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Disciplina: Sociologia
Professora: Maria Brandão
1ª SÉRIE
REVISÃO
Conteúdo
ETNICIDADE/ETNIA
O termo “etnicidade” já rondava a história da Antropologia desde o começo do século XX, mas só a
partir da década de 1960 a expressão aparece como forma cada vez mais comum de pensar a
diferença. Nesse momento histórico do pós-Segunda Guerra Mundial, as nações africanas estavam
se tornando independentes e guerras de libertação nacional se espalhavam pelo mundo. Todos
esses processos sociais desestabilizaram as percepções da Antropologia e desafiaram as noções de
equilíbrio, tão importantes até então. Em um mundo em intensa transformação, com o avanço do
sistema capitalista produzindo mudanças radicais, era cada vez mais difícil pensar as sociedades em
termos de estabilidade. Também ocorriam transformações no interior das sociedades euro peias e
norte-americanas: conflitos internos, discriminações, racismo crescente, fluxos migratórios.
O conceito de etnicidade descreve um grupo que se autodefine e é definido por outros como
diferente, que supõe algum tipo de identificação coletiva, como o compartilhamento de uma
história comum. O grupo étnico não é definido por seu conteúdo cultural, mas sim em
contraposição a outros grupos. Um grupo étnico só se define em relação a outro, e o conceito de
etnicidade é sempre relacional. Não há etnicidade num grupo isolado, pois o que constitui a
etnicidade é justamente o contraste com outros grupos. Por outro lado, os autores estão sempre
atentos ao fato de que a etnicidade é um poderoso instrumento de mobilização política, utilizado
para legitimar lutas por diferentes tipos de direitos (veja mais adiante o boxe Para saber mais,
sobre conflitos étnicos). Veja na seção BIOGRAFIAS quem são Max Gluckman (1911-1975) e Fredrik
Barth (1928-2016). Arquivo AFP/Agência France-Press
RAÇA
A noção de raça, em termos biológicos, já foi rejeitada. Não existem raças humanas, constatação
que foi muito importante no combate ao racismo. Entretanto, a discriminação com base no
fenótipo (como as pessoas são fisicamente) continua a existir. Ou seja, a ideia de raça persiste e
produz sistemas de exclusão social. Por isso ainda se fala em raça: não bastou afirmar que não
existem raças para aca bar com o racismo. Para combater o racismo, as pessoas que são
discriminadas começaram a se articular em torno dessa experiência. Essa organização tornou
politicamente importante demonstrar a realidade das populações discriminadas com base na ideia
de raça, como os negros no Brasil, por exemplo. Isso significa que a situação dos negros no Brasil
pode ser vista com o auxílio do conceito de etnicidade, permitindo o combate ao racismo com base
na suposição da existência de raças. O termo “étnico-racial” foi cunhado para descrever essa
combinação de diferença e exclusão atrelada à discriminação pela “imaginação” da raça. A
expressão étnico-ra cial descreve uma população que compartilha algo (a própria experiência da
exclusão e do racismo) e age politicamente para reverter essa situação.
IDENTIDADE
Outro conceito muito utilizado para pensar a diferença é o de identidade. Esse termo tem
aparecido na história da Antropologia desde o começo do século XX, com os estudos dos alunos de
Franz Boas. Nessa época, porém, a ideia de identidade era sempre um acessório: identidade social,
identidade étnica, identidade racial. Conotava uma reflexão sobre a autoimagem de um grupo, em
geral impregnada da mesma noção de equilíbrio que vimos operar nas definições de estrutura. A
partir da década de 1970, o termo identidade ganhou outra conotação, relacionada à intensa
fragmentação social produzida pelo avanço do capitalismo e suas consequências.
