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,EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONFIGURAÇÃO ATUAL


DO PROTESTANTISMO NO BRASIL

Antonio G. Mendonça

o que chamamos "protestantismo brasileiro" na verdade são vários protes-


tantismos. Esses protestantismos se inseriram no Brasil primeiramente
como resultado do movimento imigratório iniciado no começo do século
XIX, depois em decorrência da grande expansão missionária ocorrida na
mesma época. Esse quadro torna-se ainda mais complexo com a eclosão
do pentecostalismo, tanto "clássico" quanto de cura divina, e com o
estabelecimento no país de um grande número de organizações protes-
tantes desvinculadas das Igrejas tradicionais.

Apesar de comportar em si mesma uma grande diversidade, a


tradição cristã católica sempre foi capaz de conciliar e envolver essa
diversidade com a vigorosa unidade que se manifesta, por exemplo,
no plano institucional. Ao contrário da tradição católica, o protestan-
tismo que surgiu da Reforma do século XVI foi muito mais longe
na variedade de tendências e instituições que gerou, e desde cedo
revelou-se incapaz de conservar-se unido. Por essa razão, é muito mais
adequado falar em "protestantismos" (luterano, calvinista, metodista
etc.) que em "protestantismo brasileiro". E quando se trata de falar
no que chamamos aqui "protestantismo brasileiro", a complexidade

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é ainda maior: ao emigrarem para a América do Norte (origem do Igreja da Inglaterra fosse reformada liturgicamente à imagem do
segmento do protestantismo brasileiro com que nos ocuparemos neste protestantismo calvinista e seu clero adotasse os padrões éticos desse
livro), esses protestantismos europeus passaram por um sem-número mesmo protestantismo. Essa convulsão político-religiosa explicaa
de transformações institucionais, teológicas e culturais que fizeram emigração de partidários do puritanismo, perseguidos por partidários
deles um fenômeno religioso virtualmente distinto de suas origens da Igreja oficial, para a América do Norte a partir de 1620.
históricas mais próximas. Ao situar-se, desse modo, no ponto final
de um longo, complexo e acidentado itinerário histórico, o protestan-
tismo brasileiro exige - para sua correta compreensão - que esse
curso histórico seja tomado em conta e mantido sempre presente. 1. DO MESSIANISMO NORTE-AMERICANO AO
PROTESTANTISMO BRASILEIRO
De[J.9is de duas tentativas fracassadas - protestantes franceses
~ estabeleceram no Rio de Janeiro entre 1555 e 1560 e protestantes ,/ O protestantismo brasileiro segue sendo uma projeção do pro-
holan eses se estabeleceram no Nordeste e!1l!.e W'30 ~ 1.1),5.51 -,..,a...!J:g- testantismo norte-americano. Direta ou indiretamente, as Igrejas bra-
dição protestante finalmente inseriu-se no Brasil no cpmeçodo século sileiras, ao menos as de origem missionária, alimentam-se do ideário
XIX. Seu primeiro impulso foi basicamente de natureza imigratária da religião civil norte-americana. Como nem sempre as Igrejas nor-
e decorreu da abertura dos portos brasileiros ao comércio inglês te-americanas são fiéis ao antigo ideário dos fundadores da sua nação,
(1810) e do incentivo governamental à imigração européia - parti- consubstanciado na religião civil, há choques e atritos que se propa-
cularmente alemã - poucos anos depois. Assim, nos limites da tole- gam como que em ondas até as Igrejas brasileiras. Esse fator é um
rância a cultos não-católicos estabelecida pela Constituição de 1824, dos pontos importantes para se compreender o comportamento das
instalaram-se no Brasil anglicanos, episcopais (anglicanos norte-ameri- Igrejas brasileiras em relação à sociedade civil, já que elas tendem,
canos) e, em número muito maior, luteranos. Mas a população bra- talvez por serem minoritárias e, portanto, sujeitas ao reforço constante
sileira só foi diretamente afetada pela presença de cristãos não-católi- de sua auto-identificação, a acompanhar as ondas de conservadorismo
cos quando começaram a chegar ao Brasil, nos anos 1850, os primeiros das Igrejas norte-americanas. É por isso que há um visível descem-
missionários protestantes que vieram com a finalidade explícita de passo com a sociedade, descompasso que é historicamente explicável:
propagar sua fé. Esse segundo impulso responde pela inserção no país no momento em que o protestantismo foi inserido na sociedade bra-
ao que chamamos aqui "protestantismo missionário". Através deles sileira, esta se achava num estágio de desenvolvimento significativa-
instalaram-se no Brasil a Igreja Congregacional, a Presbiteriana, a
mente anterior à sociedade norte-americana; por isso o protestantismo
foi recebido como vanguarda do progresso e da modérnidade. Hoje,
Metodista, a Batista e a Episcopal.
quando movimentos neoconservadores e reformistas atingem a socie-
O protestantismo de origem missionária é o tema de nove dos dade e as Igrejas norte-americanas, tentando recuperar antigos valores,
onze trabalhos reunidos neste livro. É por essa razão que este ensaio as Igrejas brasileiras, na esteira desses movimentos, agitam-se na
introdutório se detém mais demoradamente em suas origens norte-ame- busca de valores que nunca fizeram parte da sociedade brasileira.
ricanas. Essas origens explicam-se historicamente, por sua vez, na Assim, se no passado o protestantismo brasileiro apontou para o
conjuntura político-religiosa da Grã-Bretanha dos séculos XVI e XVII. futuro, hoje ele aponta para o passado - aliás, um passado inexis-
Nesse período, a Igreja inglesa - que pelo Ato de Supremacia, de tente. Nesse caminhar, o descompasso entre protestantismo histórico
1535, havia se separado de Roma - passou sucessivamente por brasileiro e sociedade tende a se agravar.
etapas de restauração católica; radicalização de sua reforma, liderada Se a fundação da nação norte-americana se deu sob a inspiração
pelo movimento puritano, para que ela se aproximasse mais do de um ideário messiânico - messianismo que pareceu ser objetiva-
protestantismo luterano e calvinista, bem como pela dissidência insti- mente verdadeiro entre o século XIX e os primeiros anos posteriores
tucionalizada causada pelo puritanismo, que deu origem às chamadas à 11 Guerra Mundial, quando sua influência mundial se tornou avas-
Igrejas livres: Congregacional, Presbiteriana, Batista e, no século saladora -, esse ideário passou em seguida a ser ameaçado pelo
XVIII, Metodista. O puritanismo exigia, entre outras coisas, que a surgimento de outro bloco político-militar poderoso que pôs em xeque

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essa hegemonia. Paralelamente ao conflito Leste-Oeste, seguidos insu- era aquele que, abandonando suas antigas crenças e práticas religiosas,
cessos na política externa norte-americana, até mesmo em conflitos passava a "çrer e~CLSenhor Jesus Cristo:', não simplesmente
armados, provocaram internamente um conjunto de iniciativas restau- como uma convicção, mas como compromisso de mudªnca de vida
radoras destinadas a devolver à nação a convicção da missão superior a partir de.-!!QYos valores. Por isso "crente" era um designativo
da qual ela sempre se julgara investida. A "era Reagan" foi a expres- carregado de significado e difícil de ser sustentado, pela oposição
são política dessa iniciativa restauradora. No plano religioso seu que provocava em relação aos valores circundantes. "Crente" signi-
instrumento mais conhecido foi a chamada "Igreja eletrônica", cujo ficava honra, privilégio e até respeito, mas era também um estigma.
conversionismo individualista é acompanhado da exaltação de valores As pessoas que aderiram à "nova religião" assumiam essa auto-iden-
norte-americanos e de uma obsessiva retórica anticomunista. tificação até com estoicismo. .
De certo modo, o protestantismo histórico brasileiro de origem Em princípios do século XIX surgiu na Europa um movimento
missionária tende a reproduzir, no interior de suas comunidades, os que se expandiu para os Estados Unidos nesse mesmo século e chegou
traços da religião civil norte-americana, o que contribui para apro- ao Brasil em princípios do século XX - precisamerite em 1903.
fundar o vazio existente entre ele e a sociedade. Na medida em que Esse movimento, conhecido por "evangelical", expressou-se através
esse protestantismo reforça sua auto-identificação ao preço de seu de várias ligas e alianças e tinha 'por objetivo unir as Igrejas protes-
relacionamento com a sociedade, torna-se pouco atraente para as tantes em torno de alguns princípios doutrinários comuns que as
camadas populares ao defender valores burgueses de colorido estranho reforçassem internamente e as ajudassem a enfrentar o expansionismo
ao spectrum cultural brasileiro. A assimilação dos valores da religião do ultramontanismo católico. Era uma espécie de "frente unida"!
civil norte-americana, expressos em termos religiosos protestantes, evangélica. Assim, em julho de 1903, em São Paulo, organizou-se
dá-se através de três canais principais: a mídia, a literatura e as a Aliança Evangélica, tendo como primeiro presidente o missionário
missões modernas que se movem especialmente nos parâmetros das metodista Hugh Clarence Tucker. A Aliança Evangélica Mundial
o~ganizações paraeclesiásticas. Qualquer observação, mesmo superfi- foi organizada em 1923.'
cial, mostra que esses canais estão voltados para os grupos protes- A chamada Era Missionárw.~ que percorreu todo o século XIX,
tantes tradicionais, que, por sua natureza, são mais sensíveis aos chegando até a I Guerra Mundial, e correspondeu, em termos eco-
valores burgueses. nômico-políticos, ao período expansionista do ca.pitalislIl--<>-.ll1undial,
Os grupos pentecostais, por suas características pouco letradas tinha duas preocupações fundamentais: primeiro, recuperar e preser-
e éticas, assim como pelo fechamento que apresentam em relação às var a força das Igrejas da Reforma, um tanto enfraqueci das pelos
manifestações religiosas do "outro grupo", são bem menos vulneráveis efeitos do racionalismo e de 'suas divisões e antagonismos - o que
a esses canais. Além, disso, é possível avançar a hipótese de' que os as tornava vulrieráveis diante da reação católica romana, cujo mo-
grupos pentecostais são bem mais nutridos em religião que os protes- mento mais importante foi 6 Vaticano I, - e, segundo, unificar sua
tantes tradicionais. mensagem religiosa de modo a não causar confusão denominacional
Em resumo: o ideário messiânico norte-americano, que se expres- nas áreas missionárias. Assim, alguns princípios doutrinários comuns
sa civilmente, isto é, de preferência extra-eclesialmente, impulsiona e uma auto-identificação única foram o mecanismo preparado para
seu protestantismo para a América Latina, que o recebe como atender a essas necessidades. A auto-identificação de "evangélico"
elemento estranho e, por esse fato, o aprisiona em bolsões isolados era individual e significava o compromisso da pessoa com aquele
e estanques, como faz qualquer organismo ao se defender de intrusos. conjunto de princípios doutrinários; antes de pertencer a esta ou
àquela denominação, o indivíduo era "evangélico". Aos poucos,
Enquanto na Europa e nos Estados Unidos os cristãos não-católi-
no entanto, algumas denominações foram adicionando aos seus nomes
cos se auto-identificam simplesmente como' cristãos, sendo s~cundária
a palavra "evangélica", como a Igreja Congregacional e, posterior-
a identificação pelo ramo a que pertencem, no Brasil, assim como
mente, as Luteranas. No Brasil, os cristãos não-católicos passaram a
em toda a América Latina, a auto-identificação protestante tem sido
auto-identificar~se como evangélicos, e o mesmo ocorreu com as Igrejas
complicada. Entre nós essa questão tem história. Os missionários,
que a partir dos anos 1850 começaram a organizar grupos protes-
tante~, pa~e~e que contribuíra~ para introduzir o vocábulo~ 1. Duncan A. Reily, História documental do protestantismo no
para identificar as- pessoas que Iam aderindo a esses grupos. O crente Brasil, São Paulo, ASTE, 1985, p. 245.

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evangélicas. Os próprios católicos, passada a época de antagonismos, . O protestantismo missionário brasileiro não veio do continente euro-
e principalmente por causa do movimento ecumênico, aceitaram essa peu, mas dos Estados Unidos, cujo protestantismo tinha raízes na
identificação. Naturalmente, os católicos, ao identificarem os cristãos Reforma inglesa. Talvez seja por isso que o protestantismo que che-
não-católicos como evangélicos, contornam o designativo de "protes- gou ao Brasil tenha tido intenções fortemente pragmáticas: pretendia
tante", carregado de preconceitos no Brasil já que, no auge dos ser elemento transformador da sociedade através da transformação dos
conflitos entre protestantes e católicos, aqueles eram designados por indivíduos. Esse pragmatismo da religião civil norte-americana, em
estes como "os que protestavam contra Deus". Os próprios protes- que a eficácia das ações era validada pela prática religiosa, é que
tantes nunca aceitaram unanimemente essa auto-identificação; além levou Léonard, ao comparar o protestantismo brasileiro com o euro-
de preconceituosa, há grupos, como os batistas, que a recusam por peu, a dizer "este adora, enquanto que aquele trabalha't.? O culto
razões históricas, afirmando-se anteriores à Reforma. protestante no Brasil é "trabalho", e os seus agentes, clérigos ou
Atualmente, a designação de "protestantes" aplicada aos cristãos leigos, são "obreiros". Nos Estados Unidos, os puritanos "trabalha-
não-católicos no Brasil, por ter sentido histórico e técnico mais acen- ram" para construir uma nação segundo o modelo que tinham; no
tuado, vem sendo usada preferencialmente por historiadores e soció- Brasil, os protestantes têm "trabalhado" para "transformar" a socie-
logos, talvez pela necessidade de um conceito de relativa neutralidade. dade. É por isso que não cabe a comparação entre os protestantes
No entanto, historiadores denominacionais comprometidos diretamen- brasileiros e os europeus, para quem a religião tem outra finalidade,
te com as Igrejas continuam fiéis à auto-identificação evangélica. isto é, adorar a Deus.
A antiga auto-identificação de "crente" está ficando cada vez mais Embora o pragmatismo caracterize o protestantismo no Brasil
relegada às áreas pentecostais. De fato, os protestantes tradicionais (pelo menos o protestantismo missionário tradicional, uma vez que
já apresentam, principalmente nas áreas urbanas, acentuado precon- os pentecostais merecem outras considerações que serão feitas adiante),
ceito contra a designação de "crentes"; para estes, "crentes" são esse protestantismo está ligado, na medida em que se expressa através
os pentecostais, categoria "inferior" de evangélicos, fanáticos e igno- de Igrejas, à Reforma do século XVI. Aliás, a Reforma foi reforma da
rantes. De modo esquemático, quanto à identificação atual dos cristãos Igreja, não da teologia; esta sofreu somente ênfases, arranjos e rear-
.não-católicos no Brasil, a situação é esta: o termo "crentes" identifica ranjos. Tentaremos a seguir formular um quadro dos ramos protes-
pentecostais e protestantes tradicionais em regiões rurais; a designação tantes no Brasil, abrangendo os de origem missionária, migratória
"evangélicos" auto-identifica protestantes tradicionais de regiões urba- e os pentecostais,
nas e é o preferido dos "historiadores" dessas denominações; o termo
"protestantes" é utilizado por historiadores, teólogos e sociólogos não Ramos da Reforma Protestante no Brasil
necessariamente alinhados com esses grupos.
1. Anglicano
1. 1. anglicanos propriamente ditos (ingleses e seus descen-
""\ 2. CONFIGURAÇÃO INSTITUCIONAL DO dentes)
1. 2. episcopais (de origem norte-americana; brasileiros, japo-
PROTESTANTISMO NO BRASIL neses e seus descendentes)
1.3. metodistas (de origem do Sul dos Estados Unidos; brasi-
Um dos primeiros historiadores do protestantismo brasileiro, leiros)
Emile-G. Léonard,? fala, de um lado, na presença da Reforma no 2. Luterano
Brasil, mas, de outro, estranha a configuração das Igrejas da Reforma
no país, achando-as distorcidas e afastadas, em muitos aspectos, do 2. 1. luteranos ligados à Alemanha (Igreja Evangélica de Con-
fissão Luterana do Brasil; alemães e seus descendentes)
movimento religioso do século XVI. Léonard, calvinista francês, 2.2. luteranos ligados aos Estados Unidos (Sínodo de Missourl;
subestimou o trajeto que o protestantismo missionário fez para che- Igreja Evimgélica Luterana do Brasil; alemães e seua
gar ao Brasil, ao passar antes pela Inglaterra e pelos Estados Unidos. descendentes)

