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Luci Carlos de Andrade

Maria Aparecida Barros Pinto

Linguagem, Aquisição da Escrita,


Aprendizagem e Desenvolvimento
UNIDADE 3

AQUISIÇÃO DA ESCRITA: EVOLUÇÃO,


ASPECTOS LINGUISTICOS E
COGNITIVOS

Caro aluno,

Nesta terceira unidade come-


çaremos a estudar a evolução da escrita
do ponto de vista de vários autores, des-
tacando os métodos de aprendizagem
contrários ao sistema tradicional de ensi-
no e em seguida falaremos dos aspectos
cognitivos e a dificuldade de aprender a
leitura e a escrita tendo como suporte as
pesquisas realizadas no assunto.

Bons estudos!
3.1 . Princípios básicos da
aquisição da língua escrita

A idade para aquisição da língua escrita ain-


da vem provocando discussões no meio acadêmico,
porém sabe-se que a escrita surge do interesse, da
curiosidade natural das crianças e da sua necessidade
de decifrar o meio a sua volta. Porém, cabe ressal-
tar que o aspecto mais relevante neste processo seria
que a criança soubesse qual é o objetivo de escrever
como afirma FERREIRO (1985):

“... falta entender que a aprendizagem da lín-


gua escrita é muito mais que a aprendizagem de
um código de transcrição: é a construção de um
sistema de representação.”

Acredita-se que a criança já chega ao am-


biente escolar com conhecimentos e concepções de
suas vivências no seu meio ambiente, por isso seu
aprendizado acerca da construção da escrita vai evo-
luindo gradativamente e não pode ser atribuído so-
mente ao ingresso no sistema escolar. Como FER-
REIRO (1985) explica:

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"... As crianças não aprendem simplesmente
porque veem e escutam, mas sim porque elabo-
ram o que recebem, porque trabalham cognitiva-
mente com o que o meio lhes oferece."

Pesquisas realizadas mostraram que os pro-


cessos da aquisição da escrita seguem nas crianças
uma linha de evolução conhecida como Gramá-
tica Gerativa, esta teoria fundamenta-se segundo
CHOMSKY (1975) em:

A gramática trans-
formacional é uma teoria
gramatical lançada por
Noam Chomsky em 1957.
Trata do aspecto criativo
da faculdade da linguagem
e aborda os processos de
transformação pelos quais
passa o sintagma. A gra-
Figura 2- Noam Chomsky
mática transformacional é
um tipo particular de gramática generativa, noção
introduzida na linguística na década de 1950 por
Noam Chomsky, que renovou completamente a in-
vestigação nesta área do conhecimento. É possível
conceber tipos diferentes de gramática ge(ne)rativa,
e o próprio Chomsky definiu e discutiu vários tipos

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diferentes em seus primeiros trabalhos. Mas, desde
o início, ele próprio defendeu um tipo particular, ao
qual deu o nome de gramática transformacional ou
GT; a gramática transformacional foi chamada às
vezes gramática gerativa transformacional, ou GGT.

Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/
Gram%C3%A1tica_generativa_transformacional

... O sistema de regras que a criança deve


assimilar durante os três ou quatro anos de sua
vida é de tal complexidade que é necessário ad-
mitir que todo ser humano possui uma qualquer
predisposição inata para adquirir as estruturas,
possuindo propriedades específicas, deixando
supor a existência de "universais" da Linguagem.

Crianças com menos de um ano, quando


estimuladas, já conseguem apresentar tentativas de
escrever, e com dois anos e meio a três anos já con-
seguem representar os objetos que estão a sua volta,
tentam relacionar o objeto com o que estão “escre-
vendo”, ou seja, graficando. Sobre isso, FERREIRO
e TEBEROSKY (1985) escrevem:

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"Numa criança de classe média, habituada
desde pequena a fazer uso do lápis e papéis que
encontra na sua casa, podem-se registrar tentati-
vas claras de escrever..."

A criança relaciona subjetivamente o obje-


to ao que pretende escrever, objetos pequenos terão
uma correspondente escrita pequena. O processo do
desenvolvimento da aquisição da escrita é um pro-
cesso evolutivo, como já dissemos, e respeita o de-
senvolvimento de cada individuo. A criança, como
ser observador, percebe que a escrita se faz por par-
tes. Acerca disto, escreve FERREIRO (1985):

Na descoberta de que a quantidade de letras


com que se vai escrever uma palavra pode ter
correspondência com a quantidade de partes
que se reconhece na emissão oral. Essas par-
tes da palavra são inicialmente as suas sílabas.
Inicia-se assim o período silábico, que evolui até
chegar a uma exigência rigorosa: uma sílaba por
letra, sem omitir sílabas e sem repetir letras.

Sabe-se que a escrita não é um desenho das


letras, essa diferença, para a criança, é importante
porque é a partir dela que a criança pode propor no-

100
vos rumos para o seu aprendizado, e isso faz com
que a criança crie hipóteses sobre a escrita, uma es-
sencialidade dentro da teoria construtivista.

Pesquise sobre a teoria


do construtivismo.

A aprendizagem da língua escrita encontrou


no belga Ovide Decroly, (1871-1932), um método
baseado na observação, associação e expressão. De-
croly é um representante da pedagogia ativa. Segun-
do PARRAT-DAYAN apud COGO e BECKER
(1998) a pedagogia ativa pode ser entendida como:

A pedagogia ativa compreende procedimentos


como o trabalho em grupo e o self-government,
que visam favorecer a formação do pensamen-
to, a pesquisa, a promoção da autonomia. Nesta
perspectiva as relações professor-aluno e aluno-
-aluno constroem-se fundamentadas no respeito
mútuo, na reciprocidade e na cooperação. Os alu-
nos nas atividades do trabalho em grupo realizam
trocas entre si, colaborando mutuamente, mas a
construção de uma lógica do pensamento ocorre-
rá quando a cooperação estiver estabelecida.

101
Com relação à escrita, Ovide Decroly apud
ZUNINO, PIZANI 1995 diz que:

A experiência com os deficientes e também


com os normais prova que a maioria das crian-
ças pode-se proceder com a escrita do mesmo
modo que com a leitura. Diversas observações
feitas por mim mesmo e por meus colaborado-
res confirmam que a aprendizagem das letras
pode ser feita partindo do desenho da frase in-
teira, que será no início disforme, mas que che-
gará a ser perfeita pouco a pouco.

De outro lado, Elise Freinet enfatizou a


confiança nas potencialidades da criança e que isso
faz com que ela se aproprie e descubra a escrita,
que não necessariamente se determina na escola,
mas que exige diferentes etapas para cada uma. A
respeito disso, Elise Freinet (1971) apud ZUNINO,
PIZANI (p.95) resumiu:
A mesma relação que enlaça a linguagem
escrita com a falada une a escrita ao desenho, que
é também essencialmente um meio de expressão
de comunicação. Por isso, partiremos das primei-
ras “garatujas” da criança de três anos, para tra-
tar de distinguir as etapas da tomada de posição
da linguagem escrita. Mostraremos que a criança

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procede- como escreveu Freinet em seu Ensaio
da psicologia sensível- por uma comparação ex-
perimental: apoderando-se, por meio de experi-
ências comparadas, dos elementos que o meio lhe
proporciona, repetindo as experiências obtidas
até sua integração total numa progressão cons-
tante - onde certos períodos de regressão vão se-
guidos ou precedidos de saltos para diante- e de
tempos de consolidação. Acompanharemos di-
versas crianças em seus avanços em decifrar e em
colocar em símbolos, e veremos como elas vão
abrindo caminho. Sua permeabilidade à experiên-
cia: enquanto algumas crianças necessitam nume-
rosas repetições da experiência coroada de êxito
(repetições de palavras ou expressões), outras
adquirem formas que, a partir desse momento,
utilizam com toda liberdade, enquanto algumas
descobrem sem esforços aparentes o mecanismo
da escrita (associação de letras e sílabas de corres-
pondência fonética), outras permanecem durante
muito tempo no espaço global de reconhecimen-
to e utilização de palavras. É sumamente evidente
que um método natural não pode senão respeitar
esses diversos ritmos de apreensão da língua es-
crita pela própria criança.

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3.2. O método natural de
Célestin Freinet

Célestin Freinet (Figura 1) é o criador do “mé-


todo natural” por acreditar que o conhecimento, tanto
da escrita como da linguagem oral, é adquirido seguin-
do um caminho natural, como ele mesmo explica:

Figura 1-Célestin Freinet com as crianças

Seria inconcebível que o método natural, que


consegue êxito total quando se trata de adquirir
a linguagem, não apresentasse a mesma eficácia
no caso da leitura e da escrita, que não são mais
do que uma segunda etapa [...] O erro começa
quando, em lugar de deixar que a criança forje

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seus próprios instrumentos, pretende-se acelerar
a aprendizagem, impondo, a partir de fora, uma
ferramenta estranha às suas tentativas e da qual
não se tem necessidade nenhuma.

O método Freinet fundamenta-se na liber-


dade e na autonomia, sendo o professor responsável
em favorecer que a criança seja livre para criar e que
desenvolva seu próprio vocabulário, por isso a aula-
-passeio é um dos diferenciais de seu método. Se-
gundo o método de Freinet a aquisição da linguagem
escrita possui cinco fases:

1- Grafismo simples
2- Grafismo diferenciado
3- Imitação da escrita
4- Utilização das letras e números com ou sem
valor sonoro
5- Escrita alfabética

A criança, segundo Freinet, possui o seu


tempo para adquirir a linguagem escrita, por isso,
dentro da sua pedagogia, o professor não poderá
acelerar o seu processo, mas sim motivá-la utilizan-
do seus próprios textos. O método de Freinet so-
freu críticas, principalmente ao fato de que encara de
maneira semelhante à criança e ao adulto. Segundo

105
Freinet, tanto o adulto quanto a criança não gostam
de autoritarismos e aprendem com experimentação.
O método proposto por Freinet fazia duras
críticas ao sistema autoritário da escola tradicional,
ao método quantitativo de avaliação, de conteúdos
que não fazem sentido ou não estão inseridos na re-
alidade social dos alunos, da aplicação de castigos e a
rigidez na organização dos trabalhos.
Contudo, a disciplina e a ordem resultam de
um trabalho organizado, de uma relação amistosa e
respeitosa entre aluno-professor, para desenvolver a
técnica da experimentação e documentação, e outras
como: desenho livre, imprensa (jornal), aulas pas-
seio, livro da vida, correspondência interescolar etc.
Com estas técnicas, o objetivo era desenvol-
ver os métodos naturais não somente da linguagem,
mas de outras disciplinas, tais como a matemática, ci-
ências naturais e sociais, onde eram criados momentos
propícios, por exemplo: o aniversário de um dos cole-
guinhas poderia fornecer fatos que desenvolveriam a
Matemática, a Geografia e a linguagem oral e escrita.
A importância do método de Freinet para a
aprendizagem, acima de tudo, é que se constitui um
método ainda contemporâneo e que está em sinto-
nia com uma escola dinâmica que se preocupa em
criar estratégias de inserção na realidade sociocultu-
ral dos alunos, para que estes sejam agentes de sua
própria transformação.

