DIREITO PENAL
RESUMO DE PONTOS PARA A PROVA ORAL DA DPERS 2015
SUMÁRIO
6. ILICITUDE 37
17. LEI DE EXECUÇÃO PENAL – LEI Nº 7.210/84. - LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS
CRIMINAIS – LEIS Nº 9.099/95 E Nº 10.259/01. 158
19. SÚMULAS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES (STJ E STF) EM MATÉRIA CRIMINAL. LEI
QUE DEFINE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E DISPÕE SOBRE A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL –
LEI Nº 12.850/13. 182
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1.8. O que se entende por princípio da lesividade e quais são suas quatro principais funções?
O princípio da lesividade informa que somente podem ser criminalizadas as condutas que causem
efetiva lesão a direitos de outrem. Podem-se admitir quatro funções do princípio:
a) Proibir a incriminação de uma atitude interna. Assim, ideias e convicções, desejos e
aspirações não podem ser criminalizadas. Serve igualmente para delimitar a fase interna do
iter criminis, a cogitação, como antefato impunível.
b) Proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor. Essa
função se relaciona, por exemplo, com a vedação da punição da autolesão. Também serve
para excluir do âmbito da relevância penal os atos preparatórios, salvo quando houver
expressa previsão legal criminalizadora (exemplo do art. 288 do CP).
c) Proibir a incriminalização de simples estados ou condições existenciais. O direito penal deve
sempre incidir sobre fatos, e nunca sobre pessoas, fundado em um juízo de periculosidade.
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d) Proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico. Tal
função protege o direito à diferença, bem como a não incriminação de conteúdos que só
podem ser objeto de apreciação moral.
1.9. Qual o princípio que se relaciona com o juízo de desvalor da ação e desvalor do
resultado?
Segundo Bitencourt, o princípio da adequação social, que implica em uma seleção de
comportamentos a serem criminalizados, a partir de sua relevância social, tem o propósito de
corrigir os excessos da teoria da equivalência dos antecedentes, limitando sua eficácia. Assim, a
previsibilidade de produção do resultado fixo (desvalor da ação), bem como a plena realização
dessa conduta no próprio resultado, em análise com outros fatores (desvalor do resultado) são juízos
de valoração que decorrem do princípio da adequação social.
Cabe ressaltar a divergência doutrinária acerca da correta classificação da aplicação do princípio, se
resultaria em uma causa excludente da tipicidade, ou causa de justificação, prevalecendo,
atualmente, o entendimento de que, na verdade, se trata de princípio geral de interpretação, sendo
útil como primeiro filtro de restrição dos riscos juridicamente relevantes.
1.11. A prática da chamada “revista vexatória” resulta em uma indevida punição dos
familiares do preso, em violação a que princípio constitucional, além das considerações acerca
dos Direitos Humanos?
O fato de indevida punição dos familiares dos presos, que são obrigados a se submeter a revista
vexatória, viola, entre outros princípios constitucionais, o princípio da intranscendência ou
pessoalidade da pena, prevista no art. 05º, XLV, da Constituição da República.
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1.12. No que consiste o princípio da humanidade, qual sua previsão constitucional e sua
incidência?
O princípio da humanidade veda que a pena seja utilizado como uma forma de coerção puramente
negativa, pugnando por um sistema proporcional e racional das penas, sendo considerado o
réu/condenado como pessoa humana. Está previsto no art. 05º, incisos II (proibição de tortura e de
tratamento cruel ou degradante), XLVI (individualização como pena proporcional) e XLVII
(proibição de penas de morte, cruéis ou perpétuas). O princípio incide na cominação, aplicação e
execução da pena.
1.13. Quais são os quatro critérios utilizados pelo STF para verificar a presença do princípio
da insignificância?
O Supremo adota quatro vetores para aferição do princípio da insignificância:
a) mínima ofensividade da conduta do agente
b) nenhuma periculosidade social da ação
c) reduzidíssimo grau de reprobabilidade do comportamento
d) inexpressividade da lesão jurídica provocada
Paulo Queiróz, porém, faz críticas a estes requisitos, indicando que na verdade são critérios fluidos,
e que permitem alta carga de discricionariedade do intérprete. Cabe lembrar que, segundo Zaffaroni,
a análise da insignificância opera-se, para fins de afastamento da tipicidade material, a partir de uma
consideração global da ordem normativa.
1.17. Para Ferrajoli, qual a diferença entre mera legalidade e a legalidade estrita?
Enquanto a mera legalidade está relacionada ao princípio da legalidade enquanto condição para a
pena e o delito, a legalidade estrita relaciona todos os axiomas do garantismo penal. Assim, exige-se
não só o axioma nullun crimen, nulla poena sine lege, mas também a presença das demais
derivações do axioma (nullum crimen sine necessitate, sine injuria, etc.).
Quanto ao conteúdo:
Literal: É a interpretação nos exatos termos da lei.
Lógica: O intérprete busca na norma a racionalidade do dispositivo.
Teleológica: O intérprete visa a atingir a finalidade do dispositivo.
Quanto ao resultado:
Declarativa: busca-se declarar o alcance da lei. Ex: art. 141, III, CP.
Restritiva: a interpretação busca restringir o âmbito de incidência da norma.
Extensiva: a norma penal utiliza-se de palavra abrangente. Ex: art. 176 CP,
abrangendo bares, botecos etc. Para uma visão defensiva, a interpretação extensiva em sede de
Direito Penal viola o princípio da taxatividade, corolário do princípio da legalidade.
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OBS: Em que consiste a interpretação progressiva? É a interpretação que busca adequar a lei à
realidade atual, evitando-se, dessa maneira, constantes reformas legislativas. Ex: conceito de ato
obsceno.
Lex praevia (lei prévia): Para ser aplicada, a lei deve estar vigendo antes da prática do crime,
consoante determina o art. 1º CP e art. 5º, XXXIX, CF.
2.2. O que se entende por lei penal em branco? Qual a sua classificação?
Lei penal em branco é a espécie de lei penal cuja definição da conduta criminosa reclama
complementação, seja por outra lei, seja por ato da Administração Pública. Trata-se da lei
incriminadora cujo preceito primário ou secundário (ou até mesmo os dois) dependem de
complementação para que surtam efeitos. Apesar de parcela majoritária da doutrina entender que a
existência de lei penais em branco é constitucional, há crítica a esse posicionamento, entendendo
que tais leis violam os princípios da legalidade e da taxatividade.
A lei penal em branco classifica-se em:
Propriamente dita: são as leis cujo preceito primário do tipo (a definição legal do crime) depende
de complementação. Dividem-se em:
Homogêneas (em sentido amplo): o complemento deriva de lei, sendo que provém do
mesmo órgão da lei a ser complementada. Tais leis penais podem, ainda, ser homovitelinas, quando
as normas são do mesmo ramo do Direito (ex: arts. 312 e 327 CP), ou heterovitelinas, caso em que
as normas são de ramos diversos (ex: art. 237 CP e art. 1521 CC).
Heterogêneas (em sentido estrito): o complemento da norma não deriva de lei, emanando de
órgão distinto da norma a ser complementada. Ex: art. 33 da Lei de Drogas e Portaria 344/98
ANVISA.
Norma penal em branco invertida: são as normas em que o preceito primário do tipo é completo,
mas o preceito secundário (sanção penal) é incompleto, necessitando de complementação. Ex:
Crimes de Genocídio, previstos na Lei 2889/56.
Norma penal duplamente remetida (ou intensificada): tanto o preceito primário como o
secundário exigem complementação. Ex: uso de documento falso, art. 304 CP.
2.4. Defina quais são as principais teorias a respeito do tempo do crime e aponte qual foi a
teoria adotada pelo Código Penal:
Teoria da Atividade: segundo essa teoria, considera-se praticado o crime no momento da ação ou
omissão, ainda que seja outro o local da consumação.
Teoria do Resultado: considera-se praticado o crime no momento em que se produz seu resultado,
pouco importando o instante de sua ação ou omissão.
Teoria da Ubiquidade: considera-se praticado o delito tanto na ação/omissão como no resultado.
De acordo com o art. 4º, o Código Penal adotou, em relação ao tempo do crime, a teoria da
atividade. Sobre o assunto, cuidar o teor da Súmula 711 do STF: nos crimes continuados, pela teoria
da ficção jurídica, apesar de haver delitos autônomos, todos são considerados um só. Já nos crimes
permanentes, a consumação se protrai no tempo.
2.5. Quais são os institutos que regem o Direito Penal intertemporal e o conflito de leis penais
no tempo?
Em primeiro lugar, vale ressaltar que a norma penal aplicável ao fato é, regra geral, a vigente
quando de sua práticatempus regit actum. Promove-se, com isso, a reserva legal e a anterioridade
da lei penal, à luz dos ditames estabelecidos na Constituição Federal. Todavia, essa regra comporta
exceções, admitindo-se que normas penais regulem, total ou parcialmente, a mesma matéria, nos
casos de sucessão de leis. Nesses casos, fugindo-se da regra do tempus regit actum, leis penais
anteriores ou posteriores ao fato podem ser aplicadas, tal como determina o art. 2º, caput e
parágrafo único, do CP. Tem-se nesses casos a extra-atividade da lei penal, que se subdivide em
retroatividade e ultra-atividade.
Retroatividade: Conforme determina o art. 5º, XL, CF, a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu. Percebe-se, com isso, que a retroatividade da lei penal é a exceção, e a
irretroatividade é a regra. Dessa maneira, somente haverá retroatividade da lei penal nos casos de
abolitio criminis e novatio legis in mellius.
Qual a natureza jurídica da abolitio criminis? Consoante determina o art. 107, III, do
Código Penal, trata-se de causa extintiva da punibilidade. Entretanto, não se pode deixar de
considerar que, com a supressão do crime, a conduta que nele se adequou deixa de ser típica,
configurando, dessa maneira, uma causa de atipicidade.
OBS: Com a abolitio criminis, desaparecem os efeitos penais, principais ou secundários,
permanecendo, todavia, os efeitos civis.
OBSRetroatividade e lei penal em branco: revogado o complemento que completava a norma
penal, a norma retroage para alcançar os fatos anteriores já julgados? O tema não é pacífico. Se o
complemento era permanente, produzido em situações de normalidade, sua revogação produz
abolitio criminis em relação aos fatos já julgados. Ex: retirada de determinada substância
entorpecente da Portaria 344/98 da ANVISA.
Por outro lado, se o complemento não tinha caráter de permanência, sendo temporário e produzido
em situações de anormalidade, sua revogação não acarreta abolitio criminis. Ex: crime de omissão
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de notificação de doença, cuja comunicação aos órgãos competentes somente se fez necessária em
virtude de propagação temporária da doença.
Competência para aplicar a lei penal posterior benéfica: estando o processo em primeira instância, a
competência é do próprio juiz perante o qual corre o processo; encontrando-se em grau de recurso
ou quando se tratar de ação penal originária dos Tribunais, a competência é do Tribunal; transitada
em julgado a sentença, a competência é da VEC, conforme art. 66, I, LEP e Súmula 611 STF.
Ultra-atividade: a lei penal aplicável ao fato é a vigente quando de sua prática. Com isso, em
havendo posterior alteração legislativa que, de qualquer modo, agrave a situação do agente, a lei
que regulava a matéria quando da prática da conduta continuará a ser aplicada, mesmo depois de
revogada, ou seja, possuirá ultra-atividade. Isso ocorre nas situações de novatio legis incriminadora
e novatio legis in pejus.
2.8. Qual a teoria adotada pelo Código Penal em sede de Lei Penal no Espaço?
De acordo com o art. 6º, o Código Penal adotou a teoria da ubiquidade, considerando-se praticado o
crime tanto no local onde ocorreu a ação/omissão como no local onde se produziu ou deveria
produzir-se o resultado.
Para memorização: LUTALugar=Ubiquidade; Tempo=Atividade.
OBS: Cada uma dessas teorias (atividade, resultado e ubiquidade) foi adotada uma vez pelo CP e
pelo CPP: Atividade para a lei penal no tempo; Ubiquidade para a lei penal no espaço; Resultado
para a competência criminal (art. 70 CPP).
2.9. Defina quais os princípios aplicáveis em sede de Lei Penal no Espaço, identificando sua
respectiva previsão no Código Penal.
A regra geral no que toca à lei penal no espaço deriva do princípio da territorialidade, previsto no
art. 5º CP, segundo o qual a lei penal aplica-se ao crime cometido em território nacional. Considera-
se, também, território nacional, por extensão, as embarcações ou aeronaves públicas, onde quer que
se encontrem, e as privadas, desde que se achem em alto-mar ou no espaço aéreo. Entretanto, essa
regra não é absoluta (territorialidade temperada/mitigada), comportando exceções que decorrem do
princípio da extraterritorialidade:
Princípio da personalidade/nacionalidade: autoriza a aplicação da lei brasileira aos crimes
praticados no estrangeiro por autor brasileiro ou contra vítima brasileira. Tem previsão no art. 7º, II,
“b”, e §3º, do CP.
Princípio do domicílio: o autor deve ser julgado pela lei do país em que for domiciliado.
Encontra-se previsto no art. 7º, I, “d”, CP.
Princípio da defesa/real/da proteção: aplica-se a lei brasileira aos crimes cometidos contra
bens jurídicos pertencentes ao Brasil. Previsão legal: art. 7º, I, “a”, “b” e “c”, CP.
Princípio da justiça universal/cosmopolita: são os crimes que interessam a toda a
humanidade. Está elencado no art. 7º, II, “a”, CP.
Princípio da representação/pavilhão/bandeira: aplica-se a lei penal brasileira aos crimes
cometidos em embarcações e aeronaves privadas, quando em território estrangeiro e lá não sejam
julgados. Previsão no art. 7º, II, “c”, CP.
Cabe referir que a extraterritorialidade pode ser incondicionada (art. 7º, §1º), condicionada (§2º) ou
hipercondicionada (§3º). Ademais, suas hipóteses não se restringem ao Código Penal, havendo
previsão de extraterritorialidade no art. 2º da Lei de Tortura (9455/97).
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OBS: Pode um crime de ação penal pública incondicionada (ex: homicídio qualificado) ser
processado e julgado através de ação penal pública condicionada? O caso é excepcional, mas sim.
Basta que um estrangeiro cometa o crime contra brasileiro no exterior, pois, para ser aplicada a lei
brasileira, será necessária a requisição do Ministro da Justiça, conforme preceitua o art. 7º, §3º, CP.
OBS: Interessante crítica pode ser feita em relação ao art. 7º, §1º, CP: ao permitir a punição do
agente, segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro, o dispositivo
afronta diretamente o princípio do ne bis in idem. Como é sabido, esse princípio implica duas
vedações: proibição de cumprir pena duas vezes pelo mesmo fato e proibição de ser processado
duas vezes pelo mesmo fato. Portanto, ainda que se cogite de eventual absolvição no estrangeiro, o
que permitiria seu processamento e eventual condenação segundo a lei penal brasileira, não se pode
negar que tal conduta viola a segunda vedação ínsita ao ne bis in idem. Em se tratando de
condenação (e até mesmo cumprimento de pena) no exterior, a violação é ainda mais latente.
OBS: A extraterritorialidade não se aplica às contravenções penais, conforme art. 2º DL 3688/41.
2.14. Qual a natureza jurídica da imunidade material dos parlamentares, prevista no art. 53,
caput, CF?
O tema não é pacífico no âmbito doutrinário, havendo posições nos mais variados sentidos, tais
como causa de isenção de pena, causa de irresponsabilidade, causa de incapacidade penal por razões
políticas.
No entanto, prevalece que se trata de causa de atipicidade. É a posição do STF.
OBS: Tanto a imunidade material como a formal são extensíveis aos Deputados Federais,
Senadores e Deputados Estaduais, como prescreve o art. 27, §1º, CF. Para os Vereadores, contudo,
a regra é diversa: não possuem imunidade material. Ademais, a imunidade formal restringe-se à
circunscrição do Município, consoante art. 29, VIII, CF. Em qualquer dos casos, a conduta deve
guardar relação com o mandato exercido.
Já a lei penal excepcional possui vigência enquanto presente certa situação de anormalidade, cujo
termo final não é expressamente previsto. Terá vigência durante o período em que se verificar a
situação que a justifique.
3.2. O Código Penal de 1940 adota uma teoria bipartida ou tripartida de crime?
Em sua redação original, o Código Penal de 1940 acolhia a teoria tripartida, relacionada à teoria
clássica da conduta. Mas com a edição da Lei 7.209/84, que alterou a parte geral do Código Penal,
ficou a impressão de que foi adotada uma teoria bipartida, ligada obrigatoriamente à teoria finalista
da conduta.
Dentre os motivos para tal entendimento está que o Título II do CP trata ‘Do crime’ e logo em
seguida o Título III trata ‘Da imputabilidade penal’, como se o crime existisse independente da
culpabilidade. Além disso, ao tratar das causas de exclusão da ilicitude, se dispõe que “não há
crime...”, enquanto ao tratar das causas de exclusão da culpabilidade está disposto que “está isento
de pena...”.
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3.4. Conceitue a conduta de acordo com a teoria finalista, apontando em seguida hipóteses de
exclusão da conduta.
Para os que adotam uma teoria finalista de crime, a conduta pode ser conceituada como a ação ou
omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a um fim, consistente em produzir um resultado
tipificado em lei como crime ou contravenção penal.
A doutrina costuma apontar algumas hipóteses em que se considera que não houve conduta por
parte do agente. As hipóteses são: caso fortuito e força maior – são acontecimentos imprevisíveis e
inevitáveis, que escapam do controle da vontade; movimentos reflexos – são reações fisiológicas
decorrentes da provocação dos sentidos, nos quais considera-se que não existe conduta, pois falta
vontade; coação física irresistível – exclui a conduta, logo, o fato é atípico (não confundir com
coação moral irresistível, que é uma situação de inexigibilidade de conduta diversa; logo, exclui a
culpabilidade); sonambulismo e hipnose – os atos são praticados em estado de inconsciência, não há
vontade.
3.7. Quais teorias podem ser utilizadas para explicar a relação de causalidade?
Três teorias principais surgiram para explicar a relação de causalidade:
a) Teoria da equivalência dos antecedentes (ou teoria da conditio sine qua non) – para essa teoria,
causa é todo e qualquer acontecimento provocado pelo agente sem o qual o resultado não teria
ocorrido como ocorreu e quando ocorreu. É a regra geral do Código Penal. A crítica que se faz é
que essa teoria permite o ‘regressus ad infinitum’, ou seja, o regresso ao infinito. Rebatendo a
crítica, entende-se que a relação de causalidade não esgota na mera causalidade física, exigindo-se
também a causalidade psíquica (dolo ou, pelo menos, culpa em relação àquele acontecimento). De
fato, a falta do dolo ou da culpa afasta a conduta, a qual, por seu turno, obsta a configuração do
nexo causal.
b) Teoria da causalidade adequada – foi criada pelo alemão Von Kries. Por ela, causa é todo e
qualquer comportamento humano eficaz para produzir o resultado. É mais restrita do que a primeira
teoria, pois para que um acontecimento seja causa ele não deve mais concorrer de qualquer modo
para o resultado, mas concorrer de forma eficaz. Essa eficácia é obtida de acordo com um juízo
estatístico (it quod plerumque accidit – aquilo que normalmente acontece) – ou seja, ela é
identificada pelas máximas da experiência.
c) Teoria da Imputação Objetiva – quem trouxe essa teoria para o direito penal foi Claus Roxin, na
década de 1970. De acordo com esta teoria, para que exista a relação de causalidade é preciso que o
agente tenha criado um risco proibido ou aumentado o risco já existente ao bem jurídico.
Quanto ao sujeito ativo, os crimes omissivos próprios são comuns ou gerais, pois podem ser
praticados por qualquer pessoa. Já os crimes omissivos impróprios são próprios ou especiais, pois
só podem ser praticados por quem tem o dever de agir para evitar o resultado – exemplo: mãe,
funcionário público.
Os crimes omissivos próprios não admitem tentativa, pois são unissubsistentes (são aqueles em que
a conduta é composta de um único ato, suficiente para a consumação, logo, não há como fracionar a
execução). Os omissivos impróprios, em outra via, admitem a tentativa, pois são plurissubsistentes
(aquele em que a conduta é composta de dois ou mais atos, que se somam para a produção do
resultado), sendo possível fracionar a execução.
Por fim, os crimes omissivos próprios não reclamam resultado naturalístico, já que, em regra, são
crimes de mera conduta, pois se esgotam na prática da conduta. Os omissivos impróprios, ao
contrario, são crimes materiais, pois dependem da produção do resultado naturalístico.
3.9. Qual a diferença entre resultado jurídico e material? Existe crime sem resultado?
Resultado jurídico ou normativo é a mera violação da norma penal, com ofensa ao bem jurídico
protegido. Já o resultado material ou naturalístico é a modificação do mundo exterior, provocada
pela conduta do agente. É algo que pode ser sentido, constatado no mundo real.
A possibilidade de existência de crime sem resultado dependerá da espécie de resultado analisada.
Todo e qualquer crime tem resultado jurídico ou normativo. Não existe crime sem resultado
jurídico, em respeito ao princípio da reserva legal e da ofensividade, pois não há crime quando a
ação ou omissão humana não lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados.
Mas nem todos os crimes tem resultado material ou naturalístico. Somente os crimes materiais
consumados tem resultado naturalístico; se tentado o crime, ainda que material, não haverá
resultado naturalístico. Nos crimes formais, ainda que seja possível resultado naturalístico, este é
dispensável. E nos crimes de mera conduta jamais se produzirá este resultado.
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4.5. Como distinguir atos preparatórios (em regra, impuníveis) de atos de execução?
Trata-se de tema dos mais tormentosos do Direito Penal. Dentre as várias teorias que surgiram com
o objetivo de definir a tentativa, as principais são:
a) teoria subjetiva: haveria tentativa quando o agente, de modo inequívoco, exteriorizasse sua
conduta no sentido de praticar a infração penal. A simples revelação da intenção criminosa
pelo agente já seria suficiente para que ele respondesse pela tentativa;
b) teoria objetivo-formal: somente se pode falar em tentativa se o agente já tiver praticado a
conduta descrita no núcleo do tipo penal. Tudo o que antecede a esse momento é considerado
ato preparatório;
c) teoria objetivo-material: essa teoria busca ser um complemento da de natureza formal. Por
intermédio dele, incluem-se ações que por sua necessária vinculação com a ação típica,
aparecem como parte integrante dela. Seria o exemplo do fato de apontar a arma para a vítima
no crime de homicídio.
d) Teoria da hostilidade ao bem jurídico: para se concluir pela tentativa, teria de se indagar se
houve ou não uma agressão direta ao bem jurídico.
No caso de irredutível dúvida sobre se o ato constitui um ataque ao bem jurídico ou apenas uma
predisposição para esse ataque, a dúvida deverá ser resolvida em favor do agente, negando o juiz a
existência da tentativa.
Entende-se, portanto, que nos casos de tentativa, haverá uma adequação típica de subordinação
mediata ou indireta, pois para que possa existir essa adequação, será necessário socorrer-se de uma
norma de extensão.
Já para a teoria objetiva, ADOTADA PELO NOSSO CÓDIGO PENAL COMO REGRA, deve
existir uma redução de pena quando o agente não consiga, efetivamente, consumar a infração. Diz-
se como regra, porque há casos em que a tentativa é punida com a mesma pena do crime
consumado. Essa redução de pena deverá ser de um a dois terços, de modo que o percentual deverá
variar de acordo com a proximidade da consumação. Quanto mais próximo da consumação o agente
chegar, menor deverá ser a diminuição, quanto mais distante da consumação, maior deverá ser o
percentual de redução da pena.
4.13. O que se entende por desistência voluntária e arrependimento eficaz e como podemos
distingui-los?
Na desistência voluntária, o agente, já tendo ingressado nos atos de execução, mas sem esgotar
todos os meios que tinha à sua disposição para chegar à consumação do crime, DESISTE
VOLUNTARIAMENTE, de nela prosseguir.
Já no arrependimento eficaz, o agente esgota todos os meios de execução à sua disposição, mas
arrepende-se e impede a produção do resultado.
A diferença entre ambos, portanto, encontra-se no processo de execução. Na desistência voluntária,
o processo de execução ainda está em curso e o agente desiste voluntariamente, no arrependimento
eficaz, o processo de execução já se encerrou, mas o agente impede a consumação do resultado.
4.16. Como deve ser responsabilizado o agente nos casos de desistência voluntária ou
arrependimento eficaz?
A finalidade de ambos os institutos, é fazer com que o agente não responda pela tentativa. Deverá,
nesses casos, ser responsabilizado APENAS PELOS ATOS JÁ PRATICADOS. Teremos de
verificar qual ou quais infrações penais cometeu até o momento da desistência ou depois de ter se
arrependido de forma eficaz, para que, nos termos do artigo 15 do CP, por ela(s) possa responder.
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4.18. O que se entende por arrependimento posterior e qual a sua natureza jurídica?
O arrependimento posterior é uma causa de diminuição de pena aplicável aos crimes cometidos
SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA À PESSOA, desde que o agente repare o dano ou
restitua a coisa à vítima ATÉ O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA OU QUEIXA. Nesse caso, terá
sua pena reduzida de um a dois terços. Frise- que o Código exige que o arrependimento seja
voluntário, não havendo necessidade de que seja espontâneo.
4.19. A reparação há de ser total para que se configure o direito à diminuição de pena? A
reparação tem de ser feita pelo próprio autor ou pode ser feita por terceiros?
A maior parte da doutrina entende que o autor apenas fará jus à diminuição de pena caso a
reparação do dano seja feita de forma total.
O professor Paulo Queiroz entende que o autor do delito fará jus à diminuição da pena tanto na
reparação total quanto parcial, o que muda é a quantidade da redução. Se a reparação for total, a
diminuição deverá ser de dois terços, se parcial, deverá ser de um terço.
No que diz respeito ao sujeito que fará a reparação do dano, a doutrina majoritária entende que
somente se admite a reparação feita pelo próprio autor. Paulo Queiroz, criticando essa posição,
entende que se a providência foi instituída mais em favor da vítima do que do agente, não há motivo
para não se conceder a redução da pena mesmo quando a reparação é feita por terceiros, pois o
resultado prático para a vítima será o mesmo.
5.2. Quais são as teorias do tipo? Como ocorreu sua evolução histórica?
Podem ser citadas duas grandes teorias:
a) Concepção objetiva. LISZT-BELING. O esquema proposto pela teoria causal-naturalista partia
da completa separação entre a face objetiva/externa do crime (representada pela antijuridicidade) e
a face subjetiva/interna (representada pela culpabilidade). A partir dos estudos de BELING a face
objetiva/externa é destacada da antijuridicidade, formando a noção de "tipo". Assim, o tipo nasce
como uma figura puramente objetiva, composta apenas por elementos descritivos, cuja função era
simplesmente narrar um processo causal.
b) Concepção objetiva-subjetiva. WELZEL. Com a descoberta dos elementos subjetivos e
normativos do tipo, foi desaparecendo a separação objetivo/subjetivo. A partir dos estudos de
WELZEL ocorre uma verdadeira revolução dogmática, em que o próprio dolo (e não somente
elementos subjetivos específicos) passa a integrar o tipo. O tipo, portanto, passa a ostentar tanto
uma face objetiva quanto uma subjetiva. O dolo deixa de ser analisado no âmbito da culpabilidade e
passa a compor o núcleo da face subjetiva do tipo (nos crimes dolosos).
b) Função de garantia. Restringe o poder punitivo, que só poderá ser exercido em limites que são
previamente conhecíveis pelo cidadão.
c) Função indiciária de ilicitude. A tipicidade de uma conduta é vista como indício de que,
provavelmente, deve ser ilícita, a menos que atue, em sentido contrário, uma justificante. Essa
função é bastante aceita no Brasil, embora possa trazer consequências desfavoráveis ao acusado,
pois permite atribuir à defesa a o ônus de provar a existência de excludentes de ilicitude.
d) Função de delimitação do "iter criminis". É moldura típica que marca o início e o fim da
execução.
e) Função de delimitação do erro. O erro de tipo pode ser essencial ou acidental. Somente o exame
dos elementos do tipo permite diferenciar essas duas espécies de erro.
tipicidade. Quando o oficial de justiça subtrai coisa alheia móvel, por ser sua conduta ordenada pela
ordem jurídica, estaria excluída a própria tipicidade por ausência de antinormatividade. Como
explica o próprio ZAFFARONI: "a tipicidade penal pressupõem a legal, mas não a esgota: a
tipicidade penal requer, além da tipicidade legal, a antinormatividade", e "o juízo de tipicidade não
é um mero juízo de tipicidade legal, mas exige outro passo, que é a comprovação da tipicidade
conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da
norma, não considerada isoladamente, mas conglobada na ordem normativa.".
5.24. Diferencie "tipos de resultado cortado" e "delitos mutilados de dois atos ou vários atos".
Nos dois casos temos elementos subjetivos específicos que designam uma intenção do agente,
dirigida a um resultado que está além do tipo.
a) Tipo de resultado cortado. O resultado pretendido não exige uma ação complementar do agente.
