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RICARDO DUARTE JR.

Lei nº 14.230/21

Breves comentários sobre as


principais alterações da nova lei
de improbidade administrativa
APRESENTAÇÃO

Autor do Livro “Improbidade


Administrativa: Aspectos Teóricos e
Práticos”. Doutor em Direito Público
pela Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa (FDUL);
Mestre em Direito Público pela
Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN); Especialista em
Direito Administrativo pela UFRN;
Especialista em Direito Constitucional e Tributário pela
Universidade Potiguar (UnP); Presidente da Comissão de Direito
Administrativo da OAB/RN, Conselheiro Suplente da OAB/RN;
Professor Substituto da UFRN; Professor da Unifacex; Advogado,
Consultor Jurídico e sócio do escritório Duarte & Almeida
advogados associados.

@ricardoduartejr 84 9997-8885

duarteealmeida.adv.br ricardo@duarteealmeida.adv.br
1. A nova lei passou a exigir o dolo específico para a tipificação das condutas de

improbidade administrativa? ............................................................................................. 1


2. A nova lei ainda admite a conduta culposa? ..................................................................... 3
3. As alterações na LIA e a jurisprudência do dano in re ipsa (art. 10, inc. VIII, e § 1º)

.................................................................................................................................................. 5
4. Há taxatividade no artigo 11? A lei atual usa a expressão “notadamente”?! ................ 7
5. Ainda é possível aplicar a penalidade de perda da função pública e suspensão dos

direitos políticos aos atos de improbidade tipificada no art. 11 da LIA? ...................... 10


6. A sanção de perda da função pública pode ser aplicada ao cargo que o agente ocupa

quando da execução da sanção ou apenas no cargo em que o agente cometeu o ato de

improbidade? ......................................................................................... 12
7. Foi extinta a fase de notificação prévia e defesa preliminar na Ação Civil Pública por

Ato de Improbidade Administrativa? ......................................................................... 15


8. Conforme o art. 20 da LIA, a perda da função pública e a suspensão dos direitos

políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória, como

ocorre a contagem retroativa da suspensão dos direitos políticos, trazidas pelo § 10

do art. 12? .............................................................................................................. 17


9. Quais são as principais alterações na cautelar de indisponibilidade de bens? .......... 20
10. As principais alterações sobre o processo judicial nas ações civis públicas por ato de

improbidade administrativa .......................................................................................... 31


11. O Prazo de Prescrição ......................................................................................................... 38
12. É possível aplicar a nova lei mais benéfica (Lei n. 14.230/21) a casos retroativos,

pendentes e/ou transitados em julgado? ......................................................................... 43


(Lei n.º 14.230, de 25 de outubro de
2021)
Primeiramente, observa-se que a Lei de Improbidade de 1992 tem por
objetivo combater a corrupção e a dilapidação do patrimônio público, conforme
fundamentado pelo Ministro da Justiça Jarbas Passarinho na exposição dos motivos
no Projeto de Lei.1 Por isso, defendo que o primeiro passo para a configuração do
ato de improbidade é a violação do princípio da moralidade administrativa.
Posteriormente, faz-se necessário que o ato praticado por um agente público,2 no
exercício da função administrativa do Estado, esteja tipificado nos arts. 9º, 10 e 11
da Lei Improbidade Administrativa.
Contudo, não obstante o Superior Tribunal de Justiça entender que a LIA (Lei
de Improbidade Administrativa) tem por fulcro sancionar o administrador
desonesto/corrupto, e não o “inábil, despreparado, incompetente e desastrado”3

1
O Ministro, na exposição dos motivos, afirma - sob o viés da moralidade - que o combate à corrupção é imperativo, por se tratar
“de uma das maiores mazelas que, infelizmente, ainda afligem o país.” DOU de 17.08.1991, Seção I, p. 14.124.
2
O particular – previsto no art. 3º da LIA - responde, necessariamente, ao lado do agente público, por induzir, concorrer ou se
beneficiar pelo ato ilícito de improbidade administrativa praticado. Não há como o particular figurar sozinho no polo passivo da
ação de improbidade administrativa, sem a presença do agente público (REsp n.º 1155992): as condutas exigidas pelo art. 3º
dependem necessariamente do conluio do particular com algum agente público. STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp n.º 574500/PA.
Relator: Min. Humberto Martins, j. 02.06.2015, DJE 10.06.2015; STJ. 1ª Turma. REsp n.º 1282445/DF. Relator: Min. Napoleão
Nunes Maia Filho, j. 24.04.2014, DJE 21.10.2014; STJ. 2ª Turma. REsp n.º 1409940/SP. Relator: Min. OG Fernandes, j.
04.09.2014, DJE 22.09.2014; STJ. 1ª Turma. REsp n.º 1171017/PA. Relator: Min. Sérgio Kukina, j. 25.02.2014, DJE 06.03.2014;
STJ. 2ª Turma. REsp n.º 896044/PA. Relator: Min. Herman Benjamin, j. 16.09.2010, DJE 19.04.2011; STJ. 2ª Turma. REsp n.º
1181300/PA. Relator: Min. Castro Meira, j. 14.09.2010, DJE 24.09.2010.
3
STJ. 1ª Turma. RE n.º 213.994-0/MG. Relator: Min. Garcia Vieira, DOU 27.09.1999. Ou ainda, “Recurso Especial.
Administrativo. Ação de Improbidade Administrativa. Lei 8.429/92. Ausência de dolo. Improcedência da ação. 1. O ato de
improbidade, na sua caracterização, como de regra, exige elemento subjetivo doloso, à luz da natureza sancionatória da Lei de
Improbidade Administrativa. 2. A legitimidade do negócio jurídico e a ausência objetiva de formalização contratual, reconhecida
pela instância local, conjura a improbidade. 3. É que "o objetivo da Lei de Improbidade é punir o administrador público desonesto,
não o inábil. Ou, em outras palavras, para que se enquadre o agente público na Lei de Improbidade é necessário que haja o dolo, a
culpa e o prejuízo ao ente público, caracterizado pela ação ou omissão do administrador público." (MATTOS, Mauro Roberto
Gomes de. O Limite da Improbidade Administrativa. 2.ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005.. p. 7-8). "A finalidade da lei

1
Por outro lado, o próprio STJ defendeu, de forma unânime, que para a
caracterização do ato de improbidade bastaria a presença do dolo genérico.4 Este
consiste na vontade de praticar a conduta típica, sem nenhuma finalidade
específica. Então, há uma incongruência em como coadunar uma lei que tem por
objetivo punir os agentes que agiram com má-fé – a boa-fé descaracteriza o ato – e,
por outro lado, na prática admitir apenas o dolo genérico como necessário para
condenação.5
Em razão disto, sempre defendi que a exigência do dolo genérico é
incompatível com a finalidade prevista na lei de improbidade administrativa. Por
isso, a Lei n.º 14.230/25 – de forma acertada – deixa de forma expressa que o dolo
exigido para a caracterização do ato de improbidade é “a vontade livre e consciente
de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando
a voluntariedade do agente” (§ 2º do art. 1º da nova Lei).

de improbidade administrativa é punir o administrador desonesto" (MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil
interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas: 2002. p. 2.611). "De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não
o inábil, despreparado, incompetente e desastrado" (STJ. 1ª Turma. RE n.º 213.994-0/MG. Relator: Min. Garcia Vieira, DOU
27.09.1999)." (STJ. 1ª Turma. REsp 758.639/PB. Relator: Min. José Delgado, DJ 15.5.2006) 4. A Lei 8.429/92 da Ação de
Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções
aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) que
causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também
compreendida a lesão à moralidade administrativa. 5. Recurso especial provido.”(STJ. 1ª Turma. REsp n.º 734.984/SP. Relator:
Min. Luiz Fux, j. 18.12.2007, DJe 16.06.2008).”
4
STJ. 2ª Turma. REsp n.º 1231150/MG. Relator: Min. Herman Benjamin, j. 13.03.2012, DJe 12.04.2012. O dolo genérico é “a
simples vontade consciente de aderir à conduta, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica - ou, ainda, a simples
anuência aos resultados contrários ao Direito quando o agente público ou privado deveria saber que a conduta praticada a eles
levaria -, sendo despiciendo perquirir acerca de finalidades específicas.” (AgRg no REsp 1.539.929/MG, Rei. Ministro Mauro
Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 2/8/2016)
5
O próprio STJ pacificou o entendimento de que a má-fé é a premissa do ato ímprobo, mesmo que seja ilegal. Sem este liame não
há improbidade. Confira-se: “(...) É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente, a ilegalidade só
adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública
coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa mais que um ato ilegal, deve traduzir necessariamente, a
má-fé, a desonestidade”. STJ. 1ª Turma. REsp n.º 480387/SP. Relator: Min. Luiz Fux, j. 16.03.2004, DJ 24.05.2004, p. 163. Em
outro julgamento (STJ. 1ª Turma. REsp n.º 980.706/RS. Relator: Min. Luiz Fux, j. 03.02.2011, DJe 23.02.2011), o Ministro Luiz
Fux (atualmente no Supremo Tribunal Federal) lembrou que, de acordo com a jurisprudência do STJ, o elemento subjetivo é
essencial para a caracterização da improbidade administrativa, que está associada à noção de desonestidade, de má-fé do agente
público. “Somente em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição legal, é que se admite a sua configuração por
ato culposo (artigo 10 da Lei 8.429)”, ressalvou o Ministro.

2
Por fim, é óbvio que esta alteração traz uma maior dificuldade e, por
conseguinte, um trabalho mais apurado do órgão de acusação para caracterizar o
ato de improbidade. Mas este é o papel da acusação!

Na lei anterior à alteração, o único ato de improbidade que admitia a conduta


culposa era a do artigo 10:

“Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao


erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje
perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º
desta lei, e notadamente: (...)”.

Com a Lei nº 13.655, de 2018, que alterou a Lei de Introdução às Normas do


Direito Brasileiro (LINDB), passou-se a entender, com base no art. 28 desta lei,6 que
não era suficiente mais qualquer culpa, mas apenas aquela decorrente do erro
grosseiro. O Decreto n.º 9.830/20197, em seu art. 12, § 1º, considera “erro grosseiro
aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por
ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.”
A despeito disto, a nova Lei de Improbidade Administrativo dispõe:

6
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
7
Regulamenta o disposto nos art. 20 ao art. 30 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, que institui a Lei de Introdução
às normas do Direito brasileiro.

3
Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade
administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e
no exercício de suas funções, como forma de assegurar a
integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.
Parágrafo único. (Revogado).
§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as
condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei,
ressalvados tipos previstos em leis especiais.
§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o
resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não
bastando a voluntariedade do agente.
§ 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências
públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a
responsabilidade por ato de improbidade administrativa.

Por sua vez, o art. 10 exclui a palavra “culpa” da sua tipificação. Vejamos: "Art.
10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer
ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial,
desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades
referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...)”
Nesse sentido, podemos entender que não se admite mais a culpa como
possível para configurar o ato de improbidade.