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3.3. Aspectos cognitivos e
linguísticos da aquisição da
escrita e da leitura
Estudos dos processos cognitivos e biológi-
cos envolvidos na atividade da escrita são recentes
em se tratando de pesquisas, pois começaram a ser
publicados somente no início da década de 80. Estes
estudos apontaram várias situações que levam para as
dificuldades na escrita, são elas: erros de soletração,
sintaxe, erros de estruturação e pontuação. Através
disso, temos uma classe de pessoas que possuem boa
oralidade, porém dificuldades em escrever palavras;
outras com oralidade deficiente, mas que escrevem
bem. Porém, conclui-se que de um modo ou de ou-
tro os aspectos cognitivos são resguardados.
Segundo SCHIAVONI (2004) e ZORZI
(1998) apud SUEHIRO (2006), o erro na escrita:

...Dentro dessa perspectiva evolutiva da


aprendizagem da escrita, é considerado como
algo inerente ao seu processo de construção e,
portanto, como uma etapa do processo de apro-
priação do sistema ortográfico, podendo cons-
tituir-se como um indício do quanto a criança
dominou o sistema ou como um sinal de algum

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tipo de dificuldade. Deve-se salientar, contudo,
que embora os erros sejam parte integrante do
processo de aprendizagem, eles não podem ser
aceitos indiscriminadamente como algo que
será seguramente superado, mas se constituírem
como um alerta de que a criança precisa de uma
assistência diferenciada.

Os estudos demonstraram que o entendi-


mento das dificuldades em ler e escrever, certamen-
te, é o primeiro caminho para se propor melhorias.
Em 1953, os problemas que existiam para a leitu-
ra e escrita eram atribuídos a um déficit visual, ou
seja, uma dificuldade de processamento de padrões
visuais, somente na década de 70 essa hipótese per-
deu força para a hipótese de distúrbios fonológicos,
onde pesquisadores encontraram evidências de que
estes distúrbios estavam relacionados aos problemas
de leitura e escrita.

Pesquise sobre a teoria


do construtivismo.

Os distúrbios fonológicos (relacionados à


percepção e ao processamento da fala), como os

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metafonológicos, isto é, dificuldades de desenvolver
a consciência fonológica ou dificuldades relaciona-
das à segmentação e a manipulação da fala, foram de
extrema ajuda para predizer as dificuldades no de-
correr do processo da aprendizagem da leitura e es-
crita. Resolver estes distúrbios também produziram
ganhos significativos no processo da aprendizagem
da leitura e escrita. Portanto, entra em cena a hipótese
do déficit fonológico para a dificuldade de ler e escrever.
As pesquisas mais recentes que enfocam as
habilidades cognitivas com os distúrbios na aquisi-
ção da linguagem escrita destacam o tema da disle-
xia. Segundo IANHES & NICO 2007, a dislexia é
um distúrbio de origem congênita que atinge de 10
a 15% da população brasileira, sendo mais comum
no sexo masculino cerca de três vezes maior do que
em relação ao sexo feminino. CAPOVILLA (2002)
caracteriza a dislexia como:

“... a dislexia caracteriza-se por um distúr-


bio na linguagem expressiva/receptiva que não
pode ser atribuído ao atraso geral do desenvolvi-
mento, distúrbios auditivos, lesões neurológicas
importantes (como paralisia cerebral e epilepsia)
ou distúrbios emocionais...”

Um avanço para a melhoria da aprendizagem

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do disléxico é analisar qualitativamente e quantitati-
vamente as habilidades cognitivas da leitura e escrita,
como as habilidades cognitivas no processamento
fonológico, visual, sequencial, memória recente e de
longo prazo, e existem instrumentos que estão nor-
matizados no Brasil, tais como: prova de consciência
fonológica, prova de leitura e escrita sob ditado, teste
de leitura silenciosa e o Internacional Dyslexia Test, que
faz um diagnóstico detalhado das habilidades cogni-
tivas relevantes no processo da leitura e escrita. Se-
gundo CAPOVILLA 2002, intervenções feitas por
professores e pais de alunos disléxicos que visam fa-
cilitar a aprendizagem, estão escritas no quadro:

• a criança disléxica deve sentar-se próxima


à professora, de modo que a professora possa
observá-la e encorajá-la a solicitar ajuda;
• cada ponto do ensino deve ser revisto vá-
rias vezes. Mesmo que a criança esteja pres-
tando atenção durante a explicação, isso não
garante que, no dia seguinte, ela lembrará o
que foi dito;
• professores e pais devem evitar sugerir que
a criança é lenta, preguiçosa ou pouco inteligen-
te, bem como evitar comparar o seu trabalho
escrito aos de seus colegas;
• não solicitar para que ela leia em voz alta na
frente da classe;

110
• sua habilidade e conhecimento devem ser
julgados mais pelas respostas orais que escritas;
• não esperar que ela use corretamente um
dicionário para verificar como é a escrita correta
da palavra. Tais habilidades de uso de dicionário
devem ser cuidadosamente ensinadas;
• evitar dar várias regras de escrita numa
mesma semana. Por exemplo, os vários sons do
"C" ou "G". Dar lista de palavras com uma mes-
ma regra para a criança aprender;
• sempre que possível à criança deve repetir,
com suas próprias palavras, o que a professora pe-
diu para ela fazer, pois isso ajuda na memorização;
• a apresentação de material escrito deve ser
cuidadosa, com cabeçalhos destacados, letras
claras, maior uso de diagramas e menor uso de
palavras escritas;
• o ambiente de trabalho deve ser quieto e
sem distratores;
• a escrita cursiva é mais fácil do que a de for-
ma, pois auxilia a velocidade e a memorização da
forma ortográfica da palavra;
• esforços devem ser feitos para auxiliar a
autoconfiança da criança, mostrando suas habi-
lidades em outras áreas (música, esporte, artes,
tecnologia etc.)

111
Dependendo da idade da criança, a interven-
ção na dislexia é feita através de métodos específicos,
o multissensorial para crianças que já reprovaram e o
método fônico para crianças que estão começando a
ser alfabetizadas. O método multissensorial, segun-
do CAPOVILLA (2002), reúne diversas modalida-
des sensoriais no ensino da linguagem escrita e:

...busca combinar diferentes modalidades


sensoriais no ensino da linguagem escrita às
crianças. Ao unir as modalidades auditivas, vi-
suais, sinestésica e tátil, este método facilita
a leitura e a escrita ao estabelecer a conexão
entre aspectos visuais (a forma ortográfica da
palavra), auditivos (a forma fonológica) e si-
nestésicos (os movimentos necessários para
escrever aquela palavra).

Porém, o método fônico propõe uma in-


terconexão sistemática de letras e sons, segundo
COLLELO (2006):

A alfabetização se dá através da associação


entre símbolo e som. Para que a criança se torne
capaz de decifrar milhares de palavras, ela apren-
de a reconhecer o som de cada letra. De outra
forma, ela teria que memorizar visualmente todo

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o léxico, algo ineficiente do ponto de vista dos
defensores do método fônico. O método parte da
regra para a exceção.

Figura 2-Método Fônico

Os distúrbios que as crianças apresentam se-


jam de quaisquer origens e consequentemente a difi-
culdade em ler e escrever devem ser acompanhados
de uma intervenção o mais precocemente possível,
pois estudos mostram que a eficácia da intervenção
está diretamente relacionada com a idade da criança.
Neste sentido as pesquisas enfatizam o déficit fono-
lógico, isto é, uma dificuldade de decodificar, segun-
do LECOCQ (1991)

Numerosos trabalhos [...] permitiram afunilar


progressivamente o caminho da pesquisa e mos-
trar que a dificuldade dos disléxicos não reside
na pobreza de vocabulário, nem numa memória

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semântica medíocre, nem num defeito de sensibi-
lidade à informação contextual, nem na fraqueza
da análise sintática, nem em dificuldades de com-
preensão geral, mas sim na incapacidade de obter
certas informações foneticofonológicas.

A utilização da intervenção metafonológicas


(desenvolvimento da consciência fonológica) e fôni-
ca (ensino da correspondência entre grafema e fone-
ma), admitindo-se a hipótese do déficit fonológico,
foram satisfatórias para um completo aprendizado
da linguagem escrita e oral. Segundo os pesquisa-
dores CAPOVILLA e CAPOVILLA (2003) outras
pesquisas deverão ser feitas para relacionar outras
habilidades, tais como as visuais, sequenciais e ra-
ciocínio lógico com a aquisição da escrita e leitura.
Pesquisas recentes compararam o desempenho das
habilidades metafonológicas, visoespaciais e moto-
ras com a aprendizagem da escrita e da leitura e estas
ratificaram a hipótese do déficit fonológico e descar-
taram a hipótese do déficit visual.
Concluímos que, embora o problema com a
dificuldade da aprendizagem seja antigo e atinja um
número grande de crianças, os problemas com rela-
ção à escrita datam do final da década de 70, porém,
é uma área com carência em pesquisas efetivas, mas
sabemos que as crianças evoluem quando em conta-

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to com grafismos. O processo evolutivo das crianças
não está relacionado diretamente à idade. Estudos
mostraram que crianças de sete anos, do ensino for-
mal, erraram menos a escrita do que crianças de ida-
de maior, uma hipótese para este fato foi atribuída a
imprecisões na metodologia da pesquisa e na hete-
rogeneidade das crianças algumas do ensino público
e outras do ensino privado.
Sob os aspectos do meio ambiente e gênero,
as pesquisas relacionadas à aprendizagem da escrita
apresentam resultados até mesmo curiosos, as pes-
quisas indicaram que os meninos tendem a ter mais
dificuldade para a escrita do que as meninas o que
concordou com os resultados já obtidos anterior-
mente por outros pesquisadores.
Quanto ao meio ambiente, as pesquisas
mostraram que quanto maior for o estímulo ofereci-
do pelo meio ambiente para a criança maior será seu
aprendizado, portanto professores e pais, estimular
e incentivar a criança é fundamental no seu aprendi-
zado. Na escola podemos propor práticas educativas
e em casa podemos proporcionar o contato com li-
vros, internet, revistas etc.
Ainda que as pesquisas tenham apontado
problemas na aprendizagem e, especificamente, na
aprendizagem da escrita, muito ainda teremos que
caminhar, pois cada realidade neste país continen-
tal se constitui um desafio. Cada vez mais a sintonia

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professor-aluno-família deve dar suporte ao diag-
nóstico de problemas das mais variadas origens que
estão prejudicando o processo da aprendizagem, e
cabe à escola, dentro do projeto pedagógico, elabo-
rar e viabilizar projetos voltados à realidade socio-
cultural local, para que o aluno seja transformador
da sua realidade.

3.4. As dificuldades da
aquisição da linguagem escrita

3.4.1. Aspectos gerais das dificuldades de


aprendizagem

Os aspectos cognitivos, tais como atenção,


percepção e memória foram os temas mais inves-
tigados nas pesquisas acerca dos transtornos de
aprendizagem, aos poucos outros aspectos foram
ocupando espaço nas pesquisas, principalmente os
socioafetivos. No ano de 2000, BAZI relacionou
o problema da ansiedade à dificuldade de ler e es-
crever, chegando à conclusão que a ansiedade pode
afetar mais meninas do que meninos, que é um fa-
tor preocupante e comprovadamente relacionado ao
baixo rendimento escolar.