2. O protestantismo brasileiro, São Paulo, ASTE, 1963, p. 354. 3. Idem, p. 241.

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3. Reformado Outra questão difícil é a dos batistas. Como classificá-Ios?
3.1. presbiterianos (missões norte-americanas; brasileiros) Embora adotem a designação "evangélicos", sempre recusaram a de
3.2. congregacionais (missões inglesas, norte-americanas e ou- "protestantes". Não se sentem ligados diretamente à Reforma, mas
tras; brasileiros) . se afirmam anteriores a ela ao se identificarem com os diversos
3.3. reformados europeus - Igrejas de colônias (holandeses, movimentos que, dentro da Igreja cristã, historicamente buscaram
.húngaros, franceses etc.) organizar-se em comunidades fiéis às crenças e práticas dos primitivos
cristãos do Novo Testamento. Temos como exemplo os anabatistas,
4. Paralelos à Reforma mas seguramente os batistas modernos não pretendem esgotar-se his-·
4.1. batistas (missões do Sul dos Estados Unidos; brasileiros) toricamente naqueles grupos. Assim, optamos pela designação de
4.2. menonitas (missões norte-americanas, alemãs etc., prin- "famílias paralelas à Reforma", nela incluindo também os menonítas.'
cipalmente descendentes de alemães)
Voltaremos a falar dos batistas nos quadros dos sistemas de crenças,
mais adiante.
5. Pentecostais
Outro problema são os pentecostais. Não há nenhuma dúvida
5.1. propriamente ditos ou clássicos de que a moldura eclesiástica e teológica dos pentecostais é protes-
5.1.1. Assembléia de Deus
tante. No entanto, nem os protestantes históricos estão dispostos a
5 .1. 2 . Congregação Cristã no Brasil
5.1.3. Igreja do Evangelho Quadrangular (ou Cruzada admiti-Ios como membros da família nem os pentecostais se identifi-
Nacional de Evangelizaçãol cam com os protestantes. Os estudiosos e especialistas também diver-
5.1.4. Igreja Evangélica "O Brasil para Cristo" gem entre si: alguns consideram os pentecostais como expressão
5.2. Cura Divina popular do protestantismo e os incluem entre os protestantes; outros
5.2.1. Deus é Amor vêem no pentecostalismo uma nova Reforma e, como tal, uma nova
5.2.2. Numerosas outras forma de Igreja e vivência do cristianismo, inteiramente forã elas
earacterísticas das chamadas Igrejas protestanteshístôricas .. No entan-
to, para os fins deste trabalho, ao incluirmos no quadro as Igrejas
Tentativas como esta tendem a ser reducionistas. Por isso, cabem pentecostais levamos em conta dois fatores: primeiro, que os pen-
alguns comentários sobre o esquema acima, especialmente nos pontos tecostais possuem matrizes protestantes' e, segundo, na configuração
mais sujeitos a críticas. Em primeiro lugar, anglicanos e episcopais do campo religioso protestante estão muito mais para- os protestan-
formam hoje a comunhão anglicana, cujos traços comuns são, sob o tes do que para os cat6licos. Além do mais, herdaram a antiga
ponto de vista da liturgia, o Livro de Oração Comum e, sob o ponto identificação dos protestantes: são "crentes".
de vista da crença, o Quadrilátero de Lambeth. Trata-se, pois, de O quadro em referência não esgotá as Igrejas protestantes no
uma comunhão espiritual, pois em cada país as Igrejas da "família Brasil, nem quanto às históricas nem, muito menos, quanto às pen-
anglicana" guardam autonomia. Em segundo lugar, a inclusão dos tecostais. t: uma tentativa de classificação por famílias e cada uma
metodistas na mesma chave da "família anglicana" pode parecer delas se estende por ramificações bastante extensas. O Manual pro-
estranha porque, aparentemente, eles nada têm a ver com os anglica- testante: fornece uma relação das denominações brasileiras na qual
nos, pois em muitos países nem sequer mantêm o episcopado histórico. é possível distinguir os membros de algumas famílias, permanecendo
No entanto, mantivemos os metodistas na chave da "família anglicana" uma grande parte na dependência de uma pesquisa que pudesse iden-
em virtude de afinidades históricas, colho sua origem anglicana, sua tificá-Ias para fins de classificação. Os dados desse manual baseiam-se
liturgia formal marcada pelo Livro de Oração Comum," sua teologia no "Culto Protestante", do Recenseamento religioso brasileiro, publi-
ainda bastante ligada aos "39 artigos" através dos "25 artigos" de cação interrompida em fins da década de 1960. Desde então a situa-
João Wesley e, finalmente, a manutenção do episcopado histórico ção deve ter se modificado bastante, especialmente se considerarmos
pelos metodistas brasileiros.

5. Segui dores de Meno Simons (1492-1559).


4. Carl Joseph Hahn, Evangelical Worship in Brazil: Its Origins 6. William R. Read e Frarik A. Ineson, Brasil 1980: o mantml
and Development. Edimburgo, University of Edinburgh (inédito). protestante, São Paulo, SEPAL, n. 2.

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o significativo afluxo de missionários protestantes estrangeiros duran- Capítulo curioso é o das Igrejas pentecostais. Poderíamos tentar
te a década de 1970. Novas Igrejas devem ter surgido nesse período, classificar os pentecostais brasileiros de diversos modos, tais como:
embora o número de adeptos não deva ter aumentado muito em historicamente, isto é, pelos períodos de surgimento ou implantação;
razão de dois fatores principais que constam da observação' dos pelas suas origens eclesiásticas; pelos traços doutrinários e de governo
especialistas: primeiro, as Igrejas tradicionais, mesmo as novas de ori- eclesiástico etc. Como exemplo, tentaremos uma classificação que
gem estrangeira, principalmente norte-americanas não têm exercido coincidentemente está ligada ao sistema de famílias do quadro anterior:
muita atração por causa de sua mensagem religiosa' pouco diversifica da
e, segundo, suas clientelas se constituem, na maior parte, de adeptos 1. Pentecostais Clássicos
que emigram de outras Igrejas tradicionais. Desse modo, no âmbito 1.1. Assembléia de Deus
das famílias de Igrejas protestantes tradicionais incluindo as novas 1.2. Congregação Cristã no Brasil
e isoladas, não deve haver crescimento numérico de adeptos.
2. Pentecostais Recentes
No quadro abaixo tentaremos identificar alguns membros das
famílias indicadas no esquema anterior: 2. 1. Batista Independente
2.2. Metodista Wesleyana
2.3. Presbiteriana Renovada
1. Metodista 2.4. Assembléia de Deus Presbiteriana
1.1. Igreja ]4etodista
1.2. Igreja Metodísta Livre
1.3. Igreja Evangélica "holíness" do Brasil Essas Igrejas, embora revelem traços comuns ao movimento
1.4. Irmandade Metodista Ortodoxa pentecostal, apresentam aqui e ali elementos de suas Igrejas originais.
1.5. Igreja do Nazareno Não obstante herdarem, de suas. respectivas tradições, traços do sis-
tema de governo eclesiástico, sejam congregacionais, conciliares ou
2. Presbiteriana (Igrejas da reforma calvinista)
episcopais, todas as Igrejas pentecostais são arminianas sob o prisma
2.1. Igreja Presbiteriana do Brasil teológico,' com exceção da Congregação Cristã no Brasil. Essa Igreja,
2.2. Igreja Presbiteriana Independente do Brasil
2.3. Igreja Presbiteriana Conservadora oriunda da visão de Luís Francescon, italiano originalmente valdense
2.4. Igreja Presbiteriana Fundamentalista e posteriormente presbiteriano nos Estados Unidos - como geral-
2.5. Igreja Presbiteriana Unida mente acontece com todos os valdenses que emigraram para lugares
2.6. Igrejas reformadas de imigração (holandesa, húngara etc.)
onde não há comunidades dessa tradição (os valdenses integram a
3. Batista família reformada mundial) -, guarda' traços significativos da teolo-
gia calvinista e, principalmente, o mais controvertido deles: a predes-
3.1. Igreja Batista Brasileira
3.2. Igreja Batista Regular tinação. Por isso, não faz campanhas evangelístícas \e muito menos
3.3. Igreja Batista Restrita usa os meios de comunicação de massa; está convencida de que Deus
3.4. Missão Batista da Fé chama seus eleitos, bastando somente uma oportunidade, como, por
3.5. Igreja Cristã Batista Bíblica. exemplo, estar o eleito presente a um ato de batismo. Sua eleição
3.6. Igreja Batista Revelação
3.7. Igreja Menonita se confirma pelo ato "voluntário" do batismo e posterior permanên-
cia na Igreja. Ninguém faz apelo, ninguém insiste. Não se fala em
conversão, mas em obediência. Ninguém se converte, mas "obedece
Os agrupamentos e classificações tornam-se muito difíceis quando ao chamado". O autor teve a oportunidade de ver em Bíblias e
se tra~a do ~rotestan.tismo. Corre-se o risco de, ao tentar simplificar, hinários de membros da Congregação 'Cristã no Brasil a seguinte
complícar ainda mais. No quadro acima não aparecem numerosas inscrição: "pertence ao crente ... que obedeceu ao Senhor em ... ".
Igrejas que, à falta de um conhecimento melhor, ficam à margem Considerando que mesmo' as Igrejas 'presbiterianas brasileiras 8t O
da classificação. ~ o caso da Igreja Cristã Primitiva, igreja Monte das arminianas, é quase certo que os únicos traços de calvinismo ortodoxo
Oliveiras, Cruzada Bíblica Sagrada, Igreja Nova Apostólica etc. no Brasil estejam na Congregação Cristã no Brasil.