4
O Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que a fraude ao
procedimento licitatório (anterior art. 10, inc. VIII, da LIA) consiste em dano in re
ipsa, em virtude da violação e perda do caráter competitivo proporcionada à
licitação. Ao impedir a competição, a qual é objeto do procedimento licitatório, a
Administração Pública fica impossibilitada de contratar com a melhor proposta e,
por conseguinte, sofre um dano inerente a este fato.8 Inclusive, a primeira seção
submeteu à julgamento o Tema Repetitivo 1096, cuja questão é “Definir se a conduta
de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato
de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa).”
Não obstante compreender o posicionamento desse tribunal superior,
defendi em meu livro “Improbidade Administrativa: Aspectos Teóricos e Práticos” que
a presunção de dano deve ser relativa. Não se pode entender a existência absoluta
de dano à Fazenda Pública, até mesmo em razão do desígnio “presunção” dizer
respeito ao “julgamento baseado em indícios, aparências”, o qual, por óbvio,
deve-se admitir prova em contrário. Assim, como o próprio STJ tem o
entendimento de que a condenação pelo art. 10 da LIA exige a comprovação do

8
Ver também STJ - REsp: 817921 SP 2006/0026590-0, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 27/11/2012, T2
- SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/12/2012

5
dano,9 nesta situação excepcional haveria o ônus da prova seria invertido: se antes
o legitimado ativo deveria provar a existência de dano, agora entende-se pela sua
presunção, e cabe ao legitimado passivo a prova em contrário.
A despeito disso, ao observarmos os julgados do STJ, a questão era decidida
em uma “implicação lógica” direta: a inobservância ao procedimento licitatório,
inclusive em questões burocráticas, configura improbidade administrativa com
base no art. 10, inc. VIII, da LIA, em que o dano encontra-se presumido.
Com a Lei 14.230/2021, o inc. VIII do art. 10 passou a ter nova redação,
especificamente “frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo
para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los
indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva”. Posteriormente, o § 1º desse
mesmo artigo, prevê que “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais
ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de
ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º
desta Lei.”
Após esta nova redação, é necessário que haja a efetiva perda patrimonial.
Neste caso, acredito que o ideal seria que jurisprudência do STJ passe a caminhar
no mesmo sentido do que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região já vinha
decidindo. Este tribunal entende que o dano seria a diferença entre o valor do
contrato e a melhor proposta possível, em que, em virtude da fraude licitatória, a
Administração deixou de contratar.10
Não se pode deixar de relembrar que não é mais possível a caracterização do
ato de improbidade com base na culpa, sendo imprescindível o dolo específico.
Assim, com a ausência de dolo específico não é possível haver a condenação por

9
Conforme o STJ, a tipificação da lesão ao patrimônio público (art. 10, caput, da Lei 8429/92) exige a prova da ocorrência do
dano, mercê da impossibilidade de condenação ao ressarcimento ao erário de dano hipotético ou presumido (STJ, 1ª Turma, REsp
1038777
10
TRF 5. Região. AC nº 579712/PE . Relator: Desembargador Federal Edilson Pereira Nobre Júnior, DJ 23.07.2015, p. 185.

6
improbidade, mas nada impede que haja uma ação de responsabilização
patrimonial. Inclusive, o TCU vem entendendo que o art. 28 da LINDB não se aplica
à responsabilidade financeira por dano ao erário, vez que, com base no art. 37,
parágrafo 6º, da CF/88, o dever de indenizar os prejuízos cometidos aos cofres
públicos permanece sujeito à compensação de dolo ou culpa, sem qualquer
gradação.
Por fim, o § 1º do art. 10 vem deixar claro que a “inobservância de
formalidades legais ou regulamentares não implicará perda patrimonial efetiva.”
Talvez, esta parte fosse dispensável após a necessidade do dolo específico para a
comprovação do ato de improbidade, entretanto o legislador pretendeu deixar
claro que meras irregularidades no procedimento licitatório - extremamente
burocrático na realidade brasileira - não deve ocasionar mais condenações por
improbidade, tal como vinha ocorrendo frequentemente.

Primeiramente cabe observar a nova redação do art. 11, a qual passou a ser:
“Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra
os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa
que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de
legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:” 11

11
A redação anterior era: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração
pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e
notadamente: (...)”

7
Na Lei n.º 14.230/21 há o acréscimo do adjetivo doloso para caracterizar a
omissão que pode configurar o ato de improbidade administrativa; como também
retirou-se o termo “notadamente” do final do texto, sendo acrescido: “caracterizada
por uma das seguintes condutas”. Este dispositivo atuava (antes da alteração trazida
por aquela lei) como uma espécie de cláusula geral que se aplica aos atos
desonestos e com má-fé não enquadrados nos arts. 9º e 10 da Lei de Improbidade
Administrativa. Entretanto, não é qualquer violação do princípio da administração
pública que se caracteriza como improbidade administrativa, vez ser necessário o
ato ter sido praticado intencionalmente (dolosamente), de forma desonesta e com
má-fé, sendo dispensável a comprovação dos efetivos prejuízos aos cofres públicos.
12

O próprio conteúdo do artigo dispõe que constitui ato de improbidade


administrativa atentatório aos princípios da administração pública “qualquer ação
ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade
às instituições”. Ou seja, para ficar caracterizado o ato ímprobo tipificado no art. 11
era – e ainda é – necessário a observância dos seguintes requisitos:
(a) atuação com má-fé e/ou falta de decoro e ética;
(b) violação do dever de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade
às instituições, seja através de ação ou omissão.
Contudo, é inegável o extremo caráter aberto deste dispositivo, uma vez os
incisos serem entendidos como meramente exemplificativos e, caso a conduta

12
Para o Superior Tribunal de Justiça, na hipótese do art. 11 (atos que atentem contra os princípios da administração pública) é
dispensável a comprovação dos efetivos prejuízo aos cofres públicos. Esse entendimento foi exarado no Informativo n.º 547 do
STJ, “DIREITO ADMINISTRATIVO''. REQUISITO PARA A CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA QUE ATENTE CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Para a configuração dos
atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11 da Lei 8.429/1992), é
dispensável a comprovação de efetivo prejuízo aos cofres públicos. De fato, o art. 21, I, da Lei 8.429/1992 dispensa a ocorrência
de efetivo dano ao patrimônio público como condição de aplicação das sanções por ato de improbidade, salvo quanto à pena de
ressarcimento. Precedentes citados: REsp 1.320.315-DF, Segunda Turma, DJe 20/11/2013; e AgRg nos EDcl no AgRg no REsp
1.066.824-PA, Primeira Turma, DJe 18/9/2013. (STJ. 1ª Turma. REsp n.º 1.192.758-MG. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia
Filho, j. 04.09.2014, DJe 15.10.2014).”

8
ocorresse com as características citadas acima, era praticamente irrelevante ela vir
descrita nos incisos deste artigo ou não, em razão do caráter exemplificativo
destes, tal como afirmei acima.
Com a retirada da palavra “notadamente” e o acréscimo da frase
“caracterizada por uma das seguintes condutas:”, a nova redação nos sugere que há
um fechamento deste tipo aberto da norma. Se Beccaria, já no século XVIII,
ensinava que não se pode deixar nas mãos do aplicador do direito definir o tipo
sancionador, o legislador originário da Lei de Improbidade Administrativa não
havia aprendido esta lição. E a nova Lei veio reparar esse erro!
Por outro lado, não posso deixar de observar o erro do atual legislador em
revogar o inciso I do art. 11. Isso porque este inciso previa como improbidade a
prática de “ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto,
na regra de competência;”, o qual sempre defendi que este consistia no núcleo duro
do art. 11, prevendo a própria caracterização do desvio de finalidade. Esta era uma
espécie de diretriz interpretativa primordial. A finalidade do ato administrativo é
sempre vinculada ao interesse público (finalidade geral) e a prevista na lei
(finalidade específica). Dessa forma, atuar de forma a atender finalidade diversa da
finalidade pública consiste em desvio de finalidade e, por conseguinte,
improbidade administrativa, desde que satisfeito os demais requisitos citados
acima.
Por fim, recorde-se que a mera irregularidade, ocasionada por culpa
(imperícia) e sem dolo específico, não configura conduta ímproba, apesar de ilícita.
A Lei de Improbidade Administrativa tem por finalidade proteger a Administração
Pública contra a má-fé e/ou picaretagem perpetrada contra a Administração
Pública, bem como a própria sociedade. Ela não se aplica às meras irregularidades
cometidas por culpa e meras ilicitudes, sem intenção de cometimento do ato ilícito
(“a lei alcança o administrador ímprobo e não o inábil”).

9
Ao analisarmos o art. 12 da LIA, o qual prevê as sanções a serem aplicadas a
cada tipo de improbidade administrativa, vemos que há uma espécie de gradação. A
lei considera a improbidade tipificada no art. 9 (enriquecimento ilícito) a mais
gravosa, a suscitar as sanções mais graves; posteriormente vem o ato tipificado no
art. 10 (dano ao erário) e, por fim, a do art. 11 (violação dos princípios).
O art. 12 da LIA passou a ter a seguinte redação:

Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano


patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de
responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação
específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às
seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou
cumulativamente, de acordo com a gravidade do
fato:        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

I - na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores


acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento
de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e
proibição de contratar com o poder público ou de receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da

10
qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze)
anos;        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores


acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta
circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos
políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente
ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou
de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta
ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica
da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze)
anos;        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

III - na hipótese do art. 11 desta Lei, pagamento de multa civil de


até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida
pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro)
anos;13 

Ao decompor o art. 12, inc. III, o qual estabelece as sanções para os atos de
improbidade, tipificados no art. 11, observa-se que foram retiradas as sanções de
perda da função pública e suspensão dos direitos políticos, bem como o parágrafo

13
A redação anterior era: “Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação
específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou
cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).”
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando
houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o
valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez
anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se
concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa
civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco
anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de
três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.”

11
1º do art. 12,14 ao trazer disposições sobre essa sanção, deixa expresso que ela
somente pode ser aplicada aos casos de improbidade decorrente do art. 9º e 10 da
LIA. Assim, pelo princípio da legalidade, não é mais possível a aplicação dessas
sanções para os atos de improbidade decorrentes do art. 11.

A perda da função pública é uma das mais graves sanções aplicadas em


razão do ato de improbidade administrativa, por efetivamente romper, em
definitivo, o vínculo de trabalho entre o agente público e o Estado. Por isso, o
Superior Tribunal de Justiça entende que essa penalidade deve ser valorada de
acordo com a espécie do ato praticado, bem como com o propósito pretendido com
esse ato. Com isso, nem todo ato de improbidade administrativa deve ocasionar a
penalidade da perda da função pública, devendo a decisão analisar e valorar a
gravidade da conduta praticada e a intenção do agente. E quando aplicada, a sua
efetivação só deve ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória
(art. 20 da Lei n.º 8.429/92).15
Uma parcela da doutrina entende que a sanção de perda da função pública
deve ser aplicada ao agente público em relação à função exercida no momento do

14
“Art. 12 (...) § 1º A sanção de perda da função pública, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, atinge apenas o
vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da
infração, podendo o magistrado, na hipótese do inciso I do caput deste artigo, e em caráter excepcional, estendê-la aos demais
vínculos, consideradas as circunstâncias do caso e a gravidade da infração. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)”
15
“Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença
condenatória.”

12
trânsito em julgado, independentemente se a função exercida neste momento é
aquela na qual o agente cometeu ato ímprobo ou não.16 Esse era o mesmo
posicionamento adotado pelo STJ17
Outra parcela da doutrina defende que a perda da função pública está
limitada aquela função exercida pelo agente público quando da prática do ato
ímprobo.18 Para os que defendem esse raciocínio, o legislador, ao afirmar que a
sanção é a perda “da” função pública, e não a perda “de” função pública, realizou
juízo de valor pela perda da função no momento da prática do ato de improbidade
administrativa, sendo impossível, pois, a condenação genérica e eventual, a ser
aplicada quando do trânsito em julgado das decisões.19
Particularmente, discordo dessa segunda corrente. Uma vez que, ao analisar
o ordenamento jurídico de forma sistêmica, há a adoção por uma Administração
Pública pautada na moralidade, boa fé e decoro. Essa compreensão levou ao
legislador prever – embora com diversas contestações – que o agente demitido por
ter cometido ato de improbidade não pode mais retornar ao serviço público federal
(art. 137, parágrafo único c/c art. 132, inc. IV, da Lei n.º 8.112/90).20 Percebe-se, pois,

16
FERRARESI, Eurico. Improbidade Administrativa. São Paulo: Método, 2011. p. 144; NEVES, Daniel Amorim Assumpção;
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de Improbidade Administrativa: direito material e processual. 4.ed. São
Paulo: Método, 2016. p. 221/222.
17
STJ. 2ª Turma. REsp n.º 924.439/RJ. Relatora: Min. Eliana Calmon, j. 06.08.2009, DJe 19.08.2009.
18
No Informativo n.º 599, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, na esfera penal, a regra é que a pena de
perda do cargo ou da função pública deve ser restrita ao cargo público ocupado ou função pública exercida no momento da prática
do delito. Assim, para que haja a perda do cargo público por violação de um dever inerente a ele, é necessário que o crime tenha
sido cometido no exercício desse cargo. Isso porque é preciso que o condenado tenha se valido da função para a prática do delito.
Entretanto, se o juiz, motivadamente, considerar que o novo cargo guarda correlação com as atribuições do anterior, ou seja,
daquele que o réu ocupava no momento do crime, neste caso mostra-se devida a perda da nova função como uma forma de anular
(evitar) a possibilidade de que o agente pratique novamente delitos da mesma natureza. STJ. 5ª Turma. REsp 1452935/PE, Rel.
Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/03/2017.
19
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua autonomia constitucional. Belo Horizonte: Fórum,
2009. p. 289
20
“Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
(...)
IV - improbidade administrativa;
(...)
Art. 137. A demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência do art. 117, incisos IX e XI, incompatibiliza o
ex-servidor para nova investidura em cargo público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos.
Parágrafo único. Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão
por infringência do art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI.”