116
Em 2006, BARTHOLOMEU et al., relacio-
naram a dificuldade da aquisição da escrita com a
agressividade. Neste estudo concluiu-se que a agres-
sividade não é um fator preponderante que dificulta
a aquisição da escrita, como dizem:

Os problemas emocionais mostraram-se as-


sociados aos erros na escrita. As crianças com
problemas de aprendizagem apresentaram-se
ansiosas e com pobre autoconceito, denotando
culpa e sentimentos de inadequação relaciona-
dos a impulsos agressivos mal-elaborados, com
preocupação pelos impulsos sexuais, dificulda-
des de comunicação e timidez.

Porém, entender as dificuldades de apren-


dizagem acerca da escrita e leitura ainda ocupa
o foco de pesquisas principalmente as relacio-
nadas com os aspectos psicológicos (ansiedade
e estabilidade emocional). As pesquisas sobre o
processo cognitivo começadas com Jean Piaget,
afirmava que qualquer informação passava por
processos de assimilação-acomodação, atual-
mente este entendimento deve ser mais amplo
levando em conta as respostas das crianças.
Segundo SISTO (1997) apud BAZI (2000):

117
“...Piaget não nega que o fenômeno apren-
dizagem, responsável por mudanças no sistema
cognitivo, possa possuir esse sistema de autorre-
gulação que, ao mesmo tempo, permite e limi-
ta avanços, e que essas organizações teriam um
funcionamento lógico-matemático, caracteriza-
do por leis de compensação...”

Para outros pesquisadores a aprendizagem


engloba três aspectos: é um processo ativo, cons-
trutivo e significativo. O processo é ativo porque
a criança tem que participar e executar tarefas para
que exista uma assimilação; todas as atividades visam
construir o conhecimento e por fim ao se tornar sig-
nificativo subentende-se que o aluno gerou estrutu-
ras cognitivas ordenadas.
Segundo LOZANO e RIOBOO (2004) en-
tendem que a aprendizagem ocorre em cinco áre-
as: “perceptiva/ atencional, psicomotriz, linguística,
socioafetiva e a do pensamento lógico”. Por outro
lado, existem estudos que mostram que os alunos
não aprendem porque necessitam de materiais e es-
tratégias de intervenção individualizadas.
Dentre as inúmeras definições de dificulda-
des de aprendizagem, a que reúne maior consenso
internacional, segundo FONSECA (1995), diz:
Dificuldades de aprendizagem (DA) é um
termo geral que se refere a um grupo hetero-
gêneo de desordens manifestadas por dificul-
dades significativas na aquisição e utilização
da compreensão auditiva, da fala, da leitura,
da escrita e do raciocínio matemático. Tais
desordens, consideradas intrínsecas ao indiví-
duo, presumindo-se que sejam devidas a uma
disfunção do sistema nervoso central, podem
ocorrer durante toda a vida. Problemas na au-
torregulação do comportamento, na percep-
ção social e na interação social podem existir
com as DA. Apesar das DA ocorrerem com
outras deficiências (por exemplo, deficiência
sensorial, deficiência mental, distúrbios socio-
emocionais) ou com influências extrínsecas
(por exemplo, diferenças culturais, insuficien-
te ou inapropriada instrução etc.), elas não são
o resultado dessas condições.

Ainda não temos consenso para os termos


dificuldades e distúrbios de aprendizagem quan-
to a suas causas, porém estudos revelam que os
distúrbios ou as dificuldades possam ter origem
biológica, orgânica ou estar relacionada a uma
disfunção neurológica. Porém, é necessário fazer
distinção entre os termos: distúrbio de aprendiza-

119
gem e dificuldade de aprendizagem. Os distúrbios
de aprendizagem teriam suas origens em pertur-
bações na aprendizagem e que teriam que merecer
atenção médica, contudo, as causas da dificuldade
de aprendizagem estariam em uma gama de fato-
res que incluem aspectos pessoais, a relação do
aluno com o meio exterior e dentro da escola até
familiares. Portanto, dificuldade em aprender não
pode ser considerada um distúrbio.
Para SÁNCHES (1998) apud BAZI 2003, acer-
ca das dificuldades de aprendizagem infantil, comenta:

As dificuldades de aprendizagem afetam crian-


ças, jovens e adultos, e não constituem um único
problema, mas um conglomerado de problemas
heterogêneos de dificuldades não acadêmicas
com uma base principal na linguagem (processos
fonológicos, morfológicos, processamento verbal
na memória, processos visuais e auditivos etc.), e
dificuldades acadêmicas na leitura, na escrita, no
soletrar e na matemática. Menciona que essa con-
dição é diferente do baixo rendimento produzido
por outras causas como por fatores ambientais;
déficits sensoriais ou motores; dificuldades de
atenção no controle dos impulsos ou hiperativi-
dade; falta de motivação para aprender e outros
transtornos do desenvolvimento.

120
Pesquisadores acreditam que para sanar as
dificuldades da aprendizagem devemos entender os
aspectos que levam a estas dificuldades, que são: a
tarefa, a criança e o ambiente, e somente através da
análise desses é que podemos contribuir efetivamen-
te para a melhoria da aprendizagem. Acredita-se que
as dificuldades de aprendizagem não estejam relacio-
nadas à habilidade cognitiva da criança, mas sim em
problemas educativos e ambientais.
O papel do professor no processo de apren-
dizagem é sem duvida importante, pois contribui
e influencia no desempenho escolar, em pesquisas,
TEBEROSKY e CARDOSO (1991), relacionam o
pensamento do professor e o processo de alfabetiza-
ção e ASSIS (1990) à conduta do professor em sala
de aula, porém, devido à complexidade, precisare-
mos de mais pesquisas acerca deste assunto.
Deve-se destacar também o papel do adulto na
situação de aprendizagem, uma vez que é através dele
que o conhecimento chega até a criança positiva ou ne-
gativamente, dependendo de como o adulto o entregará
a criança. Para ASSIS 1990 apud BAZI

“...Ora, se a criança tem uma imagem negativa


do adulto, será menos provável que queira ser como
ele é, caso contrário, se tiver uma imagem positiva,
provavelmente tentará assemelhar-se a ele...”

121
Portanto, embora caiba ao professor pro-
piciar ações motivacionais de aprendizagem, o
fator preponderante é que a criança tenha uma
imagem positiva de si mesma, que tenha consci-
ência da sua capacidade em aprender e estabelecer
relações, tornando-se cada vez mais participativa
de sua aprendizagem.
Outro aspecto que envolve o processo da
aquisição da escrita é que existem crianças com ca-
pacidade oral, mas com dificuldades no desenvolvi-
mento da habilidade da escrita (disgrafia), por isso,
tem mais dificuldades ao ditado do que à cópia, por-
que no ditado subentende-se que ela deva ter em um
primeiro estágio a representação gráfica da palavra e
em seguida uma representação auditivo-verbal para
transformar os sons emitidos em linguagem escrita.

Pesquise sobre disgrafia

3.4.2. A importância e modelos para a


linguagem escrita

O homem, desde os tempos mais remotos,


sempre teve a necessidade de se comunicar, portan-
to saber ler e escrever são requisitos imprescindíveis

122
para sua socialização. Neste contexto, o aluno, quan-
do se sente parte de um grupo social na escola, sendo
o professor um dos focos, começa a ter prazer pelos
novos desafios de aprender. Segundo CARRAHER
e REGO (1984), a alfabetização envolve dois tipos
de aquisições cognitivas:

(1) a compreensão do sistema alfabético de


representação (dependente de fatores cognitivos
mais complexos)
(2) a aprendizagem das convenções da es-
crita (dependente de habilidades de percep-
ção e memória)

Pesquisas sobre a aprendizagem e os processos


cognitivos envolvidos com a escrita são recentes, somen-
te a partir da década de 80 foi possível conhecer um dos
modelos mais significativos e conhecidos no processo
de composição da escrita, elaborado pelos pesquisadores
Hayes e Flower, que mudaram a concepção dos modelos
até então propostos para a escrita. No ensaio A Cognitive
Process Theory of Writing (FLOWER; HAYES 1981) os
autores observam que os modelos propostos anterior-
mente concebiam a escrita como um processo linear.
Segundo FORTUNATO 2009, sobre o mo-
delo cognitivo da aprendizagem da escrita de FLO-
WER e HAYES, escreveu:

123
De acordo com o modelo de Flower e Hayes
(1994, 1981), todo o processo se desenvolve sob
dois tipos de informação: o conhecimento que
se armazena na memória de longo prazo (os
conceitos que envolvem o tópico, a estrutura
do discurso e os conhecimentos sobre como se
escreve) e a que provém do ambiente em que
se dá a tarefa de representação (a motivação do
escritor, as características do tópico e/ou do
público leitor). A escrita é compreendida como
um processo resolução de problemas que requer
procedimentos específicos.

No modelo da composição da escrita


proposto por FLOWER e HAYES, a escrita pos-
sui três processos: planificação, textualização e
revisão. Resumidamente, o processo de planifi-
cação é aquele onde a criança elabora um plano
de ação para a escrita, ou seja, desenvolve men-
talmente várias ações cognitivas. No processo de
textualização, as ações elaboradas mentalmente
transformam-se em um escrito e a revisão serve
para análise critica do texto produzido melho-
rando a qualidade.
No final da década de 80, surgiram ou-
tros modelos que se fundamentam entre o de-
senvolvimento cognitivo e a influência do meio

124
externo, entre eles podemos citar o modelo “di-
zer o conhecimento” e o modelo “transformar
o conhecimento” dos pesquisadores BEREITER
e SCADAMALIA (1987). Segundo ESCORIZA
NIETO (1998) apud BAZI, explica:

O primeiro modelo, nomeado “dizer o co-


nhecimento”, trata de explicar a escrita como
uma tarefa completamente natural, caracteri-
zada por fazer um uso efetivo das estruturas
cognitivas já existentes, minimizando o volu-
me de problemas novos que devem ser resol-
vidos. Sua realização é muito dependente do
desenvolvimento natural da competência lin-
guística e das habilidades aprendidas através
das frequentes experiências sociais. Em essên-
cia, é um modelo de produção de discurso, em
que é produzida certa identidade entre o que
se escreve e o que se pensa.
O segundo modelo, ou seja, “transformar o
conhecimento”, trata de explicar a escrita como
uma tarefa de complexibilidade crescente, e cuja
execução requer, sucessivamente, processos
cognitivos de ordem superior. A escrita implica
superar a capacidade linguística natural, a fim de
possibilitar o reprocessamento do conhecimen-
to. A principal característica desse modelo é con-
siderar o processo de escrita como um processo

125
contínuo de formulação e resolução de proble-
mas, permitindo com isso a contínua interação
entre desenvolvimento do conhecimento e de-
senvolvimento do processo de composição es-
crita. A escrita é configurada, assim, como uma
atividade de representação do significado.

