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DIREITO PENAL
RESUMO DE PONTOS PARA A PROVA ORAL DA DPERS 2015

SUMÁRIO

1. FUNDAMENTOS DO DIREITO DE PUNIR. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL.


GARANTISMO PENAL. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS. 3

2. TEORIA DA NORMA PENAL. APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO E NO ESPAÇO.


INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL. CONCURSO DE NORMAS PENAIS 8

3. TEORIA GERAL DO DELITO. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DO DELITO. CONDUTA.


AÇÃO E OMISSÃO. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE. RESULTADO TÍPICO. 16

4. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA. CRIME IMPOSSÍVEL. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA.


ARREPENDIMENTO EFICAZ. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. 21

5. TIPICIDADE. EXCLUDENTES DE TIPICIDADE. 28

6. ILICITUDE 37

7. CULPABILIDADE. EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE. 57

8. ESTRUTURA JURÍDICA DO ERRO. ERRO. DÚVIDA. IGNORÂNCIA. ERRO DE TIPO. ERRO


DE PROIBIÇÃO 63

9. CONCURSO DE AGENTES. COAUTORIA E PARTICIPAÇÃO CRIMINAL 70

10. CONCURSO DE CRIMES. CRIME CONTINUADO. 77

11. PENAS. TEORIAS DAS PENAS. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. ESPÉCIES. APLICAÇÃO


E DOSIMETRIA DA PENA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. LIVRAMENTO
CONDICIONAL. MEDIDA DE SEGURANÇA 83

12. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. EFEITOS DA CONDENAÇÃO. REABILITAÇÃO 102

13. CRIMES CONTRA A PESSOA E CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO 109

14. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. CRIMES CONTRA A FAMÍLIA. CRIMES


CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA. CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA. 121
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15. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CRIMES DE ABUSO DE AUTORIDADE


– LEI Nº 4.898/65. CRIMES RESULTANTES DE PRECONCEITO DE RAÇA OU COR – LEI Nº
7.716/89. CRIMES RELACIONADOS À PROTEÇÃO DOS DEFICIENTES FÍSICOS – LEI N.º
7.853/89. CRIME DE DISCRIMINAÇÃO DOS PORTADORES DO VÍRUS HIV E DOENTES DE
AIDS – LEI Nº 12.984/14. 131

16. CRIMES DA LEI ANTITÓXICOS (LEI Nº 11.343/06). CRIMES HEDIONDOS (LEI Nº


8.072/90). CRIMES DE TORTURA (LEI Nº 9.455/97). 145

17. LEI DE EXECUÇÃO PENAL – LEI Nº 7.210/84. - LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS
CRIMINAIS – LEIS Nº 9.099/95 E Nº 10.259/01. 158

18. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. CRIMES CONTRA O IDOSO. CRIMES CONTRA A


CRIANÇA E O ADOLESCENTE. 174

19. SÚMULAS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES (STJ E STF) EM MATÉRIA CRIMINAL. LEI
QUE DEFINE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E DISPÕE SOBRE A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL –
LEI Nº 12.850/13. 182
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1. FUNDAMENTOS DO DIREITO DE PUNIR. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL.


GARANTISMO PENAL. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS.
AUTOR: ARTHUR AMARAL MONTEIRO
MATERIAL DE CONSULTA: TRATADO DE DIREITO PENAL – CEZAR ROBERTO BITENCOURT (2014) / INTRODUÇÃO CRÍTICA
AO DIREITO PENAL BRASILEIRO – NILO BATISTA / DIREITO E RAZÃO – LUIGI FERRAJOLI

1.1. Qual o conceito de direito penal?


Para Batista, direito penal “é o conjunto de normas jurídicas que preveem os crimes e lhes cominam
sanções, bem como disciplinam a incidência e validade de tais normas, a estrutura geral do crime e
a aplicação e execução das sanções cominadas”.

1.2. Diferencie direito penal objetivo e direito penal subjetivo.


Direito penal objetivo, ou ius poenale, consiste no conjunto de normas penais positivadas, enquanto
que o direito penal subjetivo, ou ius puniendi, consiste no direito de punir do Estado.

1.3. Qual o conceito de criminologia?


Para Lola Aniyar de Castro, criminologia “é a atividade intelectual que estuda os processos de
criação das normas penais e das normas sociais que estão relacionadas com o comportamento
desviante; os processos de infração e de desvio destas normas; e a reação social, formalizada ou
não, que aquelas infrações ou desvios tenham provocado; o seu processo de criação, a sua forma e
conteúdo e os seus efeitos”.

1.4. O que se entende por política criminal?


Podemos entender como o conjunto de princípios e recomendações que norteiam a reforma ou a
transformação da legislação criminal.

1.5. Qual a importância do conceito de “bem jurídico” para o Direito Penal


O bem jurídico representa aqueles objetos legitimamente protegidos pelas normas penais, com a
finalidade de assegurar aos cidadãos uma coexistência livre e pacífica, podendo servir para a
construção de normas penais incriminadoras, bem como para a correta interpretação do delito no
Estado Democrático de Direito, a partir da função ético-social e preventiva.
Além disso, o conceito funciona como limitador ao poder de punir do Estado, materializando-se
através dos princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade, da culpabilidade, dentre
outros.
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1.6. Sobre o princípio da legalidade, aponte seu fundamento constitucional e


infraconstitucional, bem como seus desdobramentos.
Pelo princípio da legalidade, nenhum fato pode ser considerado um ilícito penal senão com expressa
previsão legal estrita, certa, escrita e prévia. O princípio está previsto no art. 05º, XXXIX da
Constituição da República e no art. 01º do CP. Este princípio tem uma função de efetiva limitação
do poder de punir do Estado. O princípio da legalidade pode se desdobrar em quatro funções:
a) Proibir a retroatividade da lei penal, devendo a lei ser prévia, não podendo haver a edição de
leis ex post facto para imputar crime ou agravar a pena da pessoa.
b) Proibir a criação de crimes e penas pelo costume ou outros meios, sendo que somente
mediante lei escrita promulgada de acordo com a Constituição da República pode criar
crimes e cominar penas.
c) Proibir a analogia in malam partem, devendo ser a lei penal estrita.
d) Proibir incriminações vagas e indeterminadas, devendo a lei penal ser certa, para que possa
exercer uma verdadeira função de garantia. Consiste em um direito público subjetivo do
cidadão conhecer previamente o crime.

1.7. No que consiste o princípio da intervenção mínima?


Também conhecida como ultima ratio, orienta que o direito penal somente deve atuar em face de
lesões aos bens jurídicos mais importantes para a sociedade. Busca coibir o abuso de edições de leis
penais, devendo a lei penal atuar somente quando outros “ramos” do direito se revelem
insuficientes.
Ele se desdobra em dois princípios: fragmentariedade e subsidiariedade. A fragmentariedade
informa que a lei penal deve se ocupar somente de parte dos bens jurídicos protegidos pelo
ordenamento, a partir de uma tutela seletiva do bem jurídico. A subsidiariedade, por outro lado,
informa que a lei penal deve atuar quando outras formas do fenômeno jurídico não forem aptas a
orientar a conduta dos cidadãos.

1.8. O que se entende por princípio da lesividade e quais são suas quatro principais funções?
O princípio da lesividade informa que somente podem ser criminalizadas as condutas que causem
efetiva lesão a direitos de outrem. Podem-se admitir quatro funções do princípio:
a) Proibir a incriminação de uma atitude interna. Assim, ideias e convicções, desejos e
aspirações não podem ser criminalizadas. Serve igualmente para delimitar a fase interna do
iter criminis, a cogitação, como antefato impunível.
b) Proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor. Essa
função se relaciona, por exemplo, com a vedação da punição da autolesão. Também serve
para excluir do âmbito da relevância penal os atos preparatórios, salvo quando houver
expressa previsão legal criminalizadora (exemplo do art. 288 do CP).
c) Proibir a incriminalização de simples estados ou condições existenciais. O direito penal deve
sempre incidir sobre fatos, e nunca sobre pessoas, fundado em um juízo de periculosidade.
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d) Proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico. Tal
função protege o direito à diferença, bem como a não incriminação de conteúdos que só
podem ser objeto de apreciação moral.

1.9. Qual o princípio que se relaciona com o juízo de desvalor da ação e desvalor do
resultado?
Segundo Bitencourt, o princípio da adequação social, que implica em uma seleção de
comportamentos a serem criminalizados, a partir de sua relevância social, tem o propósito de
corrigir os excessos da teoria da equivalência dos antecedentes, limitando sua eficácia. Assim, a
previsibilidade de produção do resultado fixo (desvalor da ação), bem como a plena realização
dessa conduta no próprio resultado, em análise com outros fatores (desvalor do resultado) são juízos
de valoração que decorrem do princípio da adequação social.
Cabe ressaltar a divergência doutrinária acerca da correta classificação da aplicação do princípio, se
resultaria em uma causa excludente da tipicidade, ou causa de justificação, prevalecendo,
atualmente, o entendimento de que, na verdade, se trata de princípio geral de interpretação, sendo
útil como primeiro filtro de restrição dos riscos juridicamente relevantes.

1.10. No HC 82.959/SP, o STF julgou inconstitucional a vedação da progressão de regime nos


crimes hediondos. Qual princípio constitucional penal foi invocado, e onde se encontra sua
previsão?
O princípio utilizado foi o da individualização da pena, previsto no art. 05º, XLVI, da Constituição
da República. Este princípio incide em duas fases, tanto no momento da seleção das penas em
abstrato pelo legislador, valorando o bem jurídico mediante a cominação, bem como, em uma
segunda fase, pelo julgador após constatar a existência do crime, a partir do critério trifásico.
Rogério Greco indica que a individualização da pena ocorre também na fase de execução penal,
conforme art. 05º da LEP.
Especificamente sobre a inconstitucionalidade do art. 02º, § 1º, da Lei nº. 8.072/90, em sua redação
originária, cabe destacar a posterior edição da Súmula Vinculante nº. 26, do STF, indicando a
necessidade de individualização da pena por parte do julgador.

1.11. A prática da chamada “revista vexatória” resulta em uma indevida punição dos
familiares do preso, em violação a que princípio constitucional, além das considerações acerca
dos Direitos Humanos?
O fato de indevida punição dos familiares dos presos, que são obrigados a se submeter a revista
vexatória, viola, entre outros princípios constitucionais, o princípio da intranscendência ou
pessoalidade da pena, prevista no art. 05º, XLV, da Constituição da República.
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1.12. No que consiste o princípio da humanidade, qual sua previsão constitucional e sua
incidência?
O princípio da humanidade veda que a pena seja utilizado como uma forma de coerção puramente
negativa, pugnando por um sistema proporcional e racional das penas, sendo considerado o
réu/condenado como pessoa humana. Está previsto no art. 05º, incisos II (proibição de tortura e de
tratamento cruel ou degradante), XLVI (individualização como pena proporcional) e XLVII
(proibição de penas de morte, cruéis ou perpétuas). O princípio incide na cominação, aplicação e
execução da pena.

1.13. Quais são os quatro critérios utilizados pelo STF para verificar a presença do princípio
da insignificância?
O Supremo adota quatro vetores para aferição do princípio da insignificância:
a) mínima ofensividade da conduta do agente
b) nenhuma periculosidade social da ação
c) reduzidíssimo grau de reprobabilidade do comportamento
d) inexpressividade da lesão jurídica provocada
Paulo Queiróz, porém, faz críticas a estes requisitos, indicando que na verdade são critérios fluidos,
e que permitem alta carga de discricionariedade do intérprete. Cabe lembrar que, segundo Zaffaroni,
a análise da insignificância opera-se, para fins de afastamento da tipicidade material, a partir de uma
consideração global da ordem normativa.

1.14. Diferencie crime bagatelar próprio e impróprio


Segundo Luiz Flávio Gomes, o crime bagatelar pode ser próprio ou impróprio. Será próprio quando
se verifica de plano a inexistência do desvalor da ação, ou o desvalor do resultado, e terá como
conseqüência a própria exclusão da tipicidade, sendo um sinônimo para a insignificância. Já o crime
bagatelar impróprio ocorre quando se verifica, após um juízo de tipicidade material, a
desnecessidade da aplicação da pena no caso.

1.15. No que consiste o princípio da culpabilidade?


Este princípio se relaciona com a possibilidade de responsabilização pessoal da conduta, que deve
ser subjetivamente atribuível a alguém. Ele serve como fundamento e limite da pena, impedindo a
responsabilidade objetiva em matéria penal, e impondo uma concreta consideração da conduta do
autor.
Dessa forma, podemos extrair três sentidos do princípio da culpabilidade:
a) A culpabilidade como elemento integrante do conceito analítico do crime, juntamente com o
fato típico e ilícito (ou antijurídico).
b) A culpabilidade como princípio medidor da pena, previsto no art. 59 do CP.
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c) A culpabilidade como princípio limitador da responsabilidade penal, vedando a


responsabilidade penal objetiva

1.16. Quais são os dez axiomas do garantismo penal, segundo Ferrajoli?


Inicialmente, destaque-se o fato dos axiomas servirem como um modelo ideal, dentro de um
paradigma de Estado Constitucional na visão do autor, para legitimar o direito de punir. São eles:
a) Nulla poena sine crimine – não há pena sem crime
b) Nullum crimen sine lege – não há crime sem lei
c) Nulla lex sine necessitate – não há lei sem necessidade
d) Nulla necessitas sine injuria – não há necessidade sem lesão
e) Nulla injuria sine actione – não há lesão sem conduta
f) Nulla actio sine culpa – não há conduta sem culpa
g) Nulla culpa sine judicio – não há culpa sem jurisdição
h) Nullum judicium sine accusatione – não há jurisdição sem acusação
i) Nulla acusatio sine probatione – não há acusação sem provas
j) Nulla probatio sine defensione – não há provas sem contraditório

1.17. Para Ferrajoli, qual a diferença entre mera legalidade e a legalidade estrita?
Enquanto a mera legalidade está relacionada ao princípio da legalidade enquanto condição para a
pena e o delito, a legalidade estrita relaciona todos os axiomas do garantismo penal. Assim, exige-se
não só o axioma nullun crimen, nulla poena sine lege, mas também a presença das demais
derivações do axioma (nullum crimen sine necessitate, sine injuria, etc.).

1.18. O que entende Ferrajoli por garantismo?


Para o autor, é possível extrair três significados do conceito de garantismo:
1. Em primeiro lugar, trata-se de um modelo normativo de direito, no caso do direito penal, o
modelo de estrita legalidade, entendido em um plano político para minimizar a violência
estatal e maximizar a liberdade individual, em um plano epistemológico em um poder
mínimo, cognitivo e não decisionista, e em um plano jurídico como um sistema de vínculos
ao exercício do poder punitivo.
2. Também significa uma teoria jurídica, que busca uma aproximação entre dever ser e ser,
uma teoria da divergência entre normatividade e realidade, exigindo dos juristas uma
constante crítica do direito penal.
3. Por fim, designa uma filosofia política, em uma análise exterior ao fenômeno jurídico stricto
sensu, buscando uma análise da justificação política do poder punitivo.
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2. TEORIA DA NORMA PENAL. APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO E NO ESPAÇO.


INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL. CONCURSO DE NORMAS PENAIS
AUTOR: EDUARDO ESCOBAR FERRON
MATERIAL DE CONSULTA: DIREITO PENAL ESQUEMATIZADO – CLEBER MASSON (2015); DIREITO PENAL PARTE GERAL –
DAMÁSIO DE JESUS (2011); CÓDIGO PENAL COMENTADO – GUILHERME DE SOUZA NUCCI (2014)

2.1. Defina os aspectos (funções) do princípio da legalidade:


Lex scripta (lei escrita): Lei é a emanação escrita do Estado. É a prática reiterada e reconhecida
como certa pela sociedade.
Lex scricta (lei em sentido estrito): Trata-se da fonte formal imediata do Direito Penal, ou fonte de
conhecimento. A fonte formal mediata são os costumes e os princípios. Por outro lado, tem-se por
fonte material (ou fonte de produção) a União, que detém a competência para editar normas a
respeito do Direito Penal, nos termos do art. 22, I, da Constituição Federal.
Lex certa (lei certa): a lei penal incriminadora deve indicar precisamente qual a conduta que se
amolda ao tipo penal previsto na lei, sob pena de violação ao princípio da taxatividade. As leis
penais são mandamentos de certeza. Isso, contudo, não impede que a norma penal seja interpretada.
Pelo contrário, tal como todas as normas jurídicas, as normas penais devem ser interpretadas. E para
tanto existem variadas formas:
Quanto ao sujeito:
Autêntica: Quando a interpretação deriva da própria lei. Ex: conceito de
funcionário público, previsto no art. 327 CP.
Doutrinária. Ex: Exposição de Motivos do CP.
Jurisprudencial.

Quanto ao conteúdo:
Literal: É a interpretação nos exatos termos da lei.
Lógica: O intérprete busca na norma a racionalidade do dispositivo.
Teleológica: O intérprete visa a atingir a finalidade do dispositivo.

Quanto ao resultado:
Declarativa: busca-se declarar o alcance da lei. Ex: art. 141, III, CP.
Restritiva: a interpretação busca restringir o âmbito de incidência da norma.
Extensiva: a norma penal utiliza-se de palavra abrangente. Ex: art. 176 CP,
abrangendo bares, botecos etc. Para uma visão defensiva, a interpretação extensiva em sede de
Direito Penal viola o princípio da taxatividade, corolário do princípio da legalidade.
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OBS: Em que consiste a interpretação progressiva? É a interpretação que busca adequar a lei à
realidade atual, evitando-se, dessa maneira, constantes reformas legislativas. Ex: conceito de ato
obsceno.
Lex praevia (lei prévia): Para ser aplicada, a lei deve estar vigendo antes da prática do crime,
consoante determina o art. 1º CP e art. 5º, XXXIX, CF.

2.2. O que se entende por lei penal em branco? Qual a sua classificação?
Lei penal em branco é a espécie de lei penal cuja definição da conduta criminosa reclama
complementação, seja por outra lei, seja por ato da Administração Pública. Trata-se da lei
incriminadora cujo preceito primário ou secundário (ou até mesmo os dois) dependem de
complementação para que surtam efeitos. Apesar de parcela majoritária da doutrina entender que a
existência de lei penais em branco é constitucional, há crítica a esse posicionamento, entendendo
que tais leis violam os princípios da legalidade e da taxatividade.
A lei penal em branco classifica-se em:
Propriamente dita: são as leis cujo preceito primário do tipo (a definição legal do crime) depende
de complementação. Dividem-se em:
Homogêneas (em sentido amplo): o complemento deriva de lei, sendo que provém do
mesmo órgão da lei a ser complementada. Tais leis penais podem, ainda, ser homovitelinas, quando
as normas são do mesmo ramo do Direito (ex: arts. 312 e 327 CP), ou heterovitelinas, caso em que
as normas são de ramos diversos (ex: art. 237 CP e art. 1521 CC).
Heterogêneas (em sentido estrito): o complemento da norma não deriva de lei, emanando de
órgão distinto da norma a ser complementada. Ex: art. 33 da Lei de Drogas e Portaria 344/98
ANVISA.
Norma penal em branco invertida: são as normas em que o preceito primário do tipo é completo,
mas o preceito secundário (sanção penal) é incompleto, necessitando de complementação. Ex:
Crimes de Genocídio, previstos na Lei 2889/56.
Norma penal duplamente remetida (ou intensificada): tanto o preceito primário como o
secundário exigem complementação. Ex: uso de documento falso, art. 304 CP.

2.3. Diferencie lei penal em branco e tipo penal aberto.


Inicialmente, cumpre referir que há uma semelhança entre os institutos: a definição da conduta
criminosa é incompleta, requerendo complementação.
A diferença reside na origem do complemento: na lei penal em branco, o complemento provém de
uma outra lei ou de ato administrativo oriundo da administração pública; já no tipo penal aberto, o
complemento será um juízo de valor, extraído das circunstâncias do caso concreto.
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2.4. Defina quais são as principais teorias a respeito do tempo do crime e aponte qual foi a
teoria adotada pelo Código Penal:
Teoria da Atividade: segundo essa teoria, considera-se praticado o crime no momento da ação ou
omissão, ainda que seja outro o local da consumação.
Teoria do Resultado: considera-se praticado o crime no momento em que se produz seu resultado,
pouco importando o instante de sua ação ou omissão.
Teoria da Ubiquidade: considera-se praticado o delito tanto na ação/omissão como no resultado.
De acordo com o art. 4º, o Código Penal adotou, em relação ao tempo do crime, a teoria da
atividade. Sobre o assunto, cuidar o teor da Súmula 711 do STF: nos crimes continuados, pela teoria
da ficção jurídica, apesar de haver delitos autônomos, todos são considerados um só. Já nos crimes
permanentes, a consumação se protrai no tempo.

2.5. Quais são os institutos que regem o Direito Penal intertemporal e o conflito de leis penais
no tempo?
Em primeiro lugar, vale ressaltar que a norma penal aplicável ao fato é, regra geral, a vigente
quando de sua práticatempus regit actum. Promove-se, com isso, a reserva legal e a anterioridade
da lei penal, à luz dos ditames estabelecidos na Constituição Federal. Todavia, essa regra comporta
exceções, admitindo-se que normas penais regulem, total ou parcialmente, a mesma matéria, nos
casos de sucessão de leis. Nesses casos, fugindo-se da regra do tempus regit actum, leis penais
anteriores ou posteriores ao fato podem ser aplicadas, tal como determina o art. 2º, caput e
parágrafo único, do CP. Tem-se nesses casos a extra-atividade da lei penal, que se subdivide em
retroatividade e ultra-atividade.
Retroatividade: Conforme determina o art. 5º, XL, CF, a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu. Percebe-se, com isso, que a retroatividade da lei penal é a exceção, e a
irretroatividade é a regra. Dessa maneira, somente haverá retroatividade da lei penal nos casos de
abolitio criminis e novatio legis in mellius.
Qual a natureza jurídica da abolitio criminis? Consoante determina o art. 107, III, do
Código Penal, trata-se de causa extintiva da punibilidade. Entretanto, não se pode deixar de
considerar que, com a supressão do crime, a conduta que nele se adequou deixa de ser típica,
configurando, dessa maneira, uma causa de atipicidade.
OBS: Com a abolitio criminis, desaparecem os efeitos penais, principais ou secundários,
permanecendo, todavia, os efeitos civis.
OBSRetroatividade e lei penal em branco: revogado o complemento que completava a norma
penal, a norma retroage para alcançar os fatos anteriores já julgados? O tema não é pacífico. Se o
complemento era permanente, produzido em situações de normalidade, sua revogação produz
abolitio criminis em relação aos fatos já julgados. Ex: retirada de determinada substância
entorpecente da Portaria 344/98 da ANVISA.
Por outro lado, se o complemento não tinha caráter de permanência, sendo temporário e produzido
em situações de anormalidade, sua revogação não acarreta abolitio criminis. Ex: crime de omissão
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de notificação de doença, cuja comunicação aos órgãos competentes somente se fez necessária em
virtude de propagação temporária da doença.
Competência para aplicar a lei penal posterior benéfica: estando o processo em primeira instância, a
competência é do próprio juiz perante o qual corre o processo; encontrando-se em grau de recurso
ou quando se tratar de ação penal originária dos Tribunais, a competência é do Tribunal; transitada
em julgado a sentença, a competência é da VEC, conforme art. 66, I, LEP e Súmula 611 STF.
Ultra-atividade: a lei penal aplicável ao fato é a vigente quando de sua prática. Com isso, em
havendo posterior alteração legislativa que, de qualquer modo, agrave a situação do agente, a lei
que regulava a matéria quando da prática da conduta continuará a ser aplicada, mesmo depois de
revogada, ou seja, possuirá ultra-atividade. Isso ocorre nas situações de novatio legis incriminadora
e novatio legis in pejus.

2.6. Em que consiste o princípio da continuidade típico-normativa?


Para que efetivamente ocorra a abolitio criminis de um fato, é necessário que concorram duas
situações: revogação formal do tipo penal, com a sua consequente exclusão do ordenamento, e
supressão material do fato criminoso, tornando-se a conduta anteriormente prevista como crime um
irrelevante penal.
Com efeito, vislumbra-se a aplicação do princípio da continuidade típico-normativa quando o
crime, em que pese sua revogação formal, passa a ser disciplinado perante dispositivo legal diverso,
não ocorrendo, portanto, sua supressão material. Ex: revogação do art. 214 CP (atentado violento ao
pudor) e nova redação do art. 213 CP. O STF, em outras palavras, referiu que, no caso do atentado
violento ao pudor, ocorreu a transmudação geográfica da conduta ilícita.

2.7. É possível a combinação de leis penais?


A questão não é pacífica e comporta divergências doutrinárias e jurisprudenciais. Em primeiro
lugar, vale ressaltar que o tema situa-se no estudo da lei penal no tempo, em especial no caso de
haver leis sucessivas tratando da mesma matéria, cada qual com preceitos mais favoráveis e
prejudiciais ao autor do fato. Busca-se, através do presente instituto, aplicar os dispositivos mais
favoráveis de cada uma das leis ao caso concreto.
Para uma primeira corrente, não é possível a combinação de leis penais, uma vez que o juiz, se
assim o fizesse, estaria invadindo seara alheia, intrometendo-se em competências que são relegadas
ao Poder Legislativo, ferindo o princípio da separação dos Poderes. Ademais, assim agindo, estaria
o juiz criando uma terceira lei (lex tertia) para regular o caso, o que lhe é vedado, porquanto não
possui tal atribuição. Trata-se da aplicação da teoria da ponderação global/unitária, sendo a posição
atual do STF (vide Inf. 727) e do STJ, que inclusive editou a Súmula 501, no que diz respeito à Lei
de Drogas. De acordo com essa corrente, diante da impossibilidade de combinação das leis penais, o
magistrado deve verificar, na análise do caso concreto, através da dosimetria da pena, qual a lei
mais benéfica ao autor, aplicando-a na íntegra.
Por outro lado, há uma segunda corrente (salvo melhor juízo, deve ser a adotada na DPE), que
sustenta a possibilidade de combinação das leis penais, sem que se possa falar em qualquer
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usurpação de competências constitucionais. No dizer de José Frederico Marques, o juiz, ao assim


proceder, “está apenas movimentando-se dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração
perfeitamente legítima.” Em outras palavras, tratando-se de tarefa interpretativa, não há qualquer
vício na conduta do juiz. Outro argumento a ser utilizado a favor dessa tese é a retroatividade da lei
penal mais benéfica, comando constitucional imperativo.

2.8. Qual a teoria adotada pelo Código Penal em sede de Lei Penal no Espaço?
De acordo com o art. 6º, o Código Penal adotou a teoria da ubiquidade, considerando-se praticado o
crime tanto no local onde ocorreu a ação/omissão como no local onde se produziu ou deveria
produzir-se o resultado.
Para memorização: LUTALugar=Ubiquidade; Tempo=Atividade.
OBS: Cada uma dessas teorias (atividade, resultado e ubiquidade) foi adotada uma vez pelo CP e
pelo CPP: Atividade para a lei penal no tempo; Ubiquidade para a lei penal no espaço; Resultado
para a competência criminal (art. 70 CPP).

2.9. Defina quais os princípios aplicáveis em sede de Lei Penal no Espaço, identificando sua
respectiva previsão no Código Penal.
A regra geral no que toca à lei penal no espaço deriva do princípio da territorialidade, previsto no
art. 5º CP, segundo o qual a lei penal aplica-se ao crime cometido em território nacional. Considera-
se, também, território nacional, por extensão, as embarcações ou aeronaves públicas, onde quer que
se encontrem, e as privadas, desde que se achem em alto-mar ou no espaço aéreo. Entretanto, essa
regra não é absoluta (territorialidade temperada/mitigada), comportando exceções que decorrem do
princípio da extraterritorialidade:
Princípio da personalidade/nacionalidade: autoriza a aplicação da lei brasileira aos crimes
praticados no estrangeiro por autor brasileiro ou contra vítima brasileira. Tem previsão no art. 7º, II,
“b”, e §3º, do CP.
Princípio do domicílio: o autor deve ser julgado pela lei do país em que for domiciliado.
Encontra-se previsto no art. 7º, I, “d”, CP.
Princípio da defesa/real/da proteção: aplica-se a lei brasileira aos crimes cometidos contra
bens jurídicos pertencentes ao Brasil. Previsão legal: art. 7º, I, “a”, “b” e “c”, CP.
Princípio da justiça universal/cosmopolita: são os crimes que interessam a toda a
humanidade. Está elencado no art. 7º, II, “a”, CP.
Princípio da representação/pavilhão/bandeira: aplica-se a lei penal brasileira aos crimes
cometidos em embarcações e aeronaves privadas, quando em território estrangeiro e lá não sejam
julgados. Previsão no art. 7º, II, “c”, CP.
Cabe referir que a extraterritorialidade pode ser incondicionada (art. 7º, §1º), condicionada (§2º) ou
hipercondicionada (§3º). Ademais, suas hipóteses não se restringem ao Código Penal, havendo
previsão de extraterritorialidade no art. 2º da Lei de Tortura (9455/97).
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OBS: Pode um crime de ação penal pública incondicionada (ex: homicídio qualificado) ser
processado e julgado através de ação penal pública condicionada? O caso é excepcional, mas sim.
Basta que um estrangeiro cometa o crime contra brasileiro no exterior, pois, para ser aplicada a lei
brasileira, será necessária a requisição do Ministro da Justiça, conforme preceitua o art. 7º, §3º, CP.
OBS: Interessante crítica pode ser feita em relação ao art. 7º, §1º, CP: ao permitir a punição do
agente, segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro, o dispositivo
afronta diretamente o princípio do ne bis in idem. Como é sabido, esse princípio implica duas
vedações: proibição de cumprir pena duas vezes pelo mesmo fato e proibição de ser processado
duas vezes pelo mesmo fato. Portanto, ainda que se cogite de eventual absolvição no estrangeiro, o
que permitiria seu processamento e eventual condenação segundo a lei penal brasileira, não se pode
negar que tal conduta viola a segunda vedação ínsita ao ne bis in idem. Em se tratando de
condenação (e até mesmo cumprimento de pena) no exterior, a violação é ainda mais latente.
OBS: A extraterritorialidade não se aplica às contravenções penais, conforme art. 2º DL 3688/41.

2.10. Diferencie crimes de espaço mínimo e crimes de espaço máximo.


Crimes de espaço mínimo são aqueles em que a conduta e o resultado ocorrem na mesma comarca.
Crimes de espaço máximo, também conhecidos como crimes à distância, são aqueles em que a
conduta é praticada em um país e o resultado vem a ocorrer em outro.
OBScrimes plurilocais: conduta e resultado ocorrem em comarcas diversas, mas no mesmo país.

2.11. O que se entende por Passagem Inocente?


Consiste na possibilidade de uma embarcação, mercante ou militar, de qualquer Estado que não
tenha propósito criminoso antecedente e não seja direcionada ao Brasil poder passar pelo mar
territorial sem gerar a incidência da lei penal brasileira, embora sujeitos ao poder de polícia do
Brasil. Tem por fundamento legal o art. 3º da Lei 8617/93.

2.12. Diferencie, em sede de conflito aparente de normas, crime progressivo e progressão


criminosa:
De início, cabe atentar quem ambos encontram-se inseridos no princípio da consunção, do que se
extrai que estamos diante de apenas um crime, que absorve/consome os demais.
Há crime progressivo quando o agente, desejando desde o início o resultado mais grave, pratica
crescentes violações ao bem jurídico. O dolo do agente é único, sendo que os crimes anteriores são
meios necessários à consumação do resultado pretendido pelo autor.
Em contrapartida, tem-se a progressão criminosa quando o agente pretende inicialmente produzir
um resultado e, depois de fazê-lo, decide praticar crime mais grave. Há alteração no dolo do autor,
ficando absorvidos os crimes anteriores.
14

2.13. Diferencie crime progressivo e antefato impunível.


No primeiro, os crimes anteriores são meios necessários ao intento que busca o agente. Já no
segundo, os delitos antecedentes não são etapas necessárias do subsequente, podendo o agente
dispor de outros meios para atingir o resultado pretendido, a exemplo do que ocorre na Súmula 17
do STJ.

2.14. Qual a natureza jurídica da imunidade material dos parlamentares, prevista no art. 53,
caput, CF?
O tema não é pacífico no âmbito doutrinário, havendo posições nos mais variados sentidos, tais
como causa de isenção de pena, causa de irresponsabilidade, causa de incapacidade penal por razões
políticas.
No entanto, prevalece que se trata de causa de atipicidade. É a posição do STF.
OBS: Tanto a imunidade material como a formal são extensíveis aos Deputados Federais,
Senadores e Deputados Estaduais, como prescreve o art. 27, §1º, CF. Para os Vereadores, contudo,
a regra é diversa: não possuem imunidade material. Ademais, a imunidade formal restringe-se à
circunscrição do Município, consoante art. 29, VIII, CF. Em qualquer dos casos, a conduta deve
guardar relação com o mandato exercido.

2.15. A imunidade parlamentar estende-se ao corréu?


A resposta ao questionamento passa pela análise da Súmula 245 do STF.
Uma primeira corrente, baseada em interpretação literal da referida Súmula, entende que a
imunidade, seja material, seja formal, não se estende ao corréu sem prerrogativa. Assim, poderá
haver um fato, praticado em concurso de pessoas, que será típico para um dos autores e atípico para
o outro, diante da excludente da tipicidade que seu cargo lhe atribui.
Uma segunda posição interpreta de forma diversa a Súmula. Entendem seus defensores que, apesar
de não fazer distinção, o verbete somente se aplica à imunidade formal, ou seja, à impossibilidade
de prisão, salvo em flagrante de crime inafiançável. Com efeito, a imunidade material deve ser
estendida ao corréu, pois não se pode admitir que o fato seja típico para uns e atípico para outros
autores.

2.16. Diferencie lei temporária e lei excepcional.


Como ponto em comum, tais leis são autorrevogáveis e possuem ultra-atividade, aplicando-se aos
fatos cometidos durante a sua vigência, ainda que decorrido o período de sua duração ou cessadas
as circunstâncias que a determinaram, nos termos do art. 3º CP.
Lei penal temporária é aquela que tem sua vigência predeterminada no tempo (Cleber Masson).
Possui data final de vigência no ordenamento jurídico. Ex: Lei Geral da Copa de 2014, cujos tipos
penais tinham vigência até 31.12.14.
15

Já a lei penal excepcional possui vigência enquanto presente certa situação de anormalidade, cujo
termo final não é expressamente previsto. Terá vigência durante o período em que se verificar a
situação que a justifique.

2.17. As medidas de segurança sujeitam-se ao direito intertemporal, em especial aos princípios


da anterioridade e da legalidade?
Apesar de haver entendimento minoritário sustentando que, por não se tratar de pena (e assim
estaria afastada a regra do art. 1º CP), bem como por ter caráter curativo, baseando sua aplicação
em face da periculosidade do agente, elas não se sujeitam à legalidade e à anterioridade, é
amplamente majoritária a posição que entende que as medidas de segurança devem, sim, respeito
aos princípios supra referidos. O fato de cuidar-se de tratamento da saúde do agente não retira seu
caráter penal, fazendo-se necessária a prévia disposição legal para que a medida de segurança seja
aplicada. Onde se lê “pena”, no art. 1º CP, leia-se “infração penal”.
16

3. TEORIA GERAL DO DELITO. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DO DELITO. CONDUTA.


AÇÃO E OMISSÃO. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE. RESULTADO TÍPICO.
AUTOR: GABRIELA FERNANDES CORREIA LIMA
MATERIAL DE CONSULTA: DIREITO PENAL ESQUEMATIZADO – CLÉBER ASSON (2014) E QUESTÕES DAS PROVAS ORAIS
DO TJ/PE E MP/AL

3.1. O que é crime?


O conceito de crime varia em conformidade com o critério adotado para defini-lo.
Adotando-se um critério material/substancial o crime pode ser definido como a ação ou omissão
humana (e também da pessoa jurídica, nos crimes ambientais), isto é, a conduta humana, que lesa
ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente protegidos.
Utilizando-se um critério legal o crime é o que a lei classifica como tal. O conceito legal de crime
está no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal. Ela dispõe que existe um gênero, que é a
infração penal, que se divide em duas espécies: crimes e contravenções penais. A diferença entre
essas espécies leva em conta a pena cominada. Crime é a espécie de infração penal a que a lei
comina pena de reclusão ou de detenção, isolada, alternativa, ou cumulativamente com pena de
multa.
Por fim, quem adota um critério formal/analítico leva em conta a estrutura do crime, ou seja, os
elementos estruturais do crime. Algumas teorias surgiram a respeito dos elementos do crime:
• Teoria Quadripartida – por ela, o crime possuía quatro elementos: Fato típico + Ilicitude +
Culpabilidade + Punibilidade. A grande crítica feita a essa teoria é que a punibilidade não é
elemento do crime, mas uma consequência, um efeito do crime. Com a prática do crime, surge a
punibilidade, surge para o Estado o direito de punir o agente.
• Teoria Tripartida – Crime = Fato típico + Ilicitude + Culpabilidade. • Teoria
• Bipartida – Crime = Fato típico + Ilicitude. A culpabilidade não seria elemento do crime, mas
pressuposto de aplicação da pena.

3.2. O Código Penal de 1940 adota uma teoria bipartida ou tripartida de crime?
Em sua redação original, o Código Penal de 1940 acolhia a teoria tripartida, relacionada à teoria
clássica da conduta. Mas com a edição da Lei 7.209/84, que alterou a parte geral do Código Penal,
ficou a impressão de que foi adotada uma teoria bipartida, ligada obrigatoriamente à teoria finalista
da conduta.
Dentre os motivos para tal entendimento está que o Título II do CP trata ‘Do crime’ e logo em
seguida o Título III trata ‘Da imputabilidade penal’, como se o crime existisse independente da
culpabilidade. Além disso, ao tratar das causas de exclusão da ilicitude, se dispõe que “não há
crime...”, enquanto ao tratar das causas de exclusão da culpabilidade está disposto que “está isento
de pena...”.
17

3.3. Diferencie os crimes formais dos crimes de mera conduta.


Crimes formais (também conhecidos como de consumação antecipada, ou de resultado cortado) são
aqueles em que o tipo penal contém conduta e resultado naturalístico, mas dispensa este último para
fins de consumação; ou seja, estará consumado com a prática da conduta – por isso é chamado de
consumação antecipada (Exemplo: Extorsão mediante sequestro – a conduta é a privação da
liberdade, o resultado é o pagamento do resgate; mas o crime se consuma apenas com a privação da
liberdade, mesmo que inexista resultado). Caso o resultado no crime formal venha a ocorrer, estar-
se-á diante do exaurimento do crime; surge o chamado crime exaurido.
Crimes de mera conduta (ou de simples atividade) são aqueles em que o tipo penal se limita a
prever uma conduta. Não há resultado naturalístico (Exemplo: Ato obsceno – art. 233, CP).
O ponto em comum entre um crime formal e de mera conduta é que ambos se consumam com a
prática da conduta. Por esse motivo, o STF chama esses dois crimes de crimes sem resultado.
A diferença entre um crime formal e um crime de mera conduta é que nos crimes formais o
resultado naturalístico, embora desnecessário para a consumação, poderá ocorrer. Já nos crimes de
mera conduta, o resultado naturalístico jamais ocorrerá, pois ele não existe, o tipo não prevê.

3.4. Conceitue a conduta de acordo com a teoria finalista, apontando em seguida hipóteses de
exclusão da conduta.
Para os que adotam uma teoria finalista de crime, a conduta pode ser conceituada como a ação ou
omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a um fim, consistente em produzir um resultado
tipificado em lei como crime ou contravenção penal.
A doutrina costuma apontar algumas hipóteses em que se considera que não houve conduta por
parte do agente. As hipóteses são: caso fortuito e força maior – são acontecimentos imprevisíveis e
inevitáveis, que escapam do controle da vontade; movimentos reflexos – são reações fisiológicas
decorrentes da provocação dos sentidos, nos quais considera-se que não existe conduta, pois falta
vontade; coação física irresistível – exclui a conduta, logo, o fato é atípico (não confundir com
coação moral irresistível, que é uma situação de inexigibilidade de conduta diversa; logo, exclui a
culpabilidade); sonambulismo e hipnose – os atos são praticados em estado de inconsciência, não há
vontade.

3.5. É possível crime sem conduta?


Prevalece no meio jurídico o entendimento de que não há crime sem conduta. Todo crime pressupõe
uma conduta, dolosa ou culposa. O direito penal brasileiro não tolera os chamados crimes de mera
suspeita, que são aqueles em que o agente não é punido pela sua conduta, mas pela mera suspeita
despertada pelo seu estilo de vida. Exemplo: Art. 25, Lei de Contravenções Penais – “Ter alguém
em seu poder, depois de condenado por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade
vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou
instrumentos empregados usualmente na prática de furto, desde que não prove destinação legitima”.
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3.6. Em que consiste a relação de causalidade? Ela é relevante em qualquer crime?


A relação de causalidade ou nexo causal consiste no vínculo que se estabelece entre a conduta e o
resultado naturalístico, pelo qual se conclui se aquela deu causa a este. O Código Penal, ao tratar do
tema, estabelece em seu art. 13 que “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é
imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não
teria ocorrido”.
A relação de causalidade só apresente relevância nos crimes materiais, pois somente nestes existe
resultado naturalístico.

3.7. Quais teorias podem ser utilizadas para explicar a relação de causalidade?
Três teorias principais surgiram para explicar a relação de causalidade:
a) Teoria da equivalência dos antecedentes (ou teoria da conditio sine qua non) – para essa teoria,
causa é todo e qualquer acontecimento provocado pelo agente sem o qual o resultado não teria
ocorrido como ocorreu e quando ocorreu. É a regra geral do Código Penal. A crítica que se faz é
que essa teoria permite o ‘regressus ad infinitum’, ou seja, o regresso ao infinito. Rebatendo a
crítica, entende-se que a relação de causalidade não esgota na mera causalidade física, exigindo-se
também a causalidade psíquica (dolo ou, pelo menos, culpa em relação àquele acontecimento). De
fato, a falta do dolo ou da culpa afasta a conduta, a qual, por seu turno, obsta a configuração do
nexo causal.
b) Teoria da causalidade adequada – foi criada pelo alemão Von Kries. Por ela, causa é todo e
qualquer comportamento humano eficaz para produzir o resultado. É mais restrita do que a primeira
teoria, pois para que um acontecimento seja causa ele não deve mais concorrer de qualquer modo
para o resultado, mas concorrer de forma eficaz. Essa eficácia é obtida de acordo com um juízo
estatístico (it quod plerumque accidit – aquilo que normalmente acontece) – ou seja, ela é
identificada pelas máximas da experiência.
c) Teoria da Imputação Objetiva – quem trouxe essa teoria para o direito penal foi Claus Roxin, na
década de 1970. De acordo com esta teoria, para que exista a relação de causalidade é preciso que o
agente tenha criado um risco proibido ou aumentado o risco já existente ao bem jurídico.

3.7. Conceitue os crimes omissivos próprios e os impróprios, distinguindo-os em seguida


quanto ao sujeito ativo, quanto à admissão de tentativa e quanto à produção de resultado
naturalístico.
Crimes omissivos são aqueles que se configuram a partir de uma conduta negativa, de um não-
fazer.
Os crimes omissivos próprios ou puros são aqueles em que a omissão é descrita no próprio tipo
penal. A própria redação do dispositivo penal já apresenta uma conduta negativa, um não fazer. Os
crimes omissivos impróprios, espúrios ou comissivos por omissão, por outro lado, são aqueles em
que o tipo penal descreve uma ação, mas a inércia do agente, que descumpre o seu dever de agir
(art. 13, §2º), leva à produção do resultado naturalístico. São crimes originariamente comissivos,
mas que se chega a seu resultado através de uma omissão de quem tinha o dever de agir.
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Quanto ao sujeito ativo, os crimes omissivos próprios são comuns ou gerais, pois podem ser
praticados por qualquer pessoa. Já os crimes omissivos impróprios são próprios ou especiais, pois
só podem ser praticados por quem tem o dever de agir para evitar o resultado – exemplo: mãe,
funcionário público.
Os crimes omissivos próprios não admitem tentativa, pois são unissubsistentes (são aqueles em que
a conduta é composta de um único ato, suficiente para a consumação, logo, não há como fracionar a
execução). Os omissivos impróprios, em outra via, admitem a tentativa, pois são plurissubsistentes
(aquele em que a conduta é composta de dois ou mais atos, que se somam para a produção do
resultado), sendo possível fracionar a execução.
Por fim, os crimes omissivos próprios não reclamam resultado naturalístico, já que, em regra, são
crimes de mera conduta, pois se esgotam na prática da conduta. Os omissivos impróprios, ao
contrario, são crimes materiais, pois dependem da produção do resultado naturalístico.

3.8. Quando se considera que uma omissão é penalmente relevante?


A omissão é penalmente relevante, nos termos do art. 13, §2º, CP, quando o omitente devia e podia
agir para evitar o resultado. Percebe-se que o agente será responsabilizado pela omissão não apenas
quando tinha o dever de agir, mas quando tinha este poder no caso concreto. O poder de agir é a
possibilidade real e efetiva de alguém, na situação concreta e em conformidade com o padrão do
homem médio, evitar o resultado penalmente relevante.
O Brasil adota um critério legal quanto às hipóteses do dever de agir, pois as hipóteses do dever de
agir estão expressamente previstas no Código Penal:
a) Dever legal - é aquele imposto pela lei a determinadas pessoas. Algumas pessoas tem a
obrigação legal de cuidado, proteção e vigilância. Quando o dispositivo fala em lei, refere-se a lei
em sentido amplo (o Brasil adota a teoria das fontes, pela qual qualquer fonte jurídica é considerada
lei). Exemplo: os pais em relação aos filhos, o policial em relação ao cidadão, o tutor em relação ao
pupilo, o curador em relação ao interdito.
b) Garantidor - quem de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado – de
outra forma é qualquer outra forma diversa da lei. Tem-se a figura do garantidor ou garante –
garantidor da não ocorrência do resultado. A posição de garantidor pode decorrer de contrato
(Exemplo: salva-vidas de um clube, babá que cuida da criança, enfermeira que cuida do doente),
bem como de situações fáticas, independentemente de um contrato (Exemplo: sujeito que aceitar
tomar conta dos pertences de indivíduo que vai dar mergulho no mar).
c) Ingerência – também chamada de situação precedente, aplica-se àquele que com seu
comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. Quem cria uma situação de perigo
tem a obrigação de impedir o resultado (Exemplo: individuo que convida outro para atravessar o
mar nadando – criou a situação de perigo).
Quem tem o dever de agir e se omite, responde pelo resultado (crime), a título de dolo ou culpa.
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3.9. Qual a diferença entre resultado jurídico e material? Existe crime sem resultado?
Resultado jurídico ou normativo é a mera violação da norma penal, com ofensa ao bem jurídico
protegido. Já o resultado material ou naturalístico é a modificação do mundo exterior, provocada
pela conduta do agente. É algo que pode ser sentido, constatado no mundo real.
A possibilidade de existência de crime sem resultado dependerá da espécie de resultado analisada.
Todo e qualquer crime tem resultado jurídico ou normativo. Não existe crime sem resultado
jurídico, em respeito ao princípio da reserva legal e da ofensividade, pois não há crime quando a
ação ou omissão humana não lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados.
Mas nem todos os crimes tem resultado material ou naturalístico. Somente os crimes materiais
consumados tem resultado naturalístico; se tentado o crime, ainda que material, não haverá
resultado naturalístico. Nos crimes formais, ainda que seja possível resultado naturalístico, este é
dispensável. E nos crimes de mera conduta jamais se produzirá este resultado.
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4. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA. CRIME IMPOSSÍVEL. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA.


ARREPENDIMENTO EFICAZ. ARREPENDIMENTO POSTERIOR.
AUTOR: ELISA COSTA DE OLIVEIRA
MATERIAL DE CONSULTA: CURSO DE DIREITO PENAL – PAULO QUEIROZ (2011), CURSO DE DIREITO PENAL – ROGÉRIO
GRECO (2014)

4.1. O que se entende por “iter criminis”?


Também chamado de “caminho do crime”, significa o conjunto de etapas que se sucede,
cronologicamente, no desenvolvimento do delito. É composto pelas seguintes fases: cogitação,
preparação, execução, consumação e exaurimento. Merece ser frisado que o “iter criminis” é um
instituto específico dos crimes dolosos, não se falando em caminho do crime quando a conduta do
agente for culposa.

4.2. Em que consiste a consumação e a tentativa?


A consumação ocorre quando o crime reúne todos os elementos de sua definição legal, ou seja,
quando o agente realiza o tipo legal do crime integralmente, isto é, realiza-o objetiva e
subjetivamente. Nem todos os crimes possuem o mesmo momento consumativo. Assim, podemos
dizer que a consumação ocorre nos seguintes momentos:
a) Crimes materiais e culposos: a consumação ocorre quando se verifica o resultado
naturalístico;
b) Crimes omissivos próprios: com a abstenção do comportamento imposto ao agente;
c) Crimes de mera conduta: com o simples comportamento previsto no tipo;
d) Crimes formais: com a prática da conduta descrita do tipo, não se exigindo resultado
naturalístico;
e) Crimes qualificados pelo resultado: com a ocorrência do resultado agravador;
f) Crimes permanentes: enquanto durar a permanência, pois a consumação se prolonga,
perpetua-se no tempo.
A tentativa, por sua vez, ocorre quando, iniciados os atos executórios, o crime não se consuma por
circunstâncias alheias à vontade do agente.

4.3. Há algum caso em que a lei, excepcionalmente, criminaliza atos preparatórios?


Em regra, os atos de cogitação e os atos preparatórios são irrelevantes para o Direito Penal, se o
agente, ao menos, não inicia os atos de execução. No entanto, há exceções, como por exemplo, o
artigo 288 do Código Penal, crime de associação criminosa, artigo 291 do CP, petrechos para
falsificação de moeda e artigo 14 da Lei 10.826 de 2013, que pune o porte ilegal de arma de fogo. É
que o legislador considera de tal modo graves essas condutas, que tipifica desde logo.
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4.4. Qual é a diferença entre consumação e exaurimento?


A consumação é um conceito formal, pois é a completa realização do tipo. Mas nem sempre essa
consumação formal do tipo coincide com o plano último do autor. E o exaurimento, que pressupõe a
consumação, é a total realização do projeto do autor. Assim, por exemplo, a concussão e a
corrupção passiva consumam-se com o só ato de exigir ou solicitar vantagem indevida, razão pela
qual a eventual obtenção dessa vantagem (plano último do autor) constituirá mero exaurimento de
crimes já consumados.
Normalmente, o exaurimento constitui fato irrelevante para o Direito Penal, mas casos há em que
ora configura delito autônomo, ora circunstância qualificadora.

4.5. Como distinguir atos preparatórios (em regra, impuníveis) de atos de execução?
Trata-se de tema dos mais tormentosos do Direito Penal. Dentre as várias teorias que surgiram com
o objetivo de definir a tentativa, as principais são:
a) teoria subjetiva: haveria tentativa quando o agente, de modo inequívoco, exteriorizasse sua
conduta no sentido de praticar a infração penal. A simples revelação da intenção criminosa
pelo agente já seria suficiente para que ele respondesse pela tentativa;
b) teoria objetivo-formal: somente se pode falar em tentativa se o agente já tiver praticado a
conduta descrita no núcleo do tipo penal. Tudo o que antecede a esse momento é considerado
ato preparatório;
c) teoria objetivo-material: essa teoria busca ser um complemento da de natureza formal. Por
intermédio dele, incluem-se ações que por sua necessária vinculação com a ação típica,
aparecem como parte integrante dela. Seria o exemplo do fato de apontar a arma para a vítima
no crime de homicídio.
d) Teoria da hostilidade ao bem jurídico: para se concluir pela tentativa, teria de se indagar se
houve ou não uma agressão direta ao bem jurídico.

No caso de irredutível dúvida sobre se o ato constitui um ataque ao bem jurídico ou apenas uma
predisposição para esse ataque, a dúvida deverá ser resolvida em favor do agente, negando o juiz a
existência da tentativa.

4.6. O que se entende por “adequação típica de subordinação mediata”?


A tipicidade formal é a adequação da conduta do agente ao modelo abstrato previsto em lei. Essa
adequação há de ser perfeita, em respeito ao princípio da legalidade. No entanto, no caso dos crimes
tentados, essa adequação não pode ser considerada perfeita. Por exemplo, como adequar a conduta
do agente ao artigo 121 se este não conseguir chegar à consumação do delito? Não houve subsunção
perfeita ao modelo abstrato trazido pelo legislador. Para corrigir este problema, foram criadas as
normas de extensão, a exemplo do artigo 14, II do Código Penal, fazendo com que se amplie a
figura típica, de modo a abranger situações não previstas expressamente pelo tipo penal.
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Entende-se, portanto, que nos casos de tentativa, haverá uma adequação típica de subordinação
mediata ou indireta, pois para que possa existir essa adequação, será necessário socorrer-se de uma
norma de extensão.

4.7. Qual é a diferença entre tentativa perfeita e imperfeita?


Fala-se em tentativa perfeita, acabada ou crime falho, quando o agente esgota, segundo o seu
entendimento, todos os meios que tinha ao seu alcance a fim de alcançar a consumação da infração
penal, que somente não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade. Diz-se imperfeita ou
inacabada a tentativa em que o agente é interrompido durante a prática dos atos de execução, não
chegando, assim, a fazer tudo aquilo que intencionava, visando consumar o delito.

4.8. E entre a tentativa branca e vermelha?


Fala-se em tentativa branca, ou incruenta, quando o agente, não obstante ter-se utilizado dos meios
que tinha ao seu alcance, não consegue atingir a pessoa ou a coisa contra a qual deveria recair sua
conduta. Já na tentativa vermelha, também chamada de cruenta, o bem jurídico é atingido.

4.9. Quais são os crimes que não admitem tentativa?


Primeiramente, importante frisar que NÃO CABE tentativa de contravenção penal, por expressa
previsão do artigo 4º da Lei de Contravenções Penais.
No que diz respeito aos crimes, a doutrina aponta alguns casos em que, pelo menos em tese, não
admitem tentativa, por exemplo:
a) crimes habituais: são delitos que, para se chegar à consumação, é preciso que o agente
pratique, de forma reiterada e habitual, a conduta descrita no tipo. Ou o agente comete a série
de condutas necessárias e consuma a infração ou o fato por ele levado a efeito é atípico. Ex:
caso de prostituição.
b) crimes preterdolosos: ou o fato consequente culposo ocorre, caso em que estará consumado o
crime, ou não ocorre, quando então a hipótese será a de crime doloso consumado ou tentado,
conforme o caso;
c) crimes culposos: não se fala em tentativa em crimes culposos uma vez que não há vontade
dirigida à prática de uma infração penal. Logo, não existirá circunstância alheia, impeditiva da
sua consumação. Não se cogita, não se prepara e não se executa uma ação dirigida a cometer
um delito culposo;
EXCEÇÃO: A doutrina costuma admitir a tentativa na chamada culpa imprópria (culpa nas
descriminantes putativas), haja vista que o agente, embora atuado com dolo, por questões de
política criminal, responde pelas penas relativas a um delito culposo.
d) crimes nos quais a simples prática da tentativa é punida com as mesmas penas do crime
consumado: por exemplo, artigo 352 do Código Penal, para que se caracterize a infração não
importa que o agente consiga evadir-se ou somente tenha tentado, pois para o Código, tais
situações são equiparadas;
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e) crimes unissubsistentes: unissubsistente é o crime no qual a conduta do agente é exaurida num


único ato, não se podendo fracionar o “iter criminis”, não cabendo portanto, se falar em
tentativa. Ex: injúria verbal;
f) crimes omissivos próprios: ou o agente não faz aquilo que a lei determina e consuma a
infração, ou atua de acordo com o comando legal e não pratica qualquer fato típico.

4.10. A tentativa é compatível com o dolo eventual?


O tema é controvertido na doutrina. Segundo o professor Rogério Greco, a tentativa é totalmente
incompatível com o dolo eventual. Segundo esse doutrinador, a própria definição legal do conceito
de tentativa, nos impede de reconhecê-la nos casos em que o agente atua com dolo eventual.
Quando o Código em seu artigo 14, II conceitua tentativa, ele diz ser o crime tentado quando
iniciada a execução, o crime não se consuma por fatores alheios à VONTADE do agente. Desse
modo, está a lei a nos induzir que a tentativa somente é admissível quando a conduta do agente for
finalística e diretamente dirigida à produção do resultado e não nas hipóteses em que somente
assuma o risco de produzi-lo.
De outro lado, doutrinadores como Paulo Queiroz se posicionam favoravelmente à possibilidade de
tentativa em crimes cometidos com dolo eventual, pois segundo ele, o dolo do crime tentado é
absolutamente igual ao dolo do crime consumado, havendo diferença apenas no plano objetivo-
material, já que a tentativa representa uma frustração relativamente ao resultado pretendido. O fato
de o crime não se consumar por circunstâncias alheias à vontade do agente não modifica em nada o
seu dolo. Sustenta o autor que a alegada incompatibilidade entre tentativa e dolo eventual acabaria
por equiparar o dolo eventual à culpa, conferindo-lhes tratamento unitário, em clara violação aos
princípios da proporcionalidade e legalidade.

4.11. Qual é a crítica que se faz à Súmula 610 do STF?


De acordo com a referida Súmula, “há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda
que não realize o agente a subtração de bens da vítima.” Parte da doutrina critica severamente este
entendimento sob a alegação de que para que se consume um crime complexo ( que é aquele no
qual numa mesma figura típica há a fusão de dois ou mais tipos penais – ex: roubo, latrocínio) há
necessidade de que o agente preencha o tipo penal levando a efeito as condutas que, unidas, formam
a unidade complexa. Sendo assim, o crime de latrocínio deveria permanecer na fase da tentativa
enquanto não preenchidos todos os elementos que o compõe, vale dizer, a subtração da coisa alheia
móvel mais o resultado morte.

4.12. Quais são as teorias sobre a punibilidade da tentativa?


Segundo a teoria subjetiva, o agente que deu início aos atos executórios, embora não tenha
alcançado o resultado por circunstâncias alheias à sua vontade, responde como se tivesse
consumado o crime. O que importa, para esta teoria, é a vontade do agente, não importando se o
resultado efetivamente ocorreu.
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Já para a teoria objetiva, ADOTADA PELO NOSSO CÓDIGO PENAL COMO REGRA, deve
existir uma redução de pena quando o agente não consiga, efetivamente, consumar a infração. Diz-
se como regra, porque há casos em que a tentativa é punida com a mesma pena do crime
consumado. Essa redução de pena deverá ser de um a dois terços, de modo que o percentual deverá
variar de acordo com a proximidade da consumação. Quanto mais próximo da consumação o agente
chegar, menor deverá ser a diminuição, quanto mais distante da consumação, maior deverá ser o
percentual de redução da pena.

4.13. O que se entende por desistência voluntária e arrependimento eficaz e como podemos
distingui-los?
Na desistência voluntária, o agente, já tendo ingressado nos atos de execução, mas sem esgotar
todos os meios que tinha à sua disposição para chegar à consumação do crime, DESISTE
VOLUNTARIAMENTE, de nela prosseguir.
Já no arrependimento eficaz, o agente esgota todos os meios de execução à sua disposição, mas
arrepende-se e impede a produção do resultado.
A diferença entre ambos, portanto, encontra-se no processo de execução. Na desistência voluntária,
o processo de execução ainda está em curso e o agente desiste voluntariamente, no arrependimento
eficaz, o processo de execução já se encerrou, mas o agente impede a consumação do resultado.

4.14. Exige-se que a desistência seja espontânea?


NÃO. É irrelevante o motivo que levou o agente a desistir. Não importa se a ideia de desistir no
prosseguimento da execução partiu do agente ou se foi ele induzido a isso por circunstâncias
externas. O importante é que o agente continue sendo o dono de suas decisões.

4.15. Em que consiste a Fórmula de Frank?


A Fórmula de Frank busca distinguir a desistência voluntária da tentativa, ou seja, quando o crime
não se consumou porque o agente voluntariamente desistiu e quando não se consumou por
circunstâncias alheias à sua vontade. Na análise do fato, se o agente disser a si mesmo “ POSSO
PROSSEGUIR, MAS NÃO QUERO”, será o caso de desistência voluntária, porque a interrupção
da execução ficará a seu critério; se ao contrário, disser “ QUERO PROSSEGUIR, MAS NÃO
POSSO”, estaremos diante de crime tentado, uma vez que a consumação só não ocorrerá em virtude
de circunstâncias alheias à vontade do agente.

