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QUESTAO AGRARIA NA AMERICA LATINA, Bernardo Mangano Fernandes LATINOAMERICANA - Enciclopedia Contemporanea de América Latina y el Caribe Questdo agriria é 0 conjunto dos problemas criados no desenvolvimento da agricultura ¢ da pecudiria na sociedade capitalista. Na América Latina os problemas referentes a questio agraria estdo relacionados intensa concentragao da estrutura fundiria; aos processos de expropriagao, desemprego exclusdo dos camponeses, camponeses indigenas e trabalhadores assalariados. Por causa desses processos, surgem diferentes formas de resisténcias, como por exemplo: a luta pela terra, pela reforma agraria por condigdes dignas de trabalho. Os confrontos entre processos expropriatérios e formas de resisténcia geram extrema violéncia contra os camponeses € assalariados, produzindo conflitualidades, que so divulgadas cotidianamente pelos meios de comunicagao. ‘A questo agriria é, portanto, propria do desenvolvimento do capitalismo. © conjunto de problemas é criado pelas desigualdades e contradigdes da sociedade capitalista. As desigualdades sdo geradas pelas diferentes rendas obtidas pelos produtores, quando comercializam suas colheitas. Alguns ganham mais do dobro dos investimentos, enquanto muitos ndo recebem nem mesmo os valores investidos. Essa diferenciagdo econémica é resultado, prineipalmente, de fatores politicos, por exemplo, controle de pregos, de mercados e de politicas agricolas. Os grupos politico - econdmicos que controlam essas politicas lucram muito mais e, portanto, investem pesado em infra- estrutura ¢ tecnologia, como mecanizagao, correo de solos, pesquisas ete. Evidente que também existem os fatores naturais: muita chuva ou pouca chuva nas regides produtoras etc., todavia estes tém sido secundarios na diferenciagdo. Assim sao produzidas as desigualdades pelo controle politico que diversos grupos econdmicos denominados “ruralistas” mantém e expropriam principalmente camponeses e desempregando os assalariados, ‘As desigualdades geram 0 aumento e concentragio da riqueza e da terra simultaneamente a intensificagaio da pobreza e da miséria, Alm de gerar desigualdades, 0 desenvolvimento do capitalismo produz também contradigdes. Ele recria 0 que ele mesmo destruiu. Da mesma forma que expropria o camponés, o capitalismo o recria por meio do arrendamento da terra. Toda vez que fazendeiros arrendam partes das propriedades para familias camponesas plantarem, possibilita a recriago do trabalho familiar, ou seja, do campesinato. O arrendamento é uma forma de exploragio por meio da cobranga de parte da renda gerada pelo trabalho familiar na produgao agropecuiria. O fazendeiro tem interesse em arrendar terras, tanto para explorar o trabalho e a terra, evitando que a terra fique ociosa e que possa ser ocupada por camponeses sem-terra. Esse conjunto de problemas que forma a questio agriria & constante e inerente a0 desenvolvimento desigual e contraditério do capitalismo. Os problemas podem ser amenizados, & possivel diminuir suas escalas e intensidades, mas € impossivel soluciond-los na sociedade capitalista, porque isso implica em acabar com a geragto da desigualdade, com a concentragdo da riqueza e a intensificagio da pobreza, que sio as contradigdes que alimentam o capitalismo. Politicas publicas sao medidas possiveis para amenizar a intensidade dos problemas. Essas medidas de controle politico podem diminuir a violéncia das desigualdades. Outras possibilidades sao as formas de lutas dos camponeses, por meio de agdes politicas: ocupagdes de terra, marchas, greves etc. Essas so agdes que modificam a conjuntura, mas nao impedem o processo de intensificagio das desigualdades, geradoras da miséria e da fome. A persisténcia e a inovagio dos problemas si proprias da ligica da questao agraria Em meados da década de 1990, os avangos das politicas neoliberais trouxeram inovagdes também na questio agriria latino-americana. Com a globalizago da economia, ampliou-se a hegemonia do modelo de desenvolvimento da agropecudria e seus padrdes tecnolégicos, denominado agronegécio. Com a minimizagdo do protagonismo do Estado, grupos econémicos ruralistas passaram a ditar € produzir politicas agricolas, aumentando ainda mais 0 controle dos mercados. Essa nova cara da agricultura capitalista também mudou a forma de controle exploragio da terra. Com a