Para AJURIAGUERRA et al (1988), o de-


senvolvimento da escrita e da criança evoluem jun-
tos, no início é rápida e progressivamente vai regula-
rizando-se até perder suas falhas iniciais, neste caso
vemos que o pesquisador reforça que o desenvolvi-
mento da escrita esta fortemente relacionado com o
desenvolvimento afetivo social da criança.
Ao aprender a linguagem oral e escrita a
criança torna-se independente, pois se comunica
com as pessoas e entende as informações que lhe
são passadas, em outras palavras, ela torna-se de-
tentora de símbolos e códigos convencionados,
o aprendizado desses códigos (grafemas e fone-
mas) é discriminativa.

Pesquise sobre
grafema e fonema

126
3.5 . O professor e a aprendizagem
na educação infantil
A educação das crianças brasileiras é uma
necessidade social, porém as metas da educação
infantil nem sempre foram compatíveis com os in-
teresses políticos e econômicos em nosso país. As
decisões e orientações pertinentes à educação infan-
til em nosso país são frutos das determinações da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
9.394/96), a educação infantil é a primeira etapa da
educação básica, portanto a importância do profes-
sor neste processo merece atenção especial. Segun-
do KRAMER (1997).
As propostas descritas nos Referenciais para
a educação infantil consideraram os diversos aspec-
tos e especificidades socioafetivas e cognitivas da
criança de zero a seis anos, e também se fundamen-
taram nos princípios do documento BRASIL 1998:

• o respeito à dignidade e aos direitos das


crianças, consideradas nas suas diferenças in-
dividuais, sociais, econômicas, culturais, étni-
cas, religiosas etc.;
• o direito das crianças a brincar, como forma
particular de expressão, pensamento, interação e
comunicação infantil;

127
• o acesso das crianças aos bens socioculturais
disponíveis, ampliando o desenvolvimento das ca-
pacidades relativas à expressão, à comunicação, à
interação social, ao pensamento, à ética e à estética;
• a socialização das crianças por meio de sua
participação e inserção nas mais diversificadas prá-
ticas sociais, sem discriminação de espécie alguma;
• o atendimento aos cuidados essenciais as-
sociados à sobrevivência e ao desenvolvimento
de sua identidade.

Ao longo do livro foi destacado que as situ-


ações de aprendizagem orientadas devem promover
a integração de várias áreas do conhecimento, porém
não cabe ao professor determinar estes conhecimentos,
estes devem estar baseados na escuta das crianças em
sua experimentação com seus erros e acertos na cons-
trução do conhecimento. A interferência do professor,
segundo o documento BRASIL 1998, é necessária:

...para que, na instituição de educação infantil,


as crianças possam, em situações de interação so-
cial ou sozinhas, ampliar suas capacidades de apro-
priação dos conceitos, dos códigos sociais e das
diferentes linguagens, por meio de expressão e co-
municação de sentimentos e ideias, da experimen-
tação, da reflexão, da elaboração de perguntas e res-

128
postas, da construção de objetos e brinquedos etc.
Para isso, o professor deve conhecer e considerar
as singularidades das crianças de diferentes idades,
assim como a diversidade de hábitos, costumes, va-
lores, crenças, etnias etc. das crianças com as quais
trabalha respeitando suas diferenças e ampliando
suas pautas de socialização...

A missão do professor da educação infantil


é propiciar situações de aprendizagem que levam em
conta a articulação entre as diversas capacidades de
cada criança e que isso se de em um ambiente saudá-
vel e prazeroso para que as experiências sejam pro-
dutivas e também, segundo os PCN (BRASIL 1998),
é necessário que o professor considere:

• a interação com crianças da mesma idade e


de idades diferentes em situações diversas como
fator de promoção da aprendizagem e do desen-
volvimento e da capacidade de relacionar-se;
• os conhecimentos prévios de qualquer na-
tureza, que as crianças já possuem sobre o as-
sunto, já que elas aprendem por meio de uma
construção interna ao relacionar suas ideias com
as novas informações de que dispõem e com as
interações que estabelece;
• a individualidade e a diversidade;

129
• o grau de desafio que as atividades apre-
sentam e o fato de que devam ser significativas e
apresentadas de maneira integrada às crianças e o
mais próxima possível das práticas sociais reais;
• a resolução de problemas como forma
de aprendizagem.

3.5 .1. O aprendizado da linguagem escrita:


práticas pedagógicas

O processo de alfabetização ainda não con-


seguiu fazer com que a escrita tenha sua devida fun-
cionalidade, a prática escolar é descontextualizada,
acerca disso VYGOTSKY (1998) diz que:

Até agora, a escrita ocupou um lugar mui-


to estreito na prática escolar, em relação ao
papel fundamental que ela desempenha no
desenvolvimento cultural da criança. É ensi-
nado às crianças desenhar letras e construir
palavras com elas, mas não se ensina a lingua-
gem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecâ-
nica de ler o que está escrito, obscurecendo a
linguagem como tal.

130
Portanto, o processo de alfabetização vai além
do simples processo mecânico de ler e escrever, onde
as metodologias propostas (cartilhas) presumiam
que as crianças chegavam à escola sem referenciais
teórico-práticos sobre o ler e escrever. Atualmente, as
metodologias propostas para a alfabetização devem
considerar que este é um processo integrador cultu-
ral construído com a participação efetiva das crianças.
Neste sentido, OLIVEIRA escreve:

Por isso, é de fundamental importância


que, desde o início, a alfabetização se dê num
contexto de interação pela escrita. Por razões
idênticas, deveria ser banido da prática alfabe-
tizadora todo e qualquer discurso (texto, frase,
palavra, “exercício”) que não esteja relaciona-
do com a vida real ou o imaginário das crian-
ças, ou em outras palavras, que não esteja por
elas carregado de sentido.

O ponto de partida para o aprendizado está


em considerar que a criança já possui experiências
pré-escolares, e que o aprendizado da escrita se pro-
cessa de forma diferente para cada um, pois as ne-
cessidades e estímulos são inerentes de cada criança.
Neste contexto, VYGOTSKY (1998) afirma que:

131
... o aprendizado das crianças começa muito
antes de elas frequentarem a escola. Qualquer
situação de aprendizagem com a qual a criança
se defronta na escola tem sempre uma história
prévia. Por exemplo, as crianças começam a
estudar aritmética na escola, mas muito antes
tiveram alguma experiência com quantidades
– tiveram que lidar com operações de divisão,
adição, subtração e determinação de tamanho.
Consequentemente, as crianças têm sua pró-
pria aritmética pré-escolar, que somente os
psicólogos míopes podem ignorar.

Entender os motivos pelos quais crianças


e jovens não aprendem a ler e a escrever ainda
é um desafio para muitos pesquisadores, atribuir
a responsabilidade total ao aluno deixou de ser a
única justificativa para o insucesso da aprendiza-
gem. Porém, se as intervenções educativas esti-
vessem compromissadas com a construção do co-
nhecimento e as práticas pedagógicas surgissem
da real necessidade do aluno, poderíamos tentar
entender os fracassos da aprendizagem e os altos
índices de analfabetismo no Brasil.
Em estudos sobre letramento, identificou
pelo menos três hipóteses sobre o fracasso da
aquisição da linguagem escrita. O termo letramen-

132
to causou muitas polêmicas no meio acadêmico,
sendo até considerado um retrocesso pela neuro-
linguista Emilia Ferreiro, que explicitou assim a
sua rejeição ao uso do termo:

Há algum tempo, descobriram no Brasil que


se poderia usar a expressão letramento. E o que
aconteceu com a alfabetização? Virou sinônimo
de decodificação. Letramento passou a ser o es-
tar em contato com distintos tipos de texto, o
compreender o que se lê. Isso é um retrocesso.
Eu me nego a aceitar um período de decodifi-
cação prévio àquele em que se passa a perceber
a função social do texto. Acreditar nisso é dar
razão à velha consciência fonológica.

Sobre letramento, entende KLEIMAN (1995):

É um conjunto de práticas sociais que


usam a escrita, enquanto sistema simbólico e
enquanto tecnologia, em contextos específi-
cos. As práticas específicas da escola, que for-
neciam o parâmetro de prática social segundo
a qual o letramento era definido, e segundo a
qual os sujeitos eram classificados ao longo da
dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado,
passam a ser, em função dessa definição, ape-

133
nas um tipo de prática – de fato, dominante
– que desenvolve alguns tipos de habilidades,
mas não outros, e que determina uma forma
de utilizar o conhecimento sobre a escrita.

As três hipóteses sobre o fracasso na aquisi-


ção da linguagem escrita são:

1. Enfoque dado pela escola à escrita diferente da


realidade social dos alunos.
2. Proposta pedagógica baseada em conteúdos
não significativos para o aluno, neste sentido, veja-
mos o exemplo abaixo citado por COLLELO em
http://www.hottopos.com/videtur29/silvia.htm

“Essa típica postura de resistência ao ar-


tificialismo pedagógico em um contexto de
falta de sintonia entre alunos e professores
parece evidente na reivindicação da persona-
gem Mafalda”

134
3. Considerar apenas os aspectos cognitivos. Nes-
te contexto, KLEIMAN 2001 explica:

(...) há uma dimensão de poder envolvida


no processo de aculturação efetivado na es-
cola: aprender – ou não – a ler e escrever não
equivale a aprender uma técnica ou um con-
junto de conhecimentos. O que está envolvido
para o aluno adulto é a aceitação ou o desafio
e a rejeição dos pressupostos, concepções e
práticas de um grupo dominante – a saber,
as práticas de letramento desses grupos entre
as quais se incluem a leitura e a produção de
textos em diversas instituições, bem como as
formas legitimadas de se falar desses textos
-, e o consequente abandono (e rejeição) das
práticas culturais primárias de seu grupo su-
balterno que, até esse momento, eram as que
lhe permitiam compreender o mundo.

Em suma, desconsiderar estas três hipóteses


pode determinar cada vez mais a evasão escolar, ao
professor cabe a tarefa de construir novas práticas
pedagógicas realistas, que visam promover a intera-
ção em novos contextos sociais.

135
Exercícios

1. Faça uma análise da aquisição da linguagem escrita


segundo Decroly e Freinet, destaque pontos de con-
vergência e divergência.

2. Descreva o método natural de Célestin Freinet, e


explique cada etapa para a aquisição da escrita.

3. Discuta as principais diferenças entre o ensino


tradicional e o método de Freinet de aprendizagem.

4. Explique a hipótese do déficit visual na dificulda-


de de aquisição da escrita e da leitura.

5. Explique o método multissensorial e o método


fônico, e sua utilização no ensino.

6. Quais os fatores extrínsecos e intrínsecos que in-


fluenciam negativamente a aquisição da linguagem
escrita pela criança?

7. Pesquise sobre o tema Dislexia e como podemos


identificá-la e escreva quais atitudes que podemos
adotar para com o disléxico.

8. Pesquise sobre consciência fonológica.

136
9. Discuta o processo de aprendizagem do ponto de
vista cognitivo e emocional.

10. Explique o que é dificuldade de aprendizagem (DA).

11. Explique a diferença entre dificuldade e distúrbio


de aprendizagem.

12. Quais aspectos devemos entender para sanar as


dificuldades de aprendizagem?

13. Qual a importância do professor e do adulto no


processo de aprendizagem.