4.16. Como deve ser responsabilizado o agente nos casos de desistência voluntária ou
arrependimento eficaz?
A finalidade de ambos os institutos, é fazer com que o agente não responda pela tentativa. Deverá,
nesses casos, ser responsabilizado APENAS PELOS ATOS JÁ PRATICADOS. Teremos de
verificar qual ou quais infrações penais cometeu até o momento da desistência ou depois de ter se
arrependido de forma eficaz, para que, nos termos do artigo 15 do CP, por ela(s) possa responder.
26

4.17. Qual é a natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz?


Para Hungria, são causas de extinção da punibilidade não previstas no artigo 107 do CP. No
entanto, a doutrina majoritária entende serem causas que conduzem à atipicidade do fato.

4.18. O que se entende por arrependimento posterior e qual a sua natureza jurídica?
O arrependimento posterior é uma causa de diminuição de pena aplicável aos crimes cometidos
SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA À PESSOA, desde que o agente repare o dano ou
restitua a coisa à vítima ATÉ O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA OU QUEIXA. Nesse caso, terá
sua pena reduzida de um a dois terços. Frise- que o Código exige que o arrependimento seja
voluntário, não havendo necessidade de que seja espontâneo.

4.19. A reparação há de ser total para que se configure o direito à diminuição de pena? A
reparação tem de ser feita pelo próprio autor ou pode ser feita por terceiros?
A maior parte da doutrina entende que o autor apenas fará jus à diminuição de pena caso a
reparação do dano seja feita de forma total.
O professor Paulo Queiroz entende que o autor do delito fará jus à diminuição da pena tanto na
reparação total quanto parcial, o que muda é a quantidade da redução. Se a reparação for total, a
diminuição deverá ser de dois terços, se parcial, deverá ser de um terço.
No que diz respeito ao sujeito que fará a reparação do dano, a doutrina majoritária entende que
somente se admite a reparação feita pelo próprio autor. Paulo Queiroz, criticando essa posição,
entende que se a providência foi instituída mais em favor da vítima do que do agente, não há motivo
para não se conceder a redução da pena mesmo quando a reparação é feita por terceiros, pois o
resultado prático para a vítima será o mesmo.

4.20 . A redução da pena estende-se aos coautores?


Sim, havendo concurso de agentes, ainda que somente um dos coautores repare o dano, o benefício
da redução de pena deverá ser estendido aos coautores, uma vez trata de um instituto de política
criminal voltando mais aos interesses da vítima que do próprio autor do fato.

4.21. O que se entende por crime impossível?


A tentativa de um crime é considerada inidônea quando, em razão da ineficácia dos meios de
execução ou da impropriedade do objeto a que a ação se dirige, a consumação do crime for
absolutamente impossível. Portanto, o crime impossível, também chamado de tentativa inidônea,
ocorre sempre que se apurar, concretamente, que era ABSOLUTAMENTE impossível a
consumação do crime.
27

4.22. Quais são as teorias que buscam explicar o crime impossível?


a) teoria subjetiva: para esta teoria, não importa se o meio ou o objeto são absoluta ou relativamente
ineficazes ou impróprios, pois para a configuração da tentativa, basta que o agente tenha agido com
vontade de praticar a infração penal. O agente é punido pela sua intenção delituosa, mesmo que no
caso concreto, bem algum se colocasse em situação de perigo;
b) teoria objetiva pura: para esta teoria, não importa se o meio ou o objeto eram absoluta ou
relativamente inidôneos para que se pudesse chegar ao resultado cogitado pelo agente, uma vez que
em nenhuma dessas situações responderá ele pela tentativa;
c) teoria objetiva moderada: entende que somente são puníveis os atos praticados pelo agente
quando os meios e os objetos são relativamente ineficazes ou impróprios, isto é, quando há alguma
possibilidade de o agente alcançar o resultado pretendido. ESTA FOI A TEORIA ADOTADA
PELO CÓDIGO PENAL.

4.23. Qual é a diferença entre crime impossível e crime putativo?


Embora tanto no crime impossível como no crime putativo, a conduta do agente seja dirigida ao
cometimento de uma infração penal, no primeiro, existe previsão em nosso ordenamento jurídico da
infração penal que o agente pretende praticar, contudo, por absoluta ineficácia do meio ou absoluta
impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime. Já no crime putativo, a situação é
diversa, pois o agente almeja praticar uma conduta que não encontra moldura em nossa legislação, o
fato por ele praticado é atípico, e portanto, um indiferente penal.
28

5. TIPICIDADE. EXCLUDENTES DE TIPICIDADE.


AUTOR: BRUNO PACHECO.
MATERIAL DE CONSULTA: MANUAL DE DIREITO PENAL: PARTE GERAL – GUSTAVO JUNQUEIRA E PATRÍCIA VANZOLINI
(2014).

5.1. O que é "tipo"?


O vocábulo "tipo", em Direito Penal, significa a descrição de determinada conduta à qual se associa
determinada sanção, ou seja, significa o conjunto formado pelos elementos que desenham a figura
delituosa, sobre a qual, posteriormente, recairão os juízos de ilicitude e de culpabilidade e,
finalmente, a imposição de pena. É, portanto, um modelo abstrato.

5.2. Quais são as teorias do tipo? Como ocorreu sua evolução histórica?
Podem ser citadas duas grandes teorias:
a) Concepção objetiva. LISZT-BELING. O esquema proposto pela teoria causal-naturalista partia
da completa separação entre a face objetiva/externa do crime (representada pela antijuridicidade) e
a face subjetiva/interna (representada pela culpabilidade). A partir dos estudos de BELING a face
objetiva/externa é destacada da antijuridicidade, formando a noção de "tipo". Assim, o tipo nasce
como uma figura puramente objetiva, composta apenas por elementos descritivos, cuja função era
simplesmente narrar um processo causal.
b) Concepção objetiva-subjetiva. WELZEL. Com a descoberta dos elementos subjetivos e
normativos do tipo, foi desaparecendo a separação objetivo/subjetivo. A partir dos estudos de
WELZEL ocorre uma verdadeira revolução dogmática, em que o próprio dolo (e não somente
elementos subjetivos específicos) passa a integrar o tipo. O tipo, portanto, passa a ostentar tanto
uma face objetiva quanto uma subjetiva. O dolo deixa de ser analisado no âmbito da culpabilidade e
passa a compor o núcleo da face subjetiva do tipo (nos crimes dolosos).

5.3. Diferencie tipo legal, tipo de injusto e tipo garantia.


a) Tipo legal. Descrição da conduta proibida ou exigida, constante de lei.
b) Tipo de injusto. Ação típica e ilícita. A expressão "injusto" refere-se, portanto, à conduta já
valorada como ilícita.
c) Tipo garantia. A expressão é utilizada por JUAREZ CIRINO DOS SANTOS, indicando o
conjunto de todos os pressupostos necessários para aplicação de pena. Assim, engloba tipicidade,
ilicitude, culpabilidade, condições objetivas de punibilidade, garantias processuais etc.

5.4. Quais são as funções do tipo?


a) Função de seleção da matéria de proibição. O tipo legal seleciona, dentre os diversos bens
jurídicos reconhecidos pelo Direito, e dentre as diversas lesões que podem vir a sofrer, aquelas
situações que merecerão tutela penal (bens mais valiosos atingidos por lesões mais graves).
29

b) Função de garantia. Restringe o poder punitivo, que só poderá ser exercido em limites que são
previamente conhecíveis pelo cidadão.
c) Função indiciária de ilicitude. A tipicidade de uma conduta é vista como indício de que,
provavelmente, deve ser ilícita, a menos que atue, em sentido contrário, uma justificante. Essa
função é bastante aceita no Brasil, embora possa trazer consequências desfavoráveis ao acusado,
pois permite atribuir à defesa a o ônus de provar a existência de excludentes de ilicitude.
d) Função de delimitação do "iter criminis". É moldura típica que marca o início e o fim da
execução.
e) Função de delimitação do erro. O erro de tipo pode ser essencial ou acidental. Somente o exame
dos elementos do tipo permite diferenciar essas duas espécies de erro.

5.5. Que elementos compõem o "tipo objetivo"?


O tipo objetivo é o aspecto exterior do delito, ou seja, concentra todos os elementos externos à
realidade psíquica do agente. Seus elementos são:
a) Núcleo. É representado por um ou mais verbos. Esse é o elemento que delimita a conduta típica
incriminada. Deve-se observar, no entanto, que nem todos os verbos do tipo compõem seu núcleo.
Em alguns tipos há verbos que indicam elementos subjetivos específicos ou meios de execução.
Exemplo disso é o tipo do art. 159 do CP: "Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para
outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate". Nesse caso, somente o verbo
"sequestrar" compõem o núcleo (elemento vinculado à consumação do delito), sendo o verbo
"obter" mero indicativo de elemento subjetivo específico.
b) Sujeitos. É sujeito ativo aquele que viola a norma incriminadora; é sujeito passivo o titular do
bem jurídico atingido pela ação do sujeito ativo.
c) Objetos. É objeto material a pessoa ou coisa sobre a qual recai a ação criminosa. É objeto jurídico
o bem jurídico protegido pela norma. Assim, no furto de um relógio, o objeto material é o próprio
relógio, sendo objeto jurídico o patrimônio.

5.6. O que é o "tipo misto alternativo"?


Quando há vários verbos em um mesmo tipo, em relação de alternatividade, surge o chamado "tipo
misto alternativo". Nesse caso a realização de qualquer verbo do núcleo já consuma o delito,
embora a realização de mais de um verbo não configure mutiplicidade de delitos, mas sim crime
único (desde que contra o mesmo sujeito passivo, no mesmo contexto). Ex: tráfico de drogas (Lei
11.343/06, art. 33).

5.7. Diferencie "sujeito passivo material" e "sujeito passivo formal".


Sujeito passivo material é o titular do bem jurídico protegido pela norma. Sujeito passivo formal ou
constante é o Estado.
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5.8. Pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crimes?


A posição amplamente majoritária no direito brasileiro, hoje, é de que pessoa jurídica pode ser
sujeito ativo de crimes, embora somente em casos de crimes ambientais. Entende-se que a
Constituição Federal permite a responsabilização criminal das pessoas jurídicas em dois
dispositivos: art. 173, §5o e art. 225, §3o.
Nesse sentido, GUILHERME NUCCI: "aqueles que defendem a possibilidade de a pessoa jurídica
responder pela prática de um delito argumentam:
a) as pessoas jurídicas têm vontade, não somente porque têm existência real, não constituindo um
mito, mas pelo fato de fazerem ´com que se reconheça, modernamente, sua vontade, não no sentido
próprio que se atribui ao ser humano, resultante da própria existência natural, mas em um plano
pragmático-sociológico, reconhecível socialmente. Essa perspectiva permite a criação de um
conceito novo denominado ‘ação delituosa institucional’, ao lado das ações humanas individuais´
(SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA, Responsabilidade penal da pessoa jurídica, p. 148; ver, ainda,
p. 94-95);
b) ainda que não tivessem vontade própria, passível de reconhecimento através do dolo e da culpa, é
preciso destacar existirem casos de responsabilidade objetiva, no direito penal, inclusive de pessoa
física, como se dá no contexto da embriaguez voluntária, mas não preordenada (maiores detalhes
podem ser colhidos nas notas ao art. 28);
c) as penas não são a única característica marcante do direito penal, além do que, atualmente, está-
se afastando, até mesmo para a pessoa física, a pena de encarceramento, porque não reeducativa e
perniciosa;
d) os artigos constitucionais mencionados – 173, § 5.º, e 225, § 3.º – são expressos ao admitir a
responsabilidade penal da pessoa jurídica, especialmente o art. 225, § 3.º;
e) no tocante às penas serem personalíssimas, o que não se nega, é preciso destacar que a sanção
incidirá sobre a pessoa jurídica, e não sobre o sócio. Se este vai ser prejudicado ou não pela punição
é outro ponto, aliás, fatal de ocorrer em qualquer tipo de crime. Cremos estar a razão com aqueles
que sustentam a viabilidade de a pessoa jurídica responder por crime no Brasil, após a edição da Lei
9.605/98, que cuida dos delitos contra o meio ambiente, por todos os argumentos supracitados."
Para que se possa denunciar uma pessoa jurídica é preciso denunciar, também, uma pessoa física
(teoria da dupla imputação).
O STF (Info. n. 714) já aceitou a condenação de pessoa jurídica mesmo ocorrendo a absolvição da
pessoa física, mas exige-se a denúncia de ambos (pessoa jurídica e pessoa física). A
responsabilização penal de pessoas jurídicas, no entanto, não é pacífica.
Em sentido contrário, argumenta LUIZ REGIS PRADO: "Em termos científicos, tem-se como
amplamente dominante, desde há muito, no Direito Brasileiro, como nos demais Direitos de filiação
romano-germânica, a irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, expressa no apotegma societas
delinquere non potest, verdadeira reafirmação dos postulados da culpabilidade e da personalidade
das penas. O fundamento de tal orientação radica, essencialmente, que se encontram ausentes na
atividade da própria pessoa jurídica os seguintes elementos: a) capacidade de ação no sentido penal
estrito; b) capacidade de culpabilidade (princípio da culpabilidade); c) capacidade de pena
(princípio da personalidade da pena), indispensáveis à configuração de uma responsabilidade penal
subjetiva".
31

5.9. Pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de crimes?


A pessoa jurídica, sendo titular de direitos, certamente pode ser sujeito passivo de crimes. Deve-se
examinar, no entanto, se o tipo penal é compatível com a especial condição de pessoa jurídica.
Pessoa jurídica pode, por exemplo, ser sujeito passivo de furto (é titular de patrimônio), mas não de
homicídio (não é titular de vida).
Quanto aos crimes contra a honra há certa controvérsia, pois estão os mesmos inseridos em Título
referente aos "Crimes contra a Pessoa".
Prevalece que pode ser sujeito passivo no crime de difamação (sempre); no caso de calúnia,
somente se lhe for imputado crime ambiental (posição compatível com aceitar sua condição de
sujeito ativo nesses crimes); e, finalmente, no crime de injúria, nunca poderá ser sujeito passivo,
pois não dispõem de honra subjetiva (logo, este último é um crime incompatível com a natureza de
pessoa jurídica).

5.10. Que são "crimes vagos"?


São aqueles que atingem uma coletividade destituída de personalidade jurídica. Exemplo disso é o
art. 233 do CP (ato obsceno).

5.11. Que elementos compõem o tipo objetivo?


a) Descritivos. Realidade perceptível pelos sentidos. Não depende de juízo de valor.
b) Normativos. Dependem de valoração, diante do caso concreto.
b.1) Elementos normativos jurídicos. Os conceitos são encontrados no próprio ordenamento
jurídico; por exemplo, o conceito de "funcionário público" (CP, art. 327).
b.2) Elementos normativos extrajurídicos. São extraídos dos valores sociais; por exemplo, o
conceito de "ato obsceno" (CP, art. 233).

5.12. Que elementos compõem o tipo subjetivo?


a) Elemento subjetivo genérico. É o dolo, ou seja, consciência e vontade de realizar o tipo objetivo.
b) Elementos subjetivos específicos. Referem-se a uma finalidade que está além da conduta típica.
Exemplo: "para o fim de obter vantagem".

5.13. O que é "tipicidade"?


É a subsunção da conduta ao tipo penal. Assim, percebe-se que não se confunde com o próprio tipo
(modelo abstrato de conduta), sendo o resultado de uma operação intelectual de comparação
(compara-se o tipo e a conduta, afirmando-se que há "tipicidade" em caso de coincidência).
32

5.14. Como se dá a relação tipicidade/ilicitude?


Ao longo tempo sugiram diversas teorias:
a) Teoria do tipo avalorado. BELING. A separação das categorias é radical. A tipicidade nada
informa sobre a ilicitude, não existindo nenhuma relação entre esses estratos.
b) Teoria indiciária. MAYER. Também conhecida como ratio cognoscendi. O tipo passa a ser
considerado um indício de ilicitude. Se uma conduta é típica já se pode presumir que é também
ilícita, a menos que exista e seja comprovada, uma situação que excepcionalmente exclua a
antijuridicidade (justificante). Essa é a teoria adotada no Brasil.
c) Teoria da identidade. MEZGER. Também conhecida como ratio essendi. O tipo não é apenas um
modo de conhecer a ilicitude. O tipo constitui a antijuridicidade. Segundo MEZGER: "o legislador
cria, através da formação do tipo, a antijuridicidade específica: a tipicidade não é, de modo algum, a
mera ratio cognoscendi, mas a própria ratio essendi da (especial) antijuridicidade."
d) Teoria dos elementos negativos do tipo. VON WEBER. Nessa concepção a ausência de causa de
justificação ingressa como se fosse elemento negativo adicional do tipo, sendo que a presença de
uma delas exclui necessariamente a tipicidade da conduta. Embora parecida com a teoria da
identidade, com ela não se confunde: enquanto na teoria da identidade o foco está na ilicitude (o
tiop apenas constitui a ilicitude), na teoria dos elementos negativos o foco está na tipicidade (a
ilicitude é integrada na tipicidade, como elemento negativo).

5.15. Diferencie "tipicidade formal" e "tipicidade material".


a) Tipicidade formal. É simples adequação da conduta à norma incriminadora.
b) Tipicidade material. A tipicidade material compõem-se de dois juízos valorativos: 1) desvalor da
ação, consistente em examinar se a conduta do agente criou ou aumentou risco proibido; 2) desvalor
do resultado (ofensa efetiva ao bem jurídico tutelado pela norma). É nesse contexto que estão
inseridos os princípios da insignificância (condutas que atingem de forma insignificante o bem
jurídico não devem ser censuradas pelo Direito Penal) e da adequação social (se a ação, embora
lesiva, é considerada parte integrante, e não perturbadora, da convivência social, também dela não
deve se ocupar o Direito Penal).
Na atualidade são exigidas ambas as dimensões: uma conduta só é tida como típica se ocorrer, ao
mesmo tempo, tipicidade formal e material.

5.16. O que é a teoria da "tipicidade conglobante"?


Foi desenvovida por E. R. ZAFFARONI. Parte da ideia de que a tipicidade penal exige, além da
tipicidade legal, a antinormatividade. O conceito de antinormatividade não se confunde com o de
antijuridicidade. Por trás do tipo de furto ("subtrair coisa alheia móvel") é possível encontrar, por
exemplo, a norma "não furtarás". Uma conduta é antinormativa quando viola essa norma. Como a
ordem jurídica é vista como um todo coerente, no caso de condutas ordenadas ou fomentadas, não
há sequer antinormativade, ou seja, a conduta não é sequer típica. Assim, algumas situações vistas
como causas de exclusão da ilicitude pela teoria tradicional (exercício regular de direito e estrito
cumprimento do dever legal), pela teoria da tipicidade conglobante, passam a excluir a própria
33

tipicidade. Quando o oficial de justiça subtrai coisa alheia móvel, por ser sua conduta ordenada pela
ordem jurídica, estaria excluída a própria tipicidade por ausência de antinormatividade. Como
explica o próprio ZAFFARONI: "a tipicidade penal pressupõem a legal, mas não a esgota: a
tipicidade penal requer, além da tipicidade legal, a antinormatividade", e "o juízo de tipicidade não
é um mero juízo de tipicidade legal, mas exige outro passo, que é a comprovação da tipicidade
conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da
norma, não considerada isoladamente, mas conglobada na ordem normativa.".

5.17. O que é "dolo"? Que elementos o compõem?


É consciência e vontade de realizar os elementos descritos no tipo objetivo. Assim, é composto de
dois elementos: 1) cognitivo (consciência); e 2) volitivo (vontade). A "consciência" deve abranger
todos os elementos do tipo objetivo: descritivos, normativos e até mesmo circunstâncias não
elementares (qualificadoras, privilegiadoras, majorantes, minorantes, agravantes e atenuantes).

5.18. Diferencie "dolo" e "motivação".


Dolo, como já explicado, é consciência e vontade de realizar o tipo objetivo. Percebe-se que a
motivação, o "por que" de o agente ter praticado a conduta, é circunstância estranha ao dolo. Basta
que a realize querendo fazê-lo. A motivação, no caso, pode repercurtir na culpabilidade. Exemplo:
sujeito dispara arma de fogo contra a vítima, consciente do que faz e com vontade de matá-la
(dolo), porque quer receber sua herança (motivo).

5.19. Qual a natureza do dolo?


O dolo, a partir do finalismo, é puramente natural ou psicológico, composto apenas dos elementos
cognitivo (consciência) e volitivo (vontade). Não há mais referência à consciência da ilicitude. A
ausência de consciência da ilicitude, atualmente, é examinada na culpabilidade.

5.20. Quais são as teorias do dolo?


a) Teoria da vontade. Enfatiza o elemento volitivo do dolo, embora sem prescindir, pois não seria
possível fazê-lo, do elemento cognitivo. Mas o que importa é que essa teoria, ao contrário das
outras, exige, para caracterização do dolo, a efetiva vontade dirigida à realização dos elementos do
tipo objetivo.
b) Teoria da representação. Enfatiza, ao contrário, o elemento cognitivo, considerando suficiente a
previsão do resultado típico como certo ou provável para a caracterização do dolo.
c) Teoria do consentimento. Está em posição intermediária, exigindo, por um lado, a representação
e, pelo outro, no mínimo que a realização do tipo objetivo seja consentida pela vontade do agente.
No Brasil, para o dolo direto adotou-se a teoria da vontade; para o dolo eventual, a do
consentimento.
34

5.21. Quais são as espécies de dolo?


a) Dolo direto de primeiro grau. A vontade final do agente é voltada diretamente à realização dos
elementos do tipo, englobando, portanto, o fim proposto e os meios escolhidos para atingi-lo.
Exemplo: A, com intenção de matar, dispara arma de fogo contra B.
b) Dolo direto de segundo grau. É também conhecido como dolo de consequências necessárias.
Abrange as consequências, ainda que não perseguidas, representadas como necessárias em virtude
dos meios escolhidos para atingir sua vontade final, ou seja, são efeitos colaterais que o agente
prevê, com certeza, que serão produzidos. Exemplo: A, para matar B, coloca bomba em avião,
matando os demais passageiros e a equipe de voo. Quanto aos demais passageiros e à equipe há
dolo direto de segundo grau.
c) Dolo eventual. É também conhecido como dolo de propósito condicionado. Abrange as
consequências não perseguidas, mas previstas com possíveis, em virtude dos meios escolhidos para
atingir a finalidade, ou seja, o agente prevê que esses efeitos podem se produzir ou não e, embora
não os queira, consente com sua eventual produção. Exemplo: roleta russa. A diferenciação entre
dolo eventual e culpa consciente, embora facilmente delineada no plano teórico, é de difícil
visualização na prática, pois depende do conhecimento do estado psíquico do autor (se aceitou o
resultado, dolo eventual; se acreditava, sinceramente, que não ocorreria, culpa consciente).
d) Dolo alternativo. É figura controvertida. Para aqueles que o aceitam ocorre quando a vontade
final do autor dirige-se alternativamente a outro resultado (X atira para matar ou ferir) ou a um
outro objeto (X atira para matar Y ou Z). No primeiro caso há alternatividade objetiva; no segundo,
alternatividade subjetiva. O maior problema prático surge é: como punir quem assim atua? A
doutrina resolve recorrendo ao dolo eventual, ou seja, afirma que, seja qual for o resultado que
ocorra, haverá no mínimo dolo eventual (se atirou para matar ou ferir, no mínimo assumiu o risco
desses dois resultados).
e) Dolo geral. Trata-se de erro acerca do nexo causal. O agente pratica uma conduta e imagina que
alcançou o resultado. Em seguida, pratica nova conduta, sendo esta a causadora do resultado
inicialmente pretendido. Exemplo: A, com intenção de matar, sufoca B estrangulando-o, até que
este perde a consciência. Após, acreditando que B está morto joga seu corpo do alto de uma ponta,
com intenção de ocultar o delito. B, que estava vivo (apenas desmaiado), morre de traumatismo
craniano pelo impacto da queda. Segundo a teoria do dolo geral, o agente A reponde por homicídio
consumado, pois o desvio no nexo causal é irrelevante.
f) Dolo específico. Era o nome dado pelos causalistas para o que hoje se convencionou chamar
simplesmente de "elementos subjetivos específicos".

5.22. A intensidade do dolo influencia na dosimetria da pena?


Não. O dolo não se confunde com os motivos. Esses, sim, podem influenciar na quantificação da
pena.
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5.23. Que são os "elementos subjetivos especiais"?


O dolo é o elemento subjetivo geral dos crimes dolosos. Mas é possível que o tipo descreva ainda
uma intenção, tendência ou estado de ânimo, necessária à sua configuração. Essas circunstâncias
são os elementos subjetivos específicos. Exemplo: CP, art. 134: "Expor ou abandonar recém-
nascido, para ocultar desonra própria". A intenção é elemento subjetivo específico: para ocultar
desonra própria. Exemplo: CP, art. 139: "Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua
reputação". A intenção de causar prejuízo à reputação da vítima é elemento subjetivo específico do
tipo. Nesse último caso notamos que o elemento subjetivo específico pode estar, também, implícito
(não está expressamente no tipo, mas a doutrina o exige).

5.24. Diferencie "tipos de resultado cortado" e "delitos mutilados de dois atos ou vários atos".
Nos dois casos temos elementos subjetivos específicos que designam uma intenção do agente,
dirigida a um resultado que está além do tipo.
a) Tipo de resultado cortado. O resultado pretendido não exige uma ação complementar do agente.
Exemplo: CP, art. 333: "Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.".
b) Delito mutilado de dois atos ou vários atos. O resultado pretendido exige uma ação
complementar do agente. Exemplo: CP, art. 288: "Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o
fim específico de cometer crimes".

5.25. O que é "culpa em sentido estrito"?


É violação ao dever de cuidado objetivo.

5.26. O que é a "excepcionalidade do crime culposo"?


Disposição do CP (art. 18, parágrafo único) no sentido de que só cabe punição por culpa se houver
previsão expressa nesse sentido (a regra, portanto é que os tipos são apenas dolosos).

5.27. Quais são as modalidades de culpa?


a) Imprudência. Conduta comissiva, consistente em agir sem cautela.
b) Negligência. Conduta omissiva, consistente na abstenção dos atos de cuidado necessários.
c) Imperícia. Conduta, comissiva ou omissiva, consistente na violação de deveres de cuidados
específicos e próprios de determinada atividade profissional. Distingue-se das duas anteriores por
ser modalidade que existe apenas no âmbito profissional. Vale destaca que o "erro profissional"
nem sempre configura imperícia, pois esta última implica sempre uma situação de erro grosseiro,
que a média dos profissionais de determinada área não cometeria.
36

5.28. Quais são as espécies de culpa?


a) Culpa inconsciente. O agente não prevê um resultado que era previsível. Note-se que ele não
previu, mas o resultado era previsível. Se sequer previsível for, a situação será de "caso fortuito",
não implicando, portanto, responsabilização para o agente.
b) Culpa consciente. O agente prevê o resultado, mas confia, sinceramente, que não ocorrerá.
c) Culpa imprópria. Para os partidários da teoria limitada da culpabilidade, a ocorrência de erro
evitável sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação dá origem à punição por crime
culposo, sendo essa modalidade de culpa denominada "culpa imprópria".

5.29. O que é mais grave: culpa consciente ou culpa inconsciente?


Há divergência na doutrina. A posição dominante entende que a culpa consciente é mais grave, pois
revela insensibilidade por parte do autor (ele sabia que sua conduta era perigosa e ainda assim a
praticou). Essa diferenciação, no entanto, tem reflexos apenas na individualização da pena, e não na
configuração do tipo.

5.30. Aceita-se compensação de culpas em Direito Penal?


Não. Se diversas pessoas contribuem, culposamente, para certa infração penal, a culpa de um não
pode ser compensada pela culpa de outro. O autor de um crime culposo não deixa responder, por
exemplo, pelo fato de a vítima também ter contribuído para o evento com sua imprudência (essa
circunstância, no entanto, é considerada na fixação da pena-base, por disposição expressa do art. 59
do CP).

5.31. Os crimes culposos admitem tentativa?


Em regra, não. A exceção está na chamada culpa imprópria.

5.32. O que é "crime preterdoloso"?


É o tipo composto de uma conduta inicial dolosa à qual o legislado associa, sob for de circunstância
qualificadora, um resultado não desejado, embora previstou ou previsível. É, portanto, espécie de
crime qualificado pelo resultado em que o tipo base é doloso e o resultado qualificador culposo.

5.33. O que é a "versari in re ilicita"?


É o princípio segundo o qual o autor de uma conduta inicial dolosa deve ser responsabilizado por
todos os resultados que dela advierem, desejados ou não, e, inclusive, os fortuitos. A ideia base é de
que quem se envolve com coisa ilícita responde também pelo acaso. Este princípio é claramente
incompatível com o princípio da culpabilidade, não podendo ser aplicado no direito brasileiro. O
art. 19 do CP é expresso: "Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente
que o houver causado ao menos culposamente.".
37

6. ILICITUDE
AUTORA: JANETE OLIVEIRA FERREIRA
MATERIAL DE CONSULTA: DIREITO PENAL – CLEBER MASSON (2014); SITE DO STJ.

6.1. Em que consiste a ilicitude, no direito penal? É correto falar em ilicitude como sinônimo
de antijuridicidade?
Ilicitude consiste na contrariedade entre o fato típico praticado por alguém e o ordenamento
jurídico, capaz de lesionar ou expor a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados.
MASSON defende a inadequação do termo antijuridicidade. Para ele, a infração penal é um fato
jurídico, já que sua ocorrência provoca efeitos no campo jurídico, de forma que seria incoerente
afirmar-se que um fato jurídico (delito) é, ao mesmo tempo, antijurídico. Destaca ter sido essa a
opção adotada pelo atual Código Penal, que fala em “exclusão da ilicitude” (art. 23), em momento
algum se referindo à antijuridicidade.

6.2. Qual a relação entre tipicidade e ilicitude? Todo fato típico é ilícito; e o contrário, é
verdadeiro?
Todo fato ilícito também é, necessariamente típico, mas nem todo fato típico será ilícito. O juízo de
ilicitude é posterior e dependente do juízo de tipicidade.
A tipicidade revela, apenas indiciariamente, a ilicitude. A tipicidade presume a ilicitude, porém, esta
presunção é relativa, vez que o fato típico será lícito caso seu autor comprove ter agido acobertado
por causa de exclusão da ilicitude.

6.3. É possível falar em diferença entre ilicitude formal e material?


Ilicitude formal é a mera contradição entre o fato praticado e pelo agente e o sistema jurídico em
vigor. É a característica da conduta que se coloca em oposição ao Direito. Não admite a existência
de causas supralegais de exclusão da ilicitude.
Ilicitude material (= substancial) é o conteúdo material do injusto, a substância da ilicitude, que
reside no caráter antissocial do comportamento, na sua contradição com os fins colimados pelo
Direito, na ofensa aos valores necessários à ordem e à paz no desenvolvimento da vida social.
Na doutrina, prevalece o entendimento de que a ilicitude é formal, pois consiste no exame da
presença ou ausência de suas causas de exclusão, reservando-se o aspecto material ao âmbito da
tipicidade. Contudo, somente a concepção material autoriza a criação de causas supralegais de
exclusão da ilicitude, pois não haveria caráter antissocial da conduta.
Entretanto, há doutrina originalmente alemã que se põe como uma concepção unitária, apregoando
existir apenas uma ilicitude. Sustenta que um comportamento humano que se coloca em relação de
antagonismo com o sistema jurídico não pode deixar de ofender ou expor a perigo de lesão bens
jurídicos protegidos por esse mesmo sistema. Assim entendem Bettiol e Francisco Assis de Toledo.
38

6.4. Ato ilícito é sinônimo de ato injusto? Ambos comportam graduação?


Ilícito é a oposição entre o fato típico e o ordenamento jurídico. Não comporta graus. A relação é
lógica e de mera constatação.
Injusto é a oposição entre o fato típico e a compreensão social acerca da justiça. Comporta
graduação, consoante a intensidade da reprovação social causada pelo comportamento penalmente
ilícito.
Ex.: homicídio (art. 121) e receptação de discos musicais derivados de pirataria, com violação de
direitos autorais (art. 184, CP), são igualmente ilícitos, mas o primeiro revela maior grau de
reprovação social que o segundo, o qual é, quiçá, admitido pela sociedade.

6.5. Em que consistem a ilicitude genérica e a ilicitude específica?


Ilicitude genérica é a que se posiciona externamente ao tipo penal incriminador. Num sistema
finalista, o dolo é natural, bastando consciência e vontade para sua caracterização, independente do
caráter ilícito do fato.
Na ilicitude específica, o tipo penal aloja em seu interior elementos atinentes ao caráter ilícito do
comportamento do agente. Nesse caso, une-se tipicidade e ilicitude, vez que esta funciona como
elemento normativo do tipo. É o que ocorre em tipos penais que trazem elementares tais como
“indevidamente”, “sem justa causa”, etc. Nessa hipótese, as causas excludentes de ilicitude afastam
a tipicidade.
Obs.: MASSON registra que BITENCOURT emprega as expressões “antijuridicidade genérica” e
“antijuridicidade específica” para distinguir a ilicitude penal da extrapenal.

6.6. Diferencie ilicitude objetiva e ilicitude subjetiva. Qual é aplicada no Brasil?


Tal classificação refere-se ao caráter da ilicitude.
Para a ilicitude subjetiva, a lei penal dirige-se apenas às pessoas imputáveis, pois somente elas têm
capacidade de compreender as vedações e as ordens emitidas pelo legislador. Peca ao confundir
ilicitude e culpabilidade: basta a prática de um fato típico e ilícito para a configuração de uma
infração penal, reservando-se à culpabilidade o juízo de reprovabilidade para a imposição de uma
pena.
Para a ilicitude objetiva, é suficiente a contrariedade entre o fato típico praticado pelo autor da
conduta e o ordenamento jurídico, apto a causar dano ou expor a perigo bens jurídicos penalmente
protegidos. A imputabilidade é analisada em momento posterior. O sistema penal brasileiro adota
esta teoria, pois os inimputáveis praticam condutas ilícitas, porém, a eles não pode ser imposta uma
pena.

6.7. Fale sobre a diferenciação entre ilicitude penal e ilicitude extrapenal. A qual princípio do
direito penal está relacionada esta distinção?
Essa diferenciação diz respeito ao caráter fragmentário do Direito Penal, pelo qual todo ilícito penal
é um ato ilícito perante os demais ramos do Direito, mas nem todo ato ilícito guarda esta natureza
39

no campo penal. Francisco Assis de Toledo representa graficamente essa divisão através de dois
círculos concêntricos: o interno é o ilícito penal e o externo, o extrapenal (civil, administrativo, etc).

6.8. Em que consistem e quais são as causas de justificação previstas no Código Penal?
As causas de justificação são sinônimos de: justificativas, descriminantes, eximentes, tipos penais
permissivos e causas de exclusão da ilicitude. Consistem exatamente em hipóteses que afastam a
ilicitude do fato típico, excluindo, portanto, a caracterização do fato como infração penal. Devem
ser provadas por quem as invoca.
O Código Penal prevê causas gerais (= genéricas), que se aplicam a todas as infrações penais:
estado de necessidade, legítima defesa e exercício regular de direito (art. 23, CP); prevê, também,
causas específicas (= especiais), com aplicação apenas aos crimes a que expressamente se referem
(ex.: 128, aborto; 142, injúria e difamação; 156, §2º, furto de coisa comum).
Há, ainda, causas de exclusão da ilicitude previstas em leis de cunho extrapenal (ex.1: art. 10 da Lei
6538/78: exercício regular de direito, consistente na possibilidade de o serviço postal abrir carta
com conteúdo suspeito; ex.2: art. 37, I, Lei 9605/98: estado de necessidade, mediante o abatimento
de um animal protegido por lei para saciar a fome do agente ou de sua família).

6.9. É possível a existência de causas supralegais de exclusão da ilicitude? Em caso positivo,


explique-as e cite três exemplos.
Sim, devido à concepção material da ilicitude (a qual exige que o comportamento seja considerado
antissocial). Embora o Código Penal tenha sido omisso, prevalece na doutrina e na jurisprudência
que elas NÃO ofendem o princípio da reserva legal.
Exemplos: 1) consentimento do ofendido, 2) princípio da adequação social (ação realizada dentro
do âmbito de normalidade admitido pelas regras da cultura) e 3) princípio do balanço dos bens (o
sacrifício de um bem tem por fim preservar outro mais valioso; assemelha-se ao estado de
necessidade, mas sem exigir, principalmente, a atualidade do perigo).

6.10. Para o reconhecimento de uma excludente de ilicitude, basta que estejam presentes os
requisitos objetivos ou é necessário um elemento subjetivo, isto é, que o agente tenha
consciência de que está agindo sob a proteção jurídica de tal justificativa?
Depende. Há divergência doutrinária sobre a matéria.
A concepção objetiva (mais antiga) defende que não é necessário o requisito objetivo.
A concepção subjetiva (para a qual a anterior foi perdendo espaço) defende que o gesto de quem se
defende precisa ser determinado pela consciência e vontade de defender-se.
40

6.11. Caso a excludente de ilicitude seja evidenciada já durante o inquérito policial, como
deverão proceder o Ministério Público e o juiz? E se a denúncia já tiver sido recebida? Caso
se trate de crime doloso contra a vida, há alguma diferença no procedimento?
Se restar suficientemente comprovada a causa excludente da ilicitude, estará ausente uma condição
da ação penal, devendo o MP requerer o arquivamento dos autos do inquérito policial.
Caso oferecida a denúncia, o Juiz deverá rejeitá-la por ausência de uma das condições da ação (art.
395, II, CPP) ou, se já recebida a denúncia, após a apresentação da resposta escrita, o juiz deverá
absolver sumariamente o acusado (art. 397, I, CP). Se feita a instrução, o fundamento para a
absolvição será o art. 386, VI, do CPP.
Em se tratando de crime doloso contra a vida, poderá absolver sumariamente o acusado com
fundamento no art. 397, I, CP (logo após a resposta escrita do acusado) ou, após a instrução, com
fulcro no art. 415, IV, do CPP.
O STJ entende que “Promovido o arquivamento do inquérito policial pelo reconhecimento de
legítima defesa, a coisa julgada material impede a rediscussão do caso penal em qualquer novo feito
criminal, descabendo perquirir a existência de novas provas” (REsp 791.471, j. 25/11/2014, Inf.
554).

6.12. O que se entende por “consentimento do ofendido” no direito penal? Qual a sua
natureza jurídica? Quais os seus fundamentos? É aplicável a todos os delitos, qualquer que
seja o elemento subjetivo do agente ou o bem juridicamente tutelado, inclusive aos culposos?
O consentimento do ofendido é a anuência do titular do bem jurídico ao fato típico praticado por
alguém.
Atualmente é aceito como causa de exclusão da ilicitude. Contudo, excepcionalmente, pode ser
causa (supralegal) de exclusão da tipicidade, na hipótese de bem jurídico disponível, relativamente
aos tipos penais em que se revela comore quesito, expresso ou tácito, que o comportamento humano
se realize contra ou sem a vontade do sujeito passivo (ex.: estupro, violação de domicílio,
sequestro).
Há 3 teorias que procuram fundamentá-lo como causa de exclusão da ilicitude:
a) Ausência de interesse: não há interesse do Estado quando próprio titular do bem não tem
vontade de aplicar o direito penal. Crítica: não se pode outorgar o poder de decisão a uma
pessoa, que pode se equivocar quando ao seu real interesse.
b) Renúncia à proteção do Direito Penal: em situações excepcionais, o sujeito passivo poderia
renunciar à proteção do Direito Penal, em favor do sujeito ativo. Crítica: está em manifesto
confronto com o caráter público do Direito Penal.
c) Ponderação de valores: o consentimento do ofendido funciona como justificante quando o
Direito concede prioridade ao valor da liberdade de atuação da vontade frente ao desvalor da
conduta e do resultado causado pelo delito (mais aceita no direito comparado).
É aplicável somente aos crimes em que o bem jurídico seja disponível e o único titular do
bem/interesse protegido é o sujeito que consente:
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1) contra o patrimônio (somente se não houver violência ou grave ameaça contra a pessoa);
2) contra a integridade física (somente nas hipóteses em que a persecução penal é
condicionada à iniciativa do ofendido);
3) contra a honra;
4) contra a liberdade individual.
Não se aplica aos crimes que protegem bens jurídicos metaindividuais ou pertencentes ao Estado.
Aplica-se aos crimes culposos.

6.13. Quais os requisitos para aplicação do consentimento do ofendido enquanto causa de


exclusão da ilicitude? Pode haver consentimento presumido?
O consentimento do ofendido deve ser:
1) expresso, não precisando de forma solene ou escrita;
2) livre, sem coação, ameaça, promessa de recompensa, etc;
3) moral, respeitando os bons costumes;
4) manifestado previamente à consumação;
5) dado por pessoa plenamente capaz. Não produz efeito se prestado pelo representante do
incapaz.
MASSON cita que o consentimento presumido é aceito pela doutrina alemã e pelo Código Penal
Português, em casos urgentes em que o ofendido ou o representante não possam prestar a anuência,
mas que se poderia esperar que agissem dessa forma (ex.: aborto necessário, para salvar a vida da
gestante; amputação de um membro, para salvar a vida ou partes relevantes do corpo de ferido de
guerra desacordado).
No Brasil, NÃO se aceita o consentimento presumido, pois os casos comumente citados pela
doutrina amoldam-se perfeitamente ao estado de necessidade (excludente da culpabilidade),
surtindo os mesmos efeitos práticos e jurídicos (exclusão do crime) e dispensando a insegurança
jurídica do consentimento presumido.

ESTADO DE NECESSIDADE
6.14. Em que consiste o estado de necessidade? Qual a sua natureza jurídica?
Ocorre nas hipóteses em que há situação de perigo geradora de conflito de interesses lícitos, ou seja,
uma colisão entre bens jurídicos pertencentes a pessoas diversas resolvida mediante a autorização
que o ordenamento penal confere para o sacrifício de um deles visando a preservação do outro.
Para o Código Penal, é causa de exclusão da ilicitude. Na doutrina, há divergências.
Quanto à sua essência, Nelson Hungria defende tratar-se de faculdade (já que ao direito deve
corresponder uma obrigação), ao passo que Aníbal Bruno afirma constituir-se em um direito
exercido frente ao Estado e não contra aquele que suporta o fato. MASSON sustenta cuidar-se de
faculdade entre os titulares dos bens jurídicos em conflito (vez que um deles está obrigado a
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suportar a ação alheia) e, ao mesmo tempo, direito subjetivo do agente diante do Estado, pois o juiz
não tem discricionariedade para concedê-lo, devendo decretar a exclusão da ilicitude quando
presentes os requisitos legais.

6.15. Quais as teorias sobre a natureza jurídica do estado de necessidade? Qual a adotada pelo
Código Penal Brasileiro? E pelo Código Penal Militar?
Sobre a natureza jurídica do estado de necessidade, há 4 teorias:
a) Teoria unitária – o bem jurídico sacrificado deve ser de valor igual ou inferior ao
preservado. Exige, portanto, a razoabilidade na conduta. Adotada pelo Código Penal – art.
24 (Obs.: se o bem sacrificado for de valor superior, subsiste o crime, mas há causa de
diminuição da pena, desde que fosse razoável exigir o sacrifício).
b) Teoria diferenciadora (Alemanha) - o bem jurídico sacrificado pode ser de menor relevância
(estado de necessidade justificante), como também de valor igual ou superior ao protegido
(estado de necessidade exculpante) – neste último caso, seria causa supralegal de exclusão
da culpabilidade, em face da inexigibilidade de conduta diversa. Adotada pelo Código Penal
Militar – art. 39.
c) Teoria da equidade (KANT) – a ilicitude e a culpabilidade deveriam ser mantidas (pois a
conduta não é juridicamente correta), mas o agente não poderia ser castigado por questões
de equidade.
d) Teoria da escola positiva (FERRI e FLORIAN) – a ilicitude deve ser mantida, mas o ato
deve permanecer impune por ausência de perigo social e de temibilidade do agente.

6.16. Quais os requisitos para a caracterização do estado de necessidade? São cumulativos?


São cumulativos os requisitos para a existência do estado de necessidade:
1) Situação de necessidade, que exige:
a) perigo real – deve ser real e comprovado no caso concreto. Pode advir de fato natural ou
humano, inclusive, há doutrina defendendo que pode ter sido provocado pelo agente
(ex.: suicida arrependido, que subtrai barco alheio, em alto-mar, para não morrer
afogado). Há divergência quanto ao perigo iminente, prevalecendo o entendimento de
que equivale ao perigo atual.
b) não provocado pelo agente – o perigo dolosamente provocado afasta a excludente;
Quanto à geração do perigo pela culpa, há divergências: MASSON, NUCCI,
NORONHA, FREDERICO MARQUES, ASSIS TOLEDO e HUNGRIA defendem que
a culpa também afasta a justificativa, pois a culpa também é voluntária em sua origem.
c) ameaça a direito próprio ou alheio – qualquer bem jurídico legítimo pode ser protegido,
não agindo em estado de necessidade, por exemplo, preso que mata o carcereiro sob
pretexto de exercício do seu direito à liberdade. Não há necessidade de vínculo familiar
ou afetivo entre o agente e o titular do bem alheio protegido (princípio da solidariedade
geral).
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d) ausência do dever legal de o agente enfrentar o perigo – não pode alegar estado de
necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo, devendo este dever ser
interpretado com bom senso. Há corrente que defende a interpretação restritiva da
expressão “dever legal”, abrangendo somente o dever decorrente de lei em sentido
amplo, porém, MASSON defende que a expressão deve ser interpretada extensivamente,
para compreender também qualquer espécie de dever jurídico (dever legal, contratual,
etc) e cita o exemplo do salva-vidas contratado em um clube.
2) Fato necessitado, ou seja, fato típico que exige:
a) Inevitabilidade do perigo por outro modo – o estado de necessidade apresenta caráter
subsidiário: quando possível a fuga, por ela deve optar o agente (commodus discessus);
caso tenha que agir, deve proporcionar o menor dano possível ao bem jurídico
sacrificado.
b) Proporcionalidade (= razoabilidade, para MASSON) – deve ser feita a ponderação entre
os bens no caso concreto, utilizando como vetor o homem médio.

6.17. Caso o agente tenha provocado culposamente o estado de perigo, pode invocar a
aplicação do estado de necessidade como excludente da ilicitude?
Há divergências.
ANÍBAL BRUNO, BASILEU GARCIA, BENTO DE FARIA, DAMÁSIO e FRAGOSO defende
que aquele que provoca culposamente uma situação de perigo PODE invocar o estado de
necessidade para excluir a ilicitude, pois a expressão “por sua vontade” do caput do art. 24 do CP
indica a necessidade de dolo na provocação do perigo.
HUNGRIA, FREDERICO MARQUES, ASSIS TOLEDO, NORONHA, MASSON e NUCCI
defendem que NÃO PODE invocar o estado de necessidade para excluir a ilicitude: se quem cria a
situação de perigo com seu comportamento anterior, seja dolosa ou culposamente, tem o dever
jurídico de agir impedindo o resultado (art. 13, §2º, c, CP), igual raciocínio deve ser aplicado ao
estado de necessidade, ou seja, quem cria o perigo, dolosa ou culposamente, não pode invocar a
justificativa. Destacam que tanto culpa quanto dolo são voluntários na origem, porém, na culpa, o
resultado naturalístico é involuntário. ROXIN informa ser unânime este entendimento na
Alemanha.

6.18. A expressão “dever legal de enfrentar o perigo” (art. 24, §1º, CP) enquanto causa
impeditiva de invocar o estado de necessidade como justificante pode ser interpretada
extensivamente para abranger qualquer espécie de dever jurídico, tal como o dever
contratual?
Há divergência.
1ª corrente: defende a interpretação restritiva da expressão “dever legal”, abrangendo somente o
dever decorrente de lei em sentido amplo (HUNGRIA).
2ª corrente: defende que a expressão deve ser interpretada extensivamente, para compreender
também qualquer espécie de dever jurídico (dever legal, contratual, etc.). Invoca o texto da
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Exposição de Motivo do CP (não alterado pela Reforma da Parte Geral de 1984), segundo o qual “a
abnegação em face do perigo só é exigível quando corresponde a um especial dever jurídico”. Cita
o exemplo do salva-vidas contratado em um clube (MASSON, COSTA E SILVA, GALDINO
SIQUEIRA, BENTO DE FARIA).

6.19. Quais as espécies de espécies/modalidades de estado necessidade quanto ao bem


sacrificado? Há diferença em suas consequências jurídicas? O Código Penal as aceita
igualmente?
Quanto ao bem sacrificado, o estado de necessidade pode ser:
a) Justificante – o bem sacrificado é de valor igual ou inferior ao preservado. Exclui a ilicitude
e, por consequência, se COMUNICA a todos os coautores e partícipes, vez que o fato deixa
de ser considerado crime.
b) Exculpante – o bem sacrificado é de valor superior ao preservado. Não exclui a ilicitude,
mas pode afastar a culpabilidade, se caracterizar inexigibilidade de conduta diversa. Tem
previsão legal no CPM. No Direito Penal comum, somente poderia enquadrar-se como causa
supralegal de exclusão da culpabilidade.

6.20. Diferencie estado de necessidade agressivo e estado de necessidade defensivo.


Trata-se de classificação do estado de necessidade quanto à origem da situação de perigo:
No estado de necessidade agressivo, o bem sacrificado pertence a terceiro inocente. O autor do fato
deve indenizar o dano suportado pelo terceiro, com direito de ação regressiva em face do causador
do perigo (arts. 929 e 930, CC).
No estado de necessidade defensivo, o bem sacrificado pertence ao provocador do perigo, o qual
não terá direito de ser indenizado pelo dano sofrido.

6.21. Em que consiste e quais as consequências do estado de necessidade putativo?


Quanto ao aspecto subjetivo, o estado de necessidade pode ser:
a) Real – a situação e perigo efetivamente existe e o agente tem conhecimento dela. É causa de
exclusão da ilicitude.
b) Putativo – não há situação de necessidade, mas o autor do fato a considera presente. Há
FALSA PERCEPÇÃO DA REALIDADE, pois supõe situação de fato que, se existisse,
tornaria a ação lícita (o erro sobre a ilicitude do fato caracteriza erro de proibição, em regra).
Não exclui a ilicitude,mas pode afastar a culpabilidade (se inevitável/escusável). Se evitável/
inescusável, o agente responde por crime culposo, se previsto na lei (art. 21, §1º, CP).
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6.22. Existe estado de necessidade recíproco? Em caso positivo, exemplifique.


Sim. É perfeitamente admissível que duas ou mais pessoas estejam, simultaneamente em estado de
necessidade umas contra as outras. Exemplo: dois náufragos disputam uma tábua, que só servirá a
um homem; o sobrevivente não pode ser punido, pois agiu em estado de necessidade.

6.23. Cite quatro hipóteses específicas de estado de necessidade citadas pelo Código Penal.
1) Art. 128, I – aborto necessário ou terapêutico;
2) Art.146,§3º – intervenção médica/cirúrgica sem consentimento do paciente ou representante,
se justificada por iminente perigo de vida; coação exercida para impedir suicídio.
3) Art. 150, §3º, II, CP e 5º, XI, CF – violação de domicílio quando há crime sendo praticado
em seu interior ou na iminência de o ser, desastre ou socorro.
4) Art. 151, 153 e 154 – violação de correspondência, divulgação de segredo e violação de
segredo profissional para proteger direito próprio ou alheio.

6.24. Aplica-se o estado de necessidade aos crimes permanentes e habituais?


Em regra, não ser aplica a justificativa aos crimes permanentes e habituais, pois no fato que os
integra não há os requisitos da atualidade do perigo e da inevitabilidade do fato necessitado.
Porém, DAMÁSIO cita exemplo de aplicação jurisprudencial do estado de necessidade ao crime
habitual de exercício ilegal de arte dentária (art. 282, CP) em caso atinente à zona longíngua e
carente de profissional habilitado.

6.25. O estado de necessidade é compatível com o instituto do aberratio ictus? Exemplifique.


Sim. O estado de necessidade é compatível com o instituto do aberratio ictus (art. 73, CP), na qual
o agente, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, atinge pessoa ou objeto diverso do
desejado, com o propósito de afastar a situação de perigo a bem jurídico próprio ou de terceiro.
Pode-se exemplificar com a situação de alguém que, no momento em que será atacado por um cão
bravio, efetua disparos de arma de fogo contra o animal, e, por erro na execução, atinge transeunte.

6.26. A dificuldade financeira do agente pode ser invocada como estado de necessidade a
justificar a exclusão da ilicitude? E a sua miserabilidade?
Não. O estado de necessidade não se confunde com a dificuldade financeira/econômica, pois nesta
supõe-se que o indivíduo deve conformar-se com a privação ou satisfazer a carência através de
meios lícitos, não se justificando a lesão ao interesse jurídico de outrem. O mesmo raciocínio
aplica-se à miserabilidade.
Apenas em casos excepcionais é que admite a prática de fato típico como medida inevitável, ou
seja, para a satisfação de necessidade estritamente vital que a pessoa, inobstante seu empenho, não
conseguiu superar de forma lícita.
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LEGÍTIMA DEFESA
6.27. O que se entende por legítima defesa?
Trata-se da causa de justificação consistente em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito
próprio ou alheio (inclusive do próprio agressor), usando moderadamente dos meios necessários.
Está prevista no art. 25 do CP.

6.28. Age em legítima defesa uma pessoa que, atacada por um animal, reage e vem a matá-lo?
E se for praticada por multidão?
Depende. Em regra, o agente age acobertado pelo estado de necessidade, vez que a legítima defesa
pressupõe agressão emanada do homem. Porém, caso o animal seja utilizado como instrumento do
crime (ex.: A ordena ao animal que ataque B), a vítima pode matar o animal agindo em legítima
defesa.
Sim. Ainda que praticada por multidão, prevalece que haver legítima defesa, pois se exige apenas
que a conduta seja praticada por seres humanos, individualizados ou não.

6.29. Se a agressão injusta é praticada por um inimputável, poderá haver legítima defesa?
Prevalece que sim. O inimputável pratica conduta consciente e voluntária, apta a configurar
agressão (ele só não é culpável perante o sistema penal brasileiro). A agressão é analisada em
sentido meramente objetivo.
HUNGRIA diverge, pois equipara os inimputáveis aos seres irracionais. Para ele, a defesa contra o
ataque de um inimputável seria estado de necessidade e não legítima defesa.

6.30. Para caracterizar legítima defesa, a agressão pode ser praticada através de omissão?
Sim. Em regra, a agressão é praticada por ação, mas na impede sua veiculação por omissão, quando
esta for idônea a causar danos e o omitente, no caso concreto, tinha o dever jurídico de agir. Ex.:
carcereiro que tem o dever de liberar o preso cuja pena já foi integralmente cumprida.

6.31. E se a agressão for culposa, pode haver legítima defesa?


Sim. Mesmo quando culposa a agressão, o agente pode agir em legítima defesa, tal como quando
alguém está sentado no banco de um ônibus e nota que outra pessoa escorregou e está caindo em
sua direção: pode, se necessário, empurrá-la para não ser atingido.

6.32. Na legítima defesa, a agressão deve ser caracterizada como infração penal para que
possa ser considerada injusta?
Não. Não se exige, para ser injusta, que a agressão seja prevista como infração penal. Basta que o
agredido não esteja obrigado a suportá-la. Exemplo: pode agir em legítima defesa o proprietário do
bem atingido por um “furto” de uso.
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6.33. É possível o emprego da legítima defesa para a tutela de bens pertencentes às pessoas
jurídicas?
Sim, pois atuam por meio de seus representantes e não podem defender-se sozinhas. Veja-se o
exemplo da pessoa que, percebendo uma empresa ser furtada, luta com o ladrão e o imobiliza até a
chegada da força policial.

6.34. Pode haver legítima defesa de feto?


Sim. O art. 2.º do Código Civil resguarda os direitos do nascituro, que podem ser defendidos por
terceiros. É o caso do agente que, percebendo estar a gestante na iminência de praticar um
autoaborto, a impede, internando-a posteriormente em um hospital para que o parto transcorra
normalmente.

6.35. É admitida legítima defesa de cadáver?


Há divergência. MASSON e MANZINI defende que sim. Nada obstante não seja titular de direitos,
a utilização da justificativa encontra amparo no reconhecimento que o Estado confere ao cadáver,
em respeito à sociedade e aos seus familiares, criando, inclusive, crimes destinados a esse
desiderato, como se dá com a destruição, subtração ou ocultação, e também com o vilipêndio a
cadáver (CP, arts. 211 e 212).

6.36. É exigível o commodus discessus na legítima defesa?


Não. O commodus discessus consiste na obrigação que tem o indivíduo agredido de procurar a saída
mais cômoda e menos lesiva para escapar do ataque injusto. Ao contrário do que ocorre no estado
de necessidade, a possibilidade de fuga ou o socorro pela autoridade pública não impedem a
legítima defesa, pois o Direito não pode se curvar a uma situação ilícita nem obrigar que alguém
seja pusilânime ou covarde, fugindo de um ataque injusto quando pode legitima e moderadamente
se defender.
Há situações, entretanto, em que a fuga do local se mostra a medida mais coerente, não acarretando
vergonha ou humilhação. Exemplo: o agente, agredido injustamente por sua mãe, que deseja feri-lo
em um acesso inesperado de fúria provocado por fatores até então ignorados, age corretamente ao
fugir, quando em tese poderia até mesmo lesioná-la para fazer cessar o ataque

6.37. Exige-se a proporcionalidade entre os bens jurídicos em conflito, na legítima defesa?


O art. 25 do CP não a exige expressamente, mas firmaram-se doutrina e jurisprudência no sentido
de que, assim como no estado de necessidade, a legítima defesa reclama proporcionalidade entre os
bens jurídicos em conflito. Logo, o bem jurídico preservado deve ser de valor igual ou superior ao
sacrificado, sob pena de configuração do excesso. Ex.: não pode invocar legítima defesa aquele que
mata uma pessoa pelo simples fato de ter sido por ela ofendido verbalmente.
48

6.38. A vingança exclui a legítima defesa? E o desafio?


Depende. Mesmo que o agente tenha uma finalidade diversa, tal como a vingança, haverá legítima
defesa se também estiverem presentes seus requisitos legais, desde que objetivamente não exceda os
requisitos da necessidade (uso dos meios necessários) e da moderação (emprego moderado de tais
meios). Exemplo: “A”, com o desejo antigo de matar “B”, em razão de brigas pretéritas, aproveita-
se do ataque injustificado de seu desafeto para eliminar a sua vida.
No desafio/duelo, NÃO HÁ legítima defesa. Os contendores respondem pelos crimes praticados.

6.39. Em que consiste e qual o tratamento jurídico conferido à legítima defesa putativa?
Legítima defesa putativa ou imaginária é aquela em que o agente, por erro, acredita existir uma
agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Exemplo: “A” foi jurado de morte
por “B”. Em determinada noite, em uma rua escura, encontram-se. “B” coloca a mão no bolso, e
“A”, acreditando que ele iria pegar uma arma, mata-o. Descobre-se, posteriormente, que “B” tinha a
intenção de oferecer-lhe um charuto para selar a paz.
O fato típico praticado permanece revestido de ilicitude. Se o erro for escusável, exclui-se a
culpabilidade; se inescusável, afasta-se o dolo, mas o agente pode responder a título de culpa.

6.40. Em que consiste e qual o tratamento jurídico conferido à legítima defesa subjetiva ou
excessiva?
Legítima defesa sucessiva é aquela em que o agente, por erro de tipo escusável, excede os limites da
legítima defesa. É também denominada de excesso acidental e exclui a ilicitude do fato.
Ex.: “A”, de porte físico avantajado, parte para cima de “B”, para agredi-lo. Este, entretanto,
consegue acertar um golpe violento, fazendo seu inimigo desmaiar. Não percebe, contudo, que “A”
estava inconsciente e, com medo de ser agredido, continua a desferir socos desnecessários. Não
responde pelo excesso, em face de sua natureza acidental.