13
que o ato de improbidade administrativa é deveras grave para admitir a volta de
determinado cidadão para a Administração Pública, apesar de não ter sido neste
cargo que o ato ímprobo foi cometido.21
Nessa esteira, entendo que a determinação para “perda do cargo” deve
ocorrer em relação ao cargo ocupado no momento da prolação do trânsito em
julgado da decisão. Primeiro, porque a penalidade prevista pela Lei de Improbidade
Administrativa é a perda da função pública, e não do cargo público. E o instituto da
função pública é bem mais amplo, como também engloba o instituto do cargo
público. Segundo, porque a impossibilidade de aplicação da perda da função
pública em novo cargo esvaziaria o conteúdo e a proteção da Lei de Improbidade
Administrativa, em relação aos critérios de atuação, de acordo com os padrões de
decoro, ética e boa-fé na Administração Pública. E terceiro, porque a aplicação da
perda da função pública, decorrente de ato de improbidade, impediria o agente
público de retornar ao serviço público em qualquer outro cargo posteriormente.
Sendo assim, a aplicação da penalidade da perda da função pública no cargo
anterior, no qual foi cometido o ato de improbidade, teria por consequência o
impedimento do cidadão assumir o novo cargo.
Na nova lei, o § 1º do art. 12 dispõe que a sanção de perda da função pública
atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político
detinha com o poder público na época do cometimento da infração, podendo o
magistrado, na hipótese do inciso I do caput deste artigo, e em caráter excepcional,
estendê-la aos demais vínculos, consideradas as circunstâncias do caso e a gravidade da
infração.

21
Entendo que esse impedimento deve ocorrer durante todo o prazo prescricional da ação de improbidade administrativa.

14
Antes da alteração trazida pela Lei n.º 14.230/21, o art. 17, §7º, dispunha que
“Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a
notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser
instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias”.
A manifestação prévia tinha por objetivo a análise material (e também
formal), por parte do magistrado, acerca da existência do ato de improbidade,
procedência da ação e adequação da via eleita, com a finalidade de excluir as ações
insubsistentes. Ou seja, o recebimento da ação improbidade dependeria da
verificação da seriedade da ação, em análise prévia com caráter formal e material
pelo magistrado. Nesse momento, exigir-se-ia, para o prosseguimento do feito,
apenas a comprovação mínima do alegado, sendo necessário, no caso da avaliação
material, haver um mínimo de dúvida da existência do ato ímprobo. A ausência de
elementos mínimos de prova que justifiquem o prosseguimento da ação é defesa
típica do réu nessa fase preliminar de manifestação prévia. Ou seja, o objetivo dessa
fase era a apreciação do magistrado quanto à possibilidade do ato de improbidade,
procedência da ação ou adequação da via eleita.
Contudo, na dúvida, o magistrado deveria nortear-se pelo princípio in dubio
pro societate.22 Assim, essa fase processual tornou-se inócua, vez que era comum a

22
Ver Informativo 518, STJ, bem como: STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp n.º 604949/RS. Relator: Min. Herman Benjamin, j.
05.05.2015, DJE 21.05.2015; STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp n.º 1466157/MG. Relator: Min. Mauro Campbell Marques, j.
18.06.2015, DJE 26.06.2015; STJ. 1ª Turma. REsp n.º 1504744/MG. Relator: Min. Sérgio Kukina, j. 16.04.2015, DJE 24.04.2015;
STJ. 1ª Turma. AgRg nos EDcl no AREsp n.º 605092/RJ. Relatora: Min. Marga Tessler, j. 24.03.2015, DJE 06.04.2015; STJ. 2ª
Turma. AgRg no AREsp n.º 612342/RJ. Relator: Min. Humberto Martins, j. 05.03.2015, DJE 11.03.2015; STJ. 1ª Turma. AgRg

15
permissão do prosseguimento da ação, sem a devida análise sobre as reais
condições materiais para o prosseguimento da ação.
Nesse sentido, a redação do § 7º do art. 17 da LIA foi alterada para a seguinte:
“Se a petição inicial estiver em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a
citação dos requeridos para que a contestem no prazo comum de 30 (trinta) dias,
iniciado o prazo na forma do art. 231 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código
de Processo Civil).”
Com isso, após o protocolo da petição inicial, o juiz deve analisar os
requisitos formais, o que poderá culminar no (a) indeferimento da petição inicial,
com a extinção do processo; (b) a determinação para que o autor emende a inicial,
em razão de vícios sanáveis, conforme o disposto no art. 321 do Código de Processo
Civil de 2015; ou (c) citação do réu para apresentar contestação, no prazo comum de
30 (trinta) dias úteis.

no AREsp n.º 444847/ES. Relator: Min. Benedito Gonçalves, j. 05.02.2015, DJE 20.02.2015; STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp n.º
1455330/MG. Relator: Min. OG Fernandes, j. 16.12.2014, DJE 04.02.2015; STJ. 1ª Turma. REsp n.º 1259350/MS. Relator: Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, j. 22.10.2013, DJE 29.08.2014; STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp n.º 318511/DF. Relatora: Min.
Eliana Calmon, j. 05.09.2013, DJE 17.09.2013.

16
O art. 20 e o art. 12, § 9º, da Lei de Improbidade Administrativa não deixam
dúvidas de que a penalidade de suspensão dos direitos políticos23 só pode ser
efetivada após o trânsito em julgado.
Contudo, a Lei Complementar n.º 64, de 18 de maio de 1990 (alterada pela
Lei da Ficha Limpa – Lei Complementar n.º 135/2010)24 prevê, em seu art. 1º, inc. I,
alínea l, que são inelegíveis

“os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em


decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial
colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que
importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito,
desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do
prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena; ”

23
Defendo que a sanção de suspensão dos direitos políticos em razão de ato de improbidade administrativa deveria ter a sua
eficácia paralisada em razão do art. 23 do Pacto de São José da Costa Rica. Isso porque o art. 23 do Pacto de São José da Costa
Rica dispõe que os direitos políticos só podem ser limitados em razão de condenação em processo penal, o que paralisaria a
eficácia das normas infraconstitucionais, tal como o STF entendeu nas jurisprudências que desencadearam na Súmula Vinculante
25. Este meu entendimento ficou expresso no artigo Uma análise da sanção de suspensão dos direitos políticos por
improbidade administrativa a partir das decisões do stf acerca da internalização do pacto de são josé da costa rica. Fides,
Natal, V. 8, n. 2., jul/dez. 2016.
24
Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina
outras providências

17
Ou seja, após a condenação por órgão judicial colegiado, por ato doloso de
improbidade administrativa, decorrente de lesão ao patrimônio público e
enriquecimento ilícito, o cidadão é considerado “ficha suja” e não pode ter sua
candidatura deferida. A condenação nesse sentido é causa de inelegibilidade,
competindo à Justiça Eleitoral verificar, no momento processual adequado, se a
decisão condenatória na ação de improbidade administrativa: a) transitou em
julgado ou foi proferida por órgão judicial colegiado; b) decorreu de ato doloso; c)
condenou o responsável pela conduta de lesão ao patrimônio público e
enriquecimento ilícito.25
O TSE, no julgamento do Recurso Ordinário nº 380-23,26 decidiu da seguinte
forma:
Deve-se indeferir o registro de candidatura se, a partir da análise
das condenações, for possível constatar que a Justiça Comum
reconheceu a presença cumulativa de prejuízo ao erário e de
enriquecimento ilícito decorrente de ato doloso de improbidade
administrativa, ainda que não conste expressamente na parte
dispositiva da decisão condenatória.

Em outra oportunidade, o TSE julgou da seguinte forma:

ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE


CANDIDATURA. CONDENAÇÃO. IMPROBIDADE. SUSPENSÃO.
DIREITOS POLÍTICOS. TRÂNSITO EM JULGADO.
IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO REGISTRO, DO
DIPLOMA OU DO EXERCÍCIO DO CARGO. 1. Não há como ser
deferido o registro de quem não pode ser diplomado ou exercer o
cargo. A decisão regional que indeferiu o registro de candidatura
por considerar presente hipótese de inelegibilidade pode ser
mantida em face da ausência de condição de elegibilidade, sob a
25
Lei nº 8.429/1992, arts. 10º e 9º, respectivamente.
26
Relator Min. João Otávio de Noronha, publicado em sessão do dia 12.9.2014.

18
qual foi dada oportunidade para o candidato se manifestar. 2. Na
linha da jurisprudência do TSE, é "inadmissível o deferimento do
pedido de registro de candidato que não se encontra no pleno
exercício dos direitos políticos" (AgR-REspe nº 490-63, rel. Min.
Nancy Andrighi, PSESS em 18.12.2012). 3. A suspensão dos direitos
políticos em razão de condenação por ato de improbidade opera
a partir do trânsito em julgado da decisão, nos termos do art. 20
da Lei nº 8.429/92 e de acordo como o arts. 15, IV, e 37, § 4º, da
Constituição da República. 4. A suspensão dos direitos políticos
acarreta, entre outras consequências, a imediata perda da filiação
partidária (Lei nº 9.096/95, art. 22, II), o impedimento de o
candidato ser diplomado (AgR-REspe nº 358-30, rel. Min. Arnaldo
Versiani, DJE de 5.8.2010) e a perda do cargo de deputado
estadual (CF, art. 27, § 1º, c.c. o art. 55, IV). Recurso ordinário do
candidato desprovido, prejudicado o recurso do Ministério
Público. (TSE - RO: 00018195220146260000 SÃO PAULO - SP,
Relator: Min. Henrique Neves Da Silva, Data de Julgamento:
17/12/2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico,
Tomo 25, Data 04/02/2016, Página 126)

Ocorre que há uma grande insegurança jurídica quanto ao início da


aplicabilidade da suspensão dos direitos políticos, decorrente de um mesmo fato; o
que poderia, inclusive, gerar um bis in idem.
Por isso, considero correto o acréscimo na LIA, ao introduzir o § 10 no art.
12, para estabelecer que “Para efeitos de contagem do prazo da sanção de
suspensão dos direitos políticos, computar-se-á retroativamente o intervalo de
tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória.”
Desse modo é possível perfectibilizar e fazer uma leitura uniforme da Lei de
Improbidade Administrativa com a Lei da Ficha Limpa.