14. Quais os modelos teóricos para a aprendizagem


da linguagem escrita.

15. Em quais hipóteses devemos construir as práticas


pedagógicas no aprendizado da linguagem escrita.
Explique-as.

137
UNIDADE 4

PSICOLOGIA EDUCACIONAL

Caro Aluno,

Nesta unidade estudaremos a


Psicologia, sua origem, conceitos e a apli-
cabilidade da Psicologia Educacional no
âmbito escolar. Discutiremos a impor-
tância dos conhecimentos psicológicos
aliados ao trabalho educativo em prol da
aprendizagem do aluno.

Bons Estudos!
4.1 . APRENDIZAGEM ESCOLAR:
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA

A palavra Psicologia deriva do grego, que


significa: psique = alma, mente – logos = palavra,
razão ou estudo. É considerada a ciência que estuda
o comportamento e o processo mental, ou seja, as
experiências subjetivas que são partes do compor-
tamento. O objeto de estudo da Psicologia centra-se
no indivíduo, sem deixar de mencionar também que
existe o estudo do comportamento animal, outra
área de abrangência da Psicologia.
Com o surgimento da Psicologia, enquanto
ciência, nascem também as expectativas de se utili-
zar a psicologia nas intervenções educacionais. No
começo do século XX essas expectativas ganham
força com as primeiras publicações e a criação de
institutos de pesquisa com a finalidade de tratar dos
problemas educacionais.
A Psicologia Educacional tem como obje-
tivo central oferecer subsídios à escola na aplicação
de conhecimentos, princípios e métodos no sentido
de analisar e entender os problemas educacionais,
tendo em vista os fenômenos que ocorrem na es-
cola, considerando a diversidade da clientela. Seu
campo de estudos abrange os processos de mudança

141
de comportamento, seja na aprendizagem, no desen-
volvimento ou na socialização, que são gerados nas
pessoas nas suas relações com os outros, nos espa-
ços educativos. (COLL, 1987).

4.2. A PSICOLOGIA NA ESCOLA


A democratização do ensino tem levado a um
crescimento quantitativo das matrículas em vista do
aumento da população. Tal movimento tem gerado
muitas oportunidades educacionais, cuja demanda
implica diversificação sociocultural dos educandos.
Resultantes desse processo, surgem os problemas a
serem enfrentados pelas escolas, que visam garantir
aos alunos um conjunto básico de conhecimentos e
habilidades indispensáveis para a sua formação.
A escola, com caráter democrático, deve
estar preparada para atender a toda diversidade de
alunos, garantindo a todos uma efetiva igualdade de
oportunidade para aprender. Para tornar o proces-
so de aprendizagem realmente significativo, precisa
também desenvolver um trabalho que contemple as
experiências de vida e as características psicológicas
e socioculturais dos alunos, buscando uma adequa-
ção pedagógico-didática em suas ações diárias.
Ao considerar a escola como espaço de con-
tradições, conflitos e diversidades, torna-se valioso o

142
papel dos estudos psicológicos que devem estar alia-
dos à Pedagogia no enfrentamento desses problemas
cotidianos da escola. Quanto mais os educadores esti-
verem informados sobre o processo de aprendizagem
e sobre como lidar com os alunos, maiores serão as
chances de melhoria das práticas pedagógicas.
Mas, para que haja mudanças nas práticas edu-
cacionais, é preciso reunir várias medidas, envolvendo
um conjunto de fatores, e nem todos podem ser expli-
cados pelas teorias psicológicas. Na maioria das vezes,
as propostas das escolas desconsideram o aprofunda-
mento de temas considerados como mais pertinentes.
Menosprezam as formas através das quais
o conhecimento psicológico pode servir à educação
e ao ensino de conteúdos específicos. Essa é uma
problemática que demonstra os descompassos que
frequentemente se observam entre a aprendizagem
dos conceitos psicológicos pelo professor e o uso
que faz deles em sala de aula.
É preciso uma integração de um corpo te-
órico sólido com a prática diária na escola. No
entanto, o que se percebe é que a conduta coti-
diana do professor junto aos alunos é pautada
predominantemente por uma didática que não se
apoia nos conhecimentos psicológicos. Simples-
mente imitam-se modelos fornecidos por antigos
professores, na intuição, no ideário pedagógico ou
mesmo no senso comum.

143
O professor, principalmente da Educação
Básica, deve levar em conta alguns critérios de esco-
lha das abordagens psicológicas, em que irá se apoiar
teoricamente. Isso deve estar fundamentado em uma
proposta consistente e aprofundada da Psicologia
aplicada à educação. Pois, é pela confrontação criti-
ca das teorias disponíveis, no que se refere aos seus
pressupostos, à sua abrangência e, sobretudo, às suas
implicações para a prática docente, que o professor
tem a clareza das escolhas.
Os conhecimentos psicológicos postos
a serviço da educação requerem conhecimento
por parte do professor. Os cursos de Magistério
ou de licenciatura precisam incentivar os futuros
professores a dominarem as ideias contidas em
cada um dos tópicos abordados e a confrontar
os conteúdos como uma experiência paralela em
sala de aula. A soma dessas experiências dará ao
professor a oportunidade de verificar as implica-
ções de certos procedimentos de ensino, vincula-
dos a uma sólida orientação teórica, na apropria-
ção do conhecimento pelos alunos e de como se
dá a inter-relação entre desenvolvimento, apren-
dizagem e educação.
No interior das propostas educacionais, a
aplicação da teoria psicológica é sempre uma ques-
tão em aberto, na perspectiva da flexibilidade. Pois,
a teoria posta em prática é um processo complexo,

144
e nem sempre se tem certeza de que, em situações
didáticas reais, resultará da forma desejada. Conside-
rando a complexidade dos problemas e a diversidade
de alunos, crianças ou jovens, cada qual com sua in-
dividualidade e particularidade.
Davis e Oliveira (1990), duas estudiosas do
assunto, explicam:

Conhecendo os seus alunos e a maneira atra-


vés da qual se dá o seu desenvolvimento no am-
biente concreto em que vivem, entendendo os
mecanismos que propiciam e facilitam a apro-
priação de conhecimentos e, sobretudo, tendo
consciência da importância da ação docente, o
professor poderá avaliar criticamente os conteú-
dos escolares e os métodos de ensino, de modo
que a aprendizagem escolar conduza a um de-
senvolvirnento efetivo (p. 13).

O trabalho da Psicologia, nesse contexto,


é também complexo, pois percebemos que não há
fórmulas prontas capazes de dar conta de todas as
variáveis que se entrelaçam nas situações concre-
tas de ensino-aprendizagem. No entanto, é possível
contar com algumas diretrizes básicas, resultantes de
uma série de pesquisas no campo da Psicologia que
podem auxiliar o trabalho do professor.

145
Essas diretrizes podem não influenciar a
determinação dos objetivos de um currículo, mas
podem converter tais objetivos em programas mais
realistas de ensino. Nesse campo, a Psicologia for-
nece ricos elementos que podem ser inseridos nos
planejamentos da escola, que facilitam a realização
das propostas, direcionando também a utilização de
métodos pedagógicos mais adequados ou acessíveis
aos diferentes estágios de desenvolvimento dos alu-
nos. (COLL, 1987).

4.3. A PSICOLOGIA E A
CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SUJEITO
Apresentamos a seguir um relato de um fato
que nos permite compreender em que medida as ca-
racterísticas humanas dependem do convívio social.
Amala e Kamala, duas meninas-lobas da Índia, por
terem sido privadas do contato com outras pessoas,
não conseguiram se humanizar; não aprenderam a
se comunicar através da fala, não foram ensinadas a
usar determinados utensílios e instrumentos sociais,
não desenvolveram processos de pensamento lógico.

Na Índia, onde os casos de meninos-lobos foram relati-


vamente numerosos, descobriram-se, em 1920, duas crianças,
Amala e Kamala, vivendo no meio de uma família de lobos.

146
A primeira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano mais
tarde. Kamala, de Oito anos de idade, viveu até 1929. Não
tinham nada de humano, e o seu comportamento era exata-
mente semelhante àquele dos seus irmãos lobos.
Elas caminhavam de quatro, apoiando-se sobre os joelhos
e cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés
para os trajetos longos e rápidos.
Eram incapazes de permanecer em pé. Só se alimentavam
de carne crua ou podre, comiam e bebiam como os animais,
lançando a cabeça para a frente e lambendo os líquidos. Na
instituição onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunha-
das e prostradas numa sombra; eram ativas e ruidosas du-
rante a noite, procurando fugir e uivando como lobos. Nunca
choravam ou riam. Kamala viveu oito anos na instituição que
a acolheu, humanizando-se lentamente. Ela necessitou de seis
anos para aprender a andar e pouco antes de morrer só tinha
um vocabulário de 50 palavras. Atitudes afetivas foram apa-
recendo aos poucos.
Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de
Amala e se apegou lentamente às pessoas que cuidaram dela e
às outras com as quais conviveu.
A sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se com outros
por gestos, inicialmente, e depois por palavras de um vocabulá-
rio rudimentar, aprendendo a executar ordens simples (DA-
VIS E OLIVEIRA, 1990).

Sugestão de vídeo: www.youtube.com.br – As


meninas Lobo.

147
Percebe-se que o caso de Amala e Kamala é
uma exceção. Basicamente, o bebê nasce, cresce, vive
e ama em um mundo social. Por meio da interação
com outras pessoas, o ser humano vai satisfazendo
suas necessidades básicas de sobrevivência. As neces-
sidades, tanto físicas quanto psicológicas, quer seja
alimentação, abrigo, proteção ao frio, ou carícias, in-
centivos, amparo, proteção, segurança, conhecimento
etc., são asseguradas nas relaçoes sociais, no meio em
que vivem: família, comunidade, escola. Por meio do
contato humano, a criança adquire a linguagem e, as-
sim, estabelece a comunicação com os outros seres
humanos, passando a organizar seu pensamento.
A vivência e as experiências processadas no
meio social, permite à criança aprender a planejar,
direcionar e avaliar a sua ação. Nesse contexto de
aprendizagem, ela comete erros, reflete sobre eles e
faz descobertas sobre suas possibilidades e limites,
interagindo com os seus em um processo contínuo
de desenvolvimento, crescimento e aprendizagem. É
nesse meio que ocorrem as transformações da na-
tureza, da vida, em que os homens criam e recriam
a cultura, transformando a si mesmos e aos outros.
Davis e Oliveira complementam:

É também no convívio social, através das


atividades práticas realizadas, que se criam as
condições para o aparecimento da consciência,

148
que é a capacidade de distinguir entre as pro-
priedades objetivas e estáveis da realidade e
aquilo que é vivido subjetivamente. Através do
trabalho os homens se organizam para alcançar
determinados fins, respondendo aos impasses
que a natureza coloca à sobrevivência. Para tan-
to, usam do conhecimento acumulado por gera-
ções e criam, a partir do trabalho, outros conhe-
cimentos (1990, p. 17).