Exemplo: CP, art. 333: "Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.".
b) Delito mutilado de dois atos ou vários atos. O resultado pretendido exige uma ação
complementar do agente. Exemplo: CP, art. 288: "Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o
fim específico de cometer crimes".
6. ILICITUDE
AUTORA: JANETE OLIVEIRA FERREIRA
MATERIAL DE CONSULTA: DIREITO PENAL – CLEBER MASSON (2014); SITE DO STJ.
6.1. Em que consiste a ilicitude, no direito penal? É correto falar em ilicitude como sinônimo
de antijuridicidade?
Ilicitude consiste na contrariedade entre o fato típico praticado por alguém e o ordenamento
jurídico, capaz de lesionar ou expor a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados.
MASSON defende a inadequação do termo antijuridicidade. Para ele, a infração penal é um fato
jurídico, já que sua ocorrência provoca efeitos no campo jurídico, de forma que seria incoerente
afirmar-se que um fato jurídico (delito) é, ao mesmo tempo, antijurídico. Destaca ter sido essa a
opção adotada pelo atual Código Penal, que fala em “exclusão da ilicitude” (art. 23), em momento
algum se referindo à antijuridicidade.
6.2. Qual a relação entre tipicidade e ilicitude? Todo fato típico é ilícito; e o contrário, é
verdadeiro?
Todo fato ilícito também é, necessariamente típico, mas nem todo fato típico será ilícito. O juízo de
ilicitude é posterior e dependente do juízo de tipicidade.
A tipicidade revela, apenas indiciariamente, a ilicitude. A tipicidade presume a ilicitude, porém, esta
presunção é relativa, vez que o fato típico será lícito caso seu autor comprove ter agido acobertado
por causa de exclusão da ilicitude.
6.7. Fale sobre a diferenciação entre ilicitude penal e ilicitude extrapenal. A qual princípio do
direito penal está relacionada esta distinção?
Essa diferenciação diz respeito ao caráter fragmentário do Direito Penal, pelo qual todo ilícito penal
é um ato ilícito perante os demais ramos do Direito, mas nem todo ato ilícito guarda esta natureza
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no campo penal. Francisco Assis de Toledo representa graficamente essa divisão através de dois
círculos concêntricos: o interno é o ilícito penal e o externo, o extrapenal (civil, administrativo, etc).
6.8. Em que consistem e quais são as causas de justificação previstas no Código Penal?
As causas de justificação são sinônimos de: justificativas, descriminantes, eximentes, tipos penais
permissivos e causas de exclusão da ilicitude. Consistem exatamente em hipóteses que afastam a
ilicitude do fato típico, excluindo, portanto, a caracterização do fato como infração penal. Devem
ser provadas por quem as invoca.
O Código Penal prevê causas gerais (= genéricas), que se aplicam a todas as infrações penais:
estado de necessidade, legítima defesa e exercício regular de direito (art. 23, CP); prevê, também,
causas específicas (= especiais), com aplicação apenas aos crimes a que expressamente se referem
(ex.: 128, aborto; 142, injúria e difamação; 156, §2º, furto de coisa comum).
Há, ainda, causas de exclusão da ilicitude previstas em leis de cunho extrapenal (ex.1: art. 10 da Lei
6538/78: exercício regular de direito, consistente na possibilidade de o serviço postal abrir carta
com conteúdo suspeito; ex.2: art. 37, I, Lei 9605/98: estado de necessidade, mediante o abatimento
de um animal protegido por lei para saciar a fome do agente ou de sua família).
6.10. Para o reconhecimento de uma excludente de ilicitude, basta que estejam presentes os
requisitos objetivos ou é necessário um elemento subjetivo, isto é, que o agente tenha
consciência de que está agindo sob a proteção jurídica de tal justificativa?
Depende. Há divergência doutrinária sobre a matéria.
A concepção objetiva (mais antiga) defende que não é necessário o requisito objetivo.
A concepção subjetiva (para a qual a anterior foi perdendo espaço) defende que o gesto de quem se
defende precisa ser determinado pela consciência e vontade de defender-se.
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6.11. Caso a excludente de ilicitude seja evidenciada já durante o inquérito policial, como
deverão proceder o Ministério Público e o juiz? E se a denúncia já tiver sido recebida? Caso
se trate de crime doloso contra a vida, há alguma diferença no procedimento?
Se restar suficientemente comprovada a causa excludente da ilicitude, estará ausente uma condição
da ação penal, devendo o MP requerer o arquivamento dos autos do inquérito policial.
Caso oferecida a denúncia, o Juiz deverá rejeitá-la por ausência de uma das condições da ação (art.
395, II, CPP) ou, se já recebida a denúncia, após a apresentação da resposta escrita, o juiz deverá
absolver sumariamente o acusado (art. 397, I, CP). Se feita a instrução, o fundamento para a
absolvição será o art. 386, VI, do CPP.
Em se tratando de crime doloso contra a vida, poderá absolver sumariamente o acusado com
fundamento no art. 397, I, CP (logo após a resposta escrita do acusado) ou, após a instrução, com
fulcro no art. 415, IV, do CPP.
O STJ entende que “Promovido o arquivamento do inquérito policial pelo reconhecimento de
legítima defesa, a coisa julgada material impede a rediscussão do caso penal em qualquer novo feito
criminal, descabendo perquirir a existência de novas provas” (REsp 791.471, j. 25/11/2014, Inf.
554).
6.12. O que se entende por “consentimento do ofendido” no direito penal? Qual a sua
natureza jurídica? Quais os seus fundamentos? É aplicável a todos os delitos, qualquer que
seja o elemento subjetivo do agente ou o bem juridicamente tutelado, inclusive aos culposos?
O consentimento do ofendido é a anuência do titular do bem jurídico ao fato típico praticado por
alguém.
Atualmente é aceito como causa de exclusão da ilicitude. Contudo, excepcionalmente, pode ser
causa (supralegal) de exclusão da tipicidade, na hipótese de bem jurídico disponível, relativamente
aos tipos penais em que se revela comore quesito, expresso ou tácito, que o comportamento humano
se realize contra ou sem a vontade do sujeito passivo (ex.: estupro, violação de domicílio,
sequestro).
Há 3 teorias que procuram fundamentá-lo como causa de exclusão da ilicitude:
a) Ausência de interesse: não há interesse do Estado quando próprio titular do bem não tem
vontade de aplicar o direito penal. Crítica: não se pode outorgar o poder de decisão a uma
pessoa, que pode se equivocar quando ao seu real interesse.
b) Renúncia à proteção do Direito Penal: em situações excepcionais, o sujeito passivo poderia
renunciar à proteção do Direito Penal, em favor do sujeito ativo. Crítica: está em manifesto
confronto com o caráter público do Direito Penal.
c) Ponderação de valores: o consentimento do ofendido funciona como justificante quando o
Direito concede prioridade ao valor da liberdade de atuação da vontade frente ao desvalor da
conduta e do resultado causado pelo delito (mais aceita no direito comparado).
É aplicável somente aos crimes em que o bem jurídico seja disponível e o único titular do
bem/interesse protegido é o sujeito que consente:
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1) contra o patrimônio (somente se não houver violência ou grave ameaça contra a pessoa);
2) contra a integridade física (somente nas hipóteses em que a persecução penal é
condicionada à iniciativa do ofendido);
3) contra a honra;
4) contra a liberdade individual.
Não se aplica aos crimes que protegem bens jurídicos metaindividuais ou pertencentes ao Estado.
Aplica-se aos crimes culposos.
ESTADO DE NECESSIDADE
6.14. Em que consiste o estado de necessidade? Qual a sua natureza jurídica?
Ocorre nas hipóteses em que há situação de perigo geradora de conflito de interesses lícitos, ou seja,
uma colisão entre bens jurídicos pertencentes a pessoas diversas resolvida mediante a autorização
que o ordenamento penal confere para o sacrifício de um deles visando a preservação do outro.
Para o Código Penal, é causa de exclusão da ilicitude. Na doutrina, há divergências.
Quanto à sua essência, Nelson Hungria defende tratar-se de faculdade (já que ao direito deve
corresponder uma obrigação), ao passo que Aníbal Bruno afirma constituir-se em um direito
exercido frente ao Estado e não contra aquele que suporta o fato. MASSON sustenta cuidar-se de
faculdade entre os titulares dos bens jurídicos em conflito (vez que um deles está obrigado a
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suportar a ação alheia) e, ao mesmo tempo, direito subjetivo do agente diante do Estado, pois o juiz
não tem discricionariedade para concedê-lo, devendo decretar a exclusão da ilicitude quando
presentes os requisitos legais.
6.15. Quais as teorias sobre a natureza jurídica do estado de necessidade? Qual a adotada pelo
Código Penal Brasileiro? E pelo Código Penal Militar?
Sobre a natureza jurídica do estado de necessidade, há 4 teorias:
a) Teoria unitária – o bem jurídico sacrificado deve ser de valor igual ou inferior ao
preservado. Exige, portanto, a razoabilidade na conduta. Adotada pelo Código Penal – art.
24 (Obs.: se o bem sacrificado for de valor superior, subsiste o crime, mas há causa de
diminuição da pena, desde que fosse razoável exigir o sacrifício).
b) Teoria diferenciadora (Alemanha) - o bem jurídico sacrificado pode ser de menor relevância
(estado de necessidade justificante), como também de valor igual ou superior ao protegido
(estado de necessidade exculpante) – neste último caso, seria causa supralegal de exclusão
da culpabilidade, em face da inexigibilidade de conduta diversa. Adotada pelo Código Penal
Militar – art. 39.
c) Teoria da equidade (KANT) – a ilicitude e a culpabilidade deveriam ser mantidas (pois a
conduta não é juridicamente correta), mas o agente não poderia ser castigado por questões
de equidade.
d) Teoria da escola positiva (FERRI e FLORIAN) – a ilicitude deve ser mantida, mas o ato
deve permanecer impune por ausência de perigo social e de temibilidade do agente.
d) ausência do dever legal de o agente enfrentar o perigo – não pode alegar estado de
necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo, devendo este dever ser
interpretado com bom senso. Há corrente que defende a interpretação restritiva da
expressão “dever legal”, abrangendo somente o dever decorrente de lei em sentido
amplo, porém, MASSON defende que a expressão deve ser interpretada extensivamente,
para compreender também qualquer espécie de dever jurídico (dever legal, contratual,
etc) e cita o exemplo do salva-vidas contratado em um clube.
2) Fato necessitado, ou seja, fato típico que exige:
a) Inevitabilidade do perigo por outro modo – o estado de necessidade apresenta caráter
subsidiário: quando possível a fuga, por ela deve optar o agente (commodus discessus);
caso tenha que agir, deve proporcionar o menor dano possível ao bem jurídico
sacrificado.
b) Proporcionalidade (= razoabilidade, para MASSON) – deve ser feita a ponderação entre
os bens no caso concreto, utilizando como vetor o homem médio.
6.17. Caso o agente tenha provocado culposamente o estado de perigo, pode invocar a
aplicação do estado de necessidade como excludente da ilicitude?
Há divergências.
ANÍBAL BRUNO, BASILEU GARCIA, BENTO DE FARIA, DAMÁSIO e FRAGOSO defende
que aquele que provoca culposamente uma situação de perigo PODE invocar o estado de
necessidade para excluir a ilicitude, pois a expressão “por sua vontade” do caput do art. 24 do CP
indica a necessidade de dolo na provocação do perigo.
HUNGRIA, FREDERICO MARQUES, ASSIS TOLEDO, NORONHA, MASSON e NUCCI
defendem que NÃO PODE invocar o estado de necessidade para excluir a ilicitude: se quem cria a
situação de perigo com seu comportamento anterior, seja dolosa ou culposamente, tem o dever
jurídico de agir impedindo o resultado (art. 13, §2º, c, CP), igual raciocínio deve ser aplicado ao
estado de necessidade, ou seja, quem cria o perigo, dolosa ou culposamente, não pode invocar a
justificativa. Destacam que tanto culpa quanto dolo são voluntários na origem, porém, na culpa, o
resultado naturalístico é involuntário. ROXIN informa ser unânime este entendimento na
Alemanha.
6.18. A expressão “dever legal de enfrentar o perigo” (art. 24, §1º, CP) enquanto causa
impeditiva de invocar o estado de necessidade como justificante pode ser interpretada
extensivamente para abranger qualquer espécie de dever jurídico, tal como o dever
contratual?
Há divergência.
1ª corrente: defende a interpretação restritiva da expressão “dever legal”, abrangendo somente o
dever decorrente de lei em sentido amplo (HUNGRIA).
2ª corrente: defende que a expressão deve ser interpretada extensivamente, para compreender
também qualquer espécie de dever jurídico (dever legal, contratual, etc.). Invoca o texto da
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Exposição de Motivo do CP (não alterado pela Reforma da Parte Geral de 1984), segundo o qual “a
abnegação em face do perigo só é exigível quando corresponde a um especial dever jurídico”. Cita
o exemplo do salva-vidas contratado em um clube (MASSON, COSTA E SILVA, GALDINO
SIQUEIRA, BENTO DE FARIA).
6.23. Cite quatro hipóteses específicas de estado de necessidade citadas pelo Código Penal.
1) Art. 128, I – aborto necessário ou terapêutico;
2) Art.146,§3º – intervenção médica/cirúrgica sem consentimento do paciente ou representante,
se justificada por iminente perigo de vida; coação exercida para impedir suicídio.
3) Art. 150, §3º, II, CP e 5º, XI, CF – violação de domicílio quando há crime sendo praticado
em seu interior ou na iminência de o ser, desastre ou socorro.
4) Art. 151, 153 e 154 – violação de correspondência, divulgação de segredo e violação de
segredo profissional para proteger direito próprio ou alheio.
6.26. A dificuldade financeira do agente pode ser invocada como estado de necessidade a
justificar a exclusão da ilicitude? E a sua miserabilidade?
Não. O estado de necessidade não se confunde com a dificuldade financeira/econômica, pois nesta
supõe-se que o indivíduo deve conformar-se com a privação ou satisfazer a carência através de
meios lícitos, não se justificando a lesão ao interesse jurídico de outrem. O mesmo raciocínio
aplica-se à miserabilidade.
Apenas em casos excepcionais é que admite a prática de fato típico como medida inevitável, ou
seja, para a satisfação de necessidade estritamente vital que a pessoa, inobstante seu empenho, não
conseguiu superar de forma lícita.
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LEGÍTIMA DEFESA
6.27. O que se entende por legítima defesa?
Trata-se da causa de justificação consistente em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito
próprio ou alheio (inclusive do próprio agressor), usando moderadamente dos meios necessários.
Está prevista no art. 25 do CP.
6.28. Age em legítima defesa uma pessoa que, atacada por um animal, reage e vem a matá-lo?
E se for praticada por multidão?
Depende. Em regra, o agente age acobertado pelo estado de necessidade, vez que a legítima defesa
pressupõe agressão emanada do homem. Porém, caso o animal seja utilizado como instrumento do
crime (ex.: A ordena ao animal que ataque B), a vítima pode matar o animal agindo em legítima
defesa.
Sim. Ainda que praticada por multidão, prevalece que haver legítima defesa, pois se exige apenas
que a conduta seja praticada por seres humanos, individualizados ou não.
6.29. Se a agressão injusta é praticada por um inimputável, poderá haver legítima defesa?
Prevalece que sim. O inimputável pratica conduta consciente e voluntária, apta a configurar
agressão (ele só não é culpável perante o sistema penal brasileiro). A agressão é analisada em
sentido meramente objetivo.
HUNGRIA diverge, pois equipara os inimputáveis aos seres irracionais. Para ele, a defesa contra o
ataque de um inimputável seria estado de necessidade e não legítima defesa.
6.30. Para caracterizar legítima defesa, a agressão pode ser praticada através de omissão?
Sim. Em regra, a agressão é praticada por ação, mas na impede sua veiculação por omissão, quando
esta for idônea a causar danos e o omitente, no caso concreto, tinha o dever jurídico de agir. Ex.:
carcereiro que tem o dever de liberar o preso cuja pena já foi integralmente cumprida.
6.32. Na legítima defesa, a agressão deve ser caracterizada como infração penal para que
possa ser considerada injusta?
Não. Não se exige, para ser injusta, que a agressão seja prevista como infração penal. Basta que o
agredido não esteja obrigado a suportá-la. Exemplo: pode agir em legítima defesa o proprietário do
bem atingido por um “furto” de uso.
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6.33. É possível o emprego da legítima defesa para a tutela de bens pertencentes às pessoas
jurídicas?
Sim, pois atuam por meio de seus representantes e não podem defender-se sozinhas. Veja-se o
exemplo da pessoa que, percebendo uma empresa ser furtada, luta com o ladrão e o imobiliza até a
chegada da força policial.
6.39. Em que consiste e qual o tratamento jurídico conferido à legítima defesa putativa?
Legítima defesa putativa ou imaginária é aquela em que o agente, por erro, acredita existir uma
agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Exemplo: “A” foi jurado de morte
por “B”. Em determinada noite, em uma rua escura, encontram-se. “B” coloca a mão no bolso, e
“A”, acreditando que ele iria pegar uma arma, mata-o. Descobre-se, posteriormente, que “B” tinha a
intenção de oferecer-lhe um charuto para selar a paz.
O fato típico praticado permanece revestido de ilicitude. Se o erro for escusável, exclui-se a
culpabilidade; se inescusável, afasta-se o dolo, mas o agente pode responder a título de culpa.
6.40. Em que consiste e qual o tratamento jurídico conferido à legítima defesa subjetiva ou
excessiva?
Legítima defesa sucessiva é aquela em que o agente, por erro de tipo escusável, excede os limites da
legítima defesa. É também denominada de excesso acidental e exclui a ilicitude do fato.
Ex.: “A”, de porte físico avantajado, parte para cima de “B”, para agredi-lo. Este, entretanto,
consegue acertar um golpe violento, fazendo seu inimigo desmaiar. Não percebe, contudo, que “A”
estava inconsciente e, com medo de ser agredido, continua a desferir socos desnecessários. Não
responde pelo excesso, em face de sua natureza acidental.
b) No âmbito da liberdade sexual (livre disposição do corpo para fins sexuais), também se
autoriza a legítima defesa. É o caso da pessoa que pode ferir ou até mesmo matar quem tenta
lhe estuprar.
c) Já no que tange à infidelidade conjugal, reside a maior celeuma, relativa à legítima defesa
da honra na órbita do adultério. No passado, admitia-se a exclusão da culpabilidade para os
crimes passionais motivados pelo adultério. Atualmente, depois de muita discussão, e,
notadamente, com a evolução da sociedade e com o respeito aos direitos da mulher,
prevalece o entendimento de que a traição conjugal não humilha o cônjuge traído, mas sim o
próprio traidor, que não se mostra preparado para o convívio familiar. Além disso, respeita-
se o caráter fragmentário e a subsidiariedade do Direito Penal, que não deve ser chamado
para resolver o impasse, pois o ordenamento jurídico prevê outras formas menos gravosas
para essa finalidade. Com efeito, admite-se a separação, e também o divórcio litigioso,
fundados na violação dos deveres do matrimônio. E ainda no campo civil, tem-se aceitado
até mesmo a indenização por danos morais ao cônjuge prejudicado pela traição. Essa
posição se reforça com a descriminação do crime de adultério, revogado pela Lei
11.106/2005.
6.45. Para o exercício da legítima defesa de terceiro é necessário o seu consentimento para ser
protegido de uma agressão injusta?
DEPENDE. A resposta pode ser negativa ou positiva, dependendo da natureza do bem jurídico
atacado.
Em se tratando de bem jurídico indisponível, será prescindível o consentimento do ofendido. Ex.:
se um homem agride cruelmente sua esposa, com o propósito de matá-la, aquele que presenciar o
ataque poderá, sem a anuência da mulher, protegê-la, ainda que para isso tenha que lesionar ou
mesmo eliminar a vida do covarde marido.
Diferentemente, quando se tratar de bem jurídico disponível, impõe-se o consentimento do
ofendido, se for possível a sua obtenção. Ex.: um homem ofende com impropérios a honra de sua
mulher. Por mais inconformado que um terceiro possa ficar com a situação, não poderá protegê-la
sem o seu assentimento. Porém, mesmo no caso de bem jurídico disponível, estará caracterizada a
legítima defesa putativa quando o terceiro atuar sem o consentimento do ofendido.
6.46. Cite duas semelhanças e duas diferenças entre estado de necessidade e legítima defesa.
Semelhanças:
1) Ambas são causas legais de exclusão da ilicitude (CP, art. 23, I e II);
2) Ambas têm em comum o perigo a um bem jurídico, próprio ou de terceiro.
Diferenças:
1) Legítima defesa: o perigo origina-se de agressão humana.
Estado de necessidade: o perigo é originário da natureza, de seres irracionais ou mesmo de um ser
humano.
2) Legítima defesa: a reação é contra o autor da agressão.
Estado de necessidade: a reação dirige-se contra a coisa da qual resulta o perigo, e não contra a
pessoa que provocou a situação perigosa.
Obs.: Em alguns casos, contudo, a situação de perigo ao bem jurídico é provocada por uma agressão
lícita do ser humano que atua em estado de necessidade. Como o ataque é lícito, eventual reação
caracterizará estado de necessidade, e não legítima defesa. Exemplo: “A” e “B” estão perdidos no
deserto, e a água que carregam somente saciará a sede de um deles. “A”, em estado de necessidade,
furta a água de “B”, o qual, para salvar-se, mata em estado de necessidade seu companheiro.
6.47. É possível que uma mesma pessoa atue simultaneamente acobertada pela legítima defesa
e pelo estado de necessidade?
SIM. Pode ocorrer quando, para repelir uma agressão injusta, o agente praticar um fato típico
visando afastar uma situação de perigo contra bem jurídico próprio ou alheio. Ex.: “A”, para
defender-se de “B”, que injustamente desejava matá-lo, subtrai uma arma de fogo pertencente a “C”
(estado de necessidade), utilizando-a para matar o seu agressor (legítima defesa).
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6.48. É possível haver legítima defesa real contra legítima defesa putativa?
Sim. A legítima defesa real pressupõe uma agressão injusta. E essa agressão injusta estará presente
na legítima defesa putativa, pois aquele que assim atua, atacando terceira pessoa, o faz de maneira
ilícita, permitindo a reação defensiva. Ex.: “A” caminha em área perigosa. De repente, visualiza
“B” colocando a mão no interior de sua blusa, e, acreditando que seria assaltado, “A” saca uma
arma de fogo para matar “B”. Este último, entretanto, que iria apenas pegar um cigarro, consegue se
esquivar dos tiros, e, em seguida, mata “A” para se defender. No exemplo mencionado, “A” agiu
em legítima defesa putativa, ensejando a legítima defesa real por parte de “B”.
Obs.: Esse raciocínio é também aplicável a todas as demais excludentes da ilicitude putativas
(estado de necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento de dever legal).
6.49. Pode haver legítima defesa putativa recíproca? Ou seja, legítima defesa putativa contra
legítima defesa putativa?
Sim. Ocorre na hipótese em que dois ou mais agentes acreditam, erroneamente, que um irá praticar
contra o outro uma agressão injusta, quando na verdade o ataque ilícito não existe. Ex.: “A” e “B”,
velhos desafetos, encontram-se em local ermo. Ambos colocam as mãos nos bolsos ao mesmo
tempo, e, em razão disso, partem um para cima do outro, lutando até o momento em que desmaiam.
Posteriormente, apura-se que nenhum deles estava armado ou pretendia matar o outro.
6.50. É possível legítima defesa real contra legítima defesa subjetiva (excessiva)?
Sim. No momento em que se configura o excesso, a outra pessoa – que de agressor passou a ser
agredido –, pode agir em legítima defesa real, uma vez que foi praticada contra ele uma agressão
injusta.
6.52. É possível legítima defesa contra conduta amparada por causa de exclusão da
culpabilidade?
Sim. Será sempre cabível a legítima defesa contra uma agressão que, embora injusta, esteja
acobertada por qualquer causa de exclusão da culpabilidade. Ex.: “A” chega ao Brasil vindo de um
país em que não há proteção sobre a propriedade de bens móveis. Não possui, pois, conhecimento
acerca do caráter ilícito da conduta de furtar (erro de proibição). Dirige-se à residência de “B” para
subtrair diversos de seus pertences. Assim agindo, autoriza “B” a repelir a agressão injusta em
legítima defesa do seu patrimônio.
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6.53. É possível legítima defesa real recíproca? Isto é, legítima defesa real contra legítima
defesa real?
Não, pois o pressuposto da legítima defesa é a existência de uma agressão injusta. E, se a agressão
de um dos envolvidos é injusta, automaticamente a reação do outro será justa, pois constituirá uma
simples atitude de defesa. Consequentemente, apenas este último estará protegido pela causa de
exclusão da ilicitude.
Obs.: O raciocínio é aplicável a todas as demais excludentes reais da ilicitude. O fundamento é
simples: se a outra excludente é real, não haverá a agressão injusta da qual depende a legítima
defesa real.
6.55. Qual o alcance da expressão “estrito cumprimento do dever legal” (art. 23, III, 1ª parte,
CP) enquanto elemento da causa excludente de ilicitude? Engloba os atos administrativos? E
o dever religioso ou moral?
O dever legal engloba qualquer obrigação direta ou indiretamente resultante de lei, em sentido
amplo (leis, decretos, regulamentos, e, também, decisões judiciais, as quais se limitam a aplicar a
letra da lei ao caso concreto submetido ao exame do Poder Judiciário).
O dever legal pode também originar-se de atos administrativos, desde que de caráter geral, pois, se
tiverem caráter específico, o agente não estará agindo sob o manto da excludente do estrito
cumprimento de dever legal, mas sim protegido pela obediência hierárquica (causa de exclusão da
culpabilidade), se presentes os requisitos exigidos pelo art. 22 do CP.
O cumprimento de dever social, moral ou religioso, ainda que estrito, não autoriza a aplicação dessa
excludente da ilicitude. Ex.:comete crime de violação de domicílio o padre ou pastor que, a pretexto
de espantar os maus espíritos que lá se encontram, ingressa sem permissão na residência de alguém.
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6.56. É possível invocar o estrito cumprimento de dever legal nos crimes culposos?
Não. A excludente é incompatível com os crimes culposos, pois a lei não obriga ninguém,
funcionário público ou não, a agir com imprudência, negligência ou imperícia.
A situação, geralmente, é resolvida pelo estado de necessidade. Ex.: o bombeiro que dirige a viatura
em excesso de velocidade para salvar uma pessoa queimada em incêndio, e em razão disso atropela
alguém, matando-o, não responde pelo homicídio culposo na direção de veículo automotor, em face
da exclusão do crime pelo estado de necessidade de terceiro.
6.60. Cite as diferenças entre estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de
direito.
Apesar de ambas serem causas legais de exclusão da ilicitude, as diferenças são nítidas:
Quanto à natureza:
a) Estrito cumprimento de dever legal: Compulsória, pois o agente está obrigado a cumprir o
mandamento legal.
b) Exercício regular do direito: Facultativa, pois o ordenamento jurídico autoriza o agente a
agir, mas a ele pertence a opção entre exercer ou não o direito assegurado.
Quanto à origem:
a) Estrito cumprimento de dever legal: O dever de agir tem origem na lei, direta ou
indiretamente (decisões judiciais e atos administrativos).
b) Exercício regular do direito: O direito cujo exercício se autoriza pode advir da lei, de
regulamentos, e, para alguns, inclusive dos costumes.
6.61. A lesão ou a morte de um boxeador durante a luta, por exemplo, é crime? Incide alguma
causa excludente da ilicitude?
Em regra, não. O fato típico decorrente da realização de um esporte, desde que respeitadas as regras
regulamentares emanadas de associações legalmente constituídas e autorizadas a emitir provisões
internas, configura exercício regular de direito, afastando a ilicitude, porque o esporte é uma
atividade que o Estado não somente permite, mas incentiva a sua prática.
Todavia, se o fato típico cometido pelo agente resultar da violação das regras esportivas,
notadamente por ultrapassar seus limites, o excesso implicará na responsabilidade pelo crime,
doloso ou culposo. Ex.: jogador de futebol que, depois de sofrer uma falta do adversário, passa a
agredi-lo com socos e pontapés, matando-o, deve suportar ação penal por homicídio doloso.
6.63. Discorra sobre o excesso e sua possibilidade de punição nas excludentes de ilicitude.
Excesso é a desnecessária intensificação de um fato típico inicialmente amparado por uma causa de
justificação. Depois de apresentar as causas de exclusão da ilicitude, estatui o art. 23 do CP, em seu
parágrafo único que “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso
doloso ou culposo”.
No estado de necessidade, o excesso recai na expressão “nem podia de outro modo evitar” (CP, art.
24): age com excesso aquele que, para afastar a situação de perigo, utiliza meios dispensáveis e
sacrifica bem jurídico alheio.
Na legítima defesa, o excesso se consubstancia no emprego de meios desnecessários para repelir a
injusta agressão, atual ou iminente, ou, quando necessários, os emprega imoderadamente.