19
A indisponibilidade de bens tem natureza jurídica de processo cautelar. Este
deve ser entendido como o instrumento processual que visa o resultado útil e
eficaz de outro processo. Ou seja, o processo cautelar tem natureza instrumental
em relação ao processo principal, com a finalidade de eliminar o risco da
dilapidação temporal indevida do patrimônio do acusado, de forma a fazer com que
o processo tenha resultado eficaz e útil ao final. A tutela cautelar é, pois, uma tutela
de segurança. A indisponibilidade de bens, por sua vez, objetiva a preservação de
bens no patrimônio daquele acusado de ato de improbidade administrativa para
garantir a eficácia futura e eventual execução de pagar quantia certa. 27
Nas ações civis públicas por ato de improbidade administrativa, o Superior
Tribunal de Justiça tem diversas decisões que são criticadas por boa parte da
doutrina. Por exemplo, para o STJ, a decretação da indisponibilidade prevista no
art. 7º, parágrafo único, da LIA28 (disposição anterior à alteração legal) não d,epende
da individualização dos bens pelo parquet. Para esse Tribunal Superior, a medida
pode ser decretada em valores superiores ao requerido pelo parquet na ação de
improbidade, bem como pode recair sobre o patrimônio dos réus anteriores ao ato
ímprobo praticado, em razão da exigência legal da garantia integral do

27
Emerson Garcia e Rogério Alves apontam para uma semelhança com arresto cautelar previsto no art. 301 do Novo Código de
Processo Civil, porque, a exemplo dessa cautelar, a indisponibilidade também recai em bens indeterminados do patrimônio do
pretenso devedor” GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6.Ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011, p. 767.
28
“Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade
administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento
do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.”

20
ressarcimento de eventual prejuízo ao erário,29 levando em consideração, também,
o valor de eventual multa civil como sanção autônoma. 30
De outra forma, seria possível o magistrado tornar indisponível os bens do
réu, em valores superiores ao pedido pelo parquet na exordial, levando em
consideração o juízo de valor do magistrado sobre a situação, incluindo no cálculo a
multa civil, mesmo antes daquele apresentar defesa.
Para o Superior Tribunal de Justiça, sob o viés do ressarcimento integral do
dano, é possível através da medida acautelatória – e não da decisão de mérito – (a)
levar em consideração o valor da multa civil como sanção autônoma; (b) a
decretação em valores superiores ao pedido pelo parquet no processo; (c) recair
sobre patrimônio anterior ao ato (supostamente) ímprobo; (d) recair sobre bem de
família. E todas essas medidas são possíveis apenas com “a fumaça do bom direito”,
sem ser necessária, no entendimento daquele tribunal, a demonstração do “perigo
da demora.”

29
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. BLOQUEIO DE BENS EM VALOR SUPERIOR AO INDICADO
NA INICIAL DA AÇÃO DE IMPROBIDADE. Em ação de improbidade administrativa, é possível que se determine a
indisponibilidade de bens (art. 7º da Lei 8.429/1992) - inclusive os adquiridos anteriormente ao suposto ato de improbidade - em
valor superior ao indicado na inicial da ação visando a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se
em consideração, até mesmo, o valor de possível multa civil como sanção autônoma. Isso porque a indisponibilidade acautelatória
prevista na Lei de Improbidade Administrativa tem como finalidade a reparação integral dos danos que porventura tenham sido
causados ao erário. (STJ. REsp n.º 1.176.440/RO. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 17.09.2013, DJe 04.10.2013). Ver
também: STJ. 2ª Turma. REsp n.º 1461892/BA. Relator: Min. Herman Benjamin, j. 17.03.2015, DJE 06.04.2015; STJ. 1ª Turma.
REsp n.º 1461882/PA. Relator: Min. Sérgio Kukina, j. 05.03.2015, DJE 12,03,2015; STJ. 1ª Turma. REsp n.º 1176440/RO.
Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 17.09.2013, DJE 04.10.2013; STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp n.º 1191497/RS.
Relator: Min. Humberto Martins, j. 20.11.2012, DJE 28.11.2012; STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp n.º 020853/SP. Relator: Min.
Benedito Gonçalves, j. 21.06.2012, DJE 29.06.2012.
30
STJ. 2ª Turma. REsp n.º 1319583/MT. Relatora: Min. Eliana Calmon, j. 13.08.2013, DJe 20.08.2013.
Ementa: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
INDISPONIBILIDADE DE BENS. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES A JUSTIFICAR O DEFERIMENTO DA
MEDIDA. PERICULUM IN MORA IMPLÍCITO. DESNECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DE BENS. 1. O provimento
cautelar para indisponibilidade de bens, de que trata o art. 7º , parágrafo único , da Lei 8.429 /1992, exige fortes indícios de
responsabilidade do agente na consecução do ato ímprobo, em especial nas condutas que causem dano material ao Erário. 2. O
periculum in mora está implícito no próprio comando legal, que prevê a medida de indisponibilidade, uma vez que visa a
'assegurar o integral ressarcimento do dano'. 3. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, nas demandas por improbidade
administrativa, a decretação de indisponibilidade prevista no art. 7º , parágrafo único , da LIA não depende da individualização
dos bens pelo Parquet. 4. A medida constritiva em questão deve recair sobre o patrimônio dos réus em ação de improbidade
administrativa, de modo suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração,
ainda, o valor de possível multa civil como sanção autônoma. Precedentes do STJ. 5. Recurso especial provido.

21
O que percebemos é que as principais alterações trazidas pela Lei n.º
14.230/21 sobre a indisponibilidade de bens são espécies de respostas do legislador
à jurisprudência do STJ. Não posso deixar de mencionar que, data máxima vênia,
também tenho discordado da jurisprudência do STJ nessa matéria, por achar que
não consiste na melhor interpretação a ser dada à lei e ao ordenamento jurídico de
forma sistêmica. E, de certa forma, as alterações trazidas por aquela lei veio no
mesmo sentido do que eu defendia em meu livro “Improbidade Administrativa:
Aspectos Teóricos e Práticos”.
Vejamos as principais alterações.
O art. 16 estabelece que “Na ação por improbidade administrativa poderá ser
formulado, em caráter antecedente ou incidente, pedido de indisponibilidade de
bens dos réus, a fim de garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo
patrimonial resultante de enriquecimento ilícito.” O § 3º desse artigo dispõe:

O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput


deste artigo apenas será deferido mediante a demonstração no
caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado
útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da
ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento
nos respectivos elementos de instrução, após a oitiva do réu em 5
(cinco) dias.

Ora, conforme o Código de Processo Civil, em seu art. 300, os requisitos


para a concessão da medida cautelar são a fumaça do bom direito e o perigo da
demora. A fumaça do bom direito diz respeito à probabilidade do direito na
situação em discussão. No caso da improbidade administrativa, é preciso que haja o
convencimento do magistrado de que há uma boa probabilidade de ter ocorrido, no
caso concreto, ato ímprobo, conforme tipificado na Lei de Improbidade

22
Administrativa. Ou seja, deve haver no processo indícios fortes de que o ato
narrado esteja abarcado pelos tipos previstos na Lei de Improbidade
Administrativa.
Conforme o entendimento unânime do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
com base na LIA (antes da alteração), para que seja concedida a cautelar de
indisponibilidade dos bens deve haver a presença de “fortes indícios acerca da
prática de ato de improbidade lesivo ao erário.” (fumus boni iures) (Informativo 547
do STJ).31
Na fumaça do bom direito, em ação de improbidade administrativa, não
basta que haja apenas a probabilidade do direito, mas sim “fortes indícios” do
cometimento do ato de improbidade administrativa pelo legitimado passivo da
ação, conforme entendimento unânime do Superior Tribunal de Justiça. Assim, ao
existir sérios indícios da prática de ato de improbidade, pode ser determinada a
quebra de sigilo bancário dos investigados, com a finalidade de apuração (REsp
1402091/SP32).
O perigo da demora, por seu turno, consiste na própria possibilidade de
haver o resultado útil e eficaz do processo principal. Conforme este requisito, é

31
INFORMATIVO 547 STJ “DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REQUISITOS DA MEDIDA
CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS PREVISTA NO ART. 7º DA LEI 8.429/1992. RECURSO REPETITIVO
(ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). É possível decretar, de forma fundamentada, medida cautelar de indisponibilidade de
bens do indiciado na hipótese em que existam fortes indícios acerca da prática de ato de improbidade lesivo ao erário. De fato, o
art. 7º da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) instituiu medida cautelar de indisponibilidade de bens que
apresenta caráter especial em relação à compreensão geral das medidas cautelares. Isso porque, para a decretação da referida
medida, embora se exija a demonstração de fumus boni iuris – consistente em fundados indícios da prática de atos de improbidade
–, é desnecessária a prova de periculum in mora concreto – ou seja, de que os réus estariam dilapidando efetivamente seu
patrimônio ou de que eles estariam na iminência de fazê-lo (colocando em risco eventual ressarcimento ao erário). O requisito do
periculum in mora estaria implícito no referido art. 7º, parágrafo único, da Lei 8.429/1992, que visa assegurar “o integral
ressarcimento” de eventual prejuízo ao erário, o que, inclusive, atende à determinação contida no art. 37, § 4º, da CF (REsp
1.319.515-ES, Primeira Seção, DJe 21/9/2012; e EREsp 1.315.092-RJ, Primeira Seção, DJe 7/6/2013). Ora, como a
indisponibilidade dos bens visa evitar que ocorra a dilapidação patrimonial, não é razoável aguardar atos concretos direcionados à
sua diminuição ou dissipação, na medida em que exigir a comprovação de que esse fato estaria ocorrendo ou prestes a ocorrer
tornaria difícil a efetivação da medida cautelar em análise (REsp 1.115.452-MA, Segunda Turma, DJ 20/4/2010). Além do mais, o
disposto no referido art. 7º em nenhum momento exige o requisito da urgência, reclamando apenas a demonstração, numa
cognição sumária, de que o ato de improbidade causou lesão ao patrimônio público ou ensejou enriquecimento ilícito. REsp
1.366.721-BA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Min. Og Fernandes, julgado em 26/2/2014.”
32
STJ. 1ª Turma. REsp n.º 1402091/SP. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 08.10.2013, DJe 04.12.2013.

23
necessário que haja a comprovação de que, caso a medida não seja decretada, o
resultado do processo principal pode ser prejudicado.
A presença e forma de preenchimento do requisito do perigo da demora são
bastante controvertidas. De acordo com as decisões majoritárias do Superior
Tribunal de Justiça,33 É desnecessária a prova de que os réus estejam a dilapidar ou
na iminência de dilapidar o seu patrimônio (periculum in mora concreto). Esse
Tribunal Superior entende que o perigo da demora estaria implícito no art. 7º da
LIA, em face deste objetivar assegurar o “integral ressarcimento” de eventual
prejuízo ao erário, de forma a atender também às determinações do art. 37, § 4º, da
CF/88.34 Ou seja, o Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento de que não se
faz necessária a comprovação do perigo da demora em razão de este estar implícito
no art. 7º, parágrafo único, da Lei n.º 8.429/92 (perigo da demora implícito).35
Esse Tribunal já chegou até mesmo a afirmar que a tutela seria de evidência
e não de urgência, não importando o perigo do agente dilapidar seu patrimônio,
mas a gravidade dos fatos e o montante do prejuízo gerado ao erário.36 Emerson
Garcia e Rogério Pacheco Alves apoiam esse entendimento jurisprudencial
baseando-se na extrema dificuldade em se demonstrar, ainda que de forma