Os processos cognitivos, emocionais, afetivos


etc., que fazem parte da relação do indivíduo com o
mundo, sofrem modificações e são investigados sob a
ótica da Psicologia, cuja função é analisar os seus me-
canismos básicos. No sentido de realizar o seu traba-
lho, a Psicologia conta com outras ciências, tais como:
a Medicina, a Biologia, a Filosofia, a Genética, a An-
tropologia, a Sociologia, e trabalha também em conso-
nância com a Pedagogia. São campos de conhecimento
integrados para fins de estudos sobre o homem na sua
relação com os outros e com o meio em que vivem.
A Psicologia busca dados e informações na Me-
dicina para entender e atender o ser humano no acom-
panhamento do seu desenvolvimento, bem como nas
alterações físicas e emocionais próprias da vida humana.
Assim como Biologia serve à Psicologia quando oferece
subsídios para compreender as especificidades das diver-

149
sas formas de vida: vegetal, animal e humana. Através da
Genética, a Psicologia pode entender a questão das de-
ficiências por exemplo e os comportamentos que ocor-
rem em tais anomalias. (DAVIS E OLIVEIRA, 1990).
A Fisiologia complementa os estudos da Psi-
cologia ao tratar da relação entre o comportamento de
jovens e velhos e as alterações físicas e psicológicas que
marcam a entrada na adolescência e na velhice. A An-
tropologia e a Sociologia ganham relevo no contexto
da Psicologia quando é preciso estudar os sentimentos,
a percepção do real e a significação das coisas e das
pessoas em cada grupo étnico, religioso ou sócio-eco-
nômico do qual o homem faz parte. A psicologia busca
no interior desses elementos estudar a personalidade e
o desenvolvimento das características sociais.
No entanto, a Psicologia estuda aspectos dife-
renciados e desenvolve campos de investigação mais
específicos e delimitados. Trataremos abaixo do do
desenvolvimento e da aprendizagem, áreas específicas
da ciência psicológica no campo da educação.

4.4. A PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO
Podemos afirmar que desenvolvimento é
um processo que se dá nas relações que o indiví-
duo estabelece com o ambiente físico e social, cujas

150
suas características são construídas ativamente nas
práticas cotidianas. As características humanas são
historicamente construídas. O desenvolvimento al-
cançado por uma sociedade vai sendo acumulado
e transmitido, passando de geração a geração e in-
fluenciando o indivíduo desde o nascimento. Nesse
meio social a percepção do indivíduo colabora no
seu processo de construção sobre a realidade, em
que estrutura sua própria história.
Vygotsky (1978), não desconsidera o estudo
do aspecto biológico no desenvolvimento das crianças,
para este autor deve-se começar com um entendimen-
to da unidade dialética entre duas linhas radicalmente
diferentes: a biológica e a cultural. Para adequadamente
estudar tal processo, é preciso conhecer estes dois com-
ponentes e as leis que governam seu entrelaçamento a
cada estágio de desenvolvimento infantil.
A questão biológica é necessária para a com-
preensão dos estágios de desenvolvimento da criança.
E a questão cultural é imprescindível, pois a criança
está inserida em um espaço social, dentro de uma cul-
tura, construída por meio das interações est6abeleci-
das nas relações uns com os outros e com o mundo.
A apropriação das características humanas se
dá no desenvolvimento de atividade por parte do su-
jeito no contexto das ações e operações que devem ser
trabalhadas com a criança desde cedo. Na interação do
indivíduo com o mundo social deve ocorrer situações

151
de desafios, com vasta capacidade de exploração de
objetos e exériênciasas habilitando a criança a agir em
situações cada vez mais complexas, criando sentidos e
significados para esses objetos e situações.
O foco dos estudos da Psicologia do desen-
volvimento é investigar como nascem e como se de-
senvolvem as funções psicológicas que distinguem
o homem de outras espécies. Os estudos estão vol-
tados pricipalmente para a evolução da capacidade
perceptual e motora, das funções intelectuais, da so-
ciabilidade e da afetividade do ser humano. Procura
descrever as modificações dessas capacidades bus-
cando explicações para as mesmas.
A Psicologia do Desenvolvimento pressupõe
uma constatação das manifestações complexas das
atividades psíquicas no adulto resultantes de uma lon-
ga caminhada. A Psicologia aliada à Pedagogia oferece
subsídios para a organização de melhores condições
para a aprendizagem infantil, ativando na criança pro-
cessos internos de desenvolvimento, que podem ser
transformados em aquisições individuais.

4.5 . A PSICOLOGIA DA
APRENDIZAGEM
De acordo com Davis e Oliveira (1990) a
aprendizagem é um processo através do qual a crian-

152
ça se apropria ativamente do conteúdo da experiên-
cia humana, reconhecida pelo seu grupo social. A
aprendizagem da criança ocorre por meio das intera-
ções com outros seres humanos, especialmente com
os adultos e com outras crianças mais experientes. A
ampla gama de interações em que a criança se envol-
ve desde o nascimento, gera possibilidades para que
ela aprenda gradativamente a lidar com o mundo
asua volta construindo sentidos e significados para
as suas ações e para as experiências que vive.
Com o aparecimento da linguagem amplia-s
ea construção desses significados que vão dando ori-
gem a conceitos, ou seja, significados partilhados por
grande parte do grupo social. A linguagem propicia
também uma integração com o pensamento, nessa
ligação forma-se uma importante base sobre a qual
se desenvolverá o funcionamento intelectual. Pode-
-se dizer que a criança passa a ter ações mentais, cujo
pensamento se assemelha a um diálogo interiorizado.
A Psicologia da Aprendizagem se vale de
teorias que procuram explicar, através de diferentes
enfoques, como os indivíduos aprendem, como se
expressa o desenvolvimento mental de uma pessoa e
como se estruturam os modelos institucionais.
Assim, para aprender conceitos, generaliza-
ções, conhecimentos, a criança deve formar ações
mentais adequadas. Isto pressupõe que essas ações
se organizem ativamente. Inicialmente, assumem a

153
forma de ações externas que os adultos formam na
criança e só depois se transformam em ações men-
tais internas. (VYGOTSKY, 1978).
Para que a criança se aproprie dos objetos
e conceitos é preciso que ela identifique as carac-
terísticas, propriedades e finalidades dos mesmos,
considerando que esses objetos e conceitos existem,
em princípio sob a forma de eventos externos ao
indivíduo. Esse processo possibilita à criança apren-
der o significado da própria atividade humana, que
se encontra sintetizada em objetos e conceitos. É no
interior destas questões reside a investigação da Psi-
cologia da Aprendizagem.

A Psicologia da Aprendizagem estuda o complexo


processo pelo qual as formas de pensar e os conhecimentos
existentes numa sociedade são apropriados pela criança.
Para que se possa. entender esse processo é necessário re-
conhecer a natureza social da aprendizagem. Como já
foi dito, as operações cognitivas (aquelas envolvidas no
processo de conhecer) são sempre ativamente construídas
na interação com outros indivíduos (DAVIS E OLI-
VEIRA, 1990, p. 21).

As situações interativas entre o adulto ou


outra criança mais experiente propicia trocas à
criança, orientando-a e mostrando-lhe como pro-

154
ceder através de gestos e instruções verbais. A fala
social expressa pelo adulto nas interações com a
criança vão sendo incorporadas pela mesma, e
a partir disso, o seu comportamento passa a ser,
orientado por uma fala interna, que lhe permite
planejar a sua ação. Nesse processo ocorre a liga-
ção da fala com o pensamento da criança, integran-
do às suas operações intelectuais.
A aprendizagem nessa perspectiva acontece
por meio de ações partilhadas mediadas pela lingua-
gem e pela instrução. A interação é fundamental entre
adultos e crianças, e entre crianças, para que ocorra a
aprendizagem. Nesse sentido a Psicologia da Apren-
dizagem, aplicada à educação e ao ensino, procura
elucidar as questões relacionadas à importância da in-
teração entre professor e alunos, e entre os alunos, em
que se adquire o saber e a cultura acumulados.
As ações planejadas do professor na es-
truturação de condições para ocorrência de intera-
ções professor-alunos-objeto de estudo, para levar a
criança a se apropriar do conhecimento é fundamen-
tal nesse contexto de aprendizagem. O adulto tem
papel preponderante no processo de aprendizagem
da criança. As interações promovidas pelas relaçõe
sociais viabilizam a aprendizagem do social para o
individual, através de sucessivos estágios de interna-
lização, com o auxflio de adultos ou de companhei-
ros mais experientes.

155
4.6. PSICOLOGIA NA EDUCAÇÃO:
CORRENTES TEÓRICAS
A criança desde pequena já desenvolve hipó-
teses e constroi um conhecimento sobre o mundo, na
suas relações com os outros e com o meio social em
que vive. Antes de ser alfabetizada já possui os conheci-
mentos prévios e concepções do que seja a escrita ou já
se deparou inúmeras vezes com a noção de quantidade,
realizando experiências com a noção de cálculo. Desse
modo, podemos considerar que um conjunto de no-
ções e de conceitos já se encontra estabelecido.
O que se verifica é que a tarefa de ensinar, em
nossa sociedade, está presente na escola, mas também
através da família, dos amigos, de pessoas que são sig-
nificativas, dos meios de comunicação de massa, das
experiências do cotidiano, dos movimentos sociais. A
escola aparece então como a instituição social que se
apresenta como responsável pela educação sistemáti-
ca das crianças, jovens e até mesmo de adultos.
O ensino sistemático e organizado da escola e
o próprio ambiente escolar gera na criança ou no jovem
uma transformação radical em sua forma de pensar. As
primeiras experiências ou conhecimentos que a crian-
ça adquire antes de entrar na escola são assimilados de
modo espontâneo, a partir da experiência direta da crian-
ça. Na escola, ou mais precisamente na sala de aula, o

156
trabalho educatico é intencional no sentido de organizar
situações que propiciem o aprimoramento dos proces-
sos de pensamento e da própria capacidade de aprender.
Nesse contexto de mudanças e transforma-
ções na vida da criança ou do jovem, em que se resulta
em conflitos, mudança de coportamento, dificuldades
na aprendizagem é que entra os conhecimentos psico-
lógicos à serviço da educação, de forma a minimizar os
resultados, trabalhando sobre as bases do desenvolvi-
mento e da aprendizagem. Esse suporte da Psicologia
auxilia o replanejamento das ações do professor, com
vistas a alcançar o êxito na aprendizagem dos alunos.
Assim, cabe ao professor estar atento aos
postulados da Psicologia, no que se refere ao aspecto
educacional. Estudar as bases psicológicas dos pro-
cessos de desenvolvimento e aprendizagem é funda-
mental na linha de trabalho do professor. Para tanto,
apresentaremos as concepções de desenvolviomen-
to, base teórica da Psicologia, cujas correntes ou teo-
rias têm diferentes formas de conceber o homem, a
situação histórica e a realidade.