Segundo o STJ, “Suscitada a legítima defesa como única tese defensiva perante o Conselho de
Sentença, caso mais de três jurados respondam afirmativamente ao terceiro quesito – “O jurado
absolve o acusado?” –, o Juiz Presidente do Tribunal do Júri deve encerrar o julgamento e concluir
pela absolvição do réu, não podendo submeter à votação quesito sobre eventual excesso doloso
alegado pela acusação” (HC 190.264-PB, j. 26/8/2014, Inf. 545).
No estrito cumprimento do dever legal, o excesso resulta da não observância, pelo agente, dos
limites determinados pela lei que lhe impõe a conduta consistente em um fato típico.
No exercício regular de direito, o excesso decorre do exercício abusivo do direito consagrado
pelo ordenamento jurídico.
6.64. Quais as modalidades de excesso que podem existir nas excludentes de ilicitude?
a) Excesso doloso, ou consciente, é o excesso voluntário e proposital. O agente quer
ultrapassar os parâmetros legais, sabendo que assim agindo praticará um delito de natureza
dolosa, e por ele responderá como crime autônomo.
b) Culposo, ou inconsciente, é o excesso resultante de imprudência, negligência ou imperícia
(modalidades de culpa). O agente responde pelo crime culposo praticado.
c) Acidental, ou fortuito, é a modalidade que se origina de caso fortuito ou força maior,
eventos imprevisíveis e inevitáveis. Cuida-se de excesso penalmente irrelevante.
d) Exculpante é o excesso decorrente da profunda alteração de ânimo do agente, isto é, medo
ou susto provocado pela situação em que se encontra. Crítica: não possui amparo legal, e,
por ser vaga, levaria muitas vezes à impunidade. Contudo, há entendimentos no sentido de
que o excesso exculpante exclui a culpabilidade, em razão da inexigibilidade de conduta
diversa. A propósito, com a rubrica “excesso escusável”, dispõe o art. 45, parágrafo único,
do CPM: “Não é punível o excesso quando resulta de escusável surpresa ou perturbação de
ânimo, em face da situação”.
56
7.4. Em que consiste a imputabilidade? Compare-a com a capacidade no direito civil. Quais os
critérios adotados de inimputabilidade? Quais os critérios adotados pelo CP? Qual a
diferença entre a inimputabilidade e semi-imputabilidade?Quais são as causas de exclusão da
imputabilidade? O índio pode ser responsabilizado criminalmente?
A imputabilidade é o primeiro elemento da culpabilidade e consiste na possibilidade de se atribuir,
imputar o fato típico e ilícito ao agente. A imputabilidade é a regra, a inimputabilidade é a exceção.
Comparação com o direito civil:
Direito civil Direito penal
Capaz e incapaz Imputável e inimputável
Mas nem todo capaz é imputável – adolescente de 16 anos casado é capaz, mas é inimputável.
O CP não define imputabilidade, mas enumera as hipóteses de inimputabilidade.
Os critérios de definição de inimputabilidade são:
i. critério biológico – Leva em conta apenas o desenvolvimento mental do agente, não importando
a sua capacidade de entendimento e autodeterminação no momento da conduta. De acordo com esse
critério, basta ser louco para ser inimputável – não importa se esse louco sabia ou não sabia o que
estava fazendo;
ii. critério psicológico – Leva em conta a capacidade de entendimento e autodeterminação do
agente no momento da conduta, não importando o seu desenvolvimento mental. Por esse critério,
não precisa ser louco para gerar inimputabilidade;
iii. critério biopsicológico – Leva em conta não apenas o desenvolvimento mental do agente, mas
também a sua capacidade de entendimento no momento da conduta. Para esse critério, não basta ser
louco para gerar inimputabilidade.
59
Assim estabelece o art. 26 do CP: “É isento de pena o agente que, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento”.
Esse artigo adotou o sistema biopsicológico, ou seja, são 2 critérios conjugados que levam a
concluir pela inimputabilidade do agente:
i. existência de uma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado;
ii. a absoluta incapacidade de, ao tempo da ação ou da omissão, entender o caráter ilícito do fato de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
A expressão “doença mental” deve ser tomada em sua maior amplitude e abrangência,
compreendendo qualquer enfermidade que venha a debilitar as funções psíquicas do agente. O
inimputável por doença mental é denunciado, processado e, ao final, absolvido com imposição de
medida de segurança (espécie de sanção penal) – absolvição imprópria.
O art. 26, parágrafo único, não traz hipótese de inimputabilidade, mas de responsabilidade
penal diminuída (semi-imputabilidade). O semi-imputável não era inteiramente capaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. O semi-imputável é
denunciado, processado e, ao final, CONDENADO, podendo o juiz optar (desde que
fundamentado):
i. pena diminuída – art. 26, parágrafo único;
ii. ou substituição da pena por medida de segurança – art. 98, CP.
O CP adota, atualmente, o sistema unitário ou vicariante: o semi-imputável ou cumpre a pena
diminuída ou cumpre a medida de segurança. No passado era adotado o sistema do duplo
binário: o semi-imputável primeiro cumpria a pena diminuída e depois cumpria medida de
segurança.
Diferenças entre o inimputável e o semi-inimputável:
Inimputável Semi-inimputável
Absolvição imprópria Condenação
Não interrompe a prescrição Interrompe a prescrição
A sentença não serve como título executivo A sentença serve como título executivo
Além do critério biopsicológico definido pelo art. 26, o CP também adota o critério biológico de
Inimputabilidade em razão da idade do agente – 18 anos (art. 27, CP), seguido pelo constituinte
no art. 228 da CF. Mas nesse caso de inimputabilidade, o agente não pode sequer ser processado
criminalmente – ele é submetido ao procedimento especial previsto pelo ECA.
O art. 28 do CP estabelece causas que não excluem a imputabilidade, quais sejam:
i. emoção e paixão;
ii. embriaguez voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.
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Sobre a embriaguez, temos que ela se trata de intoxicação transitória causada pelo álcool ou
substância de efeitos análogos, como repercussão no psiquismo da pessoa, podendo afetar a sua
capacidade intelectiva ou volitiva. Espécies de embriaguez:
i. embriaguez acidental – decorrente de caso fortuito ou força maior;
ii. embriaguez não acidental – voluntária (o agente quer se embriagar) ou involuntária (culposa);
iii. embriaguez patológica – é a embriaguez doentia;
iv. embriaguez preordenada – é a embriaguez voluntária para a prática do crime.
Emoção é o estado afetivo que acarreta na perturbação transitória do equilíbrio psíquico tal como na
ira, medo alegria cólera, ansiedade, prazer erótico, surpresa, vergonha.
A paixão é a emoção mais intensa, ou seja, perturbação duradoura do equilíbrio psíquico.
Exemplos: amor, inveja, avareza, ciúme, vingança, ódio, fanatismo, ambição.
Sobre a embriaguez, temos que ela se trata de intoxicação transitória causada pelo álcool ou
substância de efeitos análogos, como repercussão no psiquismo da pessoa, podendo afetar a sua
capacidade intelectiva ou volitiva. Espécies de embriaguez:
i. a embriaguez acidental completa isenta o agente de pena (art. 28, § 1º, CP);
ii. a embriaguez acidental incompleta acarreta uma diminuição de pena (art. 28, § 2º, CP);
iii. a embriaguez patológica completa exclui a imputabilidade (art. 26, caput, CP);
iv. a embriaguez patológica incompleta é caso de semi-imputabilidade (art.26, parágrafo único, CP);
v. embriaguez preordenada é agravante de pena (art. 61, CP).
O fundamento para se punir a embriaguez não acidental e a embriaguez preordenada, mesmo
quando completa, isto é, quando o agente claramente não tem capacidade de entendimento e
autodeterminação no momento da conduta, é a adoção da teoria da actio libera in causa: o ato
transitório revestido de inconsciência (momento do crime em que o agente se encontra embriagado)
decorre de ato antecedente que foi livre na vontade (momento da ingestão da bebida), transferindo-
se para esse momento anterior a constatação da imputabilidade e da voluntariedade.
Uma vez publicada no Diário Oficial da União, a lei se presume conhecida de todos. É possível, no
entanto, que o agente, mesmo conhecendo a lei, incida em erro de proibição, valorando
equivocadamente a reprovabilidade da sua conduta.
7.6. Qual a diferença entre erro de proibição direto e erro de proibição indireto?
Erro de proibição direto = o agente se equivoca quanto ao conteúdo de uma norma proibitiva,
ignorando a sua existência ou o seu âmbito de incidência. Todos os exemplos acima são de erro de
proibição direto.
Erro de proibição indireto = o agente sabe que a conduta é típica, mas supõe presente uma norma
permissiva (excludente de ilicitude). Exemplo: Fulano, agredido por um tapa, acredita estar
autorizado a revidar com um disparo.
7.7. Quais as hipóteses que excluem a exigibilidade de conduta diversa? Existem causas
supralegais?
Para a reprovação social, não basta que o autor do fato lesivo seja imputável e tenha a possibilidade
de reconhecer o caráter ilícito, exigindo-se, ainda, a possibilidade de atuar de acordo com o
ordenamento jurídico.
As causas de exclusão (dirimentes) de exigibilidade de conduta diversa são previstas pelo art. 22,
CP:
i. coação irresistível – trata-se de coação moral (a coação física irresistível exclui a conduta).
Essa essa coação deve ser irresistível, sendo que coação moral resistível pode configurar atenuante
de pena (art. 65, III, “c”, CP). Consequências: só é punível o autor da coação – a responsabilidade
penal desloca-se do coagido para o coator. Ex.: Fulano constrange de forma irresistível Beltrano
para matar Ciclano. Beltrano, sofrendo coação moral mata Ciclano. Fulano responde por homicídio
62
na condição de autor mediato + tortura (art. 1º, I, “d”, Lei 9.455/97) – concurso material, porque ele
primeiro tortura e depois Beltrano mata Ciclano;
ii. obediência hierárquica – requisitos: (i) ordem de superior hierárquico – manifestação de
vontade emanada de um detentor de função pública dirigida a um agente público hierarquicamente
inferior. Atenção: outras relações que não públicas não permitem essa dirimente – não abrange
subordinação doméstica (pai/filho), subordinação eclesiástica (bispo/sacerdote) ou particular
(diretor de uma empresa/sua secretária); (ii) ordem não manifestamente ilegal – ordem não
claramente, não evidentemente ilegal. Atenção: de acordo com Noronha, não só a ordem, mas
também as circunstâncias atinentes ao executor (rusticidade, atraso, tempo de serviço), tudo em
conjunto, há de ser apreciado no caso concreto. Consequências: só é punível o autor da ordem (a
responsabilidade penal desloca-se do subordinado para o superior, autor da ordem) – caso
Carandiru. Também é caso de autoria mediata.
O legislador não consegue prever todos os casos em que é inexigível do agente conduta diversa,
admitindo-se hipóteses não previstas em lei (causas supralegais de exclusão da culpabilidade).
Exemplos:
i. gestante que pratica nela mesma o aborto resultante de estupro;
ii. desobediência civil – atos de insubordinação que têm por finalidade transformar a ordem
estabelecida, demonstrando a sua injustiça e necessidade de mudança. Requisitos: (i) proteção de
direitos fundamentais; (ii) dano causado não relevante; (iii) MST, estudantes da USP na reitoria.
63
8.2. Quais são as definições de erro, dúvida e ignorância? Há diferença para o direito penal
brasileiro?
ERRO: é a falsa representação da realidade ou falso ou equivocado conhecimento de um
determinado acontecimento, ou até de uma regra jurídica (é um estado positivo).
IGNORÂNCIA: é a falta de representação da realidade ou o desconhecimento total do objeto (é um
estado negativo).
DÚVIDA: é demonstrada por uma infinidade de imagens e sentidos, contudo somente uma delas
está de acordo com a realidade.
Para o Direito Penal brasileiro, é indiferente a distinção conceitual entre erro e ignorância, dada a
identidade das consequências que deles se extraem. Segundo Luiz Flávio Gomes, no nosso Código
Penal, erro e ignorância quase sempre se equivalem; assim, quando se faz referência ao erro (por
exemplo, nos arts. 20, caput e 21) está também se referindo â ignorância. O erro em suma, "resulta
de uma ausência ou falha de raciocínio".
ser um animal; deixa de agir por desconhecer sua qualidade de garantidor; tem relações sexuais com
alguém supondo-se curado de doença venérea.
O erro de tipo, afastando a vontade e a consciência do agente, exclui sempre o dolo. Entretanto, há
situações em que se permite a punição em virtude de sua conduta culposa, se houver previsão legal.
Podemos falar, assim, em erro de tipo invencível (escusável, justificável, inevitável) e erro de tipo
vencível (inescusável, injustificável, evitável).
- Erro sobre a pessoa: É a equivocada representação do objeto material pessoa visada pelo agente.
Em decorrência do erro, o agente acaba atingindo pessoa diversa. Há dois personagens, uma vítima
real e uma vítima virtual. Ex.: Tício quer matar seu pai; porém, representando equivocadamente a
pessoa que entra na casa, acaba matando seu tio. O pai é a vítima virtual e o tio a vítima real.
Art. 20, §3º, CP – O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não
se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o
agente queria praticar o crime.
Solução: Não exclui dolo nem culpa. Não isenta o agente de pena. O agente responde pelo delito,
considerando-se a qualidade da vítima virtual (TEORIA DA EQUIVALÊNCIA). No exemplo
acima, o agente responderá por parricídio, mesmo seu pai estando vivo.
- Erro na execução – aberratio ictus: O agente atinge pessoa diversa da pretendida por acidente
ou por erro no uso dos meios de execução. Também há dois personagens, uma vítima real e uma
vítima virtual; mas, neste caso, a vítima é corretamente representada, não houve confusão mental,
mas sim o crime foi mal executado. Ex.: Tício mira em seu pai e, por falta de habilidade no
manuseio da arma de fogo, acaba por atingir um vizinho que passava do outro lado da rua.
Solução: Erro na execução com resultado único: O agente atinge somente pessoa diversa da
pretendida. Responderá pelo delito considerando-se a qualidade da vítima virtual (Teoria da
Equivalência).
Erro na execução com resultado duplo ou unidade complexa: O agente atinge a pessoa diversa e
também a pretendida. Responderá pelo delito aplicando-se a regra do concurso formal. Problema:
66
Ex.: Tício, querendo matar seu pai, atira, mas – por erro – apesar de ferir a vítima visada, acaba
matando o vizinho. Solução: 1ª posição) O agente responde, em concurso formal, por homicídio
doloso consumado do pai e lesão corporal do vizinho (Damásio). 2ª posição) O agente responde, em
concurso formal, por tentativa de homicídio do pai e homicídio culposo do vizinho (Rogério
Sanches Fragoso).
Art. 73, CP – Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de
atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado
crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no §3º do artigo 20 deste Código. No caso de ser
também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do artigo 70 deste
Código.
Aberratio ictus por acidente Aberratio ictus por erro no uso dos meios de
execução
Não há erro no golpe, mas desvio na execução Existe erro no golpe. Há um desvio na
execução em razão de inabilidade do agente no
uso do instrumento.
A vítima visada pode ou não estar no local A vítima visada está no local
Ex.: “A” coloca uma bomba no carro de “B” Ex.: “A” atira para matar “B” mas, errando o
para explodir quando acionado. Mas, quem liga alvo, atinge sua esposa.
o carro naquele dia é a esposa de “B”.
- Erro sobre o nexo causal/aberratio causae (não tem previsão legal): trata-se de hipótese em que
o agente provoca o resultado desejado, mas com nexo causal diverso do pretendido. A doutrina
assim o subdivide:
- Em sentido estrito: o agente, mediante um ato só, provoca o resultado visado, porém com outro
nexo. Ex.: “A” empurra “B” de um penhasco para que morra afogada. Mas “B” morre em razão de
traumatismo craniano pois bateu com a cabeça na pedra durante a queda. Nexo visado: afogamento.
Nexo real: traumatismo.
- Dolo geral ou erro sucessivo ou aberratio causae: o agente, mediante conduta desenvolvida
em pluralidade de atos, provoca o resultado pretendido, porém com outro nexo. Ex.: “A” dispara
contra “B” (1º ato) e, imaginando que “B” está morto, joga seu corpo no mar (2º ato), vindo “B” a
morrer afogado.
Solução: O agente responde pelo crime considerando-se o nexo real (Princípio Unitário). Em ambos
exemplos supracitados o agente responde por homicídio, no primeiro, o nexo é o traumatismo
craniano e no segundo o afogamento.
Cuidado: Por não ter previsão legal, o nexo real, se mais prejudicial ao agente que o nexo visado,
não poderá ser considerado, devendo-se prevalecer o nexo desejado pelo agente, diante da máxima
do in dubio pro reo (Rogério Sanches).
8.11. Fulano quer matar um agente federal em serviço. Por acidente, acaba matando outra
pessoa que passava pelo local. De quem é a competência para processo e julgamento desse
homicídio?
De acordo com o CP, considera-se a vítima virtual (Art. 73, CP); mas, a competência está no CPP,
que trabalha com a vítima real. Assim, a competência será da justiça estadual.
8.13. Quais são as espécies de erro de proibição, de acordo com a Teoria Limitada da
Culpabilidade?
As espécies são erro de proibição direto (o sujeito erra sobre a norma proibitiva); erro de proibição
indireto (é aquele que incide sobre a existência ou limite de uma excludente de antijuridicidade) e
erro de proibição mandamental (o sujeito erra sobre a existência sobre o devedor jurídico de agir).
Ex.: “A” é ameaçado de morte por “B”. Durante a madrugada, “A” encontra-se com “B”, que leva a
mão à cintura, dando a impressão de que sacaria uma arma. “A”, imaginando que seria morto por
“B”, saca o seu revólver e atira contra este último, matando-o. Na verdade, “B” não estava armado,
e somente havia levado a mão à cintura com a finalidade de retirar um maço de cigarros que se
encontrava no bolso de sua calça. Neste caso, conclui-se pela legítima defesa putativa.
Solução: como qualquer erro, os ocorridos em situação de putatividade podem ser considerados
escusáveis ou inescusáveis e assim define o Art. 20, §1º do CP:
Art. 20, §1º, CP – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias,
supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o
erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
Atenção: Somente quando o agente tiver uma falsa percepção da realidade no que diz respeito à
situação de fato envolvida, levando-o a crer que poderia agir amparado por uma causa de exclusão
de ilicitude, é que estaremos diante de um erro de tipo. Quando o erro recair sobre a existência ou
mesmo sobre os limites de uma causa de justificação, o problema não se resolve como erro de tipo,
mas, sim, como erro de proibição, previsto no Art. 21 do CP.
8.16. Qual a teoria adotada pelo CP no tocante ao tratamento das descriminantes putativas?
O CP adotou a Teoria Limitada da Culpabilidade (conforme item 17 da Exposição de Motivos),
uma vez que, se o erro do agente recai sobre uma situação fática, estamos diante de um erro de tipo
(Art. 20, §1º, CP), que passa a ser denominado de erro de tipo permissivo e caso o erro não recaia
sobre uma situação fática, mas sim sobre os limites ou a própria existência de uma causa de
justificação, o erro passa a ser de proibição (Art. 21, CP). Para a teoria extremada ou estrita da
culpabilidade, todas essas hipóteses são consideradas como erro de proibição.
70
9.2. Em que consiste a denominada COAUTORIA SUCESSIVA? Até que momento ela
poderá ocorrer?
Consiste na cooperação num crime já iniciado, isto é, o agente que concorre para a prática do crime
intervém dolosamente já durante a execução do crime de outrem, mas sempre antes da sua
consumação, sendo que nos crimes permanentes e habituais a participação poderá ocorrer enquanto
não cessar a permanência ou habitualidade.
9.3. É possível que haja concurso de agentes sem a presença do liame subjetivo?
NÃO. Para que seja possível a configuração do concurso de pessoas, imprescindível que aqueles
que participam da empreitada criminosa tenham, voluntária e conscientemente, concorrido com a
sua ação para a conduta de outrem.
Sem o liame subjetivo haverá tão somente a chamada AUTORIA COLATERAL.
Contudo, deve-se frisar que não é necessário que haja o acordo entre os agentes, bem como sequer é
necessário que a adesão subjetiva (voluntária) de um agente seja conhecida e aprovada/aceita por
quem a recebe.
Por fim, imperioso ressaltar que há um segundo aspecto do requisito subjetivo: é necessária a
HOMOGENEIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO, sendo que ambos devem atuar com o
mesmo elemento subjetivo – dolo/culpa, ainda que os motivos para a prática do crime sejam
diversos entre os agentes, de modo que não é possível haver coautoria ou participação dolosa em
crime culposo, nem coautoria ou participação culposa em crime doloso.
71
9.4. A conivência e/ou omissão diante da prática de um crime por outrem é penalmente
relevante?
NÃO. O fato de assistir ou mesmo desejar que o delito se realize, bem como a não comunicação do
fato às autoridades não é penalmente relevante, SALVO se aquele que se omite possuir a condição
de garantidor, de modo que se encontra juridicamente obrigado a agir para evitar o resultado.
Nesse sentido, uma estudante de medicina que acompanha o médico (seu instrutor) executar uma
técnica abortiva (ilicitamente), mas que nada faz, apenas assiste com o intuito de aprender a referida
técnica, não é partícipe nem coautora do crime.
9.5. Em que consiste a “cumplicidade por meio de ações neutras”? (tema controvertido na
doutrina)
São as “contribuições” de um agente para a prática de crime por outrem, mas que, à primeira vista,
parecem completamente normais/lícitas, não havendo, a rigor, adesão ao crime daquele que o
pratica, ou sequer induzimento/instigação.
É o caso, por exemplo, em que um comerciante vende um martelo para o agente X, com a qual este
irá praticar um homicídio contra Y. O comerciante, mesmo sabendo que X utilizará tal ferramenta
para o crime, não concorre para o homicídio se sua ação for realmente neutra, isto é, se ele não
pretender motivar ou ajudar X a cometer o crime, de tal forma que sua ação não será penalmente
relevante, pois sua punição violaria o princípio da pessoalidade da pena (pois a conduta é
exclusivamente de terceiro) e também o princípio da proporcionalidade.
9.6. Quais são os requisitos apontados pela doutrina para a caracterização do concurso de
pessoas?
A doutrina dominante aponta como requisitos a existência de pluralidade de condutas, a identidade
da infração praticada, o nexo causal entre tais condutas e o liame subjetivo entre os agentes.
Paulo Queiroz critica esse entendimento majoritário, apontando que, na verdade, a pluralidade de
condutas nada mais é que pressuposto de um concurso e não um requisito, já que só pode haver
concurso com pluralidade de agentes, e só assim poderá haver pluralidade de condutas. Da mesma
forma, a identidade de infração é consequência da teoria adotada pelo CP (teoria Monista) e não um
requisito para o concurso de agentes, sendo possível, inclusive, ainda que excepcionalmente, a
imputação de crimes diversos aos agentes, numa mitigação da teoria monista. Por fim, também o
nexo causal não é indispensável ao concurso, pois é corriqueiro que haja participação de agentes por
meio de atos secundários, sem os quais ainda assim ocorreria o crime.
9.9. Nos crimes dolosos contra a vida, na modalidade comissiva por omissão (omissão
imprópria), a posição de garante se comunica a quem não ostenta essa condição, mesmo
havendo homogeneidade de elemento subjetivo?
A posição de garantidor visa a impedir a lesão a um bem jurídico amparado por norma proibitiva.
Assim, a “posição de garante” não pode ser imputada a qualquer pessoa, senão àqueles que, em
virtude de sua especial proximidade com tal bem, estejam investidos nesta qualidade. Destarte, não
há que se falar em participação nos delitos omissivos impróprios, assim como nos próprios. O
garante que se omite em evitar o injusto, não é cúmplice, mas autor por omissão. Isto porque, o
garantidor, por sua investidura, tem de agir no domínio final do feito para repelir o injusto.
Segundo Juarez Tavares, são delitos de dever: configura-se no garante uma certa especialização,
pela obrigação de agir face a um dever legal de assistência. Assim, não se verificam a participação
nem coautoria. Cada qual responde pela sua omissão, “com base no dever que lhe é imposto”.
73
Autores que aceitam a coautoria e participação: Rogério Greco e Cezar Bitencourt. Ex.: A instiga B,
que ele não conhece, a não alimentar o filho. A será o partícipe; A e B, em comum acordo, deixam
de alimentar seu filho, os dois são garantes e coautores; A, paraplégico, induz B, salva-vidas, a não
prestar socorro quando devia e podia fazê-la, uma vez que a vítima era inimiga de B.
Autores que não aceitam a coautoria e participação: Juarez Tavares e Nilo Batista. Ex.: Se 50
nadadores assistem impassíveis o afogamento de uma criança cada um será autor colateral da
omissão, respondendo de forma isolada.
Uma terceira linha (Fernando Capez, Damásio, Delmanto, Mirabete e Alberto Silva Franco) que
admite apenas a participação.
9.10. Qual a relação entre a teoria da causalidade adotada pelo CP e a teoria utilizada pelo
legislador para a distinção entre autoria e participação?
O legislador, no art. 13 do CP, adotou a chamada teoria da equivalência dos antecedentes causais
(ou da conditio sine qua non), pela qual será causa do crime toda ação ou omissão sem a qual o
resultado não se produziria. Assim, como extensão desta teoria para o âmbito do concurso de
agentes, levou o legislador a adotar a teoria unitária ou monista, de forma que todos aqueles que
participam de um crime (autor é quem dá causa a um resultado) serão coautores do mesmo, pois
serão autores todos os que intervenham no processo causal de realização do tipo,
independentemente da relevância da participação de cada um, questão que será analisada apenas no
momento de aplicação da pena.
9.11. Quais são as teorias existentes em nosso ordenamento jurídico em relação ao conceito de
autoria?
a) teoria subjetiva ou unitária: não diferencia o autor do partícipe. Autor é aquele de que
qualquer modo contribuir para a produção do resultado. Possui fundamento na teoria da
equivalência dos antecedentes ou sine qua non. Existe um exemplo no CP, art. 349: “Prestar
ao criminoso, fora dos casos de coautoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro
o proveito do crime”.
b) teoria extensiva: parte da ideia de que todos aqueles que dão causa ao resultado são autores,
não distinguindo autor e partícipe, mas reconhece que a lei distingue certos graus de
responsabilidade. Possui fundamento também na teoria da equivalência dos antecedentes
causais.
c) teoria restritiva: opera nítida distinção entre autor e partícipe. Essa teoria se subdivide em:
i. teoria objetiva-formal: autor é aquele que realiza o núcleo do tipo penal e partícipe é
quem de qualquer modo concorre para o crime, sem realizar o núcleo do tipo. Obs: a
atuação do partícipe seria impune se não existisse a norma de extensão pessoal prevista
no art. 29, CP: a adequação típica, na participação, é de subordinação mediata. É a teoria
preferida pela doutrina nacional, mas falha ao deixar em aberto o instituto da autoria
mediata. Adotada pelo CP.
74
ii. teoria objetiva-material: autor é aquele que presta a contribuição objetiva mais
importante para a produção do resultado, e não necessariamente aquele que realiza o
núcleo do tipo. Partícipe é aquele que concorre de maneira menos importante.
iii. teoria do domínio do fato: criada por Hans Welzel – autor é aquele que possui controle
sobre o domínio final do fato, ou seja, domina finalisticamente o trâmite do crime e
decide acerca de sua prática, suspensão, interrupção e condições. De acordo com tal
teoria, o autor pode ser: autor propriamente dito (pratica o núcleo do tipo); autor
intelectual (planeja mentalmente a empreitada criminosa; autor mediato (aquele que se
vale de um inculpável ou de uma pessoa que atua sem dolo ou culpa para cometer a
conduta criminosa); coautores (quando o núcleo do tipo penal é cometido por 2 ou mais
agentes).
A teoria do domínio do fato também admite a figura do partícipe: quem, de qualquer modo,
concorre para o crime, desde que não realize o núcleo do tipo penal nem possua o controle final do
fato.
Atenção! A teoria do domínio do fato possui aceitação doutrinária e jurisprudencial. O STF adotou
tal teoria na AP 470 (mensalão)
9.14. Para que exista coautoria se faz necessário que os diversos agentes em concurso
pratiquem condutas idênticas?
NÃO. A coautoria é a realização conjunta de um delito, sendo necessário tão somente o domínio
funcional do fato, isto é, que cada agente assuma a responsabilidade pela realização do fato que lhe
fora atribuído de acordo com a divisão funcional do trabalho, de modo que é natural que cada
coautor contribua de forma mais ou menos diferenciada para a obra criminosa comum.
75
9.16. Em que consiste a “autoria mediata por domínio de aparato organizado de poder”?
Trata-se de modalidade peculiar de autoria mediata preconizada por Claus Roxin, em que há uma
inovação bem particular: o executor (autor imediato) não é agente não culpável como ocorre
ordinariamente, de forma que, nesses casos, o autor mediato (homem por trás da organização) e
imediato (executor da ação) serão igualmente culpáveis e puníveis.