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Antes de. c~nclu~r esta t~n~ativa de classificação das Igrejas pro- anglo-saxão e protestante. Mesmo que consideremos a presença fran-
test~ntes brasileiras e necessano um esclarecimento. Em boa parte
cesa nessa trama, a tese não fica prejudicada porque a invasão
da l~teratura. sobre religião .no Brasil, incluindo O manual protestante, francesa, pelo menos em seus motivos explícitos, estava ligada à
Igrejas e seitas como Igrejas adventistas, mórmons, testemunhas de
Reforma, e a Reforma foi um movimento anglo-saxão em sua essên-
Jeov~ e ciência crist~ aparecem como protestantes. Nosso ponto cia, embora a França tenha tido papel relevante nos primeiros tempos.
de. vtsta, entretanto, e o de que, embora esses grupos tenham tido
___ . . Há uma correspondência histórica entre as invasões protestantes
ong:m protestante, ou pelo menos em cultura protestante, pelo dis-
tanciamento que apresentam em relação ao protestantismo devem ser no Brasil e as tentativas de rompimento da hegemonia latino-católica
excluídos de qualquer estudo que tenha por objetivo o cristianismo por parte do mundo anglo-saxão protestante. Esse rompimento se
r~formado enquan!o tal. :f: por esse fato que aquelas Igrejas e seitas dá aos poucos e se consolida no século XIX quanto ao político
nao aparecem aqui. e econômico, mas não quanto à religião e à cultura, já definitivamente
implantadas. :f: por isso que o Brasil, assim como toda a América
A história da inserção do protestantismo no Brasil já está de
Latina, sendo dependente econômica e politicamente do mundo
certo modo estudada. Há, no entanto, um curioso descompasso entre
historiadores em geral e historiadores eclesiásticos. Os historiadores anglo-saxão, permanece latino sob o prisma da religião e da cultura.
do Brasil sempre fazem referência aos invasores protestantes do pe- Conseqüentemente o protestantismo, pelo menos o histórico, continua
ríodo colonial, isto é, franceses e holandeses, embora não se demo- sendo corpo estranho na sociedade brasileira. Sendo assim, pergun-
rem muito no caráter religioso desses invasores. Quanto à inserção- e ta-se: por que ainda não desapareceu? Essa pergunta ocorre a todo
permanência do protestantismo no Brasil independente - questão que pesquisador qUI? observa a permanência e até a consolidação das
não deixa de ter relevância sob todos os aspectos - os historiadores linhas divisórias culturais entre os grupos protestantes tradicionais e
praticamente silenciam. O capítulo sobre o protestantismo no Brasil a sociedade brasileira. Este fato, característico de grupos sectários,
independente tem sido exclusividade de historiadores eclesiásticos devia ter levado o protestantismo ao seu desaparecimento pela morte
sociólogos e ant.ropólogo.s interessados em religião. O descompasso de suas primeiras gerações, lei que parece reger a vida desses grupos.
a que nos referimos reside no fato de que, enquanto historiadores No entanto, o protestantismo tradicional, embora mantenha traços
em geral silenciam, os eclesiásticos produzem textos sobre o protes- sectários, como a separação e rejeição do mundo, organizou-se em
tantismo no Brasil desvinculados da realidade social. Assim, uns não Igrejas, institucionalizou-se e burocratizou-se cada vez mais. Como
fazem e outros não complementam. Parece que a única exceção a explicar sua resistência à absorção pela religião majoritária, sendo
essa regra é o livro relativamente recente de David Gueiros Vieira,? formado por grupos tão pequenos?
O fato é que o protestantismo histórico de origem missionária
A introdução de capítulos sobre o protestantismo nos textos de
resistiu, pelo menos até agora. Há algumas causas prováveis que
história do Brasil já está se tornando questão de justiça científica.
podem ajudar a entender e a explicar esse fenômeno. Primeiro, sem-
Afinal, milhões de brasileiros são protestantes, e suas instituições pre houve forte apelo religioso. no protestantismo em virtude do
marcam presença na sociedade brasileira, principalmente na área incentivo à piedade individual e da independência pessoal quanto
educacional. à obtenção da-salvação; por sua vez, a ética ascética ligada à rejeição
Não obstante os historiadores eclesiásticos terem empreendido do mundo pareceu ir 'ao encontro daqueles que tinham motivos sufi-
essa tarefa, abordaremos a seguir o aspecto histórico da presença cientes para não estar satisfeitos numa sociedade sempre desajustada
protestante no Brasil. Examinaremos o tema sob o ângulo da trama e desigual como a brasileira. Segundo, o protestantismo no Brasil
histórica que percorre o mundo ocidental desde o século XVI até organizou-se e cresceu sob o primado do leigo; este fato pode muito
fins do XIX. O que vemos nesse período é a passagem progressiva bem ter capitalizado parte da mentalidade anticlerical brasileira recor-
do expansionismo e dominação do mundo latino e católico para o rente em períodos dos séculos XIX e XX. Terceiro, a hegemonia
econômico-política do mundo anglo-saxão, agora representada pelo
Estados Unidos, nunca deixou de injetar energia nos grupos pro-
7. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil testantes. Durante longo período essa energia foi injetada diretamente
Brasília, Universidade de Brasília, 1980. ' nas Igrejas, mas quando elas, um tanto fartas da ingerência do prln-
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UERN" BIBLlOTECA SHORI~LO~EN?tIf
cipio segundo o qual "quem dá o dinheiro manda", começaram a Catolicismo: ~~NmaU6,LhOJ~aS~IJifil~ra (estabilidade rela-
criar problemas para os quadros missionários, a estratégia emigrou tiva).
para as organizações paraec1esiásticas que, a partir da década de
1950, passaram a agir paralelamente às Igrejas com ampla injeção Pentecostalismo: ajustamento à cultura b~asileira (estabilidade
indireta de recursos e de ideologia conservadora. Este fato, que sob relativa).
o ponto de vista estratégico-ideológico é importante para a hegemonia Protestantismo de imigração: ligação com a cultura religiosa
que vem de fora para dentro, parece explicar em parte a resistência européia mais estável e tendência crescente para ajustamen-
e permanência das Igrejas. O que queremos dizer é que as organi- to à cultura brasileira.
zações paraec1esiásticas, representando sempre a extrema-direita teo-
lógica, organizam-se de modo a influir no interior das Igrejas, seja Protestantismo de missão: ligação com a cultura religiosa ame-
através da literatura, de acampamentos para juventude, para casais, ricana, menos estável e em constante ebulição, com ten-
pastores e, principalmente, pela oferta de educação teológica em dência para manter confronto com a cultura brasileira.
seminários indenominacionais.
A injeção teológica/ideológica promovida pelas organizações pa- Os três primeiros segmentos mantêm taxas de crescimento, mes-
raec1esiástica tem tido efeito paralisante nas Igrejas, pois ao mesmo mo que sejam vegetativas, o que não ocorre com o quarto segmento.
tempo em que reforçam suas linhas demarcatórias em relação à so- Outro aspecto sugestivo dessa análise é que o protestantismo histórico
ciedade brasileira, uma vez que os padrões injetados pertencem a missionário sempre tem sido visto como integrado à cultura brasileira,
outro universo, impedem-nas de reformular seu pensamento e prática principalmente por ter sido produto de missões a brasileiros, ao passo
bem como de avançar, aos poucos, na direção dos valores da socie- que o protestantismo de imigração sempre foi considerado religião de
dade brasileira. O efeito paralisante atinge duplo objetivo: primeiro, estrangeiros. Mas hoje o que se vê é o seguinte: o protestantismo
contorna o perigo de as Igrejas caminharem para uma teologia mais de origem missionária parece acentuar suas características de seita
estrangeira, ao passo que o de origem imigratória avança na direção
autônoma que as capacite e as libere para as lutas sociais; segundo,
da integração à sociedade brasileira ao inserir-se cada vez mais nas
limita a migração dos protestantes tradicionais de origem missionária
lutas sociais,"
para as Igrejas pentecostais, Igrejas que, embora portadoras de uma
Diante dessa análise parece ser válida a hipótese de que a maior
teologia muito conservadora e fundamentalista, situam-se fora de
integração de um segmento religioso a um campo pode facilitar seu
qualquer forma de controle externo.
crescimento, ou ao menos manter seu volume relativo, ao passo
As Igrejas de imigração, como as luteranas, situam-se em outro que a menor integração pode inibir o crescimento ou até provocar
plano. Sujeitas às regras da etnia e com teologia mais definida na rela- tendência à diminuição.
ção com suas fontes - fontes mais estáveis e menos conflituosas -, As lutas da Reforma, contemporâneas às lutas pela hegemonia
essas Igrejas passaram a gozar há algum tempo, no campo religioso política e econômica entre as nações da Europa, estenderam-se pre-
brasileiro, de maior objetividade e liberdade de ação. Quanto ao cocemente às terras do Brasil antes mesmo do início de sua coloni-
crescimento, embora vegetativo, por ocorrer dentro da etnia, cons- zação. A invasão francesa do Rio de Janeiro, em 1555, foi a segunda
tituem exceção em face das de origem missionária. tentativa de instalação de protestantes na América Latina, seguindo-se
Não deixa de ser sugestiva a idéia de analisar o campo religioso à colônia dos Welser, na Venezuela, em 1528. A colônia huguenote
cristão brasileiro a partir da seguinte hipótese: os segmentos desse do Rio de Janeiro teve vida efêmera (1555-1560) e não deixou
campo ligados a planos culturais religiosos mais estáveis tendem a marcas. Refletiu no seu interior os conflitos teológicos da Reforma,
crescer, ao menos vegetativamente, ao passo que os ligados a planos principalmente no que se referia à eucaristia, o que comprometeu
culturais religiosos em constante ebulição tendem a estagnar ou sua estabilidade. Esse fato, não obstante, propiciou o evento histórico
diminuir. As ligações e ajustamentos culturais religiosos seriam mais da elaboração, num ambiente estranho e selvagem, da primeira con-
ou menos assim:

8. Cf. Martin Dreher, Igreja e germanidade, São Leopolclo,


Sinodal.

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UERN - BIBLIOTECA SETOR\AL DE NATAL
fissão de fé reformada do continente," As lutas contra os nativos e, expulsão dos holandeses à Independência constitui um vazio de quase
afinal, o confronto com os portugueses puseram fim ao primeiro dois séculos, pois somente em 1810 é que protestantes terão permissão
germe do protestantismo no Brasil. para entrar no Brasil.
. A segunda tentativa de expansão, dentro das lutas pela hegemo-
nia econômico-política entre as n~ções .européias, trou~e. de novo o
protestantismo reformado ao Brasil, LIbertos do domínio espanhol 3. PROTESTANTISMO DE IMIGRAÇÃO
em fins do século XVI, os holandeses, além de formarem ao ?~r~e
dos Países Baixos um reduto de tolerância religiosa, passaram a dividir --~ Ao vazio protestante de quase doi~._séculos correspondeu meio
com os ingleses o domínio dos mares. Em 1630 os holan~es.es con- sécl!!p_d~_estag!1AÇjoi19 catolicismo no Brasil, provocado, no P€?!!9do
quistaram parte do Nordeste do Brasil e formaram uma coloma, com ~º_nÍ!ll, pela pol#ica. iluminista do Marquês de Pombal e, no pe-
sede em Pernambuco, sob a liderança de Maurício de Nassa?: Essa ríodo imperial, pela política do padroado. Entre 1759 e 1855 diversos
colônia durou vinte e quatro anos (1630-1654) e, no espírito da eventos e fatores - como a suspensão das relações diplomáticas com
Reforma calvinista, formou uma espécie de estado teocrático que o ~aticaI!.o (1759-1808); as influências [ansenístas vindas da Europa;
assegurava a tolerância religiosa. No entanto, a ética c~lvinist~ do~ a êsca~sez de bispos, e estes, na maioria, 'ocupados" com assuiitos
holandeses esbarrou na dura realidade da sociedade colomal e nao foi temporais: o clero moralmente desprestígiado e a proibição de entrada
suficientemente forte para combater instituições rigidamente implan- de noviços nas oráens religiosas (1855) - constituíram um ~adro
tadas como a escravidão." Apesar disso, houve melhoras, como a pouco favorável à Igreja Católica.
obrigatoriedade do descanso aos domingos e a proibição da separação À debilidade da presença da Igreja Católica no Brasil, represen-
de casais de escravos quando vendidos." tante da cristandade latina, correspondeu praticamente a queda final
A catequese calvinista dos holandeses revelou muito esforço. das potências latino-católicas européias diante do crescente poderio das
A "classe" (presbitério) de Pernambuco preparou u~ br:ve catec~smo nações anglo-saxônicas protestantes. E nesse quadro que se dá a
trilíngüe (tupi, holandês e português) para a evangelização das tribos. gradativa inserção do protestantismo a partir de 1810, quando ingle-J
Na tradição do calvinismo ortodoxo os catecísmos desempenh?~_ a ses, principalmente, tiveram permissão para entrar e realizar. seus
função básica de orientar, instruir e encaminhar as pessoas. na religião. cultos, embora de maneira restrita.
Aí termina sua tarefa. A salvação é obra externa e exclusiva da graça Sob o ponto de vista institucional, isto é, com a formação de
divina, que escolhe alguns e outros não. Isto é importante. para comunidades permanentes, são os imigrantes alemães os pioneiros
avaliar o alcance do esforço dos holandeses para produzir o ~ateclsm~, na implantação do protestantismo no Brasil. Esse pioneirismo tem
já que, uma vez instruídos n~s ~outrinas cristãs, os .escolhldos estao como marco inicial a comunidade de Nova Friburgo, Rio de Janeiro,
mais aptos a ouvir o seu propno chamado, a seguir e observar os fundada em 1824 pelo pastor Friedrich O. Sauerbronn, com 334 imi-
imperativos da vida cristã. grantes evangélicos alemães. No Sul, também em 1824,43 imigrantes "
Os holandeses, derrotados pelos portugueses ajudados por nativos alemães fundaram, no Rio dos Sinos, uma comunidade que recebeu>
e negros, retiraram-se em 1654. Mas ao contrário dos h~g~enotes ?o o nome de São Leopoldo em homenagem à Imperatriz Leopoldina.
Rio de Janeiro, deixaram suas mar~as no Nordeste bras!~elr~; fIem Os imigrantes alemães foram se localizando progressivamente ..•.
dos olhos azuis ainda vistos em muita gente daquela regiao, ha pro- em vários pontos do país, além do interior das províncias do Rio de
vas de que. .. certas noções calvinistas ficaram profundamente ar- Janeiro e Rio Grande do Sul: Santa Catarina, São Paulo, Espírito
raigadas na mente dos índios nordestinos" .12 O período que vai da Santo e Sul de Minas Gerais. Fundaram diversos sínodos que aca-
baram se unindo em 1938 e organizando, em 1949, uma Federação
9. De autoria de Jean Crespin, datada de 15~1. . de Sínodos. A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
10. Cf. Roger Bastide, El projimo y el extranC!, Buenos Aíres, (IECLB), que engloba todos esses órgãos regionais, obteve sua inde-
Amorrortu, p. 97; Jea~ Pie~re Bastian, ~reve historza del protestan- pendência da Igreja Evangélica Alemã em 1955. Sempre adotou a
tismo en America Latina Cidade do MéxIco, CUPSA, p. 47. . Confissão Augustana e o pequeno catecismo de Lutero. Em .1946
11. Cf. Eduardo Ho~rnaert et alíí, História da Igreja no Brasü,
Petrópolis, Ed. Vozes, tomo 2, p. 140. foi fundada a Faculdade de Teologia em São Leopoldo, Rio Grande
12. Id., ibid., p. 140. do Sul.

