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Mareelod ‘ORGANIZADORES Digitalizado com CamScanner Digitalizado com CamScanner Capitulo 14 ersonagens Negros € livros didaticos: reflexes sobreaacao politica dos afrodescendentes eas representacoes da cultura brasileira Pe Hebe Mattos * Martha Abreu ** Carolina Vianna Dantas *** Renata Moraes **** Jiosso objetivo neste capitulo foi unir reflexdes ¢ histérias de pesquisa a partir de um eixo comum de indagacdo: como determinados sujeitos histéricos — escra- |t0s lbertos e afrodescendentes — foram representados em alguns livros diditi- |esstlecionados. Partimos do principio de que tal presenca se relaciona direta- mente com as mudangas da producao historiogréfica e, especialmente, com as | Mestdes politicas que envolveram, ao longo do tempo, a percepgéo da identida- |Genegra no pas. Fazer um histérico dessa presenga ¢ também historicizar o lugar "adsmo (e do antirracismo) no pensamento social brasileiro. ee concretizarmos nossa discussao, analisaremos, na primeira segio des- alho, uma produgdo didética mais antiga sobre os lideres negros Zumbi ¢ “s : ae ‘ue Dias, e também sobre a aboli¢do da escravidao. Na segunda sesio, temdtica, de Andrés 5 consi : “onsiderar duas colegdes didaticas atuais: Histéria i icada pela Editora Monte to, Roberto Catelli Junior e Conceicéo Cabrini, publi Re ee Plesor tit 5 "> ‘ilar de historia do Brasil da UFF. tap 8 associ, _ Tada do Departamento de Hist6ria da UFF. hha dares pst6ria pela UFF ‘© municipal de ensino do Rio de Janeiro ¢ doutors em DS &M histor, . da PUC-Rio- Storia pela UFF e doutoranda em hist6ria socal da cular _ill Digitalizado com CamScanner 2 | 300 | Ahistériana escola itbria ¢ vide integrads, de Nelson e Claudino Piteys, Public jone, ¢ Hist ae a ica. = e » der = Baers ae das duas colegdes atuais se deu em funcao de serem liv, ; Bes de historia » "de ieulaio e por expressarem diferentes concepeses de hissy: mea Je circu Pe ‘ ah livros didéticos. Complementarmente, a primeira colecia tyr, =a Jos livros rca ~ so ea segunda conta com a presenga de autores que jé estag aad j novos : livros didéticos hé mais tempo. Sobre heréis negros no passado ‘Mengocs positivas a personagens histéricos afrodescendentes J4 podem ser 2ades no primeiro livro didtico de histéria do Brasil, 0 Compéndio de do Brasil (1843), de José Inécio de Abreu ¢ Lima.! Nesse primeiro +, histéria pétria, dois personagens histéricos do século XVII — (mestre-de-campo do Regimento dos Negros, Crioulos e Mulatos na guerra oon. tra a presenga holandesa no litoral do Nordeste) e Zumbi (tltimo lide , Quilombo dos Palmares) —, explicitamente construidos como “heréis negror, ¢st4o surpreendentemente bem-representados. local. histérig nal de Henrique Diss Essa presenga descortina uma faceta antiescravista ¢ antirracista, mas nio icionista, do pensamento historiografico do Periodo, Significagéo especifica para as figuras de Henrique Dias ¢ Zumbi nesse primeio qmpéndio de histéria do Brasil. Com base nas novas idciae de matriz “liberal” oz “luminista” entdo em voga, a li tum “acidente”, como a “gléria” am. Segundo 0 Compéndio, aboli capaz de produzir um: is40 a ser ensinada era que a cor nao passaria ¢a “coragem” dos heréis citados bem compro : 0 ainda que tivessem ingressado como escrav0s fee’ colonial, havia um lugar para os descendentes de africanos na naglo® ee cpendas SuP Eada a condicdo de escravidao. Nas primeiras seas cendentes de aniens2” {Plena incorporaco como cdadios beaslcnos aude transatlantico de oe netOs livres — em ieerociagac a0 combate 10.07. 46 pensamento pains — COnstitula o hotizonte socielmente mals aie 8 continuidade °° PO. A Consituigag monéruca de 182816056" tomava legal eee em nome do direito de eee : wat Ao? MUIIOS dos ibersa: nB*S TestticGes civis a popula Hee Sentidos antirr, “ais exaltados do tempo, Abreu e Lima Perspectiva ‘acistas de, Lea Lima, ee ee Eee 4 Digitalizado com CamScanner cor”, Persona igens negros el ros didéticos | 301 | wva ao campo historiogréfico que Evaldo Cabra nambucano oitocentista,? ral de Fle se integra) ou de nativismo pen tocent tradigao que se fie cha- pt ttico liberal, com -_— antirracistas bem-definidas ¢ atuant no cam- deram a publicagao do livro. Tal tradigao rejeitava i nas déca- a a manutenga0 da escravidao, acatando apenas as Near em como qualquer restricao de direitos civis e politicos sans 7 , gue antece -jizadas PA juice, Bom raceriticas Inala eo oe rrativa de Abreu e Lima, © Quilombo dos Palmares destac-e po civilizagdo ¢ pelos milhares de habitantes que conseguiu ete a desta como her6i da luta dos pernambucanos contra 0 dom- ique mente com a nobreza da terra pernambucana e o chefe das » holandés, junta tropas indigenas, Felipe Camarao. Por sua coragem e pelas condecorages recebi- fe ia coroa portuguesa, Henrique Dias evidenciava que a cor era apenas um scidente”. Os retratos de Dias e Camarao ilustravam a primeira edi¢do do Com- dio, 00 lado de uma seleta galeria de herdis: 0s dois imperadores, José sficio, Pedro Alvares Cabral ¢ Crist6vao Colombo. Quando da edigao do Compéndio, seu autor manteve famosa polémica com hitoriador ¢ diplomata Francisco Adolfo Varnhagen, que 0 schist de pligio. Como o proprio Abreu e Lima reconhecia, cle valeu-se amplamente de trechos do ‘lino Histéria do Brasil, do inglés Robert Southey, na confecgao do manual.’ A onstrugio do compéndio trazia, porém, uma concep¢io pedagogica original, ‘buscava formar o estudante no sentimento patridtico, identificado a um povo be cendentes de indi- basleiro em formacao, que inclufa os cidadaos brasileiros des: |geas¢ africanos escravizados. -Talvez por isso tenha feito curta carr quico. O manual escrito por Joaquim de historia do Brasil (1865),* baseado na hi ga € reservou ira no ensino da histéria do periodo Manoel de Macedo, cujo titulo € stéria do Brasil escrita por um lugar bem menos da estavam 1d. O ma- ee Vamh; en, teve uma carreira bem mais lon} meminente para os dois personagens negros- Mas eles ain & Melo, 1986, "Olin 0d taps ¢ Southey foi publicado ne Inglaterra ems 18 Va Publicado no Brasil lie Mi fea no Brasil em 1862, aps # D8 6 to, 1865, i traduzido para © iprasil, Ae 10 ¢ 1822. $6 foi a0 da Historia 5 a Digitalizado com CamScanner 302 | Ahistérianaescola ual foi adotado no Colégio Pedro Tl, no qual Macedo lecionava — ¢ co reye adotado e atualizado até pelo menos 1916. Nele, a “Guerra Ho nas quais Henrique Dias foi rapidamente citado Mtinuoy landesa* ©™ apenas Ro quadro mereceu seis ligoes, “foi Sjuas, De forma ainda mais restrita, o heréi s6 apareceu uma vez sinéptico, com a seguinte definigao: “Henrique Dias, chefe dos negros”. 4 shop, dagem sobre Zumbi acentua ainda mais essa tendéncia. Na lig2o XV, A desir, Gio dos Palmares, as guerras civis dos mascates em Pernambuco ¢ dos emboabas tm Minas”, 0 Quilombo dos Palmares é citado uma tinica vez, como uma ameacs } ordem produzida pelos maleficios da escravidao. Numa perspectiva jg abolicionista, Zumbi é definido como um negro que preferiu a morte a escray- dao. Mas nao havia elogios a civilizagdo de Palmares. Para Macedo, o quilombo reunia escravos fugidos, bandidos ¢ desertores. Em suas licies de historia do Bra- sil, 0 her6i era Domingos Jorge Velho, bandeirante que destruiu o quilombo, Essa versio de Macedo dos dois herdis ainda é claramente pautada pelos parametros do liberalismo oitocentista, em versdo elitista ¢ racializada. A cor nao significava muita coisa em si mesma, mas a experiencia da escravidio sim. Macedo temia os escravizados ¢ seu potencial desagregador para a sociedade bra- sileira, do qual a cor era simbolo e estigma. Contudo, os novos ares trazidos pela abolicdo da escravidao (1888) ¢ pda proclamacdo da Republica (1889) modificaram o lugar conferido aos afrodes- cendentes na histéria nacional do momento. A propria forma de os intelectuais pensarem a formacao do Brasil agregou novas referéncias: 0 enfoque cultural e/ou racial passaria a predominar, em lugar dos termos sociais e politicos das aborda- gens anteriores. Era a construgo de uma raga brasileira, que incorporava negros ¢ indigenas sob a lideranga portuguesa que se afirmava como base das novas aborda- gens. Assim, junto a predominancia do mito das trés ragas, destacar-se-ia @ signifi- cativa presenca de Henrique Dias (um afrodescendente inserido ma sociedade col nial). Em alguns importantes livros didéticos (no sentido de que tiveram vérist edigbes), publicados entre o final do século XIX e inicio do XX, como A histor do Brasil ensineda pela bografa de seus herds (1890), de Silvio Romero’ ¢ ROH ¢0es brasleras:resumos historicos (1898), de Gonzaga Duque,’ ele ganbaria 4° que como heréi do que se selecionou como a “histéria patria”. RB * Romero, 1908. ‘ . Hardman ¢ Lins, 1998. Ver Mattos, 2007; e Dantas, 2007. L — Digitalizado com CamScanner Pers 8 Negros e livros | 3 Personagens negros e livros didatic, 0: 0s | 303 ambi como herdi negro, contudo, nao foi completa mente de Zi fig? * , primeira Republica. Atualmente, 7 é cor durant? @ de hist6ria, Zumbi mencionado of op ios Tava ou como wm herdi na luta pela liberdade no Brasil. Decert, oss gad se relaciona a0 fortalecimento, na década de 1970, do nee re " desde entdo, investiu na figura de Zumbi como fcone da deniincia = 10 9 oprio movimento ¢ da sua proposta de resistencia e libertagio?” na io anto, a presensa de Zumbi em manuais didéticos nao foi inaugura- Me 1970. Asdisputas em torno de personagens histricosafrodescendentes set no que em cada momento, se construiu como “a histria do Bras” a ‘ea 2 ‘dentificadas desde pelo menos o século XVII intensticando-se, po- ven, n0 6cul0 sgons moment ita: na chama' amacio da Republica, ¢ na era Vargas. No manual didatico Revolugées brasileiras: resumos hist6ricos (1898), conage Duque! atribuiu a Zumbi caracteristicas positivas — forte der, justo e canjoso —e Ihe conferiu status de her6i nacional por seu empenho na luta pela iberdade. Zumbi também estava presente no pantedo instituido por Mario Ikbring em 1906,9 na afamada revista Kosmos — periédico que tinka muitos professores entre seus colaboradores ¢ leitores. Behring ressaltou a coragem de Jambi e argumentou contra a premissa de que teria covardemente se suicidado, duendo que havia morrido lutando pela liberdade. Essa argumentacio, segundo autor, justificava que se tomasse Zumbi como um glorioso “herdi negro que ‘sisiu impivido a um exército de 7.000 soldados aguerridos”.!