6.41. Admite-se legítima defesa da honra como causa excludente de ilicitude?


O tema é polêmico. A honra, direito fundamental do homem, é inviolável por expressa disposição
constitucional (art. 5.º, X). E, como o art. 25 do CP não faz distinção entre os bens jurídicos, em
tese, pode haver legítima defesa da honra, a qual, porém, não pode ser isoladamente considerada:
deve ser analisada em determinado contexto, pois pode ser dividida em três aspectos distintos:
respeito pessoal, liberdade sexual e infidelidade conjugal.
a) O respeito pessoal, que engloba a dignidade e o decoro, é ofendido pelos crimes contra a
honra: calúnia, difamação e injúria. Para a sua tutela, admite-se o emprego de força física,
necessária e moderada, visando impedir a reiteração das ofensas. E, a propósito, no campo
da injúria, a retorsão imediata, que consiste em outra injúria, é passível de perdão judicial
(CP, art. 140, § 1.º).
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b) No âmbito da liberdade sexual (livre disposição do corpo para fins sexuais), também se
autoriza a legítima defesa. É o caso da pessoa que pode ferir ou até mesmo matar quem tenta
lhe estuprar.
c) Já no que tange à infidelidade conjugal, reside a maior celeuma, relativa à legítima defesa
da honra na órbita do adultério. No passado, admitia-se a exclusão da culpabilidade para os
crimes passionais motivados pelo adultério. Atualmente, depois de muita discussão, e,
notadamente, com a evolução da sociedade e com o respeito aos direitos da mulher,
prevalece o entendimento de que a traição conjugal não humilha o cônjuge traído, mas sim o
próprio traidor, que não se mostra preparado para o convívio familiar. Além disso, respeita-
se o caráter fragmentário e a subsidiariedade do Direito Penal, que não deve ser chamado
para resolver o impasse, pois o ordenamento jurídico prevê outras formas menos gravosas
para essa finalidade. Com efeito, admite-se a separação, e também o divórcio litigioso,
fundados na violação dos deveres do matrimônio. E ainda no campo civil, tem-se aceitado
até mesmo a indenização por danos morais ao cônjuge prejudicado pela traição. Essa
posição se reforça com a descriminação do crime de adultério, revogado pela Lei
11.106/2005.

6.42. A legítima defesa pode ser presumida?


NÃO. A tipicidade funciona como indício da ilicitude. Portanto, todo fato típico presume-se ilícito.
Com isso, o ônus da prova incumbe a quem alega qualquer excludente da ilicitude, devendo o réu
provar sua ocorrência.

6.43. O que é legítima defesa SUCESSIVA?


Constitui-se na espécie de legítima defesa em que alguém REAGE CONTRA O EXCESSO de
legítima defesa. Nesse caso, é possível essa legítima defesa, pois o excesso sempre representa uma
agressão injusta. Ex.: “A” profere palavras de baixo calão contra “B”, o qual, para calá-lo, desfere-
lhe um soco. Em seguida, com “A” já em silêncio, “B” continua a agredi-lo fisicamente,
autorizando o emprego de força física pelo primeiro para defender-se.

6.44. A legítima defesa é compatível com o instituto do aberratio ictus? Exemplifique.


Sim. A legítima defesa é compatível com o instituto do aberratio ictus (art. 73, CP). Se, repelindo
uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, o agente atinge pessoa inocente,
por erro no emprego dos meios de execução, subsiste em seu favor a legítima defesa. Ex.: “A” se
defende de tiros de “B”, revidando disparos de arma de fogo em sua direção. Acerta, todavia, “C”,
que nada tinha a ver com o incidente, matando-o.
Incidirá ainda a justificativa se o agente atingir a pessoa almejada e também pessoa inocente. No
exemplo acima, “A” mataria “B” e “C”. De fato, o art. 73 do CP é peremptório ao estabelecer que o
crime considera-se praticado contra a pessoa visada, permitindo a conclusão de que essa regra
aplica-se inclusive para efeito de exclusão da ilicitude.
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6.45. Para o exercício da legítima defesa de terceiro é necessário o seu consentimento para ser
protegido de uma agressão injusta?
DEPENDE. A resposta pode ser negativa ou positiva, dependendo da natureza do bem jurídico
atacado.
Em se tratando de bem jurídico indisponível, será prescindível o consentimento do ofendido. Ex.:
se um homem agride cruelmente sua esposa, com o propósito de matá-la, aquele que presenciar o
ataque poderá, sem a anuência da mulher, protegê-la, ainda que para isso tenha que lesionar ou
mesmo eliminar a vida do covarde marido.
Diferentemente, quando se tratar de bem jurídico disponível, impõe-se o consentimento do
ofendido, se for possível a sua obtenção. Ex.: um homem ofende com impropérios a honra de sua
mulher. Por mais inconformado que um terceiro possa ficar com a situação, não poderá protegê-la
sem o seu assentimento. Porém, mesmo no caso de bem jurídico disponível, estará caracterizada a
legítima defesa putativa quando o terceiro atuar sem o consentimento do ofendido.

6.46. Cite duas semelhanças e duas diferenças entre estado de necessidade e legítima defesa.
Semelhanças:
1) Ambas são causas legais de exclusão da ilicitude (CP, art. 23, I e II);
2) Ambas têm em comum o perigo a um bem jurídico, próprio ou de terceiro.
Diferenças:
1) Legítima defesa: o perigo origina-se de agressão humana.
Estado de necessidade: o perigo é originário da natureza, de seres irracionais ou mesmo de um ser
humano.
2) Legítima defesa: a reação é contra o autor da agressão.
Estado de necessidade: a reação dirige-se contra a coisa da qual resulta o perigo, e não contra a
pessoa que provocou a situação perigosa.
Obs.: Em alguns casos, contudo, a situação de perigo ao bem jurídico é provocada por uma agressão
lícita do ser humano que atua em estado de necessidade. Como o ataque é lícito, eventual reação
caracterizará estado de necessidade, e não legítima defesa. Exemplo: “A” e “B” estão perdidos no
deserto, e a água que carregam somente saciará a sede de um deles. “A”, em estado de necessidade,
furta a água de “B”, o qual, para salvar-se, mata em estado de necessidade seu companheiro.

6.47. É possível que uma mesma pessoa atue simultaneamente acobertada pela legítima defesa
e pelo estado de necessidade?
SIM. Pode ocorrer quando, para repelir uma agressão injusta, o agente praticar um fato típico
visando afastar uma situação de perigo contra bem jurídico próprio ou alheio. Ex.: “A”, para
defender-se de “B”, que injustamente desejava matá-lo, subtrai uma arma de fogo pertencente a “C”
(estado de necessidade), utilizando-a para matar o seu agressor (legítima defesa).
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6.48. É possível haver legítima defesa real contra legítima defesa putativa?
Sim. A legítima defesa real pressupõe uma agressão injusta. E essa agressão injusta estará presente
na legítima defesa putativa, pois aquele que assim atua, atacando terceira pessoa, o faz de maneira
ilícita, permitindo a reação defensiva. Ex.: “A” caminha em área perigosa. De repente, visualiza
“B” colocando a mão no interior de sua blusa, e, acreditando que seria assaltado, “A” saca uma
arma de fogo para matar “B”. Este último, entretanto, que iria apenas pegar um cigarro, consegue se
esquivar dos tiros, e, em seguida, mata “A” para se defender. No exemplo mencionado, “A” agiu
em legítima defesa putativa, ensejando a legítima defesa real por parte de “B”.
Obs.: Esse raciocínio é também aplicável a todas as demais excludentes da ilicitude putativas
(estado de necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento de dever legal).

6.49. Pode haver legítima defesa putativa recíproca? Ou seja, legítima defesa putativa contra
legítima defesa putativa?
Sim. Ocorre na hipótese em que dois ou mais agentes acreditam, erroneamente, que um irá praticar
contra o outro uma agressão injusta, quando na verdade o ataque ilícito não existe. Ex.: “A” e “B”,
velhos desafetos, encontram-se em local ermo. Ambos colocam as mãos nos bolsos ao mesmo
tempo, e, em razão disso, partem um para cima do outro, lutando até o momento em que desmaiam.
Posteriormente, apura-se que nenhum deles estava armado ou pretendia matar o outro.

6.50. É possível legítima defesa real contra legítima defesa subjetiva (excessiva)?
Sim. No momento em que se configura o excesso, a outra pessoa – que de agressor passou a ser
agredido –, pode agir em legítima defesa real, uma vez que foi praticada contra ele uma agressão
injusta.

6.51. É possível legítima defesa real contra legítima defesa culposa?


Sim, pois para a legítima defesa importa somente o caráter injusto da agressão, objetivamente
considerado, independente do elemento subjetivo do agente.

6.52. É possível legítima defesa contra conduta amparada por causa de exclusão da
culpabilidade?
Sim. Será sempre cabível a legítima defesa contra uma agressão que, embora injusta, esteja
acobertada por qualquer causa de exclusão da culpabilidade. Ex.: “A” chega ao Brasil vindo de um
país em que não há proteção sobre a propriedade de bens móveis. Não possui, pois, conhecimento
acerca do caráter ilícito da conduta de furtar (erro de proibição). Dirige-se à residência de “B” para
subtrair diversos de seus pertences. Assim agindo, autoriza “B” a repelir a agressão injusta em
legítima defesa do seu patrimônio.
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6.53. É possível legítima defesa real recíproca? Isto é, legítima defesa real contra legítima
defesa real?
Não, pois o pressuposto da legítima defesa é a existência de uma agressão injusta. E, se a agressão
de um dos envolvidos é injusta, automaticamente a reação do outro será justa, pois constituirá uma
simples atitude de defesa. Consequentemente, apenas este último estará protegido pela causa de
exclusão da ilicitude.
Obs.: O raciocínio é aplicável a todas as demais excludentes reais da ilicitude. O fundamento é
simples: se a outra excludente é real, não haverá a agressão injusta da qual depende a legítima
defesa real.

ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL


6.54. Em que consiste e qual o fundamento do estrito cumprimento do dever legal no direito
penal? Exemplifique uma situação que caracterize tal hipótese.
Pode-se defini-lo como a causa de exclusão da ilicitude (natureza jurídica) que consiste na prática
de um fato típico, em razão de cumprir o agente uma obrigação imposta por lei, de natureza penal
ou não. É previsto no art. 23, III, 1ª parte, CP.
Tem como fundamento a necessidade de coerência do sistema jurídico, pois seria despropositado a
lei impor a determinadas pessoas a prática de um ato, e, ao mesmo tempo, sujeitá-la em face de seu
cumprimento a uma sanção penal, em razão de consistir o seu mandamento em um fato descrito em
lei como crime ou contravenção penal.
Ex.: Cumprimento de mandado de busca domiciliar em que o morador ou quem o represente
desobedeça à ordem de ingresso na residência, autorizando o arrombamento da porta e a entrada
forçada (CPP, art. 245, § 2.º). Em decorrência do estrito cumprimento do dever legal, o funcionário
público responsável pelo cumprimento da ordem judicial não responde pelo crime de dano, e sequer
pela violação de domicílio.

6.55. Qual o alcance da expressão “estrito cumprimento do dever legal” (art. 23, III, 1ª parte,
CP) enquanto elemento da causa excludente de ilicitude? Engloba os atos administrativos? E
o dever religioso ou moral?
O dever legal engloba qualquer obrigação direta ou indiretamente resultante de lei, em sentido
amplo (leis, decretos, regulamentos, e, também, decisões judiciais, as quais se limitam a aplicar a
letra da lei ao caso concreto submetido ao exame do Poder Judiciário).
O dever legal pode também originar-se de atos administrativos, desde que de caráter geral, pois, se
tiverem caráter específico, o agente não estará agindo sob o manto da excludente do estrito
cumprimento de dever legal, mas sim protegido pela obediência hierárquica (causa de exclusão da
culpabilidade), se presentes os requisitos exigidos pelo art. 22 do CP.
O cumprimento de dever social, moral ou religioso, ainda que estrito, não autoriza a aplicação dessa
excludente da ilicitude. Ex.:comete crime de violação de domicílio o padre ou pastor que, a pretexto
de espantar os maus espíritos que lá se encontram, ingressa sem permissão na residência de alguém.
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6.56. É possível invocar o estrito cumprimento de dever legal nos crimes culposos?
Não. A excludente é incompatível com os crimes culposos, pois a lei não obriga ninguém,
funcionário público ou não, a agir com imprudência, negligência ou imperícia.
A situação, geralmente, é resolvida pelo estado de necessidade. Ex.: o bombeiro que dirige a viatura
em excesso de velocidade para salvar uma pessoa queimada em incêndio, e em razão disso atropela
alguém, matando-o, não responde pelo homicídio culposo na direção de veículo automotor, em face
da exclusão do crime pelo estado de necessidade de terceiro.

6.57. Em caso de concurso de pessoas, o estrito cumprimento de dever legal configurado em


relação a um dos agentes estende-se aos coautores e partícipes?
Sim. É evidente que um fato típico não pode ser lícito para um dos agentes, e simultaneamente
ilícito para os demais. Ex.: o policial militar, auxiliado por um particular, arromba a porta de uma
residência durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão. Inexistem crimes de dano e de
violação de domicílio para ambos os sujeitos (policial militar e particular).

EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO


6.58. Em que consiste e qual a natureza jurídica do instituto previsto na parte final do art. 23,
III, do CP: “Não há crime quando o agente pratica o fato no exercício regular de direito”?
Trata-se de causa de exclusão da ilicitude, que consiste na prática de um fato típico, mas lícito, vez
que o sujeito está autorizado a praticar um ato, reputado pela ordem jurídica como o exercício de
um direito. Ex.: ao particular que, diante da prática de uma infração penal, corajosamente efetua a
prisão em flagrante de seu autor, não pode ser imputado o crime de constrangimento ilegal, em
razão da permissão contida no art. 301 do CPP.

6.59. O costume justifica o reconhecimento do “exercício regular de direito” para afastar a


ilicitude do fato típico?
Não. Costume é a reiteração uniforme de uma conduta, em face da convicção de sua
obrigatoriedade. Não se trata de direito assegurado em lei, mas de prática consagrada em
determinada coletividade, por ser considerada cogente. Predomina o entendimento de que o direito,
cujo exercício regular autoriza a exclusão da ilicitude, deve estar previsto em lei. FREDERICO
MARQUES, contudo, sustenta a possibilidade de o fato típico ser justificado pelo direito
consuetudinário e exemplifica com os “trotes acadêmicos”.
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6.60. Cite as diferenças entre estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de
direito.
Apesar de ambas serem causas legais de exclusão da ilicitude, as diferenças são nítidas:
Quanto à natureza:
a) Estrito cumprimento de dever legal: Compulsória, pois o agente está obrigado a cumprir o
mandamento legal.
b) Exercício regular do direito: Facultativa, pois o ordenamento jurídico autoriza o agente a
agir, mas a ele pertence a opção entre exercer ou não o direito assegurado.
Quanto à origem:
a) Estrito cumprimento de dever legal: O dever de agir tem origem na lei, direta ou
indiretamente (decisões judiciais e atos administrativos).
b) Exercício regular do direito: O direito cujo exercício se autoriza pode advir da lei, de
regulamentos, e, para alguns, inclusive dos costumes.

6.61. A lesão ou a morte de um boxeador durante a luta, por exemplo, é crime? Incide alguma
causa excludente da ilicitude?
Em regra, não. O fato típico decorrente da realização de um esporte, desde que respeitadas as regras
regulamentares emanadas de associações legalmente constituídas e autorizadas a emitir provisões
internas, configura exercício regular de direito, afastando a ilicitude, porque o esporte é uma
atividade que o Estado não somente permite, mas incentiva a sua prática.
Todavia, se o fato típico cometido pelo agente resultar da violação das regras esportivas,
notadamente por ultrapassar seus limites, o excesso implicará na responsabilidade pelo crime,
doloso ou culposo. Ex.: jogador de futebol que, depois de sofrer uma falta do adversário, passa a
agredi-lo com socos e pontapés, matando-o, deve suportar ação penal por homicídio doloso.

6.62. A utilização de ofendículos (ou ofensáculas) caracteriza exercício regular de direito?


Sim, devendo ser visíveis, para que funcionem como meio de advertência, e não como forma oculta
para ofender terceiras pessoas. Caso não sejam visíveis (ex.: espingarda com barbante ligando seu
gatilho à fechadura de uma porta, a qual, se aberta, acarreta no disparo da arma de fogo), não são
considerados ofendículos e a doutrina entende que normalmente acarretam excesso punível, doloso
ou culposo.
Ofendículos são meios defensivos utilizados para a proteção da propriedade e de outros bens
jurídicos, tais como a segurança familiar e a inviolabilidade do domicílio (ex. alguns engenhos
mecânicos, como o arame farpado, a cerca elétrica e cacos de vidro sobre muros). O titular do bem
jurídico prepara previamente o meio de defesa, quando o perigo ainda é remoto e incerto, e o seu
funcionamento somente se dá em face de uma agressão atual ou iminente.
Obs.: FREDERICO MARQUES, NORONHA e COSTA E SILVA afirmam tratar-se de legítima
defesa preordenada, pois, o aparelho está disposto de modo que só funcione no momento necessário
e com a proporcionalidade a que o proprietário era pessoalmente obrigado.
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6.63. Discorra sobre o excesso e sua possibilidade de punição nas excludentes de ilicitude.
Excesso é a desnecessária intensificação de um fato típico inicialmente amparado por uma causa de
justificação. Depois de apresentar as causas de exclusão da ilicitude, estatui o art. 23 do CP, em seu
parágrafo único que “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso
doloso ou culposo”.
No estado de necessidade, o excesso recai na expressão “nem podia de outro modo evitar” (CP, art.
24): age com excesso aquele que, para afastar a situação de perigo, utiliza meios dispensáveis e
sacrifica bem jurídico alheio.
Na legítima defesa, o excesso se consubstancia no emprego de meios desnecessários para repelir a
injusta agressão, atual ou iminente, ou, quando necessários, os emprega imoderadamente.
Segundo o STJ, “Suscitada a legítima defesa como única tese defensiva perante o Conselho de
Sentença, caso mais de três jurados respondam afirmativamente ao terceiro quesito – “O jurado
absolve o acusado?” –, o Juiz Presidente do Tribunal do Júri deve encerrar o julgamento e concluir
pela absolvição do réu, não podendo submeter à votação quesito sobre eventual excesso doloso
alegado pela acusação” (HC 190.264-PB, j. 26/8/2014, Inf. 545).
No estrito cumprimento do dever legal, o excesso resulta da não observância, pelo agente, dos
limites determinados pela lei que lhe impõe a conduta consistente em um fato típico.
No exercício regular de direito, o excesso decorre do exercício abusivo do direito consagrado
pelo ordenamento jurídico.

6.64. Quais as modalidades de excesso que podem existir nas excludentes de ilicitude?
a) Excesso doloso, ou consciente, é o excesso voluntário e proposital. O agente quer
ultrapassar os parâmetros legais, sabendo que assim agindo praticará um delito de natureza
dolosa, e por ele responderá como crime autônomo.
b) Culposo, ou inconsciente, é o excesso resultante de imprudência, negligência ou imperícia
(modalidades de culpa). O agente responde pelo crime culposo praticado.
c) Acidental, ou fortuito, é a modalidade que se origina de caso fortuito ou força maior,
eventos imprevisíveis e inevitáveis. Cuida-se de excesso penalmente irrelevante.
d) Exculpante é o excesso decorrente da profunda alteração de ânimo do agente, isto é, medo
ou susto provocado pela situação em que se encontra. Crítica: não possui amparo legal, e,
por ser vaga, levaria muitas vezes à impunidade. Contudo, há entendimentos no sentido de
que o excesso exculpante exclui a culpabilidade, em razão da inexigibilidade de conduta
diversa. A propósito, com a rubrica “excesso escusável”, dispõe o art. 45, parágrafo único,
do CPM: “Não é punível o excesso quando resulta de escusável surpresa ou perturbação de
ânimo, em face da situação”.
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6.65. Em que consistem o excesso INTENSIVO e o excesso EXTENSIVO?


Intensivo ou próprio é o excesso que se verifica quando ainda estão presentes os pressupostos das
causas de exclusão da ilicitude. É o caso do agente que, no contexto de uma agressão injusta,
defende-se de forma desproporcional. Há superação dos limites traçados pela lei para a justificativa,
e o excesso assume um perfil ilícito. Para os adeptos desse posicionamento, o excesso extensivo é,
em verdade, um crime autônomo, situado fora do contexto fático da excludente da ilicitude. A
situação pode ser dividida em duas etapas: (1) aquela em que estavam presentes os pressupostos da
justificativa; e (2) uma posterior, na qual a excludente já estava encerrada, em que o agente pratica
outro delito, desvencilhado da situação anterior.
Excesso extensivo ou impróprio, ao contrário, é aquele em que não estão mais presentes os
pressupostos das causas de exclusão da ilicitude: não mais existe a agressão ilícita, encerrou-se a
situação de perigo, o dever legal foi cumprido e o direito foi regularmente exercido. Em seguida, o
agente ofende bem jurídico alheio, respondendo pelo resultado dolosa ou culposamente produzido.
Há um excesso na duração da defesa, isto é, a defesa se prolonga por mais tempo do que o da
duração da atualidade da agressão: reage-se frente a uma agressão que, a rigor, deixou de existir.
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7. CULPABILIDADE. EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE.


AUTORA: GABRIELE ESTABILE
MATERIAL DE CONSULTA: MATERIAL DIREITO PENAL – GUSTAVO JUNQUEIRA

7.1. Quais os sentidos do princípio da culpabilidade?


Culpabilidade diz respeito ao juízo de censura, ao juízo de reprovabilidade que se faz sobre a
conduta típica e ilícita praticada pelo agente.
Possui 3 sentidos fundamentais:
(i) culpabilidade enquanto elemento integrante do conceito analítico de crime;
(ii) culpabilidade como princípio medidor da pena – juízo de que a pena não deve ultrapassar o
marco fixado pela culpabilidade da respectiva conduta (circunstância judicial do art. 59 do CP);
(iii) culpabilidade como princípio impedidor da responsabilidade penal objetiva, ou seja, o da
responsabilidade penal sem culpa – para que determinado resultado seja atribuído ao agente é
preciso que a sua conduta tenha sido dolosa ou culposa (princípio da responsabilidade subjetiva).

7.2. O que é culpabilidade? Quais as suas teorias?


Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita
praticada pelo agente.
As teorias são:
i. teoria psicológica da culpabilidade – Essa teoria tem base causalista. Para essa teoria, a
culpabilidade é a relação psíquica entre o autor e o resultado. A culpabilidade pode ser de 2
espécies, a depender dessa relação psíquica: (i) culpabilidade-dolo; (ii) culpabilidade-culpa. A
culpabilidade pressupõe apenas a imputabilidade do agente;
ii. teoria psicológica normativa – Essa teoria tem base neokantista. Para essa teoria, a
culpabilidade deixa de ser puro vínculo psicológico (como a teoria psicológica) e passa a exigir a
consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Nessa teoria, a culpabilidade não se
divide. Tem como pressupostos: imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa, culpa e dolo.
O dolo, por sua vez, tem 3 elementos: (i) consciência (sabe o que faz); (ii) vontade (quer fazer); e
(iii) consciência atual da ilicitude (sabe que o que faz e quer contrariar o ordenamento jurídico) –
este é o elemento normativo do dolo – É o chamado DOLO NORMATIVO (ou DOLO
COLORIDO);
iii. teoria normativa pura ou extremada da culpabilidade – Essa teoria tem base finalista. O
dolo e a culpa migram para o fato típico. São pressupostos da culpabilidade: (i) imputabilidade;
(ii) exigibilidade de conduta diversa; (iii) potencial consciência da ilicitude (que era o elemento
normativo do dolo para a teoria psicológica normativa). Conclusão: o dolo que migra para o fato
típico não é o dolo normativo, porque o dolo que migra é despido de seu elemento normativo, que
passa a fazer parte da culpabilidade. O dolo que migra para o fato típico (despido do elemento
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normativo) é o dolo natural, composto somente de consciência e vontade. A consciência da ilicitude


é elemento ou pressuposto da culpabilidade;
iv. teoria limitada da culpabilidade – Essa teoria parte das mesmas premissas da teoria normativa
pura, divergindo somente quanto à natureza jurídica da descriminante putativa sobre pressupostos
fáticos (se erro de tipo ou erro de proibição).

7.3. Quais são os elementos da culpabilidade?


Os elementos da culpabilidade, nos moldes da teoria finalista, são:
i. imputabilidade;
ii. potencial consciência da ilicitude;
iii. exigibilidade de conduta diversa

7.4. Em que consiste a imputabilidade? Compare-a com a capacidade no direito civil. Quais os
critérios adotados de inimputabilidade? Quais os critérios adotados pelo CP? Qual a
diferença entre a inimputabilidade e semi-imputabilidade?Quais são as causas de exclusão da
imputabilidade? O índio pode ser responsabilizado criminalmente?
A imputabilidade é o primeiro elemento da culpabilidade e consiste na possibilidade de se atribuir,
imputar o fato típico e ilícito ao agente. A imputabilidade é a regra, a inimputabilidade é a exceção.
Comparação com o direito civil:
Direito civil Direito penal
Capaz e incapaz Imputável e inimputável

Mas nem todo capaz é imputável – adolescente de 16 anos casado é capaz, mas é inimputável.
O CP não define imputabilidade, mas enumera as hipóteses de inimputabilidade.
Os critérios de definição de inimputabilidade são:
i. critério biológico – Leva em conta apenas o desenvolvimento mental do agente, não importando
a sua capacidade de entendimento e autodeterminação no momento da conduta. De acordo com esse
critério, basta ser louco para ser inimputável – não importa se esse louco sabia ou não sabia o que
estava fazendo;
ii. critério psicológico – Leva em conta a capacidade de entendimento e autodeterminação do
agente no momento da conduta, não importando o seu desenvolvimento mental. Por esse critério,
não precisa ser louco para gerar inimputabilidade;
iii. critério biopsicológico – Leva em conta não apenas o desenvolvimento mental do agente, mas
também a sua capacidade de entendimento no momento da conduta. Para esse critério, não basta ser
louco para gerar inimputabilidade.
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Assim estabelece o art. 26 do CP: “É isento de pena o agente que, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento”.
Esse artigo adotou o sistema biopsicológico, ou seja, são 2 critérios conjugados que levam a
concluir pela inimputabilidade do agente:
i. existência de uma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado;
ii. a absoluta incapacidade de, ao tempo da ação ou da omissão, entender o caráter ilícito do fato de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
A expressão “doença mental” deve ser tomada em sua maior amplitude e abrangência,
compreendendo qualquer enfermidade que venha a debilitar as funções psíquicas do agente. O
inimputável por doença mental é denunciado, processado e, ao final, absolvido com imposição de
medida de segurança (espécie de sanção penal) – absolvição imprópria.
O art. 26, parágrafo único, não traz hipótese de inimputabilidade, mas de responsabilidade
penal diminuída (semi-imputabilidade). O semi-imputável não era inteiramente capaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. O semi-imputável é
denunciado, processado e, ao final, CONDENADO, podendo o juiz optar (desde que
fundamentado):
i. pena diminuída – art. 26, parágrafo único;
ii. ou substituição da pena por medida de segurança – art. 98, CP.
O CP adota, atualmente, o sistema unitário ou vicariante: o semi-imputável ou cumpre a pena
diminuída ou cumpre a medida de segurança. No passado era adotado o sistema do duplo
binário: o semi-imputável primeiro cumpria a pena diminuída e depois cumpria medida de
segurança.
Diferenças entre o inimputável e o semi-inimputável:
Inimputável Semi-inimputável
Absolvição imprópria Condenação
Não interrompe a prescrição Interrompe a prescrição
A sentença não serve como título executivo A sentença serve como título executivo

Além do critério biopsicológico definido pelo art. 26, o CP também adota o critério biológico de
Inimputabilidade em razão da idade do agente – 18 anos (art. 27, CP), seguido pelo constituinte
no art. 228 da CF. Mas nesse caso de inimputabilidade, o agente não pode sequer ser processado
criminalmente – ele é submetido ao procedimento especial previsto pelo ECA.
O art. 28 do CP estabelece causas que não excluem a imputabilidade, quais sejam:
i. emoção e paixão;
ii. embriaguez voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.
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Sobre a embriaguez, temos que ela se trata de intoxicação transitória causada pelo álcool ou
substância de efeitos análogos, como repercussão no psiquismo da pessoa, podendo afetar a sua
capacidade intelectiva ou volitiva. Espécies de embriaguez:
i. embriaguez acidental – decorrente de caso fortuito ou força maior;
ii. embriaguez não acidental – voluntária (o agente quer se embriagar) ou involuntária (culposa);
iii. embriaguez patológica – é a embriaguez doentia;
iv. embriaguez preordenada – é a embriaguez voluntária para a prática do crime.
Emoção é o estado afetivo que acarreta na perturbação transitória do equilíbrio psíquico tal como na
ira, medo alegria cólera, ansiedade, prazer erótico, surpresa, vergonha.
A paixão é a emoção mais intensa, ou seja, perturbação duradoura do equilíbrio psíquico.
Exemplos: amor, inveja, avareza, ciúme, vingança, ódio, fanatismo, ambição.
Sobre a embriaguez, temos que ela se trata de intoxicação transitória causada pelo álcool ou
substância de efeitos análogos, como repercussão no psiquismo da pessoa, podendo afetar a sua
capacidade intelectiva ou volitiva. Espécies de embriaguez:
i. a embriaguez acidental completa isenta o agente de pena (art. 28, § 1º, CP);
ii. a embriaguez acidental incompleta acarreta uma diminuição de pena (art. 28, § 2º, CP);
iii. a embriaguez patológica completa exclui a imputabilidade (art. 26, caput, CP);
iv. a embriaguez patológica incompleta é caso de semi-imputabilidade (art.26, parágrafo único, CP);
v. embriaguez preordenada é agravante de pena (art. 61, CP).
O fundamento para se punir a embriaguez não acidental e a embriaguez preordenada, mesmo
quando completa, isto é, quando o agente claramente não tem capacidade de entendimento e
autodeterminação no momento da conduta, é a adoção da teoria da actio libera in causa: o ato
transitório revestido de inconsciência (momento do crime em que o agente se encontra embriagado)
decorre de ato antecedente que foi livre na vontade (momento da ingestão da bebida), transferindo-
se para esse momento anterior a constatação da imputabilidade e da voluntariedade.

7.5. O que é a potencial consciência da ilicitude? Fale sobre o erro de proibição.


A potencial consciência da ilicitude é o 2º elemento da culpabilidade e consiste na possibilidade que
tem o agente imputável de compreender a reprovabilidade da sua conduta.
Não se exige do sujeito ativo uma compreensão técnica, um conhecimento jurídico sobre o evento,
mas apenas uma percepção leiga de que o seu comportamento contraria o direito (o que é certo).
Trata-se da valoração paralela na esfera do profano.
A dirimente ou causa de exclusão da potencial consciência da ilicitude é o erro de proibição (art. 21,
CP).
Quando uma lei é publicada no Diário Oficial da União, presume-se que todos têm o conhecimento
dessa lei – como se todo mundo, antes de sair de casa, entrasse no site do Planejamento e
consultasse o Diário Oficial. Mesmo assim, não se pode alegar o desconhecimento da lei.
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Uma vez publicada no Diário Oficial da União, a lei se presume conhecida de todos. É possível, no
entanto, que o agente, mesmo conhecendo a lei, incida em erro de proibição, valorando
equivocadamente a reprovabilidade da sua conduta.

Sãos 3 situações possíveis:


i. o agente, apesar de ignorar a lei, conhece a reprovabilidade da sua conduta. Conclusão: não
configura erro de proibição. Ex.: Fulano não conhecendo que o desrespeito ao hino nacional é
contravenção penal prevista no art. 35 da Lei 5700/71, passa zombar da letra, sabendo que seu
comportamento é socialmente reprovável;
ii. o agente conhece a lei, mas ignora a reprovabilidade do comportamento. Conclusão: pode alegar
erro de proibição. Ex.: Fulano, mesmo sabendo que homicídio é crime, acredita que o tipo penal não
alcança a eutanásia. Se o erro é inevitável, ele fica isento de pena. Se o erro é evitável, diminuição
de pena. Isso é questão de prova;
iii. o agente ignora a lei e a reprovabilidade de seu comportamento. Conclusão: pode alegar erro de
proibição. Ex.: Fulano fabrica açúcar em casa, ignorando a reprovabilidade de seu comportamento e
não conhecendo o crime previsto no artigo 1º do Decreto-lei 16/66. Se o erro for inevitável, há
isenção de pena. Se o erro for evitável, há diminuição de pena.

7.6. Qual a diferença entre erro de proibição direto e erro de proibição indireto?
Erro de proibição direto = o agente se equivoca quanto ao conteúdo de uma norma proibitiva,
ignorando a sua existência ou o seu âmbito de incidência. Todos os exemplos acima são de erro de
proibição direto.
Erro de proibição indireto = o agente sabe que a conduta é típica, mas supõe presente uma norma
permissiva (excludente de ilicitude). Exemplo: Fulano, agredido por um tapa, acredita estar
autorizado a revidar com um disparo.

7.7. Quais as hipóteses que excluem a exigibilidade de conduta diversa? Existem causas
supralegais?
Para a reprovação social, não basta que o autor do fato lesivo seja imputável e tenha a possibilidade
de reconhecer o caráter ilícito, exigindo-se, ainda, a possibilidade de atuar de acordo com o
ordenamento jurídico.
As causas de exclusão (dirimentes) de exigibilidade de conduta diversa são previstas pelo art. 22,
CP:
i. coação irresistível – trata-se de coação moral (a coação física irresistível exclui a conduta).
Essa essa coação deve ser irresistível, sendo que coação moral resistível pode configurar atenuante
de pena (art. 65, III, “c”, CP). Consequências: só é punível o autor da coação – a responsabilidade
penal desloca-se do coagido para o coator. Ex.: Fulano constrange de forma irresistível Beltrano
para matar Ciclano. Beltrano, sofrendo coação moral mata Ciclano. Fulano responde por homicídio
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na condição de autor mediato + tortura (art. 1º, I, “d”, Lei 9.455/97) – concurso material, porque ele
primeiro tortura e depois Beltrano mata Ciclano;
ii. obediência hierárquica – requisitos: (i) ordem de superior hierárquico – manifestação de
vontade emanada de um detentor de função pública dirigida a um agente público hierarquicamente
inferior. Atenção: outras relações que não públicas não permitem essa dirimente – não abrange
subordinação doméstica (pai/filho), subordinação eclesiástica (bispo/sacerdote) ou particular
(diretor de uma empresa/sua secretária); (ii) ordem não manifestamente ilegal – ordem não
claramente, não evidentemente ilegal. Atenção: de acordo com Noronha, não só a ordem, mas
também as circunstâncias atinentes ao executor (rusticidade, atraso, tempo de serviço), tudo em
conjunto, há de ser apreciado no caso concreto. Consequências: só é punível o autor da ordem (a
responsabilidade penal desloca-se do subordinado para o superior, autor da ordem) – caso
Carandiru. Também é caso de autoria mediata.
O legislador não consegue prever todos os casos em que é inexigível do agente conduta diversa,
admitindo-se hipóteses não previstas em lei (causas supralegais de exclusão da culpabilidade).
Exemplos:
i. gestante que pratica nela mesma o aborto resultante de estupro;
ii. desobediência civil – atos de insubordinação que têm por finalidade transformar a ordem
estabelecida, demonstrando a sua injustiça e necessidade de mudança. Requisitos: (i) proteção de
direitos fundamentais; (ii) dano causado não relevante; (iii) MST, estudantes da USP na reitoria.
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8. ESTRUTURA JURÍDICA DO ERRO. ERRO. DÚVIDA. IGNORÂNCIA. ERRO DE TIPO.


ERRO DE PROIBIÇÃO
AUTORA: BRUNA DE LIMA DIAS
MATERIAL DE CONSULTA: CURSO DE DIREITO PENAL – PARTE GERAL – ROGÉRIO GRECO (2012). CADERNO LFG PROF.
ROGÉRIO SANCHES (2013) E RESUMOS PESSOAIS.

8.1. Qual a estrutura jurídica do erro?


Historicamente, dividia-se o erro em duas espécies: erro de fato, que incidia sobre o fato que
constitui o crime (excluía o dolo e, em consequência, a culpabilidade, pois o dolo a integrava) e erro
de direito, decorrente da ignorância ou falsa interpretação da lei. Essa divisão foi mantida na
redação do Código Penal de 1940 porém, na reforma de 1984, influenciada pela doutrina alemã,
estabeleceu-se nova disciplina para o erro, dividindo-o em erro de tipo e erro de proibição. Estes,
não observam exata correspondência com a denominação anterior, já que o erro de tipo passou a
abranger situações que outrora eram classificadas como ora erro de fato ora como erro de direito e o
erro de proibição, além de incluir situações novas (como, por exemplo, a existência ou os limites da
legítima defesa), antes não consideradas, passou a abranger uma série de hipóteses antes
classificadas como erro de direito.

8.2. Quais são as definições de erro, dúvida e ignorância? Há diferença para o direito penal
brasileiro?
ERRO: é a falsa representação da realidade ou falso ou equivocado conhecimento de um
determinado acontecimento, ou até de uma regra jurídica (é um estado positivo).
IGNORÂNCIA: é a falta de representação da realidade ou o desconhecimento total do objeto (é um
estado negativo).
DÚVIDA: é demonstrada por uma infinidade de imagens e sentidos, contudo somente uma delas
está de acordo com a realidade.
Para o Direito Penal brasileiro, é indiferente a distinção conceitual entre erro e ignorância, dada a
identidade das consequências que deles se extraem. Segundo Luiz Flávio Gomes, no nosso Código
Penal, erro e ignorância quase sempre se equivalem; assim, quando se faz referência ao erro (por
exemplo, nos arts. 20, caput e 21) está também se referindo â ignorância. O erro em suma, "resulta
de uma ausência ou falha de raciocínio".

8.3. O que é erro de tipo?


Erro de tipo é a falsa percepção da realidade (ignorância). Também chamado de erro de tipo
incriminador ou erro de tipo essencial. Segundo Rogério Greco, é o erro que recai sobre as
elementares, circunstâncias ou qualquer dado que se agregue à determinada figura típica.
Exs.: quando o agente toma coisa alheia como própria; relaciona-se sexualmente com vítima menor
de 14 anos, supondo-a maior; contrai casamento com pessoa já casada desconhecendo o matrimônio
anterior; apossa-se de coisa alheia, acreditando trata-se de res nullius; atira em alguém imaginando
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ser um animal; deixa de agir por desconhecer sua qualidade de garantidor; tem relações sexuais com
alguém supondo-se curado de doença venérea.
O erro de tipo, afastando a vontade e a consciência do agente, exclui sempre o dolo. Entretanto, há
situações em que se permite a punição em virtude de sua conduta culposa, se houver previsão legal.
Podemos falar, assim, em erro de tipo invencível (escusável, justificável, inevitável) e erro de tipo
vencível (inescusável, injustificável, evitável).

8.4. Qual a diferença entre erro de tipo e erro de proibição?


O erro de tipo é o que incide sobre os elementos estruturais do delito, já o erro de proibição é o erro
quanto a licitude da ação, ou seja, no erro de tipo o agente não sabe o que faz, já no erro de
proibição o agente sabe o que faz, mas ignora ser proibido.
Ex. de erro de tipo: Tício sai de festa com guarda-chuva que pensava ser seu. Logo, percebe ser de
outra pessoa. Subtraiu coisa alheia móvel sem saber.
Ex. de erro de proibição: Tício encontra guarda-chuva perdido na rua. Apodera-se do objeto e
acredita que não tem obrigação de devolvê-lo. Não sabia que o comportamento é proibido.

8.5. Quais são as espécies de erro de tipo?


O erro de tipo divide-se em essencial e acidental. Este, subdivide-se em erro sobre o objeto, erro
sobre a pessoa, erro na execução, resultado diverso do pretendido e erro sobre o nexo causal.

8.6. Explique o erro de tipo essencial.


O erro de tipo essencial recai sobre os dados principais (elementares, circunstâncias ou qualquer
outro dado que se agregue à figura típica) do tipo penal e está previsto no Art. 20, caput do Código
Penal. Sua consequência irá depender se esse erro era evitável ou inevitável. Se inevitável, exclui-se
dolo (pois não há consciência) e culpa (pois não há previsibilidade). Se evitável, exclui-se somente
o dolo (pois não há consciência), mas pune-se a culpa, se prevista como crime, havendo
previsibilidade.

8.7. Como se afere a (in) evitabilidade do erro?


Há divergência:
1ª posição) Invoca-se a figura do homem médio e questiona-se se o homem médio poderia evitar
aquele erro. (Posição tradicional, maioria doutrinária e jurisprudencial).
2ª posição) Nega a criação da figura do homem médio. Trabalha-se com as circunstâncias do caso
concreto, analisando-se o contexto pessoal e social em que o agente está inserido, como grau de
instrução, idade, momento e local do crime e analisa-se como esta realidade infere na
previsibilidade do agente. (Posição moderna, melhor doutrina).
65

8.8. Explique o erro de tipo acidental.


O erro de tipo essencial recai sobre os dados secundários do tipo penal. Pode ser erro sobre o
objeto/erro in objecto (não tem previsão legal), erro sobre a pessoa/error in persona (Art. 20, §3º,
CP), erro na execução/aberratio ictus/desvio de golpe (Art. 73, CP), resultado diverso do
pretendido/aberratio criminis/desvio de crime (Art. 74, CP) e erro sobre o nexo causal/aberratio
causae (não tem previsão legal). O erro de tipo acidental não tem o condão de afastar o dolo (ou o
dolo e a culpa) do agente, pois o agente age com consciência da ilicitude de seu comportamento,
apenas se engana quanto a um elemento não essencial do fato ou erra no seu movimento de
execução.
- Erro sobre o objeto: O agente confunde-se quanto ao objeto material (coisa) por ele visado,
atingindo objeto diverso. Ex.: Tício quer subtrair relógio de ouro e subtrai relógio dourado.
Solução: Não exclui dolo nem culpa. Não isenta o agente de pena. O agente responde pelo delito,
considerando-se o objeto material efetivamente atingido (TEORIA DA CONCRETIZAÇÃO).
Neste caso, de acordo com Zaffaroni, aplica-se o in dubio pro reo, considerando-se o objeto mais
benéfico para o agente.
Atenção: Somente haverá essa espécie de erro se a confusão de objetos materiais não interferir na
essência do crime. Pois, caso interfira, deverá ser tratado como erro de tipo essencial. Ex.: Senhora
que cultiva em seu quintal um pé de maconha acreditando ser uma planta ornamental.

- Erro sobre a pessoa: É a equivocada representação do objeto material pessoa visada pelo agente.
Em decorrência do erro, o agente acaba atingindo pessoa diversa. Há dois personagens, uma vítima
real e uma vítima virtual. Ex.: Tício quer matar seu pai; porém, representando equivocadamente a
pessoa que entra na casa, acaba matando seu tio. O pai é a vítima virtual e o tio a vítima real.
Art. 20, §3º, CP – O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não
se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o
agente queria praticar o crime.
Solução: Não exclui dolo nem culpa. Não isenta o agente de pena. O agente responde pelo delito,
considerando-se a qualidade da vítima virtual (TEORIA DA EQUIVALÊNCIA). No exemplo
acima, o agente responderá por parricídio, mesmo seu pai estando vivo.

- Erro na execução – aberratio ictus: O agente atinge pessoa diversa da pretendida por acidente
ou por erro no uso dos meios de execução. Também há dois personagens, uma vítima real e uma
vítima virtual; mas, neste caso, a vítima é corretamente representada, não houve confusão mental,
mas sim o crime foi mal executado. Ex.: Tício mira em seu pai e, por falta de habilidade no
manuseio da arma de fogo, acaba por atingir um vizinho que passava do outro lado da rua.
Solução: Erro na execução com resultado único: O agente atinge somente pessoa diversa da
pretendida. Responderá pelo delito considerando-se a qualidade da vítima virtual (Teoria da
Equivalência).
Erro na execução com resultado duplo ou unidade complexa: O agente atinge a pessoa diversa e
também a pretendida. Responderá pelo delito aplicando-se a regra do concurso formal. Problema:
66

Ex.: Tício, querendo matar seu pai, atira, mas – por erro – apesar de ferir a vítima visada, acaba
matando o vizinho. Solução: 1ª posição) O agente responde, em concurso formal, por homicídio
doloso consumado do pai e lesão corporal do vizinho (Damásio). 2ª posição) O agente responde, em
concurso formal, por tentativa de homicídio do pai e homicídio culposo do vizinho (Rogério
Sanches Fragoso).

Art. 73, CP – Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de
atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado
crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no §3º do artigo 20 deste Código. No caso de ser
também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do artigo 70 deste
Código.

Aberratio ictus por acidente Aberratio ictus por erro no uso dos meios de
execução
Não há erro no golpe, mas desvio na execução Existe erro no golpe. Há um desvio na
execução em razão de inabilidade do agente no
uso do instrumento.
A vítima visada pode ou não estar no local A vítima visada está no local
Ex.: “A” coloca uma bomba no carro de “B” Ex.: “A” atira para matar “B” mas, errando o
para explodir quando acionado. Mas, quem liga alvo, atinge sua esposa.
o carro naquele dia é a esposa de “B”.

- Resultado diverso do pretendido – aberratio criminis: Hipótese de erro na execução, ocorre


quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente atinge bem jurídico diverso
do pretendido. Ex.: Tício quer danificar o carro de Mévio e atira uma pedra contra seu veículo.
Ocorre que, acaba atingindo o motorista, que vem a falecer.
Art. 74, CP – Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime,
sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como
crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.
Solução: O agente responde pelo resultado produzido, isto é pelo diverso do pretendido, na forma
culposa, se houver previsão legal. No exemplo supracitado, Tício responderá por homicídio
culposo. Em caso de resultado duplo, responderá em concurso formal.
Cuidado: A regra do Art. 74, CP deve ser afastada quando o resultado pretendido é mais grave que
o produzido, hipótese em que o agente responderá pelo delito na forma tentada. Ex.: Tício quer
matar Mévio. Atira uma pedra contra a cabeça dele, mas acaba atingindo o veículo da vítima.
Responderá por tentativa de homicídio.
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- Erro sobre o nexo causal/aberratio causae (não tem previsão legal): trata-se de hipótese em que
o agente provoca o resultado desejado, mas com nexo causal diverso do pretendido. A doutrina
assim o subdivide:
- Em sentido estrito: o agente, mediante um ato só, provoca o resultado visado, porém com outro
nexo. Ex.: “A” empurra “B” de um penhasco para que morra afogada. Mas “B” morre em razão de
traumatismo craniano pois bateu com a cabeça na pedra durante a queda. Nexo visado: afogamento.
Nexo real: traumatismo.
- Dolo geral ou erro sucessivo ou aberratio causae: o agente, mediante conduta desenvolvida
em pluralidade de atos, provoca o resultado pretendido, porém com outro nexo. Ex.: “A” dispara
contra “B” (1º ato) e, imaginando que “B” está morto, joga seu corpo no mar (2º ato), vindo “B” a
morrer afogado.
Solução: O agente responde pelo crime considerando-se o nexo real (Princípio Unitário). Em ambos
exemplos supracitados o agente responde por homicídio, no primeiro, o nexo é o traumatismo
craniano e no segundo o afogamento.
Cuidado: Por não ter previsão legal, o nexo real, se mais prejudicial ao agente que o nexo visado,
não poderá ser considerado, devendo-se prevalecer o nexo desejado pelo agente, diante da máxima
do in dubio pro reo (Rogério Sanches).

8.9. O que é erro de subsunção?


Neste caso, o agente decifra equivocadamente o sentido jurídico do seu comportamento (erro que
recai sobre conceitos jurídicos) por isso é irrelevante penalmente. Não há previsão legal. Ex.: “A”
sabe que está falsificando um cheque, tem consciência de que é ilícito. Contudo, não sabe que o
cheque é equiparado a documento público.

8.10. O que é erro provocado por terceiro?


Previsão legal: Art. 20, §2º, CP
Art. 20, §2º, CP – Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.
Nesta espécie, o erro é induzido por terceiro (autor mediato) e cometido pelo agente provocado
(autor imediato). Ex.: Médico, com a intenção de matar o paciente, induz a enfermeira a ministrar
dose letal no doente.
Solução: responde pelo crime o terceiro que determina o erro (no exemplo supracitado, o médico
responde pelo homicídio na condição de autor mediato). O agente provocado, em regra, não pratica
crime, salvo se agiu com dolo ou culpa. Cuidado: Não há concurso de agentes porque esse exige
homogeneidade de elementos subjetivos.
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8.11. Fulano quer matar um agente federal em serviço. Por acidente, acaba matando outra
pessoa que passava pelo local. De quem é a competência para processo e julgamento desse
homicídio?
De acordo com o CP, considera-se a vítima virtual (Art. 73, CP); mas, a competência está no CPP,
que trabalha com a vítima real. Assim, a competência será da justiça estadual.

8.12. Discorra sobre o erro de proibição.


Erro de proibição é a correta percepção da realidade, mas um equívoco sobre a regra de conduta.
Tem previsão legal no Art. 21, CP.
Art. 21, CP – O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável,
isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único – Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da
ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
Ex.1: Fulano fabrica açúcar em casa, ignorando a reprovabilidade do comportamento e não
conhecendo o Art. 1º do Decreto Lei 16/66.
Ex.2: Fulano, mesmo sabendo que homicídio é crime, acredita que o tipo penal não alcança a
eutanásia (o agente conhece a lei, mas ignora a reprovabilidade do comportamento).
Solução: Se o erro for inevitável, isenta-se o agente de pena. Se o erro for evitável, diminui-se a
pena.

8.13. Quais são as espécies de erro de proibição, de acordo com a Teoria Limitada da
Culpabilidade?
As espécies são erro de proibição direto (o sujeito erra sobre a norma proibitiva); erro de proibição
indireto (é aquele que incide sobre a existência ou limite de uma excludente de antijuridicidade) e
erro de proibição mandamental (o sujeito erra sobre a existência sobre o devedor jurídico de agir).

8.14. O que se entende por delito putativo por erro de tipo?


Se é putativo, é porque é imaginário, permeia apenas a mente do agente, não sendo, de fato crime.
O agente, por falsa percepção da realidade, acha que atua ilicitamente, quando, na verdade, está
agindo licitamente. Ex.: "A" atira em "B", querendo matá-lo, contudo, "B" já estava morto. O
agente erra quanto a uma elementar do crime, achou que estava matando "alguém", mas, na
realidade, atirou em um cadáver. É crime impossível.

8.15. O que é erro de tipo permissivo (erro nas descriminantes putativas)?


Nada mais é do que o erro sobre uma situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima.
Conjuga-se as excludentes de ilicitude com a situação de putatividade, isto é, aquela situação
imaginária que só existe na mente do agente.
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Ex.: “A” é ameaçado de morte por “B”. Durante a madrugada, “A” encontra-se com “B”, que leva a
mão à cintura, dando a impressão de que sacaria uma arma. “A”, imaginando que seria morto por
“B”, saca o seu revólver e atira contra este último, matando-o. Na verdade, “B” não estava armado,
e somente havia levado a mão à cintura com a finalidade de retirar um maço de cigarros que se
encontrava no bolso de sua calça. Neste caso, conclui-se pela legítima defesa putativa.
Solução: como qualquer erro, os ocorridos em situação de putatividade podem ser considerados
escusáveis ou inescusáveis e assim define o Art. 20, §1º do CP:
Art. 20, §1º, CP – É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias,
supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o
erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
Atenção: Somente quando o agente tiver uma falsa percepção da realidade no que diz respeito à
situação de fato envolvida, levando-o a crer que poderia agir amparado por uma causa de exclusão
de ilicitude, é que estaremos diante de um erro de tipo. Quando o erro recair sobre a existência ou
mesmo sobre os limites de uma causa de justificação, o problema não se resolve como erro de tipo,
mas, sim, como erro de proibição, previsto no Art. 21 do CP.

8.16. Qual a teoria adotada pelo CP no tocante ao tratamento das descriminantes putativas?
O CP adotou a Teoria Limitada da Culpabilidade (conforme item 17 da Exposição de Motivos),
uma vez que, se o erro do agente recai sobre uma situação fática, estamos diante de um erro de tipo
(Art. 20, §1º, CP), que passa a ser denominado de erro de tipo permissivo e caso o erro não recaia
sobre uma situação fática, mas sim sobre os limites ou a própria existência de uma causa de
justificação, o erro passa a ser de proibição (Art. 21, CP). Para a teoria extremada ou estrita da
culpabilidade, todas essas hipóteses são consideradas como erro de proibição.
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9. CONCURSO DE AGENTES. COAUTORIA E PARTICIPAÇÃO CRIMINAL


AUTOR: BRUNO BRAGA LIMA
MATERIAL DE CONSULTA: CURSO DE DIREITO PENAL – PAULO QUEIROZ (2014)

9.1. Em que consiste o chamado Concurso de Agentes? É possível falar em concurso de


pessoas em qualquer tipo penal?
Concurso de pessoas/agentes é a intervenção de mais de um agente para a consecução de um
mesmo delito, havendo como pressuposto, uma convergência de vontades para o fim comum, que é
a realização da infração penal, embora seja dispensável o acordo prévio entre eles.
Não ocorre em todos os delitos, pois se trata de problema específico atinente aos chamados
CRIMES UNISSUBJETIVOS, que podem tanto ser praticados por um agente como por vários
(concurso eventual), de forma que não é concebível se falar em concurso de pessoas nos chamados
CRIMES PLURISSUBJETIVOS, já que nestes a pluralidade de agentes é requisito para a própria
configuração do tipo penal, ou seja, é inerente à consumação do crime (concurso necessário).

9.2. Em que consiste a denominada COAUTORIA SUCESSIVA? Até que momento ela
poderá ocorrer?
Consiste na cooperação num crime já iniciado, isto é, o agente que concorre para a prática do crime
intervém dolosamente já durante a execução do crime de outrem, mas sempre antes da sua
consumação, sendo que nos crimes permanentes e habituais a participação poderá ocorrer enquanto
não cessar a permanência ou habitualidade.

9.3. É possível que haja concurso de agentes sem a presença do liame subjetivo?
NÃO. Para que seja possível a configuração do concurso de pessoas, imprescindível que aqueles
que participam da empreitada criminosa tenham, voluntária e conscientemente, concorrido com a
sua ação para a conduta de outrem.
Sem o liame subjetivo haverá tão somente a chamada AUTORIA COLATERAL.
Contudo, deve-se frisar que não é necessário que haja o acordo entre os agentes, bem como sequer é
necessário que a adesão subjetiva (voluntária) de um agente seja conhecida e aprovada/aceita por
quem a recebe.
Por fim, imperioso ressaltar que há um segundo aspecto do requisito subjetivo: é necessária a
HOMOGENEIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO, sendo que ambos devem atuar com o
mesmo elemento subjetivo – dolo/culpa, ainda que os motivos para a prática do crime sejam
diversos entre os agentes, de modo que não é possível haver coautoria ou participação dolosa em
crime culposo, nem coautoria ou participação culposa em crime doloso.
71

9.4. A conivência e/ou omissão diante da prática de um crime por outrem é penalmente
relevante?
NÃO. O fato de assistir ou mesmo desejar que o delito se realize, bem como a não comunicação do
fato às autoridades não é penalmente relevante, SALVO se aquele que se omite possuir a condição
de garantidor, de modo que se encontra juridicamente obrigado a agir para evitar o resultado.
Nesse sentido, uma estudante de medicina que acompanha o médico (seu instrutor) executar uma
técnica abortiva (ilicitamente), mas que nada faz, apenas assiste com o intuito de aprender a referida
técnica, não é partícipe nem coautora do crime.

9.5. Em que consiste a “cumplicidade por meio de ações neutras”? (tema controvertido na
doutrina)
São as “contribuições” de um agente para a prática de crime por outrem, mas que, à primeira vista,
parecem completamente normais/lícitas, não havendo, a rigor, adesão ao crime daquele que o
pratica, ou sequer induzimento/instigação.
É o caso, por exemplo, em que um comerciante vende um martelo para o agente X, com a qual este
irá praticar um homicídio contra Y. O comerciante, mesmo sabendo que X utilizará tal ferramenta
para o crime, não concorre para o homicídio se sua ação for realmente neutra, isto é, se ele não
pretender motivar ou ajudar X a cometer o crime, de tal forma que sua ação não será penalmente
relevante, pois sua punição violaria o princípio da pessoalidade da pena (pois a conduta é
exclusivamente de terceiro) e também o princípio da proporcionalidade.

9.6. Quais são os requisitos apontados pela doutrina para a caracterização do concurso de
pessoas?
A doutrina dominante aponta como requisitos a existência de pluralidade de condutas, a identidade
da infração praticada, o nexo causal entre tais condutas e o liame subjetivo entre os agentes.
Paulo Queiroz critica esse entendimento majoritário, apontando que, na verdade, a pluralidade de
condutas nada mais é que pressuposto de um concurso e não um requisito, já que só pode haver
concurso com pluralidade de agentes, e só assim poderá haver pluralidade de condutas. Da mesma
forma, a identidade de infração é consequência da teoria adotada pelo CP (teoria Monista) e não um
requisito para o concurso de agentes, sendo possível, inclusive, ainda que excepcionalmente, a
imputação de crimes diversos aos agentes, numa mitigação da teoria monista. Por fim, também o
nexo causal não é indispensável ao concurso, pois é corriqueiro que haja participação de agentes por
meio de atos secundários, sem os quais ainda assim ocorreria o crime.

9.7. A desistência voluntária e o arrependimento eficaz se comunicam aos coautores e


partícipes?
A desistência (e também o arrependimento) é circunstância pessoal que diz respeito exclusivamente
à pessoa que desiste/arrepende, de modo que não alcança o coautor que pretendia ir até o fim com a
execução criminosa.
72

Assim, temos que:


- se ambos se arrependem de forma eficaz, ambos aproveitam a benesse legal.
- se ambos se arrependem, mas não evitam o resultado, nenhum aproveita.
- se apenas um dos coautores se arrepende ou desiste, e consegue evitar o resultado ainda que o
outro prossiga com a ação, apenas quem se arrependeu não responderá pela tentativa do crime mais
grave.
CONTUDO, no caso de mera participação, a solução é diversa, pois o partícipe tem apenas uma
intervenção secundária no crime do autor, razão pela qual a desistência ou arrependimento eficaz do
autor se comunicará ao partícipe (CP, art. 31).

9.8. E o arrependimento posterior se comunica aos coautores do delito?


O arrependimento posterior comunica-se aos coautores do delito, eis que a reparação do dano ou
restituição da coisa tem natureza objetiva, razão pela se qual aplica o art. 30 do CP a contrario
sensu.
Nas infrações penais em que a reparação do dano ou restituição da coisa por um dos agentes
inviabiliza igual atuação por parte dos demais, a necessidade do benefício se estender a todos fica
ainda mais evidente.
Circunstância objetiva – art. 30 do CP – comunicabilidade no concurso de pessoas: “Uma vez
reparado o dano integralmente por um dos autores do delito, a causa de diminuição de pena do
arrependimento posterior, prevista no art. 16 do CP, estende-se aos demais coautores, cabendo ao
julgador avaliar a fração de redução a ser aplicada, conforme a atuação de cada agente em
relação à reparação efetivada. De fato, trata-se de circunstância comunicável, em razão de sua
natureza objetiva. Deve-se observar, portanto, o disposto no art. 30 do CP, segundo o qual não se
comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do
crime” (STJ. REsp 1.187.976/SP, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, j. 07.11.2013,
noticiado no Informativo 531)

9.9. Nos crimes dolosos contra a vida, na modalidade comissiva por omissão (omissão
imprópria), a posição de garante se comunica a quem não ostenta essa condição, mesmo
havendo homogeneidade de elemento subjetivo?
A posição de garantidor visa a impedir a lesão a um bem jurídico amparado por norma proibitiva.
Assim, a “posição de garante” não pode ser imputada a qualquer pessoa, senão àqueles que, em
virtude de sua especial proximidade com tal bem, estejam investidos nesta qualidade. Destarte, não
há que se falar em participação nos delitos omissivos impróprios, assim como nos próprios. O
garante que se omite em evitar o injusto, não é cúmplice, mas autor por omissão. Isto porque, o
garantidor, por sua investidura, tem de agir no domínio final do feito para repelir o injusto.
Segundo Juarez Tavares, são delitos de dever: configura-se no garante uma certa especialização,
pela obrigação de agir face a um dever legal de assistência. Assim, não se verificam a participação
nem coautoria. Cada qual responde pela sua omissão, “com base no dever que lhe é imposto”.
73

Autores que aceitam a coautoria e participação: Rogério Greco e Cezar Bitencourt. Ex.: A instiga B,
que ele não conhece, a não alimentar o filho. A será o partícipe; A e B, em comum acordo, deixam
de alimentar seu filho, os dois são garantes e coautores; A, paraplégico, induz B, salva-vidas, a não
prestar socorro quando devia e podia fazê-la, uma vez que a vítima era inimiga de B.
Autores que não aceitam a coautoria e participação: Juarez Tavares e Nilo Batista. Ex.: Se 50
nadadores assistem impassíveis o afogamento de uma criança cada um será autor colateral da
omissão, respondendo de forma isolada.
Uma terceira linha (Fernando Capez, Damásio, Delmanto, Mirabete e Alberto Silva Franco) que
admite apenas a participação.

