Você está na página 1de 226

Ações Interdisciplinares e

Promoção da Saúde
Ana Célia Teixeira de Carvalho Schneider
Dalvan Antonio de Campos
João Batista de Oliveira Junior
Marina Steinbach
Virgínia de Menezes Portes

Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Ana Célia Teixeira de Carvalho Schneider
Dalvan Antonio de Campos
João Batista de Oliveira Junior
Marina Steinbach
Virgínia de Menezes Portes

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

S358a

Schneider, Ana Célia Teixeira de Carvalho

Ações interdisciplinares e promoção da saúde. / Ana Célia Teixeira


de Carvalho Schneider et.al. – Indaial: UNIASSELVI, 2020.
226 p.; il.
ISBN 978-65-5663-101-1
1. Promoção da saúde. – Brasil. I. Schneider, Ana Célia Teixeira de
Carvalho. II. Campos, Dalvan Antonio de. III. Junior, João Batista de Oliveira.
IV. Steinbach, Marina. V. Portes, Virgínia de Menezes. VI. Centro Universitário
Leonardo Da Vinci.

CDD 610

Impresso por:
Apresentação
Neste Livro Didático, são apresentados e aprofundados conceitos re-
levantes para a área da saúde, considerando sua multiplicidade e complexi-
dade. Na primeira unidade, os conteúdos acerca das concepções de saúde,
medicalização, ética, biopoder, biopolítica e necropolítica são divididos em
três tópicos, sendo eles: 1) refletindo sobre saúde; 2) entendendo a medicali-
zação e a ética; 3) compreendendo o biopoder, a biopolítica e a necropolítica.

A fim de garantir o processo de aprendizagem, a unidade procurou


desenvolver os conceitos a partir das explicações do que são, seus processos
de surgimento e como são aplicados, além de suas potencialidades e
desafios no campo da saúde. Os resumos das unidades procuram sintetizar
de maneira didática e resumida os tópicos desenvolvidos, assim como, as
questões abordadas nas autoatividades objetivam auxiliar no processo de
aprendizagem do aluno.

No primeiro tópico são apresentados os fatores que influenciaram


para a conceituação diversificada da noção de saúde ao longo da história,
salientando as diferenças e aproximações entre elas. Da mesma forma, como
sua aplicação ocorre a partir de noções hegemônicas e contra-hegemônicas,
sendo elas abordadas por meio do conceito biomédico e o ampliado de
saúde, respectivamente. Procura-se, neste tópico, a apresentação dos fatores
que estão relacionados com essas duas concepções, assim como, em quais
estratégias de cuidado em saúde podemos identificá-los.

A Promoção da Saúde apresenta-se como uma estratégia importante


para a saúde das populações, apresentada nesta unidade a partir da maneira
como ocorre na vida prática das pessoas, considerando também suas
múltiplas definições.

Neste sentido, buscou-se apresentar que o conceito de saúde e


doença varia historicamente e são influenciados por aspectos econômicos,
culturais, sociais e políticos que marcam desde a Antiguidade Clássica até a
contemporaneidade. Demonstrando, a partir disso, a relevância dos olhares
atentos e críticos na formação em saúde.

No Tópico 2 apresentamos os conceitos de medicalização e ética e


o quanto estes são fundamentais na discussão contemporânea quando
pensamos sobre o conceito de saúde ou doença dentro das perspectivas já
apresentadas no Tópico 1.

Para isso, iniciamos com a temática da medicalização a partir de um


contexto histórico e social, no qual, a partir de determinado momento, se tem
uma extrapolação dos domínios da medicina para o corpo social apresentado
a concepção a partir de seus principais pensadores. A discussão de medica-
lização da vida, a partir de uma normatização da vida em todos os âmbitos,
individualizando questões amplas que são influenciadas pelo contexto eco-

III
nômico, político, cultural, histórico entre outros. Finalizamos essa discussão
com a reflexão de algumas práticas medicalizadas e muito presentes nos dias
atuais, como o TDHA e o sedentarismo.

Em seguida, iniciamos uma discussão sobre o conceito de ética, ca-


racterizando-a de maneira geral como uma reflexão sobre a moral, valores
e princípios e trazendo aspectos e marcos cruciais para o seu desenvolvi-
mento. Ainda, é apresentado o conceito de bioética enquanto uma área do
conhecimento que se propõe responder os problemas éticos no campo das
ciências biológicas. Por último, é apresentado o conceito de ética do cuida-
do, trazendo em pauta a temática do cuidado, autocuidado e cuidado de si.
Finalizando o tópico, abordamos a temática da iatrogênia, a partir de uma
proposta de mais um contexto atual, com foco na segurança do paciente e
fatores de risco evitáveis e injustos.

Já no Tópico 3, discutiremos três conceitos bastante contemporâneos


e que se articulam, sendo ele, o Biopoder a Biopolítica — conceitos que têm
como principal pensador o filósofo Michel Foucault — e a Necropolítica, se-
guiremos a mesma proposta dos tópicos anteriores, apresentando o contexto
histórico e social desses conceitos e discutindo a partir de seus principais pen-
sadores, sempre dialogando com suas implicações no contexto da vida prática.

O intuito é que esses conceitos auxiliem a reflexão sobre a realidade


ao qual estamos inseridos, desde o biopoder, que se mostra como uma téc-
nica de controle e regulação dos corpos individuais — em uma perspectiva
biológica — transformando as pessoas em corpos assujeitados e produtivos.
Assim como o biopoder, a biopolítica trata de um controle que ultrapassa o
campo individual e que se volta para a coletividade se preocupando com os
variados âmbitos da vida que influenciarão na organização social e econômi-
ca da população (natalidade, mortalidade etc.).

A partir da discussão desses dois conceitos, faremos uma reflexão


sobre a necropolítica, que tem como principal pensador o filósofo Achille
Mbembe, que mostra como novos arranjos do saber-poder, com foco maior
nas desigualdades, impactam na vida e na morte das populações.

A Unidade 2 está dividida em três tópicos: 1) O ensino na área da


saúde; 2) Modelos de saberes e práticas; e 3) Modelos assistenciais.

No tópico “Ensino na área da saúde”, foram apresentados marcos


relevantes para a saúde no Brasil e no mundo, resultando em novas formas
e modelos, como a Estratégia de Saúde da Família. A partir da apresentação
do ensino na área da saúde, baseado nas clássicas escolas médicas, demons-
trou-se aspectos relevantes que influenciaram mudanças necessárias no cam-
po da formação em saúde. Assim, com o passar dos anos, o conceito amplo
de saúde — não restringindo-se apenas à ausência de doenças — passa a
compor a agenda da formação nesta área, baseada na concepção de que é ne-
cessário preparar os profissionais de saúde para responder as necessidades
complexas da sociedade na atualidade.

IV
No tópico “Modelos de saberes e práticas”, o desenvolvimento do
conteúdo concentrou-se nos elementos que caracterizam os modelos tradi-
cionais de aprendizagem, até os modelos mais inovadores como a interdis-
ciplinaridade e multidisciplinaridade, os quais emergem a partir da necessi-
dade de incentivar a autonomia do aluno e formar um profissional crítico e
reflexivo. Além disso, relata o processo de tensionamento, identificação dos
desafios e tentativas práticas de respostas para a ocorrência das mudanças
nos cursos de graduação das áreas da saúde.

O tópico “Modelos assistências” detém-se a apresentar os marcos


históricos mundiais e brasileiros que contribuíram para que a Constituição
Federal de 1988 garantisse a saúde como dever do Estado e direito de todos,
assim como, o nascimento do Sistema Único de Saúde e seus princípios e
diretrizes. O tópico aborda o conceito e diferencia sistemas integrados de
sistemas fragmentados de atenção à saúde, além de abordar os principais
aspectos que os caracterizam e suas funções. Explicita também como se or-
ganiza os níveis de atenção à saúde no Brasil, abordando seus objetivos e
complexidades. Considerando que a finalidade dos Modelos de Atenção em
Saúde é organizar o processo de trabalho em saúde, o capítulo apresenta
antigos modelos de saúde, desde o Modelo Médico Assistencial Privatista
(demanda espontânea) até o Modelo da Determinação Social da Saúde.

Por fim, na terceira unidade, serão abordados os determinantes so-


ciais da saúde, bem como seus principais modelos e aplicação para aborda-
gem de populações vulneráveis. A unidade está dividida em três tópicos,
sendo eles: 1) Os determinantes sociais da saúde; 2) Modelos de determi-
nantes sociais da saúde; e 3) Determinantes sociais da saúde e as populações
vulneráveis.

No primeiro tópico são apresentados os principais Determinantes


Sociais da Saúde (DSS), com ênfase e exemplificação dos determinantes am-
bientais, econômicos e sociais. Serão também enfatizadas a importância dos
DSS para abordagem das doenças crônicas, que apresentam grande preva-
lência no contexto contemporâneo.

Além disso, são exploradas as contribuições dos DSS para explicação


da relação entre as desigualdades sociais e as iniquidades em saúde, demons-
trando que diferentes condições sociais, econômicas e ambientais produzem
efeitos em seus organismos e geram formas desiguais de adoecer e morrer.

No segundo tópico são apresentados e aprofundados os modelos de


saúde, com ênfase nos dois principais modelos de determinantes sociais da saúde
propostos por Dahlgren e Whitehead, e Solar e Irwin, adotados pela Organização
Mundial da Saúde e pelas comissões nacional e internacional para DSS.

A partir deles são demonstradas as formas de compreender aspectos


da saúde que transcendem os determinantes biológicos, identificando
as características nos indicadores saúde a depender do grupo que se está
trabalhando em diferentes níveis de análise, aplicando os diferentes modelos
de DSS.

V
No terceiro tópico são trabalhadas as articulações e interação dos
DSS em três grupos sociais vulneráveis, a saber: a população privada de
liberdade, a população em situação de rua e a população indígena. Para
cada uma dessas populações são exploradas as formas como as iniquidades
sociais fazem com que determinados grupos fiquem submetidos de forma
mais vulnerável a condições que geram doenças e agravos em saúde.

Além disso, são demonstradas como essas diferenças evitáveis podem


ser transformadas por meio da atuação dos profissionais da saúde visando
melhorar a saúde dos indivíduos que compõem esses grupos.

Bons estudos!

Ana Célia Teixeira de Carvalho Schneider


Dalvan Antonio de Campos
João Batista de Oliveira Junior
Marina Steinbach
Virgínia de Menezes Portes

NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

VI
VII
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares,
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!

VIII
Sumário
UNIDADE 1 - SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER,
BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA............................................................................1

TÓPICO 1 - REFLETINDO SOBRE SAÚDE.........................................................................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................................3
2 O QUE É SAÚDE?....................................................................................................................................3
2.1 CONCEITO BIOMÉDICO DE SAÚDE............................................................................................4
2.2 CONCEITO AMPLIADO DE SAÚDE.............................................................................................6
2.2.1 Promoção da Saúde ..................................................................................................................8
3 CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL DO CONCEITO DE SAÚDE .....................................12
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................16
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................17

TÓPICO 2 - ENTENDENDO A MEDICALIZAÇÃO E A ÉTICA....................................................19


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................19
2 O QUE É MEDICALIZAÇÃO? ...........................................................................................................20
2.1 MEDICALIZAÇÃO DA VIDA.......................................................................................................21
2.2 PRÁTICAS MEDICALIZADAS......................................................................................................23
2.2.1 Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH)..........................................................................23
2.2.2 Medicalização do sedentarismo/ práticas corporais . ........................................................24
3 ÉTICA E BIOÉTICA .............................................................................................................................27
3.1 O QUE É ÉTICA?..............................................................................................................................27
3.2 O QUE É BIOÉTICA?.......................................................................................................................28
3.3 ÉTICA DO CUIDADO.....................................................................................................................32
3.4 CUIDADO, AUTOCUIDADO E CUIDADO DE SI.....................................................................33
3.5 IATROGENIA....................................................................................................................................36
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................39
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................41

TÓPICO 3 - COMPREENDENDO O BIOPODER, A BIOPOLÍTICA


E A NECROPOLÍTICA.....................................................................................................43
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................43
2 O QUE É BIOPODER?..........................................................................................................................44
3 BIOPOLÍTICA .......................................................................................................................................47
4 NECROPOLÍTICA ................................................................................................................................49
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................57
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................58

UNIDADE 2 - INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS


HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS.........................................................................63

TÓPICO 1 - O ENSINO NA ÁREA DA SAÚDE................................................................................65


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................65
2 BREVE TRAJETÓRIA DA ATENÇÃO A SAÚDE...........................................................................65

IX
3 A FORMAÇÃO EM SAÚDE NO BRASIL E NO MUNDO...........................................................69
4MUDANÇAS NO SETOR SAÚDE E O “NOVO” ENSINO NA SAÚDE NO BRASIL............77
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................85
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................86

TÓPICO 2 - MODELOS DE SABERES E PRÁTICAS


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................89
2 O MODELO TRADICIONAL.............................................................................................................89
3 OS TRÊS PARADIGMAS DO ENSINO-SERVIÇO DA ATUALIDADE...................................92
4 O PROCESSO DE TRABALHO NA SAÚDE.................................................................................106
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................109
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................110

TÓPICO 3 - MODELOS ASSISTENCIAIS........................................................................................111


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................111
2 OS SISTEMAS DE SAÚDE...............................................................................................................111
3 O QUE É O SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE?.......................................................................116
3.1 SISTEMAS FRAGMENTADOS HIERARQUIZADOS..............................................................117
3.2 REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE................................................................................................117
4 MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE.............................................................................................125
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................135
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................137