° Assim como | Sonziga Duque, Mario Behring mencionou a cor (negro) ¢ @ origem (africana) homens. Sabemos também que Zumbi ganhou pelo menos uma grande tela intor Antonio Parreiras a primei ~“Piineira década do século XX, feita pelo consagrado pil a gro didtico XIX, com o processo de independéncia, e aflorando novamente em ‘os cruciais em que a histéria do Brasil foi sistematicamente rees- da Primeira Reptblica, sob 0 impacto da abolicdo e da propria ee Negro Unificado De cord Otay, %2° com Sitvia Lara (1995:9), foi a partir da criacao do Moviment) 8 ao pia em ; Meio da ors due se instituiu o dia da morte de Zumbi — 20 4¢ novernbr ‘ nscitncia Negra. ty, * Lins, 1998, % 1906, _a Digitalizado com CamScanner 304 | Ahistéria na escola em 1903, retratando-o como uma figura altiva e valente. Curiosamente, gem é encontrada em muitos livros didaticos de histéria atuais, Como vimos, durante a Primeira Repiblica, Henrique Dias ¢ Zy ram personagens histéricos retomados de um passado ja distante (0 peri lonial) ¢, ainda assim, estiveram envolvidos em varias disputas sobre que papgi ocupariam na histria a ser ensinada. Sem diivida, a abolicao foi crucial parg i relomada, mas ela propria também teve que ser incorporada 3 historia do Bra Na Primeira Repiiblica, a abordagem da aboligo — processo entio recen, te — envolvia diretamente os afrodescendentes ¢ o estabelecimento de novas tela. gées entre “populuse plebe”.'! Ao acompanhar as interpretacées do 13 de Maio a partir de alguns dos manuais didéticos mais difundidos nas primeiras décadas do ssa ima. Imbi fo. iodo co. século XX, pode-se afirmar que seus autores pautaram suas anilises pela adesio a matriz politica monarquista ou republicana. Na obra Histéria do Brasil — curso superior, de Joao Ribeiro (1900), a acio da princesa Isabel e, principalmente, a contribuicdo das leis emancipadoras no fim da escraviddo ganharam destaque. Segundo 0 autor, a lei de 1871 (do Ventre Livre) representou por si s6 a aboli (0 definitiva do cativeiro ¢, por isso mesmo, nao seria necesséria qualquer outra lei, uma vez que a escravidio acaba- ria no prazo breve de duas geracdes. Contudo, 17 anos depois, a princesa Isabel, ao assinar a Lei Aurea, desferiu um grande golpe contra os fazendeiros que ainda tinham um grande mimero de escravos, desestruturando o trabalho ¢ trazendo grandes prejuizos aos agricultores. Ribeiro, assim, acabou privilegiando as leis emancipadoras, a atuacao da princesa no processo da aboligdo e “os efeitos nega tivos da Abolicao”, solidarizando-se — em pleno perfodo republicano — com 4 perspectiva senhorial do processo.!3 / Quase 20 anos depois, Osério Duque-Estrada, autor de Histéria do Brasil (1918), destacou em seu manual a participacao de outros agentes, minimizando @ agao do governo imperial — principalmente da princesa e de seus ministros—~ diante da pressio que os abolicionistas teriam feito nas discussbes em toro dss ee ™ Mattos, 1989, ” Ribeiro, 1955, ® Tbid., p. 408, ™ Duque-Bstrada, 1918, Digitalizado com CamScanner y Perse OMARENS Negros clivtos didn itlcns | 305 padoras anteriores a 1888. Ao tratar da lei do 13 de Maio, 1 ‘rmenciona o nome da princesa Isabel, pois para cle a Lei hi luque- E * qheciment© da vitéria da campanha abolicionista, que tera ido die bn ‘ lamento- ao aa campana abolicionista foi qualificada como a mais “bela egene- gyno uma. gonerosi jade vinda do trono ¢, sim, da luta dos abolicionistase oN gsociada as festas em prol da aboligao, Nessa abordagem ganharam nomes de alguns abolicionistas, como José do Patrocinio, Ruy Barbo- sla Ciro de Azevedo, Vicente de Souza, Ennes de Souza, entre catros. Note-Se, NO entanto, que nenhum desses abolicionistas foi identificado ou pandonado pelo autor como afrodescendente, nem mesmo quando fez refer¢n- cea luiz Gama e a sua atuagao na imprensa antes da campanha abolicionista yopriamente dita.!° Tanto a obra ja citada de Duque-Estrada quanto um outro manual impor- tate no periodo, escrito por Pedro do Coutto — Pontos de historia do Brasil (1920) 6 fazem parte das reflexdes que marcaram os trinta anos da aboligdo da satvidio.” J6 na introdusao do livro, Pedro do Coutto expés suas ideias 4 repéto da aboligdo. Segundo 0 autor, o papel conferido 4 princesa Isabel no fim descavidio seria exagerado, uma vez que a a¢do determinante teria sido desem- prlada pela “ardente e perigosa” campanha abolicionist, que ganhou “o apoio ‘oulio direto do proprio escravo”.!* Para ele, a princest nio pode conter 4 “Fesio do povo brasileiro, sendo secundéria sua agio referente 3 ii do 13 de Ree trono [...] apresentou-a como redentora de quem jf se havia sea intann Pér obstéculos ao complemento natural da aboligao da escravt | i da Repiblica”.!? conta, como ilu? np into, o autor nao sé valoriza a campanha abolicion” ae pel ns “day agente aivo na luta pela Tiberdade, ainda que BEKO PT no | iGonistas. Ao minimizar o papel da princes ven a ¢ do gov ee | Dy ue 4, Estrada, 1918:208, att, 1929, “Morae x0 aque os sn im Nabuco, >, 2007a e 2007b, Digitalizado com CamScanner 306 A histéria na escola » autor desvinculava a aboligo da monarg 70, ¢ [ia, ag 1 cativel olig — A aiinoeyy blberdade e ambas a replica Passo aye associa a aboligae Nessa perspectivay : ; vida em que privilegiaram a atuagio do moviment ah Pedro