9.10. Qual a relação entre a teoria da causalidade adotada pelo CP e a teoria utilizada pelo
legislador para a distinção entre autoria e participação?
O legislador, no art. 13 do CP, adotou a chamada teoria da equivalência dos antecedentes causais
(ou da conditio sine qua non), pela qual será causa do crime toda ação ou omissão sem a qual o
resultado não se produziria. Assim, como extensão desta teoria para o âmbito do concurso de
agentes, levou o legislador a adotar a teoria unitária ou monista, de forma que todos aqueles que
participam de um crime (autor é quem dá causa a um resultado) serão coautores do mesmo, pois
serão autores todos os que intervenham no processo causal de realização do tipo,
independentemente da relevância da participação de cada um, questão que será analisada apenas no
momento de aplicação da pena.

9.11. Quais são as teorias existentes em nosso ordenamento jurídico em relação ao conceito de
autoria?
a) teoria subjetiva ou unitária: não diferencia o autor do partícipe. Autor é aquele de que
qualquer modo contribuir para a produção do resultado. Possui fundamento na teoria da
equivalência dos antecedentes ou sine qua non. Existe um exemplo no CP, art. 349: “Prestar
ao criminoso, fora dos casos de coautoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro
o proveito do crime”.
b) teoria extensiva: parte da ideia de que todos aqueles que dão causa ao resultado são autores,
não distinguindo autor e partícipe, mas reconhece que a lei distingue certos graus de
responsabilidade. Possui fundamento também na teoria da equivalência dos antecedentes
causais.
c) teoria restritiva: opera nítida distinção entre autor e partícipe. Essa teoria se subdivide em:
i. teoria objetiva-formal: autor é aquele que realiza o núcleo do tipo penal e partícipe é
quem de qualquer modo concorre para o crime, sem realizar o núcleo do tipo. Obs: a
atuação do partícipe seria impune se não existisse a norma de extensão pessoal prevista
no art. 29, CP: a adequação típica, na participação, é de subordinação mediata. É a teoria
preferida pela doutrina nacional, mas falha ao deixar em aberto o instituto da autoria
mediata. Adotada pelo CP.
74

ii. teoria objetiva-material: autor é aquele que presta a contribuição objetiva mais
importante para a produção do resultado, e não necessariamente aquele que realiza o
núcleo do tipo. Partícipe é aquele que concorre de maneira menos importante.
iii. teoria do domínio do fato: criada por Hans Welzel – autor é aquele que possui controle
sobre o domínio final do fato, ou seja, domina finalisticamente o trâmite do crime e
decide acerca de sua prática, suspensão, interrupção e condições. De acordo com tal
teoria, o autor pode ser: autor propriamente dito (pratica o núcleo do tipo); autor
intelectual (planeja mentalmente a empreitada criminosa; autor mediato (aquele que se
vale de um inculpável ou de uma pessoa que atua sem dolo ou culpa para cometer a
conduta criminosa); coautores (quando o núcleo do tipo penal é cometido por 2 ou mais
agentes).
A teoria do domínio do fato também admite a figura do partícipe: quem, de qualquer modo,
concorre para o crime, desde que não realize o núcleo do tipo penal nem possua o controle final do
fato.
Atenção! A teoria do domínio do fato possui aceitação doutrinária e jurisprudencial. O STF adotou
tal teoria na AP 470 (mensalão)

9.12. Quais são as formas de autoria apontadas pela doutrina?


- AUTORIA DIRETA (ou de mão própria): aquela em que o autor comete o crime pessoalmente;
- AUTORIA INDIRETA ou MEDIATA: o autor mediato é aquele que pratica o crime valendo-se
de um terceiro como instrumento para a realização do tipo penal;
- AUTORIA INTELECTUAL (conceito atualmente em desuso): seria aquele que, sem participar
diretamente da execução, determina ou contrata a sua execução.

9.13. Em que consiste a autoria incerta?


Surge no campo da autoria colateral, quando mais de uma pessoa é indicada como autora do crime,
mas não se apura com precisão qual foi a conduta que efetivamente produziu o resultado.
Conhecem-se os possíveis autores, mas não se conclui, em juízo de certeza, qual comportamento
deu causa ao resultado. Na autoria incerta, se um dos envolvidos praticou crime impossível, a
atipicidade a todos se estende. Aplica-se o princípio in dubio pro reo.

9.14. Para que exista coautoria se faz necessário que os diversos agentes em concurso
pratiquem condutas idênticas?
NÃO. A coautoria é a realização conjunta de um delito, sendo necessário tão somente o domínio
funcional do fato, isto é, que cada agente assuma a responsabilidade pela realização do fato que lhe
fora atribuído de acordo com a divisão funcional do trabalho, de modo que é natural que cada
coautor contribua de forma mais ou menos diferenciada para a obra criminosa comum.
75

9.15. Há coautoria e/ou participação em crimes culposos?


A doutrina é bastante divergente nesse ponto.
Para Hans Welzel, sequer é possível falar em participação em crimes culposos, pois todo aquele que
pratica fato culposamente, pela inobservância de um dever de cuidado, é autor desse crime, sendo
que se vários atuam sobre o mesmo fato culposamente, haverá autoria colateral, jamais concurso
(coautoria). Essa é a posição dominante na doutrina alemã.
A doutrina brasileira clássica (nomes como Nelson Hungria e Magalhães Noronha), bem como
alguns autores mais modernos como Cezar Bitencourt e Rogério Greco, contudo, sustentam a
possibilidade de coautoria em crime culposo, no caso em que 2 ou mais agentes atuam em conjunto
para a realização de uma conduta de forma imprudente/negligente (violação do dever de cuidado) e
dessa conduta advém resultado não querido nem admitido por eles, embora fosse previsível. Para
esses autores, seria suficiente a vontade consciente de realização a ação comum (liame subjetivo).
Por outro lado, autores como JUAREZ CIRINO DOS SANTOS e JUAREZ TAVARES (posição
favorável à defesa) entendem que há uma impossibilidade lógico-conceitual de concurso de agentes
no crime culposo, sendo que se duas ou mais pessoas possuem um dever de cuidado e atuam
negligentemente de modo a causarem lesão penalmente relevante a determinado bem jurídico, cada
agente deverá responder pelo seu próprio crime, autonomamente (autoria colateral).
Já no tocante à PARTICIPAÇÃO EM CRIMES CULPOSOS, a divergência é bem menor, sendo
quase unânime o entendimento de que não é possível participação em crime culposo, seja ela dolosa
ou culposa, pois aqueles que cooperam na causa (na falta do dever de cuidado objetivo), agindo sem
a atenção devida, serão sempre coautores, nunca meros partícipes (*Nilo Batista: a concausação
culposa importa sempre em autoria).
**Rogério Greco e Paulo Queiroz, contudo, entendem (minoritariamente) ser possível a
participação culposa em crime culposo, citando o célebre caso do carona que instiga o motorista a
exceder o limite de velocidade, vindo a causar o resultado culposamente.

9.16. Em que consiste a “autoria mediata por domínio de aparato organizado de poder”?
Trata-se de modalidade peculiar de autoria mediata preconizada por Claus Roxin, em que há uma
inovação bem particular: o executor (autor imediato) não é agente não culpável como ocorre
ordinariamente, de forma que, nesses casos, o autor mediato (homem por trás da organização) e
imediato (executor da ação) serão igualmente culpáveis e puníveis.
Sustenta Roxin que não seria caso de coautoria, porque no caso de um aparato organizado de poder,
o executor é figura quase anônima e sempre fungível/substituível, cumprindo ordens da sua chefia
imediata, sem muitas vezes sequer conhecer o mandante (autor mediato), não havendo, geralmente,
acordo entre mandantes e executores.
O executor, apesar de participar do domínio da ação, é apenas uma engrenagem na maquinaria do
poder, e o homem por trás das ações, dada a automação da atividade, pode confiar que qualquer
subordinado seu irá executar suas ordens criminosas, de forma que tem o domínio do fato.
* Para Paulo Queiroz, não faz sentido a ampliação do conceito de autoria mediata proposto pelo
referido autor alemão, pois além de desnecessária (já que pode ser resolvido pelas noções já
76

existentes), não há executor sendo utilizado como instrumento, visto que ele é responsável por sua
ação: logo, quem dá a ordem nada mais é que um autor intelectual ou coautor.

9.17. É possível haver a punição do partícipe sem que haja a punição do autor?
DEPENDE. Em regra, por ser uma atividade secundária ou acessória no crime do autor, a
participação pressupõe, logicamente, que haja autoria. Dessa forma, a punição do partícipe não
poderá olvidar da natureza acessória da participação. Nesse sentido, a doutrina aponta GRAUS DE
ACESSORIEDADE para estabelecer essa punição:
a) Acessoriedade mínima: a punição do partícipe exige apenas a realização de conduta típica
pelo autor;
b) Acessoriedade limitada: exige conduta típica + ilícita do autor;
c) Acessoriedade extremada ou máxima: exige que a conduta do autor seja típica + ilícita e que
o autor seja culpável para que seja punido o partícipe;
d) Hiperacessoriedade: depende que o autor cometa crime (fato típico, ilícito e culpável) e que
tal crime seja punível.
Doutrina amplamente majoritária defende a teoria da acessoriedade limitada e entende que ela teria
sido adotada pelo CP, e que a prevalência dessa teoria se deve à reestruturação do tipo pela doutrina
finalista, pois a acessoriedade extremada seria teoria adotada no âmbito de um tipo causal-
naturalista, em que dolo e culpa eram elementos da culpabilidade.
Contudo, Paulo Queiroz, em posição favorável à defesa, sustenta a aplicação da teoria da
acessoriedade extremada, de tal forma que se o autor for absolvido por inculpabilidade (salvo
menoridade e alienação mental), deverá também o partícipe ser absolvido.

9.18. Quais argumentos podem ser aduzidos em prol da adoção da teoria da acessoriedade
extremada ou máxima?
Embora seja minoritária, a aplicação dessa teoria tem nítido benefício ao réu partícipe.
a) Se o autor não é culpável, segundo o conceito analítico tripartite de crime, temos que sua
conduta não pode ser considerada crime. Logo, como acessória que é a participação, não faz
sentido que seja punida, pois seria incriminar a participação em fato não criminoso;
b) A teoria dominante entre os doutrinadores (limitada) acarreta uma indevida autonomização
da participação, retirando-lhe a sua natureza acessória;
c) Haveria uma violação da proporcionalidade com a adoção da teoria da acessoriedade
limitada, pois como absolver o mais (autor) e punir o menos (partícipe)?
d) Não é tão clara a distinção no caso concreto de excludentes da ilicitude (que beneficiam o
partícipe) e da culpabilidade (que não o beneficiariam, segundo a teoria majoritária), sendo
que, ademais, tais circunstâncias, embora pessoais, podem se comunicar da mesma forma
que eventuais excludentes de ilicitude (legítima defesa) e de tipicidade (erro de tipo), as
quais a doutrina majoritária não critica o seu uso em benefício do partícipe.
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10. CONCURSO DE CRIMES. CRIME CONTINUADO.


AUTOR: JULIANA KLEIN VAZ
MATERIAL DE CONSULTA: CURSO DE DIREITO PENAL – PAULO QUEIROZ (2015) E DIREITO PENAL ESQUEMATIZADO -
CLEBER MASSON (2011)

10.1. Conceitue concurso de crimes.


É o instituto que se verifica quando o agente, mediante uma ou várias condutas, pratica duas ou
mais infrações penais. Pode haver, portanto, unidade ou pluralidade de condutas.

10.2. No que consiste o concurso material (concurso real)?


No concurso material, o agente, por meio de duas ou mais condutas, pratica dois ou mais crimes,
pouco importando se os fatos ocorreram no mesmo contexto fático ou não. Exige-se, portanto,
pluralidade de condutas e pluralidade de resultados. Há o concurso material homogêneo (crimes
idênticos) e heterogêneos (crimes diversos).

10.3. Qual o momento adequado para o somatório de penas no concurso material?


Havendo conexão entre as infrações penais e consequente unidade processual, a regra do concurso
material é aplicada pelo juiz que profere a sentença condenatória. Em respeito ao princípio da
individualização da pena, deve o juiz fixar, separadamente, a pena de cada uma das infrações
penais, procedendo-se em seguida à soma de todas elas.
Contudo, sendo as infrações penais julgadas em ações penais diversas, as disposições inerentes ao
concurso material serão aplicadas pelo juízo de execução.

10.4. Como se dará o cumprimento da pena quando houver imposição cumulativa de penas de
reclusão e detenção?
No caso de imposição cumulativa de penas de reclusão e detenção, adota-se o regramento do art.
69, caput, 2ª parte do CP, devendo-se executar inicialmente a pena de reclusão.

10.5. É admitida a cumulação de pena privativa de liberdade e restritiva de direitos? E de


penas restritivas de direitos?
Em regra, não é admitida a cumulação de pena privativa de liberdade e restritiva de direitos, salvo
quando for concedido sursis em relação à pena privativa de liberdade, nos termos do art. 69, § 1º do
CP.
Por sua vez, é admitida a cumulação de penas restritivas de direito. Sendo compatíveis entre si, o
cumprimento de ambas será simultâneo. Caso contrário, será sucessivo (art. 69, § 2º do CP).
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10.6. É admitido suspensão condicional do processo em caso de concurso material?


Será admitido quando o somatório das penas impostas ao acusado preencher os pressupostos do art.
89 da Lei 9.099/95. O total das penas mínimas, portanto, deve ser igual ou inferior a 1 (um) ano.

10.7. No que consiste o concurso formal (concurso ideal)?


É aquele em que o agente, mediante uma única conduta, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou
não (art. 70). Há, portanto, unidade de conduta e pluralidade de resultados. Destaca-se que a
unidade de conduta não importa obrigatoriamente em ato único, pois há condutas fracionáveis. O
concurso formal pode ser homogêneo (crimes idênticos) ou heterogêneo (crimes diversos).

10.8. Diferencie concurso formal perfeito (próprio) e imperfeito (impróprio).


No concurso formal próprio, o agente, mediante uma única conduta, produz dois ou mais resultados,
sem agir com desígnios autônomos. No concurso formal impróprio, por sua vez, os crimes
concorrentes derivam de desígnios autônomos.
Desígnio autônomo (ou pluralidade de desígnios) é o propósito de produzir com uma única conduta
mais de um crime.
A jurisprudência reconhece como concurso formal próprio a conduta do agente que pratica dois
roubos contra vítimas diversas, em um mesmo contexto.

10.9. Quais as teorias sobre o concurso formal?


São duas: teoria subjetiva e objetiva. Pela teoria subjetiva, exige-se a unidade de desígnios na
conduta do agente para a configuração do concurso formal. Pela teoria objetiva, basta a unidade de
conduta e pluralidade de resultados.

10.10. Conceitue crime continuado, indicando os requisitos para sua configuração.


Crime continuado é a modalidade de concurso de crimes que se verifica quando o agente, por meio
de duas ou mais condutas, comete dois ou mais crimes da mesma espécie e pelas condições de
tempo, local, modo de execução e outros semelhantes, devendo os subsequentes ser reconhecidos
como continuação do primeiro (art. 71).
Os requisitos, extraídos do conceito legal, são:
a) Pluralidade de condutas
b) Pluralidade de crimes da mesma espécie
Há divergências sobre o que seriam crimes da mesma espécie, prevalecendo serem aqueles
tipificados no mesmo dispositivo legal, consumados ou tentados, seja na forma privilegiada ou
qualificada, com identidade nos bens jurídicos tutelados. Não seria possível, assim, reconhecer o
crime continuado em caso de roubo e latrocínio, ainda que presentes os demais requisitos.
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Há doutrina, contudo, que entende que crimes da mesma espécie são aqueles que tutelam o mesmo
bem jurídico, estando ou não previstos no mesmo tipo legal. Seria possível o reconhecimento de
crime continuado em caso de furto e estelionato, por exemplo.
c) Conexão temporal
A jurisprudência consolidou um critério objetivo, pelo qual entre um crime parcelar e o outro não
pode transcorrer um hiato superior a 30 (trinta) dias.
d) Conexão espacial
A jurisprudência firmou o entendimento de que os diversos delitos devem ser praticados na mesma
cidade ou em cidades contíguas.
e) Conexão modal
A lei impõe semelhança entre a maneira de execução dos crimes.
Atenção: a conexão ocasional não foi prevista em lei, mas é exigida por parte da doutrina e
jurisprudência, em razão do art. 71 do CP falar em "outras semelhantes".

10.11. É exigido unidade de desígnio para configuração de crime continuado?


Depende da teoria adotada.
Pela teoria objetivo-subjetiva, não basta a presença dos requisitos previstos no art. 71 do CP.
Reclama-se também unidade de desígnio, isto é, que os vários crimes resultem de plano
previamente elaborado pelo agente. Para esta teoria, tal requisito mostra-se necessário para
diferenciar de mera reiteração criminosa.
Pela teoria objetiva pura, basta a presença dos requisitos objetivos do art. 71 do CP.

10.12. Qual a natureza jurídica de crime continuado?


Temos duas teorias acerca do crime continuado que tratam da natureza jurídica do crime
continuado.
Para a teoria da ficção jurídica (adotada pelo Código Penal), como o próprio nome indica, a
continuidade delitiva é uma ficção criada pelo direito. Existem, na verdade, vários crimes,
considerados um único delito apenas para fins de aplicação da pena. Tanto que a prescrição é
analisada separadamente em relação a cada delito (art. 119 e súmula 497 do STF).
Para a teoria da realidade (ou unidade real), o crime continuado é, de fato, um único delito.

10.13. Diferencie sistema de cúmulo material e sistema de exasperação.


São sistemas de aplicação de pena no concurso de infrações penais.
Aplica-se o sistema de cúmulo material em relação ao concurso material (art. 69) e ao concurso
formal imperfeito (art. 70, caput, 2ª parte). Neste caso, haverá somatório das penas de cada uma das
infrações penais.
80

Quanto ao concurso formal imperfeito, esclarece-se que o regramento adotado decorre da existência
de desígnios autônomos, devendo o agente responder por todos os resultados a que deu causa. Isso
porque não há diferença na conduta daquele que, desejando a morte de todos os membros da
família, ingressa na residência e atira em cada uma das pessoas ou ateia fogo na residência.
O sistema de exasperação, por sua vez, é adotado no concurso formal perfeito (art. 70, caput, 1ª
parte). Neste caso, aplica-se somente a pena da infração penal de qualquer dos crimes, se idênticos,
ou então a mais grave, se diversos, aumentada, em qualquer caso, de um sexto até a metade. Trata-
se de causa de aumento de pena e incide, por corolário, na terceira fase de aplicação da pena. De
acordo com os Tribunais Superiores, o critério para fixação do aumento de pena é o número de
crimes cometidos pelo agente.
Aplica-se ainda o sistema de exasperação ao crime continuado. Neste caso, aplica-se a pena da
infração penal de qualquer dos crimes, se idêntico, ou então a mais grave, se diversos, aumentada,
em qualquer caso, de um sexto até dois terços. Trata-se de causa de aumento de pena, incidindo na
terceira fase de aplicação da pena.
Excepciona-se tal regra, no caso de crime continuado específico (art. 71, § único), que será visto
adiante.

10.14. No que consiste o concurso material benéfico?


O sistema de exasperação da pena foi criado para favorecer o réu, afastando o rigor do concurso
material. Assim, quando for prejudicial ao réu, deve ser afastado, para o fim de incidir o sistema de
cúmulo material (art. 70).

10.15. Conceitue crime continuado específico e informe como será a dosimetria da pena.
O crime continuado específico é aquele que se verifica em crimes dolosos, contra vítimas
diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, presentes os requisitos do crime
continuado comum. Neste caso, aplica-se a pena de qualquer dos crimes, se idênticas, ou a mais
grave, se diversas, aumentada em qualquer caso até o triplo.
Não possui mais aplicabilidade a Súmula 605 do STF, que vedava a continuidade delitiva nos
crimes contra a vida.
Importante destacar que o concurso de crimes é moderado (ou limitado) em razão do teto máximo
de 30 anos para cumprimento da pena privativa de liberdade. Embora o somatório das penas possa
ultrapassar esse montante, o efetivo cumprimento deverá obedecer o art. 75 do CP.

10.16. É aplicável o concurso material benéfico no crime continuado?


Sim. O sistema de exasperação visa favorecer o réu, pelo que a pena do crime crime continuado não
poderá exceder a que seria resultante do concurso material.
81

10.17. Aplica-se a lei penal mais grave ao crime continuado se sua vigência é anterior à
cessação a continuidade?
De fato, pode ocorrer de estar em vigor uma determinada lei para um grupo de delitos e, com a
superveniência de outra lei, mais gravosa, ser aplicada uma nova série de crime, todos eles em
continuidade. Segundo a súmula 711 do STF, aplica-se a lei mais gravosa a toda série delitiva.

10.18. O instituto da suspensão condicional do processo é compatível com o crime continuado?


A Súmula 723 do STF dispõe que "Não se admite a suspensão condicional do processo por crime
continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de 1/6 (um
sexto) for superior a 1 (um) ano".

10.19. Diferencie crime continuado e crime habitual.


No crime continuado, vários delitos, por ficção jurídica, são legalmente considerados crime único,
para fins de aplicação da pena. Cada crime parcelar, contudo, tem existência autônoma e, não fosse
a série de continuidade, subsistiria isoladamente como fato punível.
De seu turno, crime habitual é aquele em que cada ato isolado representa um indiferente penal. O
crime somente se aperfeiçoa quando a conduta é reiteradamente praticada pelo agente.

10.20. Diferencie crime continuado e crime permanente.


No crime continuado, vários delitos, por ficção jurídica, são legalmente considerados crime único,
para fins de aplicação da pena. Cada crime parcelar, contudo, tem existência autônoma e, não fosse
a série de continuidade, subsistiria isoladamente como fato punível.
De seu turno, no crime permanente, há um único crime, mas a consumação se renova no tempo
enquanto se mantém a violação ao bem jurídico por decisão do agente.

10.21. No crime continuado, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente?


O art. 72 dispõe que "no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e
integralmente". Há controvérsia, contudo, na aplicação deste dispositivo no caso de crime
continuado.
Para a 1ª corrente, o art. 72 foi taxativo ao determinar a soma de penas de multa no concurso e
crimes, pouco importando a sua modalidade.
A 2ª corrente, por outro lado, alega que a adoção da teoria da ficção jurídica implica na aplicação de
uma única pena de multa, por se tratar de crime único para fins de dosimetria da sanção penal.
82

10.22. Imagine que o agente praticou, em concurso formal, três crimes, cuja pena máxima
para cada um deles é de 2 anos. Indaga-se: o julgamento será de competência do Juizado?
Não. É pacífica a jurisprudência do STJ de que, no caso de concurso de crimes, a pena considerada
para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal será o resultado da soma, no caso
de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das
penas máximas cominadas aos delitos. Assim, se desse somatório resultar uma pena superior a 02
anos, fica afastada a competência do Juizado.
83

11. PENAS. TEORIAS DAS PENAS. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. ESPÉCIES.


APLICAÇÃO E DOSIMETRIA DA PENA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA.
LIVRAMENTO CONDICIONAL. MEDIDA DE SEGURANÇA
AUTOR: NATÁLIA PIFFERO DOS SANTOS
MATERIAL DE CONSULTA: CEZAR ROBERTO BITENCOURT (TRATADO DE DIREITO PENAL: PARTE GERAL) E CLÉBER
MASSON (DIREITO PENAL ESQUEMATIZADO – PARTE GERAL)

11.1. O que é Pena?


Pena é uma espécie de sanção penal, consistente na privação ou restrição de determinados bens
jurídicos do condenado, aplicada pelo Estado, em decorrência do cometimento de uma infração
penal, com as finalidades de castigar seu responsável (retribuição), readaptá-lo ao convívio em
comunidade (prevenção especial) e, mediante intimidação direcionada à sociedade, evitar prática de
novos delitos (prevenção geral).

11.2. Considerando as teorias justificadoras da pena, diferencie a teoria absoluta na


concepção de Kant e de Hegel.
A característica essencial das teorias absolutas consiste em conceber a pena como um mal em
retribuição ao mal causado pelo delito. A pena possui um fim em si mesmo, está justificada pelo
valor axiológico de punir fato passado. O fundamento da sanção está no questionável livre-arbítrio,
entendido como a capacidade de decisão do homem para distinguir o justo do injusto. Os expoentes
destas teorias foram KANT e HEGEL, havendo algumas distinções em suas concepções.
Para KANT, a justificação da pena é de ordem ética, com base no valor moral da lei penal
infringida. Já para HEGEL, a justificação é jurídica, em virtude da necessidade de se reparar o
direito por meio de um mal que restabeleça a ordem legal violada.
Para KANT, a pena jurídica não pode ser aplicada como um simples meio de obter outro bem,
devendo ser dirigida ao delinqüente simplesmente porque delinqüiu, uma vez que, na concepção do
filósofo, o homem jamais pode ser instrumento dos desígnios de outro.
Assim, a pena tem o objetivo de realizar a justiça.
No que tange à qualidade e quantidade, KANT afirma que não há nada melhor que o jus talionis: “o
mal não merecido que fazes ao teu semelhante, fazes a ti mesmo”, mas ressalva que deve haver a
apreciação de um tribunal, não admitindo o julgamento pelo particular.
HEGEL, como já dito, possui uma concepção mais jurídica. Para ele, pena é a “negação da
negação” do direito. A justificação está na necessidade de restabelecer a “vontade geral”,
simbolizada na ordem jurídica. Nesta concepção, fica clara a aplicação do método dialético. A
“tese” é a ordem jurídica, o delito é a “antítese” e, por último, a “síntese” que é a pena (negação da
negação).
Como KANT, também atribui um conteúdo talional à pena. Contudo, apesar de considerar que o
delito cometido determina a pena, não o faz em relação à modalidade, devendo apenas demonstrar
sua equivalência.
84

11.3. Quais os avanços trazidos pelas teorias retributivas da pena?


O grande valor das teorias absolutas está no estabelecimento de limites à pena estatal, a partir da
consideração de liberdade e dignidade da pessoa.
A máxima do pensamento Kantiano de que o homem não pode ser utilizado como meio para outro
fim, represente uma grande contribuição, em razão da qual nenhuma teoria de justificação da pena,
na atualidade, pode se apresentar desvinculada do princípio da culpabilidade.
No entanto, apesar dos avanços citados, pode-se afirmar que as teorias retribucionistas incorreram
no equívoco teórico de confundir questões referentes ao fim geral justificador da pena (Por que
castigar?) com questões relacionadas a legitimação da pena. Essas teorias não conseguem responder
a pergunta “Por que está justificado castigar”, o que permite a legitimação de sistemas autoritários
de direito penal máximo.

11.4. O que é a Teoria da Coação Psicológica?


No âmbito das teorias justificadoras das penas, temos as teorias relativas, para as quais a pena deixa
de ser concebida como um fim em si mesmo, passando a ser entendida como um meio para alcançar
fim futuros. Justificam a pena pela necessidade de prevenir novos delitos.
Elas se subdividem em Prevenção Geral, voltada para a sociedade, e Prevenção Especial, voltada
para o delinquente. Ambas se subdividem entre positiva e negativa.
No âmbito da Prevenção Geral Negativa, um dos expoentes foi FEUERBACH, formulador da teoria
da coação psicológica. Para ele, é por meio do Direito Penal que se pode dar uma solução ao
problema da criminalidade. Isso porque, a cominação penal, de um lado, é uma ameaça, avisando a
todos os membros da sociedade quais são as ações injustas contra as quais se reagirá e, por outro
lado, ao aplicar a sanção penal demonstra-se efetivamente a vontade de cumprir a ameaça realizada.
O pressuposto antropológico desta teoria é um indivíduo que a todo momento pode comparar
calculadamente as vantagens e desvantagens da realização do delito e da imposição de pena. A
pena, neste caso, exerceria uma coação psicológica.
Essa teoria sofre muitas críticas. Em primeiro lugar, ela não leva em consideração um aspecto
importante da psicologia do delinqüente, que é a confiança de que não será descoberto. Além disso,
ela justificaria a imposição de penas muito elevadas, ultrapassando a culpabilidade do agente.
Também não consegue responder quais os comportamentos que legitimariam o Estado a exercer o
ius puniendi.
Ainda, ela pressupõe que o agente tenha pleno conhecimento da norma jurídica. No entanto, o que
se verifica na realidade é que as pessoas possuem vaga e imprecisa noção do Direito Penal.
Também é digna de crítica a concepção de um homo oeconomicus, que avaliaria as vantagens e
desvantagens diante de sua ação, uma vez que os autores de delitos dificilmente realizam cálculo
racional das conseqüências antes da prática do crime.
Apesar das críticas acima referidas, a teoria serviu para assegurar o fundamento teórico de, pelo
menos, três princípios garantistas: a) princípio da legalidade: indicar expressamente quais as ações
que serão punidas, para essa teoria, é a melhor maneira de prevenir delitos; b) princípio da
materialidade dos delitos: só se pode prevenir comportamentos exteriores, não estados de ânimo e
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intenções subjetivas; e c) princípio da culpabilidade e responsabilidade: apenas comportamentos


conscientes, voluntários e culpáveis são passíveis de prevenção através da ameaça da pena.

11. 5. O que é Prevenção Geral Positiva?


São teorias justificadoras da pena, para as quais esta assume finalidade pedagógica e comunicativa
de reafirmação do sistema normativo, com objetivo de oferecer estabilidade ao ordenamento
jurídico. Basicamente, estabelece três efeitos distintos, os quais podem aparecer inter-relacionados:
a)aprendizagem por meio da motivação sociopedagógica; b) reafirmação da confiança no Direito; e
c)pacificação social, quando a pena é aplicada como forma de solução ao conflito gerado pelo
delito.
As primeiras versões dessa teoria sofreram duras críticas, pois identificavam a finalidade da pena
com a promoção de comportamentos socialmente valiosos e com a reafirmação da fidelidade ao
sistema, o que degenerou na experiência do regime nazista.

11.6. Quais as duas grandes vertentes da Teoria da Prevenção Geral Positiva?


A primeira, conhecida como “prevenção geral positiva fundamentadora”, vê a finalidade de
reafirmação de fidelidade com o direito como centro da fundamentação de todo o sistema penal.
Essa perspectiva atinge o ápice no pensamento de Jakobs, para quem a pena serve para mostrar com
seriedade e de forma “cara” para o infrator que sua conduta não tem o condão de impedir a
manutenção do direito.
Vários foram os críticos desta teoria, dentre eles, destaca-se Mir Puig. Refere o autor que, nesta
concepção, permite-se a utilização da pena, mesmo quando não haja necessidade de proteção de
bens jurídicos.
Também é questionável a pretensão desta teoria de impor certos padrões éticos, o que não se
coaduna com um estado democrático de direito. Ainda, pode-se questionar a falta de limitação do
ius puniendi, tanto formal quanto materialmente.
A segunda vertente contrapõe-se a primeira. Trata-se do conjunto de propostas que confluem com a
perspectiva garantista e às quais doutrina convencionou chamar de “teoria da prevenção geral
positiva limitadora”.
“A prevenção geral deve expressar-se com o sentido limitador do poder punitivo do Estado, isto é,
como uma afirmação razoável do direito em um Estado constitucional e democrático de Direito”.
Nessa concepção, o direito penal é apenas um meio a mais de controle social.
Ela não rompe com o princípio da culpabilidade. Afirma que a retribuição da culpabilidade é o
pressuposto lógico da finalidade preventiva da pena.
Esta teoria possibilita o oferecimento de garantias ao indivíduo, bem como de um grau razoável de
estabilidade do sistema.
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11.7. É sabido que as Teorias da Prevenção Especial se voltam para o delinqüente. Quais as
subdivisões dessa teoria?
As teorias da Prevenção Especial se subdividem e positivas (reeducação do infrator) e negativas.
Esta visa a eliminar, neutralizar o delinqüente.
A pena, nesta última visão, pretende defender a nova ordem, defender a sociedade. O delito não é
apenas uma violação ao ordenamento jurídico, mas um dano social, e o delinqüente, um perigo
social. Teve seu surgimento no contexto da passagem para um Estado intervencionista, sendo que a
defesa social acima citada referia-se a alguns setores específicos: econômico e laboral.
Os partidários da prevenção especial preferiam falar em medidas, ao invés de penas, pois pena
pressupões liberdade ou capacidade racional do indivíduo. Em contrapartida, medida supõe que o
delinqüente como um sujeito anormal, perigoso, devendo ser tratado de acordo com sua
periculosidade.
Essa perspectiva foi alvo de várias críticas, mormente por afrontar princípios garantistas, como a
proporcionalidade entre o delito e a pena, bem como por culminar em um Direito Penal do Autor.
No entanto, há méritos. É possível sustentar a finalidade da prevenção especial sob o ponto de vista
da política-criminal, não como fim em sim mesma, mas voltada para a ressocialização do preso
durante o período em que estiver cumprindo a pena.
Deve ser feita a ressalva de que, atualmente, esta finalidade não é mais vista do ponto de vista
terapêutico, mas sim como modo de evitar os efeitos dessocializadores da pena privativa de
liberdade (estigma da pena, dificuldade de obter novo emprego, etc.). Assim, setor considerável da
doutrina não vê a prevenção especial como legitimadora da pena, mas como limitadora da
execução, a fim de se evitar, ao máximo, seus efeitos negativos.

11.8. Existe diferença entre fundamento e fim da pena?


Para as teorias mistas ou unificadoras, existe. Estas teorias tentam agrupar em um conceito único os
fins da pena, por entender que a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial são distintos
aspectos de um mesmo fenômeno complexo (pena).
A fundamentação da pena não pode ser nada além do fato passado praticado. Os fins, no entanto,
devem ser preventivos.

11.9. Quais os princípios aplicáveis às penas?


a. Princípio da reserva legal ou da estrita legalidade: nulla poena sine lege
b. Princípio da anterioridade: nulla poena sine praevia lege
c. Princípio da personalidade, intransmissibilidade, intranscendência ou responsabilidade pessoal:
Art. 5º XLV da CRFB. é possível, porém, que se estenda aos sucessores, até o limite da herança, a
obrigação de reparar o dano, ao contrário do que ocorre com a pena de multa.
d. Princípio da inderrogabilidade ou inevitabilidade: é mitigado por alguns institutos penais, como
sursis, perdão judicial, prescrição, etc.
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e.Princípio da intervenção mínima:a pena é legítima apenas nos casos estritamente necessários à
proteção do bem jurídico.
f.Princípio da humanidade ou humanização das penas.
g. Princípio da proporcionalidade: resposta penal justa e suficiente para reprovação do injusto, bem
como para prevenir novos delitos. É estritamente ligado às finalidades da pena.
h. Princípio da individualização: art. 5º, XLVI, da CRFB. Desenvolve-se nos três planos: i)
legislativo, quando o legislador estabelece os limites da sanção adequada; ii) judicial, quando da
aplicação em concreto da pena; e iii)administrativa, durante a execução da pena, a fim de assegurar
o integral cumprimento das finalidades da pena.

11.10. Quais as espécies de penas privativas de liberdade?


São três as espécies. Para os crimes, são previstas a reclusão e a detenção. Para a contravenção, é
cominada a pena de prisão simples.
A pena de prisão simples não comporta o regime fechado de cumprimento, seja inicialmente, seja
em decorrência de regressão.
Deve ser ressaltado que inexiste diferença substancial entre a pena de detenção e a de reclusão,
podendo ser apontadas as seguintes distinções:
a. À pena de reclusão pode ser inicialmente fixado o regime fechado de cumprimento,
enquanto para a detenção, este regime só pode ocorrer em decorrência de regressão.
b. No caso de concurso material, aplicando-se reclusão e detenção, deverá ser cumprida
inicialmente a primeira.
c. O efeito da condenação de incapacidade de exercício do poder familiar, tutela ou curatela só
existe no caso de prática de crime doloso apenado com reclusão.
d. Interceptação telefônica só pode ser autorizada para investigação de crime punido com
reclusão.

11.11. É possível a fixação de regime prisional mais gravoso, no caso de a pena ter sido fixada
no mínimo legal?
Para o STJ, não. Súmula 440 do referido Tribunal. Isso porque, se as circunstâncias do art. 59 foram
consideradas favoráveis ao réu, não há lógica para o agravamento do regime prisional de
cumprimento.

11.12. Quais os regimes de cumprimento da PPL?


a. Regime fechado: condenado a pena privativa de liberdade superior a 8 anos. A pena será
cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média. Deverá ser realizado exame
criminológico. Fica sujeito, ainda, a trabalho diurno e a isolamento durante o repouso noturno.
88

b. Regime semi-aberto: pena superior a quatro anos e não excedente a 8 anos aplicada a codenado
não reincidente. A execução ocorrerá em colônia agrícola ou industrial, ou em estabelecimento
similar.
c. Regime aberto: pena igual ou inferior a 4 anos aplicada a condenado não reincidente. A execução
ocorrerá em casa de albergado ou estabelecimento adequado, baseando-se na autodisciplina e senso
de responsabilidade.
No ponto, ressalte-se a súmula 269 do STJ, que permite a fixação do regime semi-aberto para
condenados reincidentes a pena igual ou inferior a quatro anos.

11.13. Qual a alternativa ante a inexistência ou a insuficiência de vagas em Casa de


Albergado?
Apesar de a prisão domiciliar, segundo a LEP, só ser possível nas hipóteses por ela disciplinada,
esta interpretação estrita da lei faria com que o apenado fosse obrigado a cumprir a pena em regime
mais gravoso, em virtude de deficiência do Estado.
Assim, os Tribunais vêm autorizando o cumprimento de prisão domiciliar até eventual surgimento
de vaga em Casa de Albergado.

11.14. O que se entende por regime especial?


As mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio, os quais deverão possuir , exclusivamente,
agentes do sexo feminino na segurança de suas dependências internas, nos termos do art. 83, § 3º,
da LEP.

11.15. Considerando as peculiaridades da Medida de Segurança, como se procede a detração


neste caso?
O tempo de prisão processual ou de internação provisória deverá ser subtraído do prazo mínimo da
internação em hospital de custódia ou de tratamento psiquiátrico, o qual varia de um a três anos.

11.16 Quais as espécies de penas restritivas de direito? E qual a sua duração?


São as seguintes: a) prestação pecuniária, b) perda de bens e valores, c) prestação de serviços à
comunidade ou a entidades públicas, d) interdição temporária de direitos e e) limitação de fim de
semana.
O rol é taxativo. Não pode o juiz criar e aplicar nova modalidade de pena restritiva de direito.
Em regra, a PRD tem a mesma duração da PPL. No entanto, o art. 46, § 4º do CP,dispõe que, se a
pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a PRD em menor tempo,
nunca inferior à metade da PPL cominada.
89

11.17. Qual a natureza da PRD?


São, de fato, penas. Observa-se que muitas delas foram assim definidas expressamente pelo art. 5º
XLVI, da CRFB, que apresenta rol exemplificativo.
Além disso, são marcadas pelas características da substitutividade e autonomia. Substitutividade,
pois substitui a PPL. Autonomia, uma vez que aplicada PRD, ela será cumprida de forma autônoma,
não podendo ser cumulada com a PPL.

11.18. Quais os requisitos para a aplicação da PRD?


Os requisitos objetivos são:
a. Natureza do crime: se for doloso, não pode ser praticado com violência ou grave ameaça
contra a pessoa. Entendimento majoritário é de que a violência imprópria também afasta a
possibilidade da substituição, pois se trata de forma específica de violência. No entanto, em
caso de infração de menor potencial lesivo, ainda que praticado com violência ou grave
ameaça, como lesões corporais leve, pode haver a substituição. Isso porque, se pela Lei 9099
é permitida até mesmo a composição dos danos nestes casos, não seria pertinente a vedação
da substituição da PPL por PRD.
b. Quantidade da pena aplicada: Nos crimes dolosos, o limite é de quatro anos. Para os crimes
culposos, independentemente da pena, a substituição é possível. Em caso de concurso
formal e crime continuado, observa-se o total da pena aplicada. No caso de concurso
material, ao contrário, o juiz analisa isoladamente a possibilidade de substituição para cada
um dos crimes praticados.
Os requisitos subjetivos são:
a. Não ser reincidente em crime doloso. Há, no entanto, uma exceção. Se a reincidência não
for pela prática de mesmo crime, bem como, se, em face da condenação anterior a medida
seja socialmente recomendada, será possível a substituição.
b. Princípio da Suficiência : A PRD deve ser adequada e suficiente para atingir os objetivos da
pena.

11.20. É possível a substituição da PPL por PRD em caso de prática de crime hediondo ou
equiparado?
Em regra, os próprios requisitos legais da PRD já impedem a substituição, pois são praticados com
violência ou grave ameaça, ou a eles é cominada pena superior a quatro anos.
Na Lei de Drogas, no entanto, temos a hipótese do § 4º do art. 33. Apesar de a própria lei proibir a
substituição da pena, o STF julgou inconstitucional o impedimento, por ofensa ao princípio da
individualização da pena (HC 97.256/RS). Ainda, com base no art. 52, X, da CRFB, o Senado
editou a resolução nº 5 de 2012, suspendendo a execução da referida proibição.
90

11.21. A PRD é compatível com os casos de violência doméstica?


O art. 17 da Lei 11.340/06 veda aplicação de penas de cesta básica ou outras de prestação
pecuniária. Assim, as demais PRDs, em tese, são compatíveis com a Lei Maria da Penha.
No entanto, os Tribunais vêm se posicionando de forma a não aplicar a substituição da pena nos
casos em que o crime é praticado com violência ou grave ameaça à mulher, apoiando-se a uma
leitura mais rigorosa, nestes casos, do art. 44, I, do CP.

11.22. É possível a substituição de PPL fixada em patamar superior a seis meses e inferior a
um ano por apenas pena de multa?
O art. 44, § 2º, 1ª parte, do CP, estabelece que a condenação igual ou inferior a um ano será
substituída por multa ou uma PRD.
Por sua vez, o art. 60, § 2º, do CP, prevê a possibilidade de aplicação exclusiva de multa quando a
pena fixada não for superior a seis meses.
Assim, há duas posições sobre o assunto:
a. É possível, pois o art. 44, § 2º, 1ª parte, do CP permite, sendo este dispositivo mais recente e
mais benéfico ao réu, tendo revogado tacitamente o art; 60, § 2º do CP. Este é o
entendimento majoritário
b. Não seria possível, pois os dispositivos deveriam, para essa corrente, ser interpretados de
forma conjunta.

11.23. Quais os casos de reconversão obrigatória em PPL? Qual o saldo de pena que deverá
ser cumprido? Há saldo mínimo em todos os casos?
A reconversão obrigatória em caso de descumprimento injustificado da obrigação imposta.
Ressalte-se que, no caso de aplicação exclusiva de multa (sem aplicação de PRD, portanto), tal não
ocorre, porque se transforma em dívida de valor, devendo ser inscrita em dívida ativa.
Considerando que a PRD é aplicada, em regra, pelo mesmo período da pena fixada, o apenado
cumprirá em PPL apenas o tempo remanescente. No entanto, deve ser respeitado o saldo mínimo de
30 dias de detenção ou reclusão. Já no caso de prisão simples, inexiste o saldo mínimo.

11.24. Quais as PRDs previstas em nosso ordenamento?


a. Prestação pecuniária: Consiste em pagamento em dinheiro a vítima, seus dependentes ou entidade
pública ou privada, a última precisa ter destinação social. Independe da aceitação da pessoa
favorecida (caráter unilateral, impositivo e cogente). Não pode ser inferior a um salário mínimo,
nem superior a 360. Por se tratar de PRD se o condenado solvente não efetuar o pagamento, será
reconvertida em PPL. O valor da prestação pecuniária poderá ser deduzido de eventual condenação
cível, se coincidente os beneficiários.
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b. Perda de bens e valores: retirada de bens e valores integrantes do patrimônio lícito do


condenado, transferindo-se ao Fundo Penitenciário Nacional. O valor máximo está adstrito ao
montante do prejuízo causado ou ao proveito obtido pelo agente.
c. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas: somente aplicada às condenações
superiores a seis meses. Entende-se ser possível a prestação de serviços à entidade privada com fins
sociais. Calcula-se uma hora de tarefa por dia de condenação (hora-tarefa).
d. interdição temporária de direitos: i) proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública,
bem como de mandato eletivo; ii) proibição de exercício de profissão, atividade ou ofício que
dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; suspensão de
autorização para dirigir veículo automotor; iv) proibição de frequentar determinados lugares; v)
proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame público.
As duas primeiras, assim como a última, são alvos de crítica, fundadas na contrariedade às
finalidades da pena, uma vez que não existe benefício em proibir o condenado de exercer atividade
lícita.
e.) Limitação de fim de semana: o condenado deve permanecer, aos sábados e domingos, por cinco
horas diárias em Casa de Albergado ou estabelecimento adequado. O STJ já decidiu que a limitação
de fim de semana não pode ser cumprida em presídio, por ser situação mais gravosa.

11.25. Em relação a suspensão de dirigir veículo automotor pelo CP, responda qual a sua
aplicabilidade após a vigência do CTB?
Com efeito, essa PRD se destina apenas aos crimes culposos de trânsito, tendo parte da doutrina
afirmado que o dispositivo do CP foi tacitamente revogado pelo CTB.
Isso porque, o CTB diferencia autorização (exigida para a condução de ciclomotores), de permissão
(vulgarmente conhecida como “provisória”) e habilitação. Assim, se considerar que o dispositivo do
CP em questão ainda vige, só poderia ser aplicado no caso de ciclomotores que, de acordo com a
definição feita pelo CTB, praticamente não existem mais.

11.26. A superveniência de condenação a pena restritiva de liberdade tem como decorrência a


reconversão da PRD?
Não, só haverá reconversão no caso de incompatibilidade entre a pena fixada na nova condenação e
o cumprimento da PRD.

11.27. Qual a natureza da pena de multa? Como se dá sua execução?


Embora, considerada dívida de valor, após o trânsito em julgado da condenação a multa não perdeu
sua natureza de pena, sendo assim tratada pelo art. 5º, XLVI, “c”, da CRFB. Por tal razão, a
inadimplência seguida de morte não permite que a cobrança da multa seja estendida aos herdeiros.
Quanto à forma que deve ser cobrada, o STJ consagrou o entendimento de que a multa deve ser
executada pela Fazenda Pública, perante a Vara das Execuções Fiscais. É o entendimento
dominante.
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No entanto, há outros dois posicionamentos minoritários.


O primeiro afirma que a multa deve ser cobrada pelo MP, perante a Vara de Execuções Penais, pelo
rito da Lei de Execução Penal. O segundo também refere ser legitimado o MP e competente o juízo
da Vara de Execuções Penais. Discorda, no entanto, do rito a ser seguido, afirmando que o
adequado é o rito da LEF. É a posição adotada pelo Tribunal de Justiça Mineiro.

11.28. Qual o sistema adotado no CP para fixação da pena privativa de liberdade - PPL? E
para a pena de multa?
O art. 68 do CP demonstra que foi adotado, quanto à PPL, o critério trifásico, elaborado por Nelson
Hungria. Nesse sistema, primeiro se fixa a pena-base, atentando-se às circunstâncias judiciais do
art. 59 do CP. Em seguida, serão consideradas as agravantes e atenuantes. Por fim, incidem as
causas de diminuição e de aumento de pena.
Por outro lado, em relação à pena de multa, adotou-se o critério bifásico. Na primeira fase, o juiz
estabelece o número de dias-multa, que varia entre o mínimo de 10 e o máximo de 360, conforme
art. 49 do CP. Nessa fase, consideram-se todas as etapas percorridas para fixação da PPL.
Na segunda fase, fixa-se o valor de cada dia-multa, que pode variar entre 1/30 do salário-mínimo e
5 salários-mínimos, observando-se a situação econômica do réu.

11.29. O que são circunstâncias judiciais?


Trata-se das circunstâncias previstas no art. 59 do CP, utilizadas como critério para a fixação da
pena-base:
a. Culpabilidade: Não se deve confundir com a culpabilidade como pressuposto da pena. Aqui
ela é o limite da pena. Há críticas quanto a este critério, pois se estaria punindo o agente por
aquilo que ele é (direito penal do autor), o que não é possível em nosso Ordenamento
Jurídico. No entanto, o STF já afirmou que “a circunstância judicial “culpabilidade”,
disposta no art. 159 do CP, atende ao critério constitucional da individualização da pena”
(HC 105.674/RS, rel. Min. Marco Aurélio, j. 17.10.2013), devendo, nessa ótica, a
culpabilidade ser entendida como o grau de censura pessoal do réu na prática delitiva.
b. Antecedentes: para o STF, maus antecedentes são as condenações definitivas que não
caracterizam a reincidência. No mesmo sentido é o STJ, que editou a Súmula 444, que veda
a utilização de inquéritos e ações penais para o agravamento da pena.
Nessa circunstância, o CP adotou o sistema da perpetuidade, pois o decurso de tempo, ao
contrário do que acontece na reincidência, não afastaria os maus antecedentes. No entanto, o
STF já decidiu que os maus antecedentes também desaparecem após cinco anos (RHC
118.977/MS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, j. 18/03/2014), partindo da premissa de que
se a reincidência (mais grave) é regida pela temporalidade, igual raciocínio deve ser
aplicado aos antecedentes, que possuem menor gravidade.
c. Conduta social: é o comportamento do réu perante a sociedade. Nesta circunstância é que as
testemunhas abonatórias exercem influência. No entanto, fatos posteriores ao crime em
93

julgamento não podem ser utilizados valorar a culpabilidade, a conduta social e a


personalidade do réu, conforme já afirmou o STF.
d. Personalidade do agente: é o perfil subjetivo do agente. Circunstância de difícil
sopesamento.
e. Motivos do Crime: fatores psíquicos que levaram o agente a praticar o delito. Deve-se
cuidar para não incidir em bis in idem, pois há inúmeros dispositivos que valoram os
motivos em outras fases.
f. Circunstâncias do crime: conjunto de elementos acidentais que não são utilizados como
critérios em outras fases. Note-se que se existir uma circunstância favorável ao réu, ela
deverá ser analisada na segunda fase, como atenuante genérica prevista no art. 66 do CP.
g. Consequências: não devem ser valoradas as conseqüências esperadas, mas aquelas que
extrapolam o razoável.
h. Comportamento da vítima: só pode ser valorado de forma favorável ao réu. Se a vítima em
nada contribuiu para a prática do delito, a circunstância deve ser neutra.
Por fim, ressalte-se que todas as circunstâncias acima descritas têm caráter residual, pois só incidem
se não caracterizarem circunstâncias legais.

11.30. Discorra sobre as atenuantes e agravantes. É possível o concurso entre elas? Como se
resolve?
São dados periféricos que gravitam ao redor do tipo penal e possuem por finalidade aumentar ou
diminuir a pena. Não há quantum pré-definido, ficando a critério do juiz o aumento ou a
diminuição. Encontram-se apenas na parte especial do CP.
As agravantes são previstas no rol taxativo dos artigos 61 e 62 do CP. Já as atenuantes são previstas
no art. 65 do CP, sendo que o art. 66 traz a figura da atenuante genérica, demonstrando o caráter
exemplificativo do rol.
O art. 67 do CP disciplina o concurso de agravantes e atenuantes, estabelecendo que a pena deve se
aproximar do limite indicados pelas circunstâncias preponderantes, que devem ser entendidas como
as que resultem dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.
Vem se entendendo que a atenuante da menoridade relativa (21 anos) é a circunstância
preponderante por excelência.
Por outro lado, quando há concurso entre a reincidência e a confissão espontânea, o entendimento
não é pacífico. O STF já decidiu que a reincidência prepondera neste caso (RHC 120.677/SP, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, j. 18.03.2014). O STJ, por sua vez, entende que a confissão
espontânea revela traço de personalidade do agente, sendo igualmente preponderante à reincidência.

11.31. O que se entende por reincidência?


A reincidência ocorre quando o agente cometer novo crime e já possuir contra si condenação
transitada em julgado anterior por crime, praticado no Brasil ou no exterior. No caso de prática de
contravenção, é possível a reincidência se o agente tiver contra si condenação transitada em julgado
94

por crime ou contravenção, esta só se for praticada no Brasil. No entanto, se o autor for condenado
por contravenção e, posteriormente, cometer um crime, tal situação não configura a reincidência.
A reincidência só poderá ser considerada no período de 05 anos após a extinção da pena. Para fins
de reincidência, não são considerados os crimes militares próprios e os políticos.

11.32. Qual o fundamento da reincidência?


Em julgado relativamente recente, o STF enfrentou o questionamento de se a reincidência não
caracterizaria bis in idem, uma vez que o agente teria sua pena agravada, em virtude de delito
cometido anteriormente, para o qual já havia sido fixada uma pena.
O STF entendeu pela constitucionalidade da agravante, argumentando que não haveria duplicidade,
pois não atingiria delito pretérito, mas novo delito. Consignou, ainda, “razoável o fator de
discriminação, considerando o perfil do réu, merecendo maior repreensão porque voltara a
delinquir a despeito da condenação havida, que deveria ter sido tomada como advertência no que
tange a necessidade de adoção de postura própria ao homem médio” (RE 453.000/RS, rel. Min
Marco Aurélio, Plenário, j. 04.04.2013).
Por outro lado, é possível concluir que a reincidência expõe a falência do sistema no cumprimento
de uma de suas finalidades, a prevenção especial.

11.33. O que é confissão qualificada? Quais as suas conseqüências?


Confissão qualificada é aquela em que o acusado reconhece sua participação no fato típico, mas
aduz ter agido sob o manto de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade. Para o STF,
esta modalidade não autoriza a incidência da atenuante. Em sentido contrário, tem-se o
entendimento do STJ.

11.34. Quais as finalidades da suspensão condicional da pena?


Em 1924 foi expedido o Decreto 16.588, regulamentando a suspensão condicional da pena, cuja
exposição de motivos ressaltou as finalidades do institutos, as quais subsistem até hoje:
a. Não inutilizar, desde logo, pelo cumprimento da pena, o criminoso primário, não
corrompido e não perverso.
b. Evitar-lhe, com o contágio na prisão, as funestas e conhecidas conseqüências desse grave
mal
c. Diminuir o índice da reincidência, pelo receio que se torne efetiva a primeira condenação;

11.35. Aponte semelhanças e diferença entre a suspensão condicional da pena e a do proceso?


Ambos institutos visam a evitar o encarceramento. Além disso, nos dois casos, são impostas
condições que deverão ser cumpridas pelo réu.
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Na suspensão condicional do processo, o Brasil adotou o sistema do “probation of first offenders


act”, no qual o juiz determina a suspensão da ação penal com determinadas condições. Se o agente
não cumpre estas condições, é reiniciada a ação penal.
Já na suspensão condicional da penal, adotamos o sistema franco-belga, no qual o acusado é
processado normalmente e, se condenado, é fixada a pena. No entanto, o juiz suspende a execução
da pena, impondo determinadas condições. Se o apenado não as cumprir, deverá cumprir
integralmente a sanção penal.
O momento da concessão do susris da pena é após a sentença condenatória, enquanto a do processo
é anterior. Assim, apesar de ter recebido o sursis da pena, a condenação, nesta hipótese, será levada
em consideração para fins de reincidência.

11.36. Qual a natureza do sursis da pena? Quais os requisitos para sua concessão?
O entendimento dominante afirma que o sursis da pena tem natureza de política criminal. No
entanto, há quem afirme que se trata de direito público subjetivo do condenado. Terceira corrente
afirma que, ainda que não prevista no art. 32 do CP, trata-se de espécie de pena.
Para sua concessão, o condenado deve preencher requisitos objetivos e subjetivos:
-REQUISITOS OBJETIVOS:
a. natureza da pena: PPL. Não se aplica à medida de segurança;
b. Quantidade da PPL: em regra, não pode ser superior a 2 anos. No entanto, no caso de sursis
etário (condenado com mais de 70 anos) e no humanitário (condenado com problemas de saúde), a
pena pode ser igual ou inferior a quatro anos. Ainda, há previsão na Lei de Crimes ambientais, de
que, para estes crimes, o sursis pode ser concedido quando a pena fixada for igual ou inferior a 03
anos.
c. Não ter havido conversão da PPL em PRD (pena restritiva de direito).

-REQUISITOS SUBJETIVOS:
a. Réu não reincidente em crime doloso, exceto se a condenação anterior for exclusiva à pena de
multa.
b. A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os
motivos e circunstâncias do crime, autorizarem a concessão.

11.37. Quais as modalidades de suspensão condicional da pena?


a. Sursis simples: condenado que, injustificadamente, não houver reparado o dano e/ou não possuir
as circunstâncias do art. 59 favoráveis a si. Neste caso, no primeiro ano, deverá prestar serviços à
comunidade ou submeter-se à limitação de fim de semana.
b. Sursis especial: condenado que reparou o dano e possui as circunstâncias do art. 59 favoráveis a
si. Em regra, neste caso, não prestará serviços à comunidade nem se submeterá à limitação de fim
de semana, podendo o juiz substituir estas exigências por outras cumulativas: proibição de
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freqüentar determinados lugares e de se ausentar da comarca onde reside, sem autorização do juiz,
comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas
atividades.

11.38. Há diferenças na revogação do sursis da pena e na do livramento condicional?


Ambos possuem causas de revogação obrigatória e facultativa, devendo, em regra, haver a prévia
oitiva do réu antes da revogação.
As causas de revogação obrigatória, no sursis da pena, são: a) superveniência de condenação
irrecorrível pela prática de crime doloso; b) não reparação do dano sem motivo justificado; c)
descumprimento de qualquer das condições do sursis simples.
No livramento condicional, por sua vez, a condenação irrecorrível à pena privativa de liberdade por
crime praticado antes ou durante o benefício é a causa de revogação obrigatória.
Quanto às causas de revogação facultativa, para o sursis da pena, são as seguintes: a)
superveniência de condenação irrecorrível pela prática de contravenção penal ou de crime culposo,
exceto se imposta apenas a pena de multa; b) descumprimento das condições legais do sursis
especial; c) descumprimento de qualquer condição judicial.
Por fim, a revogação é facultativa no livramento condicional nos seguintes casos: a) condenação
irrecorrível por crime ou contravenção penal à pena não privativa de liberdade; e b)
descumprimento das condições impostas.

11.39. É possível a revogação do benefício (sursis da pena) após o período de prova?


Há duas posições.
1ª Posição: É possível a revogação do sursis da pena na hipótese de ser descoberta uma condenação
transitada em julgado pela prática de crime doloso durante o curso de seu prazo. Isso porque,
conforme jurisprudência do STJ, o período de provas fica automaticamente prorrogado quando o
beneficiário está sendo processado por outro crime ou contravenção.
2ª Posição:Não é possível, pois se trata de sentença meramente declaratória, estando a PPL
automaticamente extinta com o término do período de prova.

11.40. O que é cassação do sursis?


É quando o benefício fica sem efeito antes do início do período de prova. Pode ocorrer em quatro
hipóteses:
a. Condenado não comparece, injustificadamente, à audiência admonitória;
b. Condenado renuncia ao benefício
c. Réu é irrecorrivelmente condenado à PPL não suspensa antes do período de prova;
d. A PPL é majorada, em grau de recurso, a patamar que não permite a concessão do benefício.
97

11.41. O que é SURSIS coetâneo?


São sursis simultâneos, cumpridos ao mesmo tempo. Se o réu, por exemplo, durante o período de
provas, é condenado irrecorrivelmente por crime culposo ou contravenção a pena inferior a dois
anos, pode ser concedido novo sursis, que será cumprido simultaneamente ao primeiro.

11.42. É possível a concessão de sursis da pena, no caso de prática de crime hediondo ou


equiparado?
Há duas posições. A posição dominante é no sentido de que não seria possível, pois o benefício não
se coadunaria com a gravidade do delito.
Porém, há decisão do STF, admitindo a possibilidade, sob o argumento de que o juiz não poderia
criar restrições não previstas em lei, em face da inadmissibilidade de analogia in malam partem.