intensificagdo da mecanizagao, do uso de agrotdxicos ¢ da expansio da produgio de plantas transgénicas, aumentou a produtividade e a producio de algumas culturas, promovendo maior ocupagao das éreas agriculturdveis e também expandindo as fronteiras agricolas para as regides de florestas Essas mudangas expandiram a questo agréria para além do mundo rural. Os aumentos da produgio © dos controles politico ¢ territorial aconteceram simultaneamente a0 aumento da exclusdio, da pobreza e da miséria, Na segunda metade do século XX, ocorreu um intenso éxodo rural que provocou a diminuicao da populagao rural da América Latina de 43% em 1970 para 23% em 2005, de acordo com os dados do Centro Latino - Americano e Caribenho de Demografia. O éxodo contribuiu para o aumento da populago urbana que passou de 158 milhdes de pessoas, em 1970, para 420 milhdes em 2005. No campo, a populagdo manteve-se estavel. Em. 1970 eram 117 milhdes e em 2005 sdo 125 milhGes de pessoas. Todavia, ndo existe mais a tendéncia de intenso éxodo rural, de modo que 0 campo 0 desenvolvimento rural no podem mais ser pensados somente como espaco de producdo setorial: pecuaria, soja, milho, ete. Em uma perspectiva includente, 0 campo somente pode ser pensado a partir do desenvolvimento territorial, considerando 0 campo como espago de produgao, moradia, trabalho e lazer. Nas metropoles ¢ nas cidades latino-americanas aumentam os problemas resultantes do desemprego estrutural, com a exaustio ambiental, marginalizagio da populac3o urbana e aumento do trafico de drogas. Assim a questio agréria ¢ a questio urbana passaram a ser consideradas como questies territoriais, Nao é possivel pode tratar de uma sem tratar da outra. E preciso pensar 0 campo e a cidade como espacos de uma tinica luta pela conquista da dignidade humana. Por tudo isso, a questio agréria compreende as dimensdes econdmica, ambiental, social, cultural ¢ politica, portanto territorial, Para melhor compreender a questdo agréria é fundamental conhecer a formagdo do campesinato, Formagao e resisténcia do campesinato na América Latina e Caribe Nas duas tltimas décadas do século XX eclodiram diversas lutas de resisténcia dos movimentos camponeses ¢ indigenas da América Latina e Caribe. Essas lutas representam, a0 mesmo tempo, a perseveranga registrada ao longo cinco séculos de dominacdo ¢ subalternidade, bem como as perspectivas de futuro desses povos ¢ nagdes. Significa também a recusa permanente a0 modelo de desenvolvimento capitalista, que tem destruido constantemente os territérios e as culturas camponesas e indigenas. Nos projetos de desenvolvimento da agricultura capitalista nao existe espago politico para o desenvolvimento da agricultura camponesa, porque sto diferentes concepgdes de mundo. Para justificar os fracassos do modelo de desenvolvimento capitalista, difundiu-se um discurso que os camponeses © indigenas sio atrasados © no conseguem se incorporar as sociedades modemas, As resisténcias camponesas ¢ indigenas ao produtivismo Violento, que nio respeita os tempos ¢ os espagos da natureza ¢ das culturas dos poves tornaram-se uma das principais forgas que os diferenciam do modelo do agronegdcio. ‘A formagio do campesinato latino - americano remete as civilizagdes amerindias, bem antes das conquistas européias do continente americano. Todavia, vamos nos referir ao passado recente € Principalmente ao campesinato organizado em movimentos. A formagdo do campesinato seguiu diversos processos: em alguns sucederam a constituicao de diversos campesinatos indigenas com suas culturas e modos de organizagao do trabalho e da produc; noutro aconteceram eruzamentos entre povos indigenas, africanos, europeus e asidticos. Por causa desses processos, pode-se falar em diferentes tipos de campesinatos, principalmente em campesinato indigena e campesinato nao indigena, ou simplesmente campesinato. O campesinato latino-americano e caribenho se constituiu, portanto, no encontro entre povos de diversas partes do mundo, com sua diversidade e miscibilidade, formando novas culturas ¢ conflitualidades. Esses processos aconteceram na formacdo da América Latina, predominantemente, no desenvolvimento do capitalismo. A resisténcia e a persisténcia do campesinato ¢ indigenas em defesa de seus territérios e seus modos de vida estiveram vinculadas 4 integrago a0 modelo capitalista, Essa condigio significou inclusdo ¢ exclusio