do Co Duque-Estrada ¢ Pedro do Coutto podem « H Poder ser ape, Olicio Maio foi interpretado como o reconheciments 1 da mados, na mes ro Tim seus livros, 013 de «i igtsabolicionisa ¢ da adesio de todas as classes da sociedade 3 caus, anos aps a aboligao, ainda disputavam a mentee daquele processe com cenhorial ¢ monarquista de Joao Ribeiro (de finais do século xy) Jiagao negativa das consequéncias da Lei Aurea. Divergéncias 4 Parte, itbrig Trinta 4 nar. rat a a nesses tr¢s livros um ponto em comu “pis-aboligdo", ou seja, a condigao social dos ex-escravos apés a liberta suas posteriores lutas politicas. A ora Vargas daria (em parte) esse salto. A partir de entéo o mito da Prine lemos nenhum dos autores Problematizoy ou oO '¢40 ow cesa Isabel como “a Redentora” se inscreveria com forca nos mantias diditicog em proceso que s6 seria de fato concluido pela “doagao”, por Vargas, da legisa- ao social, aproximada a uma segunda aboli¢do. Essa segunda abolicio afirmaria também a identidade mestic¢a do povo brasileiro. No novo contexto, Henrique Dias tornou-se, nos livros didaticos, o herdi afrodescendente por exceléncia. Do ponto de vista historiogréfico, a interpreta- sao de Capistrano de Abreu da guerra holandesa, transformada em “insurreicio pernambucana” e vista como espaco de congragamento das racas formadoras da nacionalidade brasileira, apresentada em seus Capitulos de histéria colonial, esti na matriz da perspectiva incorporada nos livros didaticos a partir de entio.” De fato, a interpretagao j4 estava presente na celebracdo de uma nova raga brasileira em formago no manual didético de Silvio Romero, citado anteriormente, A partir da era Vargas, porém, a identidade mestiga brasileira foi incluida oficialmente nos programas escolares, transformando-se em temitica obrigale- Tia nos livros didéticos. Nos manuais mais vendidos do periodo, o mito das tres Tasas estava sempre presente, ainda que em (pelo menos) trés diferentes verses. A primeira delas citava estatisticas ¢ premissas racistas, bastante comurs na primeira metade do século XX, afirmando ser o brasileiro um povo “de sangu? ® Gomes, | Abreu, 1954, Digitalizado com CamScanner Personagens negros elivtos didéticos | 307 o antemnente branco”, mas fruto da mistura de trés racas. Nas palavras de cca, professor do Colégio Andrews e autor dos manuais de hist6ria do js yendidos dos anos 1930 aos 50: ea «gator vantage, porém [da insureigdo pernambucana}, foi melhor aproximer, oe necesidades da campanha em que se irmanavam, as trés ragas que deviam & pnibuir para a formagso do povo brasileiro: os brancos rein6ise seus descendents, vrs Vieira ¢ Antonio Vidal; os indios como D. Ant6nio Camaro eos petos, como Hensique Dias. (1 gode-se dizer com seguranca que o negro nao africanizouo brasileiro. Deu-se 0 con- trério. portugues, tronco da raga, abrasileirouo africano que, dia a dia, foi abando- ando os costumes, envolvendo, melhorando, progredindo ‘Asestatisticas mostram que, pela situacao estaciondria da raga negra ¢ reducao do {ator indigena cresce cada vez mais, nos grupos mestigos, a porcentagem de sangue branco.” Uma segunda versio valorizava a alma mestiga, como no manual de Vicente ‘Tapaiés, no qual se pode ler, bem ao lado de ilustracdo com a figura de Henrique Dias, a seguinte definicao de povo brasileiro: “Um povo de cor branca, em plena Buiotia, mas povo que nao esquece os outros que também o constituiram... Flor | tmorosa de 3 ragas tristes”. Com inspiragéo em Gilberto Freyre (e palavras de Silvio Romero), algu- ™s vezes se dava énfase nao apenas a alma, mas também 4 predominancia do | Stgue mestico, como se pode acompanhar no trecho a seguir, extraido da Hist6- %8 d Brasil para o colegial (de acordo com os novos programas), de 1953, de ‘storia de Alfredo D’Escragnole Taunay: Todo brasileiro, mesmo alvo, de cabelos louros, raza alma, quando ndo na alma ¢ 20 corpo [.. a sombra ou, pelo menos, a pinta do negro (segue citagdo de aC Freyre) 24 Sta, 1950, Eo tenes Lu abs, 1956, Tamay, 1953, Digitalizado com CamScanner 308 Ahistéria na escola Apenas em 1959, desenvolve gio de esteredtipos racistas nos livros didéticos brasileiros 25 Escravidao, pluralidade cultural e cultura brasileira A historiografia, a partir dos anos 1960, comegou a colocar em relevo escravos ¢ a abandonar a antiga escrita da histéria assentada na figura Mas até recentemente, quase ndo problematizou o racismo como te, dagégica. 4 luta dos do herd, -Mitica pe- Com a publicagio dos PCNs, em 1996, esse quadro se alterou. Desde entéo, ocorreram importantes mudangas nos livros didéticos de histéria, com a incorporagio do conceito de pluralidade cultural a dentincia do racismo ne sociedade brasileira. As novas Diretrizes curriculares nacionais para a educs- gio das relagdes étnico-raciais e para o ensino de historia ¢ cultura afro-brasi. Jeira e africana, aprovadas em 2003 ¢ incorporadas rapidamente as reflexes dos cursos de formagdo de professores, indicam que os caminhos abertos pelos PCNs terdo vida longa. As conex6: entre esses dois textos-documentos — a pluralidade cultural dos PCNs ¢ as Diretrizes** — produzidos por governos de orientacio politica distinta, revelam muito nitidamente como esse tipo de intervengao pode ser visto