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Recentemente foi criada a Escola Superior de Teologia (EST), nacionalidade foi contraposta a de uma Igreja que resiste à tentativa
que mantém a Faculdade de Teologia, voltada para o ministério .de subordinação a essa mesma nacionalidade. Como desde o início da
pastoral, o Instituto de Educação Cristã (lEC), voltado para o minis- colonização em meio aos colonos luteranos vieram também reforma-
tério catequético, o Instituto de Pós-Graduação, destinado ao mes- dos, é possível que traços de mentalidade dessa origem tenham facili-
trado em teologia, o Instituto de Pastoral,' voltado para a prática tado a adesão de grupos ao barthianismo. A integração da IECLB
pastoral e comunitária, e o Instituto de Capacitação Teológica Espe- à sociedade brasileira deveu-se em muito ao pastor Ernst Schlieper,
cial, destinado à capacitação de colaboradores voluntários de co- aluno de Karl Barth em Bonn, que já em 1937 aderira à Igreja
munidade. . Confessante. A Igreja está presente hoje em boa parte do Brasil, do
A Escola Superior de Teologia (EST) apresenta como auto-iden- Rio Grande do Sul a Pernambuco, incluindo Mato Grosso, Rondônia
tificação e objetivos sua fidelidade à herança da Reforma luterana, e o Distrito Federal.
abertura ecumênica e compromisso, na reflexão e na pesquisa, com Segundo dados da própria IECLB, a denominação possuía, em
as necessidades do povo brasileiro. As propostas de ecumenismo e 1974, 750 mil membros comungantes, 1.960 comunidades, 304 pas-
identificação com as necessidades do povo brasileiro já vinham sendo tores, 103 escolas primárias e 40 secundárias. É certo que atual-
implementadas mesmo anteriormente à fundação da EST. Teólogos e mente esses números são bem maiores porque o número de membros
exegetas da Faculdade de Teologia já produziam material de enga- da Igreja, mesmo que seja sempre composto por descendentes de
jamento social, e a Igreja, institucionalmente, ultrapassava os limites alemães, tende a crescer na relação do crescimento da população.
da vida paroquial e devocional, rumo a uma ação social efetiva no O crescente número de alunos na Faculdade de Teologia com garantia
acompanhamento dos colonos nas frentes pioneiras e nas missões de vagas no ministério é indício de que a Igreja cresce. É provável
indígenas, com uma postura de defesa dos direitos de colonos e 'que a IECLB possua atualmente cerca de 1.200.000 membros.
nativos. Quanto ao ecumenismo, a Igreja Evangélica de Confissão Mas, dada a abertura da IECLB para a sociedade brasileira e
Luterana no Brasil (lECLB) adotou-o no nível externo, ao entrar sua identificação progressiva com ela, é possível que seu crescimento
para o Conselho Mundial de Igrejas em 1950, e interno, ao ingressar atinja outras dimensões no futuro. No plano simbólico ela tem boas
na Confederação Evangélica do Brasil em 1958. chances porque sua liturgia se situa a meio caminho. entre _o ritualismo
A IECLB, como toda a comunidade luterana no Brasil, tem sido católico e a total ausência ritual das Igrejas protestantes de origem
considerada Igreja de etnia - Igreja de alemães e seus descendentes. l:nISsiõriária norte-americana, exceção feita à Igreja Episcopal, mais
E realmente foi assim durante a maior parte de sua existência. Em próxima da Igreja Católica do que das Igrejas protestantes. O ritual
1934, quando foi fundada a Confederação Evangélica do Brasil, as é componente importante da religião e seu abandono por parte das
Igrejas de origem missionária norte-americana não convidaram a Igrejas protestantes brasileiras de origem missionária tem sido negativo
IECLB por considerá-Ia Igreja estrangeira. No entanto, hoje a IECLB para elas, ao menos tendo em vista a classe média, sua principal
é, das Igrejas protestantes tradicionais, a que mais avança na direção clientela. A IECLB pode atrair aqueles que desejam uma religião
da identificação com os problemas da sociedade brasileira, princi- moderadamente ritualista.
palmente na defesa dos injustiçados. A IECLB está vinculada a organismos eclesiásticos nacionais e
A abertura da IECLB para a sociedade brasileira teve origem estrangeiros. No Brasil está ligada ao Conselho Nacional de Igrejas
nas questões teológicas que surgiram em seu interior após a 11 Guerra Cristãs (Conic) e fora do Brasil à Federação Luterana Mundial e ao
Mundial. Nessa época havia grupos de luteranos no Rio Grande do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Mantém, naturalmente, relações
Sul simpáticos à Igreja Confessante, adeptos da Confissão de Barmen com outras. Igrejas luteranas da Europa e dos Estados Unidos.
e da teologia de Karl Barth. Houve conflito porque alguns entendiam Dentro da mesma camada étnico-social estão os luteranos da
que isso feria a ortodoxia luterana, principalmente a "doutrina dos Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Ao contrário da IECLB,
dois reinos" .13 A controvérsia serviu para abrir espaço para uma cujos vínculos iniciais foram com a Igreja alemã, a IELB originou-se
nova disposição intelectual em que à visão de uma Igreja atrelada à da Igreja Evangélica Luterana Alemã, Sínodo de Missouri, fundada
em 1847 por ativos migrantes alemães que chegaram aos Estados
Unidos provindos da Saxônia. No Brasil, o impulso inicial foi dado
13. Cf. Martin Dreher, op. cito pelo Pastor [ohannes F. Brutschin, em 1868. O desenvolvimento da
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IELB nas comunidades alemãs deu-se em áreas desatendidas pelo 4. PROTESTANTISMO DE ORIGEM MISSIONARIA
Sínodo Río-grandense da futura IECLB.
Nos Estados Unidos os "míssourianos", como são conhecidos os Inserção no Brasil
membros da IELB, são cerca de 90% de ascendência alemã e 10%
de norte-americanos. No Brasil a IELB tem a mesma configuração Em 1699, Cotton Mather afirmava que o catolicismo implantara
étnica da IECLB. Quanto à posição teológica, a IELB se distingue na América Latina um cristianismo deformado,'? tese repetida muitas
da IECLB pelo seu conservadorismo e confessionalismo, expressos no vezes no futuro por outros autores, até mesmo latino-americanos,
lema "agora e sempre a Palavra de Deus e a doutrina de Lutero não como o brasileiro Eduardo Carlos Pereira." Surgiu a vocação nor-
se desvanecerão" .14 ~, segundo Prien, eticamente rigorista e funda- te-americana de transferir para a América Latina os benefícios do
mentalista no seu biblicismo de inspiração verbal. Seu confessiona- "sonho americano" ou do "estilo americano de vida", cujos compo-
lismo se insere no desejo de encarnar o verdadeiro luteranismo. nentes são patriotismo, racismo e protestantismo. Tem sido comum
A IELB tem como confissão de fé a "Fórmula de Concórdia" a tese de que foi esse caldo de cultura o ponto de partida das missões
(1576), que pretende recuperar e conservar as melhores tradições protestantes na América Latina. Assim, apareceu em 1810 a American
luteranas: afirma a Bíblia como única regra e norma em todas as Board of Commissioners for Foreign Missions, inicialmente intercon-
questões doutrinárias, acima, portanto, de todos os credos e documen- fessional e mais tarde congregacional. Em seguida, foram surgindo
tos doutrinários, simples testemunhas da fé, e recusa enfaticamente outras organizações missionárias: entre 1814 e 1821, batistas, me-
tanto o pelagianismo, isto é, a participação do homem em sua própria todistas e episcopais, em 1837, o Board oi Foreign Missions, dos
salvação através da prática das boas obras, quanto o sinergismo - presbiterianos e, em 1893, a Foreign Missions Conference of North
a participação da vontade na conversão. America, interconfessional.
A IELB é contrária a uniões por causa do seu confessionalismo. Na virada do século XIX, a expansão colonial do mundo an-
Vincula-se, porém, à Igreja Evangélica Luterana Alemã (Sínodo de glo-saxão elevou o movimento missionário a escala mundial. Em 1910,
Missouri) e a todas as Igrejas a ela ligadas, em 25 países." a Conferência Missionária de Edimburgo forjou a idéia de um corpus
Em 1967, últimos dados de que dispomos, a IELB possuía christianum mundial e procurou centralizar os objetivos missionários
136.203 membros comungantes, 1.062 paróquias e pontos de prega- nos povos considerados pagãos, como asiáticos e africanos. A confe-
ção. 163 pastores, 100 escolas e 6.400 alunos. E de supor que rência de Edimburgo chocou-se com a mentalidade missionária desen-
atualmente a IELB esteja na casa dos 200 mil membros, dentro dos volvida durante o século XIX, que incluía os povos católicos entre
critérios já aplicados à IECLB. A educação teológica na IELB é os pagãos. Portanto, a América Latina, inteiramente católica, tinha,
das mais antigas do Brasil, pois o Seminário Concórdia foi fundado para os conservadores, de estar dentro dos objetivos missionários.
em 1907, em Porto Alegre. Recentemente foi fundado outro seminário Um evento similar realizado no Panamá, em 1916, expressou
na cidade de São Paulo. À semelhança da IECLB, a IELB prima a reação da mentalidade prevalecente no século XIX à Conferência
pelo bom nível de suas instituições de ensino. de Edimburgo. A justificação da presença missionária protestante na
- A atração da IELB é semelhante à da IECLB no que se refere América Latina, que predominou na Conferência do Panamá, teve
à classe social, isto é, a classe média, principalmente alemães e seus como principal porta-voz Robert Speer, líder do movimento. As ra-
descendentes, e os que buscam uma instância litúrgica média. Embora zões de Speer são, em resumo, as seguintes: 19 a Igreja Católica não
seja ainda uma Igreja de imigrantes, é evangelizadora e proselitista.l" fora capaz de garantir a educação e a moralidade do subcontinente;
não dera a Bíblia ao povo na sua própria língua; não formara um
clero idôneo, intelectual ou eticamente; pregara um evangelho defor-
14. Hans-Jurgen Prien, La historia del cristianismo en América
Latina, São Leopoldo e Salamanca, Sinodal e Sígueme, p.. 735. 17. No trabalho An Essay to Convey Religion into the Spanish
15. Cf. Silas do Amaral Pinto, As igrejas da grande São Paulo, Indies, 1699. _
São Paulo, Visão Mundial, 1985. 18. No livro O problema religioso da América Latina, Sao Paulo,
16. Hans-Jurgen Prien, La historia del cristianismo en América Ed. Brasileira, 1920. .
Latina, P. 735. 19. Cf. seu trabalho Missions in South Amenca, de 1909.

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mado e não tinha recursos para evangelizar toda a América Latina. conversionista ou de evangelização direta sempre foi mais bem vista
Assim, o maniqueísmo do século XIX - que dividia o mundo em pelos líderes nacionais. Estes, ao mesmo tempo que desconfiavam
.cristão e pagão, embora com vozes discordantes que procuravam do liberalismo de alguns educadores, entendiam que maiores recursos
reduzIr o radicalismo do congresso, como [ohn R. Mott e seus dis- deviam ser canalizados para a evangelização direta, isto é, para a
cípulos brasileiros Erasmo Braga e Epaminondas Melo do Amaral - conversão de indivíduos e a transformação aos poucos, mas cons-
acabou incluindo a América Latina no bloco pagão. tante, da sociedade.
A idéia da conferência de Edimburgo de "cristianizar" como O atual protestantismo brasileiro de origem missionária ainda é .
símbolo de "colonizar" era encarnada pelas missões no âmbito da conversionista. O individualismo conversionista produz ética também
teologia calvinista do "reino de Deus" e "povo escolhido". O con- individualista, altamente excludente, não só do ambiente cultural,
cei~o de "reino de Deus" foi encampado pelo "sonho americano", mas capaz de romper os laços familiares mais íntimos. A ética de
aSSIm como o de "povo escolhido" para expandir o reino. Quanto exclusão se expressa freqüentemente em cânticos conversionistas
a quem era o "povo escolhido" não havia dúvida, mas quanto à como este:
forma de expansão do "reino", as correntes teológicas divergentes no
século XIX introduziram vertentes de estratégia missionária distintas. Caminhando vou pra Canaã,
Caminhando vou pra Canaã!
Apesar de já um tanto enfraquecida, a doutrina calvinista da predes- Se você não vai, não importa a mim!
tinação ainda teve forças para se inserir em alguns setores missioná- Se você não vai, não importa a mim!
rios e influir na aplicação de muitos recursos humanos e financeiros Caminhando vou pra Canaã,
na educação, segundo a crença de que as oportunidades do ambiente Se meu pai não vai, não importa a mim ...
religioso favoreciam o flores cimento dos eleitos. Reforçava esta ver-
. Não é difícil perceber que o conversionismo individualista tende
tente a idéia de que a cultura protestante, fluindo através da educa-
a enfraquecer a Igreja institucional. Dentre os fatores da crise atual
ção, acabaria por transformar a sociedade para melhor e inseri-Ia
do protestantismo de origem missionária, o conversionismo indivi-
no corpus christianum.
dualista é um dos mais significativos, especialmente após a "invasão"
A vertente dominante nas missões tinha, todavia, para atingir
das organizações paraeclesiásticas a partir dos anos 1950. O protes-
o mesmo resultado, concepção teológica diferente. A....Eologia domi-
tantismo no Brasil herdou o denominacionalismo norte-americano e,
nante na Era Missionária norte-americana, desenvolvida nos movi-
por isso, as Igrejas tendem a reforçar-se denominacionalmente. No
mentos. de reavivamento, era de João Wesley, originada de uma
entanto, o conversionismo individualista - que faz com que o
yariação do calvinismo, que ganhara corpo na chamada Era Metodishi.
indivíduo se julgue acima de qualquer Igreja, reforçado pelo fato
Ao contrário d~ ag~ianismo calvinista, o mecanismo da salvação
de sua conversão se dar freqüentemente fora da Igreja, através de
consistia na consciência de culpa seguida de ato voluntário de aceita-
programas de rádio e televisão ou de convívio em acampamentos,
ção da oferta de salvação, sucedido pela justificação e pela santifi-
cação progressiva. A fé era determinada pela experiência pessoal e mecanismos estes que se auto-identificam como "indenominacionais"
eJ?otiva. A teologia conversionista míssionâria consistia num processo - produz conflito dentro das Igrejas. O conflito se dá na medida
diferente de mudança cultural. A conversão era individual e consistia em que o indivíduo, ao mesmo tempo que se julga acima da Igreja,
no rompimento abrupto do indivíduo com seu meio cultural através da é chamado à lealdade para com a sua denominação. Para usar a
adoção de novos padrões de conduta opostos àqueles em que havia linguagem de Peter Berger, há várias teodicéias igualmente plausíveis
sido criado. dentro das Igrejas protestantes; o conflito permanente entre elas
As duas vertentes distintas, simultaneamente nas mesmas áreas prejudica o sistema de lealdades necessário ao progresso das deno-
de ação missionária norte-americana, viveram um conflito dissimuiado minações brasileiras.
que, vez ou outra, vinha à superfície, causando mal-estar e uma ou Outro componente desse conflito é o uso da Bíblia. As deno-
outra dissidência. Mas a vertente da conversão individual venceu em minações sempre entenderam que a leitura da Bíblia conduz ao
toda linha. Aos poucos o programa educacional foi perdendo espaço desenvolvimento pessoal e social. Por isso, sempre investiram muitos
e se laicizando, ao passo que a vertente conversionista, recebendo recursos na impressão e distribuição de Bíblias. Nos prim6rdios do
constante apoio, dominou inteiramente a ação missionária. A vertente protestantismo no Brasil. agentes das sociedades bíblicas se esforçaram

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por introduzir a Bíblia nas escolas como texto de aprendizado. Porém, metodistas, mas só na idade adulta como batistas e pentecostais em
as organizações paraeclesiásticas, que se estruturarn como "Missões de geral. Doutrinariamente declaram-se fundamentalístas."
Fé", vêem a Bíblia como instrumento de renovação ética." Muitos Começando com a Igreja Evangélica Fluminense, fundada por
conflitos dentro das Igrejas devem-se às divergências a respeito do Robert Kalley em 1858, no Rio de Janeiro, a denominação não se
papel da Bíblia. não quanto à sua interpretação. expandiu muito, estando presente hoje em 12 Estados. Segundo dados
estatísticos de Read e Ineson." a Igreja Evangélica Congregacional
Igreja Congregacional Cristã do Brasil, nome da denominação, possuía, em 1966, 56.386
membros, 367 igrejas locais e 748 congregações satélites. Como
o estabelecimento permanente de Igrejas missionárias no Brasil notaram esses autores, a década de 1960 foi de excepcional cresci-
deu-se em 1855, no Rio de Janeiro. Não foi um missionário nor- mento protestante no Brasil. A de 1970, porém, se não foi de decrés-
te-americano que fundou essa primeira Igreja, mas um missionário cimo, foi de relativa paralisação. :E: de crer que os congregacionais
escocês autônomo chamado Robert Reid Kalley que, juntamente com somem hoje cerca de 60 mil adeptos. As Igrejas congregacionais re-
sua esposa, Sarah Poulon Kalley, deu início à Igreja Congregacional presentam-se nacionalmente pela União de Igrejas Evangélicas Con-
do Brasil. A obra de Kalley, além de ser pioneira do protestantis- gregacionais do Brasil (UIECB). :E: possível que existam Igrejas
mo de missão no Brasil, insere-se no grupo de Igrejas missionárias congregacionais não ligadas à UIECB. O próprio sistema eclesiástico
norte-americanas pela sua natureza teológica, a mesma dos aviva- favorece essa dispersão, o que torna difícil a avaliação do potencial
mentos religiosos que ocorreram na Inglaterra e se transferiram p,ara dessas Igrejas.
os Estados Unidos na passagem do século XVIII para o século XIX. A UIECB possui um seminário teológico no Rio de Janeiro,
Além disso, os Kalley forneceram a matriz teológica do pensamento mas existem. outros seminários congregacionais no Brasil, isolados e
religioso popular protestante no Brasil. Robert Kalley introduziu a ligados a outros pontos de referência.
teologia conversionista simples e superficial semelhante à dos aviva- Os congregacionais são, portanto, de características conservado-
mentos, e Sarah Kalley produziu um livro de hinos - Salmos e ras, contrários à comunhão com outras Igrejas e ao movimento
hinos - composto de uma miscelânea teológica em que prepondera ecumênico. Sua composição social é de classe média; sua liturgia
a teologia do pietismo. Não é exagero dizer que a teologia dos Kalley se situa no plano das Igrejas livres, isto é, não-litúrgicas, e sua atração
dominou e domina até hoje o protestantismo de origem missionária simbólica é a da maioria das Igrejas de origem missionária: quase nula.
no Brasil, principalmente através do Salmos e hinos, hinário tradi-
cional ainda em uso em diversas denominações. Os hinários pos-
teriores e atuais, mesmo os usados por Igrejas pentecostais, têm como
r;-ejas Presbiterianas

inspiração o hinário dos Kalley. Os presbiterianos surgiram no Brasil em 1859 com a chegada
Robert Kalley trouxe para o Brasil o congregacionalismo, ramo do missionário norte-americano Ashbel Green Simonton ao Rio de
calvinista das Igrejas livres da Inglaterra, distinto das presbiterianas Janeiro, onde, em 1862, fundou a primeira igreja. Foi a denominação
por praticar a democracia direta e por afirmar a autonomia das que mais se expandiu no século XIX, principalmente na Província
Igrejas locais. O congregacionalismo é, portanto, um ramo das Igrejas de São Paulo, na qual, seguindo a trilha de expansão do café, foi
reformadas (herdeiras da Reforma na Suíça), e suas Igrejas estão favoreci da pela pregação de José Manuel da Conceição, ex-padre
filiadas à Aliança Mundial de Igrejas Reformadas. No Brasil, a
convertido ao presbiterianismo e primeiro pastor protestante brasileiro.
teologia das Igrejas congregacionais é a mesma das demais Igrejas de
origem missionária, incluindo as presbiterianas: o conversionismo O crescimento dos presbiterianos só começou a ser superado pelos
da salvação individual. Na questão do batismo, porém, apresentam batistas no começo do século XX.
um certo hibridismo: batizam por aspersão como presbiterianos e
\ 21. Artigo 13 da Súmula de princípios, cf. Salustiano Pereira Cá-
.. sar, O congregacionalismo no Brasil, Rio de Janeiro, OMEB.
20. Cf. Hans-Jurgen Prien, op. cit., p. 765, nota 164. ~~ Will~a~R. Read e Frank A. Ineson, op, cito