UNIDADE 3 - A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS


PARA AÇÕES EM SAÚDE.........................................................................................139

TÓPICO 1 - OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE.........................................................141


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................141
2 CONCEITO DE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE (DSS)..........................................141
2.1 HISTÓRICO.....................................................................................................................................143
3 DETERMINANTES DA SAÚDE......................................................................................................148
3.1 DETERMINANTES AMBIENTAIS DE SAÚDE.........................................................................149
3.1.1 Exemplos de determinantes ambientais.............................................................................151
3.2 DETERMINANTES ECONÔMICOS ..........................................................................................153
3.2.1 Exemplos de determinantes econômicos...........................................................................154
3.3 DETERMINANTES SOCIAIS.......................................................................................................156
3.3.1 Exemplos de determinantes sociais....................................................................................158
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................160
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................161

TÓPICO 2 - MODELOS DE DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE....................................163


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................163
2 O QUE SÃO MODELOS CONCEITUAIS DE SAÚDE?..............................................................163
3 PRINCIPAIS MODELOS DE DSS...................................................................................................164
3.1 MODELO DE DAHLGREN E WHITEHEAD............................................................................166
3.2 MODELO DE SOLAR E IRWIN...................................................................................................169
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................173
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................174

TÓPICO 3 - DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E AS


POPULAÇÕES VULNERÁVEIS....................................................................................175
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................175

X
2 SAÚDE E VULNERABILIDADE SOCIAL.....................................................................................175
2.1 ENTENDENDO OS CONCEITOS...............................................................................................176
3 OS DSS E A SAÚDE DE POPULACÕES VULNERÁVEIS.........................................................177
3.1 POPULAÇÃO PRIVADA DE LIBERDADE................................................................................178
3.2 POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA....................................................................................181
3.3 POPULAÇÃO INDÍGENA............................................................................................................184
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................192
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................193
REFERÊNCIAS........................................................................................................................................194

XI
XII
UNIDADE 1

SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA,


BIOPODER, BIOPOLÍTICA E
NECROPOLÍTICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer diferentes formas de pensar saúde, através dos modelos de de-


terminação social em contraponto ao modelo biomédico;
• saber como os modelos biomédicos influenciam na forma em que as pes-
soas e coletividades adoecem e percebem sua saúde;
• compreender o processo de medicalização da vida nas práticas em saúde e
da ética como um instrumento fundamental de análise de tais processos;
• analisar as relações sociais, principalmente no campo da saúde, através
dos conceitos de biopoder, biopolítica e necropolítica.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – REFLETINDO SOBRE SAÚDE
TÓPICO 2 – ENTENDENDO A MEDICALIZAÇÃO E A ÉTICA
TÓPICO 3 – COMPREENDENDO O BIOPODER, A BIOPOLÍTICA E A
NECROPOLÍTICA

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

REFLETINDO SOBRE SAÚDE

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, abordaremos as diversas formas de pensar o conceito saúde,
suas diferentes definições ao longo do tempo, assim como alguns aspectos que
impactam suas diferentes conceituações. Assumiremos como foco as perspecti-
vas voltadas ao modelo biomédico e ao conceito ampliado de saúde (modelo de
determinação social do processo saúde e doença).

No decorrer do tópico, você deverá refletir sobre as diferentes formas de


pensar saúde e, consequentemente, do processo saúde-doença e de como essas
diferentes maneiras influenciam o universo da saúde (formação e atuação profis-
sional, mercado, sistemas de saúde). Dentro desse percurso, levantaremos uma
discussão breve sobre os determinantes sociais em saúde e a promoção da saúde,
demonstrando os marcos importantes em seus surgimentos, assim como aspectos
desafiadores e paradoxais.

No que tange à construção histórico-social do conceito de saúde, procura-


mos apresentar a construção do conceito ao longo história, salientando os aspec-
tos sociais, culturais, políticos e econômicos que corroboraram para sua modifi-
cação. Para que possamos entender essa construção, aproximamos a discussão
aos marcos históricos, assim, as diferentes concepções de saúde serão abordadas
desde a Antiguidade Clássica até os recentes desafios da contemporaneidade.

Você deverá refletir sobre o que é saúde a partir da lente que permite
identificar as noções históricas, os motivos associados aos aparecimentos e desa-
parecimentos. Da mesma forma, deverá ser capaz de refletir acerca dos modelos
e fatores influenciadores — que tendem a se tornar cada vez mais complexos
— que corroboram para concepção individual e coletiva de saúde nas múltiplas
formas de organização social em determinado tempo e lugar.

2 O QUE É SAÚDE?
O conceito de saúde não pode ser apresentado como algo estático, único e
absoluto. Ao se deparar com a definição do que é saúde, se faz necessário refletir
também sobre qual é o momento histórico que estamos analisando, a conjuntura
social, econômica, política e social, pois saúde não tem um significado universal,
ela depende de valores individuais, concepções científicas, religiosas, filosóficas,
entre outras (SCLIAR, 2007).
3
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

Desse modo, é importante entender que existem diversos conceitos e


formatos de compreender o que é e como promover saúde, e essas diferentes
maneiras de pensar resultam em práticas e ações diferentes.

E
IMPORTANT

Para pensar como existem diferentes formas de ver as coisas, utilizaremos um


exemplo retirado da Gestalt. Quando analisamos o elemento I3, nos deparamos com di-
ferentes perspectivas, em que algumas pessoas entenderão como letra bê e outras como
o número 13, mas quando colocamos dentro de um contexto de letras: A, I3, C ou de um
contexto numérico 12, I3, 14, direcionamos o olhar sobre aquele objeto e percebemos que
o contexto em que está inserido modifica a forma de olhar e também o modo de intervir
sobre tal aspecto.

Um bom exemplo das diversas formas de pensar saúde são as diversas


definições existentes e que vão sofrendo modificações ao longo do tempo,
quando saúde já foi considerada como “ausência de doença”. Já foi definida pela
Organização Mundial da Saúde (OMS, 1946, s.p.) como “o estado do mais completo
bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência da enfermidade” que
amplia essa concepção, apesar de ainda ser um conceito abstrato. Temos ainda o
conceito de saúde proposto pela Constituição Federal de 1988, por meio do artigo
196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e
recuperação” (BRASIL, 1988, s.p.).

Com base no exposto anterior, vamos conhecer dois modelos conceituais


sobre a maneira de reconhecer o processo saúde-doença, o modelo biomédico e
o modelo da determinação social da doença, logo após faremos uma discussão
mais detalhada sobre a construção histórico-social do conceito de saúde.

2.1 CONCEITO BIOMÉDICO DE SAÚDE


O modelo biomédico, considerado hegemônico na nossa sociedade, apre-
senta uma compreensão de saúde e doença pautada nas ciências da vida, tendo
como foco principal a doença, partindo especificamente da biologia, anatomia e
fisiologia. Nessa perspectiva, a doença é considerada uma desordem, uma falta
de adaptação do organismo ao meio, sempre existindo um mecanismo etiopa-
togênico por trás das doenças (PUTTINI; PEREIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2010).

Na abordagem histórica, o modelo biomédico surge a partir da perspecti-


va científica do século XVII, a partir de uma visão mecanicista e reducionista do
Homem e da Natureza que se dá através de alguns filósofos como Galileu, Des-

4
TÓPICO 1 | REFLETINDO SOBRE SAÚDE

cartes, Newton, Bacon, dentre outros que defendiam a realidade do mundo como
uma máquina (ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002). Assim, o modelo biomédico
tradicional se traduz por uma visão cartesiana de ver o mundo, considerando a
doença como um desarranjo temporário ou constante do funcionamento de um
organismo. Por isso, podemos afirmar que curar uma doença se equivalia ao con-
serto de uma máquina (ENGEL, 1977; NOACK, 1987).

O modelo capitalista norte-americano, conhecido como flexneriano, é o


grande responsável pela difusão do modelo biomédico, pois a partir de uma pes-
quisa realizada nos EUA, em 1919 (patrocinada pela Fundação Carnegie), Flexner
defende o modelo (biomédico) da Rockefeller Foundation, afirmando que era o
ideal para o ensino de medicina, assim foi amplamente propagado.

Esse modelo adota uma lógica unicausal, fragmentada e unidirecional,


centrada na doença ao invés da promoção de saúde e da prevenção de doenças,
no médico e na alta tecnologia, tem a verdade científica como absoluta, considera
o corpo humano uma máquina, tem foco no indivíduo em detrimento do coletivo
(VERDI; DA ROS; CUTOLO, 2010).

Apresentamos na sequência um quadro que aborda as principais caracte-
rísticas do modelo Flexneriano:

QUADRO 1 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO MODELO FLEXNERIANO

Positivismo Tem a verdade científica.


Fragmentação/ Ensino com ênfase na anatomia, estudando segmentos do
Especialização humano, dando origem às múltiplas especialidades médicas.
Mecanicismo Considera o corpo humano uma máquina.
As doenças são causadas sempre por um agente causal
Biologicismo
(biológico, físico, químico).
Centraliza os processos de diagnóstico e cura nos
Tecnificação
procedimentos e equipamentos tecnológicos.
Focaliza o indivíduo, negando os grupos sociais e a
Individualismo
comunidade.
Dá ênfase à cura das doenças, em detrimento da promoção
Curativismo
da saúde e da prevenção das doenças.
O melhor ambiente para tratar as doenças é o hospital,
Hospitalocêntrico porque tem todos os exames acessíveis e se administra
medicamentos nas horas certas.
FONTE: Adaptado de Verdi, Da Ros e Cutolo (2010)

Quando nos referimos ao modelo biomédico como hegemônico, estamos


reconhecendo que se trata de uma lógica que ainda serve de alicerce para a
formação dos cursos da área da saúde refletindo diretamente na atuação dos
profissionais, além disso, ao longo do tempo, esse modelo foi sendo assimilado pelo
senso comum, que tende cada vez mais valorizar a doença e seus procedimentos
diagnósticos que requerem alta tecnologia.
5
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

Pensar em uma atuação profissional pautada em uma lógica biologicista


faz com que os profissionais desconsideram a subjetividade das pessoas/pacientes,
tendo uma prática pautada no diagnóstico e na terapêutica, desconsiderando
suas condições de vida, o acesso a determinados procedimentos e/ou condutas,
muitas vezes culpabilizando os indivíduos por seu estado de saúde ou doença.

Tendo em vista uma visão coletiva ou epidemiológica pautada no modelo


biomédico, a saúde da coletividade é marcada pela presença ou ausência de
fatores de risco. Várias críticas são apontadas nesse modo de pensar, apontando
como a organização política e social da sociedade se relaciona e influencia o modo
de adoecer populacional (PUTTINI; PEREIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2010).

2.2 CONCEITO AMPLIADO DE SAÚDE


Com o intuito de ampliação do modo de ver e conceber a saúde, outros
modelos foram se estabelecendo. Partindo de um conceito ampliado, saúde está
vinculada à conquista dos direitos humanos e não se restringe ao modelo bio-
médico e nem à acessibilidade aos serviços, depende também de outros fatores
que são considerados determinantes e condicionantes sociais da saúde, tais como
educação, habitação, trabalho, renda, transporte, alimentação, lazer, meio am-
biente, entre outros, que devem ser assegurados pelo Estado. Nosso foco será a
discussão do modelo de determinação social da saúde e da doença, que surge
como uma nova forma de ver esse processo.

Sua origem se dá na Europa, no século XIX, através do Movimento de Medi-


cina Social. Tal movimento, encabeçado pelo médico Rudolf Ludwig Karl Virshow,
defendia que o modo como as pessoas vivem e trabalham afetam diretamente a
forma como elas adoecem, tendo uma determinação social, cultural e econômica.

NTE
INTERESSA

Virchow conseguiu, sem conhecer a bactéria, nem antibióticos, terminar com


a epidemia de febre tifoide na região da Silésia (Polônia), com a mudança da carga horária
de trabalho, de 16 para 10 horas diárias, melhores condições de saneamento nas fábricas
(abriu janelas), proibição de trabalho para menores (de 4 para 12 anos), maior salário (mais
dinheiro para comprar comida para os filhos), alimentação adequada e a construção de
casas populares próximas às fábricas.

Desse modo, esse modelo surge como um campo de novos conhecimentos


e saberes ampliando a forma de pensar saúde, na contramão do modelo biomédico.
É importante salientar que o modelo ampliado não desconsidera ou nega a
determinação biológica, pelo contrário, os profissionais de saúde necessitam
dominar tais conhecimentos, porém é importante reconhecer que a forma como

6
TÓPICO 1 | REFLETINDO SOBRE SAÚDE

as pessoas adoecem vai muito além de questões individuais relacionadas ao


corpo biológico, e que as condições sociais afetam diretamente o modo como as
pessoas vivem e adoecem.

O novo paradigma representa uma nova maneira de interpretar as


necessidades e ações de saúde, não mais numa perspectiva unicamente
biológica, mecanicista, individual, específica, mas numa perspectiva
contextual, histórica, coletiva, ampla. Assim, de uma postura voltada
para controlar os fatores de risco e comportamentos individuais, volta-
se para eleger metas para a ação política para a saúde, direcionadas ao
coletivo (PEREIRA; PENTEADO; MARCELO, 2000, p. 41).

Como o modelo de determinação social se mostra como uma forma


de pensar multifatorial, mais amplo e politizado, alguns autores levantam a
discussão sobre os determinantes sociais em saúde como forma de aproximar
essa discussão da vida prática, sendo definido pela Comissão Nacional dos
Determinantes Sociais e Saúde (CNDSS) como fatores sociais, econômicos,
culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a
ocorrência de problemas de saúde e dos seus fatores de risco.