11.43. É possível a incidência de indulto em caso de condenado beneficiado pela suspensão


condicional da pena?
Há duas posições. A primeira afirma ser possível, pois o indulto se destina a condenados ao
cumprimento de PPL e o sursis nada mais seria do que uma forma diferenciada de execução da
pena.
A segunda corrente nega a possibilidade, pois o indulto se destina a condenados que se encontram
privados de liberdade.

11.44. Considerando ao quantum exigido para a concessão do livramento condicional, como


pode ser classificado esse benefício?
a. Livramento condicional simples: condenado não reincidente em crime dolos e com bons
antecedentes. Basta o cumprimento de mais de um terço da pena.
b. livramento condicional qualificado: condenado reincidente em crime doloso. O apenado deve
cumprir mais da metade das penas unificadas.
c. Livramento condicional específico: condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado.
Exige-se o cumprimento de mais de 2/3 da pena.

11.45. E se o apenado for reincidente em crime culposo, qual o quantum de cumprimento da


pena é exigido? E no caso de maus antecedentes?
Em ambos, existem dois posicionamentos.
O primeiro afirma que deve ser aplicar a regra do livramento simples, uma vez que, ante a ausência
de previsão expressa, deve ser concedido o tratamento mais favorável ao apenado. É a posição do
STJ, no que se refere à condenado primário de maus antecedentes.
A segunda posição afirma que, como os casos não se amoldam aos requisitos do livramento
simples, deverão seguir o regramento do livramento condicionado.
98

11.46. Quais são os requisitos subjetivos para a concessão de livramento condicional?


a. Comportamento satisfatório durante a execução da pena: este requisito deve ser comprovado pelo
diretor do estabelecimento. Atentar para a Súmula 441 do STJ, que dispõe que a falta grave não
interrompe o prazo para a obtenção do livramento condicional.
b. Bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído. O preso não é forçado a trabalhar, mas se não
o fizer, o benefício lhe é vedado.
c. Aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto. Não se exige emprego
certo e garantido, apenas aptidão para atividade laboral.
d. No caso de condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, as
condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinqüir.
Esse critério é criticado, pois aqui se faz um juízo de prognose, direcionado para o futuro.

11.47. Ainda persiste em nosso ordenamento jurídico a exigência de parecer do Conselho


Penitenciário para a concessão do livramento condicional?
Novamente, existem duas posições.
A primeira refere ser necessário pois, embora a Lei 10.793 tenha retirado do Conselho Penitenciário
o encargo de emitir tal parecer, remanesce no art. 131 da LEP a necessidade desta manifestação
para a concessão do benefício.
A segunda posição, majoritária nos Tribunais, afirma que o parecer é dispensável, podendo o juiz da
execução decidir sobre o benefício sem prévia manifestação do Conselho Penitenciário. No entanto,
deve ser ressaltado que o parecer não foi extirpado, ficando a cargo do juiz, quando entender
necessário, determinar, de forma fundamentada, sua realização.

11.48. Quais as conseqüências no caso de o egresso cometer, durante o período de prova,


crime doloso?
Em primeiro lugar, o curso do livramento condicional ficará suspenso, aguardando-se a condenação
definitiva para a revogação do benefício.
Após a condenação definitiva e a conseqüente revogação, o apenado volta a cumprir na íntegra o
restante da pena, não aproveitando o período em que esteve solto, diferentemente do que ocorre no
caso de o crime cuja condenação transitou em julgado tenha sido praticado antes do início de
benefício.
Não será possível a concessão de novo livramento condicional em relação à mesma pena. Também
não poderá somar o restante da pena cominada à nova penam para fins de concessão de novo
livramento condicional.
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11.49. Em caso de crime cometido na vigência do benefício a prorrogação do período de


provas depende da manifestação do juiz?
1ª Posição: Não. A prorrogação é automática, bastando o recebimento da denúncia ou da queixa. É
o entendimento majoritário na doutrina.
2ª Posição: Sim, devendo a prorrogação ser determinada por decisão expressa e fundamentada. É o
entendimento do STF e o majoritário no STJ.
Ressalte-se que ambas posições servem para a hipótese de prática de novo delito durante o período
de provas. Se a prática for anterior, é possível o desconto na pena do tempo que o réu esteve em
liberdade, tornando-se inútil a prorrogação do período de provas, uma vez que a pena já estaria
integralmente cumprida.
Assim, o STF entende que está extinta a pena privativa de liberdade com o término do período do
livramento condicional, se não houve expressamente a sua revogação nem a suspensão cautelar do
benefício por decisão judicial.

11.50. O que significa livramento condicional insubsistente?


É aquele em que o condenado foge do estabelecimento prisional após a sua concessão, mas antes da
aceitação das condições.

11.51. O que é livramento condicional humanitário? Há previsão no Brasil? E livramento


condicional cautelar?
É o livramento concedido a condenado que ainda não cumpriu o quantum da pena exigido, em
virtude de enfermidade grave e incurável. Essa espécie não é prevista em nosso ordenamento, razão
pela qual não é possível sua concessão.
Da mesma forma, o livramento condicional cautelar também não é aceito. Ele ocorreria em duas
hipóteses: a) em substituição ao regime aberto, visando evitar a inócua prisão domiciliar, em face da
inexistência de casa de albergado; b) nos casos em que o apenado preenche os requisitos objetivos,
mas o juiz ainda aguarda parecer do conselho penitenciário.

11.52. É possível a concessão de livramento condicional para estrangeiro que se encontra de


passagem no território nacional?
1ª Posição: Não é possível, pois o estrangeiro não tem endereço certo nem visto permanente no
Brasil. Por ser mero visitante, não atenderia as condições impostas.
Essa posição é a dominante, principalmente pelo fato de ser vedado ao estrangeiro com
permanência irregular ou visto temporário o exercício de atividade honesta e remunerada
2ª Posição: é possível, com base no art. 5º, caput. Esse entendimento é adotado pelo STJ, que
entende ser possível a concessão de livramento condicional ao estrangeiro, desde que não tenha
processo ou decreto de expulsão contra si.
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11.53. Quais as diferenças entre pena e medida de segurança?


A medida de segurança é sanção penal com finalidade exclusivamente preventiva, de caráter
terapêutico, destinada a tratar inimputáveis e semi-imputáveis que demonstrem periculosidade. Já a
pena possui finalidade eclética, sendo tanto preventiva quanto retributiva.
As penas são aplicadas por período determinado, guardando proporcionalidade com a reprovação
do delito. Já as medidas tem limite mínimo, mas são indeterminadas quanto ao limite máximo. A
jurisprudência do STF, no entanto, afirma que se deve observar o limite de 30 anos, uma vez que a
CRFB não admite penas perpétuas. Por sua vez, o STJ, em interpretação mais benéfica ao réu,
afirma que o limite é o máximo cominado em abstrato para o delito, sob pena de se tratar com mais
severidade o inimputável.
As penas têm como pressuposto a culpabilidade, enquanto a medida de segurança pressupõe a
periculosidade do agente.

11.54. Quanto à responsabilização do semi-imputável, qual o sistema adotado pelo Brasil?


Atualmente, adotamos o sistema vicariante ou unitário, pois ao semi-imputável será aplicada a pena
reduzida de um a dois terços ou medida de segurança, conforme seja mais adequado ao caso
concreto.
Antes da reforma da parte geral em 1984, imperava o sistema duplo binário, também conhecido
como duplo trilho ou dupla via, pelo qual o semi-imputável com periculosidade cumpria
primeiramente a pena fixada e, após, se subsistisse a periculosidade, era submetido a medida de
segurança.

11.55. Quais as espécies de Medida de Segurança?


a. Detentiva: internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. É prevista para o caso de
prática de crime punido com reclusão, obrigatoriamente, ou detenção.
b. Restritiva: sujeição ao tratamento ambulatorial. É previsto para os casos de delito ao qual é
cominada a pena de detenção.
Esse rigor estabelecido pelo CP é criticado por estabelecer um modelo padrão para as medidas de
segurança, levando à internação diversas pessoas que poderiam ser tratadas de forma mais branda.
Ainda, trataria de forma mais gravosa o inimputável. Por essa razão, tanto o STF quanto o STJ vêm
mitigando a obrigatoriedade de internação em caso de cometimento de crime apenado com reclusão.

11.56. É possível a desinternação progressiva?


Não há previsão no CP, que apenas prevê a conversão do tratamento ambulatorial para a internação,
em qualquer fase do tratamento.
No entanto, considerando que a medida de segurança não possui a finalidade retributiva, a
desinternação progressiva vem sendo admitida pelos Tribunais. O inimputável e o semi-imputável
possuem o direito à progressividade de seu tratamento, em observância à individualização na
execução da sanção (art. 5º, XLVI da CRFB).
101

11.57. É possível a conversão da pena em medida de segurança?


Sim, se no curso da execução da pena sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, de
caráter permanente. A conversão necessita, portanto, perícia médica.
A posição do STJ é no sentido de que a medida de segurança, neste caso, terá igual duração ao
restante da pena privativa de liberdade anteriormente cominada, sob pena de afronta à coisa julgada.
Conforme Antônio Carlos da Ponte “Isso significa que a medida de segurança será estabelecida
por um prazo mínimo, de um a três anos, sem, contudo, que seu prazo máximo ultrapasse aquele
correspondente à pena substituída, sob pena de ofensa a coisa julgada, uma vez que a
superveniência de doença mental não tem o condão de retroagir seus efeitos, de modo a alterar o
que ficou decidido e transitou em julgado. Do contrário, estar-se-ia, de modo indireto, impondo-se
ao sentenciado o cumprimento correspondente a somatório da pena e da medida de segurança,
possibilidade definitivamente afastada pelo sistema vicariante”.
102

12. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. EFEITOS DA CONDENAÇÃO. REABILITAÇÃO


AUTOR: LANA MACHADO
MATERIAL DE CONSULTA: CURSO DE DIREITO PENAL - PARTE GERAL – ROGÉRIO GRECO (2014), CURSO DE DIREITO
PENAL BRASILEIRO - V.1 LUIZ REGIS PRADO – REVISÕES E APOSTILAS DE D. PENAL ROGÉRIO SANCHES

12.1. Extinção da Punibilidade:


O Art. 107 do Código Penal elencou as causas de extinção da punibilidade.
Podemos dizer que extinção da punibilidade trata-se de conseqüência que afasta a pretensão
punitiva do Estado, não interferindo na infração penal em si, mas sim na impossibilidade do
exercício de seu direito de punir, ou seja, implicam renúncia do direito subjetivo do Estado.

12.1.1. As causas de extinção da punibilidade se esgotam na previsão legal do Art. 107 do CP?
O rol do Art. 107 do CP é exemplificativo, pois que, em outras de suas passagens também há
previsão de fatos que possuem a mesma natureza jurídica, por exemplo: Art. 312, §2º do CP
(peculato culposo), Art. 89 §5º da Lei 9.099/95, Art. 28 da Lei 9.605/98 (laudo de constatação de
reparação de dano ambiental).

12.1.2. Qual a relação entre extinção de punibilidade e crimes conexos?


O Art. 108 do CP expressa que nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não
impede a exasperação da pena do outro crime em razão da conexão. Vale destacar que a extinção da
punibilidade do crime não se estende ao crime que dele depende, a saber: Se o agente furta um
automóvel, repassando a outro agente, caso ocorra uma eventual extinção de punibilidade do furto
não atingirá a receptação.
De igual modo não se estende a extinção da punibilidade a elemento componente de um crime,
posto que, o dispositivo cuida dos crimes complexos, em que um crime funciona como elementar de
outro. Exemplo: extorsão mediante seqüestro- Art. 159 do CP.
Obs.: A extinção da punibilidade de circunstância agravante não se estende ao crime agravado.

(Cespe – Defensor Público- ES/2009 - Adaptado) Acerca das ações penais públicas e privada e da
extinção da punibilidade, julgue o item a seguir.
Considere a seguinte situação hipotética. Carlos comprou um notebook de Délcio, ciente de que o
bem tinha sido objeto de furto praticado por Délcio. Nessa situação, se ocorrer a prescrição da
pretensão punitiva do crime de furto, Carlos não poderá ser acusado de receptação, ainda que não
prescrito este crime.
R: Errada. Conforme dispõe o Art. 108 do CP, a extinção da punibilidade de crime que é
pressuposto de outro não se estende a este. É precisamente a ligação entre o furto e a receptação, em
que a prescrição relativa à subtração não provoca qualquer efeito semelhante em relação à aquisição
do produto do crime anterior.
103

12.1.3. Momento:
A extinção da punibilidade pode ocorrer antes e depois do trânsito em julgado da sentença
condenatória, verificando-se então a extinção do título penal executório (jus punitionis), como na
hipótese do indulto. O Art. 61 do CPP determina que “em qualquer fase do processo, o juiz, poderá
reconhecer extinta a punibilidade (declarar de ofício). Contudo, a declaração só pode ocorrer após o
início da ação penal, quando já se pode falar em processo.

12.1.4. Pode haver declaração da extinção a punibilidade em fase de inquérito policial?


A princípio a declaração da extinção da punibilidade somente poderá ocorrer nos autos de um
processo penal. Portanto, em sede de inquérito policial não poderá ser reconhecida de imediato pelo
juiz sem prévia oitiva do Ministério Público, determinar o seu arquivamento. Tendo em vista que o
nosso sistema não acolhe a revisão criminal em detrimento do acusado (Art. 626, parágrafo único
do CPP), caso seja transitada em julgado uma sentença declaratória da extinção da punibilidade e
posteriormente é comprovada que a certidão de óbito era falsa. Por isso, ao receber os autos de
inquérito policial, o juiz abrirá vista ao MP, que verificará a certidão de óbito, pugnará pelo seu
arquivamento (sem extinguir a punibilidade), pois caso constate a falsidade do documento o
inquérito poderá ser reaberto , permitindo-se ao MP formar sua opinio delicti.
 Há 2 correntes:
- 1º Corrente (doutrinária): Declarada extinta a punibilidade, se após tomadas todas as providências
o juiz descobrir a falsidade da certidão de óbito não poderá ser retomado o processo porque não
existe em nosso direito revisão pro societate.
- 2ª Corrente (jurisprudência STF e STJ): O processo retoma seu curso, se não houver ocorrido
prescrição. Se não houve morte, estava ausente o pressuposto de extinção da punibilidade, não
podendo haver coisa julgada. A decisão de extinção da punibilidade é apenas interlocutória, não
gerando coisa julgada material. Além de não fazer coisa julgada em sentido estrito, já que o acusado
estaria se beneficiando de conduta ilícita, fundou-se em fato juridicamente inexistente, não
produzindo qualquer efeito.

12.1.5. Anistia, graça, indulto


12.1.6. Anistia: Clemência soberana ou “Indulgencia principis”. Significa o "esquecimento"
jurídico de crimes pelo Estado. Tem por objeto fatos (crimes) e não pessoas. É concedida por meio
de lei do Congresso Nacional sujeita a sanção presidencial - art. 21, XVII e 48, VIII, CR/88. Tem
efeitos retroativos (ex tunc) e é irrevogável.
 Anistia Própria - ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
 Anistia Imprópria- ocorre após o trânsito e não atinge os efeitos civis da condenação.
Extingue todos os efeitos penais (inclusive o pressuposto da reincidência), todavia
subsiste a obrigação de indenizar.
 Anistia geral (favorece a todos os que praticaram determinado fato indistintamente).
 Anistia parcial (beneficia somente alguns autores - ex.: somente os não reincidentes).
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Obs.: Também pode ser irrestrita ou limitada conforme abranja todos os delito relacionados ao fato
criminoso principal ou exclua somente alguns deles. A anistia não se aplica aos crimes hediondos e
equiparados (art. 5º, XLIII, CR/88). Em regra, a anistia é concedida a crimes políticos, militares ou
eleitorais, não se destinando aos crimes comuns, porém não há empecilho para que seja concedida a
estes.

12.1.7. Graça e Indulto


São concedidos mediante decreto presidencial ou de pessoa com delegação (ex.: Ministro da
Justiça, AGU ou PGR - art. 84, XII e parágrafo único, CR). A iniciativa pode ser do próprio
condenado, do MP, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa. Extinguem a pena
imposta a uma pessoa (pretensão executória). Não atingem os demais efeitos penais e extrapenais
(reincidência e dever de indenizar).
Graça tem caráter individual, ou seja, dirige-se a um indivíduo determinado condenado
irrecorrivelmente. A LEP chama graça de indulto individual (art. 188, LEP).
Indulto tem caráter coletivo, dirige-se a um grupo indeterminado de condenados e é delimitado pela
natureza do crime e quantidade da pena aplicada.
A comutação (diminuição) de penas equivale a um indulto parcial.
Obs.: A graça e o indulto não se aplicam aos crimes hediondos e equiparados (art. 5º, XLIII, CR/88
e Lei 8072/90).

12.1.8 As normas gerais do Código Penal, no que tange a extinção da punibilidade, são
aplicáveis ao Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA?
Asseverou-se que, em princípio, as normas gerais do Código Penal seriam integralmente aplicáveis
às hipóteses sujeitas ao Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, incluindo-se os dispositivos
referentes à prescrição, haja vista não existirem incompatibilidades entre as medidas
socioeducativas e as normas que preveem a extinção da punibilidade pelo transcurso do lapso
temporal.
Ressaltou-se que o fato de o ECA não ter previsto a prescrição como forma de extinção da
pretensão punitiva e executória não seria motivo suficiente para afastá-la.
No ponto, entendeu-se que a maneira mais adequada de resolver o tema, sem criar tertium genus e
sem ofender o princípio da reserva legal, seria a solução adotada, pelo STJ, no acórdão impugnado:
... considerar a pena máxima cominada ao crime pela norma incriminadora pertinente, combinada
com a redução à metade do prazo prescricional, em virtude da menoridade, prevista no art. 115 do
CP.
Assim, tendo em conta o lapso temporal decorrido, verificou-se que a prescrição não estaria
configurada na espécie.
HC 88788/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.4.2008. (Informativo 503, STF- ECA e Prescrição
Penal).
105

12.2. Efeitos da condenação:


Os efeitos da condenação atingem de modo direto ou indireto o condenado por sentença penal
irrecorrível, ou seja, o réu fica compelido à execução da pena aplicada, tem como efeito principal a
aplicação de pena privativa de liberdade ou restritivas de direito e/ou multa, não afastando outros
efeitos, sejam os efeitos secundários, reflexos ou acessórios, de natureza penal e extrapenal (cível,
administrativo, político, trabalhista).

12.2.1. Que sistema o ordenamento jurídico brasileiro adota entre a responsabilidade penal e
a responsabilidade civil ?
Transitada em julgada a sentença condenatória penal, produzirá determinados efeitos extrapenais
genéricos que tem previsão no Art. 91 do Código Penal, como primeiro efeito tornar certa a
obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. O sistema adotado é o da separação ou
independência entre a responsabilidade civil e penal (Art. 935 do Código Civil), de forma que a
obtenção do ressarcimento do dano eventualmente provocado pelo delito sujeita-se a promoção da
competente ação civil por parte da vítima, conferindo independência e autonomia ao processo
penal.
Cabe ao ofendido optar por aguardar o desfecho da ação penal, posto que, a sentença penal
condenatória irrecorrível tem natureza de título executivo judicial, ou poderá optar por ingressar
com actio civilis ex delicto, tramitando duas ações.
Obs.: Na primeira hipótese uma vez transitada em julgado, poderão promover-lhe a execução no
juízo cível, para efeito da reparação do dano. Cumpre salientar que a sentença penal irrecorrível faz
coisa julgada no cível (Art. 584, II do CPC).

12.2.2. A sentença penal absolutória obsta a propositura da ação civil?


A sentença penal irrecorrível veda que se discuta em outra esfera a materialidade, a autoria, ou a
ilicitude do fato, mas somente o quantum da indenização. O Código de processo penal manifesta a
possibilidade da propositura da ação civil nos casos expressos: Art. 66 do CPP – desde que não
tenha categoricamente reconhecido a inexistência material do fato -, o despacho de arquivamento do
inquérito ou das peças de informação (Art.67, I do CPP), a decisão que julgar extinta a punibilidade
(Art. 67, II do CPP) e a sentença absolutória que decidiu que o fato imputado não constituía crime
(Art. 67, III do CPP).

12.2.3. Qual a principal diferença entre os efeitos secundários extrapenais específicos e


genéricos?
Os efeitos extrapenais específicos, diversamente dos genéricos, não são automáticos e devem, em
razão disso, ser motivados na sentença ( Art. 92, parágrafo único do CP), enquanto o segundo
independe de qualquer declaração expressa do ato decisório. Os específicos atingem uma gama
maior de delitos funcionais.
106

12.2.4. Há distinção entre os efeitos da condenação do inciso I do Art. 92 e a proibição do


exercício de cargo, função, atividade pública ou mandato eletivo?
O efeito específico da condenação que trata o inciso I do art. 92 do CP não se confunde com a
interdição temporária de direito, prevista no art. 47, I do CP, espécie de pena restritiva de direitos
(art.43, V do CP) substitutiva da pena privativa de liberdade nos crimes dolosos (quando não
superior a 4 anos) ou culposos (art.44 do CP); a referida perda, por sua vez, trata-se de efeito
permanente da condenação, já que o condenado, ainda que reabilitado, jamais poderá ocupar o
cargo, função ou mandato anterior.
Obs.: A interpretação do art.92 do CP não permite que a sentença condenatória à pena restritiva de
direitos ou de multa se extraia estes efeitos, já que menciona claramente “pena privativa de
liberdade”. Por outro lado, não impede a perda do cargo público na esfera administrativa
(improbidade), ante a independência das instâncias.

12.2.5. (Cespe - Defensor Público- ES/2009) Julgue o próximo item acerca dos efeitos da
condenação.
A condenação tem como efeito genérico tornar certa a obrigação de reparar o dano. Esse
efeito é automático, não precisa ser expressamente pronunciado pelo juiz na sentença
condenatória e destina-se a formar título executivo judicial para a propositura de ação civil ex
delicto.
R: Certa. Efetivamente, conforme estabelece o art.91 do CP, é efeito genérico da condenação a
obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. A interpretação que lhe é conferida, a contrario
sensu da leitura do art.92, é de que esses efeitos são automáticos, independendo, portanto, de
declaração expressa por ocasião da prolação da sentença.

12.3. Reabilitação:
O instituto da reabilitação tem sua origem remota na restitutio in integrum, clemência soberana
extintiva da pena e restauradora dos direitos- patrimoniais e morais- do condenado, utilizada pelos
romanos no período da República e do Império. Atualmente não tem qualquer alcance prático.
A reabilitação trata-se de medida político-criminal cujo escopo primordial reside a reinserção social
do condenado, garantindo o sigilo de seus antecedentes e suspendendo condicionalmente certos
efeitos específicos da condenação. Está prevista no Art. 93 a 95 do CP .
 Importante efeito da reabilitação: assegurar ao condenado o sigilo dos registros sobre seu
processo e condenação.

12.3.1. Quais são as condições para que seja concedida a reabilitação?


São duas condições:
1º- que ocorra o trânsito em julgado da sentença condenatória, sob pena de carência de ação.
2º- decurso de dois anos d dia em que foi extinta a pena ou terminou sua execução, computados o
período de prova da suspensão e do livramento condicional (art.94, caput, do CP)
107

12.3.2. Cite hipóteses em que não há possibilidades de reabilitação.


Nos casos referidos no Art. 92, I e II do CP, que trata da perda do cargo , função pública e mandato
eletivo. Embora o condenado não possa reabilitar-se para o cargo anteriormente ocupado, nada
impede que possa vir a fazer um outro concurso público.
Nas palavras de Alberto Silva Franco “ocorrendo o efeito da condenação de perda de cargo, função
pública ou mandato eletivo, a reabilitação não tem efeito de reintegrar o interessado na situação
anterior. Assim o reabilitado não é conduzido ao exercício do cargo, função pública ou mandato
perdidos. Serve a reabilitação para afastar qualquer óbice para que o reabilitado se habilite a novo
cargo, função ou mandato eletivo”.

 Caso de utilidade do instituto da reabilitação: inabilitado por sentença condenatória que proibiu
de dirigir veículo, pois que havia utilizado como instrumento para a prática de crime doloso, há
possibilidade de que tenha restaurada sua habilitação.

12.3.3 Requisitos da reabilitação:


a) Domicílio no país no prazo de dois anos após a extinção da pena ou o término de
sua execução (Art.94, I do CP);
b) Demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado
(Art.94,II do CP);
c) Ressarcimento do dano causado pelo crime ou demonstração da absoluta
impossibilidade de fazê-la até o dia do pedido, ou exibição de documento que
comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.( Art.94, III do CP).

13.3.4. Efeitos da reabilitação:


a) Alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao
condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação.
b) Poderá atingir também os efeitos da condenação previstos no Art. 92 do CP,
vedada a reintegração do condenado na situação anterior nos casos dos
incisos I e II.

13.3.5. Qual a medida cabível caso seja indeferido o pedido de reabilitação?


Diz o parágrafo único do Art. 94 do CP que, negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer
tempo, desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos
necessários.
Poderá o condenado interpor recurso de apelação, visto que tal decisão tem força definitiva.
108

13.3.6. Qual a diferença entre o instituto da reabilitação e as causas de extinção da


punibilidade?
Na atualidade, a reabilitação não integra mais o rol das causas extintivas da punibilidade, isto
porque o instituto não extingue, mas suspende alguns efeitos penais da sentença condenatória, visto
que a qualquer tempo, revogada a reabilitação, se restabelece o “statusquoante”, enquanto as causas
extintivas de punibilidade operam efeitos irrevogáveis, fazendo cessar definitivamente a pretensão
punitiva executória.

13.3.7. Aponte as principais diferenças entre os efeitos da reabilitação e o sigilo concedido pelo
Art. 202 da LEP:
Enquanto a reabilitação assegura ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e
condenação, todavia o Art.202 da LEP dispõe que “ cumprida ou extinta a pena, não constarão da
folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da justiça,
qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova
infração penal ou outros casos expressos em lei”. Diversamente da reabilitação, tem-se que o sigilo
é garantido de modo imediato e automático, independente do decurso de qualquer lapso temporal
posterior ou de requisição por parte do condenado. Demais disso, ao contrário do sigilo assegurado
pelo Art. 202 da LEP, o sigilo conferido pela reabilitação, embora mais amplo, não é definitivo
(Art. 95 do CP).

13.3.8 Quando ocorrerá a revogação da reabilitação?


Dá-se nos casos de condenação do reabilitado, como reincidente, por sentença transitada em
julgado, a pena que não seja de multa (Art.95 do CP).
 São dois os requisitos que permitem a revogação da reabilitação:
1º- condenação transitada em julgado posterior deve ser à pena privativa de liberdade;
2º- a condenação deve se dar com o reconhecimento de que o reabilitado é reincidente. O fato pelo
qual o reabilitado será condenado deverá, portanto, ter ocorrido após o trânsito em julgado da
sentença penal que o condenou pelo crime anterior (Art.63 do CP).
109

13. CRIMES CONTRA A PESSOA E CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO


AUTOR: MARCELO ABRAMOVITCH
MATERIAL DE CONSULTA: CEZAR ROBERTO BITENCOURT E CADERNOS (REGULAR + INTENSIVO + EXERCÍCIOS) DA
FESUDEPERJ – PROFESSORA LÚCIA HELENA

Nota: Devido a enorme quantidade de matéria prevista no tema, optei por pinçar algumas questões que
julguei serem mais importantes. No caso, elegi os crimes mais importantes, bem como as controvérsias mais
relevantes que permeiam a matéria.

13.1. É possível se falar em homicídio qualificado privilegiado? Tal delito integra o rol dos
crimes hediondos?
Atualmente, é pacífico na doutrina e na jurisprudência a possibilidade da existência de homicídio
qualificado privilegiado, sem grandes problemas, vez que pode o agente, sob violenta emoção, e,
logo em seguida à injusta provocação da vítima, atear fogo na vítima, por exemplo. O problema
surge quando se fala em conjugação de qualificadora subjetiva com causa de privilégio subjetiva.
Nesse caso, como pode o agente agir por relevante valor moral e, ao mesmo tempo, por motivo
torpe, por exemplo? A doutrina entende ser incompatível. Assim, não seria compatível, de acordo
com a doutrina majoritária, homicídio qualificado privilegiado apenas quando tanto a qualificadora
quanto o privilégio forem de aspecto subjetivo.
A doutrina majoritária entende, ainda, que, por falta de previsão legal, o homicídio qualificado
privilegiado não é crime hediondo. Princípio da legalidade. Neste sentido, HC 43043 MG
2005/0055989-6, Sexta Turma, Relator Hamilton Carvalhido:
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO-
PRIVILEGIADO. PROGRESSÃO DE REGIME. POSSIBILIDADE.
1. O homicídio qualificado-privilegiado não é crime hediondo, não se lhe aplicando
norma que estabelece o regime fechado para o integral cumprimento da pena
privativa de liberdade (Lei nº 8.072/90, artigos 1º e 2º, parágrafo 1º).
2. Ordem concedida

13.2. A ausência de motivo representa qual qualificadora? E o fato de o homicídio ser


premeditado?
A ausência de motivo não foi prevista pelo legislador e, segundo a doutrina, não pode ser
considerada motivo fútil. Assim, matar alguém sem qualquer motivo deve ser considerado
homicídio simples. Apesar das críticas doutrinárias à ausência de dispositivo legal qualificador, o
princípio da reserva legal impede que se considere a ausência de motivo como qualificadora do
crime. Novamente, portanto, deve ser invocado o princípio da legalidade em matéria penal.
Também deve ser observada a ausência de qualificadora referente à “premeditação do crime”, ao
contrário do que a maioria da sociedade pensa. No caso, o crime premeditado serve apenas para
assegurar a existência de dolo direto e incidirá, ainda, nas circunstâncias judicias.
110

13.3. É possível a aplicação do perdão judicial em homicídio culposo em direção de veículo


automotor quando a vítima for amiga íntima do autor?
Rapidamente, é interessante saber que, apesar do veto acerca do perdão judicial ocorrido no CTB,
ele se deu em razão de ser o perdão judicial do Código Penal mais abrangente do que a previsão ali
contida e não com o objetivo de vedar sua concessão. Assim, por se tratar o crime de trânsito aqui
comentado de homicídio culposo especial, aqui se aplica o artigo 121, § 5º, CP, que, expressamente,
traz a previsão de perdão judicial para homicídio culposo, quando “as consequências da infração
atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”.
Quanto ao amigo íntimo, apesar de parte da doutrina e da jurisprudência entenderem inaplicável o
perdão judicial, vez que este somente se aplicaria a cônjuge, ascendente, irmão ou descendente,
devemos defender sua possibilidade, vez que não há tal restrição no dispositivo penal, não podendo
o intérprete assim restringir. Dessa forma, caso a morte de amigo atinja o autor do delito de maneira
extremamente grave, desnecessária se torna a sanção penal. Deve-se avaliar o caso concreto.
De acordo com Guilherme Nucci, “é fundamental observar que a vítima não precisa ser
necessariamente parente do agente, desde que tenha com ele laços profundos e íntimos. Já houve
caso real em que o Judiciário negou o perdão judicial à mãe, que causou a morte da filha,
culposamente, porque ela ‘não sentiu verdadeiramente’ a perda e mostrou-se fria e insensível
durante toda a instrução do processo.”
O perdão judicial tem natureza jurídica de causa de extinção de punibilidade, sendo DIREITO
SUBJETIVO do acusado quando presentes os requisitos legais, não sendo mera discricionariedade
do Juízo.

13.4. Enfermeiro designado a verificar o estado dos pacientes de 6 em 6 horas, em


determinado dia, sai mais cedo do trabalho, deixando de cumprir com sua tarefa no turno da
noite. Ciente disso, um paciente com intenção suicida, se aproveita da situação e retira o
respirador artificial que lhe mantinha vivo. No dia seguinte, o enfermeiro verifica o estado de
saúde do paciente, que apesar de ter se agravado muito não gerou qualquer lesão grave, vindo
a se estabilizar posteriormente. Deve o enfermeiro responder pelo crime de “induzimento,
instigação ou auxílio a suicídio previsto no artigo 122 do CP”?
Sei que o estilo da pergunta, com caso concreto com algum grau de complexidade, não é estilo de
prova oral. Mas montei a questão para trabalharmos algumas características do tipo importantes
para a defesa.
Não deve o enfermeiro responder pelo crime por três razões:
a) Apesar da divergência doutrinária, sustentamos a impossibilidade de o crime, ainda que na
modalidade de prestação de auxílio, ser realizado na forma de omissão, mesmo em se
tratando de omissão imprópria, já que o enfermeiro seria garantidor (Euclides Custódio da
Silveira, Frederico Marques, Bento de Faria, Damásio de Jesus). A posição majoritária
(Nelson Hungria, Cezar Roberto Bittencourt, Greco, Luis Regis Prado, Aníbal Bruno,
Fragoso, Nucci), contudo, defende a possibilidade de omissão imprópria nesse caso;
111

b) O tipo penal não comporta a modalidade culposa. Assim, ainda que houvesse a possibilidade
de omissão imprópria, nesse caso, não haveria a possiblidade de o enfermeiro responder
pelo crime culposo, já que não houve dolo em sua conduta omissiva. O crime culposo deve
ser expresso - artigo 19, CP;
c) Por fim, ainda, que pudesse se falar em conduta típica, a tipicidade restaria afastada por
força do preceito secundário, que apenas admite a responsabilidade penal quando houver, ao
menos, lesão grave, o que não ocorreu na hipótese. Novamente, há divergência doutrinária
acerca da natureza jurídica natureza jurídica da morte e das lesões corporais de natureza
grave, exigidas na pena (preceito secundário do tipo). A corrente majoritária afirma que
seria condição objetiva de punibilidade, mas ficamos com Cezar Roberto Bittencourt, que
afirma integrar o próprio tipo penal.

13.5. Maria, em estado puerperal, pega bebê desconhecido no berçário pensando se tratar de
seu filho. Pede ajuda a uma amiga para segurar o bebê enquanto o sufoca. Maria responde
pelo quê? E a amiga?
Maria agiu em erro sobre a pessoa (art. 20, § 3º, CP). Assim, deve responder por infanticídio, vez
que pensou que a vítima fosse o próprio filho, amoldando-se, assim, ao tipo penal previsto no artigo
123 do Código Penal – infanticídio -, não podendo responder por homicídio, vez que sua conduta
foi especial em relação a este crime.
Já a amiga deve responder como partícipe também em relação ao crime de infanticídio, por força da
teoria monista adotada pelo Código Penal no artigo 29. Além disso, como matar o próprio filho sob
a influência de estado puerperal é circunstância pessoal ELEMENTAR do crime, deve se comunicar
com o partícipe. Pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência. A divergência se dá no caso de
o autor do crime ser o terceiro e a mãe ser apenas a partícipe, o que não foi objeto de
questionamento.

13.6. Qual a natureza jurídica do aborto necessário? E do aborto humanitário?


Em relação ao aborto necessário, terapêutico ou profilático, a doutrina entende se tratar de causa
excludente de ilicitude, por ser espécie de estado de necessidade. No caso do art. 128, então, a lei
permite o sacrifício pelo médico do bem jurídico “vida do feto” para salvar o bem jurídico “vida da
gestante”. É, portanto, uma hipótese de estado de necessidade com previsão especial na parte
especial do Código Penal.
Não é necessário o consentimento da gestante. Se há risco de morte para a gestante, essa não precisa
consentir com a prática do aborto pelo médico, que estará no estrito cumprimento de dever legal
(garantidor). A conduta do médico não pode sequer ser considerada um constrangimento ilegal, por
previsão expressa do art. 146, §3º, I, CP.
A lei exige que o aborto, nesse caso, seja praticado por médico. Não havendo médico no
estabelecimento, a conduta poderá ser realizada por enfermeira ou parteira, mas a sua conduta estará
amparada pelo art. 24, CP, e não pelo art. 128, I, CP. Se o terceiro realiza o aborto, trata-se de
hipótese de estado de necessidade de terceiro.
112

Em relação ao aborto humanitário, ético ou sentimental, temos duas correntes: a primeira corrente,
majoritária, diz que o médico age amparado por uma exclusão de ilicitude, vez que o próprio
Código Penal afirma que a conduta, apesar de típica, não será punida nesses casos (Cezar Roberto
Bitencourt, Hungria, Fragoso). Já a segunda corrente, minoritária, diz que o medico age amparado
pela inexigibilidade de conduta diversa, sendo, neste caso, causa supralegal de excludente de
culpabilidade (Rogério Greco).
O terceiro também pode ser amparado por excludente de culpabilidade, por inexigibilidade de
conduta diversa.
No aborto sentimental, é necessário o consentimento da gestante, mas não a autorização judicial.
- Ainda em relação ao crime de aborto, é importante saber que nenhum dos tipos penais admite a
modalidade culposa e que traz exceção expressa à teoria monista no caso de aborto com
consentimento da gestante, respondendo a gestante pelo artigo 124 e o terceiro pelo artigo 126.

13.7. É possível a aplicação do princípio da insignificância no crime de lesão corporal


A doutrina e a jurisprudência pacificaram o entendimento de que o princípio da insignificância
incide nos casos de lesões corporais, quando não atingirem de forma significante a saúde ou
integridade corporal de outrem. É a chamada lesão corporal insignificante. No Código Penal
Militar, inclusive, há a previsão expressa da possibilidade de o juiz não aplicar sanção penal no caso
de lesão levíssima.

13.8. A transmissão dolosa do vírus da AIDS constitui crime previsto no ordenamento jurídico
brasileiro? Qual?
Surgem quatro posições na doutrina:
(i) Esta hipótese configura homicídio tentado ou consumado, pois a AIDS é uma doença mortal,
sem cura. Rogério Greco.
(ii) Esta questão pode configurar uma das condutas previstas nos arts. 131 (perigo de contágio de
moléstia grave); 129, §2º (lesão corporal de natureza grave); e 121 (homicídio simples). Tudo a
depender do dolo do agente. Luis Regis Prado.
(iii) A depender do dolo do agente, pode configurar o crime dos arts. 131; 129, §3º (lesão corporal
seguida de morte); e 121. Cezar Bitencourt
(iv) Configura lesão corporal grave qualificada pela enfermidade incurável (129, §2º, II). Mirabete.
Na jurisprudência, a questão é igualmente controvertida. Há decisões mais antigas do STJ (HC
9378- 1999) no sentido de que se o agente portador do vírus sabia que era portador e tem o dolo de
transmiti-lo, a conduta deve ser configurada como tentativa de homicídio. O STF, no Informativo
584, julgou o HC 98712 (Rel. Marco Aurélio) entendendo que configuraria a prática do art. 131,
CP. Há decisões mais recentes do STJ, no entanto, entendendo ser lesão corporal gravíssima que
resulte enfermidade incurável.
113

Para a defesa, o melhor entendimento é o de que configura o crime de perigo de contágio de


moléstia grave. Pacífico que a conduta não se amolda ao artigo 130 do CP por não ser a AIDS
doença venérea.

13.9. Caio, sujeito distraído, estava andando na rua olhando para o celular quando, sem
querer, esbarrou em uma grávida. A mulher cai no chão por conta do “esbarrão” e, em
seguida, vem a abortar. Qual crime cometido por Caio?
Lesão corporal culposa. Na lesão corporal culposa, não deve se aferir se a lesão foi de natureza
grave (129, § 1º, CP) ou “gravíssima” (129, § 2º). Apesar de, em tese, a lesão corporal em que
resulta o aborto se tratar de lesão “gravíssima”, é evidente que a conduta ora apresentada não foi
resultante de dolo, mas de culpa, vez que presente a inobservância do dever objetivo de cuidado, na
modalidade “imprudência”, além da previsibilidade objetiva da conduta. Sendo assim, o crime é de
lesão corporal culposa (129, § 6º), sem o agravamento por conta do resultado.

13.10. Em caso de estupro, quando o agente contamina a vítima com doença venérea responde
pelo quê?
Antigamente, respondia pelo art. 213 (estupro) c\c art. 130 (perigo de contágio venéreo). Entretanto,
a Lei 12.015 trouxe o art. 234-A ao CP. Assim, caso o agente transmita a moléstia venérea responde
pelo art. 213, c/c 234-A, IV. Caso não haja contaminação, mas apenas exposição a perigo, aí sim,
responde o agente pelo art. 213 c/c 130.

13.11. Os crimes contra a honra tutelam a honra objetiva ou subjetiva?


Os crimes de calúnia e difamação tutelam a honra objetiva, enquanto a injúria tutela a honra
subjetiva.
Honra objetiva é a “imagem” perante a sociedade, o que ela pensa a respeito da pessoa. Para que
haja consumação desses crimes, deve a calúnia ou a difamação chegar ao conhecimento de
terceiros.
Honra subjetiva é a “imagem” perante si mesmo. Ofensa à dignidade e o decoro pessoal. Na injúria,
a consumação se dá com o conhecimento da vítima.

13.12. Qual a diferença entre injúria racial e o crime de racismo?


São crimes que não se confundem, apesar de o nome ser similar.
Na injúria racial, o crime é espécie de injúria. É dizer: deve haver ofensa à honra subjetiva, que
afronte a dignidade ou decoro pessoal, com a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia,
religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Está prevista no artigo
140, § 3º, CP. Ou seja, a ofensa é pessoal, por meio de palavras, gestos ou ofensa física, caso se
trate de injúria real. Há a atribuição de qualidades negativas ao ofendido, referentes aos elementos
acima mencionados.
114

Já os crimes de racismo vêm previstos na Lei 7.716/89. Deve haver afronta à “raça”, cor, religião,
etnia ou procedência nacional como um todo e não à pessoa individualmente considerada. As
condutas previstas consistem em privação de acesso a emprego, escola, transportes públicos,
estabelecimento comercial, hospedagem, restaurantes e demais estabelecimentos, justamente por
conta de preconceito a todo o grupo a que pertence o indivíduo. É dizer: todo o grupo sofre a
discriminação por conta da discriminação realizada pelo agente.

13.13. Pode a pessoa jurídica ser sujeito passivo do crime de calúnia?


Para a Defensoria não! O raciocínio é simples. Para nós da Defensoria, a pessoa jurídica não pode
cometer crime (não entrarei nesse mérito porque foge do meu tema, já extenso, mas é uma questão
que pode vir facilmente em prova oral, pedindo os argumentos da defesa da pessoa jurídica). Dessa
forma, como no crime de calúnia deve haver a atribuição de fato criminoso ao ofendido e a pessoa
jurídica não comete crime algum, assim conclui-se que a pessoa jurídica não pode ser sujeito
passivo do crime de calúnia, não havendo que se falar aqui em honra objetiva da pessoa jurídica
nesse tipo penal, ao contrário da difamação, que não enseja que o fato seja criminoso.
Já para a doutrina que entende que pode a pessoa jurídica praticar crime, ela poderia ser vítima de
calúnia, sem maiores problemas.
- Ainda em relação aos Crimes Contra a Honra, importante dominar a chamada “exceção da
verdade”, admitida na calúnia como regra, na difamação como exceção e inadmitida na injúria. Não
será objeto de questão por falta de espaço, mas vale a pena dar uma olhada no próprio Código
Penal.

13.14. Carla deixa seu e-mail aberto no computador em que trabalha e sai para almoçar.
Durante seu horário de almoço, Mário, enxerido, entra em seu e-mail e encontra diversas
mensagens de cunho sexual que seu namorado lhe enviava. Imediatamente, Mário salva as
mensagens em seu pen-drive. Posteriormente, já em casa, divulga as mensagens para todos os
colegas de trabalho. Qual crime Mário cometeu?
Mário não cometeu nenhum crime. Trata-se de conduta atípica.
Orienta a moderna doutrina que o novo artigo 154-A apenas tipifica a conduta daquele que invade
dispositivo informático alheio MEDIANTE VIOLAÇÃO DE MECANISMO DE SEGURANÇA.
No caso, não havia qualquer proteção ou mecanismo de segurança, tendo, inclusive, a suposta
vítima deixado sua caixa de e-mails aberta, não enquadrando a conduta de Mário no novo tipo
penal.
Em que pese a enorme reprovabilidade da conduta, não há ainda tipo penal que proíba a conduta de
divulgar mensagens, vídeos ou imagens de cunho sexual para terceiros por meio da rede de
computadores ou por meio de celulares. O único crime atualmente existente é o de invadir
dispositivo informático com mecanismo de segurança para obter tais imagens, vídeos ou
mensagens. O ato de divulgar, por exemplo, é, ainda, atípico.
Importante lembrar que a resposta seria diferente caso a vítima tivesse menos de 18 anos, vez que o
ECA tipifica a conduta em seu artigo 241-A, inserido pela Lei 11.829/2008.
115

13.15. Pode o proprietário ser sujeito ativo do crime de furto contra o possuidor?
Divergência doutrinária. Três correntes se apresentam:
1. Magalhães de Noronha afirma que sim, vez que seria infração de natureza patrimonial, agindo o
proprietário injustamente contra quem legitimamente possua a coisa, ainda que de propriedade do
agente.
2. Nelson Hungria, Damásio de Jesus e Heleno Fragoso afirmam que não, vez que se trata de coisa
própria. Segundo os autores, o crime seria o descrito no artigo 346, CP – exercício arbitrário das
próprias razões.
3. Cezar Roberto Bittencourt afirma que não, mas, ao contrário dos autores acima elencados,
entende não ser o crime do art. 346, CP, vez que este está inserto nos crimes contra a administração
da justiça, e não seria legítima a pretensão do proprietário que injustamente subtraia a coisa do
possuidor. Afirma que, em que pese a reprovabilidade da conduta, o legislador não a contemplou.
Dessa forma, a conduta seria atípica. POSIÇÃO MAIS FAVORÁVEL À DEFESA.

13.16.Em que momento o crime de furto se consuma?


Existem quatro posições diferentes sobre o assunto. Colo, aqui, quadro do site “Dizer o Direito”:
Contrectatio Amotio Ablatio Ilatio
(apprehensio)
Para que o crime se O crime se Consuma-se Para que o crime se
consuma basta o consuma quando a quando o agente consuma, é
agente tocar na coisa subtraída consegue levar a necessário que a
coisa. passa para o poder coisa, tirando-a da coisa seja levada
do agente, mesmo esfera patrimonial para o local
que não haja posse do proprietário. desejado pelo
mansa e pacífica e agente e mantida a
mesmo que a posse salvo.
dure curto espaço
de tempo.
Não é necessário
que o bem saia da
esfera patrimonial
da vítima.

O STJ adotou a teoria da amotio, afirmando que, para a consumação do furto, basta que haja a
apreensão da coisa por parte do agente, ainda que não haja a posse mansa e pacífica e a vítima
mantenha a coisa sob sua vigilância.
É uma das grandes brigas da Defensoria Pública. Como o entendimento do STJ não vincula,
devemos continuar sustentando que a interpretação que mais está em consonância com a
Constituição é a que aplica a teoria da ablatio. Deve haver a subtração + detenção  não basta
retirar o bem, deve deslocá-lo para outro lugar por tempo relevante.
116

13.17. Mateus subtraiu o carro de José, tendo ido à comarca contígua para uma audiência no
Fórum. Após a referida audiência, devolveu o carro no mesmo lugar, sem quaisquer danos ao
veículo. O proprietário percebeu o sumiço temporário do veículo e constatou que o tanque de
gasolina, que se encontrava cheio, agora está vazio. Mateus cometeu crime?
No crime de furto, deve haver o fim de assenhorear-se da coisa para si ou para outrem. Tal
observação é importante quando avaliamos o furto de uso. Como não há o fim de apoderar-se da
coisa, a conduta é atípica! A doutrina, entretanto, alerta que, para que a conduta seja atípica, deve
haver a pretensão de devolução do bem, e a coisa deve ser efetivamente devolvida, sem que haja
qualquer prejuízo ao lesado. A existência de prejuízo ao lesado implica na caracterização do furto
como crime. Nesse caso, o agente deve o MP provar que o agente devolveu o bem em pior estado.
No caso, não houve qualquer dano ao veículo, que retornou intacto à posse do proprietário.
Entretanto, houve o consumo de gasolina. Parte da doutrina entende que restaria caracterizado o
prejuízo sofrido pela suposta vítima. No entanto, devemos sustentar que se o furto do automóvel é
atípico, por ausência de elementar do tipo “para si ou para outrem”, a conduta-meio não poderá ser
penalizada, pelo princípio da consunção, sendo impunível, pois, o furto de gasolina.

13.18. O fato de o agente quebrar o vidro do automóvel para furtar o mesmo qualifica o crime
de furto?
Nos termos do artigo 155, 4º, inciso I, CP, a qualificadora consiste na destruição ou rompimento de
obstáculo à subtração da própria coisa. Assim, a doutrina é uníssona ao afirmar que a destruição da
própria coisa furtada não qualifica o delito. No caso, então, em princípio, a destruição do vidro do
automóvel para a subtração do próprio carro não tornaria o furto qualificado.
Entretanto, determinada situação causa perplexidade na doutrina: nos termos do dispositivo
mencionado, a destruição do vidro para a subtração do rádio do carro, por exemplo, qualificaria o
crime, mas a subtração do automóvel, bem de valor consideravelmente superior, seria furto simples.
Dessa forma, na jurisprudência passou-se a utilizar o princípio da proporcionalidade, ora para
considerar ambos os crimes como crime simples ora para entender se tratarem de crimes
qualificados. Contudo, devemos sustentar que ambos os crimes deve ser considerados como “furto
simples”, nos termos do artigo 155, caput, CP. Em direito penal não pode haver analogia in malam
partem, isto é, em prejuízo do Réu.

13.19. Estabeleça a diferença entre furto mediante fraude e estelionato.


No furto mediante fraude, a fraude é no sentido de distrair a vítima para que o agente possa furtar a
coisa. A subtração é elementar do tipo. Já no estelionato, a fraude é utilizada pelo agente para
compelir a vítima a entregar-lhe o bem que estava em sua pose. No crime do artigo 171, o agente
deve obter para si o bem, por meio de transmissão da própria vítima, que foi induzida em erro por
meio de fraude ou outro meio.
- Ainda em relação ao crime de furto, chamo a atenção para a nova súmula 511 do STJ, que traz a
possibilidade de furto qualificado privilegiado, quando estiverem presentes a primariedade do
agente, o pequeno valor da coisa, e a qualificadora for de ordem objetiva.
117

13.20. É possível a aplicação do princípio da insignificância no crime de roubo?


A doutrina e a jurisprudência amplamente majoritárias entendem não ser possível que o princípio da
insignificância seja invocado em relação ao crime de roubo, por haver, necessariamente, grave
ameaça ou violência à pessoa, o que não poderia ser insignificante.
Contudo, a Defensoria sustenta que, como o roubo é um crime complexo, seria possível que se
realizasse a cisão do tipo. Como o Código Penal admite a cisão do tipo em relação à ação penal no
artigo 101, também admite a cisão em relação ao tipo penal. Princípio da interpretação mais
favorável do acusado.
Assim, se o bem subtraído tiver valor insignificante a subtração será atípica, devendo-se avaliar,
após, se a conduta subsidiária configura ou não infração penal, como o crime de ameaça, lesão
corporal ou a contravenção de vias de fato. A subtração de qualquer forma será atípica. Como
vimos, também a lesão corporal pode ser insignificante, assim como qualquer outro crime que não
atinja o bem jurídico de maneira efetiva, pelo princípio da lesividade.
- A doutrina de Rogério Greco admite a cisão do tipo penal no caso de roubo, razão pela qual
também admite o chamado “roubo de uso”. Afirma que, no caso, a subtração seria atípica, devendo
o agente responder apenas por “constrangimento ilegal”, por exemplo.

13.21. É possível o roubo impróprio ser praticado por meio de violência imprópria?
Roubo impróprio  Enquanto o roubo próprio vem descrito no caput do artigo 157, o roubo
impróprio pode ser encontrado em seu parágrafo 1º. Consiste no roubo com o emprego de violência
ou grave ameaça após a subtração da coisa para assegurar a detenção da coisa ou a impunidade do
crime.
Violência imprópria  está indicada na parte final do artigo 157, caput. Não se trata da violência
direta, com o uso da força, mas da redução da capacidade de resistência. Ex.: uso de “boa noite,
Cinderela”.
Visto isso, a doutrina majoritária entende que, como não há previsão legal, no roubo impróprio, a
violência deve ser própria, para que seja configurado o delito. Caso o legislador quisesse punir o
roubo impróprio com violência imprópria, assim o faria expressamente, como dispôs no caput.
Além disso, entende-se que a violência ou grave ameaça devem ser exercidas logo depois,
imediatamente à subtração do objeto.

13.22. A arma de fogo precisa ser apreendida e periciada para que incida a causa de aumento
de pena constante no artigo 157, § 1º, inciso I, CP?
Para a Defensoria Pública, é imprescindível a apresentação do laudo que comprove a lesividade da
arma. Nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal, quando se estiver diante de crimes
não transeuntes, que deixam vestígios, deve haver a realização de prova pericial, com exame de
corpo de delito, direto ou indireto.
Entretanto, atualmente, a jurisprudência tanto do Supremo Tribunal Federal (HC 96.099/RS)
quanto do Superior Tribunal de Justiça (EREsp n. 961.863/RS) se pacificaram no sentido de ser
prescindível a apreensão e a perícia da arma. Afirmam as Cortes que pode ser reconhecida a causa
118

especial de aumento de pena por outros meios probatórios, como a prova testemunhal ou a palavra
da vítima, sem que a arma tenha sido apreendida. Por fim, sustentam que posição contrária
fomentaria a torpeza dos agentes, estimulando que desaparecessem com o objeto do crime para
inviabilizar eventual perícia.
Mas a matéria sequer foi sumulada, razão pela qual a Defensoria deve, ainda, sustentar a posição
defensiva no Poder Judiciário. Como argumento, deve-se invocar o mero cumprimento da lei. Não
pode o Judiciário atuar como legislador positivo em matéria penal, por simples política criminal,
que fica a cargo do Legislativo nesse caso. A perícia é essencial para a verificação, inclusive, da
potencialidade ofensiva da arma, impossível de ser atestada pela vítima, tanto por lhe faltar
atribuição técnica, quanto pelo estado emocional em que se encontra e, ainda, por às vezes, o
defeito da arma ser invisível aos olhos.

- Em relação ao furto e ao roubo, ainda, a Defensoria passou a sustentar que a majorante do roubo
em relação ao concurso eventual de pessoas deveria ser aplicada também no caso de furto. Haveria
evidente afronta ao princípio da proporcionalidade, vez que, enquanto no crime de roubo, a
circunstância é causa especial de aumento de pena de um terço até metade, no furto, ocorre a
incidência da qualificadora, com a pena em dobro para o delito. Contudo, o STJ sumulou
entendimento em sentido contrário na súmula 442.
- Outra observação a ser pontuada é que a jurisprudência majoritária não aceita a continuidade
delitiva entre roubo e latrocínio, porque não seriam da mesma espécie. Mas a defesa afirma que o
latrocínio nada mais é que o roubo qualificado, podendo haver a continuidade delitiva, se houver a
configuração do art. 71, por serem “crimes da mesma espécie”.

13.23. Sequestro-relâmpago que resulta morte é crime hediondo?


Aqui, deve-se invocar o princípio da legalidade. Nos termos do artigo 1º, inciso III, da Lei 8.072, a
extorsão qualificada pela morte que configura crime hediondo é o crime previsto no artigo 158,
parágrafo 2º, do Código Penal. O sequestro-relâmpago, inclusive com as qualificadoras referentes
ao resultado, encontra-se previsto no artigo 158, § 3º, CP. Apesar de a conduta ser igualmente
reprovável, o princípio da legalidade, na modalidade lex stricta, veda a interpretação ampliativa
nesse caso.
Contudo, não se desconhece que a posição apresentada representa posição minoritária na doutrina.
A corrente majoritária afirma que o sequestro-relâmpago nada mais é que espécie de extorsão
qualificada pela morte, à qual se aplicaria a Lei de crimes hediondos (158, § 2º e art. 1º, III, Lei
8.072).

13.24. No crime de extorsão mediante sequestro (art. 159), deve haver o especial fim de agir de
obtenção de vantagem patrimonial ou de qualquer natureza?
A pergunta se justifica porque, neste tipo penal em específico, fala-se em “qualquer vantagem”, ao
contrário do art. 158, que fala em vantagem econômica. Assim, há divergência doutrinária a
respeito da natureza jurídica dessa vantagem. Aqueles que defendem que seria qualquer vantagem
119

afirmam que o legislador além de falar em “qualquer”, fala em condição ou preço para o resgate. A
lei não conteria palavras inúteis; assim, o legislador, por mais de uma vez, daria a entender que,
aqui, não se trata de vantagem econômica apenas.
Por outro lado, a corrente majoritária afirma que o legislador, apesar de falar em “qualquer
vantagem” quis se referir a vantagem econômica, vez que o tipo está inserido no título de “crimes
contra o patrimônio”; assim, é o patrimônio que se tutela pelo tipo penal analisado.
Além disso, há divergência a respeito da vantagem econômica ser devida ou indevida, mas
prevalece o entendimento de que se trata de apenas vantagem indevida, pois, se devida, o agente
responde por exercício arbitrário das próprias razões (345) cominado com o crime de sequestro
(148). A vantagem, então, deve ser econômica e indevida.
Importante observar que o crime se consuma com a privação da liberdade, independentemente da
obtenção da vantagem.

13.25. A torpeza bilateral afasta o crime de estelionato?


O termo “torpeza bilateral”, cunhado pela doutrina, indica a má-fé de ambas as artes, tanto do
agente ofensor quanto da vítima ofendida. Como já era de se imaginar, há divergência doutrinária,
tendo surgido duas correntes.
A primeira corrente – doutrina majoritária -, diz que não, pois a boa-fé da vítima não é elementar do
crime, desde que não se trate de vantagem advinda de crime (ex.: tráfico de drogas), vez que o
Direito Penal não tutela o patrimônio advindo de vantagem ilícita. Em sentido contrário, a segunda
corrente sustenta que a má-fé da vítima seria incompatível com o crime de estelionato, vez que o
induzimento ao erro mediante fraude indicaria que a vítima deveria estar de boa-fé.

13.26. Genésio emite cheque para pagar a mensalidade da escola do filho, pensando ter fundos
para arcar com a despesa. Entretanto, o diretor da escola verificou que se tratava de cheque
sem fundos, tendo comunicado o feito à Delegacia de Polícia. Posteriormente, Genésio é
notificado para apresentar resposta à acusação tendo sido denunciado pelo crime do artigo
171, VI, CP. Imediatamente, realiza o pagamento. É possível o prosseguimento da ação penal?
A questão se resolve antes da análise das consequências do pagamento do cheque. Para a
configuração do crime de estelionato e dos crimes a ele equiparados, é imprescindível que haja
fraude, por se tratar de elementar do tipo. A ausência de fraude torna a conduta atípica, nos termos
da súmula 246 do STF, que assim dispõe: “Comprovado não ter havido fraude, não se configura o
crime de emissão de cheque sem fundos”. Assim, Genésio não cometeu qualquer crime, devenso
haver a absolvição do Réu.
Nota-se que apesar de a súmula dar a entender que precisaria o réu comprovar a ausência de fraude,
tal interpretação não possui qualquer guarida em nosso ordenamento jurídico. É o ministério
público que deve comprovar a existência de fraude para que haja justa causa a embasar a denúncia,
pelo princípio da presunção de inocência.
Entretanto, caso houvesse a presença de fraude, o pagamento do cheque antes do recebimento da
denúncia obstaria o prosseguimento da ação penal, nos termos da súmula 554 do STF, por se tratar
120

de extinção de punibilidade. Caso o pagamento seja feito após este momento processual, poderá
haver apenas a incidência da atenuante genérica, prevista no art. 65, III, b, CP.
Ressalta-se que os Tribunais Superiores não reconhecem a extensão da súmula para o caput do
artigo 171. Assim, caso o cheque sem fundos seja meio para o cometimento de estelionato, apenas
será possível ao agente a incidência da causa geral de aumento de pena referente ao arrependimento
posterior (artigo 16, CP) - HC 280.089-SP STJ.

13.27. É possível tecer críticas à receptação qualificada?