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" '"

Os presbiterianos brasileiros resultam de duas missões norte-ame- A inconsistência interna tem mantido forte tendência divisionista
ricanas: a Junta de Nova York, que enviou Ashbel G. Simonton, entre os presbiterianos brasileiros e paralisado seu crescimento, mas
e o Comitê de Nashville, que, a partir de 1870, passou a enviar tem favorecido a tendência para o fortalecimento do denominaciona-
muitos missionários. Os presbiterianos, apesar da febre amarela que lismo como reação à tendência divisionista. O círculo vicioso que
vitimava seguidamente missionários e missionárias, atuaram em duas envolve as principais Igrejas presbiterianas contribui para seu afasta-
frentes: a da evangelização conversionista, que resultou em inúmeras mento dos problemas sociais e políticos. Nota-se pequena reação, que
congregações espalhadas pela zona rural da Província de São Paulo já atinge as bases, na Igreja Presbiteriana Independente (lPI) e na
e do Sul de Minas, e a da educação, fundando em 1870 a Escola pequena Igreja Presbiteriana Unida (IPU).
Americana, em São Paulo (hoje Universidade Mackenzie), e diversos Os presbiterianos contribuíram, e ainda contribuem, com uma
colégios em distintas províncias. significativa rede educacional no Brasil. No entanto, diferentemente
Os presbiterianos brasileiros são fiéis a João Calvino quanto dos metodistas, em pouco ultrapassaram o ensino médio, tendo apenas
ao governo eclesiástico. Organizam-se a partir da relativa autonomia uma universidade, a Universidade Mackenzie, em São Paulo. Atual-
da congregação local, num sistema federativo e piramidal de concílios. mente a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) detém praticamente toda
Cada congregação local tem um conselho de presbíteros leigos eleitos a rede de escolas presbiterianas no país. As demais Igrejas, que
por ela; um grupo de congregações locais forma um presbitério; um provêm dela, não se dedicaram à educação, mas voltaram seus esfor-
grupo de presbitérios forma um sínodo, e todos os presbitérios formam ços na direção do crescimento numérico de seus membros. Quanto à
o supremo concílio ou assembléia geral. No entanto, a teologia dos formação de pastores, a IPB possui dois seminários, a IPI três, a
presbiterianos no Brasil é, ao contrário do calvinismo ortodoxo, a IPC um e a IPR um. A IPU mantém. em Vit6ria (Espírito Santo).
conversionista dos avivamentos e, até recentemente, quase todas usa- um programa de educação teol6gica.
vam o hinário Salmos e hinos. A· Igreja. Presbiteriana do Brasil (IPB), além de ser a que mais
Devido aos sucessivos cismas, os presbiterianos brasileiros cons- cresceu no século XIX, foi a primeira a obter autonomia formal
tituem atualmente seis grupos diversos entre si com sensíveis diferenças em relação às Igrejas-mãe norte-americanas. Organizou-se, em 1888,
de tendência. O seguinte esquema pretende indicar essas diferenças: o sínodo brasileiro com quatro presbitérios, sessenta comunidades e
quase três mil membros. Nos setenta anos seguintes sofreu diversas
Igreja Presbiteriana do Brasil - IPB (muito conservadora) cisões, a primeira em 1903 e a última na década de 1970, mas mesmo
Igreja Presbiteriana Independente do Brasil - IPI (moderada- assim é a maior Igreja do ramo reformado no Brasil. Em 1966, se-
mente conservadora)
Igreja Presbiteriana Unida do Brasil - IPU (aberta e eeumêníca)
gundo Read e Ineson, possuía 183.808 membros e 2.174 comunidades
Igreja Presbiteriana Conservadora - IPC (conservadora radical)
entre Igrejas organizadas e congregações satélites. Como a taxa de
Igreja Presbiteriana Fundamentalista - IPF (conservadora ra- crescimento já era baixa na época desses dados (2,6%), é de crer
dical) que o número atual de membros seja aproximadamente 220 mil.
Igreja Presbiteriana Renovada - IPR (pentecostal) Sua distribuição pelo territ6rio nacional é razoavelmente equilibrada,
preponderando nas áreas mais tradicionais dos Estados de São Paulo,
Desse grupo, s6 a Igreja Presbiteriana Unida é filiada ao Con- ••Rio de Janeiro, Espíri to Santo e Minas Gerais. Devido à sua con-
selho Mundial de Igrejas e adota a pluralidade de confissões de fé tínua prática missionária, está presente em todos os Estados e te 1'-
da Reforma. As demais não abriram mão da confissão e dos cate- rit6rios. Tem congregação em Porto Alegre, embora o Rio Grande
cismos de Westrninster, produzidos pela Assembléia de Westminster, do Sul nunca tenha sido, por razões hist6ricas, territ6rio presbitcriano.
reunida em Londres, de 1643 a 1649, e legados pelas missões nor- O nível de atração simb6lica é o mesmo das demais J grcja de
te-americanas. Na realidade, as principais Igrejas presbiterianas brasi- origem missionária norte-americana. A liturgia é livre c dlscurslvn:
leiras apresentam notável inconsistência teol6gica que atinge os diver- a pregação é predominantemente moralista, pois a salvação situo-se
sos ângulos de sua instituição. Enquanto sua eclesiologia e governo no plano da ética negativa. A inserção presbiteriana no Brasil
são herdeiros do calvinismo ortodoxo, seus símbolos de fé provêm do deu-se na camada livre e pobre da população rural. Atualmente,
calvinismo tardio expressado na teologia do pacto, a teologia das entretanto, seus membros situam-se predominantemente na camada
congregações é conversionista e de origem arminiano-wesleyana. 4 média da população. Os que pertencem aos setores pobres de pcri-

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\ 37
feria revelam mentalidade de ascensão social por causa da tradição biteriana mundial de fala portuguesa". Além disso, é filiada ao
protestante da ética ascética como instrumento de progresso econô- Conselho Latino-americano de Igrejas (CLAI), organismo ecumêni-
mico pessoal. A atração dos presbiterianos é atualmente pequena. co-protestante de âmbito regional. Pertence também à Aliança Mun-
-* A Igreja Presbiteriana
cisma presbiteriano
Independente do Brasil (lPI) surgiu do
de 1903, que teve como causas simultâneas, e
dial de Igrejas Reformadas. i
~Quanto à atração simbólica, a IP I é semelhante às demais Igrejas
possivelmente interligadas, o nacionalismo e a maçonaria. Em nada presbiterianas brasileiras. O desaparecimento da mística antimaçônica
se diferencia da Igreja-mãe, exceto em que adota como princípio e nacionalista, que prevaleceu nas primeiras décadas, e a perda seguida
distintivo a não-aceitação, como membros, dos que pertencem a de suas lideranças intelectuais em razão do impacto sucessivo de
sociedades secretas. ondas muito conservadoras dificultaram por muito tempo seu desen-
~ IPI cresceu bastante nas primeiras décadas, mas depois, sem volvimento. (Atualmente, como transpareceu no concílio nacional de
o apoio das missões, teve sucessivas crises econômicas e mesmo dou- 1987, a IPI tende a modernizar-se e a abrir-se para o relacionamento
trinárias que limitaram seu crescimento. Em 1942 teve lugar, como fraterno com outras Igrejas, bem como para a convivência interna
resultado do movimento conservador, o cisma do qual surgiram a entre as diversas correntes de pensamento. "É significativo também o
Igreja Presbiteriana Conservadora do Brasil e a Igreja Cristã de reatamento de relações com a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos,
São Paulo, pequena comunidade de intelectuais chamados "liberais" rompidas desde 1903. Há, hoje, diversos missionários norte-ameri-
na época. A última praticamente desapareceu, e a primeira estagnou. canos na IPI. Esses missionários, embora sustentados pela sua Igreja
Em 1966, a IPI possuía, segundo Read e Ineson, 40.692 membros nos Estados Unidos, estão perfeitamente integrados aos quadros dessa
e 387 comunidades entre Igrejas organizadas e congregações satélites. Igreja.
Sua taxa de crescimento caiu, nos dez anos anteriores, de 8% para Dentre as demais Igrejas presbiterianas destaca-se a mais nova,
0,5%. "É possível que continue havendo decréscimo relativo porque a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (lPU). Não se distingue pelo
em 1987 a IPI, segundo dados oficiais, apresentou um rol de 40.426 seu tamanho, mas por sua abertura teológica e ecumênica e pelo bri-
membros comungantes, mais 21.270 membros menores, não compu- lho intelectual de seu ministério. Muitos de seus pastores estão inse-
tados nos 40.692 de 1966. No entanto, o número de Igrejas organi- ridos na vida intelectual brasileira como professores universitários.
zadas e congregações satélites subiu para 811. Essa desproporção A IPU surgiu da reação antiintelectual que caracteriza a tendência
entre crescimento nulo do número de membros e avanço espetacular fundamentalista dos presbiterianos brasileiros, que periodicamente
do número de comunidades locais é difícil de ser explicada sem um expurga intelectuais sob a acusação de liberalismo e modernismo.
estudo mais minucioso. Todavia, há duas hipóteses: a primeira é É composta de comunidades e pastores originários da IPB e, segundo
a mudança de membros de um local para outro, seja de bairro para seus líderes, possui cerca de cinco mil membros. Parece haver uma
bairro nas grandes cidades, seja para novas áreas de colonização no tendência permanente para a volta à IPB, desde que haja abertura
Oeste do país, o que propicia a formação de novas comunidades intelectual e teológica suficiente por parte dessa Igreja. Mas essa
sem que aumente o número de membros; a segunda é que nos cha- hipótese parece remota, uma vez que a IPB fecha-se e isola-se cada
mados "pontos de pregação", embora sejam estes contados como vez mais nos redutos ultraconservadores do presbiterianismo mundial.
comunidades, nem todos os freqüentadores são membros comungantes A atração simbólica da IPU é semelhante à da IPB e IPI. Ela exerce,
da Igreja, mas estão no período preparatório de ingresso nela. A dis- , ainda, atração especial sobre pastores e leigos que desejam maior
tribuição das congregações da IPI pelo território nacional é bastante liberdade intelectual.
desigual. Nos Estados de São Paulo e Paraná sua presença é muito As demais Igrejas presbiterianas devem somar pouco mais de
densa, talvez a mais forte das Igrejas tradicionais; nas demais áreas, cinco mil membros. A atração simbólica é quase nula, mesmo para
todavia, sua presença é rarefeita, embora mostre, atualmente, signifi- uma denominação pentecostal como a Igreja Presbiteriana Renovada,
cativo impulso para hpandir-se para as zonas pioneiras de coloniza- que estagnou passada a efervescência carismática que atingiu as Igre-
ção no Oeste e no Norte do país. jas tradicionais e deu origem a Igrejas híbridas, isto é, que procuraram
A IPI, apesar de não participar do movimento ecumênico oficial, conservar tradições históricas ao lado de inovações pentecostais. )
abriu-se nos últimos anos para a comunidade internacional, estando
a caminho, sob sua liderança, a formação de uma "comunidade pres-

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UERN - BIBLIOTECA SETORIt\L DE NATAL
Igrejas Metodistas Igreja Anglicana, da qual provém e cuja teologia não é dogmatizada
em excesso, têm seus bispos e pastores maior liberdade teológica
Os metodistas, após tentativa frustrada em 1836, no Rio de do que seus colegas de outras Igrejas. Por isso, podem pronunciar-se
Janeiro, estabeleceram-se definitivamente no Brasil em 1886 com os livremente sobre todas as questões teológicas e políticas sem que
missionários [unius E. Newman, Iohn J. Ransom, J. W. Koger e sejam ameaçados pela ortodoxia. Assim, a Igreja Metodista, apesar
Iames L. Kennedy. O crescimento inicial dos metodistas foi lento de pequena, é a mais conhecida em todas as instâncias da socie-
porque se estabeleceram em cidades, sofrendo, por isso, a presença dade brasileira. .
física da Igreja Católica. O crescimento metodista deu-se quando A Igreja Metodista do Brasil possuía em 1966, conforme Read
a influência de seus colégios e o crescimento das cidades abriu as e Ineson, 58.118 membros comungantes distribuídos por 665 Igrejas
portas da burguesia em ascensão. A burguesia cafeeira e comercial organizadas e congregações satélites, com taxa de crescimento anual
das cidades, na ausência da educação oficial e sendo portadora de de 1,5%. A exemplo das demais Igrejas protestantes tradicionais de
certo preconceito anticlericalista herdado do Império e reforçado pelo origem missionária, seu crescimento se apresentava decrescente. Hoje,
positivismo republicano, deu preferência ao moderno sistema educa- é provável que o número de fiéis da Igreja Metodista, excluídos os
cional protestante. Os metodistas se beneficiaram bastante porque não-comungantes, some aproximadamente 60 mil. A densidade de
deram clara prioridade à educação, abrindo colégios por toda parte. Igrejas metodistas é maior nas regiões Sudeste e Sul, principalmente
Diversos deles foram núcleos de futuros estabelecimentos de ensino no Rio Grande do Sul.
superior como a Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), Os metodistas herdaram dos anglicanos uma liturgia elaborada
o Instituto Bennett, no Rio de Janeiro, e o Izabela Hendrix, em ,e formal que se refletiu nos primeiros manuais de culto produzidos
Belo Horizonte. pelos missionários no Brasil. Se essa tendência tivesse sido conser-
Sob o ponto de vista da tradição e da teologia, a Igreja Metodista vada, a liturgia meto dista poderia ser considerada de instância média
é, dentre as de origem missionária norte-americana, a mais coerente. e atrair as pessoas que, sob o ponto de vista da necessidade de uma
Mantém a tradição episcopal norte-americana e a teologia arminiano- simbologia religiosa maior, buscam um culto não tão rigidamente
-wesleyana conversionista e individualista dos avivamentos da Ingla- formal nem tão simples e discursivo. Mas a maioria dos missionários
terra e dos Estados Unidos. O wesleyanismo deu a matriz. teológica seguiu a linha antilitúrgica das Igrejas livres, dos movimentos de
desses movimentos, e a Inglaterra Metodista se mantém fiel a ele. avivamento e dos "acampamentos" do Oeste dos Estados Unidos.
É, portanto, a matriz teológica da base das demais Igrejas brasileiras Com isso a Igreja Metodista do Brasil acabou seguindo a linha das
de origem missionária, pois todas são conversionistas. demais Igrejas no Brasil. É uma Igreja de classe média e tem na
A Igreja Metodista, apesar dessa coerência teológica, cresceu ética seu componente religioso mais forte.
menos que os presbiterianos em geral e os batistas. A razão pode Os metodistas são um ramo tardio da Reforma (século XVIII)
residir em sua preocupação prioritária com a educação da elite bra- e compõem o grupo de Igrejas protestantes portadoras do título de
sileira, compartilhada com presbiterianos e batistas. Estes últimos, "Igrejas de santidade". O ideal de santidade, que passa pelo processo
porém, logo superaram essa preocupação através de ação evangeli- de santificação progressiva, tem facilitado o surgimento de grupos
zadora mais agressiva - dirigida às classes inferiores pouco atendi- dissidentes que acusam às vezes a Igreja original de abandonar o
das pela Igreja Católica - e menos comprometida socialmente sob, ideal fundador. Essas dissidências não ocorreram no Brasil, mu
o ponto de vista religioso. Os próprios metodistas dizem que sua alguns frutos se transferiram para o pais como a Igreja Mctodlstu
Igreja, preocupada com a educação, esqueceu-se de evangelizar e Livre, a Igreja Holiness do Brasil e a Igreja do Nazareno. A prlm -11'11
por isso não cresceu. A Igreja Metodista leva, no entanto, vantagem contava, em 1966, com 350 comungantes distribuídos por 1; comu-
sobre as outras Igrejas da mesma origem. Pela presença de suas nidades e com uma alta taxa de crescimento, da ordem de 14%.
instituições educacionais e pela sua abertura ecumênica (é filiada ao Seus líderes estimam que o número de fiéis seja atualmcnl 11' mil,
Conselho Mundial de Igrejas), ela está mais presente nos noticiários o que parece razoável dada a taxa de crescimento de [966. Nu mcs-
dos meios de comunicação. Há ainda outro fator significativamente ma época a Igreja Holiness compunha-se de 468 fiéis, distrlbuldo m
favorável: sendo sua teologia centrada na conversão e na santificação, 16 comunidades, com taxa de crescimento de 8%. l! possív I 411
núcleo teológico bastante simples, e tendo como pano de fundo a tenha crescido à semelhança da Igreja Metodista Livre, dudu uu tuxu