Existe uma ampla discussão sobre os determinantes sociais em saúde e


várias proposições para esse conceito em nível internacional. Um modelo adotado
pela CNDSS foi proposto por Dahlgren e Whitehead, que coloca os DSS distribuídos
em diferentes camadas, desde uma camada mais próxima dos determinantes
individuais até uma camada mais distal com os macrodeterminantes (sociais,
econômicos, culturais e ambientais) que influenciam todas as outras camadas.

FIGURA 1 – DETERMINANTES SOCIAIS: MODELO DE DAHLGREN E WHITEHEAD

FONTE: <https://bit.ly/3eg8C0e>. Acesso em: 22 maio 2020.

7
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

De todo modo, se faz necessário refletir o quanto o modo de organização


social, ou seja, como os homens e mulheres se apropriam e interagem com o
ambiente, influenciam diretamente a produção de saúde e doença das pessoas.
Dessa forma, ter uma concepção ampliada do processo saúde-doença é pensar
nos determinantes sociais em saúde e o quanto o acesso ou não a eles causam
iniquidades e desigualdades sociais em saúde que são evitáveis, injustas
e desnecessárias. Com base nisso, é fundamental que as políticas públicas
considerem esses aspectos a fim de serem mais equânimes e condizentes com a
realidade da população.

2.2.1 Promoção da Saúde


A Promoção da Saúde surge como um novo modo de olhar para as
questões de saúde, entretanto, assim como o conceito de saúde, passa a ser vista
de diversas maneiras e atravessada diretamente pelos modelos conceituais em
saúde, especialmente o modelo biomédico e o modelo de determinação social, já
trabalhados neste tópico (CZERESNIA, 2003). 

Em meados dos anos 1970, a promoção da saúde é discutida na Declaração


de Alma-Ata que surgiu da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários
de Saúde. Esse debate amplia o modo de ver saúde, indo para além de um
“problema” individual e se tornando também um problema social e político.

Nesse momento surge a concepção de promoção da saúde oriunda do


Canadá, que fica conhecida como uma nova concepção de saúde, voltada para a
determinação social e econômica da saúde e um olhar ampliado não mais centrada
apenas na doença. Carvalho (2004) aponta que esse novo modelo traz a afirmação
do social, busca superar o modelo biomédico e considera a saúde um direito de
cidadania. Outro ponto importante oriundo dessa conferência foi a centralidade
na atenção primária, uma vez que foram considerados os determinantes sociais
como importantes protagonistas no processo saúde e doença (PAIM, 2013).

Buss (2000, p. 23) define a Promoção de Saúde como:

Uma concepção ampla do processo saúde-doença e de seus


determinantes, estando associada a um conjunto de valores que inclui:
qualidade de vida, saúde, solidariedade, equidade, democracia,
cidadania, desenvolvimento, participação, entre outros. Apresenta
como elementos essenciais a articulação de saberes técnicos e
populares e a mobilização de recursos institucionais e comunitários
para o enfrentamento e resolução dos problemas de saúde.

O Sistema Único de Saúde que nasce em um contexto de lutas por


democracia e por direitos de cidadania é pensado e criado com base na Promoção
da Saúde em sua perspectiva da determinação social proveniente do Canadá,
considerando saúde no seu sentido amplo, sendo assim defendido e registrado
na 8ª Conferência Nacional de Saúde:

8
TÓPICO 1 | REFLETINDO SOBRE SAÚDE

[...] saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação,


educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer,
liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde, é, assim,
antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção,
as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.
[...] Por não ser um conceito abstrato, saúde] define-se no contexto
histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu
desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas
lutas cotidianas (BRASIL, 1986, p. 1).

Desse modo, fica claro que o SUS foi idealizado para superar o modelo
biomédico, com caráter preventivista e assistencial, com uma proposta de
reestruturação organizacional dos serviços e ações em saúde. O Programa de
Saúde da Família (PSF), atual Estratégia de Saúde da Família (ESF), se mostra
como uma das estratégias de reestruturação e superação do modelo biomédico a
partir da proposta de atenção primária, porém o que ainda se observa é uma forte
influência do modelo hegemônico.

É inegável as conquistas e avanços alcançados com o SUS desde sua


implantação, como a ampliação do acesso, dos cuidados domiciliares, da atenção
à saúde das mulheres, crianças e idosos, no tratamento das doenças crônicas,
entre vários outros. Apesar disso, ainda nos deparamos com uma forte influência
do modelo biomédico nas ações e condutas, o que se torna um grande obstáculo
para a consolidação dos princípios do SUS e de um novo modo de ver a saúde. 

Como já apontado anteriormente, a promoção da saúde também vive com
uma pluralidade de concepções, trazendo controvérsias e questionamentos tanto
na sua forma conceitual quanto nas ações aplicadas. Além do modelo ampliado de
saúde, ainda nos deparamos com um olhar sobre a promoção da saúde pautados
no modelo biomédico, tendo um enfoque preventivo voltado à mudança de
comportamento, nesse caso, as ações de promoção da saúde têm o objetivo de
modificar os hábitos e o estilo de vida das pessoas com um olhar. Desse modo, as
situações indesejadas são evitadas, principalmente nas populações consideradas
de risco, criando um ambiente de autovigilância. 

A partir dessa perspectiva, temos a retirada da responsabilidade do


Estado e uma responsabilização direta sobre os indivíduos, os culpabilizando,
assim, por suas condições de saúde ou doença, que na maioria das vezes são de
cunho social e estão fora de sua governabilidade. Nesse contexto, a promoção
da saúde apresenta-se como uma ferramenta de controle do corpo (CASTIEL;
DIAS, 2007). Entretanto, criou-se uma educação em saúde autoritária, em que
os técnicos e profissionais transmitem seus saberes biomédicos e reducionistas
por meio de uma imposição vertical sobre o que consideram saudável e verdade
científica (CARVALHO, 2004; MOREIRA et al., 2009).

A seguir apresentamos um quadro explicativo que busca sintetizar


os dois modelos conceituais e suas principais formas e características de
operacionalização:

9
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

QUADRO 2 – MODELOS CONCEITUAIS

MODELO PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS


Compreensão dos fenômenos de saúde e doença com
base nas ciências da vida, principalmente a partir da
Modelo Biomédico biologia, tendo uma lógica unicausal, fragmentada,
unidirecional, considerado um modelo hegemônico.
Novo modo de olhar para o processo saúde-doença,
Modelo da determinação entendendo que as condições de vida e trabalho das
social da doença pessoas e coletividades estão diretamente relaciona-
dos a sua situação de saúde e o modo pelo qual elas
adoecem, estando ainda ligadas a valores como de-
mocracia e cidadania.
FONTE: Adaptado de Verdi, Da Ros e Cutolo (2010).

Tendo como foco a perspectiva ampliada de saúde, quando pensamos na


promoção da saúde, estamos mobilizando uma série de fatores relacionados à vida
das pessoas e comunidades, sendo necessário um trabalho dinâmico, composto
por um planejamento intersetorial, multiprofissional, e que leve em consideração
as reais necessidades dos indivíduos envolvidos no processo – profissionais de
saúde, lideranças, mulheres e homens da comunidade, conselheiros, profissionais
de outros setores, entre outros –, requisitando ações que ampliem a consciência
sanitária através de práticas que considerem direitos e deveres, educação para a
saúde etc. 

Ainda, se fazem necessárias mudanças reais nos padrões econômicos no
tocante dessas sociedades, além de se pensar políticas públicas que garantam
uma maior possibilidade de acesso e recursos de maneira mais igualitária —
água potável, ar puro, ambientes saudáveis, alimentação adequada, educação,
informação, transporte etc. — atuando sobre as grandes desigualdades sociais
vivenciadas. 

Os valores relacionados à cultura é outro aspecto fundamental quando
se pensa em uma concepção ampliada de saúde, pois não se deve colocar suas
crenças e conhecimentos como verdade absoluta e universal, pois diferentes
culturas possuem diferentes maneiras de lidar, explicar e de curar as doenças.
Portanto, conhecer as práticas culturais do território em que está inserido é
imprescindível para planejar as ações de saúde daquele povo, sejam elas de
promoção, prevenção ou reabilitação (BRASIL, 2016).

Nesse sentido, a participação social é outro eixo fundamental quando
se pensa em promoção da saúde, pois as pessoas devem participar tanto da
construção das práticas e políticas públicas como na identificação dos problemas
e necessidades de saúde, sendo protagonistas no que tange às ações relacionadas
a sua vida e sua comunidade, entendo protagonismo como:

[...] o processo de protagonizar, de ser o protagonista, o figurante

10
TÓPICO 1 | REFLETINDO SOBRE SAÚDE

principal de uma apresentação. Do latim “protos” — principal,


primeiro — e de “agonistes” — lutador, competidor. Protagonismo é
um termo muito usado no teatro, no cinema, na novela, para se referir
ao personagem principal da encenação. Neste caso, dizemos que as
pessoas da comunidade, vocês, toda a equipe e outras pessoas de
outras instituições devem ser protagonistas, devem ser atores, devem
participar dos planos e das ações (BRASIL, 2016, p. 54).

Em suma, a promoção da saúde em seu modo amplo se traduz por um


trabalho que envolve diferentes setores e atores sociais, relacionando diretamente
às condições de vida e saúde das pessoas (acesso à terra, ao trabalho, à alimen-
tação, à moradia etc.). Além disso, leva em consideração as particularidades de
cada comunidade, sua cultura, valores, crenças, práticas, entre outros. Portanto,
trabalhar a promoção da saúde envolve pensar os fatores que impactam o modo
de viver e de adoecer das pessoas e coletividades, necessitando também da parti-
cipação popular para entender as necessidades e formular as possíveis soluções.

NOTA

Uma equipe de saúde da família de uma determinada comunidade recebe


vários casos reincidentes de diarreia aguda no último mês, onde a maioria dessas pessoas
foi ‘tratadas’ através dos protocolos clínicos para tratamento da diarreia aguda.

Antes de prosseguirmos, podemos pensar: quais fatores podem estar associados a estes
casos? 

Continuando...

A partir de uma reunião de equipe, os profissionais de saúde decidiram fazer uma visita
no território, para pensar quais fatores poderiam estar influenciando esta situação, pois a
maioria dos pacientes diagnosticados morava na mesma região.

Após uma visita junto à equipe de vigilância sanitária no território e reunião com algumas
lideranças do centro comunitário, os profissionais encontraram os seguintes problemas:

• A maioria das famílias possuía um sistema precário de abastecimento de água e


tratamento de esgoto.
• A maioria das casas da região observada não trata a água para consumo.

Desse modo, algumas estratégias foram adotadas pela equipe:

1. Realizar reunião com outros setores com o intuito de solucionar os problemas


relacionados ao abastecimento de água e tratamento de esgoto.
2. Realizar um planejamento envolvendo vários atores sociais (lideranças da comunidade,
profissionais de outros setores (educação, meio ambiente) bem como com algumas
pessoas que moravam na região afetada).  A partir desse planejamento foram realizadas
diversas ações de educação em saúde, incluindo ações na unidade básica de saúde e nas
escolas, trabalhando assuntos como: tratamento de água antes do consumo, preparo de
alimentos e higiene pessoal, rodas de conversas entre os moradores e integração com o
conselho de saúde local.

11
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

Nas reuniões seguintes, a equipe percebeu a diminuição progressiva dos casos de diarreia
aguda, destacando que ainda não havia sido modificado nenhum aspecto físico daquele
ambiente relacionado ao tratamento de água e esgoto.

AGORA REFLITA:

• Quais fatores influenciaram para a diminuição dos casos?


• Quais conceitos estudados até aqui se relacionam com este caso?
• Qual perspectiva da promoção da saúde esteve envolvida nesta situação? E por quê?
• Agora que já conversamos sobre o conceito ampliado de saúde e a promoção da
saúde, você se lembra de outros exemplos como esse?

3 CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL DO CONCEITO DE


SAÚDE
Neste subtópico, abordaremos o processo de construção do conceito de
saúde e, portanto, de doença ao longo da história. Como já afirmamos anterior-
mente, esses conceitos se modificam de acordo com aspectos sociais, culturais,
políticos e econômicos, isso significa que possuem relevantes variações porque
estão diretamente ligados a um tempo e lugar, submetidos, dessa forma, aos va-
lores, princípios e regras específicas de uma determinada sociedade.

Como exemplo, podemos citar as diferentes concepções de saúde entre a


cultura ocidental e oriental na contemporaneidade. Enquanto a medicina orien-
tal entende as doenças como resultante do desequilíbrio do organismo humano
(causas naturalizadas), a medicina moderna ocidental atua diante do corpo na
busca de um estado biológico normal, exigindo, desse modo, alta tecnologia e
custos elevados, apesar de apresentar diferentes realidades econômicas e sociais.
Por isso, a evolução conceitual de saúde e doença, assim como o de sociedade,
não responde necessariamente a uma qualificação, no sentido de afirmarmos que
melhorou ao longo do tempo, mas corresponde a uma defesa de verdades, dis-
cursos e valores sociais e culturais que vigoram naquele tempo e lugar.