Sustenta Roxin que não seria caso de coautoria, porque no caso de um aparato organizado de poder,
o executor é figura quase anônima e sempre fungível/substituível, cumprindo ordens da sua chefia
imediata, sem muitas vezes sequer conhecer o mandante (autor mediato), não havendo, geralmente,
acordo entre mandantes e executores.
O executor, apesar de participar do domínio da ação, é apenas uma engrenagem na maquinaria do
poder, e o homem por trás das ações, dada a automação da atividade, pode confiar que qualquer
subordinado seu irá executar suas ordens criminosas, de forma que tem o domínio do fato.
* Para Paulo Queiroz, não faz sentido a ampliação do conceito de autoria mediata proposto pelo
referido autor alemão, pois além de desnecessária (já que pode ser resolvido pelas noções já
76
existentes), não há executor sendo utilizado como instrumento, visto que ele é responsável por sua
ação: logo, quem dá a ordem nada mais é que um autor intelectual ou coautor.
9.17. É possível haver a punição do partícipe sem que haja a punição do autor?
DEPENDE. Em regra, por ser uma atividade secundária ou acessória no crime do autor, a
participação pressupõe, logicamente, que haja autoria. Dessa forma, a punição do partícipe não
poderá olvidar da natureza acessória da participação. Nesse sentido, a doutrina aponta GRAUS DE
ACESSORIEDADE para estabelecer essa punição:
a) Acessoriedade mínima: a punição do partícipe exige apenas a realização de conduta típica
pelo autor;
b) Acessoriedade limitada: exige conduta típica + ilícita do autor;
c) Acessoriedade extremada ou máxima: exige que a conduta do autor seja típica + ilícita e que
o autor seja culpável para que seja punido o partícipe;
d) Hiperacessoriedade: depende que o autor cometa crime (fato típico, ilícito e culpável) e que
tal crime seja punível.
Doutrina amplamente majoritária defende a teoria da acessoriedade limitada e entende que ela teria
sido adotada pelo CP, e que a prevalência dessa teoria se deve à reestruturação do tipo pela doutrina
finalista, pois a acessoriedade extremada seria teoria adotada no âmbito de um tipo causal-
naturalista, em que dolo e culpa eram elementos da culpabilidade.
Contudo, Paulo Queiroz, em posição favorável à defesa, sustenta a aplicação da teoria da
acessoriedade extremada, de tal forma que se o autor for absolvido por inculpabilidade (salvo
menoridade e alienação mental), deverá também o partícipe ser absolvido.
9.18. Quais argumentos podem ser aduzidos em prol da adoção da teoria da acessoriedade
extremada ou máxima?
Embora seja minoritária, a aplicação dessa teoria tem nítido benefício ao réu partícipe.
a) Se o autor não é culpável, segundo o conceito analítico tripartite de crime, temos que sua
conduta não pode ser considerada crime. Logo, como acessória que é a participação, não faz
sentido que seja punida, pois seria incriminar a participação em fato não criminoso;
b) A teoria dominante entre os doutrinadores (limitada) acarreta uma indevida autonomização
da participação, retirando-lhe a sua natureza acessória;
c) Haveria uma violação da proporcionalidade com a adoção da teoria da acessoriedade
limitada, pois como absolver o mais (autor) e punir o menos (partícipe)?
d) Não é tão clara a distinção no caso concreto de excludentes da ilicitude (que beneficiam o
partícipe) e da culpabilidade (que não o beneficiariam, segundo a teoria majoritária), sendo
que, ademais, tais circunstâncias, embora pessoais, podem se comunicar da mesma forma
que eventuais excludentes de ilicitude (legítima defesa) e de tipicidade (erro de tipo), as
quais a doutrina majoritária não critica o seu uso em benefício do partícipe.
77
10.4. Como se dará o cumprimento da pena quando houver imposição cumulativa de penas de
reclusão e detenção?
No caso de imposição cumulativa de penas de reclusão e detenção, adota-se o regramento do art.
69, caput, 2ª parte do CP, devendo-se executar inicialmente a pena de reclusão.
Há doutrina, contudo, que entende que crimes da mesma espécie são aqueles que tutelam o mesmo
bem jurídico, estando ou não previstos no mesmo tipo legal. Seria possível o reconhecimento de
crime continuado em caso de furto e estelionato, por exemplo.
c) Conexão temporal
A jurisprudência consolidou um critério objetivo, pelo qual entre um crime parcelar e o outro não
pode transcorrer um hiato superior a 30 (trinta) dias.
d) Conexão espacial
A jurisprudência firmou o entendimento de que os diversos delitos devem ser praticados na mesma
cidade ou em cidades contíguas.
e) Conexão modal
A lei impõe semelhança entre a maneira de execução dos crimes.
Atenção: a conexão ocasional não foi prevista em lei, mas é exigida por parte da doutrina e
jurisprudência, em razão do art. 71 do CP falar em "outras semelhantes".
Quanto ao concurso formal imperfeito, esclarece-se que o regramento adotado decorre da existência
de desígnios autônomos, devendo o agente responder por todos os resultados a que deu causa. Isso
porque não há diferença na conduta daquele que, desejando a morte de todos os membros da
família, ingressa na residência e atira em cada uma das pessoas ou ateia fogo na residência.
O sistema de exasperação, por sua vez, é adotado no concurso formal perfeito (art. 70, caput, 1ª
parte). Neste caso, aplica-se somente a pena da infração penal de qualquer dos crimes, se idênticos,
ou então a mais grave, se diversos, aumentada, em qualquer caso, de um sexto até a metade. Trata-
se de causa de aumento de pena e incide, por corolário, na terceira fase de aplicação da pena. De
acordo com os Tribunais Superiores, o critério para fixação do aumento de pena é o número de
crimes cometidos pelo agente.
Aplica-se ainda o sistema de exasperação ao crime continuado. Neste caso, aplica-se a pena da
infração penal de qualquer dos crimes, se idêntico, ou então a mais grave, se diversos, aumentada,
em qualquer caso, de um sexto até dois terços. Trata-se de causa de aumento de pena, incidindo na
terceira fase de aplicação da pena.
Excepciona-se tal regra, no caso de crime continuado específico (art. 71, § único), que será visto
adiante.
10.15. Conceitue crime continuado específico e informe como será a dosimetria da pena.
O crime continuado específico é aquele que se verifica em crimes dolosos, contra vítimas
diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, presentes os requisitos do crime
continuado comum. Neste caso, aplica-se a pena de qualquer dos crimes, se idênticas, ou a mais
grave, se diversas, aumentada em qualquer caso até o triplo.
Não possui mais aplicabilidade a Súmula 605 do STF, que vedava a continuidade delitiva nos
crimes contra a vida.
Importante destacar que o concurso de crimes é moderado (ou limitado) em razão do teto máximo
de 30 anos para cumprimento da pena privativa de liberdade. Embora o somatório das penas possa
ultrapassar esse montante, o efetivo cumprimento deverá obedecer o art. 75 do CP.
10.17. Aplica-se a lei penal mais grave ao crime continuado se sua vigência é anterior à
cessação a continuidade?
De fato, pode ocorrer de estar em vigor uma determinada lei para um grupo de delitos e, com a
superveniência de outra lei, mais gravosa, ser aplicada uma nova série de crime, todos eles em
continuidade. Segundo a súmula 711 do STF, aplica-se a lei mais gravosa a toda série delitiva.
10.22. Imagine que o agente praticou, em concurso formal, três crimes, cuja pena máxima
para cada um deles é de 2 anos. Indaga-se: o julgamento será de competência do Juizado?
Não. É pacífica a jurisprudência do STJ de que, no caso de concurso de crimes, a pena considerada
para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal será o resultado da soma, no caso
de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das
penas máximas cominadas aos delitos. Assim, se desse somatório resultar uma pena superior a 02
anos, fica afastada a competência do Juizado.
83
11.7. É sabido que as Teorias da Prevenção Especial se voltam para o delinqüente. Quais as
subdivisões dessa teoria?
As teorias da Prevenção Especial se subdividem e positivas (reeducação do infrator) e negativas.
Esta visa a eliminar, neutralizar o delinqüente.
A pena, nesta última visão, pretende defender a nova ordem, defender a sociedade. O delito não é
apenas uma violação ao ordenamento jurídico, mas um dano social, e o delinqüente, um perigo
social. Teve seu surgimento no contexto da passagem para um Estado intervencionista, sendo que a
defesa social acima citada referia-se a alguns setores específicos: econômico e laboral.
Os partidários da prevenção especial preferiam falar em medidas, ao invés de penas, pois pena
pressupões liberdade ou capacidade racional do indivíduo. Em contrapartida, medida supõe que o
delinqüente como um sujeito anormal, perigoso, devendo ser tratado de acordo com sua
periculosidade.
Essa perspectiva foi alvo de várias críticas, mormente por afrontar princípios garantistas, como a
proporcionalidade entre o delito e a pena, bem como por culminar em um Direito Penal do Autor.
No entanto, há méritos. É possível sustentar a finalidade da prevenção especial sob o ponto de vista
da política-criminal, não como fim em sim mesma, mas voltada para a ressocialização do preso
durante o período em que estiver cumprindo a pena.
Deve ser feita a ressalva de que, atualmente, esta finalidade não é mais vista do ponto de vista
terapêutico, mas sim como modo de evitar os efeitos dessocializadores da pena privativa de
liberdade (estigma da pena, dificuldade de obter novo emprego, etc.). Assim, setor considerável da
doutrina não vê a prevenção especial como legitimadora da pena, mas como limitadora da
execução, a fim de se evitar, ao máximo, seus efeitos negativos.
e.Princípio da intervenção mínima:a pena é legítima apenas nos casos estritamente necessários à
proteção do bem jurídico.
f.Princípio da humanidade ou humanização das penas.
g. Princípio da proporcionalidade: resposta penal justa e suficiente para reprovação do injusto, bem
como para prevenir novos delitos. É estritamente ligado às finalidades da pena.
h. Princípio da individualização: art. 5º, XLVI, da CRFB. Desenvolve-se nos três planos: i)
legislativo, quando o legislador estabelece os limites da sanção adequada; ii) judicial, quando da
aplicação em concreto da pena; e iii)administrativa, durante a execução da pena, a fim de assegurar
o integral cumprimento das finalidades da pena.
11.11. É possível a fixação de regime prisional mais gravoso, no caso de a pena ter sido fixada
no mínimo legal?
Para o STJ, não. Súmula 440 do referido Tribunal. Isso porque, se as circunstâncias do art. 59 foram
consideradas favoráveis ao réu, não há lógica para o agravamento do regime prisional de
cumprimento.
b. Regime semi-aberto: pena superior a quatro anos e não excedente a 8 anos aplicada a codenado
não reincidente. A execução ocorrerá em colônia agrícola ou industrial, ou em estabelecimento
similar.
c. Regime aberto: pena igual ou inferior a 4 anos aplicada a condenado não reincidente. A execução
ocorrerá em casa de albergado ou estabelecimento adequado, baseando-se na autodisciplina e senso
de responsabilidade.
No ponto, ressalte-se a súmula 269 do STJ, que permite a fixação do regime semi-aberto para
condenados reincidentes a pena igual ou inferior a quatro anos.
11.20. É possível a substituição da PPL por PRD em caso de prática de crime hediondo ou
equiparado?
Em regra, os próprios requisitos legais da PRD já impedem a substituição, pois são praticados com
violência ou grave ameaça, ou a eles é cominada pena superior a quatro anos.
Na Lei de Drogas, no entanto, temos a hipótese do § 4º do art. 33. Apesar de a própria lei proibir a
substituição da pena, o STF julgou inconstitucional o impedimento, por ofensa ao princípio da
individualização da pena (HC 97.256/RS). Ainda, com base no art. 52, X, da CRFB, o Senado
editou a resolução nº 5 de 2012, suspendendo a execução da referida proibição.
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11.22. É possível a substituição de PPL fixada em patamar superior a seis meses e inferior a
um ano por apenas pena de multa?
O art. 44, § 2º, 1ª parte, do CP, estabelece que a condenação igual ou inferior a um ano será
substituída por multa ou uma PRD.
Por sua vez, o art. 60, § 2º, do CP, prevê a possibilidade de aplicação exclusiva de multa quando a
pena fixada não for superior a seis meses.
Assim, há duas posições sobre o assunto:
a. É possível, pois o art. 44, § 2º, 1ª parte, do CP permite, sendo este dispositivo mais recente e
mais benéfico ao réu, tendo revogado tacitamente o art; 60, § 2º do CP. Este é o
entendimento majoritário
b. Não seria possível, pois os dispositivos deveriam, para essa corrente, ser interpretados de
forma conjunta.
11.23. Quais os casos de reconversão obrigatória em PPL? Qual o saldo de pena que deverá
ser cumprido? Há saldo mínimo em todos os casos?
A reconversão obrigatória em caso de descumprimento injustificado da obrigação imposta.
Ressalte-se que, no caso de aplicação exclusiva de multa (sem aplicação de PRD, portanto), tal não
ocorre, porque se transforma em dívida de valor, devendo ser inscrita em dívida ativa.
Considerando que a PRD é aplicada, em regra, pelo mesmo período da pena fixada, o apenado
cumprirá em PPL apenas o tempo remanescente. No entanto, deve ser respeitado o saldo mínimo de
30 dias de detenção ou reclusão. Já no caso de prisão simples, inexiste o saldo mínimo.
11.25. Em relação a suspensão de dirigir veículo automotor pelo CP, responda qual a sua
aplicabilidade após a vigência do CTB?
Com efeito, essa PRD se destina apenas aos crimes culposos de trânsito, tendo parte da doutrina
afirmado que o dispositivo do CP foi tacitamente revogado pelo CTB.
Isso porque, o CTB diferencia autorização (exigida para a condução de ciclomotores), de permissão
(vulgarmente conhecida como “provisória”) e habilitação. Assim, se considerar que o dispositivo do
CP em questão ainda vige, só poderia ser aplicado no caso de ciclomotores que, de acordo com a
definição feita pelo CTB, praticamente não existem mais.
11.28. Qual o sistema adotado no CP para fixação da pena privativa de liberdade - PPL? E
para a pena de multa?
O art. 68 do CP demonstra que foi adotado, quanto à PPL, o critério trifásico, elaborado por Nelson
Hungria. Nesse sistema, primeiro se fixa a pena-base, atentando-se às circunstâncias judiciais do
art. 59 do CP. Em seguida, serão consideradas as agravantes e atenuantes. Por fim, incidem as
causas de diminuição e de aumento de pena.
Por outro lado, em relação à pena de multa, adotou-se o critério bifásico. Na primeira fase, o juiz
estabelece o número de dias-multa, que varia entre o mínimo de 10 e o máximo de 360, conforme
art. 49 do CP. Nessa fase, consideram-se todas as etapas percorridas para fixação da PPL.
Na segunda fase, fixa-se o valor de cada dia-multa, que pode variar entre 1/30 do salário-mínimo e
5 salários-mínimos, observando-se a situação econômica do réu.
11.30. Discorra sobre as atenuantes e agravantes. É possível o concurso entre elas? Como se
resolve?
São dados periféricos que gravitam ao redor do tipo penal e possuem por finalidade aumentar ou
diminuir a pena. Não há quantum pré-definido, ficando a critério do juiz o aumento ou a
diminuição. Encontram-se apenas na parte especial do CP.
As agravantes são previstas no rol taxativo dos artigos 61 e 62 do CP. Já as atenuantes são previstas
no art. 65 do CP, sendo que o art. 66 traz a figura da atenuante genérica, demonstrando o caráter
exemplificativo do rol.
O art. 67 do CP disciplina o concurso de agravantes e atenuantes, estabelecendo que a pena deve se
aproximar do limite indicados pelas circunstâncias preponderantes, que devem ser entendidas como
as que resultem dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.
Vem se entendendo que a atenuante da menoridade relativa (21 anos) é a circunstância
preponderante por excelência.
Por outro lado, quando há concurso entre a reincidência e a confissão espontânea, o entendimento
não é pacífico. O STF já decidiu que a reincidência prepondera neste caso (RHC 120.677/SP, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, j. 18.03.2014). O STJ, por sua vez, entende que a confissão
espontânea revela traço de personalidade do agente, sendo igualmente preponderante à reincidência.
por crime ou contravenção, esta só se for praticada no Brasil. No entanto, se o autor for condenado
por contravenção e, posteriormente, cometer um crime, tal situação não configura a reincidência.
A reincidência só poderá ser considerada no período de 05 anos após a extinção da pena. Para fins
de reincidência, não são considerados os crimes militares próprios e os políticos.
11.36. Qual a natureza do sursis da pena? Quais os requisitos para sua concessão?
O entendimento dominante afirma que o sursis da pena tem natureza de política criminal. No
entanto, há quem afirme que se trata de direito público subjetivo do condenado. Terceira corrente
afirma que, ainda que não prevista no art. 32 do CP, trata-se de espécie de pena.
Para sua concessão, o condenado deve preencher requisitos objetivos e subjetivos:
-REQUISITOS OBJETIVOS:
a. natureza da pena: PPL. Não se aplica à medida de segurança;
b. Quantidade da PPL: em regra, não pode ser superior a 2 anos. No entanto, no caso de sursis
etário (condenado com mais de 70 anos) e no humanitário (condenado com problemas de saúde), a
pena pode ser igual ou inferior a quatro anos. Ainda, há previsão na Lei de Crimes ambientais, de
que, para estes crimes, o sursis pode ser concedido quando a pena fixada for igual ou inferior a 03
anos.
c. Não ter havido conversão da PPL em PRD (pena restritiva de direito).
-REQUISITOS SUBJETIVOS:
a. Réu não reincidente em crime doloso, exceto se a condenação anterior for exclusiva à pena de
multa.
b. A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os
motivos e circunstâncias do crime, autorizarem a concessão.
freqüentar determinados lugares e de se ausentar da comarca onde reside, sem autorização do juiz,
comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas
atividades.
12.1.1. As causas de extinção da punibilidade se esgotam na previsão legal do Art. 107 do CP?
O rol do Art. 107 do CP é exemplificativo, pois que, em outras de suas passagens também há
previsão de fatos que possuem a mesma natureza jurídica, por exemplo: Art. 312, §2º do CP
(peculato culposo), Art. 89 §5º da Lei 9.099/95, Art. 28 da Lei 9.605/98 (laudo de constatação de
reparação de dano ambiental).
(Cespe – Defensor Público- ES/2009 - Adaptado) Acerca das ações penais públicas e privada e da
extinção da punibilidade, julgue o item a seguir.
Considere a seguinte situação hipotética. Carlos comprou um notebook de Délcio, ciente de que o
bem tinha sido objeto de furto praticado por Délcio. Nessa situação, se ocorrer a prescrição da
pretensão punitiva do crime de furto, Carlos não poderá ser acusado de receptação, ainda que não
prescrito este crime.
R: Errada. Conforme dispõe o Art. 108 do CP, a extinção da punibilidade de crime que é
pressuposto de outro não se estende a este. É precisamente a ligação entre o furto e a receptação, em
que a prescrição relativa à subtração não provoca qualquer efeito semelhante em relação à aquisição
do produto do crime anterior.
103
12.1.3. Momento:
A extinção da punibilidade pode ocorrer antes e depois do trânsito em julgado da sentença
condenatória, verificando-se então a extinção do título penal executório (jus punitionis), como na
hipótese do indulto. O Art. 61 do CPP determina que “em qualquer fase do processo, o juiz, poderá
reconhecer extinta a punibilidade (declarar de ofício). Contudo, a declaração só pode ocorrer após o
início da ação penal, quando já se pode falar em processo.
Obs.: Também pode ser irrestrita ou limitada conforme abranja todos os delito relacionados ao fato
criminoso principal ou exclua somente alguns deles. A anistia não se aplica aos crimes hediondos e
equiparados (art. 5º, XLIII, CR/88). Em regra, a anistia é concedida a crimes políticos, militares ou
eleitorais, não se destinando aos crimes comuns, porém não há empecilho para que seja concedida a
estes.
12.1.8 As normas gerais do Código Penal, no que tange a extinção da punibilidade, são
aplicáveis ao Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA?
Asseverou-se que, em princípio, as normas gerais do Código Penal seriam integralmente aplicáveis
às hipóteses sujeitas ao Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, incluindo-se os dispositivos
referentes à prescrição, haja vista não existirem incompatibilidades entre as medidas
socioeducativas e as normas que preveem a extinção da punibilidade pelo transcurso do lapso
temporal.
Ressaltou-se que o fato de o ECA não ter previsto a prescrição como forma de extinção da
pretensão punitiva e executória não seria motivo suficiente para afastá-la.
No ponto, entendeu-se que a maneira mais adequada de resolver o tema, sem criar tertium genus e
sem ofender o princípio da reserva legal, seria a solução adotada, pelo STJ, no acórdão impugnado:
... considerar a pena máxima cominada ao crime pela norma incriminadora pertinente, combinada
com a redução à metade do prazo prescricional, em virtude da menoridade, prevista no art. 115 do
CP.
Assim, tendo em conta o lapso temporal decorrido, verificou-se que a prescrição não estaria
configurada na espécie.
HC 88788/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.4.2008. (Informativo 503, STF- ECA e Prescrição
Penal).
105
12.2.1. Que sistema o ordenamento jurídico brasileiro adota entre a responsabilidade penal e
a responsabilidade civil ?
Transitada em julgada a sentença condenatória penal, produzirá determinados efeitos extrapenais
genéricos que tem previsão no Art. 91 do Código Penal, como primeiro efeito tornar certa a
obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. O sistema adotado é o da separação ou
independência entre a responsabilidade civil e penal (Art. 935 do Código Civil), de forma que a
obtenção do ressarcimento do dano eventualmente provocado pelo delito sujeita-se a promoção da
competente ação civil por parte da vítima, conferindo independência e autonomia ao processo
penal.
Cabe ao ofendido optar por aguardar o desfecho da ação penal, posto que, a sentença penal
condenatória irrecorrível tem natureza de título executivo judicial, ou poderá optar por ingressar
com actio civilis ex delicto, tramitando duas ações.
Obs.: Na primeira hipótese uma vez transitada em julgado, poderão promover-lhe a execução no
juízo cível, para efeito da reparação do dano. Cumpre salientar que a sentença penal irrecorrível faz
coisa julgada no cível (Art. 584, II do CPC).
12.2.5. (Cespe - Defensor Público- ES/2009) Julgue o próximo item acerca dos efeitos da
condenação.
A condenação tem como efeito genérico tornar certa a obrigação de reparar o dano. Esse
efeito é automático, não precisa ser expressamente pronunciado pelo juiz na sentença
condenatória e destina-se a formar título executivo judicial para a propositura de ação civil ex
delicto.
R: Certa. Efetivamente, conforme estabelece o art.91 do CP, é efeito genérico da condenação a
obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. A interpretação que lhe é conferida, a contrario
sensu da leitura do art.92, é de que esses efeitos são automáticos, independendo, portanto, de
declaração expressa por ocasião da prolação da sentença.
12.3. Reabilitação:
O instituto da reabilitação tem sua origem remota na restitutio in integrum, clemência soberana
extintiva da pena e restauradora dos direitos- patrimoniais e morais- do condenado, utilizada pelos
romanos no período da República e do Império. Atualmente não tem qualquer alcance prático.
A reabilitação trata-se de medida político-criminal cujo escopo primordial reside a reinserção social
do condenado, garantindo o sigilo de seus antecedentes e suspendendo condicionalmente certos
efeitos específicos da condenação. Está prevista no Art. 93 a 95 do CP .
Importante efeito da reabilitação: assegurar ao condenado o sigilo dos registros sobre seu
processo e condenação.
Caso de utilidade do instituto da reabilitação: inabilitado por sentença condenatória que proibiu
de dirigir veículo, pois que havia utilizado como instrumento para a prática de crime doloso, há
possibilidade de que tenha restaurada sua habilitação.
13.3.7. Aponte as principais diferenças entre os efeitos da reabilitação e o sigilo concedido pelo
Art. 202 da LEP:
Enquanto a reabilitação assegura ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e
condenação, todavia o Art.202 da LEP dispõe que “ cumprida ou extinta a pena, não constarão da
folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da justiça,
qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova
infração penal ou outros casos expressos em lei”. Diversamente da reabilitação, tem-se que o sigilo
é garantido de modo imediato e automático, independente do decurso de qualquer lapso temporal
posterior ou de requisição por parte do condenado. Demais disso, ao contrário do sigilo assegurado
pelo Art. 202 da LEP, o sigilo conferido pela reabilitação, embora mais amplo, não é definitivo
(Art. 95 do CP).
Nota: Devido a enorme quantidade de matéria prevista no tema, optei por pinçar algumas questões que
julguei serem mais importantes. No caso, elegi os crimes mais importantes, bem como as controvérsias mais
relevantes que permeiam a matéria.
13.1. É possível se falar em homicídio qualificado privilegiado? Tal delito integra o rol dos
crimes hediondos?
Atualmente, é pacífico na doutrina e na jurisprudência a possibilidade da existência de homicídio
qualificado privilegiado, sem grandes problemas, vez que pode o agente, sob violenta emoção, e,
logo em seguida à injusta provocação da vítima, atear fogo na vítima, por exemplo. O problema
surge quando se fala em conjugação de qualificadora subjetiva com causa de privilégio subjetiva.
Nesse caso, como pode o agente agir por relevante valor moral e, ao mesmo tempo, por motivo
torpe, por exemplo? A doutrina entende ser incompatível. Assim, não seria compatível, de acordo
com a doutrina majoritária, homicídio qualificado privilegiado apenas quando tanto a qualificadora
quanto o privilégio forem de aspecto subjetivo.
A doutrina majoritária entende, ainda, que, por falta de previsão legal, o homicídio qualificado
privilegiado não é crime hediondo. Princípio da legalidade. Neste sentido, HC 43043 MG
2005/0055989-6, Sexta Turma, Relator Hamilton Carvalhido:
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO-
PRIVILEGIADO. PROGRESSÃO DE REGIME. POSSIBILIDADE.
1. O homicídio qualificado-privilegiado não é crime hediondo, não se lhe aplicando
norma que estabelece o regime fechado para o integral cumprimento da pena
privativa de liberdade (Lei nº 8.072/90, artigos 1º e 2º, parágrafo 1º).
2. Ordem concedida
b) O tipo penal não comporta a modalidade culposa. Assim, ainda que houvesse a possibilidade
de omissão imprópria, nesse caso, não haveria a possiblidade de o enfermeiro responder
pelo crime culposo, já que não houve dolo em sua conduta omissiva. O crime culposo deve
ser expresso - artigo 19, CP;
c) Por fim, ainda, que pudesse se falar em conduta típica, a tipicidade restaria afastada por
força do preceito secundário, que apenas admite a responsabilidade penal quando houver, ao
menos, lesão grave, o que não ocorreu na hipótese. Novamente, há divergência doutrinária
acerca da natureza jurídica natureza jurídica da morte e das lesões corporais de natureza
grave, exigidas na pena (preceito secundário do tipo). A corrente majoritária afirma que
seria condição objetiva de punibilidade, mas ficamos com Cezar Roberto Bittencourt, que
afirma integrar o próprio tipo penal.
13.5. Maria, em estado puerperal, pega bebê desconhecido no berçário pensando se tratar de
seu filho. Pede ajuda a uma amiga para segurar o bebê enquanto o sufoca. Maria responde
pelo quê? E a amiga?
Maria agiu em erro sobre a pessoa (art. 20, § 3º, CP). Assim, deve responder por infanticídio, vez
que pensou que a vítima fosse o próprio filho, amoldando-se, assim, ao tipo penal previsto no artigo
123 do Código Penal – infanticídio -, não podendo responder por homicídio, vez que sua conduta
foi especial em relação a este crime.
Já a amiga deve responder como partícipe também em relação ao crime de infanticídio, por força da
teoria monista adotada pelo Código Penal no artigo 29. Além disso, como matar o próprio filho sob
a influência de estado puerperal é circunstância pessoal ELEMENTAR do crime, deve se comunicar
com o partícipe. Pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência. A divergência se dá no caso de
o autor do crime ser o terceiro e a mãe ser apenas a partícipe, o que não foi objeto de
questionamento.
Em relação ao aborto humanitário, ético ou sentimental, temos duas correntes: a primeira corrente,
majoritária, diz que o médico age amparado por uma exclusão de ilicitude, vez que o próprio
Código Penal afirma que a conduta, apesar de típica, não será punida nesses casos (Cezar Roberto
Bitencourt, Hungria, Fragoso). Já a segunda corrente, minoritária, diz que o medico age amparado
pela inexigibilidade de conduta diversa, sendo, neste caso, causa supralegal de excludente de
culpabilidade (Rogério Greco).
O terceiro também pode ser amparado por excludente de culpabilidade, por inexigibilidade de
conduta diversa.
No aborto sentimental, é necessário o consentimento da gestante, mas não a autorização judicial.