como desdobramento de um movimento social evidente e mais amplo. Resultou Principalmente do crescimento da forga politica dos movimentos negros na socie- dade brasileira apés a redemocratizagio e da formagdo de um novo consenso no campo pedagégico em relagdo ao chamado “mito da democracia racial” no Bra- sil. A partir desses documentos, fica evidente que nao é mais possivel pensat 0 Brasil sem uma discussio sobre a questao racial. Essa mudanca talvez tenha sido © maior ganho das colesdes didéticas que se declaram seguidoras dos PCNS. Os livros didéticos que procuraram acompanhar a perspectiva de trabalho com pluralidade cultural e combate ao racismo sem diivida se esforgaram Patt cumprir os novos objetivos. Introduziram contetidos e atividades que estimulam convivencia entre tradigoes e préticas culturais diferenciadas, sejam elas cll pe ag) * CE. Hollanda, 1957, * Podemos acrescentar ai ‘uma relle- 4 entar ainda o decreto sob iménio inaterial (2004). Para Mo sobre a questdo, ver Abreu, 2007, Pamimnénio ima ¢ Digitalizado com CamScanner Persi ji onagens negroselveos diddticng tnico-raciais, regionais ou religiosas.” e articularam oe (0 sobre aS desigualdades raciais an Pafs. Entretanto, Nas obras consulta. ; ate igemos apresentaty ficam vistveis as dificuldades que encontrarom, jo come Hts, a0 desenivolverem a idea de pluralidade e diversidade cult ais de abrir mao de determinadas imagens historicamente Tecorrentes op oe tiga ou culturalmente integrado, sem conflitos, onde a unio ae wb foi uma importante marca identitéria, Em geral, os trabalhos acabam we gapor as duas perspectivas, privilegiando, em momentos diferentes ¢ até capitulos alternados, ora a ideia . uma cultura brasileira mestica homogé- a7 xia de uma cultura brasileira plural, na qual si valoriadas identi cis culturais diversas ¢ Ee vezes pease Essa estratégia de incorporar pais um contetido i tematica — e nao Proce ler a uma a mais profunda dpconteaido — é muito comum nas atualizag6es e novas edicdes dos livros didé- -_gufsticas s ine oo Fe somo vimos, o mito das tres ragas foi uma construcéo fortemente enraizada a producdo de material diddtico no Brasil e compée uma das Tepresentaces tis divulgadas da chamada identidade brasileira. Ou seja, a uma cultura brasi- mestiga costuma-se fazer corresponder uma identidade brasileira igualmen- ica, coesa e homogenea. Os textos dos PCNs e das Diretrizes, a0 defende- ideia de pluralidade cultural, entendida também como diversidade cultural, escravidao, muitas vezes naturalizando tal associacao. n no periodo colonial, e em geral na @ séri escrava e/ou as marcas de sua influéncia na identidade da miscigenacdo, racial ¢ cultural. A escravidao € seu Se passados que nao parecem querer passar. Como os exclusivamente associados ao trabalho escravo € iguic uma alguns momentos €ssas ambiguidades. Para ‘ver Mattos, 2003; e Gantijo, 2003. ms Digitalizado com CamScanner = 310 Ahistoria na escole rmagio da chamada cultura brasil ‘ira mestiga no periodo colonia, ; : a isados, o reconhecimento do Protagonig X50 gag 9 Politig Pols do periog, Parecem ahi é is. is. Por que estudar os afrodescendentes a for u inviabiliza, nos livros ans jet ciai é a contra seus s i desses sujeitos sociais para além da luta ra seus senhores, Dey vsfonial e da escravidio, 0s aftodescendentes praticamente desa oo do Brasil ensinada, de alguma forma confitmando a ideia de nacio sem problemas raci em mais escravos??? Me somos um, depois da abo. licdo, se ndo exist - Tais auséncias refletem em parte limitagdes da prépria historiograg, h ira. Bastante rica e complexa nas ultimas décadas no que se refere 4 ia bra. , 6 nos ultimos anos a historiografia comega a se ade histor ie social da escravit 0 — que se refere aos estudos sobre a histéria da Africa pré-colonial e 0 periodo a s bem como sobre a presenga politica dos afrodescendentes livres ng sod aboligao, edade colonial e oitocentista. Passaremos a exemplificar tais tendéncias ¢ limitacOes, analisando maig detidamente as duas colegGes escolhidas. A colegko Historia tematica, de Montellato, Cabrini e Catelli (Sto Paulo: Sciptone, 2002) Nessa colecdo, os afrodescendentes e a Africa aparecem fundamentalmente no volume da 6* série intitulado Diversidade cultural e conflitos. Mesmo num vo- lume em que o titulo faz referencia ao tema “diversidade cultural e contlitos’, os povos afticanos nao foram considerados a partir de suas culturas de origem ¢ de seus encontros ¢ desencontros com europeus e nativos americanos (temas desir volvidos nas unidades I e I para indios e portugueses), mas, sobretudo, a psttit de seu papel como forga de trabalho. Na unidade III (A construgio da sociedade colonial) logo na aberturs 3° capitulo 7, os autores deixam clara a intengio de defender a ideia de uma sociedi- de (e cultura) colonial e mestica em continuum até a “cultura brasileitt” dos nossos dias. O exemplo escolhido, logo de inicio, foi o “jeitinho brasileiro" #* desde 0 periodo colonial, marcaria a vida brasileira, através da malandrage™ Tesolugio de problemas do cotidiano e da existencia de muitos doutores 4° Be ee » Ver Lara, 1995, 2» Montellato, Cabrini e Catelli Jr, 2002a. Digitalizado com CamScanner Personage BENS NEBTOS elivros diy idéticos a1 mais cidadaos que ° “resto” da populagao. Outra i criadas 9 perfodo colonial, © que ainda eee wget snesiga, seria as festa (como loca de diminuigo cham ob gn sees do ca ia), cultura poplar, arte bar Ht dleciea egy raligistade colons pris mga po ae Jo PO esses exemplos precedem qualquer referéncia as ace Vale pe prsen afiean 8 sociedade colonial que pudese Hasina! euendiment©. 