Receptação qualificada  180, § 1º, CP.
A Defensoria, baseada em precedentes do STJ, sustenta a absurda ausência de proporcionalidade
entre o § 1º e o caput, requerendo a aplicação da pena prevista no caput (preceito secundário).
Enquanto a pena prevista para a receptação simples é de um a quatro anos, para a receptação
qualificada, a pena cominada em abstrato é de três a oito anos, apenas por haver a utilização em
atividade industrial ou comercial.
Argumenta-se, ainda, que o dolo eventual não poderia ser punido da mesma forma que o dolo
direto. O próprio legislador previu dolo eventual apenas no tipo qualificado, quando incluiu o termo
”deve saber”. Indaga-se, pois, como poderia o dolo eventual em delito de receptação ser punido
mais severamente do que o dolo direto. Isto é, aquele que deveria saber que o produto que utiliza
em atividade comercial é proveniente de crime recebe pena mais alta que aquele que efetivamente
sabe que o produto que adquire tem origem ilícita. Fere a razoabilidade e a proporcionalidade.
O dolo direto na receptação qualificada também é punível, apesar de haver doutrina minoritaríssima
que sustenta a atipicidade do mesmo. Contudo, a culpa não é punida nesse caso. Há previsão de
receptação culposa apenas no parágrafo 3º do artigo 180.

13.28. O companheiro é isento de pena nos crimes patrimoniais sem violência ou grave
ameaça à pessoa, por meio da escusa absolutória?
Há divergência doutrinária sobre a inclusão ou não do companheiro no rol do artigo 181, inciso I,
do Código Penal, que dispõe acerca das imunidades absolutas. No entanto, é interessante saber que,
ao contrário de diversas passagens em direito penal ou processual penal em que há a omissão do
companheiro, nesse caso, o mais interessante para a defesa é a adoção da corrente mais ampliativa*.
Assim, a primeira corrente diz que o companheiro deve ser isento de pena, pela extinção da
punibilidade, com base no artigo 226 da Constituição, que assegura a igualdade entre cônjuge e
companheiro. Já a segunda posição afirma que o rol é taxativo, não havendo razão para a inclusão
do companheiro.
*Importante pontuar que a Defensoria também pode atuar como assistente de acusação, na defesa
de ofendido hipossuficiente. Assim, a clássica afirmativa da “corrente da Defensoria Pública” pode
mudar de perspectiva de acordo com a situação fática.
- Em que pese a divergência acerca da natureza jurídica das escusas absolutórias, prevalece na
doutrina o entendimento de que seria causa pessoal de extinção de punibilidade.
121

14. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. CRIMES CONTRA A FAMÍLIA. CRIMES


CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA. CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA.

AUTOR: CAROLINA VICENTE BISOGNIN


MATERIAL DE CONSULTA: MATERIAL DE AULA – CURSO DE PREPARAÇÃO À MAGISTRATURA DA AJURIS ( PROFS.
FÁBIO ROQUE SBARDELOTTO E AIRTON ZANATTA). MATERIAL DE AULA CURSO INTENSIVO II – LFG (PROF. ROGÉRIO
SANCHES). DIREITO PENAL ESQUEMATIZADO – VICTOR EDUARDO RIOS (2012). REVISAÇO DE DIREITO PENAL –
ROGÉRIO SANCHES E DIZER O DIREITO (HTTP://WWW.DIZERODIREITO.COM.BR/).

14.1. No tocante ao crime de estupro, quais as principais alterações promovidas pela Lei nº
12.015/09?
Em primeiro lugar, o crime deixou de ser bipróprio (exigia-se, para sua configuração, sujeito ativo
do sexo masculino e sujeito passivo do sexo feminino) para passar a ser bicomum (com a mudança
legislativa, pessoas do sexo masculino e do sexo feminino podem figurar como sujeito ativo ou
passivo).
Além disso houve unificação das penas aplicáveis ao crime de estupro e ao crime de atentado
violento ao pudor. Atualmente, persiste apenas o estupro, crime que abrange tanto a conjunção
carnal quanto atos libidinosos diversos.
Com ambas as medidas até aqui citadas, supriu-se uma lacuna, uma vez que, sob a égide da lei
anterior, não havia como tipificar a conduta de uma mulher que constrangesse um homem à
conjunção carnal (não se falava em estupro, porque a vítima era homem e tampouco se falava em
atentado violento ao pudor, porque o ato praticado era a conjunção carnal). Deixou de existir,
também, a figura antes prevista no art. 224 do CP, que previa as hipóteses de presunção de
violência. Aliás, tal situação agora é abarcada pela figura dos crimes contra o desenvolvimento
sexual de vulnerável, nos artigos 217-A e 218.

14.2. No crime de estupro, exige-se contato físico entre agente e vítima?


Na modalidade conjunção carnal, o contato físico é indispensável. Na modalidade “atos libidinosos
diversos”, a resposta é diversa. A propósito do tema, Mirabete cita o exemplo do agente que obriga
a vítima a se masturbar.

14.3. Considerando a unificação dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, como
se deve enquadrar a conduta do agente que, em um mesmo contexto fático, pratica coito
vaginal e atos libidinosos diversos (coito anal, por exemplo)?
Acerca do tema, formaram-se três correntes.
A primeira aponta para a possibilidade de ocorrência de crime único. Tendo o legislador unificado
os tipos penais do estupro e do atentado violento ao pudor, está-se diante de tipo penal misto
alternativo (tal qual o tráfico de drogas). Assim, se forem praticados, contra a vítima, conjunção
carnal e outros atos libidinosos diversos, no mesmo contexto fático, mediante violência ou grave
ameaça haverá crime único, quando anteriormente ocorriam dois delitos.
122

Admitindo-se tal entendimento deverá o Magistrado dosar a pena entre o mínimo e o máximo
considerando a prática de ambos os atos libidinosos. Por consequência, teria havido, neste
particular, significativa vantagem aos autores de aludidas condutas.
A segunda corrente entende que, tendo havido a prática, contra a mesma vítima, de conjunção
carnal e atos libidinosos diversos, mediante violência ou grave ameaça, poder-se-á falar em crimes
de estupro na forma continuada.
A realidade demonstra que o cometimento da conjunção carnal e atos libidinosos diversos se dão
em momentos distintos, mesmo que pequeno o intervalo entre as ações. Ademais, são condutas
distintas, sendo prescindíveis uma para a ocorrência da outra.
Não se está tratando de atos que constituem “praeludia coiti”, que, consoante maciça doutrina e
jurisprudência, são absorvidos pela conjunção carnal por se constituírem em conduta natural para a
cópula vagínica. Trata-se de analisar a ocorrência de atos libidinosos substanciais, a exemplo do
coito anal, sexo oral, introdução de objetos no órgão genital da vítima etc. Nestes casos, por serem
atos substanciais, não serão absorvidos pela conjunção carnal que pode ser perpetrada contra a
vítima no mesmo contexto fático.
Assim, conclui-se pela ocorrência de delitos de estupro em continuidade delitiva, haja vista a
reiteração de condutas típicas cometidas contra a mesma vítima nas mesmas condições de tempo,
lugar, maneira de execução, consoante requisitos elencados no art. 71 do Código Penal.
Anteriormente à reforma, consoante decisões do STF e STJ, havia óbice ao reconhecimento da
continuidade delitiva entre estupro e atentado violento ao pudor em razão da ausência de delitos da
mesma espécie, requisito do artigo 71 do Código Penal. Consideravam-nos crimes do mesmo
gênero, mas não da mesma espécie. Assim, posicionavam-se os Tribunais, majoritariamente, pela
ocorrência de concurso material.
Doravante, entretanto, tendo ocorrido a unificação das condutas em um tipo penal apenas, o crime
será da mesma espécie inevitavelmente. Por isso, não há mais óbice ao reconhecimento da
continuidade delitiva entre os delitos de estupro perpetrados contra a mesma vítima, se cometidos
contra ela conjunção carnal e atos libidinosos diversos.
Por derradeiro, verifica-se terceira posição, no sentido da ocorrência de concurso material de
crimes. Para os expoentes desta corrente, está-se diante de tipo penal misto cumulativo. Neles, a
prática das duas condutas previstas deve ser punida individualmente, somando-se as penas.
Entende-se que a prática de atos o libidinosos diversos não permite o reconhecimento da
continuidade delitiva, porquanto tais condutas apresentam modo de execução distinto, apesar de
terem sido reunidas num único tipo penal. Nesse sentido, veja-se decisões do STJ, HC 104.724 e
78.667.
Adotando a segunda corrente, os julgados divulgados nos Informativos 595 do STF (HC 96.818-SP)
e 468 do STJ (REsp 970.127-SP). Mais recentemente, contudo, a tendência passou a ser adotar a
primeira corrente (AgRg no REsp 1262650/RS e HC 212.305/DF, ambos do STJ).
123

14.4. No caso de estupro qualificado pelo resultado morte (quando cometido contra pessoa
maior de idade e não vulnerável), a persecução criminal deve se dar por meio de qual
modalidade de ação penal? Pública incondicionada ou pública condicionada à representação?
Para uma primeira corrente, da qual Cézar Roberto Bittencourt é adepto, a ação penal deve ser
pública incondicionada. Na ADIN 4.301, o PGR sustenta que a ação penal é pública
incondicionada, respeitando-se o princípio da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana e
da eficiente intervenção estatal. Para uma segunda corrente, a ação é pública condicionada, pois não
integra as exceções do artigo 225 do Código Penal.
É o que tem prevalecido no STJ (HC 215.460-SC e REsp 1.227.746-RS), podendo-se afirmar que,
no tocante a vítimas maiores de idade e não vulneráveis, a Súmula 608 daquele Tribunal (“No crime
de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”) encontra-se
superada, de modo que as ações penais que se iniciaram antes da modificação legislativa devem ser
suspensas para que os legitimados representem.

14.5. Tome-se o seguinte exemplo: João, maior de idade, tirou a calça da vítima (criança com
9 anos), deixando-a apenas de calcinha. Ainda vestido, o agente sacou o pênis da calça e
deitou-se por cima da menor, passando a mão em seu corpo. Nesse exato momento, ouviu um
barulho, assusta-se e, por circunstâncias alheias à sua vontade, não realiza o coito vaginal. Há
estupro de vulnerável consumado ou tentado?
A consumação do delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal) se dá não apenas
quando há conjunção carnal, mas sim todas as vezes em que houver a prática de qualquer ato
libidinoso com menor de 14 anos. No caso, o agente deitou-se por cima da vítima com o membro
viril à mostra, após retirar-lhe as calças, o que, de per si, configura ato libidinoso para a
consumação do delito de estupro de vulnerável.
O STJ entende que é inadmissível que o Julgador, de forma manifestamente contrária à lei e
utilizando-se dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, reconheça a forma tentada do
delito, em razão da alegada menor gravidade da conduta. (STJ. 6ª Turma. REsp 1.353.575-PR, Rel.
Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/12/2013 – Informativo 533).

14.6. Sabendo que a mulher pode ser sujeito ativo de estupro, tendo um homem como vítima,
haverá o aumento de pena previsto no art. 234 do CP quando, nessa condição, engravidar?
Cézar Roberto Bittencourt considera inaplicável a majorante. “Certamente, a previsão legal não
admite essa conotação, pois não passaria de, mutatis mutandis, uma espécie de autolesão, que não
representa maior desvalor do resultado da conduta para a vítima” (Tratado de Direito Penal, v. 4, p.
201).
Para Rogério Sanches Cunha, o aumento é cabível, pois a lei não exige que a pessoa que engravide
seja a vítima. Aliás, quando o homem (vulnerável, por exemplo), é vítima, a gravidez da autora do
crime é para ele consequência grave, merecendo incidir o aumento. Não bastasse, a concepção
durante o ato de estupro, por si só, é bastante para tornar mais grave a conduta, que tem repercussão
social muito maior.
124

14.7. No crime de estupro, em que consiste a grave ameaça?


A grave ameaça, por sua vez, persiste sendo uma intimidação séria e grave à vítima, que a impeça
de resistir. Não se elidiram, com a reforma, dúvida e discussão que pairava anteriormente, e
prosseguirá, no sentido de o mal prometido à vítima dever ser injusto ou se é possível a
caracterização da grave ameaça inclusive quando o autor prometer o cometimento de um mal justo
(ex.: policial utilizar um mandado de prisão para, intimidando-a, estuprar a vítima).

14.8. É possível a caracterização do crime de assédio sexual na relação entre professor(a) e


aluno(a)?
Uma primeira corrente entende que não há assédio sexual, haja vista a ausência de relação de
emprego, cargo ou função. A segunda corrente entende que, se o professor tiver vínculo trabalhista
com a instituição, poderá haver. Há uma tendência pela primeira orientação, configurando-se, no
caso, mero constrangimento ilegal ou a contravenção de importunação ofensiva ao pudor (art. 61 do
Decreto-lei n.º 3.688/41).

14.9. Quem são os vulneráveis para fins do art. 217-A do CP?


A primeira hipótese de vulnerável é a vítima menor de 14 anos. Neste particular, em razão da
clareza do dispositivo, não haverá mais discussão acerca do dia do aniversário de 14 anos,
porquanto apenas menores de 14 anos são considerados vulneráveis. No dia do aniversário, incidirá
o art. 213, § 1º, do Código Penal.
Ademais e muito importante, eliminou-se a discussão acerca de haver presunção de violência
relativa ou absoluta quanto à idade da vítima. Passou o legislador a considerar os menores de 14
anos, objetivamente, vulneráveis e incapazes de entender o caráter do fato. Sem condições, pois, de
oferecer resistência.
Quanto aos vulneráveis menores de 14 anos, não deve ser eliminada a discussão anteriormente
existente acerca da presunção absoluta da violência (revogado artigo 224, “a”, do Código Penal),
evidentemente agora rotulada sob a denominação de vulnerabilidade absoluta ou relativa.
Consabido é que, antes da reforma, duas correntes existiam acerca da presunção de violência para
aludidos menores. A primeira sustentando ocorrer presunção absoluta, isto é, bastava a vítima
situar-se na referida faixa etária sem se perquirir outros requisitos. A segunda, contrariamente,
relativizando a presunção de violência, pois exigia que, além da idade, a vítima não tivesse o
necessário discernimento sobre a prática sexual, sendo pessoa ignorante acerca do tema.
Não basta simples alteração legislativa, eliminando corretamente a presunção de violência para
nominá-la doravante de vulnerabilidade da vítima. A circunstância que caracteriza a vítima como
vulnerável continua sendo sua idade. E a vulnerabilidade diz respeito, a exemplo dos demais
“vulneráveis sexualmente”, à falta de discernimento para a prática do ato sexual. Provável a
mantença, mesmo após a reforma, das correntes anteriormente existentes.
A persistir os posicionamentos já existentes, quando depararmo-nos com fatos nos quais a vítima é
menor de 14 anos mas não é absolutamente vulnerável (o que poderá ser cogitado quando a idade
for próxima dessa faixa etária), necessariamente deverá ocorrer enquadramento da conduta
125

criminosa no artigo 215, que prevê a ocorrência de conjunção carnal ou a prática de outro ato
libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação
de vontade da vítima. Estar-se-á diante de fatos em que pode ocorrer dificuldade de livre
manifestação de vontade da vítima.
A contrario senso, se a vulnerabilidade tiver presunção absoluta, bastando a vítima ser menor de 14
anos de idade na data do fato sem que se indague outros elementos que possam corroborar para a
sua incapacidade de entender o caráter do fato, o enquadramento penal da conduta daquele que
praticar qualquer ato libidinoso com a vítima será no artigo 217-A, configurando o estupro de
vulnerável.
A segunda hipótese de vítima vulnerável diz respeito àqueles que, por enfermidade mental, não
tiverem o necessário discernimento para a prática do ato. Está-se, aqui, diante de inimputáveis
absolutamente, i.e., aqueles elencados no “caput” do artigo 26 do Código Penal. De qualquer sorte,
a comprovação desta circunstância dependerá de exame pericial ou prova equivalente que
demonstre a total incapacidade da vítima em virtude de enfermidade mental. Por enfermidade
mental deve-se entender uma patologia.
Anteriormente, no art. 224, exigia-se para a presunção da violência, que o autor do delito tivesse
ciência dessa circunstância, ou seja, o dolo direto. Agora, não houve tal exigência, bastando dolo
direto ou eventual por parte do agente quanto à condição de inimputabilidade da vítima.
A terceira hipótese diz respeito às vítimas que, por deficiência mental, não tenham o necessário
discernimento para a prática do ato. Neste caso, trata-se de pessoa semi-imputável, i.e., aqueles
elencados no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal. Está-se, pois, diante de total inovação
se comparada com as anteriores hipóteses de presunção de violência.
Considera-se vulnerável, inclusive, o semi-imputável. Evidentemente, neste caso, há de ser
analisado o caso concreto, verificando-se o grau de alienação da vítima a partir de perícia ou prova
equivalente. A Deficiência mental necessariamente não decorrerá de patologia, podendo ser
debilidade congênita de desenvolvimento mental incompleto.
Cremos, com a devida vênia de entendimento contrário, que nesta hipótese poderá haver uma
espécie de vulnerabilidade relativa, que não autoriza a tipicidade, e vulnerabilidade absoluta, que
faz incidir o tipo penal. Isso porque a vulnerabilidade exigida no tipo penal impõe que a vítima não
possa oferecer resistência (parte final do § 1º do art. 217).
A quarta e última situação de vulnerabilidade da vítima dá-se quando não pode ela oferecer
resistência por qualquer outra causa, evidentemente que não a idade inferior a 14 anos, a
enfermidade ou deficiência mental.
De qualquer sorte, neste particular, está-se diante de um tipo penal aberto, porquanto as demais
hipóteses devem ocorrer a exemplo dos modelos antes objetivamente referidos. Em suma, está o
legislador a autorizar analogia “intra legem” ou interpretação analógica, permitidas em Direito
Penal. Para tanto, qualquer outra hipótese deverá ser a exemplo da menoridade (menor de 14 anos),
enfermidade ou deficiência mental, consoante já dito. Exemplo pode ser citado com relação àquelas
pessoas absolutamente embriagadas, absolutamente narcotizadas, em estados de inconsciência,
senilidade, avançada, deficiências físicas acentuadas, etc. Tal previsão, aliás, já existia na alínea “c”
do artigo 224 anterior, agora revogado.
126

14.10. É possível o concurso de crimes entre estupro e assédio sexual?


Sim. Para que isso ocorra, deve haver um rompimento de nexo causal entre os fatos, o que se dará,
inevitavelmente, quando houver um intervalo substancial de tempo entre o assédio e o outro crime
contra a liberdade sexual. Evidentemente que se os delitos ocorrerem em sequência, ato contínuo
um ao outro, o estupro absorverá o assédio sexual.

14.11. Tome-se o caso de alguém que induza menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de um
terceiro. Caso esse terceiro mantenha, com a vítima, conjunção carnal ou ato libidinoso
diverso, responderá por estupro de vulnerável, ao passo que a pessoa que induziu o menor a
satisfazer a lascívia daquele responderá pelo crime do art. 218 do CP. Pode-se falar, na
hipótese, em exceção à teoria monista?
Sim. A conduta de induzir caracteriza forma de participação moral na prática do crime de outrem.
Aliás, as formas de participação são a indução, a instigação e o auxílio. No tipo sob análise, o
legislador contemplou apenas a conduta de induzir, que significa fazer surgir a ideia de realizar
algum ato, não explicitando as demais (instigar e auxiliar). Mesmo assim, há de se considerar que
aquele que induzir o menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem estará participando do
estupro de vulnerável praticado pelo terceiro, a quem se destina a satisfação da lascívia do
intermediário (autor do delito do art. 215). Cuida-se de legítima participação no estupro de
vulnerável na modalidade de induzimento.
Contraditoriamente, o legislador não previu a conduta de instigar ou auxiliar o menor de 14 anos a
satisfazer a lascívia de outrem, apesar de serem condutas que também caracterizam participação e
teriam o mesmo desiderato.
Observe-se o contrassenso do legislador que, da forma como estabelecida a nova tipicidade, pune
no art. 215 aquele que induzir o menor de 14 anos a saciar a lascívia de outrem, com pena de 2 a 6
anos de reclusão. O sujeito que instigar ou auxiliar o menor de 14 anos a saciar a lascívia de outrem
será enquadrado como partícipe do estupro de vulnerável, i.e., na figura do artigo 217-A, com pena
de 8 a 15 anos de reclusão.
Nesse contexto, não se descarta o emprego de analogia “in bonam partem” para aqueles que
instigarem ou auxiliarem o menor de 14 anos a saciar a lascívia de outrem, aplicando-lhes o
disposto no artigo 215 do Código Penal, a exemplo daqueles que induzirem o menor à mesma
prática. Não se justifica o tratamento diferenciado para o induzimento com relação à instigação ou
auxílio.

14.12. O chamado “surf ferroviário” (jovens que se equilibram sobre a composição do trem em
andamento) configura o crime tipificado no art. 260 do CP (perigo de desastre ferroviário)?
A jurisprudência não tem admitido essa possibilidade, não vislumbrando no comportamento do
“surfista urbano” outra intenção senão a de expor a própria vida a perigo, faltando, portanto,
elemento subjetivo do tipo, consistente na vontade livre e consciente de criar situação concreta de
perigo de desastre ferroviário (RT 798/681).
127

14.13. Qual o objeto material do crime previsto no art. 273 do CP (falsificação, corrupção,
adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais)? Que
críticas a doutrina faz a respeito?
Além dos produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais, o art. 273, § 1º-A faz referência
aos medicamentes (substâncias utilizadas no tratamento de enfermidade), matérias-primas
(substâncias a partir das quais são fabricados os medicamentos), os insumos farmacêuticos (outros
componentes da produção de medicamentos), os cosméticos (produtos que se destinam a manter ou
melhorar a aparência), os saneantes (produtos purificadores, desinfetantes) e os de uso em
diagnóstico (usados para a busca da cura e da causa da afecção).
Encontramos doutrina criticando essa equiparação, pois afronta, segundo pensam, o princípio da
razoabilidade. Obviamente, a adulteração de um produto cosmético, que se destina exclusivamente
a melhorar ou conservar a aparência de uma pessoa, ou de um simples saneante, que possui caráter
meramente purificador ou desinfetante, não pode ser considerada tão grave a ponto de ser
submetida a um instituto reservado a fatos envolvidos em especial seriedade.

14.14. A incitação genérica ao cometimento de crimes basta à caracterização do crime do art.


286 do CP? E a apresentação de tese no sentido de que determinada conduta deve ser
descriminalizada?
Não. O agente do crime do art. 286 do CP deve apontar a prática de fato determinado, como, por
exemplo, conclamar publicamente grupo de titulares de determinado direito a fazer justiça com as
próprias mãos (o que configura exercício arbitrário das próprias razões). Na lição de Hungria, o
crime não se configura nas hipóteses em que o agente simplesmente levanta a tese de que
determinada condutada não deve ser criminalizada: “É bem de ver que não apresenta o crime
quando apenas se faz a defesa de uma tese sobre a ilegitimidade ou sem-razão da incriminação de
tal ou qual fato, como, por exemplo, o homicídio eutanásico, o crime de Otello etc. Não há, aqui, o
animus instigandi delicti, mas apenas uma opinião no sentido da exclusão do crime, de lege
ferenda”. A propósito do tema, o STF decidiu, na ADPF 187, por unanimidade, ser legal (e
legítima) a reunião de pessoas para manifestarem publicamente sua posição em favor da legalização
das drogas (“Marcha da Maconha”). Em síntese, os ministros argumentaram que se trata de um
movimento social espontâneo, que reivindica, por meio de livre manifestação de pensamento, a
possibilidade da discussão democrática do modelo proibicionista (o consumo de drogas) e dos
efeitos que esse modelo produz em termos de incremento da violência.

14.15. É possível uma pessoa pertencer a mais de uma associação criminosa? Em caso
positivo, como enquadrar a conduta? Há crime único ou concurso?
Referida possibilidade, de fato, existe. Magalhães Noronha, tratando, na época, da quadrilha ou
bando, responde: “Escreve Maggione que ‘a permanência inalterada e por isso o delito é único e
idêntico, quando uma pessoa faça parte contemporânea e necessariamente de diversas associações
para delinquir (em tempo e lugar eventualmente diversos)’” (sic).
Rogério Sanches Cunha discorda dessa posição, ao argumento de que “inexiste permanência de
delito único, mas vários deles, integrados pelas diversas associações criminosas de que faz parte o
128

agente, constituindo todas elas distintas violações da lei e, portanto, apresentando-se em relação ao
associado um concurso material de crimes. O que a lei penal pune é associar-se e se ele mais de
uma vez se associa, não vemos como negar a pluralidade de crimes” (Direito Penal, v. 4, p. 114-
115).

14.16. E quanto à manutenção da associação criminosa após a condenação ou mesmo após a


denúncia?
Configura novo e idêntico crime formal. Inocorre bis in idem na nova imputação (RSTJ 78/369).

14.17. Há hipóteses em que, embora o documento público falsificado seja emitido por
autoridade federal, competirá à Justiça Estadual julgar o agente?
Sim. Quando não forem atingidos bens, interesses ou serviços federais, o julgamento incumbirá à
Justiça Estadual.
Na jurisprudência, encontram-se os seguintes exemplos: a) falsa anotação na CTPS, atribuída a
empresa privada (Súmula 62 do STJ); b) falso relativo a estabelecimento particular de ensino
(Súmula 104 do STJ); c) estelionato praticado mediante falsificação de guias de recolhimento das
contribuições previdenciárias, quando não lesada a autarquia federal (Súmula 107 do STJ).

14.18. É possível que o crime de falso reconhecimento de firma ou letra seja cometido a título
de culpa?
Para Bento de Faria, sim. De acordo com o autor, referida possibilidade existe nos casos em que o
agente reconhece como verdadeira firma ou letra que não o seja sem tomar as cautelas necessárias.
Rogério Sanches Cunha discorda dessa posição, ao argumento, bastante convincente, de que quando
o legislador deseja punir alguém por negligência, o faz de modo expresso, nos exatos termos do art.
18, parágrafo único, do CP.

14.19. A simples substituição de placas de um veículo pelas de outros, sem adulterar ou


remarcar número, configura o crime do art. 311 do CP?
A jurisprudência do STJ firmou entendimento em sentido afirmativo. “É pacífica a jurisprudência
desta Corte no sentido de que a substituição das placas originais do veículo constitui nítida
adulteração de sinal identificador de veículo automotor, tipificando o ilícito do art. 311 do Código
Penal” (AgRg no AREsp 126.860/MG, Quinta Turma, rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe
12/09/2012).

14.20. Como se tipifica a chamada “cola eletrônica”?


Se o modo de execução envolve terceiro que, tendo acesso privilegiado ao gabarito da prova, revela
ao candidato de um concurso público as respostas aos quesitos, pratica, junto com o candidato
129

beneficiado, o crime do art. 311 do CP (aquele, por divulgar, e este, por utilizar o conteúdo secreto
em benefício próprio).
Já, nos casos em que o candidato, com um ponto eletrônico no ouvido, se vale de terceiro, expert,
para lhe revelar as alternativas corretas, permanece fato atípico (apesar do acentuado grau de
reprovação social), pois os sujeitos envolvidos (candidato e terceiro) não trabalharam com conteúdo
sigiloso (o gabarito permaneceu sigiloso para ambos).

14.21. O princípio da insignificância pode ser aplicado ao crime de moeda falsa?


Não. STF e STJ possuem julgados refutando essa possibilidade.
No Informativo 622 do STF, divulgou-se julgado segundo o qual o valor nominal derivado da
falsificação de moeda não seria critério de análise de relevância da conduta, porque o objeto da
proteção da norma seria supra individual, a englobar a credibilidade do sistema monetário e a
expressão da própria soberania nacional (HC 97.220, Rel. Min. Ayres Britto, 05/04/2011).
No Informativo 437 do STJ, publicou-se precedente segundo o qual o princípio da insignificância
não se aplicaria ao crime de moeda falsa, pois se trata de delito contra a fé pulica, logo não há que
se falar em desinteresse estatal à sua repressão. No caso o paciente utilizou duas notas falsas de R$
50,00 para efetuar compras em uma farmácia (HC 132.614, Rel. Min. Laurita Vaz, 01/06/2010).

14.22. O instituto do arrependimento posterior aplica-se ao crime de moeda falsa?


Pelas mesmas razões pelas quais não se admite a aplicabilidade do princípio da insignificância a
esse tipo de delito, não há falar na possibilidade de arrependimento posterior.
A propósito, recente julgado do STJ: “Não se aplica o instituto do arrependimento posterior ao
crime de moeda falsa. No crime de moeda falsa – cuja consumação se dá com a falsificação da
moeda, sendo irrelevante eventual dano patrimonial imposto a terceiros –, a vítima é a coletividade
como um todo, e o bem jurídico tutelado é a fé pública, que não é passível de reparação. Desse
modo, os crimes contra a fé pública, semelhantes aos demais crimes não patrimoniais em geral, são
incompatíveis com o instituto do arrependimento posterior, dada a impossibilidade material de
haver reparação do dano causado ou a restituição da coisa subtraída. REsp 1.242.294-PR, Rel.
originário Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
18/11/2014, DJe 3/2/2015”.

14.23. Incide a agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea “e”, do CP, no caso de a moeda
falsa ser repassada a ascendente, descendente, irmão ou cônjuge? E no caso de a moeda falsa
ser repassada a criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida, incidirá a
agravante do art. 61, inciso II, alínea “h” do CP?
De acordo com o STJ, sim. Entendeu-se, em recente julgado, que o sujeito passivo do crime de
moeda falsa não é apenas o Estado, mas também a pessoa a quem é entregue a moeda falsa. Assim,
caso esta seja ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do sujeito ativo, criança, maior de 60
anos, enfermo ou mulher grávida, a pena deverá ser agravada (HC 211.052-RO, Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/6/2014).
130

De se observar que referido entendimento contraria o exposto no item 15.21, segundo o qual a
vítima é “a coletividade como um todo”, “sendo irrelevante eventual dano patrimonial imposto a
terceiros”.

14.24. É necessária a constituição definitiva do crédito tributário para a consumação do crime


previsto no art. 293, § 1º, inciso III, alínea “b” do CP (importar, exportar, adquirir, vender,
expor à venda, manter em depósito, guardar, trocar, ceder, emprestar, fornecer, portar ou, de
qualquer forma, utilizar em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou
industrial, produto ou mercadoria sem selo oficial, nos casos em que a legislação tributária
determina a obrigatoriedade de sua aplicação)?
De acordo com o STJ, não. Mencionado delito ostenta natureza formal, consumando-se no
momento em que o agente pratica qualquer um dos verbos nucleares. Não incide a Súmula
Vinculante 24, com a seguinte redação “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária,
previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”
(REsp 1.332.401-ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/8/2014).

14.25. É típica a conduta consistente em firmar declaração falsa de estado de pobreza, com o
finam de obter os benefícios da gratuidade judiciária?
De acordo com o STJ, não. Referida declaração não pode ser considerada documento para fins
penais, na medida em que está sujeita à impugnação pela parte contrária e mesmo pelo juiz da causa
(HC 261.074-MS, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE, julgado em
5/8/2014). No mesmo sentido, precedente do STF (HC 85.976, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda
Turma, julgado em 13/12/2005).
131

15. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CRIMES DE ABUSO DE


AUTORIDADE – LEI Nº 4.898/65. CRIMES RESULTANTES DE PRECONCEITO DE RAÇA
OU COR – LEI Nº 7.716/89. CRIMES RELACIONADOS À PROTEÇÃO DOS DEFICIENTES
FÍSICOS – LEI N.º 7.853/89. CRIME DE DISCRIMINAÇÃO DOS PORTADORES DO VÍRUS
HIV E DOENTES DE AIDS – LEI Nº 12.984/14.
AUTORA: ANGIE DOS SANTOS CAMARGO COLUSSO
MATERIAL DE CONSULTA: DIREITO PENAL ESQUEMATIZADO – CLÉBER MASSON (2014) E CÓDIGO PENAL COMENTADO –
GUILHERME DE SOUZA NUCCI (2014).

15.1. Diferencie crimes funcionais próprios de crimes funcionais impróprios:


Os crimes contra a Administração Pública podem ser praticados por particulares ou mesmo por
funcionários públicos. Quando forem praticados por funcionários públicos devem ser considerados
como crimes funcionais, os quais se dividem em crimes funcionais próprios e crimes funcionais
impróprios.
Os crimes funcionais próprios são aqueles cuja exclusão da qualidade de funcionário público
torna o fato atípico. Ou seja, faltando a qualidade de servidor do agente, o fato passa a ser um
indiferente penal. É uma hipótese de atipicidade absoluta. Ex: corrupção passiva e prevaricação (art.
317 e art. 319, ambos do CP).
Já nos crimes funcionais impróprios excluindo-se a qualidade de funcionário público haverá
desclassificação para crime de outra natureza. Ex: peculato que poderá ser desclassificado para os
delitos de apropriação indébita ou furto. Ou seja, faltando a qualidade de servidor do agente, o fato
deixa de configurar crime funcional, gerando crime comum. É uma hipótese de atipicidade relativa.
Ex: concussão. Se cometido por não funcionário, vira extorsão. Peculato, que pode virar furto,
apropriação indébita.

15.2. Os crimes funcionais próprios ou impróprios poderão ser atribuídos a terceiros em


coautoria ou participação?
Sim. A condição de funcionário público é elementar. Assim, o particular que, ciente da condição de
funcionário do comparsa, o ajuda a cometer o delito responde também pela infração penal, uma vez
que o art. 30 do Código Penal estabelece que as circunstâncias de caráter pessoal, quando
elementares do crime, se comunicam aos demais. O funcionário público é denominado intraneus e o
não funcionário é denominado extraneus.
Ex: A é funcionário público e B particular. A se apropria de coisa pertencente à Administração
Pública induzido por B. Qual crime praticaram? A praticou o crime de peculato apropriação (art.
312 do CP). Para se saber qual crime praticou B, deveria ser perguntado se tinha ciência da
qualidade de A como funcionário público. Se tinha, responde também pelo art. 312. Mas se B
ignorava a condição pessoal de A, responde por apropriação indébita (art. 168 do CP).
132

15.3. O princípio da insignificância é aplicável ao crime de peculato ou em qualquer crime


contra a Administração Pública?
– a primeira corrente considerando que o bem jurídico tutelado é a moralidade administrativa,
mostra-se incompatível o princípio da insignificância. É a corrente adotada pelo STJ.
– a segunda corrente entende que o princípio da insignificância é princípio de aplicação geral,
incidindo também nos crimes contra a Administração Pública. É a corrente do STF. Mas não admite
o princípio da insignificância irrestritamente. Ex: o STF nos crimes contra a fé pública entende que
a bagatela não é aplicável.

15.4. O advogado/defensor dativo é considerado funcionário público para fins penais?


A questão apresenta divergências. Parte da doutrina entende que é caso de encargo público, pois
supre a falta do defensor público. Nesse sentido, é o entendimento do TJRS que entende que “O
defensor dativo, ao contrário do integrante da Defensoria Pública, não exerce função pública, mas
somente munus publicum, não podendo ser considerado funcionário público, para fins penais”1
Mas, o STJ o equipara, conforme seguinte julgado da 5ª Turma: “Embora não sejam servidores
públicos propriamente ditos, pois não são membros da Defensoria Pública, os advogados dativos,
nomeados para exercer a defesa de acusado necessitado nos locais onde o referido órgão não se
encontra instituído, são considerados funcionários públicos para fins penais, nos termos do artigo
327 do Código Penal”2

15.5. No crime peculato apropriação (primeira parte do art. 312), por posse, pode-se entender
a mera detenção?
A primeira corrente entende que a expressão posse é utilizada no sentido amplo, abrangendo a
detenção. O legislador penal não foi técnico, diferenciando posse de detenção. Inverter mera
detenção configura o crime do art. 312, caput.
A segunda corrente entende que a posse não se confunde com a detenção. Havendo mera detenção,
o crime será de peculato-furto. Quando o legislador penal quer abranger a detenção ele o faz
expressamente, como no caso do art. 168, por exemplo. Nesse sentido é o posicionamento de
Rogério Sanches Cunha.

15.6. O peculato culposo pune o fato de o agente concorrer culposamente para o crime de
outrem. Mas que crime de outrem?
– a primeira corrente entende que crime de outrem só pode ser o que está no § 1.º ou no caput do
art. 312. Aqui, faz uma interpretação topográfica. É a corrente majoritária.
– a segunda corrente, no entanto, não limita. O crime de outrem pode ser qualquer crime, inclusive
um furto. Ora, se o tipo não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo.
1
(Apelação Crime Nº 70048117394, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques
Batista, Julgado em 13/09/2012).
2
(RHC 33.133/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 05/06/2013).
133

Logo, pela corrente majoritária, se ele concorre culposamente para um crime de furto (por
particulares) ele não responde por nada. Ex. Deixa a porta aberta e o particular comete um furto.
Apesar de o agente concorrer para o crime de outrem não existe concurso de pessoas quando há
heterogeneidade nos elementos subjetivos. Cada um responde por um crime. Quem subtraiu
responde por um crime e quem participou de um crime culposo responde pelo seu crime.
Atenção: Não é concurso de pessoas. Não há participação culposa em crime doloso ou participação
dolosa em crime culposo. Cada agente responderá pelo seu crime, um pelo peculato culposo e outro
pelo peculato doloso.

15.7. Para configurar o peculato mediante erro de outrem ou Peculato estelionato admite-se
que o erro tenha sido provocado pelo funcionário público?
Para configurar o erro tem que ser espontâneo, se o erro foi praticado pelo funcionário público
teremos o delito de estelionato (orientação majoritária). Rogério Greco discorda desta orientação,
sob o fundamento de que o dispositivo não fala em erro espontâneo. A consumação ocorre quando o
agente, percebendo erro de outrem, não o desfaz agindo como se dono fosse.

15.8. No caso do crime de concussão, e se a vantagem for devida?


Não é exercício arbitrário das próprias razões porque se trata de um crime praticado por particular
contra a administração da justiça.
Aqui, se a vantagem devida for uma contribuição social ou tributo, o crime pode ser o de excesso de
exação.
Se a vantagem devida não é tributo ou contribuição social, o crime é o de abuso de autoridade.
Configura extorsão a pessoa simular um cargo que não ocupa. A simulação de cargo (seja por
particular ou por funcionário publico) não é concussão, mas extorsão.

15.9. Quando o médico cobra adicionais indevidos para realizar uma cirurgia configurará
qual crime?
Médico atendendo pelo SUS, que exige pagamento por procedimento (cirurgia, por exemplo):
Jurisprudência divergente. Há julgados entendendo que é concussão ou extorsão.
Médico que exige dinheiro para realizar cirurgia = art. 316 CP, ou seja, crime de concussão.
Médico que solicita dinheiro para realizar cirurgia = 317 CP, ou seja, corrupção passiva.
Médico que emprega fraude, induzindo a erro (engana) o paciente, afirmando que o SUS não cobre
o procedimento, (simula ser devida a contribuição extra) = 171 CP, ou seja, estelionato.
134

15.10. Qual é a distinção que se faz entre o crime de concussão e o crime de corrupção
passiva?
Na concussão a conduta típica se consubstancia em exigir o agente, por si ou por interposta pessoa,
explícita ou implicitamente, vantagem indevida, abusando da sua autoridade pública como meio de
coação. Na exigência há sempre algum tipo de constrição, influência intimidativa sobre o particular
ofendido, havendo necessariamente algo de coerção. Não se confunde, no entanto, com a corrupção
passiva, tendo em vista que nesta há uma solicitação, um mero pedido.
Para configurar o crime de concussão, é imprescindível que o mal pretendido esteja entre as suas
atribuições, tem que ter competência, poder para praticar o mal colocado, atrelado contra o terceiro.
Se o mal não está entre as suas atribuições (atribuições do cargo para realizar o mal prometido) o
crime será de Extorsão Comum, art. 158.
É extorsão e não Concussão a pessoa fingir-se funcionário público.
A vantagem tem que ser indevida. Prevalece que a vantagem pode ser de qualquer natureza.
Patrimonial ou não Patrimonial, inclusive sexual. Mas essa matéria não é pacífica, havendo
entendimento jurisprudência minoritário em sentido contrário.

15.11. Quanto ao delito previsto no art. 319-A, denominado pela doutrina de prevaricação
imprópria, e se o funcionário, em vez de apenas permitir o acesso ao parelho, pessoalmente
entregá-lo ou, então, deixar de retirar do preso aparelho que já está em sua posse?
Nucci, nos dois casos, defende a tipicidade, argumentando que a expressão acesso ao aparelho não
deve ser interpretada restritivamente. “Embora o tipo penal seja omissivo (deixar de cumprir seu
dever de vedar o acesso), a partir do momento em que fornece o aparelho (atitude comissiva), está-
se, logicamente, deixando de vedar o acesso ao mesmo”.

15.12. Com relação ao crime de violação de sigilo funcional, previsto no art. 325 do CP:
a) E se a ciência do segredo não se der em razão do cargo público ou função que exerce? Nesse
caso, poderá haver outro crime (art. 154 CP - violação de segredo profissional). Dessa forma, o
STF, no famigerado caso da transgressão do painel eletrônico de votação do Senado Federal,
rejeitou a denúncia contra dois parlamentares e uma servidora pública federal pela suposta prática
do delito de violação do sigilo funcional (art. 325 CP), entendendo que o crime pressupõe que o fato
revelado tenha chegado ao conhecimento do agente em razão do exercício do cargo, o que não
ocorreu no caso analisado, já que nenhum dos denunciados possuía acesso à informação violada,
sigilosa para todos, em razão da função exercida (Inq. 1.879-DF. J. 10.09.2003).
b) E no caso de violação do sigilo funcional na apuração do tráfico de drogas? A violação do
sigilo funcional na apuração do tráfico de drogas tipificava o delito do art. 17 da Lei nº 6.368/76,
punida menos severamente (detenção de 2 a 6 meses). No entanto, a Lei nº 11.343/06 revogou
expressamente o referido dispositivo incriminador. Assim sendo, a violação dessa espécie de
segredo passou a configurar o crime do art. 325 do CP. No entanto, a mudança legislativa não
gerou, quanto aos efeitos pretéritos, cometidos sob a vigência da Lei nº 6.368/76, a abolitio criminis
(art. 107, III, CP). Os fatos típicos continuaram subsumidos ao disposto no art. 325 do CP (norma
135

geral), respeitando-se a pena do art. 17, pois mais favorável (ultra-atividade do preceito mais
benéfico).
c) Violação de sigilo funcional envolvendo certames de interesse público: Aplicando-se o
princípio da especialidade. A violação de sigilo funcional envolvendo certamente de interesse
público não caracteriza o crime do art. 325, mas sim o do art. 311-A do CP.

15.13. A pessoa que se intitula falsamente funcionário público perante terceiros pratica o
delito de usurpação de função pública previsto no art. 328 do Código Penal?
A conduta daquele que se simples e falsamente se intitula funcionário perante terceiros, sem, no
entanto, praticar atos inerentes ao ofício (sem intromissão no aparelho estatal), não se ajusta no art.
328 do CP, mas pode configurar a contravenção penal do art. 45 da Lei de Contravenções Penais,
ou mesmo, a depender do caso, crime de estelionato (art. 171 P).

15.14. Resistência e oposição dirigida a vários funcionários públicos. O agente responde por
crime único ou concurso de crimes?
Se o sujeito, no mesmo contexto fático, opõe-se à execução de ato legal, mediante violência ou
ameaça a dois ou mais funcionários públicos igualmente competentes para realizá-lo, há um único
crime de resistência contra a mesma vítima (Estado), pois o bem jurídico penalmente protegido é a
Administração Pública, e não a atuação concreta dos seus agentes isoladamente considerados.
Todavia, se as condutas forem praticadas em contextos diversos, estará configurado o concurso de
crimes.

15.15. Qual a distinção entre desacato e injúria contra funcionário público?


O crime de injúria pode ser cometido na presença ou na ausência da vítima, desde que a ofensa
chegue ao seu conhecimento, com potencialidade para arranhar sua honra subjetiva (o juízo que
cada pessoa faz de si própria). Essa é a regra geral, excepcionada quando o ofendido é funcionário
público. Nesse caso, se a ofensa é realizada na presença do funcionário público, no exercício da
função ou em razão dela, não se trata de simples agressão à sua honra, mas de desacato, arrolado
pelo legislador entre os crimes contra a Administração Pública. Na injúria, por sua vez, a ofensa não
é lançada na presença do funcionário público, relacionando-se, todavia, à função pública por ele
exercida.

15.16. O funcionário público pode ser sujeito do crime de desacato?


Há três posições acerca da possibilidade de o funcionário público ser autor de desacato:
1) O funcionário público jamais pode ser responsabilizado por desacato – A justificativa desta
corrente é extremamente simplista e centrada na interpretação geográfica e literal do CP – se o
desacato está capitulado entre os “crimes praticados por particular contra a Administração em
geral”, o funcionário público não pode figurar como seu sujeito ativo. A ofensa proferida por
136

funcionário público contra outro funcionário público configura o crime de injúria, com a pena
aumentada de um terço, nos termos do art. 141, II, do CP.
2) O funcionário público somente pode ser responsabilizado por desacato quando ofende seu
superior hierárquico – Para esta corrente, o funcionário público pode praticar desacato contra seu
superior hierárquico, mas a recíproca não é verdadeira. Entendemos, com o devido respeito, que
esta posição, além de preconceituosa e autoritária, é inconstitucional, em face da violação do
princípio da isonomia (CF, art. 5º, caput). Ademais, sabemos ter o legislador incriminado o
“desacato”, tutelando toda e qualquer função pública, e não somente o “desacato à autoridade”;
3) O funcionário público pode ser responsabilizado por desacato – De fato, ao ofender física ou
moralmente um funcionário público o sujeito se despe da sua condição funcional e se equipara ao
particular. Em verdade, entre as atribuições do funcionário público não se insere a agressão de
qualquer natureza contra outro funcionário público. Logo, a ele deve ser imputado o crime de
desacato, pois o bem jurídico tutelado é o prestígio da função pública, razão pela qual o sujeito
passivo é o Estado e, secundariamente, o funcionário público ofendido. Esta posição, correta e
atualmente consolidada em sede doutrinária, há muito tempo também passou a ser adotada pela
jurisprudência do STF e do STJ.

15.17. Questões relativas ao delito de corrupção ativa:


a) Imprescindibilidade de conduta prévia ao ato de ofício: Inexiste corrupção ativa no
oferecimento ou promessa de vantagem indevida posteriormente à realização ou omissão do ato de
ofício pelo funcionário público, sem que tenha havido influência do particular em seu
comportamento. O tipo penal reclama a prática, omissão ou retardamento do ato de ofício depois do
oferecimento ou promessa de vantagem indevida, nunca antes. Nesse caso é possível a
caracterização de corrupção passiva (CP, art. 317, caput), figurando o particular como partícipe.
b) Corrupção ativa e corrupção passiva – dependência e independência: Questiona-se a
possibilidade da existência de corrupção ativa sem a ocorrência simultânea da corrupção passiva. A
resposta a esta indagação depende da análise dos núcleos dos tipos penais de ambos os crimes. A
corrupção ativa possui dois verbos: “oferecer” e “prometer”. De outro lado, a corrupção passiva
contém três verbos: “solicitar”, “receber” e “aceitar” promessa. Com a comparação dos arts. 333,
caput, e 317, caput, conclui-se pela possibilidade de corrupção ativa, independentemente da
corrupção passiva, em seus dois núcleos, pois o particular pode oferecer ou prometer vantagem
indevida ao funcionário público, sem que este aceite tanto a proposta como a promessa.
c) Incompatibilidade lógica entre os crimes de concussão e corrupção ativa: A concussão,
inserida entre os crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral, tem
como núcleo o verbo “exigir”, isto é, impor ou determinar alguma coisa. Consequentemente, se uma
pessoa (vítima da concussão) entregar ao funcionário público a vantagem indevida, em razão da
exigência por este formulada, não poderá ser responsabilizada pela corrupção ativa, pois somente
comportou-se desta forma em obediência à ordem que lhe foi criminosamente endereçada. Nota-se,
portanto, a manifesta incompatibilidade lógica entre os crimes de concussão e de corrupção ativa.
137

15.18. E aplicável o princípio da insignificância no crime de descaminho? E no crime de


contrabando? Quais reflexos que as Portaria 75/2012 e 130/2012, do Ministério da Fazenda,
geraram no princípio da insignificância?
Em face da natureza tributária do crime de descaminho, é possível a incidência do princípio da
insignificância, como causa supralegal de exclusão da tipicidade, nas hipóteses em que, embora
realizada a conduta legalmente descrita (tipicidade formal), não houver risco de lesão ao bem
jurídico penalmente tutelado (ausência de tipicidade material).
Para o STF, os crimes contra a ordem tributária, aí se incluindo o descaminho, são compatíveis com
o princípio da insignificância sempre que a quantia objeto da falta de recolhimento aos cofres
públicos não ultrapassar R$ 10.000,00, uma vez que o art. 20 da Lei 10.522/2002 determina o
arquivamento das execuções fiscais, sem cancelamento da distribuição, quando os débitos inscritos
como dívida ativa da União não excedam tal patamar. Destarte, não há justa causa para
oferecimento da ação penal quando o valor do tributo não supere o montante de R$ 10.000,00.
A doutrina se cala sobre a possibilidade ou não de utilizar o princípio da insignificância no crime de
contrabando. Para nós, não há falar em criminalidade de bagatela no campo do contrabando, pois tal
delito relaciona-se com a importação ou exportação de mercadoria proibida, não sendo possível
reputar-se insignificante a entrada ou saída ilegal do território nacional de produto classificado
como proibido pelas autoridades brasileiras.
A Portaria 130/2012 conferiu nova redação ao art. 2º da Portaria 75/2012, ambas do Ministério da
Fazenda: “Art. 2º O Procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na
distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja
igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não conste dos autos garantia, integral
ou parcial, útil à satisfação do crédito”. O Superior Tribunal de Justiça, contudo, firmou
jurisprudência limitando a incidência do princípio da insignificância quando o tributo não ultrapassa
o valor de R$ 10.000,00 (REsp 1.112.748/TO, 3ª Seção, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j.
12.11.2013).

15.19. É necessário o prévio esgotamento da via administrativa para configurar o crime


previsto no art. 337-A do CP (Sonegação de contribuição previdenciária)?
É pacífico o entendimento de que não se configura crime contra a ordem tributária, a exemplo da
sonegação de contribuição previdenciária, enquanto não encerrado o processo administrativo
relativo à discussão acerca da existência, valor ou exigibilidade da contribuição social
previdenciária supostamente devida.
Fundamenta-se esta linha de raciocínio no art. 142, caput, do CTN: “Compete privativamente à
autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o
procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação
correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o
sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.
Portanto, a atribuição para lançamento é da autoridade administrativa, motivo pelo qual a decisão
por ela proferida vincula até mesmo o Poder Judiciário, que não pode lançar um tributo, tampouco
corrigir ou modificar o lançamento efetuado pela autoridade administrativa. Se o juiz reconhecer
138

algum vício no lançamento realizado, ele deve declarar sua nulidade, cabendo à autoridade
administrativa competente, se for o caso, constituir novamente o crédito tributário.
É por isso que o STF e o STJ pacificaram a jurisprudência na direção de ser vedada a propositura da
ação penal por crimes tributários (lato sensu) antes da conclusão do processo administrativo de
lançamento, pois o magistrado não tem competência para decidir sobre a existência ou não do
crédito tributário em relação ao qual repousa a discussão sobre a prática do delito. Se o tributo ainda
não se encontra integralmente constituído, não é exigível, razão pela qual é vedado falar em crime
de natureza tributária.
Para afastar qualquer discussão sobre o assunto, o STF editou a Súmula Vinculante 24, que, embora
faça referência unicamente aos crimes previstos no art. 1º, I a IV, da Lei 8.137/1990, irradia efeitos
para os crimes tributários em geral, entre eles a sonegação de contribuição previdenciária, pois as
razões que justificaram sua criação também se encontram presentes neste delito.

15.20. Quais as diferenças entre os crimes de denunciação caluniosa e calúnia?


Os crimes de denunciação caluniosa e de calúnia (art. 138 do CP) apesar de apresentarem um ponto
em comum (há, em ambos, a imputação falsa de crime a pessoa que se sabe inocente), não se
confundem. Vejamos as principais diferenças entre os delitos:
1) quanto ao bem jurídico penalmente tutelado: a calúnia é crime contra a honra; a denunciação
caluniosa atenta contra a Administração da justiça;
2) no plano da tipicidade, na calúnia o sujeito se limita a imputar a alguém, falsamente e perante
terceira pessoa, a prática de fato definido como crime, com o objetivo de ofender a honra objetiva
da vítima; na denunciação caluniosa ele não apenas atribui à vítima, falsamente, a prática de um
delito, mas leva esta imputação ao conhecimento da autoridade pública, movimentando a máquina
estatal mediante a instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de
investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa;
3) a calúnia pressupõe a imputação falsa de crime; a denunciação caluniosa admite a imputação
falsa de crime ou de contravenção penal (art. 339, § 2º, do CP);
4) na denunciação caluniosa a ação penal sempre é pública incondicionada; na calúnia a ação penal
em regra é privada; e
5) a denunciação caluniosa é crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com as disposições
da Lei 9.099/1995, salvo na imputação falsa de contravenção penal, hipótese em que desponta como
crime de médio potencial ofensivo; A calúnia, em sua modalidade fundamental (art. 138, caput, do
CP), é infração penal de menor potencial ofensivo.

17.21. Quais as diferenças entre os crimes de comunicação falsa de crime ou de contravenção


(art. 340) e denunciação caluniosa (art. 339)?
A comunicação falsa de crime ou de contravenção em muito se assemelha à denunciação caluniosa.
No entanto, na comunicação falsa de crime ou de contravenção o sujeito se limita a comunicar
falsamente a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado, assim
provocando a ação de autoridade, mas não acusa falsamente nenhuma pessoa, seja por se tratar de
139

indivíduo indeterminado e indeterminável, seja por referir-se a pessoa que não existe (pessoa
imaginária).
A pena do delito tipificado no art. 340 do CP será a mesma, pouco importando se a comunicação
falsa foi de crime ou de contravenção penal, pois em qualquer dos casos são inutilmente
desperdiçados o tempo e o esforço da autoridade pública.
Não se reclama a instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação
administrativa, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa. Basta provocar, em
sentido amplo, a ação da autoridade, pois, comportando-se desta forma, o sujeito provoca prejuízos
(presunção absoluta ou iuris et de iure) a toda a coletividade.

15.22. Explique a diferença entre favorecimento pessoal e participação em outro crime.


O favorecimento pessoal pressupõe a prestação de auxílio ao criminoso. Este auxílio, contudo, não
pode ocorrer a qualquer tempo, mas unicamente após a consumação do crime praticado pelo
favorecido. Já consumado um crime, o sujeito auxilia seu autor a subtrair-se da ação da autoridade
pública.
O favorecimento dirige-se ao criminoso, para sua fuga ou ocultação, mas não há contribuição
alguma para a idealização ou execução do crime anterior, pois dele o agente só veio a tomar
conhecimento após sua consumação. Se o auxílio foi prestado ou mesmo prometido antes ou
durante a execução do crime inicialmente desejado, não há falar em favorecimento pessoal, mas em
participação em relação àquele delito.
Não há dúvida que, ao auxiliar (ou prometer fazê-lo) alguém antes ou durante a prática de um
crime, o sujeito com este concorreu, nos termos do art. 29, caput, do CP. No terreno da
participação, auxiliar é facilitar, viabilizar materialmente a execução do crime, sem a realização da
conduta penalmente descrita.
O auxílio pode ser efetuado durante os atos preparatórios ou executórios, mas nunca depois da
consumação, salvo se ajustado previamente. Nos crimes permanentes, o auxílio prestado ao autor do
delito, antes de cessada a permanência, caracteriza participação, nos termos do art. 29, caput, do
CP, e não crime autônomo de favorecimento pessoal.

15.23. Quais as distinções entre favorecimento real e receptação.


É possível que haja confusão entre favorecimento real e receptação própria (CP, art. 180, caput, 1ª
parte), notadamente na modalidade “ocultar”, indicativa da conduta de esconder um bem,
colocando-o em local no qual não possa ser encontrado por terceiros.
O legislador foi peremptório ao estatuir, na redação do dispositivo em análise, que o favorecimento
real não se confunde com a receptação. Nada obstante ambos os crimes sejam acessórios, suas
diferenças são nítidas.
Inicialmente, a receptação é delito contra o patrimônio; o favorecimento real, por sua vez, é crime
contra a Administração da justiça. Na receptação, o beneficiado economicamente pela conduta
criminosa é o receptador, ou então terceira pessoa, sempre distinta da responsável pelo crime
140

antecedente. No favorecimento real o sujeito atua em prol do autor do crime anterior, e o proveito
do crime pode ser econômico ou não.

15.24. Quais são os cinco elementos previstos na Lei nº 7.716/89 que podem levar o agente à
aplicação da lei, falando brevemente acerca de cada um deles.
São 05 elementos que podem levar o agente à aplicação da lei:
RAÇA: é o conjunto de caracteres biológicos que unem determinado grupo, tais como: cor de pele,
tipo de cabelo, formato de rosto; há muita discussão sobre essa questão de distinção de raças entre
os humanos, trata-se de um conceito questionável;
COR: entendida como um elemento da raça, que define a coloração da pele em geral;
ETNIA: é um conceito mais amplo do que raça, é o conjunto de caracteres biológicos, sociais e
culturais que unem determinados grupos, é também um conceito vago e impreciso,
RELIGIÃO: é o conjunto de crenças espirituais, também é um termo vago, mas, existem muitas
religiões e todas devem ser respeitadas, não são somente as religiões reconhecidas, todas merecem
respeito, exceto, se desrespeitem princípios protegidos constitucionalmente.
PROCEDÊNCIA NACIONAL: é a nacionalidade do indivíduo, é claro que as restrições
constitucionais em relação aos naturalizados não é discriminação.

15.25. Diferencie o crime de racismo do crime de injúria qualificada pelo elemento de raça.
Sobre o assunto, Guilherme de Souza Nucci leciona que "é preciso considerar que o art. 20 da Lei
7.716/89 diz respeito à ofensa a um grupo de pessoas e não somente a um indivíduo, enquanto o art.
140, § 3.º, do Código Penal, ao contrário, refere-se a uma pessoa, embora valendo-se de
instrumentos relacionados a um grupo de pessoas ".
O referido autor prossegue, ressaltando não ser “tarefa fácil diferenciar uma conduta e outra”,
devendo-se buscar como norte “o elemento subjetivo do tipo específico”, sendo que "se o agente
pretender ofender um indivíduo, valendo-se de caracteres raciais, aplica-se o art. 140, § 3.º, do
Código Penal", ao passo que "se o seu real intento for discriminar uma pessoa, embora ofendendo-a,
para que, de algum modo, fique segregada, o tipo penal aplicável é o do art. 20". Na mesma esteira,
colhe-se julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça3.
Em suma, no crime de injúria qualificado por elemento raça o bem jurídico tutelado é a honra
subjetiva individual e o sujeito passivo é uma determinada pessoa. No crime de racismo, por sua
vez, o bem jurídico é a preservação da igualdade dos seres humanos perante a lei e o sujeito passivo
é a coletividade, mesmo que seja dirigido contra uma pessoa específica.

3
(STJ. RHC 18.620/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
14/10/2008, DJe 28/10/2008).
141

15.26. Os conselhos indigenistas possuem legitimidade ativa em matéria penal para oferecer
queixa-crime no caso de ação penal privada subsidiária da pública, para imputar a prática
dos crimes de racismo e incitação à violência e ódio contra os povos indígenas?
SEGUNDO STF NÃO.
Vejamos: Os conselhos indigenistas não possuem legitimidade ativa em matéria penal. Deve,
portanto, ser rejeitada a queixa-crime porque não cabe a ação penal privada proposta, que é
subsidiária da pública, para imputar a prática dos crimes de racismo e incitação à violência e ódio
contra os povos indígenas. (STF. Inq 3862 ED, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira
Turma, julgado em 18/11/2014).
Na ação penal privada, apenas o ofendido pode propor a ação penal privada ou quem tenha
qualidade para representá-lo, conforme disposto no artigo 100, § 2º, do Código Penal (“A ação de
iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para
representá-lo”), bem como no art. 30 do Código de Processo Penal (“Ao ofendido ou a quem tenha
qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada”).
Excepcionalmente, há situações em que, por expressa previsão legal, o legitimado para o
oferecimento da queixa-crime subsidiária pode ser pessoa física ou entes não ligados diretamente ao
ofendido, o que não é o caso. Os dispositivos legais mencionados (arts. 3º e 5º) da Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho, internalizada pelo Decreto Legislativo nº 5.051/04, não
fazem menção à legitimidade da organização indígena para propor a queixa-crime, ou seja, não foge
da regra geral.