- Ainda em relação ao crime de aborto, é importante saber que nenhum dos tipos penais admite a
modalidade culposa e que traz exceção expressa à teoria monista no caso de aborto com
consentimento da gestante, respondendo a gestante pelo artigo 124 e o terceiro pelo artigo 126.
13.8. A transmissão dolosa do vírus da AIDS constitui crime previsto no ordenamento jurídico
brasileiro? Qual?
Surgem quatro posições na doutrina:
(i) Esta hipótese configura homicídio tentado ou consumado, pois a AIDS é uma doença mortal,
sem cura. Rogério Greco.
(ii) Esta questão pode configurar uma das condutas previstas nos arts. 131 (perigo de contágio de
moléstia grave); 129, §2º (lesão corporal de natureza grave); e 121 (homicídio simples). Tudo a
depender do dolo do agente. Luis Regis Prado.
(iii) A depender do dolo do agente, pode configurar o crime dos arts. 131; 129, §3º (lesão corporal
seguida de morte); e 121. Cezar Bitencourt
(iv) Configura lesão corporal grave qualificada pela enfermidade incurável (129, §2º, II). Mirabete.
Na jurisprudência, a questão é igualmente controvertida. Há decisões mais antigas do STJ (HC
9378- 1999) no sentido de que se o agente portador do vírus sabia que era portador e tem o dolo de
transmiti-lo, a conduta deve ser configurada como tentativa de homicídio. O STF, no Informativo
584, julgou o HC 98712 (Rel. Marco Aurélio) entendendo que configuraria a prática do art. 131,
CP. Há decisões mais recentes do STJ, no entanto, entendendo ser lesão corporal gravíssima que
resulte enfermidade incurável.
113
13.9. Caio, sujeito distraído, estava andando na rua olhando para o celular quando, sem
querer, esbarrou em uma grávida. A mulher cai no chão por conta do “esbarrão” e, em
seguida, vem a abortar. Qual crime cometido por Caio?
Lesão corporal culposa. Na lesão corporal culposa, não deve se aferir se a lesão foi de natureza
grave (129, § 1º, CP) ou “gravíssima” (129, § 2º). Apesar de, em tese, a lesão corporal em que
resulta o aborto se tratar de lesão “gravíssima”, é evidente que a conduta ora apresentada não foi
resultante de dolo, mas de culpa, vez que presente a inobservância do dever objetivo de cuidado, na
modalidade “imprudência”, além da previsibilidade objetiva da conduta. Sendo assim, o crime é de
lesão corporal culposa (129, § 6º), sem o agravamento por conta do resultado.
13.10. Em caso de estupro, quando o agente contamina a vítima com doença venérea responde
pelo quê?
Antigamente, respondia pelo art. 213 (estupro) c\c art. 130 (perigo de contágio venéreo). Entretanto,
a Lei 12.015 trouxe o art. 234-A ao CP. Assim, caso o agente transmita a moléstia venérea responde
pelo art. 213, c/c 234-A, IV. Caso não haja contaminação, mas apenas exposição a perigo, aí sim,
responde o agente pelo art. 213 c/c 130.
Já os crimes de racismo vêm previstos na Lei 7.716/89. Deve haver afronta à “raça”, cor, religião,
etnia ou procedência nacional como um todo e não à pessoa individualmente considerada. As
condutas previstas consistem em privação de acesso a emprego, escola, transportes públicos,
estabelecimento comercial, hospedagem, restaurantes e demais estabelecimentos, justamente por
conta de preconceito a todo o grupo a que pertence o indivíduo. É dizer: todo o grupo sofre a
discriminação por conta da discriminação realizada pelo agente.
13.14. Carla deixa seu e-mail aberto no computador em que trabalha e sai para almoçar.
Durante seu horário de almoço, Mário, enxerido, entra em seu e-mail e encontra diversas
mensagens de cunho sexual que seu namorado lhe enviava. Imediatamente, Mário salva as
mensagens em seu pen-drive. Posteriormente, já em casa, divulga as mensagens para todos os
colegas de trabalho. Qual crime Mário cometeu?
Mário não cometeu nenhum crime. Trata-se de conduta atípica.
Orienta a moderna doutrina que o novo artigo 154-A apenas tipifica a conduta daquele que invade
dispositivo informático alheio MEDIANTE VIOLAÇÃO DE MECANISMO DE SEGURANÇA.
No caso, não havia qualquer proteção ou mecanismo de segurança, tendo, inclusive, a suposta
vítima deixado sua caixa de e-mails aberta, não enquadrando a conduta de Mário no novo tipo
penal.
Em que pese a enorme reprovabilidade da conduta, não há ainda tipo penal que proíba a conduta de
divulgar mensagens, vídeos ou imagens de cunho sexual para terceiros por meio da rede de
computadores ou por meio de celulares. O único crime atualmente existente é o de invadir
dispositivo informático com mecanismo de segurança para obter tais imagens, vídeos ou
mensagens. O ato de divulgar, por exemplo, é, ainda, atípico.
Importante lembrar que a resposta seria diferente caso a vítima tivesse menos de 18 anos, vez que o
ECA tipifica a conduta em seu artigo 241-A, inserido pela Lei 11.829/2008.
115
13.15. Pode o proprietário ser sujeito ativo do crime de furto contra o possuidor?
Divergência doutrinária. Três correntes se apresentam:
1. Magalhães de Noronha afirma que sim, vez que seria infração de natureza patrimonial, agindo o
proprietário injustamente contra quem legitimamente possua a coisa, ainda que de propriedade do
agente.
2. Nelson Hungria, Damásio de Jesus e Heleno Fragoso afirmam que não, vez que se trata de coisa
própria. Segundo os autores, o crime seria o descrito no artigo 346, CP – exercício arbitrário das
próprias razões.
3. Cezar Roberto Bittencourt afirma que não, mas, ao contrário dos autores acima elencados,
entende não ser o crime do art. 346, CP, vez que este está inserto nos crimes contra a administração
da justiça, e não seria legítima a pretensão do proprietário que injustamente subtraia a coisa do
possuidor. Afirma que, em que pese a reprovabilidade da conduta, o legislador não a contemplou.
Dessa forma, a conduta seria atípica. POSIÇÃO MAIS FAVORÁVEL À DEFESA.
O STJ adotou a teoria da amotio, afirmando que, para a consumação do furto, basta que haja a
apreensão da coisa por parte do agente, ainda que não haja a posse mansa e pacífica e a vítima
mantenha a coisa sob sua vigilância.
É uma das grandes brigas da Defensoria Pública. Como o entendimento do STJ não vincula,
devemos continuar sustentando que a interpretação que mais está em consonância com a
Constituição é a que aplica a teoria da ablatio. Deve haver a subtração + detenção não basta
retirar o bem, deve deslocá-lo para outro lugar por tempo relevante.
116
13.17. Mateus subtraiu o carro de José, tendo ido à comarca contígua para uma audiência no
Fórum. Após a referida audiência, devolveu o carro no mesmo lugar, sem quaisquer danos ao
veículo. O proprietário percebeu o sumiço temporário do veículo e constatou que o tanque de
gasolina, que se encontrava cheio, agora está vazio. Mateus cometeu crime?
No crime de furto, deve haver o fim de assenhorear-se da coisa para si ou para outrem. Tal
observação é importante quando avaliamos o furto de uso. Como não há o fim de apoderar-se da
coisa, a conduta é atípica! A doutrina, entretanto, alerta que, para que a conduta seja atípica, deve
haver a pretensão de devolução do bem, e a coisa deve ser efetivamente devolvida, sem que haja
qualquer prejuízo ao lesado. A existência de prejuízo ao lesado implica na caracterização do furto
como crime. Nesse caso, o agente deve o MP provar que o agente devolveu o bem em pior estado.
No caso, não houve qualquer dano ao veículo, que retornou intacto à posse do proprietário.
Entretanto, houve o consumo de gasolina. Parte da doutrina entende que restaria caracterizado o
prejuízo sofrido pela suposta vítima. No entanto, devemos sustentar que se o furto do automóvel é
atípico, por ausência de elementar do tipo “para si ou para outrem”, a conduta-meio não poderá ser
penalizada, pelo princípio da consunção, sendo impunível, pois, o furto de gasolina.
13.18. O fato de o agente quebrar o vidro do automóvel para furtar o mesmo qualifica o crime
de furto?
Nos termos do artigo 155, 4º, inciso I, CP, a qualificadora consiste na destruição ou rompimento de
obstáculo à subtração da própria coisa. Assim, a doutrina é uníssona ao afirmar que a destruição da
própria coisa furtada não qualifica o delito. No caso, então, em princípio, a destruição do vidro do
automóvel para a subtração do próprio carro não tornaria o furto qualificado.
Entretanto, determinada situação causa perplexidade na doutrina: nos termos do dispositivo
mencionado, a destruição do vidro para a subtração do rádio do carro, por exemplo, qualificaria o
crime, mas a subtração do automóvel, bem de valor consideravelmente superior, seria furto simples.
Dessa forma, na jurisprudência passou-se a utilizar o princípio da proporcionalidade, ora para
considerar ambos os crimes como crime simples ora para entender se tratarem de crimes
qualificados. Contudo, devemos sustentar que ambos os crimes deve ser considerados como “furto
simples”, nos termos do artigo 155, caput, CP. Em direito penal não pode haver analogia in malam
partem, isto é, em prejuízo do Réu.
13.21. É possível o roubo impróprio ser praticado por meio de violência imprópria?
Roubo impróprio Enquanto o roubo próprio vem descrito no caput do artigo 157, o roubo
impróprio pode ser encontrado em seu parágrafo 1º. Consiste no roubo com o emprego de violência
ou grave ameaça após a subtração da coisa para assegurar a detenção da coisa ou a impunidade do
crime.
Violência imprópria está indicada na parte final do artigo 157, caput. Não se trata da violência
direta, com o uso da força, mas da redução da capacidade de resistência. Ex.: uso de “boa noite,
Cinderela”.
Visto isso, a doutrina majoritária entende que, como não há previsão legal, no roubo impróprio, a
violência deve ser própria, para que seja configurado o delito. Caso o legislador quisesse punir o
roubo impróprio com violência imprópria, assim o faria expressamente, como dispôs no caput.
Além disso, entende-se que a violência ou grave ameaça devem ser exercidas logo depois,
imediatamente à subtração do objeto.
13.22. A arma de fogo precisa ser apreendida e periciada para que incida a causa de aumento
de pena constante no artigo 157, § 1º, inciso I, CP?
Para a Defensoria Pública, é imprescindível a apresentação do laudo que comprove a lesividade da
arma. Nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal, quando se estiver diante de crimes
não transeuntes, que deixam vestígios, deve haver a realização de prova pericial, com exame de
corpo de delito, direto ou indireto.
Entretanto, atualmente, a jurisprudência tanto do Supremo Tribunal Federal (HC 96.099/RS)
quanto do Superior Tribunal de Justiça (EREsp n. 961.863/RS) se pacificaram no sentido de ser
prescindível a apreensão e a perícia da arma. Afirmam as Cortes que pode ser reconhecida a causa
118
especial de aumento de pena por outros meios probatórios, como a prova testemunhal ou a palavra
da vítima, sem que a arma tenha sido apreendida. Por fim, sustentam que posição contrária
fomentaria a torpeza dos agentes, estimulando que desaparecessem com o objeto do crime para
inviabilizar eventual perícia.
Mas a matéria sequer foi sumulada, razão pela qual a Defensoria deve, ainda, sustentar a posição
defensiva no Poder Judiciário. Como argumento, deve-se invocar o mero cumprimento da lei. Não
pode o Judiciário atuar como legislador positivo em matéria penal, por simples política criminal,
que fica a cargo do Legislativo nesse caso. A perícia é essencial para a verificação, inclusive, da
potencialidade ofensiva da arma, impossível de ser atestada pela vítima, tanto por lhe faltar
atribuição técnica, quanto pelo estado emocional em que se encontra e, ainda, por às vezes, o
defeito da arma ser invisível aos olhos.
- Em relação ao furto e ao roubo, ainda, a Defensoria passou a sustentar que a majorante do roubo
em relação ao concurso eventual de pessoas deveria ser aplicada também no caso de furto. Haveria
evidente afronta ao princípio da proporcionalidade, vez que, enquanto no crime de roubo, a
circunstância é causa especial de aumento de pena de um terço até metade, no furto, ocorre a
incidência da qualificadora, com a pena em dobro para o delito. Contudo, o STJ sumulou
entendimento em sentido contrário na súmula 442.
- Outra observação a ser pontuada é que a jurisprudência majoritária não aceita a continuidade
delitiva entre roubo e latrocínio, porque não seriam da mesma espécie. Mas a defesa afirma que o
latrocínio nada mais é que o roubo qualificado, podendo haver a continuidade delitiva, se houver a
configuração do art. 71, por serem “crimes da mesma espécie”.
13.24. No crime de extorsão mediante sequestro (art. 159), deve haver o especial fim de agir de
obtenção de vantagem patrimonial ou de qualquer natureza?
A pergunta se justifica porque, neste tipo penal em específico, fala-se em “qualquer vantagem”, ao
contrário do art. 158, que fala em vantagem econômica. Assim, há divergência doutrinária a
respeito da natureza jurídica dessa vantagem. Aqueles que defendem que seria qualquer vantagem
119
afirmam que o legislador além de falar em “qualquer”, fala em condição ou preço para o resgate. A
lei não conteria palavras inúteis; assim, o legislador, por mais de uma vez, daria a entender que,
aqui, não se trata de vantagem econômica apenas.
Por outro lado, a corrente majoritária afirma que o legislador, apesar de falar em “qualquer
vantagem” quis se referir a vantagem econômica, vez que o tipo está inserido no título de “crimes
contra o patrimônio”; assim, é o patrimônio que se tutela pelo tipo penal analisado.
Além disso, há divergência a respeito da vantagem econômica ser devida ou indevida, mas
prevalece o entendimento de que se trata de apenas vantagem indevida, pois, se devida, o agente
responde por exercício arbitrário das próprias razões (345) cominado com o crime de sequestro
(148). A vantagem, então, deve ser econômica e indevida.
Importante observar que o crime se consuma com a privação da liberdade, independentemente da
obtenção da vantagem.
13.26. Genésio emite cheque para pagar a mensalidade da escola do filho, pensando ter fundos
para arcar com a despesa. Entretanto, o diretor da escola verificou que se tratava de cheque
sem fundos, tendo comunicado o feito à Delegacia de Polícia. Posteriormente, Genésio é
notificado para apresentar resposta à acusação tendo sido denunciado pelo crime do artigo
171, VI, CP. Imediatamente, realiza o pagamento. É possível o prosseguimento da ação penal?
A questão se resolve antes da análise das consequências do pagamento do cheque. Para a
configuração do crime de estelionato e dos crimes a ele equiparados, é imprescindível que haja
fraude, por se tratar de elementar do tipo. A ausência de fraude torna a conduta atípica, nos termos
da súmula 246 do STF, que assim dispõe: “Comprovado não ter havido fraude, não se configura o
crime de emissão de cheque sem fundos”. Assim, Genésio não cometeu qualquer crime, devenso
haver a absolvição do Réu.
Nota-se que apesar de a súmula dar a entender que precisaria o réu comprovar a ausência de fraude,
tal interpretação não possui qualquer guarida em nosso ordenamento jurídico. É o ministério
público que deve comprovar a existência de fraude para que haja justa causa a embasar a denúncia,
pelo princípio da presunção de inocência.
Entretanto, caso houvesse a presença de fraude, o pagamento do cheque antes do recebimento da
denúncia obstaria o prosseguimento da ação penal, nos termos da súmula 554 do STF, por se tratar
120
de extinção de punibilidade. Caso o pagamento seja feito após este momento processual, poderá
haver apenas a incidência da atenuante genérica, prevista no art. 65, III, b, CP.
Ressalta-se que os Tribunais Superiores não reconhecem a extensão da súmula para o caput do
artigo 171. Assim, caso o cheque sem fundos seja meio para o cometimento de estelionato, apenas
será possível ao agente a incidência da causa geral de aumento de pena referente ao arrependimento
posterior (artigo 16, CP) - HC 280.089-SP STJ.
13.28. O companheiro é isento de pena nos crimes patrimoniais sem violência ou grave
ameaça à pessoa, por meio da escusa absolutória?
Há divergência doutrinária sobre a inclusão ou não do companheiro no rol do artigo 181, inciso I,
do Código Penal, que dispõe acerca das imunidades absolutas. No entanto, é interessante saber que,
ao contrário de diversas passagens em direito penal ou processual penal em que há a omissão do
companheiro, nesse caso, o mais interessante para a defesa é a adoção da corrente mais ampliativa*.
Assim, a primeira corrente diz que o companheiro deve ser isento de pena, pela extinção da
punibilidade, com base no artigo 226 da Constituição, que assegura a igualdade entre cônjuge e
companheiro. Já a segunda posição afirma que o rol é taxativo, não havendo razão para a inclusão
do companheiro.
*Importante pontuar que a Defensoria também pode atuar como assistente de acusação, na defesa
de ofendido hipossuficiente. Assim, a clássica afirmativa da “corrente da Defensoria Pública” pode
mudar de perspectiva de acordo com a situação fática.
- Em que pese a divergência acerca da natureza jurídica das escusas absolutórias, prevalece na
doutrina o entendimento de que seria causa pessoal de extinção de punibilidade.
121
14.1. No tocante ao crime de estupro, quais as principais alterações promovidas pela Lei nº
12.015/09?
Em primeiro lugar, o crime deixou de ser bipróprio (exigia-se, para sua configuração, sujeito ativo
do sexo masculino e sujeito passivo do sexo feminino) para passar a ser bicomum (com a mudança
legislativa, pessoas do sexo masculino e do sexo feminino podem figurar como sujeito ativo ou
passivo).
Além disso houve unificação das penas aplicáveis ao crime de estupro e ao crime de atentado
violento ao pudor. Atualmente, persiste apenas o estupro, crime que abrange tanto a conjunção
carnal quanto atos libidinosos diversos.
Com ambas as medidas até aqui citadas, supriu-se uma lacuna, uma vez que, sob a égide da lei
anterior, não havia como tipificar a conduta de uma mulher que constrangesse um homem à
conjunção carnal (não se falava em estupro, porque a vítima era homem e tampouco se falava em
atentado violento ao pudor, porque o ato praticado era a conjunção carnal). Deixou de existir,
também, a figura antes prevista no art. 224 do CP, que previa as hipóteses de presunção de
violência. Aliás, tal situação agora é abarcada pela figura dos crimes contra o desenvolvimento
sexual de vulnerável, nos artigos 217-A e 218.
14.3. Considerando a unificação dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, como
se deve enquadrar a conduta do agente que, em um mesmo contexto fático, pratica coito
vaginal e atos libidinosos diversos (coito anal, por exemplo)?
Acerca do tema, formaram-se três correntes.
A primeira aponta para a possibilidade de ocorrência de crime único. Tendo o legislador unificado
os tipos penais do estupro e do atentado violento ao pudor, está-se diante de tipo penal misto
alternativo (tal qual o tráfico de drogas). Assim, se forem praticados, contra a vítima, conjunção
carnal e outros atos libidinosos diversos, no mesmo contexto fático, mediante violência ou grave
ameaça haverá crime único, quando anteriormente ocorriam dois delitos.
122
Admitindo-se tal entendimento deverá o Magistrado dosar a pena entre o mínimo e o máximo
considerando a prática de ambos os atos libidinosos. Por consequência, teria havido, neste
particular, significativa vantagem aos autores de aludidas condutas.
A segunda corrente entende que, tendo havido a prática, contra a mesma vítima, de conjunção
carnal e atos libidinosos diversos, mediante violência ou grave ameaça, poder-se-á falar em crimes
de estupro na forma continuada.
A realidade demonstra que o cometimento da conjunção carnal e atos libidinosos diversos se dão
em momentos distintos, mesmo que pequeno o intervalo entre as ações. Ademais, são condutas
distintas, sendo prescindíveis uma para a ocorrência da outra.
Não se está tratando de atos que constituem “praeludia coiti”, que, consoante maciça doutrina e
jurisprudência, são absorvidos pela conjunção carnal por se constituírem em conduta natural para a
cópula vagínica. Trata-se de analisar a ocorrência de atos libidinosos substanciais, a exemplo do
coito anal, sexo oral, introdução de objetos no órgão genital da vítima etc. Nestes casos, por serem
atos substanciais, não serão absorvidos pela conjunção carnal que pode ser perpetrada contra a
vítima no mesmo contexto fático.
Assim, conclui-se pela ocorrência de delitos de estupro em continuidade delitiva, haja vista a
reiteração de condutas típicas cometidas contra a mesma vítima nas mesmas condições de tempo,
lugar, maneira de execução, consoante requisitos elencados no art. 71 do Código Penal.
Anteriormente à reforma, consoante decisões do STF e STJ, havia óbice ao reconhecimento da
continuidade delitiva entre estupro e atentado violento ao pudor em razão da ausência de delitos da
mesma espécie, requisito do artigo 71 do Código Penal. Consideravam-nos crimes do mesmo
gênero, mas não da mesma espécie. Assim, posicionavam-se os Tribunais, majoritariamente, pela
ocorrência de concurso material.
Doravante, entretanto, tendo ocorrido a unificação das condutas em um tipo penal apenas, o crime
será da mesma espécie inevitavelmente. Por isso, não há mais óbice ao reconhecimento da
continuidade delitiva entre os delitos de estupro perpetrados contra a mesma vítima, se cometidos
contra ela conjunção carnal e atos libidinosos diversos.
Por derradeiro, verifica-se terceira posição, no sentido da ocorrência de concurso material de
crimes. Para os expoentes desta corrente, está-se diante de tipo penal misto cumulativo. Neles, a
prática das duas condutas previstas deve ser punida individualmente, somando-se as penas.
Entende-se que a prática de atos o libidinosos diversos não permite o reconhecimento da
continuidade delitiva, porquanto tais condutas apresentam modo de execução distinto, apesar de
terem sido reunidas num único tipo penal. Nesse sentido, veja-se decisões do STJ, HC 104.724 e
78.667.
Adotando a segunda corrente, os julgados divulgados nos Informativos 595 do STF (HC 96.818-SP)
e 468 do STJ (REsp 970.127-SP). Mais recentemente, contudo, a tendência passou a ser adotar a
primeira corrente (AgRg no REsp 1262650/RS e HC 212.305/DF, ambos do STJ).
123
14.4. No caso de estupro qualificado pelo resultado morte (quando cometido contra pessoa
maior de idade e não vulnerável), a persecução criminal deve se dar por meio de qual
modalidade de ação penal? Pública incondicionada ou pública condicionada à representação?
Para uma primeira corrente, da qual Cézar Roberto Bittencourt é adepto, a ação penal deve ser
pública incondicionada. Na ADIN 4.301, o PGR sustenta que a ação penal é pública
incondicionada, respeitando-se o princípio da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana e
da eficiente intervenção estatal. Para uma segunda corrente, a ação é pública condicionada, pois não
integra as exceções do artigo 225 do Código Penal.
É o que tem prevalecido no STJ (HC 215.460-SC e REsp 1.227.746-RS), podendo-se afirmar que,
no tocante a vítimas maiores de idade e não vulneráveis, a Súmula 608 daquele Tribunal (“No crime
de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”) encontra-se
superada, de modo que as ações penais que se iniciaram antes da modificação legislativa devem ser
suspensas para que os legitimados representem.
14.5. Tome-se o seguinte exemplo: João, maior de idade, tirou a calça da vítima (criança com
9 anos), deixando-a apenas de calcinha. Ainda vestido, o agente sacou o pênis da calça e
deitou-se por cima da menor, passando a mão em seu corpo. Nesse exato momento, ouviu um
barulho, assusta-se e, por circunstâncias alheias à sua vontade, não realiza o coito vaginal. Há
estupro de vulnerável consumado ou tentado?
A consumação do delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal) se dá não apenas
quando há conjunção carnal, mas sim todas as vezes em que houver a prática de qualquer ato
libidinoso com menor de 14 anos. No caso, o agente deitou-se por cima da vítima com o membro
viril à mostra, após retirar-lhe as calças, o que, de per si, configura ato libidinoso para a
consumação do delito de estupro de vulnerável.
O STJ entende que é inadmissível que o Julgador, de forma manifestamente contrária à lei e
utilizando-se dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, reconheça a forma tentada do
delito, em razão da alegada menor gravidade da conduta. (STJ. 6ª Turma. REsp 1.353.575-PR, Rel.
Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/12/2013 – Informativo 533).
14.6. Sabendo que a mulher pode ser sujeito ativo de estupro, tendo um homem como vítima,
haverá o aumento de pena previsto no art. 234 do CP quando, nessa condição, engravidar?
Cézar Roberto Bittencourt considera inaplicável a majorante. “Certamente, a previsão legal não
admite essa conotação, pois não passaria de, mutatis mutandis, uma espécie de autolesão, que não
representa maior desvalor do resultado da conduta para a vítima” (Tratado de Direito Penal, v. 4, p.
201).
Para Rogério Sanches Cunha, o aumento é cabível, pois a lei não exige que a pessoa que engravide
seja a vítima. Aliás, quando o homem (vulnerável, por exemplo), é vítima, a gravidez da autora do
crime é para ele consequência grave, merecendo incidir o aumento. Não bastasse, a concepção
durante o ato de estupro, por si só, é bastante para tornar mais grave a conduta, que tem repercussão
social muito maior.
124
criminosa no artigo 215, que prevê a ocorrência de conjunção carnal ou a prática de outro ato
libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação
de vontade da vítima. Estar-se-á diante de fatos em que pode ocorrer dificuldade de livre
manifestação de vontade da vítima.
A contrario senso, se a vulnerabilidade tiver presunção absoluta, bastando a vítima ser menor de 14
anos de idade na data do fato sem que se indague outros elementos que possam corroborar para a
sua incapacidade de entender o caráter do fato, o enquadramento penal da conduta daquele que
praticar qualquer ato libidinoso com a vítima será no artigo 217-A, configurando o estupro de
vulnerável.
A segunda hipótese de vítima vulnerável diz respeito àqueles que, por enfermidade mental, não
tiverem o necessário discernimento para a prática do ato. Está-se, aqui, diante de inimputáveis
absolutamente, i.e., aqueles elencados no “caput” do artigo 26 do Código Penal. De qualquer sorte,
a comprovação desta circunstância dependerá de exame pericial ou prova equivalente que
demonstre a total incapacidade da vítima em virtude de enfermidade mental. Por enfermidade
mental deve-se entender uma patologia.
Anteriormente, no art. 224, exigia-se para a presunção da violência, que o autor do delito tivesse
ciência dessa circunstância, ou seja, o dolo direto. Agora, não houve tal exigência, bastando dolo
direto ou eventual por parte do agente quanto à condição de inimputabilidade da vítima.
A terceira hipótese diz respeito às vítimas que, por deficiência mental, não tenham o necessário
discernimento para a prática do ato. Neste caso, trata-se de pessoa semi-imputável, i.e., aqueles
elencados no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal. Está-se, pois, diante de total inovação
se comparada com as anteriores hipóteses de presunção de violência.
Considera-se vulnerável, inclusive, o semi-imputável. Evidentemente, neste caso, há de ser
analisado o caso concreto, verificando-se o grau de alienação da vítima a partir de perícia ou prova
equivalente. A Deficiência mental necessariamente não decorrerá de patologia, podendo ser
debilidade congênita de desenvolvimento mental incompleto.
Cremos, com a devida vênia de entendimento contrário, que nesta hipótese poderá haver uma
espécie de vulnerabilidade relativa, que não autoriza a tipicidade, e vulnerabilidade absoluta, que
faz incidir o tipo penal. Isso porque a vulnerabilidade exigida no tipo penal impõe que a vítima não
possa oferecer resistência (parte final do § 1º do art. 217).
A quarta e última situação de vulnerabilidade da vítima dá-se quando não pode ela oferecer
resistência por qualquer outra causa, evidentemente que não a idade inferior a 14 anos, a
enfermidade ou deficiência mental.
De qualquer sorte, neste particular, está-se diante de um tipo penal aberto, porquanto as demais
hipóteses devem ocorrer a exemplo dos modelos antes objetivamente referidos. Em suma, está o
legislador a autorizar analogia “intra legem” ou interpretação analógica, permitidas em Direito
Penal. Para tanto, qualquer outra hipótese deverá ser a exemplo da menoridade (menor de 14 anos),
enfermidade ou deficiência mental, consoante já dito. Exemplo pode ser citado com relação àquelas
pessoas absolutamente embriagadas, absolutamente narcotizadas, em estados de inconsciência,
senilidade, avançada, deficiências físicas acentuadas, etc. Tal previsão, aliás, já existia na alínea “c”
do artigo 224 anterior, agora revogado.
126
14.11. Tome-se o caso de alguém que induza menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de um
terceiro. Caso esse terceiro mantenha, com a vítima, conjunção carnal ou ato libidinoso
diverso, responderá por estupro de vulnerável, ao passo que a pessoa que induziu o menor a
satisfazer a lascívia daquele responderá pelo crime do art. 218 do CP. Pode-se falar, na
hipótese, em exceção à teoria monista?