08 ehibridismos” e “mesticagens” culturais ape test. - Nom ‘os tem al tem destaque ede contatos € viol tado como 7,0 reforgo da ideia de uma cultura brasileira mest, zinda aparece através de um texto de Gilberto Frere : de leite, o preto velho que conta histérias e toda uma res eos moleques. Gilberto esmo capitulo pos coloniais, aama Iéncias entre os pequenos senho! ‘um autor que define a sociedade brasileira pela mistu- ras: africana, europeia ¢ indigena.” A referén- dadoras da nacionalidade brasileira tor- 6 apresen de valores entre hhamado mito diferentes cult fa a0 cl das trés ragas fun ‘pase explicita. sr tdiversidade cultural ¢ os conilitos” prom vndos em outra parte do livro, na unidade Vv ia —nos capitulos 9 e 10, respectivamente: 40 que é ser esc ine” e “As resistencias & escravidio”. Nesse ‘anidade, os afrodescendentes BF destaque eficam associados, nos textos ¢ nit Jmagens, aos escravos, emPOTE ‘hija nesse ponto uma compara¢ao proposta entre @ escraviddo moderna € ace widio na Grécia Antiga, jntentando tornar evidente ave ne 6 de negros foi fia a historia da escravidao. Contudo, os africans entram em cena a parti de a Contribuigéo para a “construsao da historia das Américas ¢ bras = tabalho, sua cultura ¢ suas lutas Por srperdade”. guns avesiensnet ‘dferentes aqueles da unidade ML peveteiam 2 aboraage oo ST nn ‘cssio do racismo e da problemética 4# pluralidade cultural: “O 4 Bein “tos? Moai sgi0.°8 ticanos? Mantiveram seus cost - etidos no titulo do livro da 6 — Trabalho e resis- avo ¢ 0 que € set ficaram SeUS umes, seus m ne 1 2 (0, Cabrini Cabrini e Catelli Jr., 2002a:137- Moy, Digitalizado com CamScanner 312 | Ahistéria na escola A perspectiva da resistencia dos afrodescendentes a escravidag ¢ de valorizagao dos conflitos — apresentada em vi ~e evoltas, sabotagens de ferramentas ¢ do préprio trab; enzo, 0 suicfdio, 0 aborto, o infanticidio, o assassinato de senhor quilombos.” Zumbi aparece, ent4o, como 0 lider da resisténcia a expedicao que destruiu 0 Quilombo de Palmares. Sua morte em combate, em 20 de eae 4 enseo a justificativa do Dia Nacional da Consciéncia Negra, Ha um destaqu, eapecial para as pritcas tligiosas, especialmente para a religiosidade afro-bras, leira — pensadas como importante arma de resistencia ao cativeiro, jé que cram 19s aos orixés, ¢ as crengas africanas permaneciam clandestinas3« consequentement mensoes: fugas, 1 rias di. alho, € © 05 proibidos os cult Entendemos que os contetdos dessa unidade IV sao cxtremamente rele- vantes para a compreensio da questdo racial no Brasil e no mundo contempora. neo, mas as linhas de conexdo hist6ricas tragadas entre a Africa, a escravidio ea questio racial contempordnea mostram-se bastante probleméticas, Numa pro- funda continuidade do passado no presente, os autores articulam a resistencia & escravidao & questdo racial no Brasil de hoje através da apresenta¢ao do hip-hop e das comunidades remanescentes de quilombos. £ importante perceber que no capitulo sobre a escravidao, onde se destaca uma quase naturalizagao da associa- cdo entre afticanos/negros ¢ escravidao,?> € que surgem as oportunidades para os autores discutirem 0 apartheid na Africa do Sul e 0 preconceito racial ea discri- minagao no Brasil, através de um documento do Movimento Negro Unificado, de 1978, e da Constituicao brasileira de 1988.3 Diferentemente da unidade III, a unidade IV destina menos espaco snes ciagdes culturais, hibridismos e mesticagens e destaca a ideia da pluralidade cul tural, a partir de evidéncias de uma cultura africana e negra no periodo colonial jo estd ausente 2 sa de ne ja cultura em conflito com uma outra, europeia e catélica. Entretanto, na forte imagem do Brasil mestigo, fruto da mesticagem cultural ¢ religio: gros e brancos, jé que é proposta aos alunos uma pesquisa sobre 0 que 4 pir teh tite their Aether bees ® Montelloto, Cabrini e Catelli Jr, 20022:171. * Ibid. p. 169. 3 A ing ‘i aot A insisténcia dos estudos historiogréficos em associar Africa, tréfico de eS°F2¥06 8 at dao gerou consequénci - Jaca030 ‘quéncias no ensino de histéri nda na cartou essa rela dos affodescendentes, Ver Flores, 2006. Teter 6 Montellato, Cabrini e Catelli Jr, 20024178, = | Digitalizado com CamScanner Personagensnegn ___ grado & cultura brasileira, como a ca Poeira, 0 «, 0 samba, on pra foi ine i palavras de origem afticana.”” 