em diferentes intensidades. No final do século XX, essa condigdo — contradigiio aumentou a exelusio com a intensificagio da desterritorializagao do campesinato e dos povos indigenas pelo avango das politicas neoliberais. Os territérios camponeses € indigenas esto na mira das politicas neoliberais por causa dos seus recursos naturais. A exploragio insustentavel do agronegécio tem destruido florestas, assoreado os rios, diminuindo violentamente os recursos hidricos, criando problemas ambientais em escala mundial. Em diversos paises, os territorios indigenas © camponeses so 0s mais preservados disputados pela agricultura capitalista. Exemplos sto as Iutas na selva de Chiapas e na floresta amazénica ‘A organizagao dos territérios indigenas e camponeses compreende diferentes tipos de usos. Os iméveis sdo familiares © ou comunitirios, assim como a organizagao do trabalho, 0 que determina a produgdo em pequena escala. Iss0 nao significa pouco ou baixa produgdo. A produgdo camponesa esté voltada para sua propria reproducdo e aos mercados locais, regionais e nacionais. Por essa razo, a agricultura camponesa € responsdvel por grande parte alimentos consumidos em todos os paises da América Latina, A exploragao do trabalho e do territério alheio para concentragao de riqueza e de poder nao faz parte do modo de vida camponés, que defende a solidariedade e a socializacdo. Todavia, esti subordinada a agricultura capitalista e, em muitas regides do continente, so obrigados & “integrac3o” com as agroinddstrias capitalistas, participando parcialmente com a produgdo agroexportadora. ‘A organizagao politicas e as formas de luta e resisténcia dos movimentos camponeses © 0 para a recri marchas bloqueios de estradas so manifestagdes para chamar atengao da sociedade e pressionar 198 governos para negociagaio de politicas piblicas com o objetivo de amenizar a sittagao de pobreza © miséria que esto submetidos os camponeses ¢ indigenas, por causa dos modelos de desenvolvimento da agropecusria capitalista. Essas formas de luta também tém como objetivo mudar a conjuntura politico econdmica. A recusa dos governos em debater essas questdes € 0 aumento da violéncia contra os indigenas e camponeses tem levado a resisténcia armada, uma forma de luta extrema que representa o impasse entre os limites do capitalismo em resolver a questo agraria e a persisténcia camponesa em defesa de sua dignidade. Por causa dessa conjuntura os camponeses ¢ indigenas tém se organizado em diferentes movimentos e criado articulagdes em escalas nacionais, latino-americana e mundial. Sao exemplos, entre os diversos movimentos, a Coordinadora Nacional de Organizaciones Campesina — CNOC (Guatemala); 0 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (Brasil); Confederacién Sindical Uniea de Trabajadores Campesinos de Bolivia; Federacién Nacional de Organizaciones Campesino- Indigenas y Negras (Equador); Coordinadora Nacional de Mujeres Trabajadoras Rurales © Indigenas - CONAMURI (Paraguai). Em escala Latino — Americana, 0s movimentos camponeses formaram a Coordinadora Latinoamericana de Organizaciones del Campo - CLOC; essas organizagdes também participam da articulag3o mundial de movimentos camponeses: a Via Campesina, © avango das politicas neoliberais criow novos tipos de conflitos no desenvolvimento da questo agréria. A tervitorializagao do agronegécio tem intensificado desterritorializagao do campesinato e do latifiindio. Esses processos acontecem para atender a expansio da produgdo agroexportadora, visando os mercados da América Latina e, principalmente, do denominado primeiro mundo. A “modemizacao” da agropecuaria representada pelo agronegdcio tem aumentado simultaneamente a produtividade © 0 desemprego. Com a mecanizagao e a informatizacao da agropecuria, 0 agronegécio necessita mais de novos territérios e de menos pessoas para trabalhar. desemprego estrutural e a di 10 do éxodo rural intensificam os conflitos pela disputa desses territirios, fazendo da questao agréria cada vez mais uma uta territorial A garantia do territério camponés & condigdo essencial para seu futuro, Todavia, é uma barreira para a territorializaga0 do capitalismo, © que nao retira a possibilidade do capital monopolizar os territérios camponeses indigenas, gerando permanentes conflitualidades Brasil - Geografia das Ocupagées de Terra - 1988-2004 Familias em Ocupagées roww ow [Legenda ~ Nero de Famitas em Ocupacbes por Merorenao (Fites Fases econdmicas da agricultura e da pecuria na América Latina e Caribe Nos tltimos cingdenta anos 0 campo latino — americano soffeu profundas alteragdes, causadas pelo modelo desenvolvimento que gerou, a0 mesmo tempo, mudancas e permanéncias nas diferentes fases econdmicas. O tradicional sistema latifundista que determinou a estrutura fundidria por séculos passou por mudangas setoriais, técnicas © tecnologicas com a intensificagao da industrializagao da agricultura. A populago rural composta predominantemente por indigenas camponeses conheceu um dos maiores éxodos rurais da sua historia. A territorializagio das corporagdes norte - americanas ¢ européias ampliou seus dominios com a expansiio de seus sistemas de produgdo. Esse conjunto de mudangas intensificou as formas de exploragao do. modelo agroexportador e aumentou a expropriagdo dos camponeses e indigenas, gerando pobreza e miséria. Politicas de reforma agrdria foram implantadas sem conseguirem desconcentrar a estrutura fundiria, A “modemizagao” iniciada com a revolug@o verde aumentou a produgio © a produtividade, produziu problemas ambientais e sociais, conservando as formas de exploragaio. © sistema latifundista caracteriza-se pelo controle de grandes extensdes de terra, pela agropecuiria extensiva, pela monocultura e pela intensa exploragao de mao de obra. Esse sistema foi sendo gradualmente substituido, desde meados do século passado, com a implantagio de novas técnicas © tecnologias que aumentaram a produtividade pelo uso de insumos quimicos. O desenvolvimento de novas variedades de culturas facilitou a mecanizagao, dispensando, em grande parte, 0 trabalho manual. As familias de trabalhadores que viviam ¢ trabalhavam nas grandes fazendas foram expulsas ¢ passaram a viver nas periferias das cidades. Esse processo acentuou a urbanizagao, a proletarizagao do campesinato nas décadas de 1960 a 1980 e valorizou as terras, possibilitando a territorializagio dos iméveis capitalistas sobre os iméveis dos camponeses ¢ indigenas, que foram obrigados a vender suas terras ou foram sumariamente expropriados. Assim aconteceu, por exemplo, com o café no Brasil € na Colémbia e com a cana de agiicar nas regides Sudeste e Nordeste do Brasil. Na década de 1990, com 0 avango das politicas neoliberais, consolida-se 0 processo de territorializagao das empresas multinacionais americanas e curopéias, que expandiram seus dominios aumentando 0 controle sobre os principais produtos primérios: soja, café, leite, frutas, ete Nesta fase, 0 controle politico - territorial também foi ampliado. As corporagdes multinacionais iniciaram processos de compra ou de fusdo com empresas nacionais para controlar mercados, tecnologias, patentes, concentrando poder ¢ conhecimento, Entre as grandes corporagdes que se estabeleceram na América Latina, pode-se destacar a Nestlé (Suiga); Philip Morris, Cargil, Coca Cola, Del Monte ¢ United Fruit Company (EUA); Bunge (Holanda); Danone (Franca); Parmalat (italia), Essas corporagdes atuam em diversos setores da economia o que permite uma série de vantagens © estratégias para 0 controle politico dos processos produtivos, dos mercados © das politicas agrarias. Esses processos consolidaram 0 modelo de desenvolvimento da agricultura que ficou amplamente conhecido como agronegécio. Apresentando argumentos ¢ destacando as suas supostas qualidades, 0 agronegécio exerce um controle politico extraordinario sobre todo 0 proceso produtivo, subordinando todos os envolvidos. Nessa nova fase, os dominios territoriais ampliaram- se para o controle da agua, recurso fundamental para a agroindtistria de sucos de fruta, ¢ das sementes, com sta mercantilizagao, através da semente transgénica. Esse processo conta com as facilidades da liberalizagao do comércio mundial, desde a criagao do GATT (Acordo geral sobre tarifas e comércio), em 1947, com o objetivo de aumentar o fluxo comercial através da diminuigdo fandegérias. € dos conhecimentos, nao deixaram outra saida para os movimentos camponeses ¢ indigenas a nao ser o enfientamento direto contra o agronegécio. Esse fato gerou novas conflitualidades em toda América latina com manifestagdes e ocupagdes das fibricas das multinacionais, exigindo melhores pregos € protestando contra o controle geral do proceso produtivo. A privatizagao das sementes € consecutiva padronizacao