15.27. Admite-se prisão preventiva e prisão temporária no caso de crime de discriminação dos
portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de AIDS? E fiança, é
cabível?
PRISÃO PREVENTIVA: Não é admitida a prisão preventiva diante da discriminação ao portador
de HIV, pois a imposição de cautelar pessoal pressupõe crime com pena SUPERIOR a 4 anos e o
delito em comento tem pena máxima de 4 anos – art. 313, I do CPP.
PRISÃO TEMPORÁRIA: Não é admitida a prisão temporária diante da discriminação ao portador
de HIV, pois a Lei prevê um rol taxativo de crimes que podem ensejar a referida cautelar prisional e
o novel crime não está albergado pela norma – Lei nº 7.960/89, art. 1.
FIANÇA: Trata-se de crime passível de fiança, pois não estamos diante de racismo, mas sim
discriminação, e os institutos não se confundem. Ademais, a fiança, in casu, pode ser arbitrada pelo
Delegado de Polícia, pois o delito possui pena máxima de 4 anos, conforme expõe o art. 322 do
CPP.

15.28. Outras considerações acerca do crime de discriminação dos portadores do vírus da


imunodeficiência humana (HIV) e doentes de AIDS:
DESDOBRAMENTOS PROCESSUAIS: Trata-se de crime de médio potencial ofensivo, pois,
apesar de não se enquadrar na L. 9.099/95, admite a aplicação da suspensão condicional do
processo como instituto despenalizador – art. 89 da L. 9.099/95.
142

Admite-se, ainda, a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, desde que
o agente não seja reincidente em crime doloso e que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta
social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que
essa substituição seja suficiente – art. 44 do CP.
E, por fim, deve estar evidente que não se admite a substituição da pena privativa de liberdade por
multa, pois, cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativas de liberdade e
pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa – Súmula 171 do STJ.
CONFLITO APARENTE DE NORMAS: A conduta de divulgar a condição do portador do HIV ou
de doente de aids, com intuito de ofender lhe a dignidade, como sabido, a depender da casuística,
poderia amoldar-se aos crimes de injúria ou difamação, previstos no Código Penal, todavia, deve
prevalecer o crime instituído na novel lei, sob a égide do Princípio da Especialidade.

15.29. É possível concurso de pessoas com particular no abuso de autoridade?


O particular pode responder por abuso de autoridade desde que cometa o crime juntamente com
uma autoridade e, desde que, saiba da qualidade de autoridade do comparsa. Logo, é possível que
um particular haja em concurso com a autoridade pública para a prática de abuso de autoridade, nos
termos do art. 30 do Código Penal, desde que atue com a autoridade, conhecendo essa circunstância
elementar.

15.30. Quais são as sanções penais previstas na Lei de Abuso de Autoridade?


De acordo com o art. 6º, § 3º, da referida lei a sanção penal será aplicada de acordo com as regras
dos artigos 42 a 56 do Código Penal e consistirá em:
a) multa de cem a cinco mil cruzeiros;
b) detenção por dez dias a seis meses;
c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até
três anos.
§ 4º As penas previstas no parágrafo anterior poderão ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.
Quando o agente for um policial, a lei ainda prevê mais uma pena, vide:
§ 5º Quando o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou militar, de qualquer
categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória, de não poder o acusado exercer
funções de natureza policial ou militar no município da culpa, por prazo de um a cinco anos”

15.31. Os crimes de abuso de autoridade previstos no art. 3º e no art. 4º da lei nº 4.898/65


admitem tentativa?
Os crimes do art. 3º não admitem a tentativa porque a lei já pune o simples atentado como crime
consumado, os quais podem ser chamados de crimes de atentado.
143

O art. 4º, alíneas “c”, “d”, “g” e “i” também não admitem a tentativa, porque esses são crimes
omissivos puros ou próprios, e crimes dessa natureza não admitem tentativa. As demais letras do
art. 4º admitem tentativa.

15.32. Qual o prazo de prescrição dos crimes de abuso de autoridade?


A lei de abuso de autoridade não tem regra própria de prescrição. Portanto, aplicam-se as regras de
prescrição do CP. Então, tanto a prescrição da pretensão executiva quanto a prescrição da execução
executória ocorrem em 03 anos (art. 109, VI, CP), pois a pena máxima do abuso de autoridade é de
06 meses4.

15.33. A representação da vítima para os crimes de abuso de autoridade é condição de


procedibilidade da ação penal?
A ação penal nos crimes de abuso de autoridade é pública incondicionada, sendo a representação
mencionada na lei mera delatio criminis ao membro do Ministério Público, e não condição de
procedibilidade.
A leitura apressada do dispositivo legal pode levar o interprete ao equívoco de pensar que a
representação é uma condição objetiva de punibilidade, sendo portanto a ação penal pública
condicionada à representação.
Todavia, a representação a que alude o dispositivo tem natureza de notitia criminis. Nesse sentido, é
o art. 1º ad Lei 5.249/67 que dispõe: “A falta de representação do ofendido, nos casos dos abusos
previstos na Lei nº 4.898/65 não obsta a iniciativa ou o curso da ação penal”. Assim, a ação
pública é incondicionada.

15.34. Questões relativas à competência. Regras básicas:


a) Aos crimes de abuso de autoridade aplicam-se as regras gerais de competência estabelecidas nos
arts. 69 e ss. do Código de Processo Penal. Portanto, a competência é fixada, de regra, pelo lugar em
que se consumou a infração.
b) Se o abuso de autoridade for praticado por autoridade federal, a competência será da Justiça
Federal (art. 109, IV, da CF), dada a dupla subjetividade passiva desse crime (a Administração é
vítima mediata).
c) É possível a ocorrência de conexão ou continência entre delito comum e crime de abuso de
autoridade. Nesse caso não haverá separação de processos. A ação penal pelos delitos conexos ou
continentes correrá no juízo comum, aplicando-se, entretanto, ao crime de abuso de autoridade os
institutos da transação e da composição dos danos civis (art. 6º, parágrafo único, da Lei n.
9.099/95).

4
(TJRS. Recurso Crime Nº 71004953311, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet,
Julgado em 08/09/2014)
144

d) Em caso de concurso entre crime doloso contra a vida e crime de abuso de autoridade, a
competência será do Tribunal do Júri (art. 78, I, do CPP). Portanto, o abuso de autoridade será
julgado pelo Tribunal do Júri. Nesse caso, deverá ser aplicada ao abuso de autoridade a regra do art.
60, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95, observando-se os institutos da transação e da composição
dos danos civis.
e) Em caso de concurso entre crime militar e crime de abuso de autoridade, o crime militar será
julgado pela Justiça Militar e o crime comum será julgado pela Justiça Comum, nos termos do
disposto na Súmula 90 do STJ, do seguinte teor: “Compete à Justiça Estadual Militar processar e
julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum
simultâneo àquele”.
f) No caso de prática unicamente de crime de abuso de autoridade por militar, compete à Justiça
Comum o processo e julgamento. Nesse sentido a Súmula 172 do Superior Tribunal de Justiça:
“Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que
praticado em serviço”.

15.35. A prisão para averiguação caracteriza abuso de autoridade?


A Prisão para averiguação é, evidentemente, abuso de autoridade. Trata-se de uma prisão que é
sempre abusiva, é sempre abuso de autoridade.
Cumpre registrar que a doutrina distingue a condução momentânea à delegacia (detenção
momentânea) ou repartições policiais para rápidas averiguações. Isso não é abuso de autoridade.
Está dentro do Poder de Polícia.

15.36. O que ocorre no caso de crime de abuso de autoridade praticado por policiais militares
que cause ofensa à integridade física da vítima?
Imputando-se aos acusados, na condição de policiais militares em serviço, o crime de abuso de
autoridade, inclusive por ofensa à integridade corporal da vítima, a competência para processo e
para julgamento é da Justiça Militar Estadual, nos termos do art. 125, § 4º, da Constituição federal,
já que o crime vem definido no art. 209 do Código Penal Militar, ficando o delito de abuso de
autoridade absorvido pelo de lesões corporais. Nesse sentido é o entendimento do TJRS5.

5
(Recurso Crime Nº 71005109293, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado
em 06/10/2014).
145

16. CRIMES DA LEI ANTITÓXICOS (LEI Nº 11.343/06). CRIMES HEDIONDOS (LEI Nº


8.072/90). CRIMES DE TORTURA (LEI Nº 9.455/97).
AUTORA: MARÍLIA OLIVEIRA ARAÚJO RIBEIRO
MATERIAL DE CONSULTA: LEGISLAÇÃO CRIMINAL ESPECIAL COMENTADA – RENATO BRASILEIRO DE LIMA (2014)

CRIMES DA LEI ANTITÓXICOS – LEI 11.343/06


16.1. Discorra sobre as principais alterações introduzidas pela Lei 11.343/06.
A Lei 11.343/06 substituiu a expressão “substância entorpecente” por “droga”.
Outra característica importante da nova lei é a observância ao princípio da proporcionalidade, vez
que a Lei 6.368/76 punia com a mesma pena comportamentos diversos, imputando pena de 3 a 10
anos a quem praticava tráfico de drogas, tráfico de matéria-prima, induzia outrem a usar drogas,
agia como “mula do tráfico” ou como “avião”, e, ainda, a que utilizava seu imóvel para servir a
traficante.
A lei nova, por sua vez, pune esses comportamentos com penas diferentes, obedecendo ao princípio
da proporcionalidade. Fala-se, então, que a nova lei prevê várias exceções pluralistas à teoria
monista.
Uma terceira característica é o fato de que a lei nova incrementou as multas, pretendendo atingir o
patrimônio do traficante. Prevê, inclusive, penas que ultrapassam 2.000 dias-multa.
Por fim, destaca-se o fato de a nova Lei de Drogas ter deixado de prever a possibilidade de
aplicação de pena privativa de liberdade para o usuário de drogas.

16.2. Qual a natureza jurídica do art. 28 da Lei 11.343/06?


Diverge a doutrina acerca da natureza jurídica do art. 28 da Lei 11.343/06.
A 1ª corrente, adotada pelo STF, entende que a conduta descrita no referido dispositivo constitui
crime, destacando os seguintes fundamentos: i) o capítulo em que está inserido é intitulado “dos
crimes”; ii) o art. 28, § 4º fala em reincidência e iii) o art. 30 fala em prescrição.
Aduzem, ainda, que o art. 5º, XLVI, CF/88 permite a cominação de outras penas, que não
exclusivamente a reclusão ou a detenção, e que, se entendesse que não é crime, não seria possível
também punir (reeducar) o menor infrator por fato análogo ao do art. 28.
Os adeptos da 2ª corrente (LFG, por exemplo) sustentam não ser crime, mas infração penal sui
generis, apresentando os seguintes fundamentos: i) o nome do capítulo nem sempre corresponde ao
seu conteúdo (ex.: o Dec.-Lei 201/67 chama de “crimes” infrações político-administrativas); ii) o
termo “reincidência” foi utilizado em seu sentido vulgar, como mera repetição do fato e iii) a
prescrição não é fenômeno exclusivo do crime (outros ilícitos e atos infracionais também
prescrevem).
Para essa corrente, crime é somente a conduta punida com reclusão e detenção, enquanto
contravenção penal é a conduta punida com prisão simples, nos termos da Lei de Introdução do CP.
146

Argumentam, então, que se o art. 28 não traz nenhuma dessas penas, só pode ser uma infração penal
diversa de crime e contravenção (por isso sui generis).
Aduzem, ainda, que o usuário de drogas não é levado à Delegacia, mas encaminhado ao juiz (art.
48, §2º, Lei 11.343/06) e que, em relação aos menores infratores, não se quer puni-los, e, sim,
ressocializá-los (art. 101, ECA).
A 3ª corrente (Alice Bianchini), por sua vez, entende que é fato atípico do ponto de vista penal (não
é crime). A Lei 11.343/06 fala em medida educativa, que é diferente de medida punitiva. Ademais,
o descumprimento da “pena” não gera consequência penal.
Reivindicam a aplicação do princípio da intervenção mínima e sustentam ser o direito à saúde
individual um bem jurídico disponível.

16.3. É possível a aplicação do princípio da insignificância em relação ao crime de porte de


drogas para consumo próprio (art. 28, 11.343/06)?
Para o STJ, “não é possível afastar a tipicidade material do porte de substância entorpecente para
consumo próprio com base no princípio da insignificância, ainda que ínfima a quantidade de droga
apreendida” (RHC 35.920-DF, julgado em 20/5/2014 – Info/STJ nº 541).
O STF entendia, inicialmente, não ser possível a aplicação do princípio da insignificância ao crime
comum de porte de drogas para consumo pessoal, primeiro porque estaria presente a periculosidade
social da ação, uma vez que se trata de crime de perigo presumido, e segundo porque a Lei
11.343/06 já teria abrandado as penas para o referido crime, impondo medidas de caráter educativo
ao agente (HC 102.940/ES, DJe 05/04/2011).
Ocorre que, em 14/02/2012, a 1ª Turma do STF, ao julgar o HC 110.475/SC (Rel. Min. Dias
Toffoli), reconheceu a incidência do princípio da insignificância em relação ao crime do art. 28
da Lei 11.343/06, desde que ínfima a quantidade de droga apreendida com o usuário – 0,6 g de
maconha no caso concreto, quantidade equivalente a um único ou menos de um cigarro da droga.
Em defesa da aplicação do princípio da insignificância ao crime em tela, são aduzidos os seguintes
argumentos:
i) o fato de o tipo configurar um delito de perigo abstrato não pode impedir a aplicação do princípio
da insignificância. Isso porque, mesmo nesses casos, não se afasta a necessidade de aferição da
lesividade da conduta, ou seja, se capaz ou não de atingir, concretamente, o bem jurídico
resguardado pela norma;
ii) é indispensável que se demonstre a aptidão da conduta em lesar o bem jurídico, não bastando
que, pelo simples fato de figurar no rol de substâncias proibidas pela lei, se pressuponha, de forma
absoluta, que qualquer quantidade de droga seja capaz de produzir danos à saúde pública;
iii) embora o Estado deva promover a proteção de bens jurídicos supraindividuais, tais como a
saúde pública, não poderá fazê-lo em casos em que a intervenção seja de tal forma desproporcional,
a ponto de incriminar uma conduta absolutamente incapaz de oferecer perigo ao próprio objeto
material do tipo.
147

16.4. É possível a aplicação de pena restritiva de liberdade ao adolescente acusado da prática


de ato infracional análogo ao delito previsto no art. 28 da Lei 11.340/06?
Nos termos da jurisprudência do STJ, “não é possível a aplicação de pena restritiva de liberdade
(internação ou semiliberdade) ao adolescente acusado da prática de ato infracional análogo ao
delito do art. 28 da Lei de Drogas (porte de drogas para consumo próprio), nem mesmo em caso
de reiteração ou de descumprimento de medidas anteriormente aplicadas, já que o tipo penal não
prevê pena restritiva de liberdade” (STF, maio/2014, Info n. 742).

16.5. Qual o prazo prescricional para o crime previsto no art. 28 da Lei 11.343/06 (porte de
drogas para consumo próprio)?
O art. 30 prevê um prazo prescricional fixo para o crime do art. 28, que será sempre de 2 anos.

16.6. É possível a tentativa no crime de art. 33, caput, da Lei 11.343/06 (tráfico de drogas
propriamente dito)?
Não obstante o fato dos 18 núcleos do tipo previsto no art. 33, caput serem muito abrangentes
(crime de ação múltipla ou plurinuclear), quase não deixando brecha para eventual tentativa, é
possível vislumbrar a tentativa na modalidade adquirir (“tentar adquirir”).

16.7. No que tange à dosimetria da pena, é possível que o juiz deixe de aplicar ao condenado
por tráfico de drogas a pena-base no mínimo legal em razão da quantidade e da natureza da
droga apreendida em poder do réu e, pelo mesmo motivo, aplique a causa de diminuição da
pena prevista no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06 em seu percentual mínimo?
Segundo entendimento do STF, a natureza e a quantidade da droga apreendida não podem servir de
fundamento para a fixação da pena-base acima do mínimo legal na primeira fase da dosimetria da
pena e, também, para justificar a redução da pena no percentual mínimo autorizado pelo §4º do art.
33 da Lei 11.343/06, na terceira fase da dosimetria, sob pena de configurar o vedado bis in idem.
Para a Corte, “utilizado o critério da natureza e da quantidade dos entorpecentes para elevar a
pena-base, deveria a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 ser fixada no
patamar de dois terços, porque não haveria qualquer outro fundamento fixado pelas instâncias
antecedentes para impedir sua aplicação em grau máximo” (STF, RHC 122684/MG, julgado em
16/09/2014, Info 759).

16.8. A omissão de receitas por parte do agente do crime de tráfico de drogas pode configurar
o delito de sonegação fiscal?
Embora no direito tributário vigore o princípio do non olet (o dinheiro não tem cheiro), pouco
importando se a renda vem de atividade lícita ou ilícita, para a maioria da doutrina obrigar o réu a
declarar a renda proveniente do tráfico seria obrigá-lo a produzir provas contra si mesmo.
148

16.9. A realização de eventos e de manifestações públicas, a exemplo da conhecida “Marcha


da Maconha”, que visem debater a legalização ou descriminalização do uso de entorpecentes
configura a prática do delito tipificado no art. 33, §2º da Lei 11.343/06 (induzimento ao uso de
drogas) ou no art. 287, CP (apologia ao crime)?
O STF julgou procedente a ADIN 4274/DF para dar ao § 2º do art. 33 da Lei 11.343/2006
interpretação conforme à Constituição e dele excluir qualquer significado que enseje a proibição de
manifestações e debates públicos acerca da descriminalização ou legalização do uso de drogas ou de
qualquer substância que leve o ser humano ao entorpecimento episódico, ou então viciado, das suas
faculdades psicofísicas. Por unanimidade, os ministros decidiram que esse tipo de manifestação não
pode ser considerado crime previsto no artigo 33, parágrafo 2º, da Lei de Tóxicos (Lei nº
11.343/2006), o que configuraria afronta aos direitos de reunião e de livre expressão do
pensamento, previstos na Constituição Federal.
Para a Corte,“nenhuma lei, seja ela civil ou penal, pode blindar-se contra a discussão do seu
próprio conteúdo. Nem mesmo a Constituição está a salvo da ampla, livre e aberta discussão dos
seus defeitos e das suas virtudes, desde que sejam obedecidas as condicionantes ao direito
constitucional de reunião, tal como a prévia comunicação às autoridades competentes”. (ADI
4274/DF, julgamento em 23/11/11).

16.10. Com o advento da Lei 11.343/2006 houve abolitio criminis quanto a conduta prevista no
art. 12, § 2º, III, da Lei 6.368/1976, consistente em contribuir de qualquer forma para
incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que
determine dependência física ou psíquica?
Não, pois apesar da revogação do referido dispositivo legal, o tipo penal nele contido subsiste em
diversos artigos da Lei 11.343/2006.
Segundo o STJ, “é certo que a Lei 11.343/2006 não repetiu literalmente o texto do inciso III do § 2º
do artigo 12 da Lei 6.368/1976. Entretanto, a nova lei trouxe a previsão dos crimes de
financiamento e custeio para o tráfico (art. 36), de colaboração como informante (art. 37) e, ainda,
introduziu, no seu art. 33, § 1º, III, a ideia de que incorrerá nas mesmas penas do art. 33, caput
(tráfico), aquele que consinta que outrem utilize bem de qualquer natureza de que tenha a
propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, ainda que gratuitamente, para o tráfico ilícito de drogas.
Assim, em uma interpretação sistemática, deve-se concluir que a conduta prevista no inciso III do §
2º do art. 12 da Lei 6.368/1976 continua típica na vigência da Lei 11.343/2006, ainda que
desdobrada em mais de um artigo da nova lei. Ademais, observe-se que a regra contida no art. 29
do CP também afasta a alegação de descriminalização da conduta em análise, pois quem contribui,
de qualquer modo, para o crime, incide nas penas a este cominadas na medida de sua
culpabilidade” (STJ, HC 163.545-RJ, julgado em 25/6/2013).
149

16.11. O que caracteriza o crime descrito no art. 33, §3º da Lei 11.343/06, chamado pela
doutrina de “tráfico de menor potencial ofensivo”?
O crime do art. 33, §3º da Lei de Drogas pressupõe a existência de quatro circunstâncias: i) relação
especial entre os envolvidos (pessoa do relacionamento); ii) prática não habitual da conduta
(eventualidade); iii) ausência de interesse lucrativo (sem objetivo de lucro) e iv) intenção de
consumo compartilhado (para juntos a consumirem).
A ocorrência desses quatro elementos especializantes distingue o crime do art. 33, §3º da Lei de
Drogas do crime de tráfico de drogas previsto no caput do art. 33, praticado na modalidade entregar
a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente.
No que tange a caracterização de um ou outro crime, ressalta-se que, como já se pronunciou a 1ª
Turma do STF (HC 107.448/MG, DJe 01/10/2013), recai sobre a acusação o ônus da prova quanto
ao tráfico de drogas, que não ocorre pela simples compra de entorpecente.
Logo, para fins de tipificação da conduta delituosa do art. 33, §3º da Lei de Drogas, não se pode
admitir a inversão do ônus da prova a ponto de se concluir pelo tráfico de drogas em razão do
acusado não haver feito prova da versão segundo a qual a substancia se destinava ao uso próprio e
de grupo de amigos que se cotizaram para a aquisição.
Em relação ao crime do art. 33, §3º, a pena é de 6 meses a 1 ano, sem prejuízo das penas previstas
no art. 28. Por essa razão, defende-se que o art. 28 traz medidas extra-penais, e não penas, já que,
se assim fosse, o art. 33, §3º traria em si um bis in idem.

16.12. Relacione os requisitos para aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista
no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06.
Para que seja possível a incidência da minorante prevista no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06, é
imprescindível que o agente seja i) primário, ii) de bons antecedentes, iii) não se dedique às
atividades criminosas e iv) não integre organização criminosa (requisitos cumulativos).
Uma vez presentes todos os requisitos da lei, é direito subjetivo do réu ter a sua pena diminuída nas
frações previstas no dispositivo (de 1/6 a 2/3), de acordo com o tipo da droga, quantidade da droga e
demais circunstâncias judiciais do art. 59, CP.
Quanto ao ônus da prova acerca da presença (ou ausência) dos requisitos previstos no art. 33, §4º,
da Lei de Drogas, é certo dizer que, em virtude da regra probatória que deriva do princípio da
presunção de inocência, incumbe à acusação comprovar a impossibilidade de aplicação da referida
causa de diminuição de pena, demonstrando que o acusado não é primário, não tem bons
antecedentes, se dedica a atividades criminosas ou integra organização criminosa.
Se não o fizer, a dúvida milita em favor do acusado (regra do in dúbio pro reo), autorizando a
aplicação da minorante.
150

16.13. É possível a conversão da pena imposta ao condenado pelo crime de tráfico em pena
restritiva de direitos?
Sim. No julgamento do HC-97256, o STF declarou a inconstitucionalidade da parte do §4º do art.
33 da Lei 11.343/06 que veda a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.
“Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei
11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de
direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de
inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de
liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a
avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do
paciente” (HC 97256, julgamento em 1/9/2010, Info/STF 598).
Em seguida, o Senado Federal, por meio da Resolução n. 5/2012, suspendeu a eficácia dessa parte
do dispositivo, conferindo eficácia erga omnes à decisão de inconstitucionalidade do STF proferida
em sede de controle difuso.

16.14. É indispensável a realização de perícia no objeto destinado à preparação da droga para


fins de caracterização do tipo penal previsto no art. 34 da Lei 11.343/06?
Tendo em vista que qualquer instrumento ordinariamente utilizado para outras finalidades pode vir
a ser utilizado na produção de drogas e como se trata de crime que deixa vestígios, a doutrina
entende ser imprescindível para configuração do crime previsto no art. 34 da Lei de Drogas a
realização de exame pericial que ateste a capacidade do instrumento na fabricação de drogas e
comprove a destinação ilícita dos objetos apreendidos.
No caso da lâmina de barbear (com restos de cocaína), entende-se que não configura o crime porque
não serve para produzir a droga, mas sim para separá-la.
No que tange à balança de precisão, o TJ/RS já entendeu que, por se destinar o instrumento à
individualização da droga e não a sua fabricação, preparação, produção ou transformação, não
caracteriza o crime do art. 34 da Lei 11.343/06, sendo, desse modo, conduta atípica.
“A balança de precisão utilizada tão somente para fins de individualização da droga utilizada na
mercância - e não para a fabricação, preparação produção ou transformação das drogas - não
caracteriza a conduta do art. 34 da Lei de Drogas. Precedentes. Réu absolvido. APELAÇÃO
PARCIALMENTE PROVIDA” (Apelação Crime Nº 70055406177, Primeira Câmara Criminal,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Julio Cesar Finger, Julgado em 06/11/2013).

16.15. O que diferencia o crime de associação para o tráfico, previsto no art. 35 da Lei
11.343/06, do crime de associação criminosa (art. 288, CP)?
A principal diferença entre o crime de associação criminosa (art. 288 do CP) e o crime de
associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/06) é que, enquanto no primeiro a finalidade da
associação é o cometimento de crimes em geral, no crime de associação para o tráfico a finalidade é
o cometimento do delito do art. 33, caput e §1º, e do art. 34, todos da Lei de Drogas.
151

Por outro lado, enquanto o crime de associação criminosa previsto no art. 288 do CP exige, para a
sua configuração, a associação de, no mínimo, 3 pessoas de forma permanente e duradoura, o delito
do art. 35 exige no mínimo 2 pessoas.
O art. 35 da Lei 11.343/06, a exemplo do art. 288, CP, é um crime autônomo, e existe
independentemente do cometimento dos crimes fins. Se os agentes efetivamente traficaram,
responderão pelos dois crimes, em concurso material de delitos.

16.16. Há concurso material entre os crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput) e de
financiamento ao tráfico (art. 36)?
Conforme a jurisprudência do STJ, “Na hipótese de autofinanciamento para o tráfico ilícito de
drogas, não há concurso material entre os crimes de tráfico (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006) e
de financiamento ao tráfico (art. 36), devendo, nessa situação, ser o agente condenado às penas do
crime de tráfico com incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 40, VII (o agente
financiar ou custear a prática do crime)” (REsp 1.290.296-PR, julgado em 17/12/2013 - Info/STJ nº
534).
O entendimento destacado encontra fundamento no fato de que se está diante de crimes que atentam
contra o mesmo bem jurídico – saúde pública, razão pela qual não se pode admitir uma dupla
punição pela mesma conduta delituosa.

16.17. Há concurso material entre os crimes de associação para o tráfico (art. 35) e o crime
previsto no art. 37 da Lei de Drogas?
O crime do art. 37 da Lei de Drogas funciona como verdadeiro tipo penal subsidiário (soldado de
reserva) em relação à associação para fins de tráfico (art. 35). Apesar de não expresso no
dispositivo legal, entende a doutrina que a conduta do informante colaborador deve ser
obrigatoriamente eventual. Se houver vínculo associativo estável e permanente com os destinatários
das informações, passando o agente a agir como um dos integrantes da associação criminosa, fica
caracterizado o crime previsto no art. 35 da Lei, ainda que sua função na associação seja
exclusivamente a de informar.
Ressalta-se que, para a tipificação do art. 37, as informações prestadas pelo informante devem ter
relevância causal para contribuir, de qualquer modo, para os crimes previstos no art. 33, caput e §1º,
e 34 da Lei 11.343/06. Por isso, se a informação fornecida pelo agente for irrelevante para a prática
de tais crimes, há de ser reconhecida a ausência de nexo causal, com o consequente reconhecimento
da atipicidade de sua conduta.
Nesse sentido é a jurisprudência do STJ: “Responderá apenas pelo crime de associação do art. 35
da Lei 11.343/2006 e não pelo mencionado crime em concurso com o de colaboração como
informante, previsto no art. 37 da mesma lei o agente que, já integrando associação que se destine
à prática do tráfico de drogas, passar, em determinado momento, a colaborar com esta
especificamente na condição de informante. A configuração do crime de associação para o tráfico
exige a prática, reiterada ou não, de condutas que visem facilitar a consumação dos crimes
descritos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei 11.343/2006, sendo necessário que fique
demonstrado o ânimo associativo, um ajuste prévio referente à formação de vínculo permanente e
152

estável. Por sua vez, o crime de colaboração como informante constitui delito autônomo, destinado
a punir específica forma de participação na empreitada criminosa, caracterizando-se como
colaborador aquele que transmite informação relevante para o êxito das atividades do grupo,
associação ou organização criminosa destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos
arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei 11.343/2006. O tipo penal do art. 37 da referida lei (colaboração
como informante) reveste-se de verdadeiro caráter de subsidiariedade, só ficando preenchida a
tipicidade quando não se comprovar a prática de crime mais grave” (HC 224.849-RJ, julgado em
11/6/2013).

16.18. Na hipótese em que o agente utiliza-se de transporte público simplesmente para


transportar a droga de um lugar para outro incide a causa de aumento de pena prevista no
inciso III do art. 40 da Lei 11.343/06?
Não. “A utilização de transporte público com a única finalidade de levar a droga ao destino, de
forma oculta, sem o intuito de disseminá-la entre os passageiros ou frequentadores do local, não
implica a incidência da causa de aumento de pena do inciso III do artigo 40 da Lei 11.343/2006
(REsp 1.443.214-MS, julgado em 4/9/2014 – Info/STJ n. 543 e 547).

16.19. Quais crimes previstos na Lei 11.343/06 são equiparados a crime hediondo?
A Constituição Federal, no seu art. 5º, XLIII, equiparou o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins ao crime hediondo.
O art. 44 da Lei 11.343/06, por sua vez, dispõe que são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis,
graça, indulto e anistia os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 da Lei.
Embora o referido dispositivo também vede em relação a esses crimes a concessão de liberdade
provisória e a conversão de suas penas em restritivas de direitos, o STF já declarou
inconstitucionais tais vedações (HC-104339, Info n. 665 e HC-97256, Info 598, respectivamente).
Tendo em vista a equiparação feita pela Constituição e as vedações impostas pelo art. 44 da Lei
11.343/06, se discute, em sede doutrinária, quais os tipos penais previstos na Lei de Drogas teriam
sido equiparados a crime hediondo.
Tal discussão ganha relevo porque a Lei de 11.343/06, a exemplo da lei anterior, não definiu
atribuiu significado jurídico-penal à expressão “tráfico de drogas”, não indicando expressamente
qual a conduta (ou condutas) portadora deste nomen juris.
Adotando posição mais restritiva, Rogério Sanches argumenta que a equiparação tem origem
constitucional e que o rol estabelecido não é exemplificativo, mas taxativo. Segundo ele, só são
equiparados a crime hediondo os crimes previstos no art. 33, caput (tráfico propriamente dito) e no
art. 33, §1º (tráfico por equiparação), ambos da Lei 11.343/06.
Para uma 2ª corrente, seriam equiparados a hediondo os crimes do art. 33, caput (tráfico
propriamente dito); do art. 33, § 1º (tráfico por equiparação) e do art. 34 (tráfico de maquinários).
A 3ª corrente, defendida por Renato Brasileiro, sustenta que se inserem também no conceito de
tráfico de drogas, e, portanto, seriam equiparados a hediondo, os crimes do art. 33, caput; do art. 33,
§ 1º; do art. 34; do art. 36 (financiamento ao tráfico) e do art. 37 (colaborar como informante) da
153

Lei 11.343/06. Para essa corrente, tanto a conduta do agente que financia o tráfico como a conduta
daquele que colabora como informante concorre para a prática do tráfico de drogas, razão pela qual
devem ser equiparadas a hedionda.
Já uma 4ª corrente, capitaneada por Vicente Greco, sustenta que todos os crimes referidos no art. 44
da Lei 11.343/06 seriam crimes equiparados a hediondos – arts. 33, caput; 33, §1º, 34; 35; 36 e 37.

16.20. Sendo a regra do art. 400 do CPP, que prevê que o interrogatório do réu deve ser
realizado após a oitiva das testemunhas e realização das demais provas, posterior e mais
benéfica ao réu do que a previsão do art. 57 da Lei de Drogas, que prevê o interrogatório do
réu como ato inaugural da audiência de instrução, entende-se que o art. 57 foi derrogado e
que também no procedimento da Lei n.° 11.343/2006 o interrogatório deveria ser o último ato
da audiência de instrução?
A nova redação do art. 400 do CPP, ao determinar que o interrogatório do réu seja realizado ao final
da instrução probatória, possibilita ao réu o exercício de sua defesa de modo mais eficaz, na medida
em que permite ao acusado a oportunidade de esclarecer divergências e incongruências que
eventualmente pudessem surgir durante a fase de consolidação do conjunto probatório.
Desse modo, por ser mais benéfica à defesa, também deveria ser aplicada para julgamento dos
delitos disciplinados na Lei 11.343/06.
Sucede que essa tese não foi acolhida pela jurisprudência.
Segundo o posicionamento que tem prevalecido no STJ e STF, a regra do art. 57 da Lei n.°
11.343/2006, por se tratar de procedimento especial, prevalece sobre a regra geral do CPP, sendo
legítimo o interrogatório do réu antes da oitiva das testemunhas no rito da Lei de Drogas.
“Se a paciente foi processada pela prática do delito de tráfico ilícito de drogas, sob a égide da Lei
11.343/2006, o procedimento a ser adotado é o especial, estabelecido nos arts. 54 a 59 do referido
diploma legal. O art. 57 da Lei de Drogas dispõe que o interrogatório ocorrerá em momento
anterior à oitiva das testemunhas, diferentemente do que prevê o art. 400 do Código de Processo
Penal”. (STF. 2ª Turma. RHC 116713, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 11/06/2013).
“Não gera nulidade o fato de, no julgamento dos crimes previstos na Lei 11.343/2006, a oitiva do
réu ocorrer após a inquirição das testemunhas. Segundo regra contida no art. 394, § 2º, do CPP, o
procedimento comum será aplicado no julgamento de todos os crimes, salvo disposições em
contrário do próprio CPP ou de lei especial. Logo, se para o julgamento dos delitos disciplinados
na Lei 11.343/2006 há rito próprio (art. 57, da Lei 11.343/2006), no qual o interrogatório inaugura
a audiência de instrução e julgamento, é de se afastar o rito ordinário (art. 400 do CPP) nesses
casos, em razão da especialidade” (HC 275.070-SP, julgado em 18/2/2014 - Info/STJ nº 536).
154

CRIMES HEDIONDOS - LEI Nº 8.072/90


16.21. Qual o sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro para definição dos crimes
hediondos?
Crimes hediondos são aqueles assim definidos pelo legislador. Adotou-se no Brasil o sistema legal
em detrimento dos sistemas judicial - definição pelo juiz no caso concreto - e misto – que conjuga
os critérios legal e judicial para fins de definição dos crimes hediondos.

16.22. O homicídio qualificado-privilegiado é hediondo?


A existência do crime de homicídio qualificado-privilegiado é possível quando ocorre a combinação
de uma qualificadora objetiva e uma privilegiadora subjetiva (Ex: homicídio eutanásico, cometido
com emprego de veneno, hipótese em que estaria presente o relevante valor moral – causa de
diminuição de pena – e a qualificadora listada no inciso III do §2º do art. 121).
O referido crime, no entanto, não é hediondo. É que, além da ausência de previsão legal, vez que o
art. 1º, I, da Lei 8072/90 não se refere ao homicídio privilegiado como hediondo, o homicídio
qualificado-privilegiado perde o caráter de hediondez na medida em que seria incoerente rotular
como hediondo (repugnante) um crime cometido, por exemplo, mediante valor moral ou social.
Também nesse sentido é a jurisprudência do STJ: “Por incompatibilidade axiológica e por falta de
previsão legal, o homicídio qualificado-privilegiado não integra o rol dos denominados crimes
hediondos” (STJ, HC 153728/SP, DJ 13/04/2010).

16.23. É possível que seja deferida aos condenados por crimes hediondos ou equiparados a
progressão de regime?
A antiga redação do art. 2º da Lei nº 8.072/90 afirmava que a pena privativa de liberdade por crime
previsto na lei deveria ser cumprida em regime integralmente fechado.
O referido dispositivo, no entanto, foi declarado inconstitucional pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal (HC 11.840, julgado em 27.06.12), por ofender o princípio constitucional da
individualização da pena.
Com o advento da Lei nº 11.464/07, a progressão do regime para os crimes hediondos passou a ser
expressamente admitida, ficando autorizada após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena se o
apenado for primário e após o cumprimento de 3/5 (três quintos) da pena, se reincidente.
Por se tratar de lei mais gravosa, que instituiu parâmetros mais gravosos para a progressão, esse
novo patamar mínimo de cumprimento de pena necessário para a progressão de regimes só pode ser
exigido em relação aos crimes hediondos e equiparados cometidos a partir da vigência da Lei
11.464/07, que se deu em 29/03/2007.
Logo, em relação aos crimes hediondos e equiparados cometidos até 28/03/2007, subsiste a
necessidade de cumprimento de 1/6 da pena no regime anterior.
Súmula Vinculante n. 26: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime
hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei
n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os
155

requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo
fundamentado, a realização de exame criminológico”.

16.24. A previsão da Lei 8.072/90 que veda a concessão de indulto aos condenados por crimes
hediondos ou equiparados é constitucional?
1ª corrente: A vedação do indulto é inconstitucional, vez que a CF/88 trouxe vedações máximas,
não podendo o legislador ordinário suplantá-las. Se a CF/88 só vedou a concessão da anistia e
graça, o legislador ordinário não poderia ter inovado vedando o indulto (LFG, Alberto Silva Franco,
Suzana de Toledo Barros).
2ª corrente: A vedação é constitucional, vez que a CF/88 impôs vedações mínimas. Para essa
corrente, a expressão “graça” deve ser tomada no seu sentido amplo para também abranger o
indulto, já que as duas causas extintivas da punibilidade são espécies de clemência soberana, com a
única diferença que aquela é concedida de maneira individualizada e esta para um grupo
indeterminado de condenados. Esta corrente é a que prevalece, sendo também a posição
adotada pelo STF (HC 86.615/RJ).
Merece ressalva, no entanto, a possibilidade de concessão do indulto humanitário (concedido por
razões de grave deficiência física ou em virtude de debilitado estado de saúde) aos condenados por
crimes hediondos ou equiparados, por força do princípio da humanidade, prevalecendo o
entendimento de que a referida causa extintiva da punibilidade pode ser concedida inclusive para
condenados por crimes de especial gravidade.
A título de exemplo, o Decreto 7873/12 autoriza expressamente a concessão do indulto natalino às
pessoas com paraplegia, tetraplegia ou cegueira, desde que tais condições não sejam anteriores à
prática do delito, mesmo que a condenação seja referente à prática de crime de tortura, terrorismo,
tráfico de drogas e crimes hediondos.

16.25. Ao vedar somente a concessão de anistia e graça, sem se referir ao indulto, a Lei de
Tortura (lei 9.455) revogou tacitamente a previsão do art. 2º da Lei 8.072 que veda a
concessão de indulto?
1ª corrente: A não vedação a concessão do indulto pela Lei de Tortura revogou tacitamente a
vedação prevista no art. 2º da Lei 8.072. Tal entendimento privilegia o princípio da isonomia, vez
que ao se permitir a concessão de indulto para os condenados por crime de tortura deve-se autorizar
a sua concessão também para todos os crimes hediondos ou equiparados (LFG e Alberto Silva
Franco).
2ª corrente: A Lei de Tortura não revogou tacitamente o art. 2º, I, da Lei de Crimes Hediondos no
que tange à vedação a concessão de indulto por ser esta norma especial, com vedações especiais. A
permissão do indulto na tortura não se estende aos demais crimes hediondos ou equiparados. O STF
adota esta corrente (HC - 82959).
156

16.26. É cabível prisão temporária em relação a todos os crimes hediondos? Para os crimes
hediondos que não estão previstos na Lei 7.960/1989 é cabível a decretação de prisão
temporária?
Há alguns crimes hediondos que não estão previstos na Lei 7.960/89 como passíveis de decretação
da prisão temporária, a exemplo do crime do art. 273 do CP (falsificação de medicamento), do
crime do art. 217-A, CP (estupro de vulnerável) e do crime do art. 218-B, CP (de favorecimento da
prostituição).
A doutrina diverge acerca da possibilidade de decretação da prisão temporária em relação a esses
crimes. Para alguns, os crimes que admitem a prisão temporária estão previstos num rol taxativo,
descrito na Lei 7.960/89. Os crimes que não são abrangidos neste rol não admitem prisão
temporária.
Para outra corrente, no entanto, a Lei dos Crimes Hediondos, por ser posterior à Lei 7.960/89 e de
mesma hierarquia, ampliou não apenas o prazo da prisão temporária como também o rol dos crimes
que admitem a prisão temporária. Desse modo, caberia prisão temporária em relação aos crimes
hediondos não arrolados na Lei 7960/89 pelo prazo de 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias.

16.27 O delito de homicídio simples é hediondo?


Nos termos do art. 1º, I, da Lei 8.072/90, o homicídio simples será hediondo quando praticado em
atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente. O homicídio simples
considerado hediondo é chamado de homicídio condicionado.
Essa previsão é criticada pela doutrina que sustenta haver ofensa ao princípio do mandato de
certeza, na medida em que o inciso não explica o que é grupo e muito menos o que se deve entender
por grupo de extermínio.

LEI DE TORTURA – LEI 9455/97


16.28. O crime de tortura é crime próprio ou crime comum? Qual o bem jurídico protegido
pela Lei de Tortura?
Os tratados internacionais preveem o crime de tortura como crime próprio. A lei penal brasileira, no
entanto, previu o crime de tortura como crime comum, ampliando, desse modo, o espectro de
proteção, de forma constitucional.
A Lei de Tortura visa tutelar a dignidade da vítima, bem como sua integridade física e mental.

16.29. No que tange ao crime de tortura-discriminação, previsto no art. 1º, I, “c”, da Lei
9455/97, estão abrangidas as torturas praticadas em razão de discriminação por orientação
sexual ou de origem regional?
Não, o tipo previsto no art. 1º, I, “c”, da Lei 9455/97 abrange apenas os casos em que se constrange
alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental em
razão de discriminação racial ou religiosa, mas não em razão de orientação sexual ou origem
regional.
157

16.30. Qual a tipificação penal adequada da conduta quando a vítima morre em razão da
tortura sofrida?
Se o agente queria, desde o início, matar, mediante tortura, responde pelo crime de homicídio
qualificado pela tortura, na forma do CP.
Se, por outro lado, o agente queria apenas torturar e, durante a execução, resolve matar, é caso de
progressão criminosa, com a absorção da tortura pelo homicídio.
Por fim, destaca-se a hipótese em que a intenção do agente era de causar sofrimento físico ou
mental na vítima, sendo a morte um resultado involuntário. Nesse caso, ocorre a tortura qualificada
pelo resultado morte (crime preterdoloso).

16.31. O que distingue o crime de tortura do crime de maus-tratos?


No crime de maus-tratos, a finalidade é repreender, enquanto na tortura o objetivo é fazer a vítima
sofrer, de forma física ou mental, sem o objetivo de educar.

16.32. Quais são os efeitos da condenação por crime de tortura?


São efeitos automáticos da condenação por crime de tortura, dispensando declaração ou motivação
na sentença, e independentemente do tempo de pena: i) a perda do cargo, função ou emprego
público e ii) a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada (art. 1º, § 5º).
158

17. LEI DE EXECUÇÃO PENAL – LEI Nº 7.210/84. - LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS
CRIMINAIS – LEIS Nº 9.099/95 E Nº 10.259/01.
AUTOR: TIAGO BISCOLI DE PIZZOL
MATERIAL DE CONSULTA: LEGISLAÇÃO CRIMINAL ESPECIAL COMENTADA (RENATO BRASILEIRO).
ALGUMAS QUESTÕES DA COMPILAÇÃO PARA A PROVA ORAL DA DPE/MS.

LEP
17.1.1 Quais são os sistemas de execução penal?
A doutrina enfatiza a existência de três sistemas principais que explicam a execução da pena:
1) Sistema Pensilvânico ou Filadélfico: preconizava o isolamento total;
2) Sistema Auburniano: Isolamento durante a noite e trabalho conjunto entre os presos durante o
dia, em silêncio;
3) Sistema Inglês ou Progressivo: dividia a execução em três momentos. Em um primeiro momento,
isolamento diurno e noturno (Filadélfia); em um segundo momento, permitia o trabalho durante o
dia em regime de silêncio, e isolamento noturno (Auburniano); em um terceiro momento, com base
no comportamento do apenado, permitia o livramento condicional.

17.1.2 Quais os objetivos da execução penal?


A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e
proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado, conforme
dispõe a Lei de Execução Penal.
A execução penal tem por pressuposto a existência de sentença condenatória transitada em julgado,
impositiva de pena privativa da liberdade ou restritiva de direitos, ou multa, bem como sentença
absolutória imprópria, impositiva de medida de segurança.

17.1.3 Qual a natureza jurídica da execução penal?


Em caráter predominante, trata-se de processo jurisdicional, vinculado à atividade administrativa,
cujo fim é a efetividade da pretensão punitiva estatal.
A execução da pena caracteriza-se como atividade complexa, desenvolvida simultaneamente nos
planos jurisdicional e administrativo.

17.1.4 É possível a execução provisória da pena privativa de liberdade?


Em regra não, em razão do princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, segundo o
qual o sujeito apenas pode ser privado de sua liberdade após o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória.
159

Todavia, ressalva-se a possibilidade na hipótese excepcional de prisão cautelar do réu, desde que
preenchidos os requisitos previstos no artigo 312, do Código Processual Penal. Ao réu preso
cautelarmente, portanto, admite-se a expedição de carta de execução provisória de sentença, de
maneira a possibilitar o usufruto dos benefícios da execução (medida benéfica ao réu), sobretudo a
progressão de regime, em que pese a inexistência do trânsito em julgado.
Importante mencionar que a interposição de recurso especial ou extraordinário, que não tem efeito
suspensivo, não impede a execução provisória da pena, se favorável ao réu.
No tocante ao tema há dois entendimentos sumulados pelo STF, quais sejam a súmula 716 e a 717.
De acordo com a primeira, é admitida a progressão de regime de cumprimento da pena ou a
aplicação de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença
condenatória. A segunda, por sua vez, prediz que não impede a progressão de regime de execução
da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão
especial.

17.1.5 Os presos podem exercer os direitos políticos?


De acordo com o artigo 15, III, da Constituição Federal, um dos efeitos do trânsito em julgado da
sentença condenatória consiste na suspensão dos direitos políticos, de modo que o condenado não
tem direito a votar, nem ser votado, ainda que não esteja em regime fechado.
Entretanto, tal efeito não se estende aos presos provisórios. Nesse sentido, o Tribunal Superior
Eleitoral determinou a criação de seções eleitorais especiais em estabelecimentos penais e em
unidades de internação de adolescentes, para assegurar o direito ao voto.

17.1.6 Qual a novidade introduzida na Lei de Execuções Penais pela Lei nº 12.654/12 sobre a
identificação do perfil genético do condenado? Aborde a constitucionalidade, ou não, desse
dispositivo.
A Lei 12.654/12 determinou que os condenados por crimes dolosos praticados com violência de
natureza grave contra a pessoa ou por crimes hediondos e equiparados sejam submetidos,
obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA.
Importante salientar que a referida Lei dispôs que as informações genéticas contidas nos bancos de
dados de perfis genéticos não poderão ser utilizadas para revelar traços somáticos ou
comportamentais do indivíduo.
As amostras de DNA extraídas dos condenados tem por finalidade constituir meio de prova,
gerando, dessa forma, discussões acerca de sua duvidosa constitucionalidade, levando-se em
consideração o respeito à garantia ao silêncio e a inexigibilidade de auto-incriminação (ninguém é
obrigado a produzir provas contra si mesmo).
Assim, em obediência a tais princípios essenciais no direito penal garantista, o condenado poderia
recusar-se a fornecer material genético para realização de exame que lhe fosse desfavorável.
160

17.1.7 Quais são os tipos de assistências previstos expressamente na LEP? Tais assistências
apenas se destinam ao preso?
A LEP prevê expressamente a assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.
Os destinatários são o preso, o internado e o egresso. A assistência é instrumento essencial para a
função de prevenção especial positiva, na medida em que busca criar mecanismos que facilitem a
reinserção ao convívio social.

17.1.8 Acerca do trabalho, disponha sobre sua finalidade, obrigatoriedade, remuneração,


aplicação ao preso provisório, jornada e possibilidade de trabalho externo.
O trabalho do condenado possui finalidade educativa e produtiva. O trabalho interno do preso
possui caráter obrigatório, e sua recusa injustificada constitui falta grave, ensejando a perda de
benefícios, tais como a progressão de regime, livramento condicional, indulto e remição. Todavia,
não há que confundir a obrigatoriedade do trabalho com a pena de trabalhos forçados, vedada
constitucionalmente. Deste modo, não é possível a previsão de castigos físicos, privação de
alimentos ou qualquer outro tipo de punição.
O trabalho do preso é exercido mediante remuneração, não podendo ser inferior a ¾ do salário
mínimo. A remuneração do preso deverá atender à indenização dos danos causados pelo crime, à
assistência à família, a pequenas despesas pessoais e ao ressarcimento ao Estado das despesas
realizadas com a manutenção do condenado. A LEP prevê que a parte restante será depositada para
constituição de pecúlio, em Caderneta de Poupança, e entregue ao condenado quando posto em
liberdade. As tarefas realizadas como prestação de serviços à comunidade, no entanto, não serão
remuneradas, haja vista caracterizarem pena restritiva de direitos.
O trabalho não é obrigatório para o preso provisório e apenas poderá ser executado no interior do
estabelecimento.
A legislação prevê expressamente que a jornada normal de trabalho não poderá ser inferior a 6, nem
superior a 8 horas, com descanso aos domingos e feriados.
No que pertine ao trabalho externo, será admitido para os presos em regime fechado apenas em
serviços ou obras públicas, tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina. É autorizada
pelo diretor do estabelecimento e não pelo juiz e dependerá da aptidão, disciplina, responsabilidade
e cumprimento de no mínimo 1/6 de pena. Será revogado na hipótese de prática, pelo condenado, de
fato definido como crime, punição por falta grave ou caso apresente comportamento incompatível.

17.1.9 A súmula vinculante n. 5 é aplicável ao procedimento administrativo disciplinar na


LEP?
Não. O procedimento administrativo disciplinar para apuração de falta grave o princípio do
contraditório deve ser devidamente observado, com a presença de advogado constituído ou defensor
público nomeado, sendo a defesa técnica obrigatória, haja vista estar em jogo o direito à liberdade.
Assim sendo, a súmula vinculante n 5, que dispõe que a ausência de defesa técnica por advogado no
procedimento administrativo disciplinar não ofende a Constituição, não se aplica ao caso, tendo sua
aplicação restrita aos procedimentos em matéria de natureza cível.
161

Ademais, recente jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que para o reconhecimento da


prática de falta disciplinar, no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de
procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de
defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado.

17.1.10 Relacione falta grave e seu impacto na concessão dos benefícios de execução penal.
A falta grave produz reflexos na contagem do prazo dos benefícios de execução penal. Nesse
sentido, o STF e a 5ª Turma do STJ entendem que, ressalvado o livramento condicional e a
comutação, a prática de falta grave acarreta o reinício da contagem do prazo para a concessão dos
benefícios da execução da pena, inclusive para a progressão de regime.
Em sentido contrário, a jurisprudência da 6ª Turma do STJ firmou entendimento de que a prática de
falta grave somente enseja a regressão de regime prisional e a perda de 1/3 dos dias remidos.
Todavia, por ausência de previsão legal, não ocorre a interrupção do prazo para obtenção dos
demais benefícios da execução penal, como no caso de progressão de regime e livramento
condicional. Desse modo, a falta grave não implicaria na interrupção do lapso de tempo para
concessão dos benefícios executórios, sob pena de violação ao princípio da legalidade.
Quanto ao livramento condicional, há entendimento já sumulado (súmula 441, STJ) no sentido de
que a falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional.

17.1.11 Disserte acerca do RDD e de sua constitucionalidade.


O regime disciplinar diferenciado (RDD) é uma sanção disciplinar, em razão da prática de fato
previsto como crime doloso que ocasione a subversão da ordem ou disciplina internas,
independentemente de trânsito em julgado, pelo preso condenado ou provisório.
O RDD também se aplica para os presos que embora não tenham praticado fato previsto como
crime doloso durante o encarceramento apresentem alto risco para a ordem e a segurança do
estabelecimento e da sociedade, ou, ainda, para os casos de fundadas suspeitas de envolvimento em
organização criminosa, quadrilha ou bando.
Diferentemente das demais sanções penais, sustenta-se que o RDD somente pode ser aplicado pelo
juiz da execução, sendo a legitimidade para o requerimento da inclusão no regime do diretor do
estabelecimento ou outra autoridade administrativa (o juiz não pode agir de ofício, no caso).
A possibilidade de inserção do apenado em regime disciplinar diferenciado em razão de fundadas
suspeitas de envolvimento em organização criminosa, quadrilha ou bando afronta indubitavelmente
o princípio da presunção de não culpa, devendo, no mínimo, tal expressão ser substituída pelo
operador do direito, haja vista não ser razoável a aplicação de regime disciplinar mais rigoroso
baseada em meras suspeitas, ainda que fundadas.
O referido regime disciplinar possui duração máxima de trezentos e sessenta dias, será executado
mediante o recolhimento em cela individual e permite visitas semanais de duas pessoas, sem contar
as crianças, com duração de duas horas. Ademais, o preso submetido a tal regime terá direito a saída
da cela por duas horas diárias para banho de sol.
162

O artigo 60 da LEP autoriza a inclusão preventiva do preso no RDD, pelo prazo de 10 dias no
interesse da disciplina e da averiguação do fato, mediante despacho do juiz competente. Tal
possibilidade, contudo, não se confunde com o isolamento preventivo, que pode ser decretado pelo
diretor do estabelecimento prisional. Não se pode olvidar a impossibilidade de prorrogação ou nova
decretação, em razão do mesmo fundamento.
No tocante à constitucionalidade de tal instituto, em que pese a doutrina majoritária entender ser
constitucional, a sua inconstitucionalidade é clara e evidente. Isso porque afronta a dignidade da
pessoa humana, configura sanção desproporcional aos fins da pena, ofende a coisa julgada, na
medida em que representa uma quarta modalidade de regime de cumprimento de pena, além de
gerar bis in idem, punindo duplamente o sujeito pelo mesmo fato..

17.1.12 Discorra sobre as atribuições da Defensoria Pública na execução penal.


A Defensoria Pública cumpre papel de suma importância na execução penal. É responsável por
velar pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e
nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias de forma
individual e coletiva.
A Defensoria Pública tem a incumbência na execução penal de requerer todas as providencias
necessárias ao desenvolvimento do processo executivo; a aplicação aos casos julgados de lei
posterior que de qualquer modo favorecer o condenado; requerer, ainda, a extinção da punibilidade,
detração e remição de penas, progressão de regime, livramento condicional, indulto, autorização de
saídas temporárias, interpor recursos de decisões proferidas pela autoridade judiciária durante a
execução, visitar os estabelecimentos penais, dentre outras atribuições.

17.1.13. No tocante aos estabelecimentos penais, a quem se destina a Penitenciária, a Colônia


Agrícola, Industrial ou Similar, a Casa do Albergado e a Cadeia Pública? Qual a solução
jurídica para a hipótese de ausência de vagas em Colônia Agrícola, Industrial ou Similar?
A Penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado, bem como a LEP
ressalva a possibilidade de construção de Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos
provisórios e condenados em regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado.
A Colônia Agrícola, por sua vez, destina-se ao cumprimento da pena em regime semi-aberto.
A Casa de Albergado, destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto,
e da pena de limitação de fim de semana.
Por fim, a Cadeia Pública destina-se ao recolhimento dos presos provisórios.
Diante de ausência de vagas em Colônia Agrícola, Industrial ou Similar, a orientação do Supremo
Tribunal Federal é no sentido de ser inadmissível que o condenado tenha de aguardar, em regime
fechado, a superveniência de vagas, pois o inadimplemento das obrigações impostas pela LEP, por
parte do Estado, não poderia repercutir de modo negativo na esfera jurídica do apenado, agravando
a sua situação, acarretando excesso de execução. Nesses casos, o STF sustenta que o sentenciado
possui o direito de permanecer em liberdade, até que o Poder Público adote as providencias para
efetivar os dispositivos da LEP. Seguindo a mesma linha de raciocínio, o Superior Tribunal de
163

Justiça entende se o sistema prisional não possui meios para manter os detentos em estabelecimento
apropriado, seria razoável autorizar, excepcionalmente, o cumprimento da pena em regime mais
benéfico.
Na hipótese de ausência de vagas em Casa de Albergado para cumprimento da pena em regime
aberto, o entendimento amplamente majoritário da doutrina e jurisprudência hodiernas defende a
possibilidade de cumprimento de pena em prisão domiciliar, até o surgimento da referida vaga.
O STJ já afirmou que o entendimento pacífico de sua jurisprudência é no sentido de que, na falta de
vagas em estabelecimento compatível ao regime fixado, configura constrangimento ilegal a
submissão do apenado ao cumprimento de pena em regime mais gravoso, devendo o mesmo
cumprir a reprimenda em regime aberto ou prisão domiciliar, na hipótese de inexistência de
estabelecimento adequado.

17.1.14 É possível aplicar o instituto da progressão de regime ao sentenciado estrangeiro?


Sim. O STJ decidiu não constituir impedimento à progressão de regime de cumprimento da pena o
fato de o apenado ser estrangeiro, estar preso, não ter domicilio no país e ser objeto de expulsão.
Entendimento contrário acarretaria na violação dos direitos humanos do apenado, discriminação em
seu desfavor, caracterizando afronta ao princípio da igualdade e da individualização da pena.

17.1.15 O juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem
prejuízo das condições gerais e obrigatórias. Há alguma limitação para o magistrado na
imposição dessas condições especiais?
Sim. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme consubstanciada na súmula 493, é
pacífica no sentido de não admitir a fixação de pena substitutiva como condição especial ao regime
aberto, isso porque acarretaria no inaceitável bis in idem (aplicação dúplice de sanção).

17.1.16 Quais os casos previstos na LEP que permitem a prisão domiciliar? Esse rol é
taxativo? Qual o entendimento jurisprudencial sobre o tema?
A LEP admite o recolhimento em residência particular do beneficiário de regime aberto em quatro
situações, a saber: condenado maior de 70 anos; condenado acometido de doença grave; condenada
com filho menor ou deficiente físico ou mental; condenada gestante.
O rol previsto legalmente é taxativo, exaustivo, de modo que a prisão domiciliar, tradicionalmente e
pela literalidade da lei, apenas pode ser admitida nessas hipóteses.
Todavia, a jurisprudência vem evoluindo seu entendimento para estender a possibilidade de prisão
domiciliar para além das hipóteses previstas legalmente, para os casos em que há violação do
princípio da dignidade da pessoa humana, como no caso de superlotação de presídios e a
inexistência de Casa de Albergado. Nessa linha de raciocínio, o STF tem afastado o caráter taxativo
da LEP quanto ao direito à custódia domiciliar, estendendo para os casos de inexistência de Casa de
Albergado.
164

17.1.17. Diferencie permissão de saída de saída temporária.


Permissão de saída e saída temporária são espécies do gênero autorização de saída prevista na LEP.
A permissão de saída fundamenta-se em razões humanitárias e é concedida aos condenados que
cumprem pena em regime fechado ou semiaberto e aos presos provisórios.
Pode ser concedida diante da ocorrência de algum dos seguintes fatos: falecimento ou doença grave
do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão; ou necessidade de tratamento médico.
A concessão se dará pelo diretor do estabelecimento e terá duração necessária à finalidade da saída.
Diferentemente, a saída temporária do estabelecimento é concedida aos condenados que cumprem
pena em regime semiaberto em três hipóteses, a saber: visita a família; frequência a curso supletivo
profissionalizante, bem como instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução; e
para a participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
A concessão de saída temporária ocorre por ato motivado do Juiz da execução e não é automática,
dependendo, outrossim, do preenchimento de certos requisitos (comportamento adequado, o
cumprimento mínimo de 1/6 da pena, se o condenado for primário ou ¼, se reincidente e a
compatibilidade do beneficio com os objetivos da pena).
Outra distinção relevante prevista na lei entre os referidos institutos é que a permissão de saída será
efetuada mediante escolta, ao passo que a saída temporária, sem vigilância direta (em que pese a lei
ressalvar a possibilidade de utilização de equipamento de monitoração eletrônica).