33
Ver Informativo 510 do STJ.
34
De forma diversa ao que vem usualmente decidindo, o STJ (2ª Turma. MC n.º 19532/MG. Relator: Min. Humberto Martins, j.
21.02.2013, DJe 01.03.2013) afirmou que “PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADEADMINISTRATIVA.
RECURSO ESPECIAL. EFEITO SUSPENSIVO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES
PARA DEFERIMENTO DA TUTELA DE URGÊNCIA. 1. A concessão da medida cautelar demanda essencialmente o
preenchimento de dois requisitos: o fumus boni iuris e o periculum in mora. Além disso, a probabilidade de êxito do recurso
especial deve ser verificada, ainda que de modo superficial. (...).”
35
Conforme o STJ, é possível a decretação da indisponibilidade de bens do promovido em ação civil Pública por ato de
improbidade administrativa, quando ausente (ou não demonstrada) a prática de atos (ou a sua tentativa) que induzam a conclusão
de risco de alienação, oneração ou dilapidação patrimonial de bens do acionado, dificultando ou impossibilitando o eventual
ressarcimento futuro. Ver: STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp n.º 460279/MS. Relator: Min. Herman Benjamin, j. 07.10.2014, DJE
27.11.2014; STJ. 1ª Turma. REsp n.º 1197444/RJ. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 27.08.2013, DJE 05.09.2013; STJ.
2ª Turma. AgRg no REsp n.º 1328769/BA. Relatora: Min. Eliana Calmon, j. 13.08.2013, DJE 20.08.2013; STJ. 1ª Turma. AgRg
no Ag n.º 1262343/SP. Relator: Min. Teori Albino Zavascki, j. 28.08.2012, DJE 21.09.2012; STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp n.º
1256287/MT. Relator: Min. Humberto Martins, j. 15.09.2011, DJE 21.09.2011; STJ. 2ª Turma. REsp n.º 1163499/MT. Relator:
Min. Mauro Campbell Marques, j. 21.09.2010, DJE 08.10.2010; STJ. 1ª Turma. REsp n.º 1078640/ES. Relator: Min. Luiz Fux, j.
09.03.2010, DJE 23.03.2010; STJ. 1ª Turma. REsp n.º 1040254/CE. Relatora: Min. Denise Arruda, j. 15.12.2009, DJE
02.02.2010. STJ. 1ª Seção. REsp n.º 1.366.721/BA. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho j. 26.02.2014, DJe 19.09.2014.
36
STJ. 1ª Seção. REsp n.º 1.366.721/BA. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho j. 26.02.2014, DJe 19.09.2014.

24
indiciária, a intenção de dilapidação patrimonial pelo sujeito que é acusado da
prática de ato de improbidade administrativa.37
Embora compreensível o sentido da decisão do Superior Tribunal de Justiça,
data vênia não posso concordar com ela, por entender que nela há exagero e enseja
a violação de direitos e garantias fundamentais.38 O parágrafo único do art. 7º da
LIA (antes da alteração) ao prever a necessidade de ressarcimento integral, não
necessariamente estabelecia, implicitamente, um “perigo da demora”. Primeiro
porque, do ponto de vista da unidade do ordenamento jurídico,39 a ideia de
ressarcimento integral do dano é a própria decorrência do sentido etimológico do
vocábulo “indenização”. Ora, sempre que há um dano, este deve ser integralmente
ressarcido e isso, por si só, não corresponde ao requisito do perigo da demora
implícito na norma. Caso contrário, em todos os casos de responsabilidade civil,

37
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 768.
38
Ao prever direitos, o ordenamento jurídico precisa estabelecer garantias como um meio de salvaguardar esses direitos ou
recorrer ao judiciário na iminência da sua violação ou mesmo quando o mesmo já foi violado. Não basta que um direito seja
declarado e reconhecido, é necessário garanti-lo, porque virão ocasiões em que será necessário protege-lo contra violações. O
reconhecimento de direitos fundamentais requer, portanto, a criação de garantias para a sua proteção, seja no direito de exigir dos
poderes públicos a tutela dos direitos fundamentais seja na previsão dos meios processuais adequados a essa finalidade. Caso
contrário, tais direitos teriam a mera função simbólica, declaratória ou discursiva, sem força para a sua efetiva proteção. As
garantias fundamentais (ou garantias clássicas) não se confundem com os direitos fundamentais, pois enquanto estes
consistem na própria finalidade do Direito, aquelas são apenas instrumentos, meios de proteção dos direitos. Embora as garantias
possuam o caráter instrumental de proteção dos direitos fundamentais, elas também são direitos do cidadão (direito-garantia). Ver
CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 396. Nesse sentido,
o Título II da Constituição Federal brasileira de 1988 dispõe acerca “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Conforme Uadi
Lammêgo Bulos, “as garantias fundamentais são as ferramentas jurídicas por meio das quais tais direitos se exercem, limitando os
poderes do Estado.” BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. Saraiva: São Paulo, 2010. p. 518. José Afonso
da Silva classifica as garantias constitucionais em: (a) garantias gerais: elas formam a estrutura que permitem a existência dos
direitos fundamentais, bem como formam a estrutura de uma sociedade democrática e contribui para a concepção do Estado
Democrático de Direito. Elas são “destinadas a assegurar a existência e a efetividade (eficácia social) daqueles direitos, as quais se
referem à organização da comunidade política, e que poderíamos chamar de condições econômico-sociais, culturais e políticas”
que favorecem o exercício dos direitos fundamentais. (b) e as garantias constitucionais: que consiste na própria tutela
constitucional dos direitos fundamentais, através das suas instituições, determinações e procedimentos, para os casos de
inobservância e de “reintegração”. Elas dividem-se em: (b.I) garantias constitucionais gerais: proíbem abusos de poder e todas as
formas de violação, através dos mecanismos de freio e contrapesos dos poderes, tais como a legalidade (art. 5, II, CF/88) e o
devido processo legal (art. 5, LIV, CF/88); e (b.II) as garantias constitucionais específicas: “são prescrições constitucionais
estatuindo técnicas de mecanismos, protegem a eficácia, a aplicabilidade e a inviolabilidade dos direitos fundamentais de modo
especial”. Notadamente, elas atuam como meio de defesa do cidadão quando um direito fundamental ou uma garantia
constitucional geral é transgredida, tais como o mandado de segurança (art. 5º, LXIX, CF) e o habeas data (art. 5º, LXXII, CF).
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 188/189.
39
Ver BOBBIO, Noberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 6.ed. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1995. ______. O positivismo jurídico: lições de filosofia do Direito. São Paulo: Ícone Editora,
1999.

25
deveria ser concedida a cautelar de indisponibilidade de bens sempre que
caracterizado o requisito da “fumaça do bom direito”, em razão de o art. 927 do
Código Civil de 2002 dispor que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Diante dessa regra civilista, não fica claro
que esta reparação deva ser integral?
Em segundo lugar, o lapso temporal excessivo para a conclusão do processo
decorre de diversos fatores, mas a maioria deles está atrelada a certa culpa do
Estado. Desse modo, entendo abusiva a utilização do argumento simplório de
demora do processo civil para praticamente afastar o princípio da “presunção de
inocência” ao realizar a constrição dos bens do demandado em ação de
improbidade administrativa, sem que haja nenhuma evidência de dilapidação do
patrimônio, é abuso.
Assim, o mero fato da demora na observância do devido processo legal
significa necessariamente que haja perigo da sua insatisfação. Ao estar previsto no
ordenamento jurídico que o dano deve ser integralmente ressarcido, o objetivo é
garantir o resultado útil do processo. Se não há, a priori, perigo a uma possível
satisfação do dano, não deve ser deferida a medida cautelar, sob pena de ferir o
princípio da presunção de inocência. Nesse sentido, entendo imprescindível a
comprovação do perigo de dilapidação ou desvio patrimonial por parte do acusado
de improbidade. Se a cautelar é uma medida excepcional, cujo objetivo é garantir o
resultado útil e eficaz do processo principal, é necessário que haja indícios de que
esse resultado corre risco. Em não havendo essa situação, não se justifica a
determinação de indisponibilidade de bens.40

40
No mesmo sentido, MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: comentários à Lei n.º
8429/92. 4.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009; e NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende.
Manual de Improbidade Administrativa: direito material e processual. 4.ed. São Paulo: Método, 2016. p. 265. Estes autores
ainda afirmam que “Não consigo, do ponto de vista processual, aceitar a tese consagrada no Superior Tribunal de Justiça de
periculum in mora presumido. Se o arresto cautelar depende da prova desse requisito, como pode uma medida ainda mais severa
prescindir de tal prova? O argumento de que a defesa ao erário justificaria tal presunção pode parecer simpática à população já
esgotada diante de mau trato da coisa pública, mas não se sustenta juridicamente. (...) o argumento de que a comprovação do

26
Por esses motivos, entendo acertada a alteração legislativa.
O § 10 do art. 16 da LIA prevê que:

A indisponibilidade recairá sobre bens que assegurem


exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário, sem
incidir sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de
multa civil ou sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade
lícita

Recentemente, o STJ tinha editado o Tema Repetitivo 1055,41 em que foi


firmada a seguinte tese: “É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na
medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa,
inclusive naquelas demandas ajuizadas com esteio na alegada prática de conduta
prevista no art. 11 da Lei 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares
administrativos.”
Desde o nosso livro já discordávamos do entendimento do STJ. A minha
discordância decorre em razão da medida cautelar ter por finalidade garantir o
resultado útil e eficaz do dano. A antiga redação do art. 7º da LIA previa tal medida
nos seguintes moldes “quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio
público (art. 10) ou ensejar enriquecimento ilícito (art. 9º).” Ou seja, não apenas é
silente quanto à possibilidade de aplicação da medida cautelar em relação à multa
civil como sanção autônoma como em relação ao ato ímprobo (supostamente)
tipificado pelo art. 11 da LIA. De outra forma, essa norma previa a possibilidade de
tornar o patrimônio do acusado indisponível de forma a buscar o ressarcimento

periculum in mora se mostraria extremamente difícil no caso concreto e poderia inviabilizar a medida cautelar desconsiderada por
completo a excepcionalidade dessa medida. Deve se lembrar que a cognição realizada pelo juiz para a concessão da medida
cautelar é sumária, fundada num juízo de probabilidade, de forma que meros indícios de que há um perigo de ineficácia do
resultado final já são suficientes para a concessão da medida. (...) Presumir tal perigo, entretanto, não me parece razoável” (p.
265).
41
REsp 1.862.792-PR, Rel. Min. Manoel Erhard, Primeira Seção, julgado em 25/08/2021

27
integral do dano ou o patrimônio acrescido ilicitamente. Isto posto, não há como
ampliarmos a interpretação para entender que as demais sanções – ainda não
aplicadas, haja vista a cautelar se dar em momento inicial do processo – também
podem servir de base para a aplicação dessa medida.
Enfim, essa medida tem, sim, por finalidade o resultado útil e eficaz, mas
para o ressarcimento integral do dano e enriquecimento ilícito, cuja
responsabilidade é, inclusive, solidária entre os sujeitos ativos do ato ímprobo
praticado. A multa civil, contudo, não faz parte do dano, mas é uma sanção
autônoma, com objetivo de penalizar o sujeito que cometeu ato ímprobo.
Entretanto, é garantia fundamental do cidadão a presunção de inocência (art. 5º,
inc. LVII, da CF/88) e não se pode aplicar uma sanção de modo a relativizar a
presunção de inocência, em hipótese não prevista pela lei em questão.
A indisponibilidade dos bens deve recair exclusivamente sobre o dano
(material) causado ao patrimônio público, no caso da prática do ato tipificado no
artigo 10, ou sobre aquele valor acrescido em razão do enriquecimento ilícito, no
caso do ato tipificado no artigo 9º; ambos da Lei de Improbidade Administrativa.
Foi exatamente nesse sentido a alteração prevista pela Lei n.º 14.230/21.
O § 14 do art. 16 da LIA trouxe a seguinte redação: “É vedada a decretação de
indisponibilidade do bem de família do réu, salvo se comprovado que o imóvel seja fruto
de vantagem patrimonial indevida, conforme descrito no art. 9º desta Lei."
Até então o entendimento do STJ estava exarado no Informativo 358,

No caso, o agravante afirma que o juiz e o Tribunal a quo


deveriam ter examinado as provas que demonstrariam ser de
família os bens declarados indisponíveis. Para o Min. Relator, o
recurso não constitui medida processual adequada para a
demonstração de que determinado bem se caracteriza como de
família se os requisitos de fatos para tal conclusão ainda estão