Sim. A conduta de induzir caracteriza forma de participação moral na prática do crime de outrem.
Aliás, as formas de participação são a indução, a instigação e o auxílio. No tipo sob análise, o
legislador contemplou apenas a conduta de induzir, que significa fazer surgir a ideia de realizar
algum ato, não explicitando as demais (instigar e auxiliar). Mesmo assim, há de se considerar que
aquele que induzir o menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem estará participando do
estupro de vulnerável praticado pelo terceiro, a quem se destina a satisfação da lascívia do
intermediário (autor do delito do art. 215). Cuida-se de legítima participação no estupro de
vulnerável na modalidade de induzimento.
Contraditoriamente, o legislador não previu a conduta de instigar ou auxiliar o menor de 14 anos a
satisfazer a lascívia de outrem, apesar de serem condutas que também caracterizam participação e
teriam o mesmo desiderato.
Observe-se o contrassenso do legislador que, da forma como estabelecida a nova tipicidade, pune
no art. 215 aquele que induzir o menor de 14 anos a saciar a lascívia de outrem, com pena de 2 a 6
anos de reclusão. O sujeito que instigar ou auxiliar o menor de 14 anos a saciar a lascívia de outrem
será enquadrado como partícipe do estupro de vulnerável, i.e., na figura do artigo 217-A, com pena
de 8 a 15 anos de reclusão.
Nesse contexto, não se descarta o emprego de analogia “in bonam partem” para aqueles que
instigarem ou auxiliarem o menor de 14 anos a saciar a lascívia de outrem, aplicando-lhes o
disposto no artigo 215 do Código Penal, a exemplo daqueles que induzirem o menor à mesma
prática. Não se justifica o tratamento diferenciado para o induzimento com relação à instigação ou
auxílio.
14.12. O chamado “surf ferroviário” (jovens que se equilibram sobre a composição do trem em
andamento) configura o crime tipificado no art. 260 do CP (perigo de desastre ferroviário)?
A jurisprudência não tem admitido essa possibilidade, não vislumbrando no comportamento do
“surfista urbano” outra intenção senão a de expor a própria vida a perigo, faltando, portanto,
elemento subjetivo do tipo, consistente na vontade livre e consciente de criar situação concreta de
perigo de desastre ferroviário (RT 798/681).
127
14.13. Qual o objeto material do crime previsto no art. 273 do CP (falsificação, corrupção,
adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais)? Que
críticas a doutrina faz a respeito?
Além dos produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais, o art. 273, § 1º-A faz referência
aos medicamentes (substâncias utilizadas no tratamento de enfermidade), matérias-primas
(substâncias a partir das quais são fabricados os medicamentos), os insumos farmacêuticos (outros
componentes da produção de medicamentos), os cosméticos (produtos que se destinam a manter ou
melhorar a aparência), os saneantes (produtos purificadores, desinfetantes) e os de uso em
diagnóstico (usados para a busca da cura e da causa da afecção).
Encontramos doutrina criticando essa equiparação, pois afronta, segundo pensam, o princípio da
razoabilidade. Obviamente, a adulteração de um produto cosmético, que se destina exclusivamente
a melhorar ou conservar a aparência de uma pessoa, ou de um simples saneante, que possui caráter
meramente purificador ou desinfetante, não pode ser considerada tão grave a ponto de ser
submetida a um instituto reservado a fatos envolvidos em especial seriedade.
14.15. É possível uma pessoa pertencer a mais de uma associação criminosa? Em caso
positivo, como enquadrar a conduta? Há crime único ou concurso?
Referida possibilidade, de fato, existe. Magalhães Noronha, tratando, na época, da quadrilha ou
bando, responde: “Escreve Maggione que ‘a permanência inalterada e por isso o delito é único e
idêntico, quando uma pessoa faça parte contemporânea e necessariamente de diversas associações
para delinquir (em tempo e lugar eventualmente diversos)’” (sic).
Rogério Sanches Cunha discorda dessa posição, ao argumento de que “inexiste permanência de
delito único, mas vários deles, integrados pelas diversas associações criminosas de que faz parte o
128
agente, constituindo todas elas distintas violações da lei e, portanto, apresentando-se em relação ao
associado um concurso material de crimes. O que a lei penal pune é associar-se e se ele mais de
uma vez se associa, não vemos como negar a pluralidade de crimes” (Direito Penal, v. 4, p. 114-
115).
14.17. Há hipóteses em que, embora o documento público falsificado seja emitido por
autoridade federal, competirá à Justiça Estadual julgar o agente?
Sim. Quando não forem atingidos bens, interesses ou serviços federais, o julgamento incumbirá à
Justiça Estadual.
Na jurisprudência, encontram-se os seguintes exemplos: a) falsa anotação na CTPS, atribuída a
empresa privada (Súmula 62 do STJ); b) falso relativo a estabelecimento particular de ensino
(Súmula 104 do STJ); c) estelionato praticado mediante falsificação de guias de recolhimento das
contribuições previdenciárias, quando não lesada a autarquia federal (Súmula 107 do STJ).
14.18. É possível que o crime de falso reconhecimento de firma ou letra seja cometido a título
de culpa?
Para Bento de Faria, sim. De acordo com o autor, referida possibilidade existe nos casos em que o
agente reconhece como verdadeira firma ou letra que não o seja sem tomar as cautelas necessárias.
Rogério Sanches Cunha discorda dessa posição, ao argumento, bastante convincente, de que quando
o legislador deseja punir alguém por negligência, o faz de modo expresso, nos exatos termos do art.
18, parágrafo único, do CP.
beneficiado, o crime do art. 311 do CP (aquele, por divulgar, e este, por utilizar o conteúdo secreto
em benefício próprio).
Já, nos casos em que o candidato, com um ponto eletrônico no ouvido, se vale de terceiro, expert,
para lhe revelar as alternativas corretas, permanece fato atípico (apesar do acentuado grau de
reprovação social), pois os sujeitos envolvidos (candidato e terceiro) não trabalharam com conteúdo
sigiloso (o gabarito permaneceu sigiloso para ambos).
14.23. Incide a agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea “e”, do CP, no caso de a moeda
falsa ser repassada a ascendente, descendente, irmão ou cônjuge? E no caso de a moeda falsa
ser repassada a criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida, incidirá a
agravante do art. 61, inciso II, alínea “h” do CP?
De acordo com o STJ, sim. Entendeu-se, em recente julgado, que o sujeito passivo do crime de
moeda falsa não é apenas o Estado, mas também a pessoa a quem é entregue a moeda falsa. Assim,
caso esta seja ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do sujeito ativo, criança, maior de 60
anos, enfermo ou mulher grávida, a pena deverá ser agravada (HC 211.052-RO, Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/6/2014).
130
De se observar que referido entendimento contraria o exposto no item 15.21, segundo o qual a
vítima é “a coletividade como um todo”, “sendo irrelevante eventual dano patrimonial imposto a
terceiros”.
14.25. É típica a conduta consistente em firmar declaração falsa de estado de pobreza, com o
finam de obter os benefícios da gratuidade judiciária?
De acordo com o STJ, não. Referida declaração não pode ser considerada documento para fins
penais, na medida em que está sujeita à impugnação pela parte contrária e mesmo pelo juiz da causa
(HC 261.074-MS, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE, julgado em
5/8/2014). No mesmo sentido, precedente do STF (HC 85.976, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda
Turma, julgado em 13/12/2005).
131
15.5. No crime peculato apropriação (primeira parte do art. 312), por posse, pode-se entender
a mera detenção?
A primeira corrente entende que a expressão posse é utilizada no sentido amplo, abrangendo a
detenção. O legislador penal não foi técnico, diferenciando posse de detenção. Inverter mera
detenção configura o crime do art. 312, caput.
A segunda corrente entende que a posse não se confunde com a detenção. Havendo mera detenção,
o crime será de peculato-furto. Quando o legislador penal quer abranger a detenção ele o faz
expressamente, como no caso do art. 168, por exemplo. Nesse sentido é o posicionamento de
Rogério Sanches Cunha.
15.6. O peculato culposo pune o fato de o agente concorrer culposamente para o crime de
outrem. Mas que crime de outrem?
– a primeira corrente entende que crime de outrem só pode ser o que está no § 1.º ou no caput do
art. 312. Aqui, faz uma interpretação topográfica. É a corrente majoritária.
– a segunda corrente, no entanto, não limita. O crime de outrem pode ser qualquer crime, inclusive
um furto. Ora, se o tipo não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo.
1
(Apelação Crime Nº 70048117394, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques
Batista, Julgado em 13/09/2012).
2
(RHC 33.133/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 05/06/2013).
133
Logo, pela corrente majoritária, se ele concorre culposamente para um crime de furto (por
particulares) ele não responde por nada. Ex. Deixa a porta aberta e o particular comete um furto.
Apesar de o agente concorrer para o crime de outrem não existe concurso de pessoas quando há
heterogeneidade nos elementos subjetivos. Cada um responde por um crime. Quem subtraiu
responde por um crime e quem participou de um crime culposo responde pelo seu crime.
Atenção: Não é concurso de pessoas. Não há participação culposa em crime doloso ou participação
dolosa em crime culposo. Cada agente responderá pelo seu crime, um pelo peculato culposo e outro
pelo peculato doloso.
15.7. Para configurar o peculato mediante erro de outrem ou Peculato estelionato admite-se
que o erro tenha sido provocado pelo funcionário público?
Para configurar o erro tem que ser espontâneo, se o erro foi praticado pelo funcionário público
teremos o delito de estelionato (orientação majoritária). Rogério Greco discorda desta orientação,
sob o fundamento de que o dispositivo não fala em erro espontâneo. A consumação ocorre quando o
agente, percebendo erro de outrem, não o desfaz agindo como se dono fosse.
15.9. Quando o médico cobra adicionais indevidos para realizar uma cirurgia configurará
qual crime?
Médico atendendo pelo SUS, que exige pagamento por procedimento (cirurgia, por exemplo):
Jurisprudência divergente. Há julgados entendendo que é concussão ou extorsão.
Médico que exige dinheiro para realizar cirurgia = art. 316 CP, ou seja, crime de concussão.
Médico que solicita dinheiro para realizar cirurgia = 317 CP, ou seja, corrupção passiva.
Médico que emprega fraude, induzindo a erro (engana) o paciente, afirmando que o SUS não cobre
o procedimento, (simula ser devida a contribuição extra) = 171 CP, ou seja, estelionato.
134
15.10. Qual é a distinção que se faz entre o crime de concussão e o crime de corrupção
passiva?
Na concussão a conduta típica se consubstancia em exigir o agente, por si ou por interposta pessoa,
explícita ou implicitamente, vantagem indevida, abusando da sua autoridade pública como meio de
coação. Na exigência há sempre algum tipo de constrição, influência intimidativa sobre o particular
ofendido, havendo necessariamente algo de coerção. Não se confunde, no entanto, com a corrupção
passiva, tendo em vista que nesta há uma solicitação, um mero pedido.
Para configurar o crime de concussão, é imprescindível que o mal pretendido esteja entre as suas
atribuições, tem que ter competência, poder para praticar o mal colocado, atrelado contra o terceiro.
Se o mal não está entre as suas atribuições (atribuições do cargo para realizar o mal prometido) o
crime será de Extorsão Comum, art. 158.
É extorsão e não Concussão a pessoa fingir-se funcionário público.
A vantagem tem que ser indevida. Prevalece que a vantagem pode ser de qualquer natureza.
Patrimonial ou não Patrimonial, inclusive sexual. Mas essa matéria não é pacífica, havendo
entendimento jurisprudência minoritário em sentido contrário.
15.11. Quanto ao delito previsto no art. 319-A, denominado pela doutrina de prevaricação
imprópria, e se o funcionário, em vez de apenas permitir o acesso ao parelho, pessoalmente
entregá-lo ou, então, deixar de retirar do preso aparelho que já está em sua posse?
Nucci, nos dois casos, defende a tipicidade, argumentando que a expressão acesso ao aparelho não
deve ser interpretada restritivamente. “Embora o tipo penal seja omissivo (deixar de cumprir seu
dever de vedar o acesso), a partir do momento em que fornece o aparelho (atitude comissiva), está-
se, logicamente, deixando de vedar o acesso ao mesmo”.
15.12. Com relação ao crime de violação de sigilo funcional, previsto no art. 325 do CP:
a) E se a ciência do segredo não se der em razão do cargo público ou função que exerce? Nesse
caso, poderá haver outro crime (art. 154 CP - violação de segredo profissional). Dessa forma, o
STF, no famigerado caso da transgressão do painel eletrônico de votação do Senado Federal,
rejeitou a denúncia contra dois parlamentares e uma servidora pública federal pela suposta prática
do delito de violação do sigilo funcional (art. 325 CP), entendendo que o crime pressupõe que o fato
revelado tenha chegado ao conhecimento do agente em razão do exercício do cargo, o que não
ocorreu no caso analisado, já que nenhum dos denunciados possuía acesso à informação violada,
sigilosa para todos, em razão da função exercida (Inq. 1.879-DF. J. 10.09.2003).
b) E no caso de violação do sigilo funcional na apuração do tráfico de drogas? A violação do
sigilo funcional na apuração do tráfico de drogas tipificava o delito do art. 17 da Lei nº 6.368/76,
punida menos severamente (detenção de 2 a 6 meses). No entanto, a Lei nº 11.343/06 revogou
expressamente o referido dispositivo incriminador. Assim sendo, a violação dessa espécie de
segredo passou a configurar o crime do art. 325 do CP. No entanto, a mudança legislativa não
gerou, quanto aos efeitos pretéritos, cometidos sob a vigência da Lei nº 6.368/76, a abolitio criminis
(art. 107, III, CP). Os fatos típicos continuaram subsumidos ao disposto no art. 325 do CP (norma
135
geral), respeitando-se a pena do art. 17, pois mais favorável (ultra-atividade do preceito mais
benéfico).
c) Violação de sigilo funcional envolvendo certames de interesse público: Aplicando-se o
princípio da especialidade. A violação de sigilo funcional envolvendo certamente de interesse
público não caracteriza o crime do art. 325, mas sim o do art. 311-A do CP.
15.13. A pessoa que se intitula falsamente funcionário público perante terceiros pratica o
delito de usurpação de função pública previsto no art. 328 do Código Penal?
A conduta daquele que se simples e falsamente se intitula funcionário perante terceiros, sem, no
entanto, praticar atos inerentes ao ofício (sem intromissão no aparelho estatal), não se ajusta no art.
328 do CP, mas pode configurar a contravenção penal do art. 45 da Lei de Contravenções Penais,
ou mesmo, a depender do caso, crime de estelionato (art. 171 P).
15.14. Resistência e oposição dirigida a vários funcionários públicos. O agente responde por
crime único ou concurso de crimes?
Se o sujeito, no mesmo contexto fático, opõe-se à execução de ato legal, mediante violência ou
ameaça a dois ou mais funcionários públicos igualmente competentes para realizá-lo, há um único
crime de resistência contra a mesma vítima (Estado), pois o bem jurídico penalmente protegido é a
Administração Pública, e não a atuação concreta dos seus agentes isoladamente considerados.
Todavia, se as condutas forem praticadas em contextos diversos, estará configurado o concurso de
crimes.
funcionário público contra outro funcionário público configura o crime de injúria, com a pena
aumentada de um terço, nos termos do art. 141, II, do CP.
2) O funcionário público somente pode ser responsabilizado por desacato quando ofende seu
superior hierárquico – Para esta corrente, o funcionário público pode praticar desacato contra seu
superior hierárquico, mas a recíproca não é verdadeira. Entendemos, com o devido respeito, que
esta posição, além de preconceituosa e autoritária, é inconstitucional, em face da violação do
princípio da isonomia (CF, art. 5º, caput). Ademais, sabemos ter o legislador incriminado o
“desacato”, tutelando toda e qualquer função pública, e não somente o “desacato à autoridade”;
3) O funcionário público pode ser responsabilizado por desacato – De fato, ao ofender física ou
moralmente um funcionário público o sujeito se despe da sua condição funcional e se equipara ao
particular. Em verdade, entre as atribuições do funcionário público não se insere a agressão de
qualquer natureza contra outro funcionário público. Logo, a ele deve ser imputado o crime de
desacato, pois o bem jurídico tutelado é o prestígio da função pública, razão pela qual o sujeito
passivo é o Estado e, secundariamente, o funcionário público ofendido. Esta posição, correta e
atualmente consolidada em sede doutrinária, há muito tempo também passou a ser adotada pela
jurisprudência do STF e do STJ.
algum vício no lançamento realizado, ele deve declarar sua nulidade, cabendo à autoridade
administrativa competente, se for o caso, constituir novamente o crédito tributário.
É por isso que o STF e o STJ pacificaram a jurisprudência na direção de ser vedada a propositura da
ação penal por crimes tributários (lato sensu) antes da conclusão do processo administrativo de
lançamento, pois o magistrado não tem competência para decidir sobre a existência ou não do
crédito tributário em relação ao qual repousa a discussão sobre a prática do delito. Se o tributo ainda
não se encontra integralmente constituído, não é exigível, razão pela qual é vedado falar em crime
de natureza tributária.
Para afastar qualquer discussão sobre o assunto, o STF editou a Súmula Vinculante 24, que, embora
faça referência unicamente aos crimes previstos no art. 1º, I a IV, da Lei 8.137/1990, irradia efeitos
para os crimes tributários em geral, entre eles a sonegação de contribuição previdenciária, pois as
razões que justificaram sua criação também se encontram presentes neste delito.
indivíduo indeterminado e indeterminável, seja por referir-se a pessoa que não existe (pessoa
imaginária).
A pena do delito tipificado no art. 340 do CP será a mesma, pouco importando se a comunicação
falsa foi de crime ou de contravenção penal, pois em qualquer dos casos são inutilmente
desperdiçados o tempo e o esforço da autoridade pública.
Não se reclama a instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação
administrativa, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa. Basta provocar, em
sentido amplo, a ação da autoridade, pois, comportando-se desta forma, o sujeito provoca prejuízos
(presunção absoluta ou iuris et de iure) a toda a coletividade.
antecedente. No favorecimento real o sujeito atua em prol do autor do crime anterior, e o proveito
do crime pode ser econômico ou não.
15.24. Quais são os cinco elementos previstos na Lei nº 7.716/89 que podem levar o agente à
aplicação da lei, falando brevemente acerca de cada um deles.
São 05 elementos que podem levar o agente à aplicação da lei:
RAÇA: é o conjunto de caracteres biológicos que unem determinado grupo, tais como: cor de pele,
tipo de cabelo, formato de rosto; há muita discussão sobre essa questão de distinção de raças entre
os humanos, trata-se de um conceito questionável;
COR: entendida como um elemento da raça, que define a coloração da pele em geral;
ETNIA: é um conceito mais amplo do que raça, é o conjunto de caracteres biológicos, sociais e
culturais que unem determinados grupos, é também um conceito vago e impreciso,
RELIGIÃO: é o conjunto de crenças espirituais, também é um termo vago, mas, existem muitas
religiões e todas devem ser respeitadas, não são somente as religiões reconhecidas, todas merecem
respeito, exceto, se desrespeitem princípios protegidos constitucionalmente.
PROCEDÊNCIA NACIONAL: é a nacionalidade do indivíduo, é claro que as restrições
constitucionais em relação aos naturalizados não é discriminação.
15.25. Diferencie o crime de racismo do crime de injúria qualificada pelo elemento de raça.
Sobre o assunto, Guilherme de Souza Nucci leciona que "é preciso considerar que o art. 20 da Lei
7.716/89 diz respeito à ofensa a um grupo de pessoas e não somente a um indivíduo, enquanto o art.
140, § 3.º, do Código Penal, ao contrário, refere-se a uma pessoa, embora valendo-se de
instrumentos relacionados a um grupo de pessoas ".
O referido autor prossegue, ressaltando não ser “tarefa fácil diferenciar uma conduta e outra”,
devendo-se buscar como norte “o elemento subjetivo do tipo específico”, sendo que "se o agente
pretender ofender um indivíduo, valendo-se de caracteres raciais, aplica-se o art. 140, § 3.º, do
Código Penal", ao passo que "se o seu real intento for discriminar uma pessoa, embora ofendendo-a,
para que, de algum modo, fique segregada, o tipo penal aplicável é o do art. 20". Na mesma esteira,
colhe-se julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça3.
Em suma, no crime de injúria qualificado por elemento raça o bem jurídico tutelado é a honra
subjetiva individual e o sujeito passivo é uma determinada pessoa. No crime de racismo, por sua
vez, o bem jurídico é a preservação da igualdade dos seres humanos perante a lei e o sujeito passivo
é a coletividade, mesmo que seja dirigido contra uma pessoa específica.
3
(STJ. RHC 18.620/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
14/10/2008, DJe 28/10/2008).
141
15.26. Os conselhos indigenistas possuem legitimidade ativa em matéria penal para oferecer
queixa-crime no caso de ação penal privada subsidiária da pública, para imputar a prática
dos crimes de racismo e incitação à violência e ódio contra os povos indígenas?
SEGUNDO STF NÃO.
Vejamos: Os conselhos indigenistas não possuem legitimidade ativa em matéria penal. Deve,
portanto, ser rejeitada a queixa-crime porque não cabe a ação penal privada proposta, que é
subsidiária da pública, para imputar a prática dos crimes de racismo e incitação à violência e ódio
contra os povos indígenas. (STF. Inq 3862 ED, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira
Turma, julgado em 18/11/2014).
Na ação penal privada, apenas o ofendido pode propor a ação penal privada ou quem tenha
qualidade para representá-lo, conforme disposto no artigo 100, § 2º, do Código Penal (“A ação de
iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para
representá-lo”), bem como no art. 30 do Código de Processo Penal (“Ao ofendido ou a quem tenha
qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada”).
Excepcionalmente, há situações em que, por expressa previsão legal, o legitimado para o
oferecimento da queixa-crime subsidiária pode ser pessoa física ou entes não ligados diretamente ao
ofendido, o que não é o caso. Os dispositivos legais mencionados (arts. 3º e 5º) da Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho, internalizada pelo Decreto Legislativo nº 5.051/04, não
fazem menção à legitimidade da organização indígena para propor a queixa-crime, ou seja, não foge
da regra geral.
15.27. Admite-se prisão preventiva e prisão temporária no caso de crime de discriminação dos
portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de AIDS? E fiança, é
cabível?
PRISÃO PREVENTIVA: Não é admitida a prisão preventiva diante da discriminação ao portador
de HIV, pois a imposição de cautelar pessoal pressupõe crime com pena SUPERIOR a 4 anos e o
delito em comento tem pena máxima de 4 anos – art. 313, I do CPP.
PRISÃO TEMPORÁRIA: Não é admitida a prisão temporária diante da discriminação ao portador
de HIV, pois a Lei prevê um rol taxativo de crimes que podem ensejar a referida cautelar prisional e
o novel crime não está albergado pela norma – Lei nº 7.960/89, art. 1.
FIANÇA: Trata-se de crime passível de fiança, pois não estamos diante de racismo, mas sim
discriminação, e os institutos não se confundem. Ademais, a fiança, in casu, pode ser arbitrada pelo
Delegado de Polícia, pois o delito possui pena máxima de 4 anos, conforme expõe o art. 322 do
CPP.
Admite-se, ainda, a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, desde que
o agente não seja reincidente em crime doloso e que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta
social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que
essa substituição seja suficiente – art. 44 do CP.
E, por fim, deve estar evidente que não se admite a substituição da pena privativa de liberdade por
multa, pois, cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativas de liberdade e
pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa – Súmula 171 do STJ.
CONFLITO APARENTE DE NORMAS: A conduta de divulgar a condição do portador do HIV ou
de doente de aids, com intuito de ofender lhe a dignidade, como sabido, a depender da casuística,
poderia amoldar-se aos crimes de injúria ou difamação, previstos no Código Penal, todavia, deve
prevalecer o crime instituído na novel lei, sob a égide do Princípio da Especialidade.
O art. 4º, alíneas “c”, “d”, “g” e “i” também não admitem a tentativa, porque esses são crimes
omissivos puros ou próprios, e crimes dessa natureza não admitem tentativa. As demais letras do
art. 4º admitem tentativa.
4
(TJRS. Recurso Crime Nº 71004953311, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet,
Julgado em 08/09/2014)
144
d) Em caso de concurso entre crime doloso contra a vida e crime de abuso de autoridade, a
competência será do Tribunal do Júri (art. 78, I, do CPP). Portanto, o abuso de autoridade será
julgado pelo Tribunal do Júri. Nesse caso, deverá ser aplicada ao abuso de autoridade a regra do art.
60, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95, observando-se os institutos da transação e da composição
dos danos civis.
e) Em caso de concurso entre crime militar e crime de abuso de autoridade, o crime militar será
julgado pela Justiça Militar e o crime comum será julgado pela Justiça Comum, nos termos do
disposto na Súmula 90 do STJ, do seguinte teor: “Compete à Justiça Estadual Militar processar e
julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum
simultâneo àquele”.
f) No caso de prática unicamente de crime de abuso de autoridade por militar, compete à Justiça
Comum o processo e julgamento. Nesse sentido a Súmula 172 do Superior Tribunal de Justiça:
“Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que
praticado em serviço”.
15.36. O que ocorre no caso de crime de abuso de autoridade praticado por policiais militares
que cause ofensa à integridade física da vítima?
Imputando-se aos acusados, na condição de policiais militares em serviço, o crime de abuso de
autoridade, inclusive por ofensa à integridade corporal da vítima, a competência para processo e
para julgamento é da Justiça Militar Estadual, nos termos do art. 125, § 4º, da Constituição federal,
já que o crime vem definido no art. 209 do Código Penal Militar, ficando o delito de abuso de
autoridade absorvido pelo de lesões corporais. Nesse sentido é o entendimento do TJRS5.
5
(Recurso Crime Nº 71005109293, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado
em 06/10/2014).
145
Argumentam, então, que se o art. 28 não traz nenhuma dessas penas, só pode ser uma infração penal
diversa de crime e contravenção (por isso sui generis).
Aduzem, ainda, que o usuário de drogas não é levado à Delegacia, mas encaminhado ao juiz (art.
48, §2º, Lei 11.343/06) e que, em relação aos menores infratores, não se quer puni-los, e, sim,
ressocializá-los (art. 101, ECA).
A 3ª corrente (Alice Bianchini), por sua vez, entende que é fato atípico do ponto de vista penal (não
é crime). A Lei 11.343/06 fala em medida educativa, que é diferente de medida punitiva. Ademais,
o descumprimento da “pena” não gera consequência penal.
Reivindicam a aplicação do princípio da intervenção mínima e sustentam ser o direito à saúde
individual um bem jurídico disponível.
16.5. Qual o prazo prescricional para o crime previsto no art. 28 da Lei 11.343/06 (porte de
drogas para consumo próprio)?
O art. 30 prevê um prazo prescricional fixo para o crime do art. 28, que será sempre de 2 anos.
16.6. É possível a tentativa no crime de art. 33, caput, da Lei 11.343/06 (tráfico de drogas
propriamente dito)?
Não obstante o fato dos 18 núcleos do tipo previsto no art. 33, caput serem muito abrangentes
(crime de ação múltipla ou plurinuclear), quase não deixando brecha para eventual tentativa, é
possível vislumbrar a tentativa na modalidade adquirir (“tentar adquirir”).
16.7. No que tange à dosimetria da pena, é possível que o juiz deixe de aplicar ao condenado
por tráfico de drogas a pena-base no mínimo legal em razão da quantidade e da natureza da
droga apreendida em poder do réu e, pelo mesmo motivo, aplique a causa de diminuição da
pena prevista no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06 em seu percentual mínimo?
Segundo entendimento do STF, a natureza e a quantidade da droga apreendida não podem servir de
fundamento para a fixação da pena-base acima do mínimo legal na primeira fase da dosimetria da
pena e, também, para justificar a redução da pena no percentual mínimo autorizado pelo §4º do art.
33 da Lei 11.343/06, na terceira fase da dosimetria, sob pena de configurar o vedado bis in idem.
Para a Corte, “utilizado o critério da natureza e da quantidade dos entorpecentes para elevar a
pena-base, deveria a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 ser fixada no
patamar de dois terços, porque não haveria qualquer outro fundamento fixado pelas instâncias
antecedentes para impedir sua aplicação em grau máximo” (STF, RHC 122684/MG, julgado em
16/09/2014, Info 759).
16.8. A omissão de receitas por parte do agente do crime de tráfico de drogas pode configurar
o delito de sonegação fiscal?
Embora no direito tributário vigore o princípio do non olet (o dinheiro não tem cheiro), pouco
importando se a renda vem de atividade lícita ou ilícita, para a maioria da doutrina obrigar o réu a
declarar a renda proveniente do tráfico seria obrigá-lo a produzir provas contra si mesmo.
148
16.10. Com o advento da Lei 11.343/2006 houve abolitio criminis quanto a conduta prevista no
art. 12, § 2º, III, da Lei 6.368/1976, consistente em contribuir de qualquer forma para
incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que
determine dependência física ou psíquica?