diminuiram a diversidade das espécies. O controle das sementes € da pesquisa pelas corporagdes tornou extremamente vulnerdvel a seguranga alimentar e aniquilow a soberania alimentar. Em 2005, dez maiores empresas controlavam a maior parte dos tipos de de sementes do mundo. Sao elas: Monsanto, Dupont/Pioneer, Land 0" Lakes, Delta & Pine Land (EUA); Syngenta (Suiga); Groupe Limagrain (Franga); KWS AG, Bayer Crop Science (Alemanha); Sakata, Taikii (lapdo); DLF-Trifolium (Dinamarea), Desenvolvimento territorial rural e conflitividades, A conflitualidade encontra-se na esséneia da questio agriria, Compreender a conflitualidade estorva possiveis visdes linear-negativas na leitura do problema, Constantemente a midia global apresenta os conflitos como se originados pelos movimentos camponeses e indigenas. Todavia, eles sto partes de um processo de exelusio que provoca constantemente o conflito. Para compreender a conflitualidade ¢ fundamental considerar as contradigdes ¢ os paradoxos em que na solugao de conflitos emerge tanto 0 desenvolvimento quanto novos conflitos. A desigualdade gerada e gerida pelo capitalismo nao produz apenas riqueza, pobreza e miséria. Ela também desenvolve o conflito, porque as pessoas nao sio objetos que compdem unidades de produgdo. Sao sujeitos historicos que resistem a exploracdo ea expropriagdo, bem como querem compartir os resultados da produgao de seu trabalho. Portanto, o desenvolvimento politico econémico € igualmente o desenvolvimento de conflitos. © conflito & o estado de confronto entre forgas opostas, relagdes sociais distintas, em politicas adversas, que buscam por meio da negociaao, da manifestaao, da luta popular, do diilogo, a superagao, Um conflito por terra é um confronto entre classes sociais, entre modelos de desenvolvimento, por territérios. O conflito pode ser enfrentado a partir da conjugagao de forgas que disputam ideologias para convencerem ou derrotarem as forgas opostas. Um conflito pode ser smagado” ou pode ser resolvido, entretanto a conflitualidade ni. Nenhuma forga ou poder pode esmaga-la, chaciné-la, massacré-la. Ela permanece fixada na estrutura da sociedade, em diferentes espagos, aguardando 0 tempo de volta, das condigdes politicas de manifestagao dos direitos. Os acordos, pactos ¢ tréguas definidos em negociagdes podem resolver ou adiar conflitos, mas nao acabam com a conflitualidade, porque esta ¢ produzida e alimentada dia-a-dia pelo desenvolvimento desigual do capitalism. ‘A conflitualidade é uma propriedade dos conflitos em suas diversas formas: propriedade da terra, renda da terra, producdo capitalista e conseqllentemente 4 concentragao da estrutura fundidria que a expropriago dos camponeses ¢ indigenas por diversos meios e escalas e bases sociais, téenica econdmica ¢ politica. A resposta ¢ a luta pela terra, reforma agréria, resisténcia na terra ¢ a perspectiva de superagio da questdo agraria, Esses processos ndo se referem apenas a questio da terra, mas também as formas de organizagio do trabalho e da produgao, do abastecimento seguranga alimentar; aos modelos de desenvolvimento da agropecuatia e seus padrdes tecnolégicos, politicas agricolas, as formas de insergdo ao mercado ¢ aos tipos de mercado; & questo campo - cidade, & qualidade de vida e dignidade humana. Por tudo isso, a questo agriria compreende as dimens6es econémica, social, ambiental, cultural e politica. A questao agriria é antes de tudo uma questao territorial. ‘A conflitualidade esti natureza do territério. O territério & um espago politico por exceléncia, A criagio do territério esta associada as relagdes de poder, de dominio © controle politico, Os territérios nao sdo apenas espagos fisicos, sto também espacos sociais, espagos culturais, onde se manifesta as relagdes ¢ as idéias transformando em territério até mesmo as palavras. As idéias sio produtoras de territorios com suas diferentes e contraditorias interpretagdes das relacdes sociais. Os paradigmas que procuram afirmar ou negar a questio agraria sio territérios politicos. Por ser insuperavel, a questao agraria carrega em si as possibilidades da transgressaio e da insurgéncia, E pela mesma razdo, carrega as possibilidades de cooptagdo e conformismo. Essas propriedades da contradieao da questo agréria compéem a conflitualidade. Elas estdo presentes nas disputas paradigmaticas entre a Questio Agraria © © Capitalismo