28
controvertidos na instância a quo. Somente após a instrução
processual é que se verificará se o imóvel pode ser considerado
como bem de família. Esse eventual caráter nada interfere na
determinação de sua indisponibilidade. Não se trata de penhora, mas
de impossibilidade de alienação. A Lei n. 8.009/1990 visa resguardar
o lugar onde se estabelece o lar, impedindo a alienação do bem onde
se estabelece a residência familiar. No caso, o perigo de alienação,
para o agravante, não existe. A indisponibilidade objetiva
justamente impedir que o imóvel seja alienado e, caso seja
julgado procedente o pedido formulado contra o agravante na
ação de improbidade, assegurar o ressarcimento dos danos que
porventura tenham sido causados ao erário, pois esses estão, ao
menos em tese, configurados, como demonstrado está o prejuízo
causado aos cofres públicos. Entendeu o julgador estarem
evidenciados o requisito do fumus boni iuris e do periculum in
mora, a ensejar o deferimento de liminar para a
indisponibilidade dos bens do agravante. Concluiu o Min. Relator
que em nada favorece ao agravante a demonstração de que os
imóveis estavam sob a proteção da Lei n.8.009/1990. (STJ. 1ª
Turma. AgRg no REsp n.º 956.039-PR. Relator: Min. Francisco
Falcão, j. 03.06.2008, DJe 07.08.2008).42

De acordo com o STJ, a possibilidade da indisponibilidade sobre um bem de


família43 se dá em razão dessa medida ter por finalidade apenas a impossibilidade
de alienação, e não de penhora. No entanto, qual a finalidade de impossibilitar a
alienação de um bem de família, se não houver a possibilidade de penhora a

42
A jurisprudência do STJ “é firme no sentido de que, nas demandas por improbidade administrativa, a decretação de
indisponibilidade prevista no art. 7º, parágrafo único, da LIA não depende da individualização dos bens pelo Parquet, podendo
recair sobre aqueles adquiridos antes ou depois dos fatos descritos na inicial, bem como sobre bens de família”. (STJ. 2ª Turma.
REsp n.º 1287422/SE. Relatora: Min. Eliana Calmon, j. 15.08.2013, DJe 22.08.2013)
43
Ver também: STJ. 1ª Turma. REsp n.º 1461882/PA. Relator: Min. Sérgio Kukina, j. 05.03.2015, DJE 12.03.2015; STJ. 2ª Turma.
REsp n.º 1260731/RJ. Relatora: Min. Eliana Calmon, j. 19.11.2013, DJE 29.11.2013; STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp n.º
956039/PR. Relator:. Min. Francisco Falcão, j. 03.06.2008, DJE 07.08.2008. Decisões Monocráticas: STJ. 2ª Turma. REsp n.º
1414794/GO. Relator: Min. Humberto Martins, j. 05.12.2014, publicado em 12.12.2014; STJ. 2ª Turma. REsp n.º 1477939/SP.
Relator: Min. Herman Benjamin, j. 15.12.2014, publicado em 04.02.2015; STJ. 2ª Turma. AREsp n.º 468836/SP. Relator: Min.
Mauro Campbell Marques, j. 07.02.2014, publicado em 24.02.2014.

29
posteriori? A medida cautelatória visa garantir que uma futura decisão seja
satisfeita, bem como evitar que seja aplicada uma decisão e, posteriormente, essa
decisão seja inócua em razão da inexistência de bens. Nesse caso, não tem lógica
gravar um bem de família com a indisponibilidade, se, ao final, do processo, ele não
poderá ser penhorado para pagar o valor da condenação.
Por isso, entendo que a Lei n.º 8.009/1990 dá proteção ao bem de família de
forma a torná-lo indisponível, tal como afirma o próprio STJ em decisão contida no
Informativo 539,44 ao entender que a indisponibilidade de bens prevista na LIA pode
alcançar tantos bens quantos necessários a garantir as consequências financeiras
da prática de improbidade, excluídos os bens impenhoráveis assim definidos por lei, tal
como é o caso do bem de família.
Diferente se faz se o bem de família for adquirido como produto do
enriquecimento ilícito. Em sendo o resultado de um ato ilícito, não há como buscar
no ordenamento jurídico a sua proteção, através da impenhorabilidade. Dessa
forma, deve ser inspirado no processo de execução e ser objeto da
indisponibilidade. O próprio art. 3º, inc. VI, da Lei n.º 8.009/90 afasta a
impenhorabilidade do bem quando adquirido como produto de crime ou em
execução de sentença penal condenatória. Portanto, comprovado que o ato de
improbidade corresponde também a fato típico na esfera penal, será possível a

44
Informativo Nº: 0539, STJ: “DIREITO ADMINISTRATIVO. INDISPONIBILIDADE DE BENS EM AÇÃO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Os valores investidos em aplicações financeiras cuja origem remonte a verbas trabalhistas
não podem ser objeto de medida de indisponibilidade em sede de ação de improbidade administrativa. Isso porque a aplicação
financeira das verbas trabalhistas não implica a perda da natureza salarial destas, uma vez que o seu uso pelo empregado ou
trabalhador é uma defesa contra a inflação e os infortúnios. Ademais, conforme entendimento pacificado no STJ, a medida de
indisponibilidade de bens deve recair sobre a totalidade do patrimônio do acusado, excluídos aqueles tidos como impenhoráveis.
Desse modo, é possível a penhora do rendimento da aplicação, mas o estoque de capital investido, de natureza salarial, é
impenhorável.” (STJ. 1ª Turma. REsp n.º 1.164.037/RS. Relator: Min. Sérgio Kukina, j. 20.02.2014, DJe 09.05.2014). Ver
também: STJ. 2ª Turma. REsp n.º 900.783/PR. Relatora: Min. Eliana Calmon, j. 23.06.2009, DJe 06.08.2009; STJ. 1ª Turma.
AgRg no REsp n.º 956.039/PR. Relator: Min. Francisco Falcão, j. 03.06.2008, DJe 07.08.2008.

30
penhorabilidade do bem de família e, por consequência, será admitida a cautelar de
indisponibilidade de bens.45
Esse foi o entendimento positivado pela Lei n.º 14.230/21.

Antes da alteração, o art. 17 da Lei n.º 8.429/9246 previa que a ação civil de
improbidade administrativa terá o rito ordinário, a ser proposta pelo Ministério
Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da
medida cautelar. Quando a ação fosse proposta pela pessoa jurídica interessada, o
Ministério Público deveria atuar como custos legis (fiscal da lei), sob pena de
nulidade (art. 17, § 4º, Lei n.º 8.429/92).47 Caso o Ministério Público estadual fosse

45
Nesse mesmo sentido, NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de Improbidade
Administrativa: direito material e processual. 4.ed. São Paulo: Método, 2016. p. 359.
46
“Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada,
dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
§ 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei. (Redação
dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio
público.
§ 3º No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3o do art. 6o
da Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965. (Redação dada pela Lei nº 9.366, de 1996)
§ 4º O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de
nulidade.
(...)”
47
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região já afirmou que “O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará
obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade (art. 17, § 4º, da Lei 8.429/92). 2. Havendo interesse público na defesa
do patrimônio público lesionado é obrigatória a intervenção do Ministério Público na causa, caracterizando nulidade a ausência de
intimação do Parquet” (TRF 1. Região. 3ª Turma. AC n.º 00055402920134014003. Relatora: Juíza Federal Rosimayre Gonçalves
De Carvalho, j. 10.05.2016, DJ 19.05.2016)

31
parte, no recurso para os Tribunais Superiores, o Ministério Público Federal
deveria atuar como fiscal da lei (Informativo 556 do STJ) 48.49
O art. 17, § 3º, da LIA dispunha que, caso a ação principal tivesse sido proposta
pelo Ministério Público, aplicar-se-ia, no que couber, o disposto no § 3º do art. 6º
da Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965.50 Essa regra prevê a possibilidade atípica da
legitimidade ativa superveniente.
O legitimado ativo para propor a ação de improbidade administrativa é o
Ministério Público e a pessoa jurídica interessada. Conforme o § 3º do art. 6º da Lei
no 4.717/65, no caso da ação proposta pelo parquet, a pessoa jurídica interessada
pode figurar como sujeito passivo ou, caso entenda útil ao interesse público,
poderá ingressar ao lado do autor, a partir do juízo realizado pelo respectivo
representante legal. Ou seja, esse legitimado ativo na ação de improbidade pode

48
Informativo 556 do STJ: “O Ministério Público Estadual tem legitimidade para atuar diretamente como parte em recurso
submetido a julgamento perante o STJ. O texto do § 1° do art. 47 da LC 75/1993 é expresso no sentido de que as funções do
Ministério Público Federal perante os Tribunais Superiores da União somente podem ser exercidas por titular do cargo de
Subprocurador-Geral da República. A par disso, deve-se perquirir quais as funções que um Subprocurador-Geral da República
exerce perante o STJ. É evidente que o Ministério Público, tanto aquele organizado pela União quanto aquele estruturado pelos
Estados, pode ser parte e custos legis, seja no âmbito cível ou criminal. Nesse passo, tendo a ação (cível ou penal) sido proposta
pelo Ministério Público Estadual perante o primeiro grau de jurisdição, e tendo o processo sido alçado ao STJ por meio de recurso,
é possível que esse se valha dos instrumentos recursais necessários na defesa de seus interesses constitucionais. Nessas
circunstâncias, o Ministério Público Federal exerce apenas uma de suas funções, qual seja: a de custos legais. Isto é, sendo o
recurso do Ministério Público Estadual, o Ministério Público Federal, à vista do ordenamento jurídico, pode opinar pelo
provimento ou pelo desprovimento da irresignação. Assim, cindido em um processo o exercício das funções do Ministério Público
(o Ministério Público Estadual sendo o autor da ação, e o Ministério Público Federal opinando acerca do recurso interposto nos
respectivos autos), não há razão legal, nem qualquer outra ditada pelo interesse público, que autorize restringir a atuação do
Ministério Público Estadual enquanto parte recursal, realizando sustentações orais, interpondo agravos regimentais contra
decisões, etc. Caso contrário, seria permitido a qualquer outro autor ter o referido direito e retirar-se-ia do Ministério Público
Estadual, por exemplo, o direito de perseguir a procedência de ações penais e de ações de improbidade administrativa
imprescindíveis à ordem social. EREsp 1.327.573-RJ, Rel. originário e voto vencedor Min. Ari Pargendler, Rel. para acórdão Min.
Nancy Andrighi, julgado em 17/12/2014, DJe 27/2/2015.”
49
STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp n.º 528143/RN. Relator: Min. Benedito Gonçalves, j. 07.05.2015, DJE 14.05.2015; STJ. 2ª
Turma. AgRg no REsp n.º 1323236/RN. Relator: Min. Herman Benjamin, j. 10.06.2014, DJE 28.11.2014.
50
“Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades,
funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por
omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.
(...)
§ 3º A pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar
o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante
legal ou dirigente.
(...)”

32
abster-se de contestar o pedido e decidir por atuar ao lado do autor, formando um
litisconsórcio ativo ulterior.
Conforme interpretação literal do art. 6º, parágrafo 3º, da Lei de Ação
Popular, o ingresso da pessoa jurídica - no polo ativo - depende do requerimento
desta no prazo de contestação, de forma que, após esta fase processual, há a
preclusão, o que impediria a alteração do polo passivo para o ativo.51 Esse também
foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em decisão citada no
informativo n.º 397.52
Quando a pessoa jurídica interessada for comunicada,53 ela deve, no prazo da
contestação, adotar um dos seguintes posicionamentos: (a) manter-se inerte, sem
ingressar na relação jurídica processual; (b) assumir o polo passivo da ação. Assim,
deve realizar as defesas típicas do réu, tais como defender a probidade do fato
jurídico administrativo questionado; (c) assumir o polo ativo da ação, o que
implicará a formação de litisconsórcio ativo com o Ministério Público.
No entanto, a Lei n.º 14.230 exclui a possibilidade das pessoas jurídicas
interessadas de ingressarem com a ação civil pública por ato de improbidade,
restringindo essa legitimidade exclusivamente para o Ministério Público. A
despeito desta ser uma escolha do legislador, discordo do caminho seguido:
acredito que para a tutela da moralidade administrativa e do patrimônio público

51
MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 33.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 184.
52
Há precedentes do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário, tal como STJ. 2ª Turma. REsp n.º 1.185.928/SP. Relator:
Min. Castro Meira, j. 15.06.2010, DJe 28.06.2010. Ver também NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael
Carvalho Rezende. Manual de Improbidade Administrativa: direito material e processual. 4.ed. São Paulo: Método, 2016. P.
148.
53
A comunicação da pessoa jurídica interessada deve ocorrer através da intimação.