0 tratamento da ia cas do i cultura que prioriza a busca das ori gens, o inventéri 0 invention a ge ics e expresses culturais, em detrimento de como os gr: sprite) as diferentes préticas culturais, herdadas ¢ dome, sociais use dades ¢ lutas politicas. iveis, na constr jevsam) 38 a _ sues jdenti ge | 4s.0 volume da 6# série, os afrodescendentes s6 aparecem pontusl wualmente dos d jleiro: revoltas, terra dao” prasileiro’ tas, terra e escravidio” —, na abordagem das leis cao gradual da escraviddo no Brasil (1850, 1871, 1885) ¢ di , tomada como fruto de condigées bastante cage manos que sabiam ler, diferentemente dos demais ‘os revoltosos pretendiam abolir a escravidio, izacao da Bahia.” |, a Guerra do Paraguat r pension ¢ forma explicita apenas no volume da 7" série, no captule io = +0 império e varam 2 extin’ e dos Malés (1835) izagd0 de escravos mugul ros. De acordo COM O livro, oater brancos © mulatos e promover @ africani No volume da g2 série,” a Conjurac4o Baiana (1898), 64-1871) €0 fim da escravidao (note-se, ¢ndo aabolicio) aparticipagao de afrodescendentes nesses episédios. No capitulo 7 — “0 fim do inpério brasileiro: a Reptiblica dos coronéis, da ordem e do progresso” — Po én, a tnica mengao a essa participagao aparece em uum boxe no qual ha uma caicaura do lider abolicionista José do Patrocinio € 4 afirmagao de que ele “Fee 0 aléen cla imagem, * tama discursos inflamados na defesa do fim ita excravidao”.” Alésn caiman, ® 4 do Patrocinio pode set reconhecido com or Ou condigao." nao fazem referencia into qual, seguramente, Jos dente, nao hé referéncias (no corpo do texto) @ oe coc Dai em diante, nos capitulos que tratam da Revolt da . 7 ae ‘Ofim do Império brasileiro: 4 Republica dos coronéis, cae ae — ®’) eda formacao do operariado ¢ suas greves (capitulo 8: i ee ‘’sconquistas de direitos”), passando pelas duas guerras ae i guerras mundiais: nacionalismos © preconceit0s ), pele ; c a Montelato, Cabrini e Catelli Jr» 20028)77- 182 respective > oy lato, Cabrini ¢ Catelli Jr.» 20020217 © «Mato, Cabrini ¢ Cate Jr 20026. bP... Mig Digitalizado com CamScanner 4 Ahistéria na escola lo 10: °A Era Vargas: retratos de uma nova ordem”), pela ditadury mi litar @ abertura politica (capitulo 11: “Brasileiros, mostrem suascaras”), 4 On afradescendentey desaparccem das teméticas tratadas, Nem uma dinica palavra sobre racisn i 0, di reitos cvs e politicos aparece nesse volume, cujo tema é“0 mundo dos cidadarg apcsar de as rdagies entre questao racial ¢ dircitos terem sido cruciais durant, oe séculos XIX € XX no mundo atlintico, em meio dslutas pela lbertagio das nun e dos escravos. A organizagio das novas nagoes independentes das Américan 9. volvez, 20 longo do século XIX, uma série de lutas em torno dos direitos dog afrodescendentes, escravos ou libertos.? Os afrodescendentes, portanto, na colegio /istéria temdtica, como em vérias oxtras, foram incorporados i historia do Brasil majoritariamente no perio. do colonial, « partir do duro trabalho escravo, da resistencia a escravidao e de sua contribuiczo cultural para a sociedade brasileira. Nessa perspectiva, a agio poli tice destes stores hist6ricos nao teria ultrapassado os limites das lutas contra os senhores, no periodo colonial.” 4 colegio Histéria e vida integrada, de Nelson Piletti e Claudino Piletti (Sto Paulo: Atica, 2005) Dz mesma forma que na colecéo Historia temdtica, & no livro da 6" série que os Hrodescendentes parecer com maior destaque, uma vez, quc é nesse volume que o mundo colonial ¢ a escravidéo sao tratados, No texto introdutério do capitulo 16 ("A eseravidao”), 05 escravos séo destacados como os maiores responsiveis pela producao de riquezas no Brasil. Ressalta-se também que a historia da escra- vidéo no Brasil nao foi feita apenas de submissdo, mas de Lutas ¢ resistencia contra 2 opressio,* 4 ideia de pluralidade cultural est presente nesse capitulo, quando se desta cam as diferencas culturais marcantes, resultantes dos conilitos sociais da sociedade cscraviste. Mas 0 capitulo também apresenta uma viséo de Brasil culturalmente © A cue respeito Fla Chaves Pores observou. erarn urna especie os 0 Elio que 09 afrodescendentes sofreram um fe “scierde coltcral” e, pox isso, nics aparecem non conteddos ¢ nos curticulos dle histori Piincipaimente dorante 0 i da rmestignget™- er Bones, hse Periedo tepublicano, no qual predomina o ¢inone “ Plenie Pleat, 26605. Digitalizado com CamScanner Persona BES eros livros did, itis | U5, oo que diz respeito As vestimentas, 3 culingria d religi Be en eae arth ame a afro-brasileiras, pois se “os africanos ac i aot ande parte de seus costumes ea adotar os hibites . oe onseguiram manter muitas de suas tradicdes; dances oe G05 » AS linguas, as Fece ao lado de tam forcados 4 IMPostos pelo seu vagao etc Na tia dos autores 0s africanos Raila see ran as festas religiosas catélicas para “relembrar suas ae ota go da danca & da misica” e, assim, “conseguiam manter = a ae igo da dominacao senhorial teria gerado misturas que on ece- = equemarcam positivamente 0 Brasil até hoje: “Ao longo dos séculos, foi sobre ssamescla que se con: jase colegao também estd repleto de ambiguidades ao trabalhar com questées qdturais. Ou 08 africanos conseguiram manter suas tradigdes — parte de sua cultu- zou teriam aceitado as “misturas”, pela imposigao senhorial. Valoradas posit wamente, esas misturas teriam construido o Brasil de hoje e estariam presentes ebretudo na alimentacdo, na lingua, na arte ena réligido. Aquestéo do racismo na atualidade, com textos ¢ ali \naro aluno a pensar nas desigualdades sociais entre negro © brancos, & ap6s a apresentagao dos quilombos."