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Processo: 389/07.0BEBJA
Secção: CA
Data do Acordão: 02-07-2020
Relator: DORA LUCAS NETO
Descritores: REVOGAÇÃO;
ATO DE ABERTURA DO CONCURSO;
EXPETATIVAS JURIDICAMENTE TUTELADAS;
DIREITOS SUBJETIVOS;
LIMITES.
Sumário: i) É ponto assente que a prossecução do interesse público é o objetivo
constitucional da função administrativa, e constitui, por isso, o seu
momento teleológico, de tal forma que a vontade da administração deve
expressar o interesse público em cada caso concreto;
ii) Ao estabelecer a regra da irrevogabilidade – n.º 1, alínea b), do art. 140.º
CPA1991 -, dos atos constitutivos de direitos ou de interesses legalmente
protegidos, com fundamento em inconveniência para o interesse público -
salvas as exceções do n.° 2 -, o legislador já realizou a ponderação entre o
princípio da prossecução do interesse público e o princípio da proteção da
confiança;
iii) No caso em apreço, à data em que foi praticado o ato impugnado, que
revogou o ato de abertura do concurso, já tinham sido praticadas todas as
operações de seleção, classificação e graduação dos candidatos, na
sequência das quais o Recorrente adquiriu o direito de ser nomeado na vaga
posta a concurso.
Votação: UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do
Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório
Nas alegações de recurso que apresentou (fls. 297 e ss. do SITAF), culminou
com as seguintes conclusões:
«(…)
«(…)
A - A sentença recorrida deve ser mantida, na medida em que bem julgou a matéria
em discussão nos autos, fundamentando a decisão com respeito pelos princípios do
direito administrativo, apresentando uma ponderação justa e proporcionada do
interesse publico face ao interesse do particular.
B - A decisão não viola o art. 140°, n°1, alínea b) do CPA, na medida em que, como
bem nela se diz “o direito alegadamente preterido quanto ao candidato D... mais não
era do que um putativo direito pois no procedimento ainda não lhe havia sido
conferido o direito à nomeação, ao provimento no posto de trabalho colocado a
concurso. Ao invés, detinha uma expectativa quanto a tal nomeação somente
fundada na classificação obtida em momento prévio que conduziu a uma ordenação
em lista jamais homologada.”
G - Significa isto, inevitavelmente, que a administração não fica obrigada, ope legis
ou automaticamente a nomear um candidato, mesmo que aprovado, e na contra face
significa isto que o candidato não detém qualquer direito subjectivo a essa
nomeação.
L - Sendo que a não nomeação pelo não preenchimento da vaga, tivesse ela a forma
de revogação do concurso ou de anulação da vaga era a única decisão conforme ao
interesse público, sem que tal decisão violasse qualquer interesse relevante do
candidato detentor de uma relação laboral estável com o Estado, que ainda hoje
mantém.
iii) por violação do art. 140.°, n.° 1, alínea b), do CPA de 1991;
II. Fundamentação
II.1. De facto
*
A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e
que não foram objecto de qualquer forma de impugnação, assim como aqueles que
constam do citado Processo Disciplinar que se encontra apenso a este.».
II.2. De direito
iii) por violação do art. 140.°, n.° 1, alínea b), do CPA de 1991.
Vejamos.
À data dos factos, o bloco de legalidade que importa ter presente para a
decisão do recurso em apreço, resulta, muito sumariamente, da leitura
conjugada das seguintes disposições legais:
1- Decreto-Lei n.° 265/88, de 28.07., designadamente, o art. 5.°, sob a
epígrafe “Regime dos estágios”, ao dispor que:
«(…) 1 - O estágio para ingresso nas carreiras técnica superior e técnica obedece às
seguintes regras:
f) Os estagiários aprovados com classificação não inferior a Bom (14 valores) serão
providos a título definitivo, de acordo com o ordenamento referido no número
anterior, nos lugares vagos de técnico superior de 2.ª classe ou de técnico de 2.ª
classe;
g) A não admissão, quer dos estagiários não aprovados, quer dos aprovados que
excedam o número de vagas, implica o regresso ao lugar de origem ou a imediata
rescisão do contrato, sem direito a qualquer indemnização, consoante se trate de
indivíduos vinculados ou não à função pública.
3 - A avaliação e classificação final dos estagiários será feita nos termos a fixar no
aviso de abertura do concurso, devendo respeitar os seguintes princípios gerais:
2 - Assim como o Decreto-Lei n.º 427/89, de 07.12., cujo art. 4.°, sob a
epígrafe “Noção e efeitos”, inserido na secção II, “Nomeação”, regia nos
seguintes termos:
«(…)
5 - A documentação pode ser enviada, por correio registado, até ao último dia do
prazo, relevando neste caso a data do registo.»