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relativamente alta de 1966. O crescimento dessas Igrejas pode ser de colégios nem se interessaram pelo ensino superior. Os batistas
explicado pela expansão da colônia japonesa, seu componente majo- são acentuadamente denominacionalistas e avessos à aproximação com
ritário. A presença dessas duas Igrejas é preponderante no Estado outras Igrejas. Não estão ligados a nenhum organismo ecumênico ou
de São Paulo. Em 1966 a Igreja do Nazareno do Brasil somava de cooperação com as demais Igrejas.
1.210 comungantes distribuídos por 46 comunidades, com taxa de A eclesiologia batista é a mesma da Igreja Congregacional. As
crescimento, surpreendentemente alta, de 43,4%. Sua atração na épo- Igrejas locais, inteiramente autônomas, organizam-se em convenções
ca parecia residir na coincidência entre sua implantação no Brasil regionais que traçam planos e orientações, mas não obrigam em nada
(1959) e a eclosão do movimento pentecostal. Sua tradição de san- as Igrejas locais. Apesar dessa liberdade, as Igrejas batistas manifes-
tidade parece tender fortemente para o pentecostalismo moderado tam admirável identidade eclesiástica e institucional.
(carismático), o que pode ter atraído fiéis das Igrejas tradicionais, A teologia das Igrejas batistas brasileiras é a teologia arminiano-
insatisfeitos com o formalismo "frio" de suas Igrejas, mas não pro- -wesleyana, individualista e conversionista, das demais Igrejas de
pensos ao informalismo total dos pentecostais. O culto nazareno seria origem missionária norte-americana. Num ponto, porém, elas se apro-
um meio-termo satisfatório. A Igreja do Nazareno localiza-se no eixo ximam bastante da tradição metodista. Na assembléia da Convenção
São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Batista Brasileira, em Curitiba, 1962, diante da penetração da doutrina
pentecostal do "batismo no Espírito Santo" como "segunda bênção",
Igrejas Batistas foi declarado que o "consenso dos batistas brasileiros era que a
atuação do Espírito Santo, na vida dos crentes, se faz através de
No esquema das famílias de Igrejas da Reforma, os batistas um processo chamado 'santificação progressiva' ... " .23 Do ponto
aparecem como um ramo paralelo. A denominação de "protestantes", de vista teórico, essa aproximação se dá com os metodistas. Mas na
dada comumente aos batistas, é imprópria e geralmente recusada por prática essa doutrina envolve também os presbiterianos e congrega-
eles mesmos. Autodenominam-se "batistas", simplesmente, ou, melhor cionais que, como calvinistas, teoricamente deveriam pensar dife-
ainda, "um povo chamado batista". Suas raízes históricas, segundo rentemente.
eles, estão no Novo Testamento. Não se consideram fruto da Refor- A partir do início do século XX, os batistas começaram a apre-
ma, embora tenham assumido seus pressupostos teológicos. Os batistas sentar crescimento surpreendente, passando à frente das demais Igrejas
brasileiros são mais intransigentes em seus princípios e identidade de origem missionária. Em 1889 eles somavam apenas 312 fiéis em
do que os de outras partes por serem originários da Convenção Ba- quatro congregações. Partiram daí para se tornarem a maior Igreja
tista do Sul dos Estados Unidos, muito conservadora. Os primeiros tradicional de origem missionária. O crescimento batista, apesar de
missionários dessa Convenção no Brasil eram portadores do "landmar- suas dificuldades iniciais, pode ser justificado por uma série de fatores.
kismo", corrente teológica radical dos batistas norte-americanos. O primeiro deles foi a agressividade evangélica e anticatólica revelada
Os batistas tiveram seu início histórico no Brasil com a chegada muito cedo pelos batistas, numa época em que as demais Igrejas
dos missionários William Bagby e Zacarias Taylor, em 1881. Funda- procuravam agir moderada e diplomaticamente em face da religião
ram a primeira Igreja em 1882, na Bahia. Atingiram primeiramente dominante. A ação mais corajosa dos batistas fez com que sofressem
alguns Estados do Nordeste e depois o Rio de Janeiro. À semelhança reações muito fortes; em compensação, levou-os à conquista de mais
dos metodistas, permaneceram nas áreas urbanas onde a presença adeptos. O segundo fator foi a prioridade dada à evangelização direta,
física da Igreja Católica constituía sério obstáculo aos protestantes. não tanto à educação; o terceiro foi a eclesiologia mais lmplcs I.)
O crescimento inicial, por isso, foi lento e difícil. Só com o advento mais clara em relação às demais Igrejas: enquanto estas, prlnclpul-
da liberdade religiosa republicana e o crescimento das cidades é que mente as presbiterianas, até certo ponto complicam u cntrudu de
os batistas começaram a se desenvolver. novos adeptos através de provas de conversão e conhecil11cnto,,, lgre-
Inicialmente os batistas se dedicaram também à educação, como jas batistas simplesmente batizam candidatos adultos e Otl Introduzem
os presbiterianos e metodistas, mas não fundaram tantos colégios na Igreja. Conhecimento religioso e santificação vem d '1'01 , P 'lu
como estes. Os colégios que fundaram sempre foram de alto nível.
Cedo, porém, os batistas canalizaram seus recursos e esforços para a 23. J. Reis Pereira, História dos batistas no Brasil - 1882/1082,
expansão de suas Igrejas e talvez por isso não aumentaram o número Rio de Janeiro, Juerp, 1982, p, 198.

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freqüência à escola bíblica dominical e pela ética. O quarto fator ao testemunho evangélico quando os direitos de liberdade religiosa
se refere à ética rigorosa e radical, que estabelece linhas mais nítidas são ameaçados. Não se nota representatividade de algum ideal
e seguras em relação à sociedade mais ampla e oferece padrões de político protestante nem pronunciamentos a respeito dos problemas
identidade mais seguros. Por fim, deve ser mencionado o ritual estruturais da sociedade brasileira. A razão para tal comportamento
do batismo: enquanto as demais Igrejas não levavam - e ainda não político reside em dois fatores principais: no receio de escandalizar
levam - o batismo à altitude do drama, os batistas, ao batizarem o conservadorismo das bases e no antigo componente da teologia
adultos por imersão, freqüentemente em rios e em público, fazem missionária norte-americana da "Igreja espiritual", que buscava afastar
desse rito um ato espetacular e marcante na vida dos adeptos e, a Igreja dos conflitos sociais. Como esses fatores não são exclusivi-
à semelhança dos pentecostais hoje, uma arma importante na atração dade dos batistas, mas comuns aos protestantes da mesma origem
de novos adeptos. missionária, raros são os políticos protestantes que apresentam com-
A Igreja Batista é essencialmente urbana. É numerosa nos gran- portamento de vanguarda.
des centros populacionais. É também Igreja de classe média, mas Há diversas outras Igrejas de tradição batista no cenário pro-
tem conseguido manter-se presente nos setores populares das grandes testante brasileiro, uma ou outra de liderança nacional e várias de
cidades. Está espalhada por todo o território nacional. Sua entidade origem e liderança estrangeiras. A Convenção Batista Nacional,
máxima é a Convenção Batista Brasileira, mas há outras convenções de características pentecostais e originada de uma cisão ocorrida no
concorrentes como a Convenção Batista Nacional, que reúne dissiden- início da década de 1960, compõe-se de aproximadamente 400 Igrejas
tes de linha pentecostal. Os batistas brasileiros apresentam, ao longo e 300 mil fiéis, segundo estimativa de sua liderança. Somados os
de sua história, muitos conflitos e dissensões, conservando, entretanto, membros da Convenção Batista Brasileira, da Convenção Batista
como já notamos, admirável identidade. O esforço evangelístico tem Nacional e das pequenas Igrejas não ligadas às convenções, os batis-
continuado através de campanhas intensas e extensas, embora, segun- tas devem chegar a 1.310.000 no Brasil.
do levantamentos feitos, indiquem muita energia e poucos resultados
efetivos. Apesar da dificuldade de se obter dados seguros, os batistas
parecem ser a única Igreja tradicional de origem missionária que Igreja Episcopal
ainda cresce, em taxa relativamente pequena.
Segundo Read e Ineson, em 1966 a Igreja batista contava A Igreja Episcopal do Brasil foi a mais tardia das Igrejas tradi-
264.137 fiéis, 4.305 Igrejas e congregações satélites, com taxa de cionais de origem missionária: surgiu em 1898, no Rio Grande do
crescimento de 5,8%. É de crer que essa taxa tenha decrescido nos Sul, de onde se expandiu para o Rio de Janeiro em 1908 e para
últimos anos. São Paulo e Santa Catarina em 1920. Atualmente busca expandir-se
para outros estados, mas sua presença maior está no Rio Grande
A liturgia batista é uma das mais informais, embora não seja
do Sul, onde ocupa significativo espaço ao lado da Igreja luterana
popular. As Igrejas batistas têm um objetivo único: evangelizar e
e da metodista, denominações dominantes naquela região.
converter pessoas às suas Igrejas. Os convertidos serão, antes de
tudo, "batistas". Exercem atração sobre as classes populares, talvez O crescimento da Igreja Episcopal do Brasil tem sido lento,
por causa do drama do batismo e da forte identidade que o apelativo talvez pelo seu culto muito semelhante ao da Igreja Católica, o que
"batista" transmite ao converso. No entanto, o ideal de classe média não lhe favorece identidade imediata. Em 1928 contava cerca de
e ascensão social predomina entre os batistas em razão da ética ascé- três mil fiéis e em 1966 somava 16.724 - uma taxa de crescimento
tica protestante. Desse modo, embora as Igrejas batistas apresentem de 2,1 % fortemente decrescente em relação aos 14,6% de 1956.
uma abrangência de profundidade popular maior que a das demais Atualmente, talvez não chegue aos 20 mil membros.
Igrejas de origem missionária, não se pode dizer que sejam Igrejas Os missionários episcopais Lucien L. Kinsolving e James W.
populares. Morris chegaram ao Brasil em 1889, enviados pela Sociedade Mis-
No cenário político talvez a presença de batistas seja a mais sionária Episcopal, da Igreja Episcopal Protestante dos Estados Unidos.
perceptível, ocorrendo através de indivíduos que se elegem para o Fizeram acordo com os presbiterianos e ocuparam a área missíonãrla
legislativo, às vezes com votação significativa. Todavia, a ação polí- do Rio Grande do Sul, de onde se expandiram. As Igrejas cpi -
tica é sempre individualista e conservadora e, regra geral, limita-se copais se formaram sob dupla orientação: de um lado, o convcrsionls-

44 45
mo teológico das Igrejas norte-americanas e, de outro, o rigoroso A compreensão adequada do pentecostalismo pede que se dife-
ritualismo do Livro de Oração Comum dos anglicanos. Atualmente rencie uma coisa da outra, isto é, Igrejas pentecostais de agências
o alto ritualismo está presente nas Igrejas maiores, prevalecendo um de cura divina. Assim, as questões levantadas em torno das caracte-
culto mais simples nas menores. A Igreja Episcopal do Brasil parece rísticas de um e de outro grupo permitem-nos distinguir entre pen-
ter abandonado, aos poucos, a antiga teologia missionária em favor tecostais propriamente ditos, ou clássicos, e grupos ou agências de
tanto da teologia difusa e aberta característica do anglicanismo quanto cura divina.
da utilização cada vez maior do Livro de Oração Comum como base Modernamente circulam três palavras para designar a tendência
litúrgica e de fé. Atualmente está ligada à comunhão anglicana. mais emocional da vivência religiosa cristã: a primeira é "entusiasmo",
:É uma Igreja de classe média e pode atrair pessoas que, não sendo que aparece na literatura anglo-saxã européia; a segunda é "ilumi-
católicas, não se satisfazem com o informalismo e com a ética das nismo", de preferência francesa; a terceira é "pentecostalismo", mais
Igrejas protestantes. norte-americana e, por extensão, latino-americana. Quando essa ten-
dência surge e ainda está no interior das Igrejas tradicionais é cha-
mada de "carismática". Esse fenômeno se observa atualmente também
5. PENTECOSTALISMO na Igreja Católica."
Do ponto de vista teológico, o movimento pentecostal moderno
De 1910 a 1950 a presença pentecostal no Brasil foi discreta. tem sua origem no movimento de "santidade" que, por sua vez, deve
Entre 1910 e 1911 surgiram no Brasil as duas principais Igrejas muito ao conceito wesleyano de perfeição cristã como segunda obra
pentecostais - Assembléia de Deus e Congregação Cristã do Brasil-, da graça, distinta da justificação. O foco mais preciso do movimento
que ao longo desses quarenta anos desenvolveram-se discretamente. foi a Escola Bíblica de Topeka, EUA, onde Charles Pahram defendia
A partir dos anos 1950 até os primeiros anos da década de 1970 a idéia de que o falar em línguas era um dos sinais que acompanha-
as Igrejas pentecostais floresceram no Brasil a ponto de ser difícil, vam o batismo do Espírito Santo. O pregador W. T. Seymour,
hoje, fazer um levantamento completo delas, principalmente por causa discípulo de Pahram, foi pregar na Igreja da evangelista Nelly Terry,
da efemeridade e da itinerância de alguns grupos. Outra dificuldade em Los Angeles, EUA. Baseando seu sermão em Atos 2,4, Seymour
é que muitas dessas Igrejas são verdadeiras empresas particulares e declarou que Deus tem uma terceira bênção, além da santificação,
estão registradas em nome de indivíduos, o que dificulta a identifi- isto é, o batismo do Espírito Santo. Nelly Terry, escandalizada,
cação. Neste ponto, levanta-se uma questão teórica: são realmente expulsou-o da Igreja. Seymour promoveu reuniões em casas da cidade
pentecostais todas as Igrejas alternativas geralmente chamadas "pen- e, no dia 6 de abril de 1906, numa dessas reuniões, um menino de
tecostais"? Ou a maioria não passa de agências de cura divina, nem oito anos falou em línguas, seguido de outras pessoas. Iniciava-se
sequer sendo Igrejas no sentido estrito do termo? assim, pelo menos formalmente, o movimento pentecostal.
Entende-se por Igreja uma comunidade local, regional ou na- Numa das reuniões de Seymour, em Los Angeles, estava presente
cional, com um mínimo de estabilidade, com certa liderança burocrá- o pastor de uma Igreja batista de Chicago, W. H. Durham, que
tica razoavelmente estabelecida e com corpo de doutrinas mais ou também falou em línguas. Para Durham, no entanto, a justificação
menos delineado, situado acima das vontades individuais. Poucos já era o início da santificação, sendo, portanto, o batismo do Espírito
grupos pentecostais se enquadram nesse conceito. A maioria dos gru- Santo a "segunda bênção". Esta é a concepção moderna do pen-
pos, geralmente pequenos, são empreendimentos locais e de liderança tecostalismo.
individual, sem estabilidade e sem doutrina definida. São designados O pentecostalismo no Brasil está ligado de modo direto ao movi-
"pentecostais" por exclusão em relação às Igrejas históricas, e pela mento de Los Angeles. Um sueco de nome Daniel Berg, membro da
prática da cura divina. O título mais adequado para esses grupos Igreja de Durham, veio para o Brasil como missionário e, após pro-
seria o de "agências de cura divina", já que além da ausência das vocar cisão numa Igreja batista em Belém do Pará, fundou, junto
características de Igreja não possuem corpo de fiéis fixo, mas uma
população flutuante à qual prestam serviço religioso mediante con-
tribuição por parte do beneficiado. A relação benefício/remuneração 24. Os parágrafos a seguir baseiam-se em Duncan A. Reíly, op. cit.,
se aproxima bastante do princípio do "dar para receber". pp. 378ss.