33
seria melhor a adoção do previsto no art. 5º da Lei da Ação Civil Pública54 e do art.
82 do Código de Defesa do Consumidor,55 que amplia o rol dos legitimados ativos.56
Além disso, o art. 17 ainda prevê os seguintes parágrafos

Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei
será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento
comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código
de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei. 
(...)
§ 10-C. Após a réplica do Ministério Público, o juiz proferirá
decisão na qual indicará com precisão a tipificação do ato de
improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe vedado
modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo
autor.          (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 10-D. Para cada ato de improbidade administrativa, deverá
necessariamente ser indicado apenas um tipo dentre aqueles
previstos nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei.        (Incluído pela Lei nº
14.230, de 2021)
§ 10-E. Proferida a decisão referida no § 10-C deste artigo, as
partes serão intimadas a especificar as provas que pretendem
produzir.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

54
“Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à
ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico.”
55
“Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público,
II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente
destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;
IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos
interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.”
56
GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p.
650/655.

34
§ 10-F. Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de
improbidade administrativa que:        (Incluído pela Lei nº 14.230,
de 2021)
I - condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na
petição inicial;         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
II - condenar o requerido sem a produção das provas por ele
tempestivamente especificadas.       (Incluído pela Lei nº 14.230,
de 2021)

Uma parcela da doutrina entendia que seria suficiente à parte autora, na


peça processual, a descrição genérica dos fatos e imputação dos réus, sem
necessidade de descrever, em minúcias, os comportamentos e sanções devidas
individualmente (iura novit e da mihi factum dabo tibi ius).
O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo, inclusive, que o juiz não
está adstrito ao pedido do autor na aplicação das penas previstas no art. 12 da Lei
de Improbidade Administrativa, de modo que o magistrado pode aplicar
penalidade não requerida na peça inicial (Informativo 441 do STJ). Assim, a
penalidade pode ser aplicada independente do pedido realizado na exordial, o que
configuraria a adoção do pedido implícito específico das ações de improbidade
administrativa.57  
 A aplicação de penalidades distintas das requeridas seria uma decorrência
direta da possibilidade de tipificação das condutas narradas independentes da
fundamentação jurídica constante na petição inicial. Ou seja, a possibilidade de
adequação do tipo legal pelo juiz possibilita que a aplicação de penas que não foram
requeridas pelo autor, o que tem como fundamento a Teoria dos Pedidos
Implícitos.

57
STJ, 1ª Turma, AgRG no REsp 1.125.634/MA, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 16.12.2010

35
Ocorre que o Novo Código de Processo Civil, em seu art. 492, prevê a
adstrição da sentença tanto ao pedido formulado pelo autor quanto à causa de
pedir. Isso porque, a sentença não pode fundar-se em causa diversa da constante
do processo. Ora, é impensável imaginar decisão judicial, com potencialidade de,
inclusive, suspender um dos direitos basilares do sistema democrático, o direito
político, fundada em fato jurídico estranho à causa de pedir.
Ademais, por mais que, em razão da matéria de ordem pública bem como da
aplicação do princípio do iura novit cúria, seja permitida uma atuação mais
independente do magistrado, em relação à provocação da parte, o art. 10 do Código
de Processo Civil de 2015 impede decisões surpresas: é necessário oportunizar a
manifestação prévia das partes quando o fundamento da decisão judicial não tiver
sido objeto de discussão anterior.
Entretanto, defendia, com base na LIA, antes da sua alteração, que da
mesma forma que o princípio da não surpresa incidiria sobre a impossibilidade de
o magistrado decidir diferentemente da base argumentativa figurada no processo,
sem prévia oitiva das partes, não haveria a possibilidade de o magistrado aplicar
penalidade de tipo legal diverso do pedido pelo autor sem a oitiva das partes. Isso
porque, a técnica e a tese adotada pela defesa decorrem do tipo legal afirmado na
peça inicial, de modo que a mudança de tipificação e, por conseguinte, incidência
de outras penalidades a serem aplicadas, pode mudar significativamente a tese da
defesa, ferindo, assim, o contraditório e ampla defesa.
Entretanto, esse não era o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
Ressalta-se que, além dos pedidos tradicionais da ação de improbidade
administrativa, previstos no art. 12 da Lei n.º 8.429/92, o Superior Tribunal de
Justiça vinha julgando a possibilidade de cumulação com outros pedidos, tais como

36
imposição de obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa e/ou anulação do ato
administrativo, dentre outros.58  
Provavelmente, em razão disso, o legislador veio estabelecer que a acusação
deve delimitar, desde o início do processo, sobre quais bases e quais pedidos a ação
deve se pautar. Isso nada mais é do que jogar o jogo com regras claras! Ora, na Ação
de Improbidade Administrativa, há um dispositivo que, no final do processo,
poderia ser utilizado como “coringa” para todos os casos: violação dos princípios da
administração pública, o qual, muitas vezes, essa violação nada mais é do que
atuação com base interpretativa diversa da do órgão acusador. 59
Entretanto, a forma como o legislador alterou o dispositivo legal tornou-o
restritivo por demais. A vedação de modificar o fato principal e a capitulação legal
apresentada pelo autor (art. 17, § 10-C) não pode ser rígida a ponto de impedir
totalmente a mudança de direção, sob pena de nulidade processual. Penso que o
ideal seria estabelecer uma medida em sentido parecido ao previsto no Código de
Processo Penal, em seu art. 384, o mutato libelis, em que possibilita, após encerrada
a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em
consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da
infração penal não contida na acusação, o Ministério Público aditar a denúncia ou
queixa, no prazo de 5 (cinco) dias; se em virtude desta houver sido instaurado o
processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando
feito oralmente.

58
STJ, 2ª Turma, REsp 964.920/SP. Rel. Min. Herman Benjamin, j. 28.10.2008
59
Outro ponto importante da Lei n.º 14.230/21 é o acréscimo do § 8º ao art. 1º, com a seguinte disposição: “Não configura
improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não
pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder
Judiciário.”

37
O prazo prescricional nas ações de improbidade fora alterado sobremaneira.
Conforme o previsto na redação anterior do art. 23 e incisos da LIA, a pretensão
punitiva estatal em atos de improbidade teria o lapso temporal de 5 (cinco) anos, a
contar: (a) do primeiro dia após o vínculo, no caso de servidores com vínculo
temporário, seja em razão de mandato, cargo em comissão ou função de confiança
(inc. I), (b) da data em que o fato se tornou conhecido, no caso de servidores com
vínculo permanente (ocupante de cargo efetivo ou emprego público) (inc. II) ou (c)
da data da apresentação, à Administração Pública, da prestação de contas final
pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1º da Lei n.º 8.429/92 (inc. III).
O prazo prescricional é interrompido com a propositura da ação. Segundo o
STJ, nas ações civis por ato de improbidade administrativa interrompe-se a
prescrição da pretensão condenatória com o mero ajuizamento da ação dentro do
prazo de 5 (cinco) anos contado a partir do término do exercício de mandato, de
cargo em comissão ou de função de confiança, ainda que a citação do réu seja
efetivada após esse prazo.60

60
Informativo 546 STJ: “DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INTERRUPÇÃO DO PRAZO
PRESCRICIONAL NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Nas ações civis por ato de improbidade
administrativa, interrompe-se a prescrição da pretensão condenatória com o mero ajuizamento da ação dentro do prazo de cinco
anos contado a partir do término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, ainda que a citação
do réu seja efetivada após esse prazo. Se a ação de improbidade foi ajuizada dentro do prazo prescricional, eventual demora na
citação do réu não prejudica a pretensão condenatória da parte autora. Assim, à luz do princípio da especialidade e em observância
ao que dispõe o art. 23, I, da Lei 8.429/1992, o tempo transcorrido até a citação do réu, nas ações de improbidade, que já é amplo
em razão do próprio procedimento estabelecido para o trâmite da ação, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição, uma

38
O art. 23, inc. I, da Lei n.º 8.429/92 da redação antes da alteração estabelecia
que o prazo prescricional de 5 (cinco) anos inicia após o término do exercício do
mandato, cargo em comissão ou de função de confiança. Ou seja, há a previsão do
prazo prescricional quinquenal para aplicação das sanções aos agentes que
exerçam mandato, ocupem cargos comissionados ou sejam nomeados para função
de confiança.
O caso do inc. I do art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa diz respeito
aos servidores que possuem vínculo com a Administração Pública de forma
temporária, seja em razão de mandato eletivo, seja em razão de cargo de confiança
ou função de confiança. Neste caso o prazo quinquenal inicia apenas quando há o
término do vínculo do agente público com a Administração Pública. Ou seja, se o
prefeito comete o ato de improbidade no primeiro ano do mandato, mas ao final do
mandato ele é reeleito, apenas ao final da reeleição, quando efetivamente ele não
possuir mais relação jurídica com a Administração Pública, é que iniciaria o prazo
prescricional (REsp 1153079/BA)61.
O prazo prescricional é interrompido com o mero ajuizamento da ação
dentro do prazo de cinco anos, contado do término do vínculo com a
Administração Pública, ainda que a citação do réu seja efetivada após esse prazo. 62
O art. 23, inc. II, da Lei de Improbidade Administrativa dispunha que as
ações decorrentes daquela lei prescreviam no prazo previsto em lei específica para
as faltas disciplinares puníveis com a penalidade de demissão a bem do serviço
público, contados da data do fato. Essa norma referia-se aos servidores estatutários
e aos empregados públicos, em que ambos possuem vínculo de trabalho com o

vez que o ajuizamento da ação de improbidade, à luz do princípio da actio nata, já tem o condão de interrompê-la”. STJ. 2ª Turma.
REsp n.º 1.391.212/PE. Relator: Min. Humberto Martins, j. 02.09.2014, DJe 09.09.2014.
61
Ver também: STJ. 2ª Turma. REsp n.º 1107833/SP. Relator: Min. Mauro Campbell Marques, j. 08.09.2009, DJe 18.09.2009: Na
hipótese de reeleição, em que o agente exerce dois mandatos sucessivos, a contagem do prazo prescricional se inicia a partir do
término do segundo mandato.
62
STJ. 2ª Turma. REsp n.º 1.391.212/PE. Relator: Min. Humberto Martins, j. 02.09.2014, DJe 09.09.2014.