Na Antiguidade Clássica, a crença era de que as doenças eram causadas


por elementos naturais ou sobrenaturais, compreendendo, assim, a saúde e do-
ença por meio da filosofia religiosa. Dessa forma, o ambiente físico, os astros, o
clima, os insetos e os animais eram reconhecidos como os possíveis causadores
de doenças, uma vez que, para os gregos, eram os fatores externos que as pro-
duziam. Assim, na contramão da doença e para alcançar a harmonia perfeita do
corpo humano — podemos considerar para alcançar a saúde — as estações do
ano, as características do vento e da água, assim como demais fatores externos
deveriam ser considerados. É ainda nesse período que se inicia a ideia empírica
do contágio (BARATA, 1985).

Já na Idade Média, a religiosidade assume a centralidade causal das do-


enças. Entretanto, com as crescentes epidemias, no final desse período retoma-se
12
TÓPICO 1 | REFLETINDO SOBRE SAÚDE

a ideia de contágio entre a população, mas agora com caráter religioso. Assim, as
causas estão ligadas à conjugação dos astros, ao envenenamento das águas pelos
leprosos, judeus ou até mesmo por bruxarias. Sob forte influência do cristianis-
mo, a doença assume um sentido místico religioso — vista como castigo — e a
cura é buscada em poderes milagrosos (amuletos, água benta, exorcismo). Ainda
nesse período, os estudos empíricos são responsáveis pela formação das ciências
básicas, surgindo assim a necessidade de descobrir a origem das matérias que
causavam os contágios, dando origem à Teoria Miasmática, cuja explicação da
doença estava nas partículas que não podiam ser vistas, os miasmas.

O século XIX foi marcado pela capacidade da medicina social de criar as


condições de salubridade adequadas à nova sociedade, a partir disso, abrindo es-
paço para que gradativamente a prática médica individual ocupasse lugar central
nas práticas de saúde das populações. Surgem também explicações sobre a doen-
ça a partir das condições de vida e de trabalho. É nesse período que ocorre o nas-
cimento da bacteriologia e com ela a concepção de que para cada doença há um
agente etiológico, capaz de ser combatido com intervenções químicas e vacinais.

Assim, o século XIX fica conhecido pelo fortalecimento da biologia cientí-


fica, não apresentando influência relevante da filosofia. Nesse período, identifica-
-se o fortalecimento da patologia celular, da fisiologia, da bacteriologia, resultan-
do o significativo desenvolvimento de pesquisas científicas nessa área. Por isso,
afirma-se que nessa época há uma transição da medicina como ciência empírica
para ciência experimental, assumindo centralidade numa ciência que pode ser
testada, aplicada e comprovada (BARATA, 1985).

A Teoria Multicausal rouba a cena no século XX, reconhecida como a des-


coberta científica que impacta a produção de saúde e doença da população. A in-
suficiência da teoria unicausal da doença de caráter biologicista e histórico, e com
uma concepção reducionista do social, exige explicações multicausais. Já se sabia
então que os fatores causadores das doenças eram relacionados ao agente etioló-
gico, ao hospedeiro e ao meio ambiente, formando a triangulação bastante conhe-
cida. Entretanto, identificou-se que as causas agiam separadamente, possuindo
assim relações diretas e indiretas entre si. Nesse período, mesmo que de maneira
muito incipiente, se começa a considerar os fatores psíquicos como causadores
de doenças e limitadores do estado de saúde da população, tanto na perspectiva
individual quanto coletiva. Assim, surgem outras formas de enxergar a existência
humana, ampliando o escopo de fatores influenciadores na saúde e na doença, o
que podemos reconhecer como o início da concepção biopsicossocial.

Se até aqui saúde significava não ter doenças, a contemporaneidade rompe


com essa concepção. Até esse momento não havia uma definição universal do que
era saúde e para isso seria necessário um consenso entre as nações, sendo possível
obtê-la somente por meio de um organismo internacional. Influenciada pelas gran-
des manifestações e conflitos políticos, econômicos e sociais mundiais, em 1948 a
Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu saúde não apenas como a ausência
de doença, mas como a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social. A
nova definição implicou o reconhecimento do direito à saúde e da obrigação do

13
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

Estado na promoção e proteção da saúde. Essa concepção de saúde refletia a luta


dos movimentos sociais do pós-guerra pela ascensão do socialismo, questões que
marcavam o cenário político, econômico e social da época (SCLIAR, 2007).

Assim, saúde não significava mais a ausência de doenças, mas deveria ser
capaz de expressar o direito a uma vida sem privações, entendo que o trabalho, a
moradia, o convívio social, o acesso a serviços e bens de consumo, o saneamento
básico, a dimensão psicológica, dentre outros, eram aspectos relevantes na defi-
nição de saúde e doença de uma população.

Apesar de avançada para a época em que foi realizada, essa definição pas-
sa a exigir atualmente outras concepções diante da complexidade da saúde dos
indivíduos. Diante da definição do que é saúde e de seus parâmetros de nor-
malidade, é preciso lançarmos um olhar detalhado para outros fatores. O que
é normal? Como é mensurada a normalidade de um fenômeno? Comumente, o
normal é pensado como sendo o estado mais comum — como deveria ser — de
um determinado fenômeno, a partir disso, determina-se o mais saudável, haven-
do uma padronização. Entretanto, pelo fato de a saúde e a doença envolverem
dimensões subjetivas, sociais, econômicas, políticas e não apenas biologicamente
científicas, a normatividade que define o normal e o patológico varia de uma so-
ciedade para outra nos diferentes tempos e lugares (CANGUILHEM, 1995).

Além disso, podemos dizer que, para além das definições de normal e
patológico, as sociedades contemporâneas têm considerado as questões estéticas
como componentes importantes na concepção de ter ou não saúde. Dessa forma,
se identifica novos elementos capazes de definir saúde e doença. Em contrapo-
sição, os determinantes sociais em saúde nos chamam atenção para os múltiplos
fatores que influenciam o nível de saúde e qualidade de vida das populações,
salientando-os em uma associação direta com a classe social, relações étnicas e
de gênero, condições de trabalho e sanitárias, acesso aos serviços de saúde e bens
de consumo, dentre tantas outras. Cenários estes que revelam mundos comple-
tamente opostos — atravessados pela dimensão econômica e social — em uma
mesma cidade, por vezes, em um mesmo bairro. Desafios que se relacionam di-
retamente ao fazer saúde e produzir cuidado no cotidiano dos serviços de saúde
em seus diferentes níveis de atenção.

Para concluirmos, pensar saúde na contemporaneidade é muito mais do


que uma aplicação técnica e normativa a partir de perspectivas teóricas redu-
toras do conhecimento biológico, psíquico e social. A partir das concepções de
promoção da saúde é possível identificarmos a potencialização da capacidade in-
dividual e coletiva das pessoas para conduzirem suas vidas frente aos múltiplos
determinantes e condicionantes da saúde. Isso significa que é preciso estar atento
aos acontecimentos das diversificadas realidades, os quais nos exigem e inspiram
múltiplos olhares.

É necessário deslocarmos as nossas lentes, enquanto estudantes e profis-


sionais da saúde, para novos saberes e compartilhamentos. O que estamos salien-
tando aqui é que as noções de saúde e doença variam historicamente e tendem

14
TÓPICO 1 | REFLETINDO SOBRE SAÚDE

a se tornar cada vez mais complexas, uma vez que as modificações econômicas,
culturais, sociais e políticas vão alterando a vida das pessoas, impactando, assim,
a forma de viver, de se ver nesse mundo, e sentir-se saudável ou doente. É fun-
damental considerar que o aparecimento e desaparecimento de fenômenos de
saúde e doença, o aumento ou a diminuição de sua frequência, a menor ou maior
importância que adquirem estão diretamente associados às múltiplas formas de
organização social em determinado tempo e lugar.

DICAS

Sugestões de leituras:

• ALMEIDA FILHO, N. O que é saúde? Editora Fiocruz, 2011.


• MALTA, D. C et al. Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS): capítulos de uma
caminhada ainda em construção. Ciência & Saúde Coletiva, Manguinhos, v. 21, n. 6, p.
1683-1694, 2016.
• RIOS, D. R. S.; SOUSA, D. A. B.; CAPUTO, M. C. Diálogos interprofissionais e
interdisciplinares na prática extensionista: o caminho para a inserção do conceito
ampliado de saúde na formação acadêmica. Interface, Botucatu, v. 23, 20p., ago. 2019.

15
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

● A saúde possui diferentes significados, assim como os fatores que corroboraram


ao longo da história para suas múltiplas conceituações.

● Há dois modelos que possuem grande relevância para pensar saúde, sendo eles:
o conceito biomédico, o qual é considerado hegemônico na nossa sociedade
e apresenta uma compreensão pautada nas ciências da vida, centralizado
na doença, partindo especificamente da biologia, anatomia e fisiologia; e o
conceito ampliado de saúde, que considera saúde uma conquista dos direitos
humanos e não se restringe à acessibilidade aos serviços, depende também de
outros fatores que são considerados determinantes e condicionantes sociais da
saúde, assim, indo além do ao modelo biomédico.

● Sobre a Promoção da Saúde, o que é e de que maneira ela acontece na vida prá-
tica das pessoas, e de que maneira é vista como um novo modo de olhar para as
questões de saúde, possuindo também múltiplas definições. Destacamos sua di-
mensão prática, a qual é atravessada diretamente pelos modelos conceituais em
saúde, especialmente o modelo biomédico e o modelo de determinação social.

● Na construção histórica social do conceito de saúde vimos sua evolução


desde os fatores externos, fortemente presentes na Antiguidade Clássica até a
influência dos determinantes e condicionantes em saúde, concepções do que é
normal e patológico que marcam a contemporaneidade.

● O conceito de saúde e doença varia historicamente e tende a se tornar cada vez


mais complexo, uma vez que as modificações econômicas, culturais, sociais e
políticas vão impactando a maneira de se senti saudável ou doente.

● Devido a sua capacidade de modificação, vimos a importância de deslocarmos


as nossas lentes, enquanto estudantes e profissionais da saúde, para novos
saberes e compartilhamentos da produção do cuidado na atualidade.

16
AUTOATIVIDADE

1 Leia a seguinte contextualização acerca do cuidado às pessoas que vivem


com alguma doença crônica:

Colocando um pouco em prática toda essa discussão teórica que


vimos até aqui, podemos analisar uma situação muito comum nos servi-
ços de saúde, vivenciada diariamente pelos profissionais. O cuidado às
pessoas que vivem com alguma doença crônica.

No geral, a ideia que temos — e comumente a forma que é traba-


lhada nos serviços de saúde — é que a partir de um diagnóstico formado,
considerado um desvio ou falha, é necessário agir para buscar a normali-
dade — ou chegar o mais próximo dela. Desse modo, algumas condutas
são tomadas, como a prescrição de alguma medicação, algumas técnicas
e métodos persuasivos com o intuito de corrigir algumas condutas.

Pensando que para a maioria das doenças crônicas (hipertensão,


diabetes etc.) as pessoas necessitam realizar algumas mudanças de há-
bitos (alimentação, exercícios físicos, evitar a ingestão de álcool e outras
drogas), esta passa a ser uma recomendação universal para controle de
determinadas morbidades. Esse exemplo é recorrente no cotidiano dos
profissionais de saúde, e a forma de olhar e pensar o processo saúde e do-
ença impactará diretamente a maneira como esses profissionais atuam.

Assim, a prática em saúde, geralmente, baseia-se em ações pau-


tadas em concepções biomédicas, delegando cada vez mais a responsa-
bilidade sobre o seu estado de saúde — e doença — aos indivíduos e aos
grupos sociais envolvidos, supondo falta de conhecimento ou de inte-
resse destes. Esse modelo reforça ainda mais uma atuação pautada em
normas e atitudes autoritárias e hierarquizadas, desconsiderando, ainda,
a complexidade de lidar com a vida e a saúde dessas pessoas. Temos que
refletir para além, que tal responsabilização sobre os sujeitos tira a res-
ponsabilidade do Estado em prover as condições adequadas, e somente
com tais condições acessíveis a todos poderia se pensar em um processo
de tomada de decisão ou ‘escolha’, o que se torna impossível de ser pen-
sado com tanta desigualdade.

Faz-se necessário entender qual a condição de vida de cada pes-


soa, sua situação econômica e social, pois tais fatores influenciarão dire-
tamente o seu acesso a determinados meios que não são disponibilizados
para todas as pessoas. Partindo de uma concepção ampliada do processo
de saúde doença, o profissional não deve desconsiderar a importância da
melhoria nos parâmetros biológicos daquela pessoa, mas pensar com ela

17
quais são as possibilidades existentes ou não de realizar tais mudanças,
e quais são as formas para que essas condições ocorram, através de um
exercício de direitos e de cidadania, para que de fato as pessoas tenham
autonomia e consigam tomar decisões a respeito do seu processo de saú-
de e doença.

Agora, reflita e responda aos seguintes questionamentos:

a) Qual é a concepção de saúde que está posta diante da atuação da equipe,


comumente ocorrida, conforme afirmação do texto?

b) Podemos identificar práticas mais próximas do modelo biomédico ou do


conceito ampliado de saúde? Por quê?

c) Quais elementos e/ou estratégias a promoção de saúde nos oferta para


pensar em planos terapêuticos mais exclusivos e de acordo com as diferentes
realidades?

d) Como a construção histórica e social do conceito de saúde nos auxilia para


problematizar e refletir sobre o que é ter saúde atualmente?

18
UNIDADE 1
TÓPICO 2

ENTENDENDO A
MEDICALIZAÇÃO E A ÉTICA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, abordaremos o conceito de medicalização e de ética, seus
processos históricos e sociais de construção, assim como suas interfaces com as
diversas disciplinas e sua aplicação prática. Por isso, você deverá refletir sobre os
temas mencionados, os quais estão subdivididos em dois grandes grupos com o
objetivo de apresentar detalhadamente cada conceito, facilitando a aprendizagem.