Agririo que determinam os projetos de desenvolvimento, A estrutura fundidria na América Latina e Caribe ‘A estrutura fundidria da América Latina e Caribe esta entre as mais concentradas do mundo, Essa realidade é resultado do controle territorial dos iméveis rurais pelos setores ruralistas © corporagdes multinacionais. De acordo com os dados disponiveis, os paises com maior estruturas fundidrias mais concentradas so: Barbados, Paraguai, Venezuela, Peru e Brasil, conforme quadro a seguir, indice de Gini de paises da América Latina Pai ‘Ano | indice Argentina 1988 83 Barbados 1989 94 Brazil 1996 85 ‘Colombia 2001 80 Honduras 1993 66 Nicaragua 2001 72 Panama 2001 52 Paragua 1991 93 Peru 1994 86 ‘Unuguay 2000 19 ‘Venezuela 1997 88 Fonte: www fao.orgiES ESS yearbookivol_1 Na segunda metade do século XX, alguns paises da América Latina ¢ Caribe realizaram politicas de reforma agriria, Foram os casos da Venezuela, Colémbia, Chile, Peru, Nicarigua, Brasil e Cuba. Na maior parte desses paises as politicas de reforma agréria nao foram suficientes para a desconcentragdo fundidria. Como salientamos na primeira parte deste ensaio, a reforma agriria sto politicas para minimizar a questio fundidria, todavia, o desenvolvimento do capitalismo gera intensas desigualdades que ocasionam a reconcentragio. Por essa razo, as lutas pela terra ¢ pela reforma agraria tornam-se hutas permanentes, Por essa razio, a questdo agraria esta presente no nosso cotidiano ha séculos. Pode-se até afirmar que & uma coisa do passado, mas é do presente © esti em todos os lugares, produzindo conflitualidades. ‘A conflitualidade & inerente & questio agriria. Ela acontece por causa da contradicdo eriada pela destrui¢ao, criago ¢ recriacdo simultineas do campesinato. A conflitualidade ¢ 0 desenvolvimento acontecem simulténeos € consequentemente, promovendo a transformagao de territirios, modificando paisagens, criando comunidades, empresas, municipios, mudando sistemas agririos ¢ bases técnicas, complementando mercados, refazendo costumes € culturas, reinventando modos de vida, reeditando permanentemente o mapa da geografia agriria. A agricultura camponesa estabelecida ou que se estabelece por meio de ocupagdes de terra ou resultantes de politicas de reforma agriria, promovem conflitos ¢ desenvolvimento. A agricultura capitalista, na nova denominagio de agronegécio, se territorializa, expropriando 0 campesinato, promovendo conflito € desenvolvimento. E importante destacar que esse processo € responsivel pelo crescimento da organizagao camponesa em diferentes escalas e de diversas formas na América Latina e Caribe. A territorializagio do agronegécio por produto primério: 0 caso da soja ‘A soja & um dos produtos primérios mais expressivos do agronegécio mundial. Na safra 2003/2004 foram produzidas 186 milhdes de toneladas. Ha projegdes que indicam a perspectiva do aumento para 300 milhdes de toneladas para 2020. Na América Latina, a Argentina, 0 Brasil, 0 Paraguai ea Bolivia sio os paises que possum mais perspectivas de expansao da soja. (Ver mapa), Os impactos socioterritoriais da soja tém causado a desterritorializagiio de camponeses e indigenas. agronegécio tem se mostrado extremamente agressivos, pelo uso intensivo de agrotéxicos para viabilizar a grande escala de producdo da monocultura. No Brasil, a agricultura camponesa, responsavel pela produgio de aproximadamente 30% da produgio de soja. A produgio é parcialmente mecanizada e a gerac3o de emprego é maior que as produgdes de larga escala. Em média, a agricultura camponesa produtora de soja gera trés postos de trabalho para cada 24 hectares, enquanto a agricultura capitalista gera um emprego para cada 200 hectares. Na figura a seguir apresentamos a territorializagdo da soja no Brasil na tltima década e inicio do século XXI. Observa-se que a dirego da soja & a Amazénia, como possivel espago de territorializagao nesta década. Brasil: Avango territorial da producdo de soja - 1990-2002 Legenda ‘jpom 1990 em | T0002 mmm ome \\\\ Produgto em 2002 (on) | Grande mportini veaizaoa Reval da prod Cemaa Na proxima figura pose-se observar que a Amazénia, 0 Cerrado © 0 Chaco sao os principais. espagos que esto sendo ocupados pela soja no Brasil, Paraguai, Argentina e Bolivia. Soy harvested area growth 1995 - 2003 HME > scom GB 1s0- 200% (EM 75. 150% i 0.75 GM

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