Não, pois apesar da revogação do referido dispositivo legal, o tipo penal nele contido subsiste em
diversos artigos da Lei 11.343/2006.
Segundo o STJ, “é certo que a Lei 11.343/2006 não repetiu literalmente o texto do inciso III do § 2º
do artigo 12 da Lei 6.368/1976. Entretanto, a nova lei trouxe a previsão dos crimes de
financiamento e custeio para o tráfico (art. 36), de colaboração como informante (art. 37) e, ainda,
introduziu, no seu art. 33, § 1º, III, a ideia de que incorrerá nas mesmas penas do art. 33, caput
(tráfico), aquele que consinta que outrem utilize bem de qualquer natureza de que tenha a
propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, ainda que gratuitamente, para o tráfico ilícito de drogas.
Assim, em uma interpretação sistemática, deve-se concluir que a conduta prevista no inciso III do §
2º do art. 12 da Lei 6.368/1976 continua típica na vigência da Lei 11.343/2006, ainda que
desdobrada em mais de um artigo da nova lei. Ademais, observe-se que a regra contida no art. 29
do CP também afasta a alegação de descriminalização da conduta em análise, pois quem contribui,
de qualquer modo, para o crime, incide nas penas a este cominadas na medida de sua
culpabilidade” (STJ, HC 163.545-RJ, julgado em 25/6/2013).
149
16.11. O que caracteriza o crime descrito no art. 33, §3º da Lei 11.343/06, chamado pela
doutrina de “tráfico de menor potencial ofensivo”?
O crime do art. 33, §3º da Lei de Drogas pressupõe a existência de quatro circunstâncias: i) relação
especial entre os envolvidos (pessoa do relacionamento); ii) prática não habitual da conduta
(eventualidade); iii) ausência de interesse lucrativo (sem objetivo de lucro) e iv) intenção de
consumo compartilhado (para juntos a consumirem).
A ocorrência desses quatro elementos especializantes distingue o crime do art. 33, §3º da Lei de
Drogas do crime de tráfico de drogas previsto no caput do art. 33, praticado na modalidade entregar
a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente.
No que tange a caracterização de um ou outro crime, ressalta-se que, como já se pronunciou a 1ª
Turma do STF (HC 107.448/MG, DJe 01/10/2013), recai sobre a acusação o ônus da prova quanto
ao tráfico de drogas, que não ocorre pela simples compra de entorpecente.
Logo, para fins de tipificação da conduta delituosa do art. 33, §3º da Lei de Drogas, não se pode
admitir a inversão do ônus da prova a ponto de se concluir pelo tráfico de drogas em razão do
acusado não haver feito prova da versão segundo a qual a substancia se destinava ao uso próprio e
de grupo de amigos que se cotizaram para a aquisição.
Em relação ao crime do art. 33, §3º, a pena é de 6 meses a 1 ano, sem prejuízo das penas previstas
no art. 28. Por essa razão, defende-se que o art. 28 traz medidas extra-penais, e não penas, já que,
se assim fosse, o art. 33, §3º traria em si um bis in idem.
16.12. Relacione os requisitos para aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista
no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06.
Para que seja possível a incidência da minorante prevista no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06, é
imprescindível que o agente seja i) primário, ii) de bons antecedentes, iii) não se dedique às
atividades criminosas e iv) não integre organização criminosa (requisitos cumulativos).
Uma vez presentes todos os requisitos da lei, é direito subjetivo do réu ter a sua pena diminuída nas
frações previstas no dispositivo (de 1/6 a 2/3), de acordo com o tipo da droga, quantidade da droga e
demais circunstâncias judiciais do art. 59, CP.
Quanto ao ônus da prova acerca da presença (ou ausência) dos requisitos previstos no art. 33, §4º,
da Lei de Drogas, é certo dizer que, em virtude da regra probatória que deriva do princípio da
presunção de inocência, incumbe à acusação comprovar a impossibilidade de aplicação da referida
causa de diminuição de pena, demonstrando que o acusado não é primário, não tem bons
antecedentes, se dedica a atividades criminosas ou integra organização criminosa.
Se não o fizer, a dúvida milita em favor do acusado (regra do in dúbio pro reo), autorizando a
aplicação da minorante.
150
16.13. É possível a conversão da pena imposta ao condenado pelo crime de tráfico em pena
restritiva de direitos?
Sim. No julgamento do HC-97256, o STF declarou a inconstitucionalidade da parte do §4º do art.
33 da Lei 11.343/06 que veda a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.
“Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei
11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de
direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de
inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de
liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a
avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do
paciente” (HC 97256, julgamento em 1/9/2010, Info/STF 598).
Em seguida, o Senado Federal, por meio da Resolução n. 5/2012, suspendeu a eficácia dessa parte
do dispositivo, conferindo eficácia erga omnes à decisão de inconstitucionalidade do STF proferida
em sede de controle difuso.
16.15. O que diferencia o crime de associação para o tráfico, previsto no art. 35 da Lei
11.343/06, do crime de associação criminosa (art. 288, CP)?
A principal diferença entre o crime de associação criminosa (art. 288 do CP) e o crime de
associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/06) é que, enquanto no primeiro a finalidade da
associação é o cometimento de crimes em geral, no crime de associação para o tráfico a finalidade é
o cometimento do delito do art. 33, caput e §1º, e do art. 34, todos da Lei de Drogas.
151
Por outro lado, enquanto o crime de associação criminosa previsto no art. 288 do CP exige, para a
sua configuração, a associação de, no mínimo, 3 pessoas de forma permanente e duradoura, o delito
do art. 35 exige no mínimo 2 pessoas.
O art. 35 da Lei 11.343/06, a exemplo do art. 288, CP, é um crime autônomo, e existe
independentemente do cometimento dos crimes fins. Se os agentes efetivamente traficaram,
responderão pelos dois crimes, em concurso material de delitos.
16.16. Há concurso material entre os crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput) e de
financiamento ao tráfico (art. 36)?
Conforme a jurisprudência do STJ, “Na hipótese de autofinanciamento para o tráfico ilícito de
drogas, não há concurso material entre os crimes de tráfico (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006) e
de financiamento ao tráfico (art. 36), devendo, nessa situação, ser o agente condenado às penas do
crime de tráfico com incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 40, VII (o agente
financiar ou custear a prática do crime)” (REsp 1.290.296-PR, julgado em 17/12/2013 - Info/STJ nº
534).
O entendimento destacado encontra fundamento no fato de que se está diante de crimes que atentam
contra o mesmo bem jurídico – saúde pública, razão pela qual não se pode admitir uma dupla
punição pela mesma conduta delituosa.
16.17. Há concurso material entre os crimes de associação para o tráfico (art. 35) e o crime
previsto no art. 37 da Lei de Drogas?
O crime do art. 37 da Lei de Drogas funciona como verdadeiro tipo penal subsidiário (soldado de
reserva) em relação à associação para fins de tráfico (art. 35). Apesar de não expresso no
dispositivo legal, entende a doutrina que a conduta do informante colaborador deve ser
obrigatoriamente eventual. Se houver vínculo associativo estável e permanente com os destinatários
das informações, passando o agente a agir como um dos integrantes da associação criminosa, fica
caracterizado o crime previsto no art. 35 da Lei, ainda que sua função na associação seja
exclusivamente a de informar.
Ressalta-se que, para a tipificação do art. 37, as informações prestadas pelo informante devem ter
relevância causal para contribuir, de qualquer modo, para os crimes previstos no art. 33, caput e §1º,
e 34 da Lei 11.343/06. Por isso, se a informação fornecida pelo agente for irrelevante para a prática
de tais crimes, há de ser reconhecida a ausência de nexo causal, com o consequente reconhecimento
da atipicidade de sua conduta.
Nesse sentido é a jurisprudência do STJ: “Responderá apenas pelo crime de associação do art. 35
da Lei 11.343/2006 e não pelo mencionado crime em concurso com o de colaboração como
informante, previsto no art. 37 da mesma lei o agente que, já integrando associação que se destine
à prática do tráfico de drogas, passar, em determinado momento, a colaborar com esta
especificamente na condição de informante. A configuração do crime de associação para o tráfico
exige a prática, reiterada ou não, de condutas que visem facilitar a consumação dos crimes
descritos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei 11.343/2006, sendo necessário que fique
demonstrado o ânimo associativo, um ajuste prévio referente à formação de vínculo permanente e
152
estável. Por sua vez, o crime de colaboração como informante constitui delito autônomo, destinado
a punir específica forma de participação na empreitada criminosa, caracterizando-se como
colaborador aquele que transmite informação relevante para o êxito das atividades do grupo,
associação ou organização criminosa destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos
arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei 11.343/2006. O tipo penal do art. 37 da referida lei (colaboração
como informante) reveste-se de verdadeiro caráter de subsidiariedade, só ficando preenchida a
tipicidade quando não se comprovar a prática de crime mais grave” (HC 224.849-RJ, julgado em
11/6/2013).
16.19. Quais crimes previstos na Lei 11.343/06 são equiparados a crime hediondo?
A Constituição Federal, no seu art. 5º, XLIII, equiparou o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins ao crime hediondo.
O art. 44 da Lei 11.343/06, por sua vez, dispõe que são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis,
graça, indulto e anistia os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 da Lei.
Embora o referido dispositivo também vede em relação a esses crimes a concessão de liberdade
provisória e a conversão de suas penas em restritivas de direitos, o STF já declarou
inconstitucionais tais vedações (HC-104339, Info n. 665 e HC-97256, Info 598, respectivamente).
Tendo em vista a equiparação feita pela Constituição e as vedações impostas pelo art. 44 da Lei
11.343/06, se discute, em sede doutrinária, quais os tipos penais previstos na Lei de Drogas teriam
sido equiparados a crime hediondo.
Tal discussão ganha relevo porque a Lei de 11.343/06, a exemplo da lei anterior, não definiu
atribuiu significado jurídico-penal à expressão “tráfico de drogas”, não indicando expressamente
qual a conduta (ou condutas) portadora deste nomen juris.
Adotando posição mais restritiva, Rogério Sanches argumenta que a equiparação tem origem
constitucional e que o rol estabelecido não é exemplificativo, mas taxativo. Segundo ele, só são
equiparados a crime hediondo os crimes previstos no art. 33, caput (tráfico propriamente dito) e no
art. 33, §1º (tráfico por equiparação), ambos da Lei 11.343/06.
Para uma 2ª corrente, seriam equiparados a hediondo os crimes do art. 33, caput (tráfico
propriamente dito); do art. 33, § 1º (tráfico por equiparação) e do art. 34 (tráfico de maquinários).
A 3ª corrente, defendida por Renato Brasileiro, sustenta que se inserem também no conceito de
tráfico de drogas, e, portanto, seriam equiparados a hediondo, os crimes do art. 33, caput; do art. 33,
§ 1º; do art. 34; do art. 36 (financiamento ao tráfico) e do art. 37 (colaborar como informante) da
153
Lei 11.343/06. Para essa corrente, tanto a conduta do agente que financia o tráfico como a conduta
daquele que colabora como informante concorre para a prática do tráfico de drogas, razão pela qual
devem ser equiparadas a hedionda.
Já uma 4ª corrente, capitaneada por Vicente Greco, sustenta que todos os crimes referidos no art. 44
da Lei 11.343/06 seriam crimes equiparados a hediondos – arts. 33, caput; 33, §1º, 34; 35; 36 e 37.
16.20. Sendo a regra do art. 400 do CPP, que prevê que o interrogatório do réu deve ser
realizado após a oitiva das testemunhas e realização das demais provas, posterior e mais
benéfica ao réu do que a previsão do art. 57 da Lei de Drogas, que prevê o interrogatório do
réu como ato inaugural da audiência de instrução, entende-se que o art. 57 foi derrogado e
que também no procedimento da Lei n.° 11.343/2006 o interrogatório deveria ser o último ato
da audiência de instrução?
A nova redação do art. 400 do CPP, ao determinar que o interrogatório do réu seja realizado ao final
da instrução probatória, possibilita ao réu o exercício de sua defesa de modo mais eficaz, na medida
em que permite ao acusado a oportunidade de esclarecer divergências e incongruências que
eventualmente pudessem surgir durante a fase de consolidação do conjunto probatório.
Desse modo, por ser mais benéfica à defesa, também deveria ser aplicada para julgamento dos
delitos disciplinados na Lei 11.343/06.
Sucede que essa tese não foi acolhida pela jurisprudência.
Segundo o posicionamento que tem prevalecido no STJ e STF, a regra do art. 57 da Lei n.°
11.343/2006, por se tratar de procedimento especial, prevalece sobre a regra geral do CPP, sendo
legítimo o interrogatório do réu antes da oitiva das testemunhas no rito da Lei de Drogas.
“Se a paciente foi processada pela prática do delito de tráfico ilícito de drogas, sob a égide da Lei
11.343/2006, o procedimento a ser adotado é o especial, estabelecido nos arts. 54 a 59 do referido
diploma legal. O art. 57 da Lei de Drogas dispõe que o interrogatório ocorrerá em momento
anterior à oitiva das testemunhas, diferentemente do que prevê o art. 400 do Código de Processo
Penal”. (STF. 2ª Turma. RHC 116713, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 11/06/2013).
“Não gera nulidade o fato de, no julgamento dos crimes previstos na Lei 11.343/2006, a oitiva do
réu ocorrer após a inquirição das testemunhas. Segundo regra contida no art. 394, § 2º, do CPP, o
procedimento comum será aplicado no julgamento de todos os crimes, salvo disposições em
contrário do próprio CPP ou de lei especial. Logo, se para o julgamento dos delitos disciplinados
na Lei 11.343/2006 há rito próprio (art. 57, da Lei 11.343/2006), no qual o interrogatório inaugura
a audiência de instrução e julgamento, é de se afastar o rito ordinário (art. 400 do CPP) nesses
casos, em razão da especialidade” (HC 275.070-SP, julgado em 18/2/2014 - Info/STJ nº 536).
154
16.23. É possível que seja deferida aos condenados por crimes hediondos ou equiparados a
progressão de regime?
A antiga redação do art. 2º da Lei nº 8.072/90 afirmava que a pena privativa de liberdade por crime
previsto na lei deveria ser cumprida em regime integralmente fechado.
O referido dispositivo, no entanto, foi declarado inconstitucional pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal (HC 11.840, julgado em 27.06.12), por ofender o princípio constitucional da
individualização da pena.
Com o advento da Lei nº 11.464/07, a progressão do regime para os crimes hediondos passou a ser
expressamente admitida, ficando autorizada após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena se o
apenado for primário e após o cumprimento de 3/5 (três quintos) da pena, se reincidente.
Por se tratar de lei mais gravosa, que instituiu parâmetros mais gravosos para a progressão, esse
novo patamar mínimo de cumprimento de pena necessário para a progressão de regimes só pode ser
exigido em relação aos crimes hediondos e equiparados cometidos a partir da vigência da Lei
11.464/07, que se deu em 29/03/2007.
Logo, em relação aos crimes hediondos e equiparados cometidos até 28/03/2007, subsiste a
necessidade de cumprimento de 1/6 da pena no regime anterior.
Súmula Vinculante n. 26: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime
hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei
n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os
155
requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo
fundamentado, a realização de exame criminológico”.
16.24. A previsão da Lei 8.072/90 que veda a concessão de indulto aos condenados por crimes
hediondos ou equiparados é constitucional?
1ª corrente: A vedação do indulto é inconstitucional, vez que a CF/88 trouxe vedações máximas,
não podendo o legislador ordinário suplantá-las. Se a CF/88 só vedou a concessão da anistia e
graça, o legislador ordinário não poderia ter inovado vedando o indulto (LFG, Alberto Silva Franco,
Suzana de Toledo Barros).
2ª corrente: A vedação é constitucional, vez que a CF/88 impôs vedações mínimas. Para essa
corrente, a expressão “graça” deve ser tomada no seu sentido amplo para também abranger o
indulto, já que as duas causas extintivas da punibilidade são espécies de clemência soberana, com a
única diferença que aquela é concedida de maneira individualizada e esta para um grupo
indeterminado de condenados. Esta corrente é a que prevalece, sendo também a posição
adotada pelo STF (HC 86.615/RJ).
Merece ressalva, no entanto, a possibilidade de concessão do indulto humanitário (concedido por
razões de grave deficiência física ou em virtude de debilitado estado de saúde) aos condenados por
crimes hediondos ou equiparados, por força do princípio da humanidade, prevalecendo o
entendimento de que a referida causa extintiva da punibilidade pode ser concedida inclusive para
condenados por crimes de especial gravidade.
A título de exemplo, o Decreto 7873/12 autoriza expressamente a concessão do indulto natalino às
pessoas com paraplegia, tetraplegia ou cegueira, desde que tais condições não sejam anteriores à
prática do delito, mesmo que a condenação seja referente à prática de crime de tortura, terrorismo,
tráfico de drogas e crimes hediondos.
16.25. Ao vedar somente a concessão de anistia e graça, sem se referir ao indulto, a Lei de
Tortura (lei 9.455) revogou tacitamente a previsão do art. 2º da Lei 8.072 que veda a
concessão de indulto?
1ª corrente: A não vedação a concessão do indulto pela Lei de Tortura revogou tacitamente a
vedação prevista no art. 2º da Lei 8.072. Tal entendimento privilegia o princípio da isonomia, vez
que ao se permitir a concessão de indulto para os condenados por crime de tortura deve-se autorizar
a sua concessão também para todos os crimes hediondos ou equiparados (LFG e Alberto Silva
Franco).
2ª corrente: A Lei de Tortura não revogou tacitamente o art. 2º, I, da Lei de Crimes Hediondos no
que tange à vedação a concessão de indulto por ser esta norma especial, com vedações especiais. A
permissão do indulto na tortura não se estende aos demais crimes hediondos ou equiparados. O STF
adota esta corrente (HC - 82959).
156
16.26. É cabível prisão temporária em relação a todos os crimes hediondos? Para os crimes
hediondos que não estão previstos na Lei 7.960/1989 é cabível a decretação de prisão
temporária?
Há alguns crimes hediondos que não estão previstos na Lei 7.960/89 como passíveis de decretação
da prisão temporária, a exemplo do crime do art. 273 do CP (falsificação de medicamento), do
crime do art. 217-A, CP (estupro de vulnerável) e do crime do art. 218-B, CP (de favorecimento da
prostituição).
A doutrina diverge acerca da possibilidade de decretação da prisão temporária em relação a esses
crimes. Para alguns, os crimes que admitem a prisão temporária estão previstos num rol taxativo,
descrito na Lei 7.960/89. Os crimes que não são abrangidos neste rol não admitem prisão
temporária.
Para outra corrente, no entanto, a Lei dos Crimes Hediondos, por ser posterior à Lei 7.960/89 e de
mesma hierarquia, ampliou não apenas o prazo da prisão temporária como também o rol dos crimes
que admitem a prisão temporária. Desse modo, caberia prisão temporária em relação aos crimes
hediondos não arrolados na Lei 7960/89 pelo prazo de 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias.
16.29. No que tange ao crime de tortura-discriminação, previsto no art. 1º, I, “c”, da Lei
9455/97, estão abrangidas as torturas praticadas em razão de discriminação por orientação
sexual ou de origem regional?
Não, o tipo previsto no art. 1º, I, “c”, da Lei 9455/97 abrange apenas os casos em que se constrange
alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental em
razão de discriminação racial ou religiosa, mas não em razão de orientação sexual ou origem
regional.
157
16.30. Qual a tipificação penal adequada da conduta quando a vítima morre em razão da
tortura sofrida?
Se o agente queria, desde o início, matar, mediante tortura, responde pelo crime de homicídio
qualificado pela tortura, na forma do CP.
Se, por outro lado, o agente queria apenas torturar e, durante a execução, resolve matar, é caso de
progressão criminosa, com a absorção da tortura pelo homicídio.
Por fim, destaca-se a hipótese em que a intenção do agente era de causar sofrimento físico ou
mental na vítima, sendo a morte um resultado involuntário. Nesse caso, ocorre a tortura qualificada
pelo resultado morte (crime preterdoloso).
17. LEI DE EXECUÇÃO PENAL – LEI Nº 7.210/84. - LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS
CRIMINAIS – LEIS Nº 9.099/95 E Nº 10.259/01.
AUTOR: TIAGO BISCOLI DE PIZZOL
MATERIAL DE CONSULTA: LEGISLAÇÃO CRIMINAL ESPECIAL COMENTADA (RENATO BRASILEIRO).
ALGUMAS QUESTÕES DA COMPILAÇÃO PARA A PROVA ORAL DA DPE/MS.
LEP
17.1.1 Quais são os sistemas de execução penal?
A doutrina enfatiza a existência de três sistemas principais que explicam a execução da pena:
1) Sistema Pensilvânico ou Filadélfico: preconizava o isolamento total;
2) Sistema Auburniano: Isolamento durante a noite e trabalho conjunto entre os presos durante o
dia, em silêncio;
3) Sistema Inglês ou Progressivo: dividia a execução em três momentos. Em um primeiro momento,
isolamento diurno e noturno (Filadélfia); em um segundo momento, permitia o trabalho durante o
dia em regime de silêncio, e isolamento noturno (Auburniano); em um terceiro momento, com base
no comportamento do apenado, permitia o livramento condicional.
Todavia, ressalva-se a possibilidade na hipótese excepcional de prisão cautelar do réu, desde que
preenchidos os requisitos previstos no artigo 312, do Código Processual Penal. Ao réu preso
cautelarmente, portanto, admite-se a expedição de carta de execução provisória de sentença, de
maneira a possibilitar o usufruto dos benefícios da execução (medida benéfica ao réu), sobretudo a
progressão de regime, em que pese a inexistência do trânsito em julgado.
Importante mencionar que a interposição de recurso especial ou extraordinário, que não tem efeito
suspensivo, não impede a execução provisória da pena, se favorável ao réu.
No tocante ao tema há dois entendimentos sumulados pelo STF, quais sejam a súmula 716 e a 717.
De acordo com a primeira, é admitida a progressão de regime de cumprimento da pena ou a
aplicação de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença
condenatória. A segunda, por sua vez, prediz que não impede a progressão de regime de execução
da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão
especial.
17.1.6 Qual a novidade introduzida na Lei de Execuções Penais pela Lei nº 12.654/12 sobre a
identificação do perfil genético do condenado? Aborde a constitucionalidade, ou não, desse
dispositivo.
A Lei 12.654/12 determinou que os condenados por crimes dolosos praticados com violência de
natureza grave contra a pessoa ou por crimes hediondos e equiparados sejam submetidos,
obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA.
Importante salientar que a referida Lei dispôs que as informações genéticas contidas nos bancos de
dados de perfis genéticos não poderão ser utilizadas para revelar traços somáticos ou
comportamentais do indivíduo.
As amostras de DNA extraídas dos condenados tem por finalidade constituir meio de prova,
gerando, dessa forma, discussões acerca de sua duvidosa constitucionalidade, levando-se em
consideração o respeito à garantia ao silêncio e a inexigibilidade de auto-incriminação (ninguém é
obrigado a produzir provas contra si mesmo).
Assim, em obediência a tais princípios essenciais no direito penal garantista, o condenado poderia
recusar-se a fornecer material genético para realização de exame que lhe fosse desfavorável.
160
17.1.7 Quais são os tipos de assistências previstos expressamente na LEP? Tais assistências
apenas se destinam ao preso?
A LEP prevê expressamente a assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.
Os destinatários são o preso, o internado e o egresso. A assistência é instrumento essencial para a
função de prevenção especial positiva, na medida em que busca criar mecanismos que facilitem a
reinserção ao convívio social.
17.1.10 Relacione falta grave e seu impacto na concessão dos benefícios de execução penal.
A falta grave produz reflexos na contagem do prazo dos benefícios de execução penal. Nesse
sentido, o STF e a 5ª Turma do STJ entendem que, ressalvado o livramento condicional e a
comutação, a prática de falta grave acarreta o reinício da contagem do prazo para a concessão dos
benefícios da execução da pena, inclusive para a progressão de regime.
Em sentido contrário, a jurisprudência da 6ª Turma do STJ firmou entendimento de que a prática de
falta grave somente enseja a regressão de regime prisional e a perda de 1/3 dos dias remidos.
Todavia, por ausência de previsão legal, não ocorre a interrupção do prazo para obtenção dos
demais benefícios da execução penal, como no caso de progressão de regime e livramento
condicional. Desse modo, a falta grave não implicaria na interrupção do lapso de tempo para
concessão dos benefícios executórios, sob pena de violação ao princípio da legalidade.
Quanto ao livramento condicional, há entendimento já sumulado (súmula 441, STJ) no sentido de
que a falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional.
O artigo 60 da LEP autoriza a inclusão preventiva do preso no RDD, pelo prazo de 10 dias no
interesse da disciplina e da averiguação do fato, mediante despacho do juiz competente. Tal
possibilidade, contudo, não se confunde com o isolamento preventivo, que pode ser decretado pelo
diretor do estabelecimento prisional. Não se pode olvidar a impossibilidade de prorrogação ou nova
decretação, em razão do mesmo fundamento.
No tocante à constitucionalidade de tal instituto, em que pese a doutrina majoritária entender ser
constitucional, a sua inconstitucionalidade é clara e evidente. Isso porque afronta a dignidade da
pessoa humana, configura sanção desproporcional aos fins da pena, ofende a coisa julgada, na
medida em que representa uma quarta modalidade de regime de cumprimento de pena, além de
gerar bis in idem, punindo duplamente o sujeito pelo mesmo fato..
Justiça entende se o sistema prisional não possui meios para manter os detentos em estabelecimento
apropriado, seria razoável autorizar, excepcionalmente, o cumprimento da pena em regime mais
benéfico.
Na hipótese de ausência de vagas em Casa de Albergado para cumprimento da pena em regime
aberto, o entendimento amplamente majoritário da doutrina e jurisprudência hodiernas defende a
possibilidade de cumprimento de pena em prisão domiciliar, até o surgimento da referida vaga.
O STJ já afirmou que o entendimento pacífico de sua jurisprudência é no sentido de que, na falta de
vagas em estabelecimento compatível ao regime fixado, configura constrangimento ilegal a
submissão do apenado ao cumprimento de pena em regime mais gravoso, devendo o mesmo
cumprir a reprimenda em regime aberto ou prisão domiciliar, na hipótese de inexistência de
estabelecimento adequado.
17.1.15 O juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem
prejuízo das condições gerais e obrigatórias. Há alguma limitação para o magistrado na
imposição dessas condições especiais?
Sim. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme consubstanciada na súmula 493, é
pacífica no sentido de não admitir a fixação de pena substitutiva como condição especial ao regime
aberto, isso porque acarretaria no inaceitável bis in idem (aplicação dúplice de sanção).
17.1.16 Quais os casos previstos na LEP que permitem a prisão domiciliar? Esse rol é
taxativo? Qual o entendimento jurisprudencial sobre o tema?
A LEP admite o recolhimento em residência particular do beneficiário de regime aberto em quatro
situações, a saber: condenado maior de 70 anos; condenado acometido de doença grave; condenada
com filho menor ou deficiente físico ou mental; condenada gestante.
O rol previsto legalmente é taxativo, exaustivo, de modo que a prisão domiciliar, tradicionalmente e
pela literalidade da lei, apenas pode ser admitida nessas hipóteses.
Todavia, a jurisprudência vem evoluindo seu entendimento para estender a possibilidade de prisão
domiciliar para além das hipóteses previstas legalmente, para os casos em que há violação do
princípio da dignidade da pessoa humana, como no caso de superlotação de presídios e a
inexistência de Casa de Albergado. Nessa linha de raciocínio, o STF tem afastado o caráter taxativo
da LEP quanto ao direito à custódia domiciliar, estendendo para os casos de inexistência de Casa de
Albergado.
164
17.1.19. A prática de falta grave acarreta a perda da integralidade dos dias remidos?
Não. A Lei 12.433/11 alterou substancialmente o tratamento da perda dos dias remidos em razão da
prática de falta grave. Antes de sua vigência, prevalecia o entendimento de perda integral dos dias
remidos, todavia, tal disciplina, afronta, indubitavelmente, princípios já incorporados ao
ordenamento pátrio, tais como a individualização da pena, proporcionalidade, igualdade de todos
perante a lei, reabilitação e reinserção do apenado na sociedade.
A partir da referida Lei, a prática de falta grave não atinge a integralidade dos dias remidos, mas,
submete-se ao limite de até 1/3, levando-se em consideração a natureza, os motivos, as
circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão. Por
ser norma penal mais benéfica, deve ter aplicação retroativa.
17.1.21 Quais o fundamento, limite, sujeito, objetivo, espécies e sistema vigente no tocante às
medidas de segurança?
A medida de segurança tem por fundamento a periculosidade e seu limite está vinculado à
intensidade dessa periculosidade. Os sujeitos destinatários são os inimputáveis e semi-inimputáveis,
que necessitem de tratamento curativo. O objetivo das medidas de segurança compreende fins
preventivos especiais, relacionados ao tratamento do indivíduo.