ANTROPOLOGIA BRASILEIRA (OS PRIMEIROS TEMPOS)
Os primeiros tempos O antropólogo Julio Cezar Melatti (1938-) divide a História da Antropologia
brasileira em três períodos: do fim do século XIX até os anos 1930, da década de 1930 à década de
1960, e, finalmente, da década de 1960 em diante. Seria possível acrescentar mais um período: da
década de 1980 até o presente. Até a década de 1930, o conhecimento antropológico era
produzido por intelectuais não formados na área, pois essa formação acadêmica só passou a existir
em 1933, na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e em 1934, na Universidade de São Paulo
(USP). Na época, o principal interesse de estudo era a formação da sociedade brasileira. Como
dominavam as ideias evolucionistas e o darwinismo social, que vimos no Capítulo 2, muitos
intelectuais se dedicavam a investigar como a composição do povo brasileiro ao longo da História
influencia ria as relações sociais na época ou como seria possível alterar essa realidade. Entre os
principais intelectuais brasileiros do período estavam Sílvio Romero (1851-1914), Euclides da Cunha
(1866-1909), Nina Rodrigues (1866-1906), Oliveira Vianna (1883-1951) e o poeta Gonçalves Dias
(1823-1864), para quem a população indígena, além de “inferior”, estaria em decadência. Nesse
momento, os estudos sobre indígenas brasileiros eram predominantemente realizados por
estudiosos alemães, fato que guarda certa semelhança com a influência de Franz Boas (ver Capítulo
2) sobre os estudos antropológicos nos Estados Unidos. Um dos principais antropólogos a estudar
as populações indígenas do Brasil foi Karl von den Steinen (1855-1929), que, como Boas, havia sido
influenciado pelo etnólogo Adolf Bastian (1826-1905). Esses autores, com diferentes abordagens,
viam a população brasileira do ponto de vista da hierarquia racial. Esse olhar resultou numa visão
pessimista do Brasil: entendiam que a composição racial brasileira era “inferior”, por considerarem
a miscigenação um problema social, e que esta característica populacional tornava impossível
construir um país desenvolvido. Embora tais ideias pareçam deslocadas ou questionáveis hoje em
dia, naquele momento histórico, entre o final do século XIX e o começo do século XX, esse tipo de
pensamento teve grande relevância. E também enormes efeitos práticos, provavelmente afetando
a história da maioria dos brasileiros. A política de imigração do período, influenciada por esse olhar
pessimista e preconceituoso sobre a população do país, adotou medidas de incentivo à imigração
europeia: imaginava-se, assim, “branquear” o Brasil.
Essa tentativa de “branqueamento” foi uma resposta à ideia de que a população brasileira,
majoritariamente composta por indígenas, negros e mestiços, não poderia construir um país
desenvolvido. Nos dias atuais, a marginalização de populações negras, indígenas e mestiças tem
relação com essas decisões históricas. Assim, até as décadas de 1920 e 1930 predominaram
perspectivas evolucionistas, principalmente as que atrelavam noções de superioridade a
determinadas raças e criticavam a mestiçagem. A partir dos anos 1930, teve início uma gradual
profissionalização das Ciências Sociais no Brasil, entre elas a Antropologia. São referências nesse
processo a Universidade de São Paulo (USP) e a Escola de Sociologia e Política de São Paulo, que
concentraram professores estrangeiros como os franceses Claude Lévi-Strauss (ver Capítulos 1 e 3)
e Roger Bastide (1898-1974), os alemães Emilio Willems (1905-1997) e Herbert Baldus (1899-1970)
e o estadunidense Donald Pierson (1900-1995). No Rio de Janeiro, o pernambucano Gilberto Freyre
(1900-1987) assumiu em 1935 a primeira cátedra de Antropologia na Universidade do Distrito
Federal, depois Universidade do Brasil. Em 1939, o alagoano Arthur Ramos (1903-1949) ocupou a
cátedra de Antropologia na mesma universidade, que depois se tornaria a Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Havia um predomínio da influência estadunidense, com o início de um intercâmbio
entre docentes vindos dos Estados Unidos e antropólogos brasileiros. Assim, prevaleceu nesse
momento uma perspectiva cultural, atrelada à ideia de aculturação (que vimos no Capítulo 2), o
que se explica pela importância dada à integração das populações imigrantes à vida nacional. Esse
foi também um período de grandes teorias sobre a formação do Brasil, como as de Gilberto Freyre.
O autor pernambucano afirmava ter sido muito influenciado por Boas, de quem foi aluno na
Universidade Columbia, nos Estados Unidos. A novidade desse momento foi a inversão das
hierarquias raciais e do pessimismo em relação ao povo brasileiro que caracterizara o período
anterior. Para Gilberto Freyre, a mestiçagem brasileira não poderia ser sinônimo de atraso ou um
problema social, ao contrário, era justamente o trunfo de uma nova civilização luso-tropical. Além
da perspectiva de Freyre, estudos de Arthur Ramos e Roger Bastide, entre outros, romperam com a
tradição racializada do século XIX, adotando um tom formalmente não racista.