‘mesa’, porque neste
local o Yawò fará suas refeições. Por todos esses detalhes, o Yawò precisa ter
grande respeito por sua Esteira, não devendo pisar nela e nem permitir que
outros façam isso, principal mente calçados. Na esteira do Yawò nenhum
estranho pode se sentar. Nossos mais velhos dizem que o "Yawò come e dorme
na Esteira para que possa sentir-se parte mais integrante da natureza dos Orixás".

Existem algumas considerações importantes sobre como manusear a Esteira, dentre


elas cito algumas:
- Pessoas de Orixá Masculino carregam a Esteira apoiada sobre o ombro direito.
- Pessoas de Orixá Feminino carregam a Esteira debaixo do braço.
- Pessoas Iniciadas, homens ou mulheres, de Orixá Masculino, não levantam a
Esteira do chão.

Os signos ou Odús que falam da Esteira são: Odi


Ogunda, Obara Bogbe, Obara Trupon, Osa Lofobeyó,
Iwori Koso, entre outros.
Conta uma Lenda que houve um tempo em que os
Orixás disfrutavam do privilégio e reconhecimento geral,
menos Oduduwá, que presidia o conselho santoral. Os
devotos de cada divindade rendiam homenagens a
diferentes Orixás, mas não o faziam a Oduduwá, o qual
criou uma situação caótica no plano da existência.
Obara Dun Dun não rendia culto nem reconhecimento a Oduduwá, o qual era o
chefe da reencarnação e da vida. Oduduwá visivelmente desgostoso se retirou de
sua posição de Obá e começou um colapso em todas as coisas da Terra, originando
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uma hecatombe. Todos os Orixás reconheceram a causa e começaram a render-lhe
homenagens. Assim se deu lugar ao culto de Oduduwá e seus adoradores.
Enquanto isso Obara Trupon notava que sua sorte diminuía e seus propósitos não
se cumpriam, então fez Osode (consulta). lfá manifestava que ele tinha faltado com
respeito e desconhecimento de sua parte para com Oduduwá, essa era a causa de
seus males e que se queria ter lré gbogbo lré (sorte) deveria fazer Ebó com Eure,
Adie funfun meji, Eyele meji fun fun e uma Esteira, a qual usaria para dormir por 16
dias consecutivos aos pés de Oduduwá, em prova de seu amor, devoção e respeito.
Neste signo ou Odu se deve receber Oduduwá e fazer-lhe muitas cerimônias para
que gbogbo lré (sorte) se materialize na vida da pessoa.

Além do que em 6-6 (OBARA TONTI OBARA) indica


que se coma na Esteira como sentença para que a
pessoa aprenda a superar a soberba e a inveja.
OLÓFIN sentenciou a quem se tornou injuriador de
OBARA TONTI OBARA, que se sentasse e comesse
(diante dos Reis) na Esteira para que como aviso,
aprendesse a não falar mal de seus semelhantes.

Em OBARA nasce: “Um rei não mente”.


“Uma boa língua constrói e uma má língua destrói”.
“Não se vive de sonhos e não se injuria com a língua o que está bendito”.
A Esteira é o que nos separa do mundo pagão ao Ponto Sagrado.
Ninguém em nossos cultos pode caminhar com sapatos em cima de uma Esteira.
O YAWÓ ‘come’ na Esteira durante os primeiros três meses de sua Iniciação e
ao cumprir este ciclo, seus ‘Maiores' lhe apresentarão a ‘mesa’ para que possa
começar a ‘comer’ nela.

A ESTEIRA E OS ‘POVOS INDÍGENAS’


Encontramos em seus Mitos e Lendas a figura de Haipuku, Ancestral de cujas
'barrigas das pernas rachadas' nasceu um casal de índios Umutina e outro de índios
Habusé. Sol (Míni) e Lua (Hári) eram companheiros cujas aventuras narravam com
espírito e humor. Destacavam Míni como inteligente, às vezes mau, e Hári como
imprudente, que procurava imitar as peripécias de seu companheiro, o Sol, vindo a
falecer, vitimado por sua incapacidade. Míni recolheu Hári (a Lua) morta, enrolando
seus despojos em uma Esteira de palha que 'colocou de lado'. Depois de algum
tempo passado, a Lua ressuscitou.
A essa Esteira de palha mencionada diversas vezes nos mitos dos índios Umutina,
atribuíam o poder de fazer ressuscitar os mortos. Trata-se da mesma Esteira de
palha de palmeira buriti, que os índios descritos por Schultz na década de 1940
usavam para assento, cama e mortalha, não a cedendo a estranhos. Era um objeto
de importância religiosa. As Esteiras eram confeccionadas somente da palha usada
nas indumentárias das danças-rituais da festa mortuária.

________________ A ESTEIRA E OUTROS‘POVOS’___ ______________


JAPAO: - A Esteira também está presente na história, cultura e tradição japonesa.
Em um passado remoto era usado um tapete ou Esteira de palha que poderia ser
dobrado. Foi de onde se originou a palavra tatame (tatami, tatamu). Tatami é um
elemento-chave da decoração nipônica, pois faz parte da milenar cultura japonesa o
ato de se sentar e/ou deitar diretamente no chão, em cima de Esteiras. Sua origem
remonta a era primitiva quando os japoneses tinham o hábito de trançar vegetais
nativos. Os camponeses costumavam usar muito os trançados feitos com palha de
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arroz, pois era um material abundante nos campos de cultivo. Por ter uma superfície
lisa, resistência, flexibilidade e comprimento, os trançados feitos com igusa (junco),
ganharam destaque na sociedade antiga e passaram a ser utilizados nas
Cerimônias Religiosas e por nobres. Inclusive eles começaram a ser chamados de
goza (lugar de sentar), sendo destinados para os Deuses nas Cerimônias Antigas.
No início a palavra tatami era designada para descrever os objetos dobráveis ou os
usados para aumentar a espessura para as pessoas poderem se acomodar em
cima. Foi a partir do período Heian-Kyo (794 - 1192), que o tatami começou a tomar
à forma conhecida nos dias de hoje._______________________________________

A Esteira também foi (e ainda é) usada entre os povos do Oriente e da Asia.


Também foi (e ainda é) usada entre os cristãos. A região do Oriente Médio onde
hoje se localiza os países do Iraque, Kuwait, Síria e a parte sul da Turquia, junto
com o Egito formava uma área cujo formato lembra um arco parecido com a Lua em
quarto crescente. Nessa região, em forma de arco, muito conhecida por Crescente
Fértil devido à boa qualidade de suas terras que eram excelentes para a agricultura,
estava a Mesopotâmia. Composta por quatro principais civilizações (Sumérios,
Acádios, Babilônios e Assírios), localizava-se entre dois rios, o Rio Tigre e o Rio
Eufrates, numa planície desértica com temperaturas elevadíssima, porém contava
também com áreas pantanosas, e foi berço também, a milhares de anos, de povos
como os Hititas e os Caldeus. Estes povos viviam em aldeias e sobreviviam da
agricultura. Os Caldeus, assim como os Hebreus, faziam parte de uma Etnia
denominada de Semitas, daí já podemos imaginar a influência da cultura
Mesopotâmica em certas tradições Hebraicas. Entre esses povos a Esteira era peça
fundamental do mobiliário. Era utilizada como cama, mesa; cobertor e aquecedor no
frio; e também como objeto Sagrado no momento da meditação / oração.

SSA, 01.08.2003
(Ekedi Orisun)
Roquelina Santana

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