46 47
com seu compatriota Gunnar Vingren, as Assembléias de Deus, em Congregação Cristã no Brasil
1911. Luigi Francescon, italiano valdense emigrado para os Estados
Unidos, pertencente à Igreja Presbiteriana Italiana de Chicago e A Congregação Cristã no Brasil (Congregação Cristã do Brasil
influenciado por W. H. Durham, a cujas reuniões comparecia, afir- antes de sua expansão internacional) pode ser considerada uma Igreja
mou ter recebido o dom de línguas em 25 de agosto de 1907. Por brasileira. Foi fundada no Brasil por um estrangeiro que não era
revelação, segundo ele, viajou para a América do Sul a fim de trazer missionário nem era sustentado por instituição do exterior. Até re-
a nova mensagem. Esteve primeiro em Buenos Aires, depois em centemente não possuía nenhuma similar fora do país e agora está
Santo Antônio da Platina, Paraná, e, em seguida, em São Paulo, onde se expandindo para outros países. A Congregação Cristã no Brasil·
entre italianos fundou a atual segunda maior Igreja pentecostal do crê na predestinação e por isso não faz campanhas evangelísticas
país, a Congregação Cristã no Brasil. Em 1907, uma jovem metodista nem apelos à conversão. Os fiéis fazem convites individuais para
canadense, Aimee Semple McPherson, converteu-se pela pregação os cultos, principalmente para os dias de batismo. O batismo é um
de Robert Semple, missionário pentecostal provavelmente vindo de apelo mudo. Quem se apresenta ao batizador recebe o batismo sem
Chicago. No ano seguinte teve uma experiência de cura divina com perguntas. Muitos dos batizados permanecem na Igreja, outros não.
W. H. Durham, que já havia influenciado Daniel Berg e Luigi Fran- Os "crentes" da Congregação entendem que permanecem apenas os
cescon. Aimee, após servir como missionária na China, voltou aos eleitos, isto é, os "verdadeiramente chamados". Neste sentido eles
Estados Unidos e fundou em Los Angeles, onde haviam ocorrido as são mais presbiterianos que os presbiterianos brasileiros.
primeiras manifestações pentecostais, a Igreja do Evangelho Quadran- A autonomia da comunidade local na Congregação é pequena,
gular. Em 1953, Harold Williams iniciou no Brasil as atividades para não dizer inexistente. Na realidade, não há comunidade local,
da Igreja do Evangelho Quadrangular, com a ajuda do pregador de pois os "crentes" não são arrolados em nenhum lugar, mas pertencem
cura divina Raymond Boatright, após intensa campanha em tendas à grande "irmandade" nacional e internacional. Apesar de suas ca-
de lona com o nome genérico de Cruzada Nacional de Evangelização. racterísticas sectárias, a Congregação se aproxima bastante do sistema
multitudinário das grandes Igrejas. Possui administração material
As três vertentes do pentecostalismo brasileiro, partindo do centralizada e uma notável uniformidade doutrinária mantida pelas
núcleo comum de Chicago, são, portanto, a batista, a presbiteriana assembléias de "obreiros" que se reúnem anualmente na sua imensa
e a metodista. Embora as Igrejas resultantes dessas três vertentes sede no bairro do Brás, cidade de São Paulo. Sua assembléia nacional
sejam pentecostais pelo núcleo comum de suas crenças e práticas,
representativa, com poderes administrativos e doutrinários, faz lem-
elas conservam resíduos teológicos e eclesiológicos das origens his-
brar as assembléias gerais presbiterianas.
tóricas de seus fundadores. O esquema seria o seguinte:
Inicialmente Igreja de imigrantes italianos e crescendo pouco
Assembléia de Deus nas primeiras décadas, "explodiu" na década de 1950, quando os
teologia arminiano-wesleyana e eclesiologia batista nordestinos passaram a ocupar o lugar dos italianos no Brás. Ainda
Congregação Cristã no Brasil se vêem muitos nomes italianos em sua liderança, mas a grande massa
teologia e eclesiologia residualmente presbiterianas já não é mais de italianos e seus descendentes. A presença maior
Igreja do Evangelho Quadrangular (Cruzada Nacional de Evan- da Congregação se dá nos Estados de São Paulo e Paraná, mas ela se
gelização) acha presente em todos os Estados. Não é possível saber exatamente
teologia arminiano-wesleyana e eclesiologia residualmente quantos são os membros da Congregação, a não ser pela declaração
meto dista
que fazem no Censo. A denominação não registra seus membros por
A história das Igrejas aqui consideradas como as três vertentes causa da interdição bíblica de contar o povo de Deus. Com a extin-
do pentecostalismo brasileiro é bastante conhecida, por isso não a ção do Anuário do Culto Protestante, do IBGE, tornou-se impossível
repetiremos. Será suficiente uma análise sucinta das características saber quantos são os membros de cada Igreja a não ser pelas estatís-
de cada uma delas e alguns comentários sobre os respectivos desen- ticas que elas mesmas produzem, o que não é o caso da Congregação.
volvimentos. O Relatório Anual que ela publica indica os números de templos e
batismos, que servem de base para o cálculo do crescimento. Mas
isso é muito precário porque a população da Congregação é flutuante.

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isto é, transita de um templo para outro. Além disso, ninguém sabe res de baixa renda, elas já ganham corpo em áreas rurais de posseiros
o índice de pessoas que, batizadas, permanecem na Igreja. e trabalhadores assalariados. Só nas imediações dos seus grandes
Em 1966, segundo Read e Ineson, a Congregação apresentava templos-sede, nas cidades maiores, é que essa composição se altera
282.233 fiéis, com 1.546 comunidades e taxa de crescimento de rumo aos setores sociais intermediários. A maioria das congregações,
5,9%. É significativo que em 1956, época do início da "explosão" no entanto, é composta pelas camadas mais populares dos habitan-
pentecostal,seu crescimento era de 34,6%. É possível que, dado o tes da cidade e do campo.
grande crescimento pentecostal - responsável pelo desenvolvimento A teologia das Assembléias de Deus é conversionista e nisto ela
protestante de 2,61 %, em 1940, para 6,63% em 1980, em relação se iguala às Igrejas protestantes brasileiras em geral. Seu sistema de
à população brasileira" -, a Congregação esteja com seu número governo eclesiástico está mais próximo do congregacionalismo dos
de membros por volta de um milhão. Só na cidade de São Paulo, batistas por causa da liberdade das Igrejas locais e da limitação
em 1985, o número estimado era de 100 mil." de poderes da Convenção Nacional. Todavia, a divisão em minis-
Embora haja boa porcentagem de membros de classe média na térios regionais semi-autônomos lembra um pouco o sistema presbi-
Congregação Cristã no Brasil, a predominância é da massa trabalha- teriano. Mas, acima de tudo, as Assembléias de Deus representam
dora e pobre. Nessa massa ela recruta seus membros, atraídos pela o pentecostalismo clássico.
solidariedade comunitária; pelo culto simples, mas ordenado, que As Assembléias de Deus se diferenciam da Congregação Cristã
difere bastante das demais Igrejas pentecostais; pela expectativa de no Brasil porque fazem concessão à comunicação escrita. Têm sua
ascensão social como prêmio da "obediência'"? e, principalmente, casa publicadora, que edita livros, revistas e o semanário "O Men-
pela liberdade que os "crentes" têm por não estarem sujeitos a sageiro da Paz". Têm institutos bíblicos que preparam sua liderança
nenhuma disciplina. O que inferimos dos comunicados freqüentes e já começam a sistematizar a teologia através de sucessiva publicação
dirigidos às comunidades é que a única penalidade aplicada aos de textos teológicos. O preparo teológico ainda não resultou, nas
membros da hierarquia é a exclusão por adultério. Não estão sujeitos Assembléias de Deus, em diferença de classe entre liderança e povo.
nem à guarda do domingo. Neste caso, estão bem distantes dos Pode ser que isso ainda venha a acontecer na medida em que a
demais grupos protestantes, principalmente dos presbiterianos. A Con- educação intelectual provoque sensível desnível de mentalidade entre
gregação é uma Igreja de cultura oral; não publica nada, a não ser líderes e liderados.
seu relatório anual. Também não recomenda a leitura de nenhuma Há informação de que nas Assembléias de Deus começam a
literatura religiosa a não ser a Bíblia. se verificar conflitos entre conservadores e alguns segmentos tenden-
tes a modificar costumes tradicionais pentecostais e, em particular
Assembléia de Deus das Assembléias, com referência às vestes, principalmente das mu-
lheres, ao uso da televisão, rádio, cinema etc. A ascensão social e
As Assembléias de Deus constituem a Igreja mais popular do o acesso à instrução acabam atingindo seriamente os pentecostais.
Brasil, bem como a mais numerosa. Começando em 1911, estende- Deve haver, por isso, muita desistência. Entretanto, as Assembléias
ram-se pelo Nordeste e lentamente pelo Sul. Só em 1927 chegaram de Deus não somente se renovam, mas crescem na medida em que
a São Paulo. Com a industrialização e o crescimento urbano do os bolsões de pobreza aumentam na cidade e no campo. A liturgia
pós-guerra, resultado de intensa migração interna, as Assembléias livre, a possibilidade sempre aberta de acesso às lideranças, o apoio
de Deus cresceram muito, principalmente nas grandes cidades. No e solidariedade comunitários, assim como a probabilidade de manejo
entanto, apesar de serem, à semelhança das demais Igrejas pentecos- religioso do cotidiano, constituem atração permanente por parte das
tais, tipicamente urbanas compostas de operários e pequenos servido- Assembléias de Deus às classes populares.
As Assembléias de Deus tinham em 1966, segundo Read e
Jneson, 636.370 membros em 9.939 Igrejas e congregações satélites,
25. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Anuário E sta- com uma taxa de crescimento de 8,7%. Seu índice de crescimento
tístico do Brasil, 1984. nessa época já era superior ao da Congregação Cristã no Brasil
26. SUas do Amaral Pinto, op. cito
27. Na expectativa de ascensão social proporcionada pela obediên- (5,9%) e, levando em conta sua agressividade proselitista e sua maior
cia identificamos um traço da origem calvinista dessa Igreja. penetração nas camadas populares, é de crer que as Assembléias de

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Deus tenham aproveitado melhor a "explosão" pentecostal de fins A Igreja d~'1!vangellio Ouaãrangular mantém um Instituto Bí-
da década de 1960 e princípios dos anos 1970. Admitindo-se um blico em São Paulo para o preparo de sua liderança. Continua depen-
crescimento médio de 10% ao ano, as Assembléias devem ter hoje dendo bastante dos recursos e da liderança da Igreja nos Estados
cerca de três milhões de fiéis. Sua tendência ao crescimento con- Unidos. Não é tão popular, talvez por essa razão, como as demais
tinua acentuada. Igrejas pentecostais. Cresceu bastante nas primeiras décadas, prova-
velmente ao preço das Igrejas protestantes tradicionais, mas parece
ter perdido seu ímpeto inicial. Em 1966, segundo Read e Ineson,
Igreja do Evangelho Quadrangular a soma das parcelas atribuídas à Igreja Quadrangular e à Cruzada
totalizava 24.493 fiéis, 171 Igrejas e congregações satélites, e um
Apesar de Read e Ineson distinguirem a Igreja do Evangelho crescimento de 35,5%, atribuído à Cruzada, e de 20.1 % à Igreja.
Quadrangular da Cruzada Nacional de Evangelização, devemos notar O ano de 1966 foi incomparável para a Cruzada. E remota a pos-
que ambas são inseparáveis: a última é o movimento evangelístico sibilidade de ter mantido tal nível de crescimento; ao contrário,
da primeira." Uma das Igrejas tradicionais, a Igreja Presbiteriana é mais provável que tenha regredido a taxas muito mais baixas, à
Independente do Brasil, abriu suas portas, em 1952, para o movi- semelhança das demais denominações pentecostais que se formaram
mento de pregação de cura divina no país, realizado pelos missioná- às expensas de membros de outras Igrejas, que tiveram como ponto de
rios da Igreja do Evangelho Quadrangular Harold Williams e partida exclusivo os movimentos de cura divina. Não estão à dispo-
Raymond Boatright. Esse movimento ocorreu em São Paulo, nos sição, infelizmente, os dados para a comprovação dessa hipótese.
templos da IPI no Brás e Cambuci, e em Assis e Botucatu, no Vale notar, por fim, que eclesiasticamente a Igreja do Evangelho
interior do mesmo Estado. O movimento se espalhou através de ten- Quadrangular assemelha-se à Igreja Metodista do Brasil ao se dividir
das de lona armadas em terrenos baldios como se fossem circos. administrativamente em regiões e distritos eclesiásticos.
Em 1953, como resultado do movimento, organizou-se no Brasil com
a denominação de Igreja do Evangelho Quadrangular. o Brasil para Cristo
O movimento de cura divina promovido pela Cruzada abalou
o Brasil protestante envolvendo numerosos pastores e líderes leigos A Igreja Evangélica Pentecostal "O Brasil para Cristo", fundada
de várias denominações. Como resultado surgiram outras Igrejas pelo missionário Manoel de Mello em 1956, originou-se do movimento
pentecostais como a Igreja Evangélica Pentecostal "O Brasil Para de cura divina promovido pela Cruzada Nacional de Evangelização.
Cristo", a Igreja de Cristo Pentecostal, a Igreja Evangélica do Avi- Manoel de Mello, originado das Assembléias de Deus e, depois, evan-
vamento Bíblico etc. Foi também a gênese do movimento de cura gelista da Cruzada, saiu dela para fundar sua própria Igreja. Mais
divina que perdura até hoje. A Cruzada Nacional de Evangelização popular por causa de sua origem nas Assembléias de Deus e de sua
da Igreja do Evangelho Quadrangular foi o rastilho de pólvora da liderança carismática, Manoel de Mello fez sua Igreja crescer bastante
nas primeiras décadas, época em que, diferentemente de outras Igre-
explosão pentecostal no Brasil.
jas tradicionais e pentecostais, envolveu-se na vida política elegendo
A doutrina da Igreja do Evangelho Quadrangular, segundo a representantes nos legislativos e filiando-se à Confederação Evangélica
pregação de sua fundadora, Aimee Simple McPherson, repousa sobre do Brasil e ao Conselho Mundial de Igrejas. Manteve ainda, pelo
quatro pilares: Cristo o Salvador, Cristo o Batizador com o Espírito menos até tempos atrás, intenso relacionamento com as Igrejas tra-
Santo, Cristo o Grande Médico e Cristo o Rei que há de voltar. dicionais. Transtornos políticos e o enfraquecimento da liderança
Daí o nome de Quadrangular para significar os quatro ministérios de seu fundador parecem ter afetado o ecumenismo de "O Brasil
de Cristo. Aimee 'teve a visão desse ministério quádruplo quando, para Cristo".
certa ocasião, pregava a cerca de oito mil pessoas num tabernáculo
Em 1966 - ainda segundo Read e Ineson - "O Brasil para
em Oakland, em 1922.
Cristo" contava 93.096 fiéis, distribuídos em 359 Igrejas e congre-
gações satélites, com uma taxa de crescimento de 14,3% que já
28. Cf. Julio O. Rosa, O evangelho quadrangular no Brasil, Mon- começava a apresentar decréscimo em relação aos anos anteriores.
tenegro <RS), ed. do autor, 1977. Seu crescimento, hoje, deve ser muito pequeno. A sede de "O Brasil