17.1.18 Discorra sobre o instituto da remição.


A remição se trata de um beneficio da execução penal, por meio do qual o preso que cumpre pena
em regime fechado ou semiaberto, em regra, pode reduzir o tempo de duração da pena privativa de
liberdade através do trabalho ou do estudo.
Os tribunais superiores possuem entendimento pacifico no sentido de não ser admitida a aplicação
da remição pelo trabalho no regime aberto, fundamentando no artigo 36, §1º do CP, que estabelece
a necessidade do trabalho pelo apenado que cumpre pena em regime aberto (o trabalho, nesse caso,
é pressuposto da nova condição de cumprimento de pena). Nesse sentido, o STJ já decidiu que o rol
do artigo 126 da LEP (que prevê a remição nos regimes fechado e semiaberto) é taxativo, não
podendo abranger outras hipóteses.
Todavia, existe entendimento em contrário, que refuta a interpretação restrita e estreita do artigo
126 da LEP, isso porque o referido dispositivo visa à ressocialização do agente, devendo, portanto,
seu alcance ser mais abrangente.
Não se pode olvidar, entretanto, que a Lei 12.433/11 introduziu na LEP a excepcional possibilidade
do condenado em regime aberto ou semiaberto, bem como do que usufrui liberdade condicional
remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de
execução da pena ou período de prova, na razão de um dia de pena a cada doze horas de atividade
escolar.
A redução do tempo de duração da pena é oriunda do exercício do trabalho ou estudo. No caso do
estudo, a legislação estabelece a redução de um dia de pena a cada doze horas de frequência escolar
(abrangendo a atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou
165

ainda de requalificação profissional) divididas, no mínimo, em três dias. Na hipótese do trabalho, a


redução é de um dia de pena a cada três dias de trabalho.
Na remição em razão do estudo haverá um acréscimo de 1/3 nas hipóteses de conclusão de ensino
fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena. Importante mencionar que o preso
impossibilitado, em razão de acidente, de prosseguir no trabalho ou no estudo, continuará a gozar
do benefício da remição.
No tocante ao reconhecimento de falta grave no decorrer da execução penal, o STJ firmou
jurisprudência no sentido de não ser possível determinar a perda dos dias remidos na fração máxima
de 1/3 sem que haja fundamentação concreta para justificá-la.

17.1.19. A prática de falta grave acarreta a perda da integralidade dos dias remidos?
Não. A Lei 12.433/11 alterou substancialmente o tratamento da perda dos dias remidos em razão da
prática de falta grave. Antes de sua vigência, prevalecia o entendimento de perda integral dos dias
remidos, todavia, tal disciplina, afronta, indubitavelmente, princípios já incorporados ao
ordenamento pátrio, tais como a individualização da pena, proporcionalidade, igualdade de todos
perante a lei, reabilitação e reinserção do apenado na sociedade.
A partir da referida Lei, a prática de falta grave não atinge a integralidade dos dias remidos, mas,
submete-se ao limite de até 1/3, levando-se em consideração a natureza, os motivos, as
circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão. Por
ser norma penal mais benéfica, deve ter aplicação retroativa.

17.1.20 Discorra sobre os principais aspectos do livramento condicional.


O livramento condicional compreende um estágio de cumprimento da pena, ou seja, é um benefício
da execução penal que permite a redução do tempo de encarceramento, concedendo antecipada e
provisoriamente a liberdade do apenado. Está em consonância com o sistema progressivo de
cumprimento de pena.
É concedido pelo Juiz da execução e os pressupostos necessários à sua concessão estão previstos
expressamente no artigo 83 do Código Penal. Os requisitos objetivos são: condenação a pena
privativa de liberdade superior a dois anos; cumprimento de mais de 1/3 da pena se não for
reincidente em crime doloso e ostentar bons antecedentes; cumprimento de mais da metade da pena
se for reincidente em crime doloso; cumprimento de mais de 2/3 da pena se for condenado por
crime hediondo ou equiparado e não for reincidente especifico; reparação do dano. O Código Penal
também estabelece os requisitos subjetivos: comprovação de comportamento satisfatório durante a
execução da pena; bom desempenho do trabalho que lhe foi atribuído; aptidão para prover a própria
subsistência mediante trabalho honesto.
A Lei das Execuções Penais estabelece as condições obrigatórias e as facultativas a que fica
subordinado o apenado. As condições obrigatórias são a obtenção de ocupação lícita, dentro de
prazo razoável se for apto ao trabalho; comunicação periódica ao Juiz acerca da sua ocupação; e não
mudança de território da comarca do Juízo da execução, sem prévia autorização. As condições
facultativas compreendem a não mudança de residência sem comunicação ao Juiz e à autoridade
166

incumbida da observação cautelar e de proteção; o recolhimento à habitação em horário fixado; e


não frequentar determinados lugares.
De acordo com a súmula 441, STJ, a falta grave não interrompe o prazo para obtenção de
livramento condicional.
As hipóteses de revogação do beneficio estão disciplinadas no Código Penal e podem ser
obrigatória ou facultativa. A revogação obrigatória do livramento condicional ocorrerá na hipótese
do liberado vir a ser condenado a pena privativa da liberdade, em sentença irrecorrível por crime
cometido durante a vigência do beneficio ou por crime anterior. Será, todavia, a revogação
facultativa na hipótese do liberado deixar de cumprir quaisquer das obrigações constantes na
sentença ou for irrecorrivelmente condenado, por crime ou contravenção, a pena não privativa da
liberdade.
Importante salientar que atual jurisprudência do STJ entende que a prática de crime no curso do
livramento condicional não pode ser considerada como falta grave e não gera, por si só, a perda de
1/3 dos dias remidos. Isso porque o cometimento de novo crime durante a vigência do livramento
condicional acarreta sérias conseqüências previstas no artigo 88 do Código Penal vigente e, tal
dispositivo não menciona a perda dos dias remidos.

17.1.21 Quais o fundamento, limite, sujeito, objetivo, espécies e sistema vigente no tocante às
medidas de segurança?
A medida de segurança tem por fundamento a periculosidade e seu limite está vinculado à
intensidade dessa periculosidade. Os sujeitos destinatários são os inimputáveis e semi-inimputáveis,
que necessitem de tratamento curativo. O objetivo das medidas de segurança compreende fins
preventivos especiais, relacionados ao tratamento do indivíduo.
O Brasil adota, hodiernamente, o sistema vicariante (unitário) em que se aplica medida de
segurança ao inimputável e ao semi-imputável, e aplica-se pena reduzida ou medida de segurança
substitutiva, vedada a aplicação cumulativa de pena e medida de segurança (sistema do duplo
binário). Há duas espécies de medida de segurança: internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico (detentiva) e o tratamento ambulatorial (restritiva ou não detentiva).
No que se refere à execução de medida de segurança, importa salientar que a jurisprudência do STJ
já decidiu que o inimputável submetido à medida de segurança de internação em hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico não poderá cumpri-la em estabelecimento prisional comum, ainda
que sob a justificativa de ausência de vagas ou falta de recursos estatais.

17.1.22 Quais os princípios aplicáveis à Execução Penal?


PRINCÍPIO DA LEGALIDADE: Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os
direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU ISONOMIA (é possível distinção sexual ou etária): Parágrafo
único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.
167

PRINCÍPIO DA PERSONALIZAÇÃO OU INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO PENAL:


Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para
orientar a individualização da execução penal.
PRINCÍPIO DA JURISDICIONALIDADE: os incidentes da LEP serão decididos pelo Poder
Judiciário. Há países em que a execução penal é administrativa. No Brasil, é judicial.
Art. 194. O procedimento correspondente às situações previstas nesta Lei será judicial,
desenvolvendo-se perante o Juízo da execução.
Atenção: a autoridade administrativa somente pode decidir pontos secundários da execução da
pena, como horário de visita, cela do preso etc, e mesmo nestes casos, é possível acesso ao
Judiciário.
PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL: as decisões pressupõem contraditório e ampla
defesa, devendo ser motivadas
PRINCÍPIO REEDUCATIVO: a execução penal visa, ao lado da retribuição e prevenção, à
ressocialização do condenado.
Principais instrumentos de ressocialização:
Art. 11 (formas de assistência): material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.
Pergunta: qual das assistências é relativa também à vítima? Assistência social. Também se
aplica à vítima.
PRINCÍPIO DA HUMANIDADE: não se admite pena cruel, desumana e degradante.

17.1.23 Qual é a diferença entre exame de classificação e exame criminológico?


O exame de classificação é amplo e genérico e envolve aspectos relacionados à personalidade do
condenado, seus antecedentes, sua vida familiar e social, sua capacidade laborativa, circunstâncias
que orientam o modo de cumprimento da pena. È realizado quando do início da execução penal.
Por sua vez, o exame criminológico envolve a parte psicológica e psiquiátrica. Atesta a maturidade
do condenado, sua disciplina, capacidade de suportar frustrações visando construir um prognóstico
de periculosidade.
A jurisprudência dos nossos tribunais preconiza no sentido de que o exame criminológico, embora
facultativo, deve ser feito por decisão devidamente fundamentada, com a indicação dos motivos
pelos quais, considerando-se as circunstâncias do caso concreto, seria necessário.

JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS


17.2.1 O que se considera como uma infração de menor potencial ofensivo?
Conforme definido pelas Leis 9.099/95 e 10.259/01, consideram-se infrações de menor potencial
ofensivo as contravenções penais (qualquer que seja a pena prevista em abstrato) e os crimes a que
a lei comine pena máxima não superior a 2 anos, cumulada ou não com multa.
168

17.2.2 Qual é o fundamento da criação dos juizados especiais?


Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a
conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais
de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro
grau;

17.2.3 O que se entende por jurisdição consensual?


Inaugurada com a Lei nº 9.099/95, ela busca o consenso, prevê medidas despenalizadoras, como a
transação penal e a composição civil dos danos, isto é, traz uma mitigação aos princípios da
obrigatoriedade e indisponibilidade (discricionariedade regrada).

17.2.4 Como funciona a competência do Juizado Especial Criminal quanto ao concurso de


crimes?
Se a soma das penas das infrações não suplantar os dois anos, a competência permanece do
JECRIM. Caso supere, o processo dar-se-á perante o juízo comum.
Havendo delito sujeito à jurisdição especial, como é o caso do Júri, o delito de menor potencial
ofensivo lá será processado. Vejamos:
Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem
competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor
potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. (Redação dada pela Lei nº
11.313, de 2006).
Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri,
decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da
transação penal e da composição dos danos civis. (Incluído pela Lei nº 11.313, de 2006).

17.2.5 O que se entende por delitos de médio potencial ofensivo?


São aqueles que, embora não sujeitos ao rito e aos benefícios da Lei nº 9.099/95, podem seus
autores serem agraciados pela suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da referida lei.

17.2.6 O Estatuto do Idoso ampliou o conceito de IMPO? É possível aplicar os institutos


despenalizadores da Lei 9.099/95 aos crimes definidos no E.I com pena máxima não superior
a 4 anos?
Não. Assim dispõe o Estatuto do Idoso:
Art. 94. Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4
(quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e,
subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.
169

O STF decidiu, na ADI 3096, que apenas o procedimento previsto na Lei 9.099 será aplicável, e não
os seus institutos despenalizadores.

17.2.7 Há princípios específicos aplicáveis aos Juizados Especiais Criminais?


Sim.
Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade,
economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.
Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade,
informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação
dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
Obviamente, esses critérios ou princípios são aplicáveis sempre e desde que não haja violação do
contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, bem como dos demais comandos
constitucionais correlatos.

17.2.8 O que significa o instituto da composição civil dos danos?


A composição civil dos danos é acordo entabulado em audiência preliminar do rito especial do
JECRIM em que, como o próprio nome revela, há um acordo civil, e uma necessária renúncia ao
direito de queixa e/ou representação criminal (caso o delito seja de ação penal pública
condicionada).
Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e
a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá
sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata
de pena não privativa de liberdade.
Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante
sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.
Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública
condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou
representação.

17.2.9. O não oferecimento da representação criminal em audiência importa na decadência


desse direito?
Não. Art. 78. Parágrafo único. O não oferecimento da representação na audiência preliminar não
implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei.

17.2.10. Quais são os requisitos para o oferecimento da transação penal?


O suspeito não pode ser reincidente ou ter sido agraciado com a transação penal nos últimos 5 anos,
e preencher, ainda, os requisitos subjetivos (criticados pela doutrina).
170

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada,
não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena
restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade,
por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena
restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os
motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

17.2.11. Qual é a especificidade recursal do JECRIM quanto ao ataque à decisão de mérito,


em relação ao rito comum do processo penal?
No JECRIM, a apelação tem prazo diferenciado, de 10 dias (em dobro para a DP). Além disso, não
se admite a interposição de recurso desacompanhado das razões, o que é admitido no rito comum.
O que é o benefício da suspensão condicional do processo?
Também chamado de sursis processual, a SCP é benefício que visa a evitar que o acusado seja
condenado. Assim, mediante o preenchimento de requisitos, pode o acusado beneficiar-se com a
suspensão processual, inaugurando período de prova que, satisfeitas as condições, acarretará a
extinção da punibilidade ao final.
Requisitos: pena mínima igual ou inferior a um ano. Pode haver concurso de crimes, desde que a
soma das penas mínimas não ultrapasse um ano.
Acusado não reincidente ou que não responda a outro processo.
Período de prova de 2 a 4 anos
OBS: mesmo delitos “normais” são compatíveis com a SCP, a exemplo do estelionato, do furto
simples, etc.
Condições obrigatórias:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de freqüentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas
atividades.
171

17.2.12. É possível que na proposta de suspensão processual inclua-se como condição a PSC
ou a prestação pecuniária?
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que
adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
Muito comum na prática que o juiz inclua prestação de serviços à comunidade ou prestação
pecuniária dentre as condições.
A Defensoria Pública tem tese institucional de que tais condições significam antecipação de pena e
não incompatíveis com o benefício. O tema é bastante controverso na doutrina e também na
jurisprudência, com inclinação para a ADMISSÃO de tais penas como condições. Vejamos:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE OU PECUNIÁRIA. IMPOSIÇÃO.
POSSIBILIDADE. 1. A Quinta Turma desta Corte, na linha externada pelo colendo Supremo
Tribunal Federal, admite a imposição de prestação de serviços à comunidade ou de prestação
pecuniária como condição especial para a concessão do benefício da suspensão condicional do
processo, desde que a medida se mostre adequada ao caso concreto, observados os princípios da
adequação e da proporcionalidade. Precedentes.(STJ. 5T. 05/03/2015. AgRg no HC 226743).
É o entendimento firme da 5 Turma do STJ.
...porém...
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 129, § 9.°, DO
CÓDIGO PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CUMULAÇÃO COM
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE. FIXAÇÃO COMO CONDIÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. VIOLAÇÃO. CONSTRANGIMENTO.
OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. A prestação de serviço à comunidade consiste em pena
autônoma e substitutiva, eis que prevista no rol das restritivas de direitos, dependem, pois, de
previsão legal para se sujeitar alguém ao seu cumprimento. 2. É inviável, à mingua de comando
respectivo, impor como condição da suspensão processual, nos moldes do art. 89 da Lei n.º
9.099/95, a prestação de serviço à comunidade. 3. Recurso provido para excluir a prestação de
serviço à comunidade como condição da proposta de suspensão do processo formulada ao
recorrente (STJ, 6T, RHC 40843, 04/09/2014).
Embora hoje seja minoritário, é o entendimento que mais se coaduna com as teses
institucionais da Defensoria.
Vejamos o entendimento do TJRS a respeito do tema:
HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO.
AUSÊNCIA DE HIPÓTESE DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. -Segundo orientação
prevalecente dos Tribunais Superiores, é possível a imposição de prestação de serviços ou de
prestação pecuniária como condição da suspensão condicional do processo desde que pertinentes ao
fato e à situação pessoal do acusado e respeitados os critérios de adequação e proporcionalidade,
conforme se depreende do preceituado no art. 89, §2º, da Lei 9.099/95. Destaca-se que estas não se
confundem com as penas restritivas de direitos a que alude o art. 43 do Código Penal, pois, quando
descumpridas, acarretam tão-somente a retomada da ação penal, e não o restabelecimento do
cumprimento da pena privativa de liberdade arbitrada à denunciada. Ademais, na hipótese, o
172

Ministério Público apresentou alternativa à paciente: 128 (cento e vinte e oito) horas de prestação
de serviços à comunidade, o que, por certo, não implica prejuízo ao seu sustento. Ordem denegada,
por maioria. (Habeas Corpus Nº 70063501266, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 18/03/2015).

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO CULPOSO. MEDIDAS DE PRESTAÇÃO


DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. POSSIBILIDADE DE
INCLUSÃO NA PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. O
oferecimento da suspensão condicional do processo é atribuição do Ministério Público, cabendo ao
Magistrado, em caráter complementar, especificar outras condições. Mesmo que não previstas entre
as condições do artigo 89 da Lei 9.099/95, as medidas de prestação de serviços e pecuniária
inserem-se na previsão do § 2º do artigo 89 da Lei nº 9.099/98. Não há falar, ainda, em antecipação
de pena porquanto tais medidas assumem caráter diverso quando utilizadas como condição de
suspensão do processo. Precedentes do STJ e do STF. RECURSO PROVIDO. (Recurso em Sentido
Estrito Nº 70061027736, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jayme
Weingartner Neto, Julgado em 11/03/2015).

EXERCÍCIO ILEGAL DA PROFISSÃO. ARTIGO 47 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES


PENAIS. EXCLUSÃO DE CLÁUSULAS DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA E DE SERVIÇOS À
COMUNIDADE, PELO MAGISTRADO, EM PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL
DO PROCESSO. POSSIBILIDADE. Ao Magistrado é atribuído o dever legal de prestar jurisdição
(CF, art. 5º, XXXV), não sendo mero expectador, cabendo-lhe analisar a proposta de suspensão
condicional do processo ofertada pelo Ministério Público, podendo excluir ou incluir cláusulas que
entender necessárias no caso concreto, exegese do § 2º do artigo 89 da Lei n. 9.099/95. A atividade
do Magistrado não se restringe à homologação, mas se estende à delimitação das condições da
suspensão do processo. Imposição de prestação pecuniária ou de serviços à comunidade, excluída
pelo Magistrado, por representar pena antecipada. Correta a decisão que a exclui da proposta da
suspensão condicional do processo, resultando em desprovimento do recurso. NEGARAM
PROVIMENTO AO RECURSO. (Recurso Crime Nº 71005146287, Turma Recursal Criminal,
Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado em 09/03/2015).

HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. HIPÓTESE DE


REVOGAÇÃO FACULTATIVA. NECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO DO RÉU OU DE
SEU DEFENSOR PARA FINS DE CONTRADITÓRIO OBSERVADA. AUDIÊNCIA DE
JUSTIFICAÇÃO NÃO PREVISTA EM LEI. CLÁUSULA DE PSC QUE NÃO CONFIGURA
ANTECIPAÇÃO DE PENA. PODER DISCRICIONÁRIO DO MAGISTRADO. 1- A revogação
do benefício da suspensão condicional do processo, na hipótese de revogação facultativa, não
prescinde da prévia intimação do réu ou de seu defensor, providência que foi cumprida na espécie,
em que o réu foi intimado pessoalmente para dar prosseguimento ao cumprimento das condições da
SCP, mas não o fez, dando causa à revogação da benesse, nos termos do art. 89, § 4º, da Lei
9.099/95. Antes da revogação, ainda houve a prévia intimação da Defensoria Pública, que se
manifestou nos autos, cumprindo-se assim, a exigência do contraditório e da ampla defesa. 2-
173

Ausência de previsão legal para a designação de audiência para fins de justificação. 3- O STF tem
entendido cabível a fixação, dentre as condições da suspensão condicional do processo, da
prestação de serviços à comunidade e da prestação pecuniária, o que não configuraria antecipação
de pena. 4- Possibilidade de imposição de prestação de serviços à comunidade como condição da
SCP, por inserir-se no poder discricionário do Magistrado, conforme o disposto no § 2º do artigo 89
da Lei n. 9.099/95. 5- Ausência de ilegalidade na referida condição mormente em se verificando
que proposta em substituição à imposição de reparação do dano, e em benefício do denunciado, já
que o valor do dano superaria R$ 9.000,00, sendo a condição homologada pelo juízo. ORDEM
DENEGADA. (Habeas Corpus Nº 70063129662, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado em 28/01/2015).

Isto é, hoje é amplamente majoritário no TJ/RS o cabimento da PSC e de prestação


pecuniária nas propostas de SCP.
174

18. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. CRIMES CONTRA O IDOSO. CRIMES


CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE.
AUTORA: CAROLINA VICENTE BISOGNIN
MATERIAL DE CONSULTA: LEGISLAÇÃO CRIMINAL ESPECIAL COMENTADA – RENATO BRASILEIRO DE LIMA (2014),
MATERIAL DE APOIO FORNECIDO NO CURSO DE PREPARAÇÃO À MAGISTRATURA DA ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AJURIS) – LUÍS FRANCISCO FRANCO (JUIZ DE DIREITO), SITE DIZER O DIREITO
(HTTP://WWW.DIZERODIREITO.COM.BR) E SITE ATUALIDADES DO DIREITO
(HTTP://WWW.ATUALIDADESDODIREITO.COM.BR).

18.1. Qual o fundamento – constitucional e convencional – da Lei Maria da Penha?


Visou-se, com a edição da Lei Maria da Penha, atender não só ao disposto no art. 226, § 8º, da CF,
segundo o qual “[o] Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
Objetivou-se, também, honrar o compromisso assumido pela República Federativa do Brasil
quando da adesão à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres (adotada pela ONU em 1979), a qual constitui produto da I Conferência Mundial sobre a
Mulher (Cidade do México - 1975).
Referido documento tem a finalidade de compensar desigualdades históricas, prevendo, para tanto,
a possibilidade de adoção de ações afirmativas, ao argumento de que a promoção da igualdade entre
os sexos pressupõe não apenas o combate à discriminação, sobretudo a adoção de políticas
compensatórias capazes de acelerar a igualdade entre os gêneros.
Nos anos de 1980, 1985 e 1993 foram realizadas novas Conferências Mundiais sobre a Mulher
(Copenhague, Nairóbi e Viena), nas quais se discutiram novas preocupações relacionadas à mulher,
tendo sido analisados os resultados da Década das Nações Unidas para a Mulher e definido a
violência contra a mulher como espécie de violação aos direitos humanos.
No âmbito regional, a Assembleia Geral da OEA adotou a Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência Doméstica (Convenção de Belém do Pará – 1994), a qual definiu a
violência contra a mulher como problema de saúde pública, conceituando-a como “qualquer ação
ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à
mulher, tanto no âmbito público como no privado”.
Essa série de documentos reflete um avanço no Sistema Internacional de Proteção dos Direitos
Humanos conhecido como processo de especificação dos direitos humanos, por meio do qual o
sistema geral de proteção aos direitos humanos passa a coexistir com um sistema especifico,
destinado a tutelar o direito de determinados grupos (crianças, idosos, mulheres, etc).
De se observar, por fim, que não obstante o mandamento constitucional e os diversos tratados
firmados pelo Brasil, a Lei nº 11.340/06 só foi editada no ano de 2006, após a condenação imposta
ao Brasil pela OEA no caso Maria da Penha (farmacêutica que, no ano de 1983, foi atingida por um
disparo de espingarda desferido pelo próprio marido, que tornaria a atentar contra a vida daquela
uma semana depois, ao dar-lhe uma descarga elétrica. O agente só foi preso em 2002).
175

18.2. Qual o âmbito de incidência da Lei Maria da Penha?


A referida lei cria mecanismo para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher,
considerada vulnerável quando inserida nas seguintes situações: a) ambiente doméstico; b)
ambiente familiar e c) relação íntima de afeto.
Assim sendo, a proteção diferenciada conferida pela lei em comento só incidirá quando a violência
contra a mulher se der em situação de vulnerabilidade por parte desta. Do contrário, se uma mulher
for vítima de determinada violência, mas o delito não tiver se verificado em contexto doméstico,
familiar ou de relação íntima de afeto (p. e., briga de vizinhos), não se fala na incidência da Lei
Maria da Penha.
Observe-se que, no art. 5º, caput, da Lei nº 11.340/06 (“para os efeitos desta Lei, configura
violência doméstica e familiar...”) a conjunção aditiva “e” de modo equivocado, levando a crer que
o diploma só será aplicável quando a agressão for perpetrada no âmbito doméstico e,
concomitantemente, por familiar.
Ocorre, no entanto, que basta a ocorrência de agressão em qualquer das hipóteses previstas nos
incisos I (âmbito doméstico), II (âmbito familiar) e III (relação íntima de afeto) do art. 5º. Referida
conclusão é extraída do próprio inciso I do art. 5º, o qual faz alusão à desnecessidade de vínculo
familiar no contexto da violência doméstica.

18.3. Considerando que a Lei Maria da Penha, em seu art. 5º, dispõe que configura violência
doméstica/familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero, qual deve
ser o elemento subjetivo para fins de incidência do diploma em questão?
Como a Lei nº 11.340/06, em seus arts. 5º e 7º, não estabelece qualquer distinção, poder-se-ia, em
um primeiro momento, considerar que qualquer ação ou omissão – culposa ou dolosa – seria capaz
de atrair sua incidência. Há de se considerar, entretanto, que se exige “ação ou omissão baseada no
gênero”, isto é, a consciência e a vontade de atingir mulher em situação de vulnerabilidade, o que só
se afigura possível em crimes dolosos. Contraditoriamente, todavia, o Plenário do STF já decidiu
que o crime de lesões corporais praticadas contra a mulher em âmbito doméstico será de ação pena
pública incondicionada, mesmo que a lesão seja leve ou culposa.

18.4. Para fins de caracterização da violência doméstica/familiar contra a mulher, é necessário


que o agressor seja do sexo masculino?
Não. O agressor pode ser homem (união heteroafetiva) ou mulher (união homoafetiva). A conclusão
é extraída do disposto no parágrafo único do art. 5º da Lei nº 11.340/06, segundo o qual haverá
violência doméstica e familiar contra mulher independentemente da orientação sexual dos
envolvidos.
Fração minoritária da doutrina assevera que a Lei Maria da Penha não se revelaria aplicável no
contexto das agressões perpetradas por mulher contra mulher, haja vista a ausência de
“superioridade de forças”. Conquanto seja verdade que, em se tratando de agressões praticadas por
homem contra mulher, há presunção, quase absoluta, de vulnerabilidade por parte da mulher, não se
176

pode afastar a possibilidade de uma mulher se mostrar mais vulnerável que outra, mais forte,
ameaçadora e dominante. Quando, contudo, isso não se verificar, não incidirá a Lei nº 11.340/06.
Nesse norte, aliás, o CC 88.027/MG, em que o STJ assim se manifestou: “Delito contra honra,
envolvendo irmãs, não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a
mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e
econômica. (...) No caso, havendo apenas desavenças e ofensas entre irmãs, não há qualquer
motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima que
possa causar violência doméstica ou familiar contra a mulher. Não se aplica a Lei nº 11.340/06”.

18.5. É possível a aplicação da Lei Maria da Penha em benefício de homem?


De acordo com o entendimento majoritário, não.
A lei em questão tem a finalidade de reprimir ações e omissões contra a mulher, revelando-se
inaplicável a Lei Maria da Penha nas hipóteses de violência doméstica praticadas contra homem,
ainda que no contexto dos relacionamentos homoafetivos. Há de se ressaltar, contudo, que existem
decisões em sentido contrário, entre as quais se citam: TJMG - APCR 1.0145.10.016056-6/001 e
TJES - CC 0002193-72.2012.8.08.0000.

18.6. É possível a aplicação da Lei Maria da Penha em benefício de transexual que se


submeteu à cirurgia de reversão genital e passou a ostentar, no registro de nascimento, a
condição de pessoa do sexo feminino?
Para Renato Brasileiro de Lima, não.
“[S]ob o ponto de vista genético, tal indivíduo continua a ser um homem. Se a Lei nº 11.340/06 é
clara ao dispor que sua aplicação está restrita à violência doméstica e familiar contra a mulher, não
se pode querer estender sua aplicação para uma pessoa que é considerada mulher apenas sob o
ponto de vista jurídico, mas que continua a ser um homem geneticamente, sob pena de verdadeira
analogia in malam partem”.
Há, contudo, decisões em que reconhece a aplicabilidade da Lei Maria da Penha, merecendo
destaque a decisão proferida no processo nº 201103873908 (TJGO), em favor de vítima transexual
que não havia promovido a alteração do registro.
Argumentou-se que: a) o art. 5º da Lei Maria da Penha não estabelece diferença entre as orientações
sexuais; b) que embora não tenha havido alteração no seu registro civil, a vítima fora submetida a
uma cirurgia de redesignação sexual há 17 anos, o que a torna pessoa do sexo feminino, no que
tange ao seu ‘sexo social, ou seja, a identidade que a pessoa assume perante a sociedade’ e c) que
não aplicação das mesmas regras elaboradas para proteção da mulher, “transmuta-se no
cometimento de um terrível preconceito e discriminação inadmissível”
(http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/palestrasdeatualizacao/files/2012/04/PALESTRA_REC
ENTES-DECIS%C3%95ES.pdf).
No site da ANADEP publicou-se, recentemente, notícia da concessão de medida protetiva a
transexual (DPE-MT): (http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=22064).
177

18.7. O que se entende por violência doméstica?


Não basta à caracterização da violência doméstica que o ato de agressão seja perpetrado no âmbito
doméstico. Exige-se, ao contrário, que agressor e vítima integrem a mesma unidade doméstica.
Assim, por exemplo, o fato de uma decoradora de ambientes sofrer agressão enquanto realiza seu
trabalho na residência de terceiros não sujeita o agressor às disposições da Lei Maria da Penha.
No tocante às empregadas domésticas, impende examinar o caso concreto. Em se tratando de
diarista, evidente que a agressão contra ela perpetrada não pode ser considerada ato de violência
doméstica, uma vez que sua permanência no âmbito residencial restringe-se ao tempo necessário ao
cumprimento de suas tarefas.
Diversa, contudo, é a situação da empregada doméstica que, para além do tempo necessário ao
desempenho de seus afazeres, reside no local do trabalho, enquadrando-se no conceito de pessoa
esporadicamente agregada.

18.8. O que se entende por violência familiar?


Basta à caracterização da violência familiar que esta se dê entre pessoas unidas por laços familiares
(sanguíneos – irmão x irmã, por exemplo – , por afinidade – sogro x nora, por exemplo –, ou
vontade expressa – pai adotivo x filha adotiva, por exemplo), desimportando o local em que ocorre
a agressão (ver item 18.2, sobre a impropriedade do uso da conjunção aditiva “e” no caput do art. 5º
da Lei nº 11.340/06).

18.9. O que se entende por relação íntima de afeto?


Embora haja quem entenda que qualquer relacionamento mais próximo entre duas pessoas
(amizade, inclusive) pode ser enquadrado no conceito de relação íntima de afeto, Renato Brasileiro
de Lima pontua que, se essa fosse a intenção do legislador, este não teria se valido do adjetivo
“íntima”, o qual ostenta inegável conotação sexual/amorosa.
Impende atentar para o fato de que, aqui, o legislador foi além do que previam os tratados que lhe
inspiraram, na medida em que a Convenção de Belém do Pará exige coabitação. Por isso,
Guilherme de Souza Nucci assevera que o inciso III do art. 5º da Lei Maria da Penha não poderia
ser aplicado quando os envolvidos não viverem sob o mesmo teto, o que é objeto de crítica por
parte do primeiro autor, na medida em que, por força do princípio pro homine, devem-se privilegiar
interpretações mais benéficas aos direitos humanos.
A jurisprudência majoritária dispensa a coabitação, mas exige que o vínculo entre os envolvidos
não seja efêmero (CC 91.979/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 16/02/2009, DJe 11/03/2009).

18.10 Quais as formas de violência contra a mulher contempladas na Lei nº 11.340/06?


Em seu artigo 7º, a Lei Maria da Penha alude à violência física, psicológica, sexual, patrimonial e
moral, “entre outras”.
178

De acordo com certos autores, referido rol seria taxativo, pois não se admite que norma restritiva de
direitos seja objeto de interpretação extensiva, a qual se verifica quando se amplia o alcance das
palavras constantes do texto legal.
Para outros autores, não se trata de interpretação extensiva, mas de interpretação analógica, a qual
se verifica quando o legislador se vale de exemplos e encerra com comando genérico, plenamente
admissível (pois o legislador é incapaz de prever todas as formas de violência contra a mulher) e
consentânea com o espírito protetivo da Lei nº 11.340/06.

18.11 Considerando que o art. 7º da Lei nº 11.340/06 cuida da violência patrimonial, é possível
aplicar as imunidades absolutas e relativas (art. 183, inciso I, do CP) nos crimes patrimoniais
cometidos, sem o emprego de violência ou grave ameaça, contra a mulher?
De acordo com Maria Berenice Dias, não. Não bastasse, o agente estará sujeito à aplicação da
agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea “f” do CP.
Para a doutrina majoritária, entretanto, a ausência de manifestação em sentido contrário por parte do
legislador indica que sua intenção não foi afastar a incidência das imunidades absolutas e relativas
aos crimes cometidos contra a mulher. Fosse o caso, tê-lo-ia feito de modo expresso, tal como fez
no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03, art. 101).

18.12 Como fica a questão da competência para processar e julgar os crimes dolosos contra a
vida cometidos no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher?
Os crimes de que trata a Lei Maria da Penha serão julgados por Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, a serem criados pelos Estados, nos termos da Lei de Organização
Judiciária correspondente.
Para Renato Brasileiro de Lima, é possível que referida lei confira aos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher competência para “a supervisão das investigações (v.g.,
deferimento de medias cautelares, convalidação judicial da prisão em flagrante) e para a primeira
fase do procedimento bifásico do Júri (judicium accusationis), culminando com uma possível
decisão de pronúncia, absolvição sumária, desclassificação ou impronúncia.
Em outras palavras, desde que respeitada a competência constitucional do Tribunal do Júri para o
julgamento desse crime doloso contra a vida, não há qualquer óbice à tramitação das investigações e
da primeira fase do procedimento perante os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, cuja competência cessaria com a decisão de pronúncia (...).
Noutro giro, se a Lei de Organização Judiciária local possuir dispositivo expresso atribuindo ao
Tribunal do Júri o processo e julgamento de ambas as fases do procedimento bifásico de crimes
dolosos contra a vida, mesmo se praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a
mulher, tal competência não poderá ser deslocada às ‘Varas Especializadas’ a que se refere o art. 14
da Lei Maria da Penha”.
179

18.13 Como fica a questão da modalidade de ação penal nos crimes de lesão corporal leve ou
culposa praticados no contexto da violência doméstica ou familiar contra a mulher?
O art. 88 da Lei nº 9.099/95 prevê que os crimes de lesão corporal leve ou culposa são de ação
penal de iniciativa pública condicionada à representação do ofendido. Ocorre que, nos termos do
art. 41 da Lei nº 11.340/06, as disposições da Lei dos Juizados Especiais são inaplicáveis aos crimes
de que trata a primeira.
Instado a solucionar a controvérsia, agravada pelo fato de o art. 16 da Lei Maria da Penha cuidar do
tema da representação, o STJ titubeou, prolatando decisões antagônicas, vindo, ao fim, a concluir
que o crime de lesão corporal leve/culposa era de ação penal de iniciativa pública condicionada a
representação.
Do contrário, argumentou-se, estar-se-ia “subtraindo da mulher ofendida o direito e o anseio de
livremente se relacionar com quem quer que seja escolhido como parceiro”.
No julgamento da ADI nº 4.424, o STF conferiu interpretação conforme a Constituição aos arts.12,
inciso I, 16 e 41 da Lei nº 11.340/06, definindo que a ação penal pública, nos casos de lesão
corporal leve ou culposa praticada no contexto da violência doméstica ou familiar contra a mulher,
ostenta natureza pública incondicionada.
Considerou-se o grande número de renúncias à representação (90% do total), provocado não pela
livre manifestação de vontade da ofendida, mas pela esperança de que o quadro de agressões cesse,
quando o que ocorre é exatamente o contrário, “em razão da perda dos freios inibitórios e da visão
míope de que, tendo havido o recuo na agressão pretérita, o mesmo ocorrerá na subsequente. Os
dados estatísticos são assombrosos relativamente à progressão nesse campo, vindo a desaguar,
inclusive, em prática que provoque a morte da vítima”.
Diante disso, o STJ foi obrigado a modificar sua jurisprudência.

18.14 É possível a retratação da representação na Lei Maria da Penha? Até quando e como?
Compare-a com a renúncia à representação no Código de Processo Penal, de caráter genérico.
De início, convém observar que a lei fez equivocada referência ao termo “renúncia”, quando o
correto é “retratação”, uma vez que o direito de representação já foi exercitado (do contrário, não
teria havido investigação, tampouco oferecimento de denúncia), não sendo cabível a renúncia, que
pressupõe o não exercício do direito.
No mais, é possível retratação da representação no contexto da violência doméstica e familiar
contra a mulher.
Exige-se, para tanto, que a retratação se verifique até o recebimento da denúncia, em audiência
especialmente designada para esse fim e ouvido o Ministério Público (art. 16 da Lei nº 11.340/06).
A retratação da Lei Maria da Penha diferencia-se da retratação comum (art. 25 do CPP) na medida
em que esta pode ocorrer até o oferecimento da denúncia, sem que haja a necessidade de
designação de audiência para esse fim.
180

18.15 Pode o agressor requerer a aplicação de medidas protetivas de urgência?


Sim, visando à substituição de medida mais restritiva (prisão preventiva, p.e).

18.16 O descumprimento das medidas protetivas de urgência, isoladamente considerado, pode


fundamentar o decreto prisional?
Para Renato Brasileiro de Lima, é necessário que, a par do descumprimento da medida protetiva de
urgência, esteja caracterizada alguma das hipóteses de que cuida o caput do art.312 do CPP,
segundo o qual a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem
econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal,
quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

18.17 Sabendo-se que o art. 94 do Estatuto do Idoso contém disposição no sentido de que “aos
os crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4
(quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”,
é possível afirmar que mencionado diploma ampliou o conceito de delito de menor potencial
ofensivo?
A respeito do tema, surgiram três posicionamentos:
a) o Estatuto do Idoso permitiu a aplicação do rito previsto na Lei nº 9.099/95 aos crimes com pena
de até quatro anos, mas não modificou o conceito de infração de menor potencial ofensivo (IMPO),
que tem fundamento constitucional. Assim, não possibilitou a aplicação de institutos
despenalizadores aos delitos com pena de até quatro anos;
b) o Estatuto do Idoso ampliou o conceito de IMPO no seu âmbito e
c) considerando que a legislação penal forma um sistema, qualquer delito previsto na legislação
penal, com pena de até quatro anos, ensejaria o uso da transação.
No bojo da ADI 3069-5, a interpretação que prevaleceu foi a primeira, senão veja-se: “Em
conclusão, o Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República para dar interpretação conforme
ao art. 94 da Lei 10.741/2003 [“Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de
liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei no 9.099, de 26
de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do
Código de Processo Penal.”], no sentido de que aos crimes previstos nessa lei, cuja pena máxima
privativa de liberdade não ultrapasse 4 anos, aplica-se a Lei 9.099/95 apenas nos aspectos
estritamente processuais, não se admitindo, em favor do autor do crime, a incidência de qualquer
medida despenalizadora.
Concluiu-se que, dessa forma, o idoso seria beneficiado com a celeridade processual, mas o
autor do crime não seria beneficiado com eventual composição civil de danos, transação penal
ou suspensão condicional do processo”. Assim, somente os delitos com pena máxima de até dois
anos comportam a transação. No tocante aos crimes com penas entre dois e quatro anos, se aplica o
procedimento previsto na Lei 9.099/95, sem audiência preliminar destinada à transaçã.
181

18.18 De acordo com o art. 95 do Estatuto do Idoso, os crimes previstos no diploma são de
ação penal pública incondicionada, não se lhes aplicando as disposições contidas nos arts. 181
e 182 do CP. Que crítica se pode fazer a esse respeito?
O art. 95 do Estatuto do Idoso impõe verdadeira capitis diminutio ao indivíduo que pretende tutelar,
possuindo, ademais, grande potencial de gerar atrito no ambiente familiar.

18.19 Atualmente, qual o objeto material do crime previsto no art. 242 do ECA (“vender
fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente
arma, munição ou explosivo”)?
Com o advento do Estatuto do Desarmamento, que pune, em seu art. 16, a conduta de vender ou
entregar a criança ou adolescente arma de uso permitido, proibido, explosivo ou munição, o art. 242
do ECA passa a abranger apenas, a conduta de vender, fornecer, ainda que gratuitamente ou
entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, apenas armas brancas ou de arremesso.

18.20 Qual o objeto material do crime tipificado no art. 243 do ECA?


São o objeto material do crime as substâncias não abrangidas pela Portaria SVS/MS 344, de 12 de
maio de 1998, como, por exemplo, cola de sapateiro.
Em se tratando de substância listada no referido ato normativo, ter-se-á crime previsto na Lei de
Drogas.
De se observar que, recentemente, o crime em questão passou a ter como objeto material, também,
bebidas alcóolicas, já que a Lei nº 13.016/15 alterou a redação do art. 243 do ECA, a qual passou a
ser a seguinte: “vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer
forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos
componentes possam causar dependência física ou psíquica” (para maior detalhamento, confira-se o
site http://www.dizerodireito.com.br/2015/03/a-lei-131062015-e-o-art-243-do-eca.html).
Até então, a conduta de servir bebida alcoólica a criança ou adolescente encontrava tipificação no
art. 63 da Lei de Contravenções Penais.
182

19. SÚMULAS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES (STJ E STF) EM MATÉRIA CRIMINAL.


LEI QUE DEFINE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E DISPÕE SOBRE A INVESTIGAÇÃO
CRIMINAL – LEI Nº 12.850/13.
AUTOR: BRUNA SARTURI AQUINO
MATERIAL DE CONSULTA: SITE DIZER O DIREITO; RENATO BRASILEIRO DE LIMA – LEGISLAÇÃO CRIMINAL ESPECIAL
COMENTADA (2014).

19.1 Em que hipóteses é lícito o uso de algemas? Quais as consequências da inobservância dos
requisitos?
Hipóteses:
 Resistência;
 Fundado receio de fuga; ou
 Perigo à integridade física própria ou alheia.
Lembrar que a autorização para o uso deve ser justificada por escrito.
Consequências:
 Responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade;
 Nulidade da prisão ou do ato processual;
 Responsabilidade civil do Estado.
Esse entendimento é extraído da Súmula Vinculante nº 11: “Só é lícito o uso de algemas em caso de
resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por
parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de
responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do
ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

19.2 A Súmula 711 do STF prevê que “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou
ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da
permanência”. Como Defensor Público, como você sustentaria a inconstitucionalidade da
Súmula?
Consoante a referida súmula, se o agente praticou uma série de crimes na vigência de leis diversas,
todas as infrações serão regidas pela última lei, ainda que seja a mais gravosa. Trata-se de hipótese
de novatio legis in pejus.
Bitencourt entende que a Súmula 711 viola o princípio da irretroatividade da lei, pois, por meio de
um novo conceito de crime continuado, permite a incidência da nova lei sobre fatos ocorridos antes
da sua vigência.
Paulo Queiroz aponta que a Súmula implica em uma inversão lógica e cronológica do conceito legal
de continuação, ofendendo o princípio da legalidade. É que, de acordo com o Código (art. 71), no
183

delito continuado, os crimes subsequentes são havidos como continuação do primeiro, e não o
contrário.
Portanto, os crimes subsequentes só têm relevância jurídico-penal para efeito de individualização
judicial da pena: escolha da pena mais grave (quando diversas as infrações) e fixação do respectivo
aumento. Dessa forma, se o autor só responde jurídico-penalmente pelo primeiro crime e não pelos
subsequentes, parece evidente que a lei posterior mais severa não poderá alcançá-lo.

19.3. É possível impor regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permite?
Consoante o entendimento das Súmulas 718 e 719, isso é possível.
Prevê a Súmula nº 719: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena
aplicada permitir exige motivação idônea”.
E a Súmula nº 718: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui
motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena
aplicada”.
Contudo, há que se criticar essa possibilidade de aplicação de regime mais severo, pois a quantidade
de pena foi estabelecida como critério objetivo e claro para orientar o regime prisional, sendo um
direito fundamental do réu.
Por fim, a amplitude da expressão “motivação idônea” pode configurar um indesejável ativismo
judicial em matéria penal.
Sobre a questão, lembrar também da Súmula 440 do STJ: “Fixada a pena-base no mínimo legal, é
vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção
imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”.

19.4. É possível a progressão de regime de cumprimento da pena antes do trânsito em julgado


da sentença condenatória?
Sim, é o que prevê a Súmula nº 716 do STF: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento
da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em
julgado da sentença condenatória.”
A Súmula nº 717 também prevê: “Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada
em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial.”

19.5. Quando ocorre a consumação do crime de latrocínio?


O latrocínio é crime completo (roubo + homicídio doloso ou culposo).
Apesar de ofender aos bens jurídicos vida e patrimônio, prevalece a ofensa ao patrimônio, em
virtude de ser o elemento volitivo principal do agente conseguir a subtração de bens. Assim, não se
trata de crime contra a vida e a competência para seu julgamento é do juiz singular (e não do
Tribunal do Júri). Contudo, para aferir a consumação do delito, o aspecto prevalente está vinculado
ao crime contra a vida.
184

Dessa forma, se o homicídio se consumar, estará configurado o latrocínio, ainda que não se efetive
o roubo; ao passo que, se o homicídio não ocorrer (atingida a forma tentada), o latrocínio deverá ser
considerado tentado, ainda que o roubo seja efetivado plenamente.
Em outras palavras, como o latrocínio é crime complexo que não pode ser cindido, a consumação
do crime-meio já basta para a caracterização do crime por inteiro.
Essa é a inteligência da Súmula 610 do STF: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se
consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”.

19.6. Como ocorrerá a progressão de regime para o agente que cometeu crime hediondo em
2006?
O agente deverá cumprir 1/6 da pena para progredir de regime, além de ostentar bom
comportamento carcerário.
A Lei 11.464/2007 entrou em vigor no dia 29 de março de 2007. Quem cometeu crime depois dessa
data, pode progredir de regime, mas com os novos patamares de 2/5 e 3/5.
Antes dessa data, estava valendo o patamar de 1/6 do art. 112 da Lei de Execuções Penais, regra
geral que passou a abarcar também os hediondos com a declaração de inconstitucionalidade da
vedação à progressão de regime, prevista no artigo 2º, 1º da Lei 8.072/90.
Com o propósito de afastar qualquer embate doutrinário ou jurisprudencial, o STF editou a Súmula
Vinculante 26: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo,
ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de
25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos
objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a
realização de exame criminológico”.
Igual raciocínio encontra-se previsto na Súmula 471 do STJ: “Os condenados por crimes hediondos
ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art.
112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional”.

19.7. É possível recorrer de sentença condenatória que tenha agravado a pena-base pelo fato
de o réu responder ação penal em curso?
Sim, o fundamento para o recurso encontra-se na Súmula 444 do STJ: “É vedada a utilização de
inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.
Tanto o STJ quanto o STF desde muito vêm exigindo, para o reconhecimento de maus
antecedentes, que ocorra o trânsito em julgado do processo penal respectivo, sob pena de
aviltamento do princípio constitucional da presunção de não culpabilidade.
185

19.8. Qual será a pena do agente que confessou ter praticado o crime de furto simples, sendo
que não existem circunstâncias judiciais desfavoráveis e nem agravantes e majorantes?
Considerando a Súmula 231 do STJ, a atenuante da confissão não poderá conduzir a pena abaixo do
mínimo, de modo que pena deste agente será fixada em 1 ano (o furto tem pena de reclusão de 1 a 4
anos). Prevê a Súmula: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da
pena abaixo do mínimo legal”.
Entende o STJ que a primeira e a segunda fase não podem resultar em penas que superem os limites
inferior ou superior previstos no tipo legal do delito. Apenas na terceira fase, em que são aplicadas
as causas de aumento e de diminuição de pena, seria possível ultrapassar esses limites.
Esta Súmula é alvo de muitas críticas, eis que afronta claramente direitos fundamentais do acusado,
como a individualização da pena, a isonomia e a própria dignidade da pessoa humana.
Não bastante, o Código Penal determina em seu artigo 65 as circunstâncias ali delineadas sempre
atenuam a pena. No caso em questão, não sendo a pena diminuída além do mínimo legal, não teria
nenhum benefício o acusado que confessa o delito, equiparando-o ao agente que não colabora com
o Poder Judiciário, ou seja, estabelecer-se-ia uma punição maior, ferindo o primado da isonomia.
Segundo Bitencourt: “Em síntese, não há lei proibindo que, em decorrência do reconhecimento de
circunstância atenuante, possa ficar aquém do mínimo cominado. Pelo contrário, há lei que
determina (art. 65), peremptoriamente, a atenuação da pena em razão de um atenuante, sem
condicionar seu reconhecimento a nenhum limite; e, por outro lado, reconhecê-la na decisão
condenatória (sentença ou acórdão), mas deixar de efetuar sua atenuação, é uma farsa, para não
dizer fraude, que viola o princípio da reserva legal”.

19.9. O agente que pratica o crime de estelionato por meio da falsificação de um documento,
responde pelo delito de falsidade em concurso com o estelionato?
Não. O agente responderá apenas pelo estelionato. Nesse sentido, a Súmula 17 do STJ: “Quando o
falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, e por este absorvido”.
Trata-se de aplicação do princípio da consunção ou absorção, adotado quando o conteúdo de um
tipo penal já se achar necessariamente inserido noutro, de modo que o tipo mais amplo absorve o
menos amplo.

19.10. O agente que pratica furto mediante abuso de confiança pode receber o privilégio do
furto simples se for primário e a coisa de pequeno valor?
Não. O crime de furto encontra-se tipificado no art. 155 do Código Penal. No caput está previsto o
furto simples. O § 2º traz uma causa de diminuição de pena, chamada pela doutrina de “furto
privilegiado”: “Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode
substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente
a pena de multa”. O § 4º, por sua vez, elenca hipóteses de “furto qualificado”.
186

Entendeu o STJ que a aplicação do privilégio é possível desde que:


 Estejam preenchidos os requisitos do § 2º (primariedade e pequeno valor da coisa); e
 A qualificadora seja de natureza objetiva (relacionada com o fato criminoso, ou seja, com o
seu modo de execução, tempo e lugar do crime, instrumentos utilizados etc.)
Como a qualificadora em questão – abuso de confiança – é de ordem subjetiva (diz respeito à
pessoa do agente), não seria possível que o agente obtivesse o privilégio.
Esta é a inteligência da Súmula 511 do STJ: “É possível o reconhecimento do privilégio previsto no
§ 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a
primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.”

19.11. O agente condenado pelo crime de tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, Lei de Drogas),
tendo cumprido 1/6 da pena e ostentando bom comportamento carcerário, pode progredir de
regime?
Não. O crime de tráfico privilegiado é considerado hediondo pelo STJ, de modo que a progressão
de regime do agente será de 2/5, se primário, ou 3/5 se reincidente.
A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º da Lei 11.343/2006 não afasta
a hediondez do crime de tráfico de drogas, pois a sua incidência não decorre do reconhecimento de
uma menor gravidade da conduta praticada e tampouco da existência de uma figura privilegiada do
crime.
A criação da minorante tem suas raízes em questões de política criminal, surgindo como um favor
legislativo ao pequeno traficante, ainda não envolvido em maior profundidade com o mundo
criminoso, de forma a lhe propiciar uma oportunidade mais rápida de ressocialização. Assim, se o
indivíduo é condenado por tráfico de drogas e recebe a diminuição prevista no § 4º do art. 33,
mesmo assim terá cometido um crime equiparado a hediondo.
Súmula 512 do STJ: “A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei
n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas”.
Outras consequências da hediondez do delito:
- não admite fiança;
- não admite a concessão de anistia, graça ou indulto;
- o prazo de prisão temporária, quando cabível, será de 30 dias;
- para a concessão do livramento condicional, o condenado não pode ser reincidente específico em
crimes hediondos ou equiparados e terá que cumprir mais de 2/3 da pena;
- a pena do art. 288 do CP (associação criminosa) será de 3 a 6 anos quando a associação for para a
prática de crimes hediondos ou equiparados.
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19.12. A abolitio criminis temporária do Estatuto do Desarmamento alcança o agente que


tenha praticado o crime de posse de arma de fogo com numeração raspada no ano de 2006?
NÃO. Prevê a Súmula 513 do STJ: “A abolitio criminis temporária prevista na Lei n. 10.826/2003
aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer
outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005”.

Abrangência da abolitio criminis temporária

De 23/12/2003 a 23/10/2005 De 24/10/2005 até 31/12/2009

Arts. 12 e 16 Somente o art. 12


Posse de arma de fogo de uso PERMITIDO e Apenas a posse de arma de fogo de uso
RESTRITO, incluindo as condutas equiparadas PERMITIDO.
(ex: arma permitida com numeração raspada).

Importante destacar que o STF possui entendimento diverso: a abolitio criminis temporária
prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com
numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado,
praticado somente até 23/06/2005, quando terminou o prazo para registrar as armas de fogo sem que
fosse editada alguma MP ou lei prorrogando esse interregno.
Para o STF, o fato de a Lei n. 11.706/2008 (MP 417/2008) ter reaberto o prazo para que as pessoas
pudessem registrar ou renovar o registro de suas armas de fogo de uso permitido não significou
abolitio criminis.

19.13. Para o STJ, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piradas configura fato típico?
Sim, configura o crime de violação de direito autoral.
Prevê a Súmula 502 do STJ: “Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação
ao crime previsto no artigo 184, parágrafo 2º, do Código Penal, a conduta de expor à venda CDs e
DVDs piratas”.
Para o STJ e STF, o fato de, muitas vezes, haver tolerância das autoridades públicas em relação a tal
prática não significa que a conduta não seja mais tida como típica, ou que haja exclusão de
culpabilidade, razão pela qual, pelo menos até que advenha modificação legislativa, incide o tipo
penal, mesmo porque o próprio Estado tutela o direito autoral.
Contudo, pode-se sustentar que esse entendimento viola o princípio da adequação social. O
princípio da adequação social, desenvolvido por Hanz Welzel, afasta a tipicidade dos
comportamentos que são aceitos e considerados adequados ao convívio social.
De acordo com o referido princípio, os costumes aceitos por toda a sociedade afastam a tipicidade
material de determinados fatos que, embora possam se subsumir a algum tipo penal, não
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caracterizam crime justamente por estarem de acordo com a ordem social em um determinado
momento histórico (Min. Jorge Mussi).
A adequação social é um princípio dirigido tanto ao legislador quanto ao intérprete da norma.
Quanto ao legislador, esse princípio serve como norte para que as leis a serem editadas não punam
como crime condutas que estão de acordo com os valores atuais da sociedade.
Quanto ao intérprete, esse princípio tem a função de restringir a interpretação do tipo penal para
excluir condutas consideradas socialmente adequadas. Com isso, impede-se que a interpretação
literal de determinados tipos penais conduza a punições de situações que a sociedade não mais
recrimina.

19.14. A Lei 12.694/12 foi a primeira lei nacional a definir o que é organização criminosa.
Antes de seu advento, qual era o entendimento da doutrina, do STF e do STJ acerca da
aplicação do conceito previsto na Convenção de Palermo?
A aplicação do conceito previsto na Convenção de Palermo sofria críticas na doutrina, no sentido de
que um tratado internacional definindo crimes ou penas no ordenamento brasileiro configurava
nitidamente violação do princípio da legalidade (somente lei cria e comina pena).
Além disso, a definição dada pela Convenção é muito ampla, genérica, violando a taxatividade.
Essa posição foi acolhida pelo STF, que se pronunciou pela necessidade de lei em sentido estrito.
Por sua vez, o STJ entendia que o conceito trazido pela Convenção de Palermo era aplicável (HC
77.771/SP).
Diante da manifestação do STF, a Lei n. 12.694/12 (Lei do Juízo Colegiado) trouxe a primeira
definição sobre organização criminosa.
No ano seguinte, a nova Lei das Organizações Criminosas trouxe um novo conceito e dispôs sobre a
investigação criminal, meios de obtenção de prova, infrações correlatas e o procedimento criminal.

19.15. É possível condenar alguém por ter constituído uma organização criminosa no ano de
2012?
Não. A organização criminosa, na Lei do Juízo Colegiado (Lei 12.694/12), não era um tipo penal
incriminador, sequer trazia cominação de pena, era apenas um conceito sobre uma forma de se
praticar crimes.
Já na Lei 12.850/13, organização criminosa é um tipo penal incriminador, ou seja, a conduta de
promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização
criminosa, por si só, é crime, tipificada no art. 2º, com pena de 3 a 8 anos e multa, sem prejuízo das
penas das demais infrações penais praticadas.
Logo, trata-se de uma novatio legis incriminadora, obviamente irretroativa (não alcança os fatos
esgotados antes da sua vigência).
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19.16. Os meios de provas e técnicas de investigação criminal trazidos pela nova Lei do Crime
Organizado aplicam-se a um crime de roubo praticado por pessoas que não compõem uma
organização criminosa?
Em princípio, não. A Lei 12.850/2013 traz regras sobre investigação criminal, prova e
procedimento aplicáveis apenas às:
 Infrações penais praticadas por organização criminosa (art. 1º, § 1º);
 Infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a
execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou
reciprocamente;
 Organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito
internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem
como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer
em território nacional.

19.17. Qual a natureza jurídica da colaboração premiada? Confunde-se com a delação


premiada?
Colaboração premiada é técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe
da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos
responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um
dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.
Renato Brasileiro de Lima aduz que a natureza jurídica da colaboração premiada é de MEIO DE
OBTENÇÃO DE PROVA, sendo o depoimento, por exemplo, meio de prova (meio pelo qual ela
ingressa no processo), e o conteúdo do depoimento a prova em si.
A colaboração premiada é gênero, do qual a delação é espécie. A delação premiada é o
“chamamento do corréu”, e ocorre quando o acusado assume a culpa e delata outras pessoas (deve o
acusado confessar sua condição, senão tratar-se-á de mero testemunho). A colaboração pode
englobar a delação de outros coautores ou não, pode tratar-se apenas de informações acerca do
funcionamento da organização, localização do produto, proveito do crime, etc.

19.18 Há necessidade de autorização do juiz para a ação controlada da Lei de Organizações


Criminosas? Esse mecanismo pode ser utilizado pela Receita Federal?
A ação controlada independe de prévia autorização judicial, bastando a mera comunicação ao juízo
competente, para que possa estabelecer limites à ação controlada, se necessário, e também para
impedir que autoridades corruptas se beneficiem da justificativa do retardamento.
A lei faz menção expressa não só à intervenção policial, mas também administrativa, o que significa
que órgãos como a Receita Federal e Estadual, ABIN, etc., também podem retardar suas ações no
intuito de que esta se concretize num momento mais eficaz sob o ponto de vista da colheita de
elementos de informação.
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19.19. A oitiva do agente infiltrado como testemunha anônima caracteriza ofensa ao direito
fundamental ao confronto?
O direito fundamental ao confronto é o direito do acusado de presenciar e participar da colheita da
prova oral contra ele produzida. Compreende, por exemplo, a inquirição das fontes de prova
testemunhal desfavoráveis, de forma contemporânea à produção e a comunicação de forma livre,
reservada e ininterrupta com o seu defensor técnico, durante a inquirição das testemunhas.
A testemunha anônima é aquela cuja identidade verdadeira – compreendendo nome, sobrenome,
endereço e demais dados qualificativos – não é divulgada ao acusado e ao seu defensor técnico.
Prevalece no STF que o direito ao confronto não é incompatível com a oitiva do agente infiltrado
como testemunha anônima, com base no princípio da proporcionalidade; na autorização, pela CF,
da limitação da presença de pessoas em atos processuais; e no dever estatal de proteção às
testemunhas.
Renato Brasileiro entende que deve o defensor participar da oitiva, podendo conhecer os dados da
testemunha, mas afirma que há quem entenda que em casos extremos de grave risco à vida do
agente infiltrado, nem o advogado poderá participar da oitiva.

19.20. O que distingue uma associação criminosa de uma organização criminosa?

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