4.6.1. A CONCEPÇÃO INATISTA


A concepção inatista desconsidera os even-
tos que ocorrem após o nascimento, pois julga que
não são essenciais e/ou importantes para o desen-
volvimento. Nessa perspectiva, considera as qua-

157
lidades e capacidades básicas de cada ser humano,
assim como, sua personalidade, seus valores, hábitos
e crenças, sua forma de pensar, suas reações emo-
cionais e mesmo sua conduta social basicamente
prontas a partir do nascimento. Dessa forma, sofre
pouca diferenciação qualitativa e quase nenhuma
transformação ao longo da existência. Nesse con-
texto, o papel do ambiente ou do espaço escolar ser-
tia o de interferir o mínimo possível no processo de
desenvolvimento espontâneo da pessoa. (DAVIS E
OLIVEIRA, 1990).
Na teologia encontraríamos a origem da
posição inatista quando considera que Deus criou
cada homem em sua forma definitiva e após o nas-
cimento, nada mais haveria a fazer, pois o destino
individual de cada criança já estaria determinado
pela “graça divina”. A posição inatista apoia-se tam-
bém em alguns conceitos tidos como errôneos de
algumas contribuições importantes no que se refe-
re ao conhecimento biológico, como por exemplo a
proposta evolucionista de Darwin, a Embriologia e
a Genética.
Darwin, um biólogo inglês que viveu no
século passado, supõe a evolução humana como
resultado de mudanças graduais e cumulativas no
desenvolvimento das espécies. Para esse biólogo, as
variações hereditárias geram mudanças que se adap-
tam às condições ambientais prevalecentes. O papel

158
do ambiente é bastante limitado. É possível deter-
minar, dentre as possibilidades naturais de variação,
quais são as mais adaptativas para a espécie, ou as
que permitem à espécie sobreviver num ambiente
específico. Sobreviveriam somente os mais aptos
de uma determinada espécie, os que são capazes de
adaptar ao meio. No entanto:

Aplicada ao desenvolvimento humano, essa teoria foi


freqüentemente mal interpretada. Ao servir de base para
a posição inatista, não se levou em conta que o ambiente
tem um impacto decisivo sobre o ciclo de vida dos mem-
bros de cada espécie, muito embora não possa produzir
neles alterações que venham a ser transmitidas a futuras
gerações. A teoria darwiniana acabou, assim, sendo er-
roneamente entendida como postulando aquilo que nunca
pretendeu: que os fatores ambientais eram incapazes de
exercer um efeito direto tanto na espécie quanto no orga-
nismo (DAVIS E OLIVEIRA, 1990, p. 28).

A teoria inatista tem também na sua base os


conhecimentos produzidos na Embriologia. Nesse
sentido, os primeiros dados apresentados sinalizavam
sequências de desenvolvimento praticamente invari-
áveis que seriam, em grande parte, reguladas por fa-
tores endógenos, ou seja, de origem interna. Consi-
derava-se que o desenvolvimento intrauterino estava

159
isento das estimulaçoes externas, protegido em um
ambiente fisiológico, constante e isolado. No entanto,
esse modelo da Embriologia mostrou-se inadequado
ao desconsiderar que a experiência individual não te-
ria qualquer impacto sobre o organismo.
Dados mais recentes da Embriologia mos-
tram que no desenvolvimento do embrião o ambien-
te interno tem papel central, da mesma forma que o
ambiente externo é determinante para o desenvol-
vimento pós-natal. A visão inatista não conta com
bases empíricas ou teóricas como suporte no âmbito
da Psicologia. Essa visão rígida, autoritária e, sobre-
tudo, pessimista gerou uma ideia de homem pronto
e acabado, sem que mais nada pudesse fazer para o
seu desenvolvimento. Pode-se apenas aprimorar um
pouco aquilo que ele é ou, inevitavelmente, virá a ser.
Na concepção inatista fica, portanto, a ideia
de que não vale a pena considerar tudo o que pode
ser feito em prol do desenvolvimento humano. Con-
sidera que a criança já nasce com toda a bagagem
que desenvolverá ao longo da vida, sem que nin-
guém pudesse modificar. O ditado popular “pau que
nasce torto morre torto” expressa bem a concepção
inatista, que ainda hoje aparece na escola, camuflada
sob o disfarce das aptidões, da prontidão e do coefi-
ciente de inteligência. Tal concepção gera preconcei-
tos prejudiciais ao trabalho em sala de aula (DAVIS
E OLIVEIRA, 1990, p. 29).

160
4.6.2. A CONCEPÇÃO AMBIENTALISTA
Na concepção ambientalista, conforme o
próprio nome já supõe, o ambiente é altamente sig-
nificativo para o desenvolvimento humano, O ho-
mem desenvolve suas características em função das
condições presentes no meio em que se encontra.
Esta concepção origina da corrente filosófica, de-
nominada empirismo, cujas bases consideram a expe-
riência sensorial como fonte do conhecimento. Na
visão empirista determinados fatores encontram-se
associados a outros.
Na Psicologia, temos um nome expressi-
vo de um defensor da concepção ambientalista,
o norte-americano, Burrhus Frederic Skinner. Na
sua teoria, propõe explicar os comportamentos
observáveis do sujeito, assim, desconsidera a aná-
lise de outros aspectos da conduta humana como
o seu raciocínio, os seus desejos e fantasias, os
seus sentimentos. Enfatiza uma concepção de ci-
ência baseada na ação de medir, comparar, testar,
experimentar, prever e controlar eventos para po-
der explicar o objeto da investigação.
Skinner pressupõe a construção de uma
ciência do comportamento e nessa linha, deixa de
lado a maturação biológica para trabalhar na pers-
pectiva do ambiente. Aparece o estímulo como
elemento que leva ao aparecimento de um deter-

161
minado comportamento. Em que manipulam-se
os elementos presentes no ambiente, os estímulos,
para controlar o comportamento:
Os ambientalistas, podem ser chama-
dos também de comportamentalistas, ou beha-
viorisras, do inglês behavior que significa compor-
tamento. Daí o motivo pelo qual se atribui à
concepção ambientalista uma visão do indivíduo
enquanto ser extremamente reativo à ação do meio.
Para os ambientalistas é possível provocar
mudanças no comportamento de diversas manei-
ras. Pode-se analisar as consequências ou resultaldos
que o mesmo produz no ambiente. Nesse caso, as
consequências positivas são chamadas de reforçamento
e provocam um aumento na frequência com que o
comportamento aparece.
Davis e Oliveira (1990, p. 31) nos traz al-
guns exemplos: se após arrumar os seus brinquedos
(comportamento), a criança ouvir elogios de sua mãe
(consequência positiva), ela procurará deixar os brin-
quedos arrumados mais vezes, porque estabeleceu
uma associação entre esse comportamento e aquele
de sua mãe. As consequências negativas recebem o
nome de punição e levam a uma diminuição na fre-
quência com que certos comportamentos ocorrem.
Por exemplo, se cada vez que João quebrar uma vi-
draça ao jogar bola (comportamento), ele for obriga-
do a pagar pelo estrago (consequência negativa), ele

162
passará a tomar mais cuidado ao jogar, diminuindo
os estragos em janelas.
Segundo Coll (1987), existe um procedi-
mento chamado de extinção, quando ocorre um com-
portamento absolutamente inadequado e se deseja
eliminá-lo totalmente do repertório de comporta-
mentos de um certo indivíduo. Nesse caso, o objeti-
vo é quebrar o elo que se estabeleceu entre o com-
portamento visto como indesejável e determinadas
consequências do mesmo.
É preciso retirar do ambiente as consequên-
cias que o mantém. No exemplo de Davis e Oliveira
(1990), quando uma criança faz bagunça em sala de
aula para chamar a atenção da professora, mas a pro-
fessora não demonstra que notou o comportamento
da criança, é provável que a criança pare de fazer ba-
gunça. Então, o comportamento foi extinto porque
deixou de promover o aparecimento de determina-
das consequências (atenção da professora).
Podemos entender que a aprendizagem, na
visão ambientalista, é um processo pelo qual o com-
portamento é modificado como resultado a experi-
ência. Para que ocorra a aprendizagem é preciso que
se estabeleça associações entre um estímulo e uma
resposta e entre uma resposta e um reforçador. Ou-
tra questão que merece ser analisada na concepção
ambientalista é o estado fisiológico e psicológico do
organismo, conforme Davis e Oliveira (1990, p. 33):

163
Crianças com fome de afeto tornam-se apáticas: não
prestam atenção aos estímulos, conseguem discriminá-
-los, não percebem as associações que estes provocam.
Como conseqüência, não conseguem aprender. Crianças
privadas de afeto tomam-se excessivamente dependentes
da aprovação da professora: são incapazes de tomar ini-
ciativa, por medo de que a sua maneira de comportar-se
provoque sanções e reprimendas.

Desse modo, a concepção ambientalista


aponta alguns elementos que devem ser levados em
conta para que ocorra a aprendizagem: considerar
a natureza dos estímulos que estão presentes na si-
tuação, o tipo de resposta (comportamento) que se
quer como resultado e o estado físico e psicológico
do organismo. Porque importa nesse processo o re-
sultado da aprendizagem, em que a criança pode ad-
quirir mais conhecimento, ganhar eleogios, prestígio,
além de notas altas.
A concepção ambientalista tem como prin-
cípio propiciar novas aprendizagens por meio da
manipulação dos estímulos que antecedem e suce-
dem o comportamento. É fundamental, nesse caso,
uma análise rigorosa da forma como os indivíduos
interagem no ambiente para identificar os estímulos
que provocam o aparecimento do comportamen-
to que se tem como alvo e as consequências que o

164
mantém. Os ambientalistas denominam esta análise
funcional do comportamento. A partir dessa análise
é possível fazer um planejamento das condições do
ambiente para que ocorra a aprendizagem de deter-
minados comportamentos. (COLL, 1987).
Na concepção ambientalista da educação,
o papel do professor tem destaque, ao contrário
da abordagem inatista em que a figura do profes-
sor é minimizada, pois se considera que o profes-
sor não precisa acrescentar muito ao aluno que já
“vem pronto”. Na visão ambientalista, coloca-se
nas mãos do educador a responsabilidade de orga-
nizar o trabalho educativo para alcançar o suces-
so nas situações de aprendizagem. Existem, nesse
processo vários recursos que o professor pode
utilizar para reforçar de forma positiva os com-
portamentos esperados, seja através de elogios,
premiações, notas etc.
Contudo, existe uma crítica ao ambientalis-
mo dirigida à visão de homem que se adota, segundo
a qual os seres humanos são criaturas passivas no
ambiente, considerando que os mesmos podem ser
manipulados e controlados mediante a simples alte-
ração das situações em que se encontram. Não existe
a valorização das situações espontâneas de aprendi-
zagem como aquelas onde as crianças cooperam en-
tre si para alcançar um fim comum.