A partir disso, apresentaremos como a medicalização, enquanto um


processo de extrapolação dos limites da medicina, passou a ser considerada
uma expressão de extenso alcance social. Da mesma maneira, as formas pelas
quais a medicalização da vida se configurou como uma prática da medicina que
interfere a forma de viver, por meio da moral, das normas, dos comportamentos
e dos costumes. Valores e princípios que moldarão e sustentarão as práticas
medicalizadas com base na lente reducionista de ver a saúde e a doença,
sobretudo de enxergar os modos de viver em uma sociedade adoecida e marcada
pela valorização de um ideal humano inalcançável.

Apresentaremos aspectos e marcos fundamentais para o surgimento da


ética, enquanto temática desenvolvida pela filosofia e responsável por refletir
sobre a moral, seus valores e princípios, assim como o nascimento da bioética
como tentativa de responder aos problemas éticos oriundos das descobertas e das
aplicações das ciências biológicas, sobretudo procurando refletir a partir de suas
contribuições para o contemporâneo e complexo contexto da saúde e das práticas
profissionais.

Em seguida, a ética do cuidado será abordada a partir de um conjunto


de noções que implicam distintas definições de narrativas, experiências e
sentimentos, apresentando elementos fundamentais para a reflexão de estudantes
e profissionais de saúde. O convite à reflexão se estende para os temas do cuidado,
autocuidado e cuidado de si, quando procuramos apresentar suas diferentes
definições, evitando o equívoco comum de serem utilizados como sinônimos.

Por fim, abordaremos o conceito de iatrogenia, tendo como base sua


relevância na contemporaneidade, sobretudo pela emergência de temas como a
segurança do paciente e a redução dos fatores de risco no cuidado em saúde, com
base nos danos evitáveis causados aos pacientes.
19
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

2 O QUE É MEDICALIZAÇÃO?
A medicalização é o processo de extrapolação dos limites da medicina e
de fenômenos que faziam parte de outros campos, como a educação, as leis, a reli-
gião entre outros, e que passam a ser objetos de preocupação médica, mostrando-se
como uma expressão de extenso alcance social. A partir disso, ocorreu a incorpo-
ração de normas biomédicas para a vida comum, fazendo com que as experiências
singulares das pessoas se tornassem objetivo de controle e intervenção médica, nor-
matizando o cotidiano, o corpo e o comportamento, tentando intervir em todos os
modos de expressão da vida humana (CONRAD, 2007; TESSER, 2010).

A medicalização é considerada um fenômeno mundial, entretanto, surge


da medicina moderna entre o final do século XVIII e o início do século XIX, mo-
mento em que se vivia o processo de industrialização e reorganização da maneira
de viver nas cidades, à época da constituição de alguns estados europeus. O con-
ceito de medicalização ganha relevância principalmente a partir das concepções e
críticas de alguns autores, com destaque para Ivan Illich e Irving Zola, a respeito
das condutas da medicina na sociedade, tendo as obras A expropriação da saúde:
nêmesis da medicina, de Illich (1975) e Medicine as an Institution of Social Control, de
Zola (1972), servido como forte base passa essa discussão (CONRAD, 2007).

Outra contribuição importante nessa temática é a obra de Michael Fou-


cault (1984), que utilizou do conceito de biopolítica para compreender as raízes
da medicalização, ou seja, a ideia de uma estratégia que incluiu o biológico como
componente das preocupações de gestão da sociedade pelo Estado moderno a
partir do século XVIII. Na obra O nascimento da medicina social, Foucault abor-
da elementos para uma primeira definição de medicalização, apontando como
as ações médicas interferiram a existência humana de diversas formas. Foucault
ainda aponta três contextos históricos importantes que caracterizam a interferên-
cia médica na sociedade, momentos estes que se constituem como três etapas da
formação da medicina social, sendo o cenário da Alemanha, França e Inglaterra
(ZORZANELLI; CRUZ, 2018).

Na Alemanha, no século XVIII, a medicalização tem como objeto de in-


tervenção o Estado, com o intuito de regular as situações relacionadas à saúde,
resultando em uma normatização da formação médica e uma inserção de tais
profissionais dentro do aparelho de Estado, incorporando assim o saber médico
para a sociedade.

Outro contexto utilizado por Foucault se dá na segunda metade do século


XVIII, na França, quando a medicina passa a se preocupar com as cidades por
conta de um processo de urbanização descontrolado, com grande propensão ao
risco de doenças por falta de uma estrutura sanitária inadequada, criando assim
um projeto de saneamento das cidades.

Finalmente, o terceiro momento se dá na Inglaterra, no século XIX, onde a


medicina passa a ter como objeto de intervenção a força de trabalho e a pobreza.

20
TÓPICO 2 | ENTENDENDO A MEDICALIZAÇÃO E A ÉTICA

Criando a lei dos pobres, por conta de uma epidemia de cólera em 1832, portanto,
a lei tinha o intuito de controlar os pobres (através de medidas autoritárias, como
obrigatoriedade de vacinação), fazendo com que as pessoas ficassem mais ap-
tas ao trabalho e oferecessem menores riscos às classes mais ricas (FOUCAULT,
1984b; ZORZANELLI; CRUZ, 2018).

Em meio a tantos pressupostos e olhares para a medicalização, se faz ne-


cessário refletir sobre como esse fenômeno impacta diretamente os dias atuais,
seja na formação profissional, na construção da subjetividade das pessoas, na re-
lação profissional paciente, e nos mais distintos âmbitos da vida. Assim, os pró-
ximos tópicos ajudarão a pensar como esse fenômeno está presente nas nossas
vidas e por que devemos olhar de forma crítica para esse processo.

A crítica é centrada na capacidade que o modelo biomédico possui de


reduzir e descontextualizar os problemas sociais, dessa forma, os problemas de
saúde são individualizados e colocados diretamente sobre controle e interven-
ção do poder médico, tirando de questão situações que poderiam ser de origens
sociais e coletivas. Portanto, todas as questões, como o desempenho no traba-
lho, na vida social, o crescimento, adoecimento e o envelhecimento, por exemplo,
acabam sendo justificadas como problemas ‘fisiológicos’, ocorrendo um reducio-
nismo biológico sobre problemas sociais, culpabilizando os indivíduos por sua
situação de saúde e normatizando diagnósticos que tomam o lugar do controle
sobre a vida (CONRAD, 2007).

2.1 MEDICALIZAÇÃO DA VIDA


Como vimos anteriormente, o processo da medicalização é um fenômeno
que vem crescendo demasiadamente. Camargo Jr. (2013) aponta para a existência
de diversos entendimentos sobre o conceito da medicalização, o qual está ligado
ao modo de olhar a saúde e sua relação com a sociedade (como já discutido no tó-
pico anterior), pois dependendo do momento histórico e da concepção de saúde
hegemônica, diferentes formas de intervenção medicalizadas serão empregadas.

Desse modo, a medicalização da vida faz parte desse grande processo de
medicalização social, nesse caso, retratado pela apropriação da medicina por situ-
ações normais da vida das pessoas, interferindo diretamente a moral, as normas,
os comportamentos, costumes, dentre outros. Eventos como nascimento, morte,
adolescência, menopausa, envelhecimento, sentimentos, sexualidade e hábitos
de vida passam a ser explicados, normatizados e alvos de intervenção a partir
de parâmetros biomédicos (GAUDENZI; ORTEGA, 2012; CAPONI, 2009). Dessa
forma, diferentes situações da vida, bem como sensações físicas e psicológicas
normais (como insônia e tristeza) são transformados em transtornos, doenças e
distúrbios psiquiátricos (como distúrbios do sono e depressão), ocultando gran-
des problemas sociais, políticos, culturais, econômicos e emocionais que afetam
a vida das pessoas.

21
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

Quando se fala em medicalização é comum a associação, principalmente


para fora dos muros acadêmicos/científicos, com a medicamentalização — que
seria o uso excessivo e abusivo dos medicamentos, extrapolados para problemas
não médicos — que também faz parte desse processo, mas que não se limita a
isso. Oliveira, Harayama e Viégas (2016) apontam que o processo da medicaliza-
ção é amplo e não se limita ao produto medicamento, possuindo uma lógica com-
plexa que envolve o controle da vida das pessoas e das coletividades; enquanto
medicamentalização descreve o uso de medicamentos em casos que a priori não
faziam parte das atribuições médicas, portanto, não existia medicamentos para
tal. Então, a medicamentalização se mostra como uma das consequências do pro-
cesso de medicalização social.

Contudo, a medicamentalização é ponto crucial quando pensamos na me-


dicalização da vida. É importante salientar que essa utilização indiscriminada
dos medicamentos não traz efeitos apenas no corpo individual, ainda, integra um
movimento de patologização social que mobiliza toda uma economia política,
pois atua desde a produção até o consumo desses produtos, sendo a indústria
farmacêutica um dos mercados que mais cresce e mais movimenta a economia no
mundo todo (TESSER; POLI NETO, 2010).

Ao abordarmos o contexto de medicalização da vida é importante enten-


der que não existem vilões ou mocinhos, mas que as relações sociais que vão
sendo construídas e consolidadas em determinado lugar e em determinado mo-
mento histórico, produzem um novo modo de relacionamento na sociedade. Illi-
ch (1975) aponta que a partir desse fenômeno criou-se uma sociedade adoecida
que exige medicalização universal a partir de uma instituição médica que ateste
morbidade universal.

Desse modo, os avanços tecnológicos permitem a produção de novos equi-


pamentos e testes, ampliando cada vez mais as possibilidades diagnósticas, assim,
cada vez mais categorias sociais vão sendo criadas, fazendo com que se torne im-
possível encontrar pessoas que não se adéquam a nenhuma das classes terapêuti-
cas, e tendo como consequência a transformação de grandes grupos de pessoas em
pacientes potenciais (ILLICH, 1975). Um exemplo disso são as reduções dos pontos
de corte, criando novas normas e novos rótulos, tais como os pré-diabéticos, pré-hi-
pertensos ou algumas condições que vão se expandindo e criando novas doenças
a partir de vivências e sofrimentos que antes não eram de interesse do setor biomé-
dico. Para cada nova categoria criada, a indústria farmacêutica produz inúmeras
drogas, prometendo alívio e eficácia (NORMAN; TESSER, 2009).

Em meio a tantas soluções rápidas e direcionadas, a partir de diversas


maneiras (inclusive pelas práticas profissionais na saúde), as pessoas vão dei-
xando sua capacidade de enfrentar seus problemas, adoecimentos e problemas
emocionais cotidianos, perdendo sua autonomia, gerando uma dependência ex-
cessiva e uma alienação, e o medicamento passa a ser utilizado como solução de
problemas.

22
TÓPICO 2 | ENTENDENDO A MEDICALIZAÇÃO E A ÉTICA

A mídia se mostra como um dos grandes responsáveis pela dissemina-


ção desses valores, através de suas propagandas de medicamentos nos diversos
meios de comunicação, ressaltando que as indústrias farmacêuticas investem
mais em propagandas do que em pesquisa e desenvolvimento (BRASIL, 2019).

Esse modelo tem implicações diretas na atuação dos profissionais de saú-


de, pois as práticas de saúde passam a reproduzir esse discurso medicalizante que
tende a patologizar a vida através das normatizações das diferenças e buscando
individualizar questões que são influenciadas pela história, política, economia,
cultura, dentre outros fatores, e que não podem ser pensadas sem esses aspectos.

Os profissionais precisam estar dispostos a pensar para além dos diagnós-
ticos e do reducionismo implicado nessa maneira medicalizada de pensar e agir,
respeitando as singularidades, as diversidades, as condições de vida das pessoas,
pautando sua atuação em um cuidado integral e humanizado.

2.2 PRÁTICAS MEDICALIZADAS


Pensar em uma sociedade medicalizada é pensar em uma atuação
profissional que produz e reproduz práticas medicalizadas. Em uma sociedade
adoecida, marcada pelo consumismo, por uma valorização de um ideal humano
inalcançável, os profissionais acabam por atuar com base em um reducionismo.
Esse tópico se propõe a refletir sobre diferentes práticas de saúde que reproduzem
o modelo hegemônico, se tornando medicalizadas. O objetivo é que tanto os
futuros profissionais de saúde, quanto os demais leitores, consigam analisar
criticamente as diversas formas de relação de poder, concepções e demais fatores
presentes nas intervenções e práticas nos serviços de saúde.

2.2.1 Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH)


Foucault (1979), ao discutir biopoder, relata sobre instituições disciplinares
que se apresentam como um espaço de formação de corpos dóceis e disciplinados,
criando subjetividades obedientes. Nesse sentido, a escola se mostra como um es-
paço que produz e reproduz normas, e vai além, tem a função de corrigir e enqua-
drar comportamentos e atitudes que desviem das normas sociais ‘desejáveis’.

Assim, a infância se torna lócus privilegiado de intervenção sobre os cor-


pos, tendo a psiquiatria papel fundamental nesse quesito, se apropriando da in-
fância e da escola para levantar diagnósticos sobre comportamentos considera-
dos indesejáveis, classificando assim como distúrbios de cunho biológico.

Nesse sentido, um dos diagnósticos mais presente no contexto escolar é


o Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH), que é definido como um transtor-
no neurobiológico de causas genéticas que aparece na infância e frequentemente
acompanha a pessoa por toda a vida. Está relacionada normalmente à dificul-
23
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

dade de aprendizagem e problemas relacionados ao comportamento, e tendo o


Metilfenidato — conhecido comercial e popularmente como Ritalina — como o
medicamento mais prescrito para o tratamento desse transtorno e que atua como
um estimulante do sistema nervoso central (BIANCH; FARAONE, 2015; ITABO-
RAHY; ORTEGA, 2013).