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para Cristo", na cidade de São Paulo, tem um templo com capaci- liderança/sagrado ainda é contratual e descompromissada. ~ impos-
dade para cerca de 15 mil pessoas. A Igreja atrai, à semelhança sível falar em número de membros. O movimento atrai as massas
das Assembléias de Deus e da Congregação Cristã no Brasil, as trabalhadoras periféricas e pobres por causa da ênfase na cura no seu
classes pobres e periféricas das cidades. E uma Igreja popular, com sentido mais amplo, isto é, saúde, emprego e problemas existenciais.
estilo semelhante ao das Assembléias de Deus.
Há numerosas outras Igrejas pentecostais institucionalizadas, al- Sem entrar em valores religiosos, o pentecostalismo e o movi-
gumas com liderança nacional - principalmente as que surgiram mento de cura divina exercem papel social importante, promovendo
a catarse dos conflitos do cotidiano que desabam sobre a classe
de cisões de Igrejas tradicionais e de outras Igrejas pentecostais -
trabalhadora pobre e periférica dos grandes centros urbanos e das
e outras com lideranças procedentes de missões estrangeiras. Mas são
Igrejas pequenas com crescimento também pequeno e, por isso, em- áreas camponesas de trabalhadores assalariados.
bora não deixem de ser significativas no campo religioso brasileiro,
seu exame é limitado pela extensão deste capítulo.
6. ORGANIZAÇÕES PARAECLESIÁSTICAS
Agências de cura divina Para o historiador K. S. Latourette," o período entre 1815 e
1914 constitui o "grande século" do cristianismo. Pelo menos para
A cura divina como tal, isto é, como objetivo único de um grupo o protestantismo, o século XIX foi' o período de formação de sua
ou de um líder carismático, não constitui Igreja, mas "movimento". teologia e de sua grande difusão, no caminho aberto pela expansão
Os líderes carismáticos de cura divina estabelecem balcões de oferta dos impérios coloniais anglo-saxões. Mas ao mesmo tempo em que
de bens de religião a uma clientela flutuante e descompromissada na no interior dos grandes avivamentos formava-se a teologia prática do
qual a relação do fiel com o sagrado ocorre na base do "dar para conversionismo, motor das missões protestantes, nos subterrâneos
receber". A prática dos grupos de cura divina avizinha-se das prá- do Iluminismo gestava-se a teologia liberal que iria, no século XX,
ticas de magia, e como afirmou Emile Durkheim, não há Igreja minar as próprias bases das missões. Acresça-se, ainda, que Igrejas
mágica. Embora alguns desses grupos mantenham seu discurso nos e missões se fundamentaram nos postulados do século XIX de que o
parâmetros da fé cristã, sua prática às vezes se afasta dela, enquanto cristianismo, no caso entendido como o protestantismo, era a religião
outros apresentam discurso e prática quase irreconhecíveis do ponto mais avançada do mundo e, como tal, representava também a civili-
de vista do cristianismo. zação mais desenvolvida. Hoje o cenário mudou. Religiões e nações
A maior agência brasileira de cura divina é a Igreja Pentecostal não-cristãs revitalizaram-se e puseram em xeque essa convicção.'?
"Deus é Amor", de David Miranda, que tem numerosas similares
Há duas causas, portanto, para os recuos, perdas e crises do
em grandes ou pequenas salas espalhadas nas áreas deterioradas ou
protestantismo missionário de 1914 para cá: a teologia liberal e a
nas periferias pobres dos grandes centros urbanos. Seu público é
revitalização das nações não-cristãs. Carl [oseph Hahn entende que
a massa desesperada em busca dos bens mínimos de sobrevivência
como saúde e emprego. ~ a religião da aflição, em palavras de teólogos do século XIX, ao tentarem tornar o cristianismo aceitável
Peter Fry. Atrai gente de todas as religiões e não exige das pessoas à geração da "idade da razão", fizeram concessões em demasia e
nenhum compromisso a não ser a contraparte das graças recebidas. tiraram da fé cristã o que é essencial ao trabalho missionário. Desde
Na cura divina o milagre é fim, e não percurso, como nas Igrejas I. Kant, passando por F. Schleiermacher, G. F. Hegel, D. Strauss e
pentecostais. B. Baur, até J. Wellhausen, a fé cristã foi sendo reduzida a uma
Diariamente afluem para a sede da Igreja Pentecostal "Deus é questão de consciência, e não de revelação. Além disso, a historici-
Amor" - um galpão de cerca de nove mil metros quadrados, dade de Jesus foi questionada, debatida e devassada, culminando
adaptado de uma antiga fábrica, localizado perto do centro velho da com a clássica obra de Albert Schweitzer, de 1906, em que o teólogo
cidade de São Paulo - milhares de pessoas que participam dos cultos
de cura divina. "Deus é Amor" já se faz presente em outros Estados.
29. A History 01 the Expansion 01 Christianity.
Apesar do nome "Igreja", entretanto, "Deus é Amor" ainda é 30. Ci. Carl Joseph Hahn, <IA crise teológica das missões", in
apenas um movimento. Sua população é flutuante, e a relação fielj Revista teológica, Campinas, 31/32, separata, julho/dezembro 1963.

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e rmssionano retoma às teses de D. Strauss em A vida de Jesus, precanos, são chamadas "missões de fé". As paraeclesiásticas agem
de 1835. A teologia liberal, cujo principal componente foi a crítica em três diferentes níveis: evangelização de massa, acampamentos para
histórica, minou dois pilares das missões protestantes: a inspiração juventude e literatura. A evangelização de massa, em que organiza-
da Bíblia e a cristologia. No primeiro caso, transformou a Bíblia ções paraeclesiásticas como a Visão Mundial esforçam-se por envolver
num livro condicionado pela história. No segundo pôs em dúvida as denominações em geral em campanhas evangelísticas de grande am-
a historicidade de Jesus e, desse modo, seu papel de Salvador abso- plitude, inspira-se no "Pacto de Lausanne", celebrado no Congresso
luto. A questão da revitalização de nações não-cristãs como Japão, Internacional de Evangelização realizado em Lausanne, Suíça, em
China, países árabes e africanos pôs em dúvida a superioridade do 1974. O "Pacto de Lausanne" inspira-se no movimento "evangelical"
cristianismo em relação às religiões ditas "pagãs". do século XIX e procura mobilizar as Igrejas para a evangelização
Os fatores em questão exigiram, para a retomada da expansão mundial. Em 1983, em Belo Horizonte, a Visão Mundial realizou
protestante, ainda vista como garantia dos valores e do statu quo o Congresso Brasileiro de Evangelização em que os temas de Lausanne
das nações dominantes do capitalismo mundial, uma retomada da foram retomados e atualizados em termos de realidade brasileíra.!'
teologia conversionista e a revisão da estratégia missionária. Não se pode avaliar ainda esse movimento quanto ao crescimento
A teologia conversionista, componente da tradição missionária, das Igrejas. Sob o ponto de vista da mobilização das Igrejas para
repousa sobre o princípio de que convertendo-se os indivíduos a o compromisso com a sociedade brasileira, é de crer que o conteúdo
sociedade toda acabará se convertendo e mudando para melhor. teológico muito conservador não as leve nessa direção. :É possível,
Mas, ao contrário do que cria o Evangelho Social, a sociedade nunca ao contrário, que o conversionismo individualista e o messianismo de
será inteiramente justa a não ser no milênio. A mudança de estrutura espera, tradicionais no protestantismo brasileiro, sejam reforçados e
social está fora de cogitação. A estrutura ideal é essa que está aí, dificultem ainda mais a aproximação do protestantismo tradicional
que precisa apenas ser aperfeiçoada. O grande responsável pelos das realidades sociais do país.
males e injustiças é o pecado individual. Daí a ênfase na conversão Os acampamentos de juventude, cujo protótipo no Brasil é a
dos indivíduos. Desse modo a retomada da teologia tradicional viria organização Palavra da Vida, são estratégia para a conversão de
desempenhar o duplo papel de, ao mesmo tempo, reparar as brechas jovens. Partem do princípio de que todos necessitam de conversão,
provocadas pela teologia liberal e prosseguir a ocupação ideológica mesmo os jovens fiéis das Igrejas tradicionais, que afluem em grande
do statu quo. Mas o veículo não podia ser mais a velha estrutura número aos seus retiros semanais de férias escolares. O resultado,
das Igrejas, que revelava certo cansaço e alguma relutância em aceitar pelo que se pode inferir dos testemunhos desses jovens que, em
missionários estrangeiros por causa do nacionalismo e do surgimento equipes, saem pelas Igrejas com o objetivo de atrair outros jovens,
de liderança própria. é uma sensível alienação em relação à família, à Igreja e à sociedade.
Neste cenário é que surgem as organizações paraeclesiásticas, Ao creditar ao acampamento seu novo programa de vida, o jovem,
justamente após a 11 Guerra Mundial, quando as nações vitoriosas no seu testemunho e nas suas ações, desqualifica a família, que não
dividem o mundo em dois blocos ideológicos distintos e quando o "soube conduzi-Io na religião", a Igreja, que "não lhe deu o ambiente
bloco ocidental busca estender sua hegemonia sobre nações subdesen- adequado à sua conversão", e a sociedade, cujos valores ele repudia,
volvidas, tradicionalmente em sua periferia. Elas passaram a repre- incluindo a educação e o trabalho. Os jovens freqüentadores de
sentar, no fim dos anos 1950, uma nova estratégia missionária. acampamentos tendem a formar, nas Igrejas, grupos separados, às
Paraeclesiástica são organizações missionárias diferentes das vezes em clara oposição às lideranças.
tradicionais. Elas não se ligam às juntas ou comitês das grandes A literatura religiosa protestante é atualmente muito numeroso
Igrejas norte-americanas, mas se organizam independentemente delas no Brasil. A qualidade das publicações, sob o ponto de vista do
com contribuições em dinheiro de membros das diversas Igrejas que apresentação gráfica, é boa e relativamente barata. Os temas xplo-
assumem compromissos individuais de sustentação de missões ou
missionários. Missão e missionário ainda são palavras mágicas nas
Igrejas americanas. No entanto, como não estão ligadas às grandes 31. Cf. Valdir Steuernagel (ed.) , A evangeltzaçlio do Brasil - uma
estruturas eclesiásticas, mas a compromissos individuais teoricamente tarefa inacabada, São Paulo, ABU, 1985.

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rados pelas editoras dessa literatura - Betânia e Vida Nova, por Sendo Igrejas de classe média e propensas à manutenção do discurso
exemplo - são variados. No entanto, obtêm grande sucesso os livros lógico-teológico e intelectualizado, não atraem a massa de assalariados
que veiculam aquilo que em outro estudo chamamos de protestan- pobres, cada vez maior. Adicione-se a isso outro fator: o isolacionis-
tismo positivo.P O protestantismo positivo é a contrapartida da mo das comunidades protestantes tradicionais, que se assemelham a
classe média ao pentecostalismo e à cura divina e se baseia na crença clubes fechados em que se entra mediante convite especial. Há um
de que problemas existenciais e de saúde podem ser resolvidos me- bom número de templos que mais se assemelham a capelas particula-
diante um programa devocional bem-elaborado e seguido à risca. res, quase escondidos em fundos de terreno, em ruas secundárias,
Histórias reais de pessoas, em geral de outros países, que resolveram às vezes sem saída, ou perdidas em meio a salões e salas de reuniões. '
seus problemas seguindo este ou aquele método devocional encorajam O elemento simbólico, importante em todas as religiões, foi
os leitores a fazer o mesmo. O resultado é o fortalecimento de uma praticamente perdido pelas Igrejas tradicionais de origem missionária.
religiosidade individualista e solitária, tendente a enfraquecer o sen-
tido de vida religiosa comunitária.
Em suma, as organizações paraecleslásticas, todas de origem
estrangeira, tendem a enfraquecer as Igrejas pelo menos em dois
sentidos: primeiro, pela paralisação a que induzem pela teologia con-
servadora que propagam e, segundo, pelo conformismo das Igrejas
que acabam delegando às paraeclesiásticas os projetos que deveriam
empreender. As paraeclesiásticas correm em pista própria e apagam
o brilho das Igrejas tradicionais.

7. CONCLUSÃO

No cenano protestante brasileiro atual, composto de mais ou


menos nove milhões de adeptos - somados tradicionais e pentecos-
tais -, a balança pende negativamente para os protestantes tra-
dicionais. Estes talvez cheguem a somar três milhões, ficando os
restantes por conta das Igrejas pentecostais. Há quem estime os pen-
tecostais em nove ou dez milhões, mas o Censo de 1980 não dá
margem para essa afirmativa. Há estimativas de trinta milhões
de pentecostais no fim do século. Alguns dos fatores considerados
nesta análise podem contribuir para uma nova explosão dos pen-
tecostais. As Igrejas tradicionais de origem missionária não conse-
guiram inserir-se na sociedade brasileira, mesmo depois de algumas
terem se afastado das missões estrangeiras. Atualmente as paraecle-
siásticas estão contribuindo para reforçar e prolongar o distanciamento
dos membros dessas Igrejas em relação ao mundo à sua volta através
do conceito de salvação individual e do messianismo de espera.

32. "Hipóteses sobre a mentalidade popular protestante no Brasil"


in Estudos 'de religião, 3, São Bernardo do Campo, pp. 111-125.

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