E, bem assim, o art. 141.º do CPA1991, sob a epígrafe, Revogabilidade dos actos
inválidos, dispunha ainda o seguinte:
«(…) 1. Os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com
fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso
ou até à resposta da entidade recorrida.
Significa que “uma vez consolidada na ordem jurídica a lista de classificação final,
os candidatos classificados nos lugares que dão acesso às vagas postas a concurso
têm o direito de serem nomeados” (4).
2.2. Se com a aprovação o candidato passa a ter o direito de exigir a nomeação, tal
significa que a partir daí a Administração fica vinculada a estabelecer uma relação
de emprego público com o mesmo.
Resulta desta forma do exposto que, embora a nomeação seja o acto final
constitutivo através do qual, como melhor será analisado de seguida, se estabelece
a relação de emprego público e define a situação jurídica estatutária do trabalhador,
a verdade é que o direito a essa situação jurídica estatutária constitui-se
na sua esfera jurídica em momento anterior do procedimento, mais
propriamente com a aprovação.» (6)
Importa ter presente que um ato constitutivo de direitos será aquele que
investe alguém «(…) numa posição estatutária favorável» ou que «(…) remove
obstáculos à titularidade ou ao exercício de direitos dos administrados». Por seu
turno, o ato constitutivo de interesses legalmente protegidos corresponderá
àquele ato que investe o seu titular numa posição jurídica estável e consistente,
ou seja, que já se aproxima de um verdadeiro direito, por constituir uma posição de
vantagem concretamente subjetivada na esfera jurídica de alguém. (7)
III. Decisão
Lisboa, 02.07.2020.
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(1) Neste sentido, v. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E J.
PACHECO DE AMORIM in Código de Procedimento Administrativo – Comentário, 2.ª
Edição, Almedina, pgs. 677 ss.
(2) Publicado no BMJ, nº 362, pgs. 290 ss. Esta doutrina encontra-se reproduzida no Parecer nº
53/99, de 11 de novembro de 1999
(3) Cfr. Recurso nº 16819/16963, Apêndice ao Diário da República de 22 de dezembro de 1986,
pgs. 2025 ss. Ficou consignado neste acórdão que “a Administração está vinculada ao dever
de fazer a nomeação dentro do processo administrativo iniciado para o efeito desde que haja
candidatos em condições legais de serem nomeados”.
(4) Para os candidatos classificados nos lugares que dão acesso às vagas postas a concurso, a
decisão homologatória é constitutiva, pois eles passam a ter o direito a serem nomeados, cfr.
PAULO VEIGA E MOURA, Função Pública, 2ª ed., Coimbra, Editora, Coimbra, 2001, 1º
Volume, pgs. 185 ss. Também para SANDULLI, Manuale di Diritto Amministrativo, XV
Edizione, Jovene Editore, Nápoles, 1989, vol.1, pg. 293, quando haja vagas, a Administração
encontra-se vinculada à nomeação e aos candidatos assiste o direito subjetivo à nomeação.
(5) A mesma conclusão se retira do n.º 1 do artigo 41º do Decreto-Lei 204/98, de 11 de julho,
quando estabelece que “Os candidatos aprovados são nomeados segundo a ordenação das respectivas
listas de classificação final”, bem como do artigo 42º, ao explicitar em que condições os
candidatos são retirados da lista de classificação final, diz-se expressamente que se encontram
nessas condições aqueles que “recusem ser providos no lugar a que têm direito de acordo com a sua
ordenação” [cfr. alínea a)].
(6) v. igualmente o art. 5º do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de junho, diploma que estabelecia os
princípios gerais em matéria de emprego público.
(7) MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E J. PACHECO DE
AMORIM in, Código de Procedimento Administrativo – Comentário, 2ª edição, Almedina, 1997,
pgs. 678 e ss.
(8) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa
Anotada, Coimbra Editora, 3ª edição, pg. 946, em anotação ao artigo 266.º, n.º 1 e n.º 2 da CRP.
(9) António Lorena de Sèves, in Os concursos na função pública, Seminário permanente de
direito constitucional e administrativo / Associação Jurídica de Braga, Departamento
Autónomo de Direito da Universidade do Minho ; coord. António Cândido de Oliveira.-
Braga: Associação Jurídica Braga, 1999, pg. 63.