Por tratar-se de um tema bastante polêmico, tem sido foco de várias pes-
quisas atualmente e, de maneira geral, é apresentada de maneira bem simplifica-
da. Os diagnósticos sobre o TDAH são bastante complexos, pautados a partir de
categorias descritivas criadas pela psiquiatria, entretanto, mesmo com protocolos
existentes, as queixas levantadas se tratam de situações e condições subjetivas e
que poderiam ser justificadas por outros fatores (sociais, culturais, econômicos,
familiares, educacionais) e não deveriam ser especificamente reduzidos a alte-
rações ou distúrbios neuroquímicos, com uma origem exclusivamente orgânica
(BIANCH; FARAONE, 2015).

Esse contexto faz com que haja uma individualização dos problemas da
dificuldade de aprendizagem e dos comportamentos tidos como inadequados, cen-
trando as intervenções somente nas crianças e adolescentes (medicando-as) e po-
dendo culminar em uma culpabilização do sujeito, e ainda, desviando o olhar sobre
os problemas relacionados ao contexto de vida dessas pessoas que podem estar
diretamente ligados a suas ações e comportamentos (COLLARES; MOYSÉS, 1994).

Esse diagnóstico não vem acompanhado apenas de uma prescrição, mas


também de uma identidade e um estigma que vai interferir a experiência de vida
e as subjetividades daquele indivíduo, interferindo a maneira como ele se vê e é
visto na sociedade (BANZATO; PEREIRA, 2014). É exatamente aí que se situa a
crítica, uma vez que a infância acaba sendo lócus da medicalização que tem o in-
tuito de neutralizar supostos perigos, produzir sujeitos controlados e localizados
dentro das normas sociais ‘ideais’ com suas subjetividades moldadas a partir de
discursos e práticas biológicas.

2.2.2 Medicalização do sedentarismo/ práticas corporais


O estilo de vida saudável é uma recomendação fortemente presente no
discurso dos profissionais de saúde, pois se mostra como fator de proteção, pre-
venção e tratamento para diversas doenças crônicas.

A noção de fator de risco fez com que as pessoas e coletividades viven-


ciassem o processo de medicalização na sua rotina, pois qualquer indivíduo, seja
ele doente ou não, precisa adotar alguns comportamentos com o intuito de se
afastar de algumas condições e doenças, desse modo, as pessoas precisam ter um
cuidado permanente e isso modifica o modo de vida das pessoas, em que preva-
lece uma moral que responsabiliza e culpa as pessoas pelo seu estado de saúde ou
doenças, desconsiderando outros aspectos fundamentais determinantes e condi-
cionantes no processo saúde doença. Vaz et al. (2007, p. 150) apontam que:

24
TÓPICO 2 | ENTENDENDO A MEDICALIZAÇÃO E A ÉTICA

Essa construção de um estado generalizado de quase-doença que inci-


ta à atividade de evitar doenças futuras significa a proposição de uma
experiência médica da morte. Para que os indivíduos cuidem de si, a
morte deve estar a uma distância adequada, aquela onde acreditam
que podem evitá-la, nem muito afastada no horizonte das decisões co-
tidianas, para que seja ignorada quando se age, nem próxima demais,
de modo a que se pense que nada pode ser feito para adiá-la e que o
melhor é repensar a relação com a vida.

Desse modo, discursos biomédicos pautados no risco são construídos e


utilizados para explicar a doença e fortalecer a necessidade de práticas comporta-
mentais para prevenir ou controlar o aparecimento de doenças. Essas estratégias
acabam interferindo a subjetividade das pessoas e o modo como elas se relacio-
nam com sua saúde, pois aquelas que conseguem seguir as recomendações, pen-
sam ter uma chance menor de adoecer, e quando adoecem, acreditam não terem
feito o suficiente, por consequência, aquelas que não o fazem, se culpabilizam por
questões que na maioria das vezes não cabem em seu controle individual.

Com base nisso, apresentaremos o sedentarismo como um dos fatores de


risco comumente discutidos na atualidade, porém, outras situações envolvendo
estilos de vida e doenças crônicas são pautadas no mesmo discurso. Nesse senti-
do, o sedentarismo, considerado como a falta, ausência ou diminuição de ativi-
dades físicas, vem sendo considerado uma epidemia e se mostra como fator de
risco para várias doenças (diabetes, hipertensão, aumento do colesterol, obesida-
de etc.), tendo os estilos de vida fisicamente ativos tornado recomendações estra-
tégicas nas políticas públicas de saúde (FERREIRA; CASTIEL; CARDOSO, 2012).

Em uma sociedade medicalizada, o sedentarismo passar a ser olhado


como doença e a atividade física por sua vez é vendida como remédio, sendo
visto a partir de uma ótica estritamente biológica, desconsiderando todo contexto
sociocultural que determina e condiciona a prática ou não de atividade física e as
consequências decorrentes dela. A referência à atividade física como remédio é
de fato anunciada em diferentes espaços e meios de comunicação, tanto científi-
cos quanto os destinados à grande massa (OBERG, 2007; FERREIRA; CASTIEL;
CARDOSO, 2012).

Dessa forma, o sedentarismo e a prática de atividade física (bem como a


maioria das estratégias comportamentais para controle das doenças crônicas) po-
dem ser encarados como dispositivo do processo de medicalização da vida, pois
se mostram como uma estratégia de controle dos corpos, sendo utilizados para
combate de comportamentos socialmente indesejáveis, controlando e medicando
a vida das pessoas e coletividades. Ampliando ainda mais a discussão, a prática
de atividade física é indicada para além de uma condição de saúde, mas também
para fins estéticos, com intuito de alcançar um padrão de beleza perfeito ideal,
construído socialmente, em que o corpo magro é desejável e o corpo gordo ou
obeso deve ser evitado.

A imposição pela beleza é tamanha que quando não se consegue atingir


de forma individual, através da mudança de comportamentos, como atividade
25
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

física e dietas, se torna possível recorrer a procedimentos cirúrgicos. Esse recurso


evidencia ainda mais o processo de medicalização dos corpos, pois se utiliza de
toda estrutura médica, como exames, anestesias, alta tecnologia, entre outros (RI-
BEIRO, 2003; FIGUEIREDO, 2009).

De maneira geral, vemos como o processo da medicalização age na vida


das pessoas e coletividades por meio de condutas moralizantes que as responsa-
bilizam e culpabilizam por seu estado de saúde e doença. Nesse contexto, vários
aspectos da vida tendem a ser medicalizados e transformados em riscos e patolo-
gias que requerem diagnósticos e tratamentos com interesses diretos do mercado.

DICAS

Sugestão de documentário: TAKE YOUR PILLS.

O documentário apresenta alguns pontos trabalhados neste tópico, como a medicalização


social e a medicamentalização e aborda alguns temas atuais que foram discutimos como
o TDAH por exemplo.

Disponível no YouTube através do link: https://www.youtube.com/watch?v=fL8QpKQo_Ww

FIGURA 2 – CAPA DO DOCUMENTÁRIO TAKE YOUR PILLS

FONTE: <http://escambau.org/wp-content/uploads/2018/11/d398efac5b73ea51f5720e279995e
7d670d01117-800x445.jpg>. Acesso em: 22 maio 2020.

26
TÓPICO 2 | ENTENDENDO A MEDICALIZAÇÃO E A ÉTICA

3 ÉTICA E BIOÉTICA
Os conceitos de ética e bioética não possuem a mesma definição e foram
concebidos por diversificados autores. Os processos de conceituações de ética e
bioética ocorreram em momentos históricos distintos, conforme será ilustrado
a seguir.

3.1 O QUE É ÉTICA?


A ética se situa no campo da filosofia e é responsável por refletir sobre a
moral, recebendo também, por isso, o nome de filosofia moral. Da mesma manei-
ra que há dimensões da filosofia que discutem acerca da ciência, política, religião,
arte e direito, a reflexão filosófica também se ocupa da moralidade, sendo nome-
ada de ética (CORTINA, 2003).

Mas qual a diferença entre ética e moral? Podemos definir suas distinções
no fato de que, enquanto a moral faz parte da vida cotidiana das sociedades e de
suas populações, não sendo objeto da filosofia, a ética se define por ser um saber
filosófico. Além disso, enquanto a moral possui “sobrenomes”, os quais derivam
da vida social, como moral cristã, moral socialista, entre outras, a ética possui
sobrenomes filosóficos, como ética aristotélica, ética kantiana e assim por diante.
Assim, podemos pensar a moral de “moral vivida”, e a ética de “moral pensada”,
isso porque ela se circunscreve nesses dois níveis diferentes de reflexão: o cotidia-
no e o filosófico (ARANGUREN, 1994).

Na realidade, as palavras ética e moral significam praticamente a mesma


coisa: caráter, costumes, referindo-se a um tipo de conhecimento que nos orienta
no sentido da formação de um bom caráter, sendo capaz de nos permitir viver de
uma forma compatível com a nossa humanidade, em resumo, que nos permita
ser felizes e justos. Podemos assumir que para a ética a dimensão da integridade
humana é fundamental, uma vez que é possível ser um profissional experiente e
tecnicamente preparado, sendo vitorioso na vida social e, ao mesmo tempo, dei-
xar a desejar como ser humano. E é nesse sentido que salientamos o papel da ética
e da moral, sendo capazes de contribuir para a formação e atuação dos indivídu-
os por uma sociedade mais igual e humanamente íntegra e justa. Assim, a autora,
nos chama atenção para esse processo de humanização da humanidade diante
da realidade social a qual estamos inseridos, a partir de um imperativo ético,
articulado em três momentos: tornar-se responsável pela realidade, sustentá-la e
encarregar-se dela, para que ela seja como deve ser (CORTINA, 2003).

Podemos compreender ética como o estudo geral do que é bom ou mau,


correto ou incorreto, justo ou injusto, adequado ou inadequado, sendo esta re-
flexão sobre a ação humana caracterizada como ética. Assim, transpondo para o
campo da saúde, identificamos com frequência as situações que geram problemas
éticos, uma vez que se trata de um cenário formado por circunstâncias conflitu-
osas relacionadas ao paciente e sua família, ao controle e regulamentação profis-
sional, à organização do trabalho e a outros aspectos relacionados a essa prática.
27
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

As questões éticas, oriundas de atividades dos profissionais de saúde, po-


dem incluir a dificuldade para manter a privacidade nos atendimentos, recusa
dos usuários às indicações terapêuticas, dificuldades para delimitar as responsa-
bilidades de cada profissional, desafios na preservação da privacidade do usuá-
rio, devido à estrutura física dos serviços de saúde, questões sobre informação,
privacidade e confidencialidade, pesquisas em humanos, transplantes de órgãos,
espiritualidade, dentre milhares de outras situações presentes nos diferentes ní-
veis de atenção à saúde. Por isso, como são acontecimentos do cotidiano e muitas
vezes não possuem respostas prontas e protocolares acerca dos questionamentos,
é preciso constantemente refletir acerca das atitudes éticas no exercício da profis-
são, assim como alinhados aos valores e princípios institucionais e sociais.

3.2 O QUE É BIOÉTICA?


O termo bioética refere-se aos problemas éticos oriundos das descobertas
e das aplicações das ciências biológicas. Sua definição ainda é considerada muito
nova e múltiplos acontecimentos contribuíram para o seu surgimento. A produ-
ção da área reconhece simbolicamente como um marco histórico importante, a
obra Bioética: uma Ponte para o Futuro, de Van Resselaer Potter, publicada em 1971.
Preocupado com as questões ecológicas do planeta e a democratização do co-
nhecimento científico, Potter foi um canceriologista estadunidense que se tornou
referência fundamental para a história da bioética.

Apesar de haver problematizações quanto ao berço da bioética, Potter ain-


da é considerado o responsável por sua definição. Em sua obra anteriormente
citada, afirmava que a bioética deveria ser uma disciplina capaz de acompanhar
o desenvolvimento científico e tecnológico (a biologia e seus derivados, basica-
mente, para ele), a partir de uma vigilância ética que supunha poder estar isenta
de interesses morais. Para isso, a proposta do autor se baseava na democratização
permanente do conhecimento científico como única forma de difundir o zeloso
olhar da ética. Desta forma, a bioética nasce a partir das premissas relevantes, as
quais se baseiam na ideia de que a constituição de uma ética aplicada às situações
de vida seria o caminho para a sobrevivência da espécie humana (POTTER, 1971).

Além disso, no centro da discussão estava o fato de que para esta sobre-
vivência não seria necessário um conhecimento rigoroso da técnica, mas respeito
e consideração aos valores humanos. Para o autor, o termo bioética enfatiza dois
aspectos relevantes para alcançar a prudência necessária: o conhecimento bioló-
gico associado aos valores humanos (POTTER, 1971). Assim, a associação entre
biologia (em seu sentido amplo, como bem-estar dos seres humanos, animais não
humanos e meio ambiente) e ética representa a essência da bioética na atualidade
(DINIZ; GUILHEM, 2002).

Para além da contribuição de Potter, cabe salientarmos os acontecimen-


tos políticos, econômicos, sociais e tecnológicos que estavam ocorrendo nos anos
1960 que impulsionaram a bioética. Dentre eles, podemos destacar um desen-

28
TÓPICO 2 | ENTENDENDO A MEDICALIZAÇÃO E A ÉTICA

volvimento tecnológico que inspirou alguns dilemas morais quanto à prática


biomédica, ou seja, envolvendo os diferentes exercícios profissionais na área da
saúde dos seres humanos; assim como essa década ficou marcada pelas lutas por
direitos civis e sociais, como os movimentos feministas, movimento negro, entre
outros grupos que lutavam por igualdade, promovendo debates acerca da ética.