39
Estado, de forma permanente, ou seja, por tempo indeterminado. E o prazo
prescricional para esses servidores é aquele previsto em lei específica para as faltas
disciplinares puníveis com a pena de demissão a bem do serviço público. Não
obstante a possibilidade de diversas normas aplicáveis, a depender do vínculo do
servidor, o Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei n.º 8.112/90) estabelece,
em seu art. 142, inc. I, o prazo prescricional de 5 (cinco) anos. Contudo, o § 2º desse
artigo prevê que “os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações
disciplinares capituladas também como crime.”. Ou seja, para esses agentes públicos,
se o ato de improbidade administrativa cometida também configurar crime,
dever-se-ia observar o prazo prescricional do Código Penal, o qual está prevista no
art. 109 do Código Penal. Vejamos:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença
final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se
pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime,
verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).
I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito
anos e não excede a doze;
III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos
e não excede a oito;
IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e
não excede a quatro;
V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou,
sendo superior, não excede a dois;
VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

Nesse sentido, o prazo começa a correr da data em que o fato se tornou


conhecido, podendo chegar até a 20 (vinte) anos. Importa, ainda, relatar que o art.
142, § § 1º e 3º, da Lei n.º 8.112/90 dispõe que há a interrupção do referido prazo na
hipótese de abertura de sindicância ou de processo administrativo disciplinar para

40
apurar o caso. Assim, o prazo fica suspenso até a decisão final proferida por
autoridade competente.
Já a Lei n.º 14.230/21, além de revogar as disposições acima, traz os seguintes
dispositivos acerca da prescrição:

Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei
prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato
ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a
permanência. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
(...)
§ 4º O prazo da prescrição referido no caput deste artigo
interrompe-se: (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - pelo ajuizamento da ação de improbidade administrativa;
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
II - pela publicação da sentença condenatória; (Incluído pela
Lei nº 14.230, de 2021)
III - pela publicação de decisão ou acórdão de Tribunal de Justiça
ou Tribunal Regional Federal que confirma sentença
condenatória ou que reforma sentença de improcedência;
(Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
IV - pela publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal
de Justiça que confirma acórdão condenatório ou que reforma
acórdão de improcedência; (Incluído pela Lei nº 14.230, de
2021)
V - pela publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal
Federal que confirma acórdão condenatório ou que reforma
acórdão de improcedência.
§ 5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia
da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste
artigo. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 6º A suspensão e a interrupção da prescrição produzem efeitos
relativamente a todos os que concorreram para a prática do ato
de improbidade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

41
§ 7º Nos atos de improbidade conexos que sejam objeto do
mesmo processo, a suspensão e a interrupção relativas a
qualquer deles estendem-se aos demais.

A meu ver, esse é o calcanhar de aquiles da Lei n.º 14.230/21. Isso porque, na
prática e na maioria dos casos, o prazo prescricional foi severamente reduzido.
Para perceber o que estamos falando basta observar a situação do prefeito narrada
acima, em que o prazo prescricional antes da alteração seria de 12 anos (7 anos, de
quando o agente político ainda estava no cargo, + 5 anos do prazo prescricional, o
qual apenas se inicia do término do vínculo); e quando analisamos as situações dos
agentes públicos com vínculo efetivo com a Administração Pública, a maioria dos
casos em que há efetivamente improbidade configura, de algum modo, crime, de
modo a ser necessário observar o prazo prescricional previsto no Código Penal,
cuja lapso temporal total pode chegar a 20 (vinte) anos.
Por fim, há ainda o grande prejuízo causado pela previsão dos prazos
interruptivos. Ao final de cada fase descrita no § 4º, o prazo volta a correr pela
metade. Assim, imagine a situação de um agente público condenado na primeira
instância e absolvido na segunda instância. Nesta situação, o STJ deverá julgar o
caso dentro do prazo de 4 (quatro) anos, contados da decisão da primeira instância,
sob pena de incidir a prescrição intercorrente. Isso porque, o inc. III do § 4º apenas
previu como momento interruptivo da prescrição a decisão ou acórdão do TJ ou
TRF que confirme sentença condenatória (e não absolvitória) ou que reforma
acórdão de improcedência.

42
Nesse ponto, precisamos observar que a Lei de Improbidade Administrativa
traz normas de natureza processual e material. Quanto às normas de natureza
processual, não há maiores dúvidas para a aplicabilidade imediata, por força do art.
14 do CPC: “A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos
processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas
consolidadas sob a vigência da norma revogada.” É possível aplicar ainda,
analogicamente, o art. 2º do Código de Processo Penal.63
Em relação às normas de natureza processual, parece não remanescer
maiores dúvidas quanto à aplicabilidade imediata, aos processos em curso, das
inovações normativas, em razão da inteligência do artigo 14 do CPC, e, por
analogia, do artigo 2º do CPP, que preveem a aplicação imediata de norma
processual aos processos em curso.
A discussão principal vai recair sobre as normas de natureza material. Uma
parte da doutrina,64 o qual me enquadro, vai defender a incidência dos princípios

63
“Art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei
anterior.”
64
BINENBOJM. Gustavo. O direito administrativo sancionador e o estatuto constitucional do poder punitivo estatal
possibilidades, limites e aspectos controvertidos da regulação do setor de revenda de combustíveis. In: Revista de Direito da
Procuradoria Geral. Rio de Janeiro. (EDIÇÃO ESPECIAL): Administração Pública, Risco e Segurança Jurídica, 2014, p. 468;
NOBRE JR., Edilson Pereira. Sanções Administrativas e Princípios do Direito Penal. Revista de Direito Administrativo. Ed.
219. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 145/147. FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo. São
Paulo: Malheiros. 1ª Ed. 3ª tiragem, p. 156; FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001 p.
138/139; ENTERRÍA, Eduardo García de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo. I. 2013, Thomson Reuters
(legal) Limited.

43
do Direito Penal ao Direito Administrativo Sancionador, em razão de ambos
consistirem no poder punitivo estatal.65 Assim, observar-se-ia as cláusulas do
devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIII, LIV e LV,
da CF)66, inserem-se os princípios da legalidade, sob o viés da tipicidade (artigo 5º,
II67 e XXXIX68), da culpabilidade e da pessoalidade da pena (artigo 5º, XLV)69, da
individualização da sanção (artigo 5º, XLVI)70, da razoabilidade e da
proporcionalidade (artigos 1º e 5º, LIV) e, no que interessa ao presente estudo, da
retroatividade da lei mais benéfica (artigo 5º, XL), qual seja, “a lei penal não
retroagirá, salvo para beneficiar o réu.”

65
Nesse sentido, o voto-vista do Min. Carlos Ayres Britto no RE 600.817, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, pleno, DJe 30/10/14;
bem como o STJ, 1ª T., RMS 37.031/SP, Rel. Min.ª Regina Helena Costa, j. em 08/02/2018. Em outra oportunidade, o STJ
afirmou: "A lógica é evidente: o ordenamento jurídico não pode deslegitimar conduta que é benéfica a bem jurídico a que ele
próprio confere valor diferenciado (para mais). A legitimidade da conduta, neste caso, deve ser compreendida de forma
abrangente, englobando tanto o aspecto penal, como os aspectos cível e administrativo" (REsp 1123876/DF, relator ministro
Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 5/4/2011, DJe 13/4/2011).De igual forma MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso de Direito Administrativo. 32ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2015, p. 871. Luciano Ferraza afirma ainda que “As
ações de improbidade administrativa não são ações civis por excelência. Tratá-las como tal é um equívoco. São ações de conteúdo
punitivo, participantes do microssistema do Direito Administrativo Sancionador. São ações 'penaliformes', subordinadas muito
mais de perto à 'principiologia' — repito: à 'principiologia' — típica do Direito Penal e do Processo Penal. Nesse sentido, o STJ
tem orientação firme de que 'o objeto próprio da ação de improbidade é a aplicação de penalidades ao infrator, penalidades essas
substancialmente semelhantes às das infrações penais. Ora, todos os sistemas punitivos estão sujeitos a princípios constitucionais
semelhantes, e isso tem reflexos diretos no regime processual. É evidente, assim — a exemplo do que ocorre, no plano material,
entre a Lei de Improbidade e o direito penal —, a atração, pela ação de improbidade, de princípios típicos do processo penal"
(REsp 885.836/MG (2006/0156018-0), relator ministro Teori Zavascki, 1ª T, DJ de 02/08/2007, p. 398). FERRAZ, Luciano.
Ausência de Duplo Grau de Jurisdição obrigatório nas ações de improbidade administrativa. Disponível em
https://www.conjur.com.br/2020-jan-30/interesse-publico-ausencia-duplo-grau-jurisdicao-obrigatorio-acoes-improbidade. Acesso
em 29 de outubro de 2021.
66
“Art. 5º (...)
(...)
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
(...)”
67
“II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”
68
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
69
“XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de
bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;”
70
“XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;”

44
Dessa forma, entendo que a norma material mais benéfica deve ser aplicada
aos casos pendentes e aos retroativos, até mesmo os transitados em julgado. Essa
realidade normativa mais benéfica deve ser considerada obrigatoriamente, sob
pena de violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade/razoabilidade. É
o caso, por exemplo, dos agentes condenados por improbidade por ato culposo
e/ou que sofreram a perda do cargo público por causa de ato de improbidade
administrativa tipificado no art. 11 da LIA.
Contudo, não posso deixar de observar que parte da doutrina71 é contrária
ao entendimento acima exarado. Para Rafael Munhoz de Mello,72 “não se pode
transportar para o direito administrativo sancionador a norma penal de
retroatividade da lei que extingue a infração ou torna mais amena a sanção
punitiva. No direito administrativo sancionador aplica-se ao infrator a lei vigente à
época da adoção do comportamento ilícito, ainda que mais grave que lei
posteriormente editada. Diversamente do que ocorre no direito penal, assim não
há no direito administrativo sancionador o princípio da retroatividade da lei mais
benéfica ao infrator.
Rafael Munhoz afirma que, a despeito da não retroatividade, nada impede
que o legislador disponha sobre a retroatividade da lei mais vantajosa. No caso da
LIA, observe que o art. 1º, § 4º, da LIA passou a prever que “aplicam-se ao sistema
da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito
administrativo sancionador.”73 E um desses princípios é a retroatividade da lei mais

71
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. P. 277/278; MELLO, Rafael Munhoz. Princípios Constitucionais de
Direito Administrativo Sancionador: as sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros,
2007, p. 154 e ss.
72
MELLO, Rafael Munhoz. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador: as sanções administrativas à luz da
Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 155.
73
O STJ já afirmou: “a retroação da lei mais benéfica é um princípio geral do Direito Sancionatório, e não apenas do Direito Penal.
Quando uma lei é alterada, significa que o Direito está aperfeiçoando-se, evoluindo, em busca de soluções mais próximas do
pensamento e anseios da sociedade. Desse modo, se a lei superveniente deixa de considerar como infração um fato anteriormente
assim considerado, ou minimiza uma sanção aplicada a uma conduta infracional já prevista, entendo que tal norma deva retroagir
para beneficiar o infrator. Constato, portanto, ser possível extrair do artigo 5º, XL, da Constituição da República princípio implícito
do Direito Sancionatório, qual seja: a lei mais benéfica retroage. Isso porque, se até no caso de sanção penal, que é a mais grave

45
benéfica! Inclusive, o Relator do Projeto negou a Emenda nº 40 proposta pelo Senador
Dário Berger, para vir no Projeto de Lei nº 2.505, de 2021 que as alterações dadas pela
presente proposição se aplicassem desde logo em benefício dos réus. A fundamentação do
Relator do projeto de lei foi: “rendendo homenagens ao Senador Dário Berger, deixou de
acolher a proposta, tendo em vista que já é consolidada a orientação de longa data do
Superior Tribunal de Justiça, na linha de que ´considerando os princípios do Direito
Sancionador, a novatio legis in mellius deve retroagir para favorecer o apenado" (REsp
nº 1.153.083/MT, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 19/11/2014). Ou seja, entendo
que, ao ter a previsão expressa de adoção dos princípios do Direito Administrativo
Sancionador, há, por conseguinte, a previsão de aplicação do princípio da
retroatividade da lei mais benéfica.

das punições, a Lei Maior determina a retroação da lei mais benéfica, com razão é cabível a retroatividade da lei no caso de
sanções menos graves, como a administrativa" (REsp 1153083/MT, relator ministro Sérgio Kukina, relatora p/acórdão ministra
Regina Helena Costa, 1ª Turma, julgado em 6/11/2014, DJe 19/11/2014), bem como “o princípio da retroatividade da lei penal
mais benéfica, insculpido no artigo 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo
sancionador" (RMS 37.031/SP, relatora ministra Regina Helena Costa, 1ª Turma, julgado em 8/2/2018, DJe 20/2/2018)

46
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