O Brasil adota, hodiernamente, o sistema vicariante (unitário) em que se aplica medida de
segurança ao inimputável e ao semi-imputável, e aplica-se pena reduzida ou medida de segurança
substitutiva, vedada a aplicação cumulativa de pena e medida de segurança (sistema do duplo
binário). Há duas espécies de medida de segurança: internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico (detentiva) e o tratamento ambulatorial (restritiva ou não detentiva).
No que se refere à execução de medida de segurança, importa salientar que a jurisprudência do STJ
já decidiu que o inimputável submetido à medida de segurança de internação em hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico não poderá cumpri-la em estabelecimento prisional comum, ainda
que sob a justificativa de ausência de vagas ou falta de recursos estatais.
O STF decidiu, na ADI 3096, que apenas o procedimento previsto na Lei 9.099 será aplicável, e não
os seus institutos despenalizadores.
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada,
não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena
restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade,
por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena
restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os
motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
17.2.12. É possível que na proposta de suspensão processual inclua-se como condição a PSC
ou a prestação pecuniária?
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que
adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
Muito comum na prática que o juiz inclua prestação de serviços à comunidade ou prestação
pecuniária dentre as condições.
A Defensoria Pública tem tese institucional de que tais condições significam antecipação de pena e
não incompatíveis com o benefício. O tema é bastante controverso na doutrina e também na
jurisprudência, com inclinação para a ADMISSÃO de tais penas como condições. Vejamos:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE OU PECUNIÁRIA. IMPOSIÇÃO.
POSSIBILIDADE. 1. A Quinta Turma desta Corte, na linha externada pelo colendo Supremo
Tribunal Federal, admite a imposição de prestação de serviços à comunidade ou de prestação
pecuniária como condição especial para a concessão do benefício da suspensão condicional do
processo, desde que a medida se mostre adequada ao caso concreto, observados os princípios da
adequação e da proporcionalidade. Precedentes.(STJ. 5T. 05/03/2015. AgRg no HC 226743).
É o entendimento firme da 5 Turma do STJ.
...porém...
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 129, § 9.°, DO
CÓDIGO PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CUMULAÇÃO COM
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE. FIXAÇÃO COMO CONDIÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. VIOLAÇÃO. CONSTRANGIMENTO.
OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. A prestação de serviço à comunidade consiste em pena
autônoma e substitutiva, eis que prevista no rol das restritivas de direitos, dependem, pois, de
previsão legal para se sujeitar alguém ao seu cumprimento. 2. É inviável, à mingua de comando
respectivo, impor como condição da suspensão processual, nos moldes do art. 89 da Lei n.º
9.099/95, a prestação de serviço à comunidade. 3. Recurso provido para excluir a prestação de
serviço à comunidade como condição da proposta de suspensão do processo formulada ao
recorrente (STJ, 6T, RHC 40843, 04/09/2014).
Embora hoje seja minoritário, é o entendimento que mais se coaduna com as teses
institucionais da Defensoria.
Vejamos o entendimento do TJRS a respeito do tema:
HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO.
AUSÊNCIA DE HIPÓTESE DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. -Segundo orientação
prevalecente dos Tribunais Superiores, é possível a imposição de prestação de serviços ou de
prestação pecuniária como condição da suspensão condicional do processo desde que pertinentes ao
fato e à situação pessoal do acusado e respeitados os critérios de adequação e proporcionalidade,
conforme se depreende do preceituado no art. 89, §2º, da Lei 9.099/95. Destaca-se que estas não se
confundem com as penas restritivas de direitos a que alude o art. 43 do Código Penal, pois, quando
descumpridas, acarretam tão-somente a retomada da ação penal, e não o restabelecimento do
cumprimento da pena privativa de liberdade arbitrada à denunciada. Ademais, na hipótese, o
172
Ministério Público apresentou alternativa à paciente: 128 (cento e vinte e oito) horas de prestação
de serviços à comunidade, o que, por certo, não implica prejuízo ao seu sustento. Ordem denegada,
por maioria. (Habeas Corpus Nº 70063501266, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 18/03/2015).
Ausência de previsão legal para a designação de audiência para fins de justificação. 3- O STF tem
entendido cabível a fixação, dentre as condições da suspensão condicional do processo, da
prestação de serviços à comunidade e da prestação pecuniária, o que não configuraria antecipação
de pena. 4- Possibilidade de imposição de prestação de serviços à comunidade como condição da
SCP, por inserir-se no poder discricionário do Magistrado, conforme o disposto no § 2º do artigo 89
da Lei n. 9.099/95. 5- Ausência de ilegalidade na referida condição mormente em se verificando
que proposta em substituição à imposição de reparação do dano, e em benefício do denunciado, já
que o valor do dano superaria R$ 9.000,00, sendo a condição homologada pelo juízo. ORDEM
DENEGADA. (Habeas Corpus Nº 70063129662, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado em 28/01/2015).
18.3. Considerando que a Lei Maria da Penha, em seu art. 5º, dispõe que configura violência
doméstica/familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero, qual deve
ser o elemento subjetivo para fins de incidência do diploma em questão?
Como a Lei nº 11.340/06, em seus arts. 5º e 7º, não estabelece qualquer distinção, poder-se-ia, em
um primeiro momento, considerar que qualquer ação ou omissão – culposa ou dolosa – seria capaz
de atrair sua incidência. Há de se considerar, entretanto, que se exige “ação ou omissão baseada no
gênero”, isto é, a consciência e a vontade de atingir mulher em situação de vulnerabilidade, o que só
se afigura possível em crimes dolosos. Contraditoriamente, todavia, o Plenário do STF já decidiu
que o crime de lesões corporais praticadas contra a mulher em âmbito doméstico será de ação pena
pública incondicionada, mesmo que a lesão seja leve ou culposa.
pode afastar a possibilidade de uma mulher se mostrar mais vulnerável que outra, mais forte,
ameaçadora e dominante. Quando, contudo, isso não se verificar, não incidirá a Lei nº 11.340/06.
Nesse norte, aliás, o CC 88.027/MG, em que o STJ assim se manifestou: “Delito contra honra,
envolvendo irmãs, não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a
mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e
econômica. (...) No caso, havendo apenas desavenças e ofensas entre irmãs, não há qualquer
motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima que
possa causar violência doméstica ou familiar contra a mulher. Não se aplica a Lei nº 11.340/06”.
De acordo com certos autores, referido rol seria taxativo, pois não se admite que norma restritiva de
direitos seja objeto de interpretação extensiva, a qual se verifica quando se amplia o alcance das
palavras constantes do texto legal.
Para outros autores, não se trata de interpretação extensiva, mas de interpretação analógica, a qual
se verifica quando o legislador se vale de exemplos e encerra com comando genérico, plenamente
admissível (pois o legislador é incapaz de prever todas as formas de violência contra a mulher) e
consentânea com o espírito protetivo da Lei nº 11.340/06.
18.11 Considerando que o art. 7º da Lei nº 11.340/06 cuida da violência patrimonial, é possível
aplicar as imunidades absolutas e relativas (art. 183, inciso I, do CP) nos crimes patrimoniais
cometidos, sem o emprego de violência ou grave ameaça, contra a mulher?
De acordo com Maria Berenice Dias, não. Não bastasse, o agente estará sujeito à aplicação da
agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea “f” do CP.
Para a doutrina majoritária, entretanto, a ausência de manifestação em sentido contrário por parte do
legislador indica que sua intenção não foi afastar a incidência das imunidades absolutas e relativas
aos crimes cometidos contra a mulher. Fosse o caso, tê-lo-ia feito de modo expresso, tal como fez
no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03, art. 101).
18.12 Como fica a questão da competência para processar e julgar os crimes dolosos contra a
vida cometidos no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher?
Os crimes de que trata a Lei Maria da Penha serão julgados por Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, a serem criados pelos Estados, nos termos da Lei de Organização
Judiciária correspondente.
Para Renato Brasileiro de Lima, é possível que referida lei confira aos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher competência para “a supervisão das investigações (v.g.,
deferimento de medias cautelares, convalidação judicial da prisão em flagrante) e para a primeira
fase do procedimento bifásico do Júri (judicium accusationis), culminando com uma possível
decisão de pronúncia, absolvição sumária, desclassificação ou impronúncia.
Em outras palavras, desde que respeitada a competência constitucional do Tribunal do Júri para o
julgamento desse crime doloso contra a vida, não há qualquer óbice à tramitação das investigações e
da primeira fase do procedimento perante os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, cuja competência cessaria com a decisão de pronúncia (...).
Noutro giro, se a Lei de Organização Judiciária local possuir dispositivo expresso atribuindo ao
Tribunal do Júri o processo e julgamento de ambas as fases do procedimento bifásico de crimes
dolosos contra a vida, mesmo se praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a
mulher, tal competência não poderá ser deslocada às ‘Varas Especializadas’ a que se refere o art. 14
da Lei Maria da Penha”.
179
18.13 Como fica a questão da modalidade de ação penal nos crimes de lesão corporal leve ou
culposa praticados no contexto da violência doméstica ou familiar contra a mulher?
O art. 88 da Lei nº 9.099/95 prevê que os crimes de lesão corporal leve ou culposa são de ação
penal de iniciativa pública condicionada à representação do ofendido. Ocorre que, nos termos do
art. 41 da Lei nº 11.340/06, as disposições da Lei dos Juizados Especiais são inaplicáveis aos crimes
de que trata a primeira.
Instado a solucionar a controvérsia, agravada pelo fato de o art. 16 da Lei Maria da Penha cuidar do
tema da representação, o STJ titubeou, prolatando decisões antagônicas, vindo, ao fim, a concluir
que o crime de lesão corporal leve/culposa era de ação penal de iniciativa pública condicionada a
representação.
Do contrário, argumentou-se, estar-se-ia “subtraindo da mulher ofendida o direito e o anseio de
livremente se relacionar com quem quer que seja escolhido como parceiro”.
No julgamento da ADI nº 4.424, o STF conferiu interpretação conforme a Constituição aos arts.12,
inciso I, 16 e 41 da Lei nº 11.340/06, definindo que a ação penal pública, nos casos de lesão
corporal leve ou culposa praticada no contexto da violência doméstica ou familiar contra a mulher,
ostenta natureza pública incondicionada.
Considerou-se o grande número de renúncias à representação (90% do total), provocado não pela
livre manifestação de vontade da ofendida, mas pela esperança de que o quadro de agressões cesse,
quando o que ocorre é exatamente o contrário, “em razão da perda dos freios inibitórios e da visão
míope de que, tendo havido o recuo na agressão pretérita, o mesmo ocorrerá na subsequente. Os
dados estatísticos são assombrosos relativamente à progressão nesse campo, vindo a desaguar,
inclusive, em prática que provoque a morte da vítima”.
Diante disso, o STJ foi obrigado a modificar sua jurisprudência.
18.14 É possível a retratação da representação na Lei Maria da Penha? Até quando e como?
Compare-a com a renúncia à representação no Código de Processo Penal, de caráter genérico.
De início, convém observar que a lei fez equivocada referência ao termo “renúncia”, quando o
correto é “retratação”, uma vez que o direito de representação já foi exercitado (do contrário, não
teria havido investigação, tampouco oferecimento de denúncia), não sendo cabível a renúncia, que
pressupõe o não exercício do direito.
No mais, é possível retratação da representação no contexto da violência doméstica e familiar
contra a mulher.
Exige-se, para tanto, que a retratação se verifique até o recebimento da denúncia, em audiência
especialmente designada para esse fim e ouvido o Ministério Público (art. 16 da Lei nº 11.340/06).
A retratação da Lei Maria da Penha diferencia-se da retratação comum (art. 25 do CPP) na medida
em que esta pode ocorrer até o oferecimento da denúncia, sem que haja a necessidade de
designação de audiência para esse fim.
180
18.17 Sabendo-se que o art. 94 do Estatuto do Idoso contém disposição no sentido de que “aos
os crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4
(quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”,
é possível afirmar que mencionado diploma ampliou o conceito de delito de menor potencial
ofensivo?
A respeito do tema, surgiram três posicionamentos:
a) o Estatuto do Idoso permitiu a aplicação do rito previsto na Lei nº 9.099/95 aos crimes com pena
de até quatro anos, mas não modificou o conceito de infração de menor potencial ofensivo (IMPO),
que tem fundamento constitucional. Assim, não possibilitou a aplicação de institutos
despenalizadores aos delitos com pena de até quatro anos;
b) o Estatuto do Idoso ampliou o conceito de IMPO no seu âmbito e
c) considerando que a legislação penal forma um sistema, qualquer delito previsto na legislação
penal, com pena de até quatro anos, ensejaria o uso da transação.
No bojo da ADI 3069-5, a interpretação que prevaleceu foi a primeira, senão veja-se: “Em
conclusão, o Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República para dar interpretação conforme
ao art. 94 da Lei 10.741/2003 [“Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de
liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei no 9.099, de 26
de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do
Código de Processo Penal.”], no sentido de que aos crimes previstos nessa lei, cuja pena máxima
privativa de liberdade não ultrapasse 4 anos, aplica-se a Lei 9.099/95 apenas nos aspectos
estritamente processuais, não se admitindo, em favor do autor do crime, a incidência de qualquer
medida despenalizadora.
Concluiu-se que, dessa forma, o idoso seria beneficiado com a celeridade processual, mas o
autor do crime não seria beneficiado com eventual composição civil de danos, transação penal
ou suspensão condicional do processo”. Assim, somente os delitos com pena máxima de até dois
anos comportam a transação. No tocante aos crimes com penas entre dois e quatro anos, se aplica o
procedimento previsto na Lei 9.099/95, sem audiência preliminar destinada à transaçã.
181
18.18 De acordo com o art. 95 do Estatuto do Idoso, os crimes previstos no diploma são de
ação penal pública incondicionada, não se lhes aplicando as disposições contidas nos arts. 181
e 182 do CP. Que crítica se pode fazer a esse respeito?
O art. 95 do Estatuto do Idoso impõe verdadeira capitis diminutio ao indivíduo que pretende tutelar,
possuindo, ademais, grande potencial de gerar atrito no ambiente familiar.
18.19 Atualmente, qual o objeto material do crime previsto no art. 242 do ECA (“vender
fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente
arma, munição ou explosivo”)?
Com o advento do Estatuto do Desarmamento, que pune, em seu art. 16, a conduta de vender ou
entregar a criança ou adolescente arma de uso permitido, proibido, explosivo ou munição, o art. 242
do ECA passa a abranger apenas, a conduta de vender, fornecer, ainda que gratuitamente ou
entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, apenas armas brancas ou de arremesso.
19.1 Em que hipóteses é lícito o uso de algemas? Quais as consequências da inobservância dos
requisitos?
Hipóteses:
Resistência;
Fundado receio de fuga; ou
Perigo à integridade física própria ou alheia.
Lembrar que a autorização para o uso deve ser justificada por escrito.
Consequências:
Responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade;
Nulidade da prisão ou do ato processual;
Responsabilidade civil do Estado.
Esse entendimento é extraído da Súmula Vinculante nº 11: “Só é lícito o uso de algemas em caso de
resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por
parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de
responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do
ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
19.2 A Súmula 711 do STF prevê que “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou
ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da
permanência”. Como Defensor Público, como você sustentaria a inconstitucionalidade da
Súmula?
Consoante a referida súmula, se o agente praticou uma série de crimes na vigência de leis diversas,
todas as infrações serão regidas pela última lei, ainda que seja a mais gravosa. Trata-se de hipótese
de novatio legis in pejus.
Bitencourt entende que a Súmula 711 viola o princípio da irretroatividade da lei, pois, por meio de
um novo conceito de crime continuado, permite a incidência da nova lei sobre fatos ocorridos antes
da sua vigência.
Paulo Queiroz aponta que a Súmula implica em uma inversão lógica e cronológica do conceito legal
de continuação, ofendendo o princípio da legalidade. É que, de acordo com o Código (art. 71), no
183
delito continuado, os crimes subsequentes são havidos como continuação do primeiro, e não o
contrário.
Portanto, os crimes subsequentes só têm relevância jurídico-penal para efeito de individualização
judicial da pena: escolha da pena mais grave (quando diversas as infrações) e fixação do respectivo
aumento. Dessa forma, se o autor só responde jurídico-penalmente pelo primeiro crime e não pelos
subsequentes, parece evidente que a lei posterior mais severa não poderá alcançá-lo.
19.3. É possível impor regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permite?
Consoante o entendimento das Súmulas 718 e 719, isso é possível.
Prevê a Súmula nº 719: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena
aplicada permitir exige motivação idônea”.
E a Súmula nº 718: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui
motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena
aplicada”.
Contudo, há que se criticar essa possibilidade de aplicação de regime mais severo, pois a quantidade
de pena foi estabelecida como critério objetivo e claro para orientar o regime prisional, sendo um
direito fundamental do réu.
Por fim, a amplitude da expressão “motivação idônea” pode configurar um indesejável ativismo
judicial em matéria penal.
Sobre a questão, lembrar também da Súmula 440 do STJ: “Fixada a pena-base no mínimo legal, é
vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção
imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”.
Dessa forma, se o homicídio se consumar, estará configurado o latrocínio, ainda que não se efetive
o roubo; ao passo que, se o homicídio não ocorrer (atingida a forma tentada), o latrocínio deverá ser
considerado tentado, ainda que o roubo seja efetivado plenamente.
Em outras palavras, como o latrocínio é crime complexo que não pode ser cindido, a consumação
do crime-meio já basta para a caracterização do crime por inteiro.
Essa é a inteligência da Súmula 610 do STF: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se
consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”.
19.6. Como ocorrerá a progressão de regime para o agente que cometeu crime hediondo em
2006?
O agente deverá cumprir 1/6 da pena para progredir de regime, além de ostentar bom
comportamento carcerário.
A Lei 11.464/2007 entrou em vigor no dia 29 de março de 2007. Quem cometeu crime depois dessa
data, pode progredir de regime, mas com os novos patamares de 2/5 e 3/5.
Antes dessa data, estava valendo o patamar de 1/6 do art. 112 da Lei de Execuções Penais, regra
geral que passou a abarcar também os hediondos com a declaração de inconstitucionalidade da
vedação à progressão de regime, prevista no artigo 2º, 1º da Lei 8.072/90.
Com o propósito de afastar qualquer embate doutrinário ou jurisprudencial, o STF editou a Súmula
Vinculante 26: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo,
ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de
25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos
objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a
realização de exame criminológico”.
Igual raciocínio encontra-se previsto na Súmula 471 do STJ: “Os condenados por crimes hediondos
ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art.
112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional”.
19.7. É possível recorrer de sentença condenatória que tenha agravado a pena-base pelo fato
de o réu responder ação penal em curso?
Sim, o fundamento para o recurso encontra-se na Súmula 444 do STJ: “É vedada a utilização de
inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.
Tanto o STJ quanto o STF desde muito vêm exigindo, para o reconhecimento de maus
antecedentes, que ocorra o trânsito em julgado do processo penal respectivo, sob pena de
aviltamento do princípio constitucional da presunção de não culpabilidade.
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19.8. Qual será a pena do agente que confessou ter praticado o crime de furto simples, sendo
que não existem circunstâncias judiciais desfavoráveis e nem agravantes e majorantes?
Considerando a Súmula 231 do STJ, a atenuante da confissão não poderá conduzir a pena abaixo do
mínimo, de modo que pena deste agente será fixada em 1 ano (o furto tem pena de reclusão de 1 a 4
anos). Prevê a Súmula: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da
pena abaixo do mínimo legal”.
Entende o STJ que a primeira e a segunda fase não podem resultar em penas que superem os limites
inferior ou superior previstos no tipo legal do delito. Apenas na terceira fase, em que são aplicadas
as causas de aumento e de diminuição de pena, seria possível ultrapassar esses limites.
Esta Súmula é alvo de muitas críticas, eis que afronta claramente direitos fundamentais do acusado,
como a individualização da pena, a isonomia e a própria dignidade da pessoa humana.
Não bastante, o Código Penal determina em seu artigo 65 as circunstâncias ali delineadas sempre
atenuam a pena. No caso em questão, não sendo a pena diminuída além do mínimo legal, não teria
nenhum benefício o acusado que confessa o delito, equiparando-o ao agente que não colabora com
o Poder Judiciário, ou seja, estabelecer-se-ia uma punição maior, ferindo o primado da isonomia.
Segundo Bitencourt: “Em síntese, não há lei proibindo que, em decorrência do reconhecimento de
circunstância atenuante, possa ficar aquém do mínimo cominado. Pelo contrário, há lei que
determina (art. 65), peremptoriamente, a atenuação da pena em razão de um atenuante, sem
condicionar seu reconhecimento a nenhum limite; e, por outro lado, reconhecê-la na decisão
condenatória (sentença ou acórdão), mas deixar de efetuar sua atenuação, é uma farsa, para não
dizer fraude, que viola o princípio da reserva legal”.
19.9. O agente que pratica o crime de estelionato por meio da falsificação de um documento,
responde pelo delito de falsidade em concurso com o estelionato?
Não. O agente responderá apenas pelo estelionato. Nesse sentido, a Súmula 17 do STJ: “Quando o
falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, e por este absorvido”.
Trata-se de aplicação do princípio da consunção ou absorção, adotado quando o conteúdo de um
tipo penal já se achar necessariamente inserido noutro, de modo que o tipo mais amplo absorve o
menos amplo.
19.10. O agente que pratica furto mediante abuso de confiança pode receber o privilégio do
furto simples se for primário e a coisa de pequeno valor?
Não. O crime de furto encontra-se tipificado no art. 155 do Código Penal. No caput está previsto o
furto simples. O § 2º traz uma causa de diminuição de pena, chamada pela doutrina de “furto
privilegiado”: “Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode
substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente
a pena de multa”. O § 4º, por sua vez, elenca hipóteses de “furto qualificado”.
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19.11. O agente condenado pelo crime de tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, Lei de Drogas),
tendo cumprido 1/6 da pena e ostentando bom comportamento carcerário, pode progredir de
regime?
Não. O crime de tráfico privilegiado é considerado hediondo pelo STJ, de modo que a progressão
de regime do agente será de 2/5, se primário, ou 3/5 se reincidente.
A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º da Lei 11.343/2006 não afasta
a hediondez do crime de tráfico de drogas, pois a sua incidência não decorre do reconhecimento de
uma menor gravidade da conduta praticada e tampouco da existência de uma figura privilegiada do
crime.
A criação da minorante tem suas raízes em questões de política criminal, surgindo como um favor
legislativo ao pequeno traficante, ainda não envolvido em maior profundidade com o mundo
criminoso, de forma a lhe propiciar uma oportunidade mais rápida de ressocialização. Assim, se o
indivíduo é condenado por tráfico de drogas e recebe a diminuição prevista no § 4º do art. 33,
mesmo assim terá cometido um crime equiparado a hediondo.
Súmula 512 do STJ: “A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei
n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas”.
Outras consequências da hediondez do delito:
- não admite fiança;
- não admite a concessão de anistia, graça ou indulto;
- o prazo de prisão temporária, quando cabível, será de 30 dias;
- para a concessão do livramento condicional, o condenado não pode ser reincidente específico em
crimes hediondos ou equiparados e terá que cumprir mais de 2/3 da pena;
- a pena do art. 288 do CP (associação criminosa) será de 3 a 6 anos quando a associação for para a
prática de crimes hediondos ou equiparados.
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Importante destacar que o STF possui entendimento diverso: a abolitio criminis temporária
prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com
numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado,
praticado somente até 23/06/2005, quando terminou o prazo para registrar as armas de fogo sem que
fosse editada alguma MP ou lei prorrogando esse interregno.
Para o STF, o fato de a Lei n. 11.706/2008 (MP 417/2008) ter reaberto o prazo para que as pessoas
pudessem registrar ou renovar o registro de suas armas de fogo de uso permitido não significou
abolitio criminis.
19.13. Para o STJ, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piradas configura fato típico?
Sim, configura o crime de violação de direito autoral.
Prevê a Súmula 502 do STJ: “Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação
ao crime previsto no artigo 184, parágrafo 2º, do Código Penal, a conduta de expor à venda CDs e
DVDs piratas”.
Para o STJ e STF, o fato de, muitas vezes, haver tolerância das autoridades públicas em relação a tal
prática não significa que a conduta não seja mais tida como típica, ou que haja exclusão de
culpabilidade, razão pela qual, pelo menos até que advenha modificação legislativa, incide o tipo
penal, mesmo porque o próprio Estado tutela o direito autoral.
Contudo, pode-se sustentar que esse entendimento viola o princípio da adequação social. O
princípio da adequação social, desenvolvido por Hanz Welzel, afasta a tipicidade dos
comportamentos que são aceitos e considerados adequados ao convívio social.
De acordo com o referido princípio, os costumes aceitos por toda a sociedade afastam a tipicidade
material de determinados fatos que, embora possam se subsumir a algum tipo penal, não
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caracterizam crime justamente por estarem de acordo com a ordem social em um determinado
momento histórico (Min. Jorge Mussi).
A adequação social é um princípio dirigido tanto ao legislador quanto ao intérprete da norma.
Quanto ao legislador, esse princípio serve como norte para que as leis a serem editadas não punam
como crime condutas que estão de acordo com os valores atuais da sociedade.
Quanto ao intérprete, esse princípio tem a função de restringir a interpretação do tipo penal para
excluir condutas consideradas socialmente adequadas. Com isso, impede-se que a interpretação
literal de determinados tipos penais conduza a punições de situações que a sociedade não mais
recrimina.
19.14. A Lei 12.694/12 foi a primeira lei nacional a definir o que é organização criminosa.
Antes de seu advento, qual era o entendimento da doutrina, do STF e do STJ acerca da
aplicação do conceito previsto na Convenção de Palermo?
A aplicação do conceito previsto na Convenção de Palermo sofria críticas na doutrina, no sentido de
que um tratado internacional definindo crimes ou penas no ordenamento brasileiro configurava
nitidamente violação do princípio da legalidade (somente lei cria e comina pena).
Além disso, a definição dada pela Convenção é muito ampla, genérica, violando a taxatividade.
Essa posição foi acolhida pelo STF, que se pronunciou pela necessidade de lei em sentido estrito.
Por sua vez, o STJ entendia que o conceito trazido pela Convenção de Palermo era aplicável (HC
77.771/SP).
Diante da manifestação do STF, a Lei n. 12.694/12 (Lei do Juízo Colegiado) trouxe a primeira
definição sobre organização criminosa.
No ano seguinte, a nova Lei das Organizações Criminosas trouxe um novo conceito e dispôs sobre a
investigação criminal, meios de obtenção de prova, infrações correlatas e o procedimento criminal.
19.15. É possível condenar alguém por ter constituído uma organização criminosa no ano de
2012?
Não. A organização criminosa, na Lei do Juízo Colegiado (Lei 12.694/12), não era um tipo penal
incriminador, sequer trazia cominação de pena, era apenas um conceito sobre uma forma de se
praticar crimes.
Já na Lei 12.850/13, organização criminosa é um tipo penal incriminador, ou seja, a conduta de
promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização
criminosa, por si só, é crime, tipificada no art. 2º, com pena de 3 a 8 anos e multa, sem prejuízo das
penas das demais infrações penais praticadas.
Logo, trata-se de uma novatio legis incriminadora, obviamente irretroativa (não alcança os fatos
esgotados antes da sua vigência).
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19.16. Os meios de provas e técnicas de investigação criminal trazidos pela nova Lei do Crime
Organizado aplicam-se a um crime de roubo praticado por pessoas que não compõem uma
organização criminosa?
Em princípio, não. A Lei 12.850/2013 traz regras sobre investigação criminal, prova e
procedimento aplicáveis apenas às:
Infrações penais praticadas por organização criminosa (art. 1º, § 1º);
Infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a
execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou
reciprocamente;
Organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito
internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem
como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer
em território nacional.
19.19. A oitiva do agente infiltrado como testemunha anônima caracteriza ofensa ao direito
fundamental ao confronto?
O direito fundamental ao confronto é o direito do acusado de presenciar e participar da colheita da
prova oral contra ele produzida. Compreende, por exemplo, a inquirição das fontes de prova
testemunhal desfavoráveis, de forma contemporânea à produção e a comunicação de forma livre,
reservada e ininterrupta com o seu defensor técnico, durante a inquirição das testemunhas.
A testemunha anônima é aquela cuja identidade verdadeira – compreendendo nome, sobrenome,
endereço e demais dados qualificativos – não é divulgada ao acusado e ao seu defensor técnico.
Prevalece no STF que o direito ao confronto não é incompatível com a oitiva do agente infiltrado
como testemunha anônima, com base no princípio da proporcionalidade; na autorização, pela CF,
da limitação da presença de pessoas em atos processuais; e no dever estatal de proteção às
testemunhas.
Renato Brasileiro entende que deve o defensor participar da oitiva, podendo conhecer os dados da
testemunha, mas afirma que há quem entenda que em casos extremos de grave risco à vida do
agente infiltrado, nem o advogado poderá participar da oitiva.