165
4.7. A CONCEPÇÃO INTERACIONISTA
Nessa concepção, ou nesse modo de pensar
dos psicólogos, as crianças constroem os seus co-
nhecimentos por meio de sua interação com o meio.
Nas relações com os outros, processadas nos espa-
ços sociais, as crianças vivenciam as esperiências e,
a partir disso, criam hipóteses para explicar o que
ainda lhe é estranho.
Carrara (2007) nos diz que nesse processo de
interação ocorre uma inter-relação dos fatores inter-
nos e externos de forma continuada, que formam uma
complexa combinação de influências que agem no de-
senvolvimento da criança. Por isso, os interacionistas
discordam das teorias inatistas, porque desconsideram
o papel do ambiente, e das concepções ambientalistas
porque desprezam os fatores maturacionais.
Os interacionistas destacam que o organis-
mo e meio exercem ação recíproca. Um influencia
o outro e essa interação acarreta mudanças sobre
o indivíduo. É, pois, na interação da criança com o
mundo físico e social que as características e pecu-
liaridades desse mundo vão sendo conhecidas. Para
cada criança, a construção desse conhecimento exi-
ge elaboração, ou seja, uma ação sobre o mundo.
Na concepção interacionista de desenvolvi-
mento existe a ideia de interação entre organismo e

166
meio, cuja aquisição de conhecimento se dá através
de um processo construído pelo próprio indivíduo
ao longo de sua vida, o que o faz ativo na construção
de sua própria história, diferentemente das concep-
ções inatista e ambientalista. As experiências ante-
riores da criança servem de sustentação para novas
construções, permeadas pela relação que o indivíduo
estabelece com o ambiente numa situação determi-
nada. (PIAGET, 1976).
Nesse caso, o fator humano presente no am-
biente é de fundamental importância. Pois, é através da
interação com outras pessoas e com o mundo a sua
volta que desde o nascimento, a criança constrói suas
características, suas marcas, como indivíduo, seu modo
de agir, de pensar, de sentir e sua visão de mundo.
Nos textos abaixo retirados da Revista Nova
Escola, escrito por Denise Pellegrini (Janeiro/2001)
podemos compreender um pouco mais sobre o traba-
lho dos dois expressivos representantes da concepção
interacionista, cada qual com suas correntes teóricas.

Da experiência nasce o conhecimento


Jean Piaget

Nascido na Suíça, em 1896, numa família rica e


culta, aos 7 anos já se interessava por estudos científicos. Bió-
logo de formação, estudou Filosofia e doutorou-se em Ciências
Naturais aos 22 anos. Em 1923, lançou A linguagem e o

167
Pensamento na Criança, o primeiro de seus mais de sessenta
livros. Faleceu em 1980, na Suíça.

O que ficou
É na relação com o meio que a criança se desen-
volve, construindo e reconstruindo suas hipóteses sobre o
mundo que a cerca.

Um alerta
O professor deve respeitar o nível de desenvolvimento
das crianças. Não se pode ir além de suas capacidades nem
deixá-las agir sozinhas.
A teoria do conhecimento, construída por Jean Pia-
get, não tem intenção pedagógica. Porém, ofereceu aos educado-
res importantes princípios para orientar sua prática. “Piaget
mostra que o sujeito humano estabelece desde o nascimento
uma relação de interação com o meio”, explica Jean-Marie
Dolle, professor emérito da Universidade Lumière-Lyon 2,
na França, e especialista na obra piagetiana. “É a relação da
criança com o mundo físico e social que promove seu desenvol-
vimento cognitivo”, completa o professor Mário Sérgio Vas-
concelos, coordenador do curso de pós-graduação em Psicologia
da Universidade Estadual Paulista, campus de Assis.
Para Piaget, a forma de raciocinar e de aprender da
criança passa por estágios. Por volta dos 2 anos, ela evolui do
estágio sensório-motor, em que a ação envolve os órgãos senso-
riais e os reflexos neurológicos básicos (como sugar a mama-
deira) e o pensamento se dá somente sobre as coisas presentes

168
na ação que desenvolve, para o pré-operatório. “Nessa etapa,
a criança se torna capaz de fazer uma coisa e imaginar outra.
Ela faz isso, por exemplo, quando brinca de boneca e repre-
senta situações vividas em dias anteriores”, explica Vasconce-
los. Outra progressão se dá por volta dos 7 anos, quando ela
passa para o estágio operacional-concreto. Aqui, consegue re-
fletir sobre o inverso das coisas e dos fenômenos e, para concluir
um raciocínio, leva em consideração as relações entre os objetos.
Percebe que 3 - 1 = 2 porque sabe que 2 + 1 = 3. Final-
mente, por volta dos 12 anos, chegamos ao estágio operacional-
-formal. “O adolescente pode pensar em coisas completamente
abstratas, sem necessitar da relação direta com o concreto. Ele
compreende conceitos como amor ou democracia.”
Essas informações, bem utilizadas, ajudam o profes-
sor a melhorar sua prática. “Devemos observar os alunos para
tornar os conteúdos pedagógicos proporcionais às suas capacida-
des”, recomenda Dolle. Para Vasconcelos, a criança é um pes-
quisador em potencial. “Levantando hipóteses sobre o mundo,
ela constrói e amplia seu conhecimento.” Nesse processo, você,
professor, tem papel fundamental. Ser construtivista não é dei-
xar o aluno livre, acreditando que evoluirá sozinho. “O mestre
precisa proporcionar um conflito cognitivo para que novos conhe-
cimentos sejam produzidos”, endossa Ulisses Araújo, professor
do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de
Educação da Universidade Estadual de Campinas.
“Uma máxima da teoria piagetiana é que o conhe-
cimento é construído na experiência”, afirma Araújo. Isso fica
claro quando se estuda a formação da moral na criança, campo

169
a que o pensador suíço se dedicou no início da carreira e no
qual Araújo se especializou. “Para Piaget, o que permite a
construção da autonomia moral é o estabelecimento da coopera-
ção em vez da coação, e do respeito mútuo no lugar do respeito
unilateral”, explica Araújo. “Dentro da escola, isso significa
democratizar as relações para formar sujeitos autônomos.”

Processos internos e influências externas


Lev Vygotsky

Apesar da vida curta — morreu de tuberculose em


1934, aos 37 anos — o pensador bielo-russo teve uma produ-
ção intelectual intensa. Formado em Direito, também fez cur-
sos de Medicina, História e Filosofia. Por motivos políticos,
suas obras foram censuradas e chegaram ao Ocidente apenas
nos anos 60 — no Brasil, só no início da década de 80.

O que ficou
O aprendizado é essencial para o desenvolvimento do
ser humano e se dá sobretudo pela interação social.

Um alerta
A idéia de que quanto maior for o aprendizado maior
será o desenvolvimento não justifica o ensino enciclopédico. A pes-
soa só aprende quando as informações fazem sentido para ela.
O indivíduo não nasce pronto nem é cópia do
ambiente externo. Em sua evolução intelectual há uma

170
interação constante e ininterrupta entre processos inter-
nos e influências do mundo social. Por defender essa idéia,
o psicólogo Lev Vygotsky é considerado um visionário.
“Ele se posicionou contra as correntes de pensamento que
eram aceitas em sua época”, explica Teresa Rego, profes-
sora de Psicologia da Educação da Faculdade de Educa-
ção da Universidade de São Paulo (USP), que defendeu
suas teses de mestrado e doutorado sobre Vygotsky. O
estudioso nascido na Bielo-Rússia se contrapôs ao pen-
samento inatista, segundo o qual as pessoas já nascem
com suas características, como inteligência e estados emo-
cionais, pré-determinados. Da mesma forma, enfrentou
o empirismo, corrente que defende que as pessoas nascem
como um copo vazio e são formadas de acordo com as ex-
periências às quais são submetidas. “Ele construiu uma
terceira via, a sociointeracionista”, diz Teresa.
Vygotsky entende que o desenvolvimento é fruto
de uma grande influência das experiências do indivíduo.
“Mas cada um dá um significado particular a essas vivên-
cias. O jeito de cada um aprender o mundo é individual”,
explica a educadora paulista. Para ele, desenvolvimen-
to e aprendizado estão intimamente ligados: nós só nos
desenvolvemos se (e quando) aprendemos. Além disso, o
desenvolvimento não depende apenas da maturação, como
acreditavam os inatistas. “O ser humano tem o potencial
de andar ereto, articular sons, conquistar modos de pensar
baseado em conceitos. Mas isso resulta dos aprendizados
que tiver ao longo da vida dentro de seu grupo cultural”,

171
completa Teresa. “Apesar de ter condições biológicas de
falar, uma criança só falará se estiver em contato com uma
comunidade de falantes.”
A idéia de um maior desenvolvimento quanto maior
for o aprendizado suscitou erros de interpretação. “Muitas es-
colas passaram a difundir um ensino enciclopédico, imaginando
que quanto mais conteúdo passassem para os alunos mais eles
se desenvolveriam”, lembra Teresa. “Para ser assimiladas, no
entanto, as informações têm de fazer sentido.” Isso se dá quando
elas incidem no que o psicólogo chamou de zona de desenvolvi-
mento proximal, a distância entre aquilo que a criança sabe fa-
zer sozinha (o desenvolvimento real) e o que é capaz de realizar
com ajuda de alguém mais experiente (o desenvolvimento poten-
cial). Dessa forma, o que é zona de desenvolvimento proximal
hoje vira nível de desenvolvimento real amanhã.
O bom ensino, portanto, é o que incide na zona pro-
ximal. “Ensinar o que a criança já sabe é pouco desafiador e
ir além do que ela pode aprender é ineficaz. O ideal é partir do
que ela domina para ampliar seu conhecimento”, recomenda
Teresa. A Secretaria Municipal de Educação de Porto Ale-
gre baseia sua proposta nessas idéias e nas de Paulo Freire.
“Organizamos o ensino com base numa pesquisa socioantro-
pológica feita na comunidade a cada início do ano”, conta o
secretário José Clovis de Azevedo. Nas falas dos moradores,
a cultura do grupo é detectada. “A Matemática, a História,
a leitura ou a escrita são ensinadas tomando como ponto de
partida as vivências coletivas. Assim, tornam-se significativas
para todos os estudantes.”

172
Nas próximas unidades, trataremos dessas
duas correntes teóricas no interacionismo de forma
mais detalhada: a elaborada por Jean Piaget e seus
seguidores e a defendida por teóricos soviéticos, em
especial por Vygotsky.

173
Exercícios

1. “Ao considerar a escola como espaço de contra-


dições, conflitos e diversidades, torna-se valioso
o papel dos estudos psicológicos, que devem estar
aliados com a Pedagogia, no enfrentamento desses
problemas cotidianos da escola”. Esclareça, de acor-
do com sua opinião, o papel da Psicologia no con-
texto acima.

2. Por que a Medicina, a Biologia, a Filosofia, a Ge-


nética, a Antropologia e a Sociologia também são
importantes no trabalho com a Psicologia?

3. Considerando os conhecimentos da Psicologia,


apresente sua interpretação sobre o relato das “Me-
ninas Lobas”.

4. Vygotsky (1978), “não desconsidera o estudo do


aspecto biológico no desenvolvimento das crianças”.
Qual é o aspecto realmente considerado por Vygotsky?

5. “O adulto tem papel preponderante no processo


de aprendizagem da criança”. Esclareça esta questão.

6. Sintetize, de acordo com o seu entendimento, as


concepções: inatista, ambientalista e interacionista.

174
7. Por que a concepção inatista quando apolicada ao
desenvolvimento humano foi mal interpretada?

8. Comente sobre a concepção ambientalista.

9. “Os ambientalistas podem ser chamados também


de comportamentalistas”. Esclareça esta questão de
acordo com o seu entendimento.

10. “Os interacionistas discordam das teorias inatis-


tas, pois desconsideram o papel do ambiente e das
concepções ambientalistas porque desprezam os fa-
tores maturacionais”. Comente esta afirmação.

175

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