Esse cenário foi fundamental para provocar debates sobre respeito às di-
ferenças, acesso como direito e pluralidade ética e moral. Paralelamente ao pro-
tagonismo dos grupos houve críticas a instituições já tradicionais e mudanças
aos padrões morais da época, como a configuração familiar, crenças religiosas
e outras estruturas enraizadas socialmente. Por isso, considerando a crise moral
dos anos 1960 e 1970, sobretudo no contexto estadunidense, é que o surgimento
da bioética pode ser concebido como a principal resposta no campo ético a essas
grandes modificações.

Ainda nesse período, outros acontecimentos contribuíram para a relevân-


cia da disciplina, como as denúncias envolvendo seres humanos nas pesquisas
científicas e as atrocidades cometidas nos campos de concentração da Segunda
Guerra Mundial por pesquisadores, assim como o fortalecimento de outras pro-
fissões na área da saúde, requerendo olhares e debates em múltiplas perspectivas
(DINIZ; GUILHEM, 2002).

Com o passar do tempo, a bioética assumiu contribuições em sua defini-


ção e ampliou a quantidade de autores que vêm produzindo nesta área, surgindo
assim diferentes bioéticas, as quais contribuem para um olhar problematizador e
reflexivo. Entretanto, para que possamos aproximar as discussões bioéticas com
a realidade a qual estamos inseridos e com os objetos que nos propomos desen-
volver, abordaremos mais detalhadamente aqui a bioética do cotidiano, a qual
propõe um olhar reflexivo e crítico da realidade prática, vivida diariamente.

Para tanto, Berlinguer (1993) nos convoca a pensar a bioética pelas len-
tes da vida cotidiana, em que o fundamental é atentarmos para os problemas
éticos oriundos de situações que envolvem milhares de pessoas, que poderiam
ser evitados na atual conjuntura da humanidade, sendo injustos e moralmente
reprováveis (VERDI, 2013). Isso significa considerar na discussão atual que as
ciências da vida estimulam uma reflexão teórica mais ampla e provocam dilemas
mais dilacerantes.

Assim, a bioética da vida cotidiana refere-se aos comportamentos e às


ideias de cada indivíduo, o aumento das profissões ligadas à pesquisa científica,
o aborto, a utilização de descobertas biomédicas e aos códigos morais dos deveres
profissionais, as desigualdades sociais que colocam milhares de pessoas em risco.
Enquanto os dilemas éticos das situações limites se debruçam sobre a eutanásia,
a bioética da vida cotidiana reflete sobre as questões práticas das milhões de mor-
tes prematuras oriundas da falta de tratamento ou acesso a serviços de saúde e
bens de consumo, desta forma, pretende-se compreender valores e princípios que
embasam as reflexões humanas (BERLINGUER, 1993).

29
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

Para melhor enxergarmos ao que se detém a bioética cotidiana, aborda-


remos aqui duas dimensões relevantes para a área da saúde: 1) A bioética e as
políticas públicas como forma de respostas às desigualdades sociais e econômicas
causadoras de iniquidades em nossa sociedade e 2) A bioética aplicada ao dever
do exercício profissional em saúde.

• A bioética e as políticas públicas como forma de respostas às desigualdades


sociais e econômicas causadoras de iniquidades em nossa sociedade

Ao falarmos em políticas de saúde no Brasil, atualmente, é importante


lembrarmos que nos referimos à política de saúde como política social, a qual
foi construída durante muitos anos. Nesta perspectiva, partimos do pressuposto
de que a saúde é um dos direitos inerentes à condição de cidadania e, portanto,
um dever do Estado. Dessa forma, podemos entender que uma política pública
visa melhorar as condições sanitárias de uma população, uma vez que envolve
escolhas e decisões de cunho político, mas que carregam no seu bojo elementos
éticos fundamentais.

Por isso, é importante lembrar que, no que tange às políticas públicas de


saúde, podemos apontar princípios e valores importantes, a começar pelo direito
à saúde, a questão da equidade, a universalidade, a solidariedade, a dignidade na
atenção à saúde, entre outros. E é nesse contexto que podemos situar a bioética
cotidiana como uma lente fundamental para olhar e pensar nas políticas públicas
frente às desigualdades sociais do contexto brasileiro, uma vez que é capaz de
abarcar referenciais éticos e valorativos da vida social como a dignidade, a soli-
dariedade, a justiça e a igualdade (VERDI, 2013).

Neste sentido, podemos citar como a capacidade das Políticas Públicas


de Saúde diante dos valores e princípios da bioética, as seguintes possibilidades:

a) Construção e difusão de valores cívicos: quando uma política de saúde se ba-


seia no fortalecimento da esfera pública, da ampliação da consciência de direi-
tos sociais, de relações sociais de solidariedade.
b) Definição de referenciais culturais que afetam o padrão das relações sociais bá-
sicas: quando uma Política de Saúde muda a fronteira entre o normal e o pato-
lógico, por exemplo, como no caso da Reforma Psiquiátrica, ou quando afirmar
e valoriza determinadas diferenças étnicas e de gênero em políticas setoriais,
que acabam impactando as relações sociais como no caso da população negra
e LGBTQ.
c) Estabelecimento da fronteira limítrofe entre o espaço público e o privado, o espaço
da intervenção do Estado: quando uma política amplia os limites de intervenção
do Estado, por exemplo, se consideramos o conceito ampliado de saúde como di-
reito de cidadania, o que requer a ação do Estado para sua garantia.
d) Fixação de critérios valorativos de distribuição de recursos coletivos: quando
a exigência de decisão de prioridades na política de saúde não se fundamenta
somente em critérios de custo/efetividade, devido a sua complexidade, neces-
sitando assim pautar-se em princípios éticos.

30
TÓPICO 2 | ENTENDENDO A MEDICALIZAÇÃO E A ÉTICA

e) Construção de ideais estéticos: quando uma política de saúde valoriza e incen-


tiva determinados estilos de vida como saudáveis, como é o caso da Política
Nacional de Promoção da Saúde.

• A bioética aplicada ao dever do exercício profissional em saúde

A contemporaneidade tem sido marcada por conflitos gerados pela acele-


rada evolução tecnológica e científica no campo biomédico e das comunicações.
Além disso, a saúde humana tem sofrido os graves efeitos da globalização, da
hegemonia do capital neoliberal, e das questões sanitárias e ambientais locais e
mundiais. Ao mesmo tempo, identifica-se o aumento da afirmação dos direitos
individuais, em especial das mulheres e crianças, e, no campo da saúde, o surgi-
mento da figura do paciente como sujeito moral, não mais subordinado à autori-
dade ou paternalismo do médico (BERLINGUER, 1996).

Na área da saúde, os desafios correspondem tanto ao micro quanto ao


macro cenário, uma vez que abrange desde as distorções relacionadas à falta de
acesso das populações mais pobres — dos benefícios do desenvolvimento cien-
tífico e tecnológico aos bens de consumo básicos indispensáveis para uma vida
digna — quanto aos aspectos mais restritos da ética profissional relacionadas aos
papéis ocupacionais específicos.

Para tanto, o que se coloca como desafio geral é: Como a bioética permeia
o fazer cotidiano dos profissionais da saúde? Como podemos utilizá-la enquanto
uma ferramenta fundamental no cuidado?

Para que possamos apontar alguns fatores relacionais a essas indagações,


é fundamental reconhecermos que profissionais agem também de acordo com a
consciência individual, correspondente à relativização moral ou corporativista, os
quais podem ter origem no processo de formação e, posteriormente, serem maxi-
mizados por meio das trocas profissionais no cotidiano da prática do cuidado em
saúde, assim como demais fatores também podem influenciar, como valores reli-
giosos, culturais e demais aspectos expressos na mídia (SOARES; SHIMIZU; GAR-
RAFA, 2017). Podemos citar a adoção de estilos saudáveis pelos usuários, os quais
vão ao encontro da promoção da saúde e visam interferir o processo saúde-doença
da coletividade. Entretanto, essas ações podem causar confrontos entre os interes-
ses, entre as liberdades individuais e o bem-estar ou a segurança da coletividade.
Por exemplo, acompanhar um usuário fumante, que não se reconhece sem o hábito
do tabagismo e alega estar consciente de seus atos diante de sua saúde.

Da mesma forma, podemos destacar casos de usuários que optam por não
realizar certo procedimento ou tratamento devido a sua religião, filosofia ou esti-
lo de vida. Assim, o profissional de saúde, a partir das suas práxis profissionais,
sugere a adoção de hábitos capazes de proteger a saúde do usuário, entretanto,
considerando o conceito da autonomia, é necessário que sejam aceitas todas as
escolhas individuais, mesmo aquelas que consideradas prejudiciais pela equipe
de saúde. Diante desses desafios éticos/bioéticos podem surgir embates entre os

31
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

interesses individuais e os coletivos, entre a liberdade individual e a segurança


da coletividade.

Dessa forma, Testa (1992) nos apresenta uma visão mais ampliada de prá-
tica profissional, a qual implica considerar tanto a ciência como as profissões,
além do campo das formalidades legais, no âmago histórico de Estado como con-
tinente global das práticas sociais. Portanto, assumimos aqui a defesa de que a
ética profissional dos trabalhadores de saúde cumpra duas funções: a concreta/
específica, resultado da formação específica e de trabalho concreto, e outra abs-
trata, social e independente de formação científica, a qual resulta do seu trabalho
abstrato, identificada com a mais-valia, e que se dá como consequência das con-
dições sociais ofertadas pelo Estado acerca dessa prática (SOARES; SHIMIZU;
GARRAFA, 2017).

Como exemplo dessas visões, podemos citar o acolhimento enquanto es-


tratégia de atenção à saúde na Atenção Básica do SUS, a partir de uma demanda
espontânea. O que fazer quando um usuário busca atendimento em um turno
onde a agenda profissional já extrapolou o limite de atendimento? Não o atender
poderia estar de acordo com as normas legais e morais da unidade, consideran-
do que a quantidade pactuada de consultas já havia sido completa, entretanto,
atender ao usuário, considerando suas necessidades e, principalmente, suas con-
dições de acesso, configuram uma conduta ética e contextualizada da equipe ou
do profissional de saúde.

Por isso, concluímos que a aplicação da ética no cotidiano do cuidado em


saúde, tanto no âmbito das Políticas Públicas, quanto do exercício profissional —
no mundo atual, complexo e plural — circunscreve-se fundamentalmente a partir
da aceitação do outro, de acordo com o contexto cultural, político e econômico,
considerando assim seus desejos, sentidos e possibilidades. Estamos falando de
uma reconfiguração conceitual e prática situados em um conjunto de virtudes
que englobam justiça, solidariedade, responsabilidade e autenticidade, visando
igualdade política e iguais oportunidades econômicas, culturais e sociais. A bio-
ética nos oferece ferramentas capazes de refletir acerca da prática profissional a
partir de caminhos transdisciplinares e plurais, priorizando assim os princípios
de justiça e equidade no mundo da vida e da produção de saúde.

3.3 ÉTICA DO CUIDADO


A noção de cuidado assume ao longo da história da humanidade
diversas concepções e, a partir disso, a mitologia, a filosofia e a psicologia têm
trabalhado no desenvolvimento de uma noção da ética do cuidado. Por isso, tais
compreensões revelam que não há uma ideia universal de cuidado, e sim, um
conjunto de noções que dialogam a partir de narrativas, sentimentos e temas que,
consequentemente, implicam em distintas definições para a ética do cuidado. De
maneira geral, podemos definir cuidado como tudo aquilo que contribui para
promover, desenvolver e fomentar a boa saúde, impactando o modo de viver das
pessoas e dos grupos nos quais estão inseridas (ZOBOLI, 2007).
32
TÓPICO 2 | ENTENDENDO A MEDICALIZAÇÃO E A ÉTICA

Para Waldow (1999), o cuidado se materializa por meio de comportamen-


tos e ações que envolvem conhecimentos, valores, habilidades e atitudes capazes
de favorecer as potencialidades das pessoas para manter ou melhorar suas condi-
ções no processo de viver e morrer. A autora afirma ainda que o cuidado consiste
em uma maneira de viver, de ser, de se expressar, tratando-se de uma postura
ética e estética frente ao mundo.

Ao estendermos essa discussão para a área da saúde, o termo cuidado


também assume diversas concepções. Dentre elas, concebe-se a noção de aten-
ção biológica, entendida a partir de suas circunstâncias e resultados fisiológicos.
Outra compreensão de cuidado o considera como ação terapêutica, caracterizado
pelo momento no qual a pessoa percebe suas necessidades e demanda algum
tipo de cuidado do profissional de saúde que responde por meio de ações orien-
tadas e técnicas. Além dessas, uma outra visão de cuidado se baseia no modo de
agir diante dos conhecimentos e habilidades profissionais, a partir do vínculo,
da empatia e da aproximação com o outro e é exatamente nessa perspectiva que
situamos a compreensão do cuidado enquanto proposta ética. O cuidado, então,
deixa de representar apenas um dos elementos da atenção em saúde, passa a ser
princípios e valores no seu fazer cotidiano nos serviços de saúde (ZOBOLI, 2007).

