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RESUMO: A partir da leitura do romance Duas Vezes Junho, de Martín Kohan e do filme O ano em que meus
pais saíram de férias, pretende-se estabelecer uma análise sobre as relações entre o futebol e a ditadura militar na
Argentina e no Brasil nos anos 70, de modo a investigar como os anos violentos do regime foram encobertos
(insuficientemente) pelo espetáculo esportivo.
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É relevante entender a etimologia da palavra em questão: “perplexo” (do lat. perplexu, “emaranhado”) e
“plexo” (do lat. tard. plexu, “enlaçamento”).
grifo do autor.
Durante duas horas, enquanto durasse a partida, sabíamos que nada ia acontecer. Se
a Argentina ganhasse, até podia ser que a noite inteira passasse sem novidade. Era
melhor não imaginar o que podia acontecer se perdesse. Mas isso nunca tinha
ocorrido e não tinha porque acontecer. (KOHAN: 2005, p.47)
O convívio com a alteridade faz cair por terra a idéia de homogeneidade e harmonia de
povo/time metaforizada pelo futebol. O olhar forçoso sobre a individualidade do sujeito, não
mais da coletividade, pode não responder às questões suprimidas pela censura e pelo medo,
mas faz com que se tornem (e até retornem) memorizáveis no futuro. As fraturas da memória
não são arquiváveis, mas a subjetividade de que se compõem injeta um estranhamento
necessário à consciência de incompletude. Ou seja, se por um lado, o lembrar os fatos vividos
provoca uma impressão de poder organizá-los, por outro, esses surgem como imagens ligadas
não somente ao passado, mas também ao ato em si de lembrar, no presente. A memória então
deixa de ser individualmente centrada. Ao contrário, ramifica-se infinitamente com outras
memórias individuais. É interessante apontar, no romance de Kohan, o trecho em que o
soldado, quatro anos depois, lê o jornal: “Volto às páginas de esportes. Noto que, com a
escassa exceção de apenas dois integrantes, a formação da Argentina se conservou idêntica à
da vez anterior, como se os anos não tivessem passado.”(KOHAN; 2005, p.124). Se o tempo
parece estático, o mesmo não ocorre com ele, sujeito testemunhal, pois sua leitura passa,
então, a percorrer também os crimes de tortura noticiados. A cumplicidade passiva não
oferece mais garantias de sobrevivência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Clube de leituras -comentários sobre Duas vezes Junho. In: O BISCOITO FINO E A
MASSA, 8 de junho de 2006, http://www.idelberavelar.com/
DERRIDA, Jacques. Mal de Arquivo. Uma impressão Freudiana. Trad. Cláudia de Moraes
Rego. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
DICIONÁRIO AURÉLIO ELETRÔNICO – SÉCULO XXI, versão 3.0. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira.
HUYSSEN, Andréas. Passados presentes: mídia, política, amnésia. In: Seduzidos pela
memória. Arquitetura, Monumentos, Mídia. Trad. Sérgio Alcides. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2000.
KOHAN, Martín. Duas vezes junho. Trad. Marcelo Barbão. São Paulo: Amauta Editorial,
2005.
------------ entrevista a Idelber Avelar. In:O BISCOITO FINO E A MASSA, 9 de junho de
2006, In: O BISCOITO FINO E A MASSA, http://www.idelberavelar.com/
O ano em que meus pais saíram de férias. Direção: Cao Hamburguer. Brasil: Buena Vista
International, 2006, dvd (110min.), son., color.
SARLO, Beatriz. Tempo Passado. Cultura da memória e guinada subjetiva. Trad. Rosa
Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.
SANTIAGO, Silviano. O narrador pós-moderno. In: Nas malhas da letra. Rio de Janeiro,
Rocco, 2002, pp.44-60.