* Apontados como 0 principal exemplo deressténcia dos africanos & escravidao, os quilombos feriam se tornado locais de rmgie e de preservagio de tradigées pelos africanos (0 Quilombo de Palmares e lanbisio tomados como exemplos de a resistencia ¢ luta pela liberda 8 . | Mui ePileti, 2005a:154. struiu grande parte dos valores de nossa sociedade”.” 0 texto ividades que visam destacada Me _ enffeito SOU i ag EAE que, na edigao de 2007, 0 debate m=, expt Batak | Seg des comunidades remanescentes d€ quilombos texto “COM Sgn o Captus exo Ofna sri 0 ae Sues S20 Nosso Mundo de Hoje, com 2 texto “A ingue™ : o “x40 Textos e Contextos, com 0 text0 ee 30, Digitalizado com CamScanner 318 4 Ahistéria na escola culturais —africanas, europeias ¢ indigenas — para ctiar novas form: como “negras” (ou “afto-brasileiras”).”? siden O mundo cultural é um territério de conflitos, hierarquias ¢ lece diferencas ¢ identidades. Por isso é dificil trabalhar, em ee Este, ensino, com a existéncia de uma cultura brasileira sem conflitos ou hu." Essa constatagao esté na base dos PCNs ¢ das Diretrizes, Para que se possa; da justaposigao de referencias historiogréficas, porém, a divesidade cag ir ale sileira ¢ a sua tao propalada pluriculturalidade precisam ser pensadas ain bre em consideragio os intercambios ¢ as trocas culturais (e ndo apenas ratzes — cias culturais), de forma a colocar em evidéncia a pluralidade cultural da ss experiéncia negra no pafs. bietarauiag Conclusao Da leitura das duas colegdes analisadas, as presengas ¢ auséncias verifiadss nos levam a confirmar que a escravidao — ou a reagao a ela, através, principalmente, dos quilombos e de Zumbi — continua sendo o “lugar” primordial dos afrodescendentes na histéria do Brasil. Embora suas contribuigdes em termos culturais e suas lutas pela liberdade ¢ pela manutengdo de suas tradigdes culturis tenham sido em grande parte positivamente destacadas e incorporadas, bem como a mistura original surgida desse proceso, fica claro que nos capitulos que tatam do periodo posterior a aboligio da escraviddo os afrodescendentes pratcamsit desaparecem da histéria do Brasil. Entre a aboligdo ¢ 0 racismo na atualidade os afrodescendentes nao sio mais destacados como portadores de algumt identide de especial ou como atores politicos. Até mesmo quando se trata de Zumbh {ticos mencionados, nio bi qua sadentes que propicow mo 0 Dia Nacional tinico grande her6i negro presente nos livros did quer explicagao sobre 0 movimento politico dos afrodesce na década de 1970, a consagracio do dia 20 de novembro cot Consciéncia Negra. a De fato, a ideia de préticas culturais misturadas ¢ partilhadas pot como marcas do Brasil de hoje, também tem hist6ria, Foi constulds por tuais desde o final do século XIX, em geral folcloristas, com objetive ae . 7 i yente PE rem, em termos politicos, uma nagdo integrada e identificada cultural | ee 52 Mattos e Abreu, 2006:49-59. Digitalizado com CamScanner Pe P SMONARENS NepTO§ eye Os did Osdiddticns — 4 419 jsica ¢ pelt festa, As presengas ¢ ausencias dos Ae Jam ¢ em outras ainda por serem investigudys da histéria ¢ do passado nacionais as ra spre # aa didéticos destac dos demonstram o q d stdo vinculadas ds questies ndentes nas velar muj- Hiddticos 3 Fesentacies de seu pri. 0h ee iranto; reforcam uma ee je gura do escravo, Quand reconhecem a any pthape Ce esta também ¢ restrita ao perfodo colonial ¢, Saves oi os tencia contra a escravidio. oe WAnto as rep © 0s dilemas em comum, como vimos al «si spose ca pe eee ar ee jill public agio das Diretrizes curr ulares nacionais Para a educagéo das es Cinico-FACHMS © para o ensino de hist6ria e cultura alto-brasileira ¢ aff ie zi - lemonstra exemplarmente a emergencia de uma outra luta politi ipo : anu i ¢ coloca em pauta, entre outras questies, a sala js da aboligao, que cole peu ulras questoes, a propria escrita iaéria dos afrodescendentes. © documento abre, oficialmente, caminho para outras memoérias e histérias sobre as lutas politicas dos afrodes- stimula que se busque a histéria dos sodescendentes no século XX, suas associagGes, trajetdrias, estrat¢gias politicas clutas culturais de combate ao racismo. Um caminho promissor, como nos sugere Stuart Hall, é dirigir “a nossa dungio criativa para a diversidade ¢ no para a homogeneidade da experiencia uga’, apesar da evidente distingdo de um conjunto de experiéncias negras histo- tamente datadas,>> como a didspora ¢ a escravidio. _ Hihi municdo historiogréfica para a tarefa. As relagdes entre priticas cul- Iie a ctiagdo de identidades politicas negras tém sido problematizadas em | gyro’ Steulos de pesquisa e precisam ser incorporadas ao ambiente do ensino i aaa aoe em conta as culturas como processo ¢ as ae oo | forma, a¢ ae foes culturais e politica, por isso hist6ricas e relacionals : " 8s identidades culturais passariam a emergit no texto didtico com imaaesorstuldas di istorico. Nao existem antes en dees TMM € disputadas no processo histérico. Nio ai consirugio de : andentes para além da escravidio. Bs uti, 1998- - Nesse sentido, ver, entre outros, Barth, 2000; ¢ Ceri Digitalizado com CamScanner 320 A histéria na escola Assim, ainda durante a escravidio, podem ser mais conhecia, el i 48 OUtras Iy. tas, como a dos escravos por direitos, ou dos libertos por represent . ‘ »

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