Nessa perspectiva, o cuidado tomado como proposta ética não se limita a


um ato isolado, mas à maneira como a pessoa estrutura e estabelece suas relações
consigo mesma, com os outros e com o mundo. Trata-se de uma atitude de ocu-
pação, preocupação, responsabilização e vinculação com o outro, que possibilita
a sensibilidade a partir do reconhecimento da realidade do outro por meio das
suas singularidades e diferenças. Assim, tornar a ética do cuidado norteadora das
práticas em saúde significa considerar o cuidado como modo de ser essencial,
constantemente presente e assumi-lo como central na prática cotidiana dos pro-
fissionais e serviços de saúde, tornando-o eixo norteador.

Por isso, é fundamental considerarmos a ética do cuidado como eixo norte-


ador das práticas na área da saúde, concebendo-a como uma atitude determinan-
te das ações que têm como finalidade fomentar a existência saudável individual
e coletiva. Considerando que a forma de agir profissional, a partir da dimensão
ética do cuidado, não está escrita em nenhum lugar, o desafio está exatamente na
intersecção entre as habilidades técnicas e instrumentais e a dimensão do víncu-
lo, da empatia e da singularidade do outro. Na prática, isso nos chama a atenção
para a organização do processo de trabalho, o qual necessita ser estruturado a
partir das diretrizes da ética do cuidado baseada na compreensão da realidade do
outro, levando em consideração suas potencialidades, limitações, singularidades
e, sobretudo, do que é possível e desejado no contexto no qual ele está inserido.

3.4 CUIDADO, AUTOCUIDADO E CUIDADO DE SI


Neste subtópico, estudaremos as definições de cuidado, autocuidado e
cuidado de si, conceitos estes que estão presentes no cotidiano do fazer saúde e

33
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

possuem definições diferentes, sendo muitas vezes e equivocadamente utilizados


como sinônimos. Desta forma, propomos aqui dar luz a suas definições, assim
como apresentar suas bases teóricas, aproximações e afastamentos enquanto de-
finição.

Como vimos, o cuidado também assume diversas concepções — especial-


mente em pressupostos e fundamentos filosóficos — as quais variam de acordo
com o tempo e lugar e são capazes de influenciar as práticas dos profissionais,
assim como as formas de intervenção na saúde individual e coletiva.

Trataremos aqui de uma abordagem referente ao cuidado, a qual consi-


dera tanto a dimensão filosófica quanto atitudes práticas relacionadas ao sentido
que as ações de saúde adquirem nas diversas situações em que se necessita uma
ação terapêutica. Isso implica em uma interação entre dois ou mais sujeitos em
busca do alívio de um sofrimento ou o alcance de um bem-estar, mediada por
saberes específicos em busca desta finalidade (AYRES, 2004).

Ayres (2004) nos auxilia a pensar o cuidado utilizando elementos e au-


tores a partir de um plano de conceituação ontológico-existencial, localizando
a discussão a contar de algumas bases, as quais não iremos adensar, entretanto,
as citaremos para que possam situar a nossa discussão acerca do cuidado em
saúde. Para tanto, este diálogo entre o plano filosófico e o plano aplicado são in-
fluenciados pelas seguintes bases: movimento, interação, identidade/alteridade,
plasticidade, projeto, desejo, temporalidade, não causalidade e responsabilidade.
Estes são elementos que estão presentes na discussão do cuidado, sobretudo, no
que tange às práticas de saúde, sendo relevantes para pensarmos nas construções
conceituais de autocuidado e cuidado de si.

Podemos definir autocuidado como sendo vinculado à saúde humana e


exercido por meio de atividades desempenhadas pelos indivíduos de forma de-
liberada em seu próprio benefício com o propósito de manter a vida, a saúde e
o bem-estar. Além disso, aborda o desejo humano de saber, de buscar a verdade
e de fazer o bem a si mesmo e aos demais. Por refletir acerca dessas questões, o
autocuidado possui uma dimensão ética, mesmo que esteja fortemente vinculado
aos aspectos do viver saudável (BUB et al., 2006).

Assim, entende-se autocuidado como a capacidade de os seres humanos


distinguirem-se dos outros seres vivos por sua capacidade de refletir sobre si
mesmos e sobre o ambiente no qual estão inseridos, além disso, de utilizar cria-
ções simbólicas no pensamento, na comunicação para realizar atividades que são
benéficas para si mesmos e para todos que os cercam, a fim de regular o próprio
funcionamento integrado e bem-estar (BUB et al., 2006).

Na perspectiva prática, essas ações são voluntárias, intencionais e são re-


sultantes da tomada de decisões dos indivíduos. É relevante considerarmos que
tais ações são afetadas por variados fatores, tais como: idade, sexo, concepções
de saúde e doença, orientação sociocultural, questões de gênero e relações étni-

34
TÓPICO 2 | ENTENDENDO A MEDICALIZAÇÃO E A ÉTICA

co-raciais, aspectos organizativos dos serviços de saúde, estilos de vida, fatores


ambientais, adequação e disponibilidade de recursos, entre outros. Dessa forma,
podemos associá-lo ao conceito amplo de saúde, em que implica o estado integral
de bem-estar, incluindo o corpo, as reações emocionais e o contexto social.

Por se tratar da forma pela qual uma pessoa manifesta sua existência, seu
processo de vir a ser, podemos apontar a centralidade da educação em saúde
como estratégia de promoção do autocuidado. Assim, a equipe de saúde pode
assumir ações que sejam capazes de construir — junto ao usuário — práticas de
autocuidado que garantam sua saúde e sua segurança. É importante considerar
as condições existentes para essas práticas, assim como a responsabilidade e o
conforto do indivíduo para realizá-las. Essas ações podem ser vistas nos dife-
rentes níveis de atenção à saúde, entretanto, são frequentemente encontradas na
Atenção Básica, a qual possui suas diretrizes e princípios baseados no vínculo
entre profissional de saúde e usuário.

O conceito de cuidado de si trata-se de uma noção foucaultiana e tem


sido frequentemente utilizada no campo da saúde e das ciências humanas e so-
ciais. Sua aplicação está diretamente atravessada por dois conceitos centrais na
obra do autor, o de biopoder e o de biopolítica. Biopoder significa a estatização
da vida biológica, materializada pela apropriação das formas possíveis de viver
e de morrer pelo Estado. Dessa forma, o viver se torna um campo de controle e
de intervenções do poder estatal, gerando um esvaziamento da subjetividade e
do direito sobre o próprio corpo. Há, desta forma, a maximização da noção de
população, que nasce a partir do século XVII. Já a biopolítica tem como objetivo o
corpo múltiplo, a população, analisando-os a partir da perspectiva estatística e da
prevenção dos fenômenos em massa a longo prazo, tendo como foco o equilíbrio
e a regulamentação da população. O foco são os problemas de uma população,
os quais o Estado se depara, como as questões sanitárias, violência, mortalidade,
natalidade, morbidade, entre outros (BUB et al., 2006).

Assim, o conceito de si considera um agir de si para consigo, assumindo


a dimensão política aplicada a uma determinada forma de agir em sociedade,
uma noção ética diante da estética do viver humano. E é nessa perspectiva que
a biopolítica surge, como forma de resistência dos indivíduos aos processos de
subjetivação impostos pelo Estado. Por isso, não é possível cuidar de si sem se
conhecer. O cuidado de si é certamente o conhecimento de si, assim como se trata
do conhecimento de um certo número de regras de conduta que são, ao mesmo
tempo, verdades e prescrições. Cuidar de si é considerar essas verdades e é exata-
mente aqui que a ética se liga ao jogo da verdade (FOUCAULT, 1984a).

Por fim, concluímos que o cuidado de si significa uma prática de autofor-


mação dos sujeitos, baseada nas práticas de liberdade, as quais incidem essencial-
mente sobre as relações de poder, opondo-se a qualquer tipo de sujeição. Assim,
enquanto o cuidado de si mesmo é uma atitude ligada ao exercício da política, o
autocuidado é vinculado à saúde humana e possui também uma dimensão éti-
ca, mesmo que vinculado fortemente a um dos aspectos do viver saudável. Tais

35
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

definições não pretendem esgotar aqui a discussão, entretanto, são significativa-


mente relevantes para que possamos refletir sobre as diferentes dimensões de
cuidado que configuram as práticas no contexto da saúde.

3.5 IATROGENIA
Iatrogenia é um termo que deriva do grego e consiste na geração de um
dano físico ou psíquico causado ao usuário por um profissional de saúde. Essa
concepção vem sendo bastante desenvolvida na atualidade devido à identifica-
ção de sua relevância no contexto da saúde. Temas como segurança do pacien-
te, procedimento seguro, prevenção quaternária, redução das taxas de infecções
hospitalares, excesso de rastreamento, medicalização de fatores de risco e demais
questões relevantes têm ganhado fundamental destaque tanto no cenário da pes-
quisa, quanto da prática assistencial.

Nesta produção, optamos por desenvolver o conceito de iatrogenia a par-


tir da crítica à medicalização — e seus principais autores — realizada anterior-
mente nesta escrita. Para isso, tomaremos como base a noção de iatrogênese utili-
zada por Ivan Illich (1975), no livro Nêmesis da Medicina, que ao criticar fortemente
a medicina moderna, utiliza o termo para se referir ao processo de supervisão
médica de todos os aspectos da vida. A noção de iatrogênese — iatros (médico)
e genesis (origem) — é desenvolvida como crítica à nova epidemia de doenças
causadas pela medicina. Situação em que, paradoxalmente, o sistema médico em
vez de proteger a saúde, estava prejudicando-a e produzindo doenças.

O autor considera o comprometimento da capacidade autônoma dos ho-


mens o grande mal da medicina e elenca três níveis que, em conjunto, contribuem
para este fato: a clínica, cultural ou estrutural e social. A iatrogênese clínica é
quando os próprios cuidados causam danos, seja pela falta de segurança ou abu-
so das tecnologias médicas e de medicamentos, como os efeitos secundários não
desejados das drogas, intervenções cirúrgicas desnecessárias, traumas psicológi-
cos, negligências, incompetência, entre outros (ILLICH, 1975).

A iatrogênese cultural ou estrutural se trata da perda do poder cultural


das pessoas e das comunidades em enfrentar as enfermidades e o sofrimento, uma
vez que a medicina moderna retira do sofrimento seu significado pessoal e ínti-
mo, transformando a dor em um problema técnico. Ocorre assim a destruição do
potencial cultural das pessoas para lidarem de forma autônoma com a dor, com
a enfermidade e com a morte, causando a regressão estrutural do nível de saúde.
Essa dimensão se materializa pelas regras criadas pela higiene, as quais minimizam
a ação autônoma individual para enfrentar a precariedade da vida, assim como as
regras impostas por profissionais terapeutas ao ditarem as formas corretas de vi-
ver, comer, dormir, se relacionar, se divertir, sofrer e morrer (ILLICH, 1975).

Por último, a iatrogênese social é o efeito social danoso do impacto social


da medicina, mais abrangente do que o caso da iatrogênese clínica, cuja ação é
individual. Corresponde à crescente dependência das prescrições da medicina
pela população. Assim, mais do que de lesões orgânicas ou distúrbios funcionais,

36
TÓPICO 2 | ENTENDENDO A MEDICALIZAÇÃO E A ÉTICA

é a relação de dependência que caracteriza o maior dano provocado pela prolife-


ração dos profissionais de saúde e da ideologia médica. Dessa forma, a saúde en-
quanto responsabilidade individual passa a ser vista como o “papel do doente”,
o qual compreende a passividade do indivíduo e a dependência da autoridade
médica (ILLICH, 1975).

A reflexão atual sobre iatrogenia — potencializada a partir dos conceitos


apresentados pelo autor — tem ganhado espaço com a iatrogenia clínica, tor-
nando-se recentemente a terceira maior causa de morte nos Estados Unidos da
América (STARFIELD, 2000). Concebida pelos danos causados pela intervenção
médica no indivíduo e melhor identificada pelos saberes e métodos científicos,
seu potencial danoso em grande escala ganhou espaço no meio acadêmico e so-
cial (NORMAN; TESSER, 2009).

Por essa razão, baseando-se na ética do cuidado, muito se tem feito para
a criação e implementação de estratégias institucionais práticas a fim minimizar
e/ou erradicar a iatrogenia clínica, dada a sua importância para o cuidado à saú-
de. Sem pretender esgotar as situações e práticas que podem causar iatrogenia,
abordaremos três situações típicas: excesso de rastreamentos, excesso de solicita-
ção de exames complementares e abusos na medicalização de fatores de risco, si-
tuações estas detalhadamente desenvolvidas em estudos anteriores (NORMAN;
TESSER, 2009).

O excesso de rastreamento é a realização de testes ou exames diagnósti-


cos em pessoas assintomáticas, com o objetivo de diagnóstico precoce (prevenção
secundária) ou de identificação e controle de riscos, visando à redução da mor-
bidade e/ou mortalidade da doença, agravo ou risco. O excesso é identificado
naqueles casos em que o usuário que não possui quadro clínico compatível é
exposto à grande quantidade de exames e testes. Nessa situação é um imperativo
ético ter a certeza de que os benefícios de qualquer intervenção são maiores do
que os riscos.

O excesso de exames complementares é resultado da tendência profissio-


nal de solicitar mais exames complementares do que o necessário, ação que tem
sérios e previsíveis efeitos colaterais. É fácil entender que a prática profissional
daí derivada desembocará numa avalanche de exames complementares, muitos
deles pedidos desnecessariamente, que poderão acarretar mais prejuízos que be-
nefícios, como falsos positivos, achados casuais, situações limítrofes, desvios do
raciocínio clínico etc.

Medicalização de fatores de risco é termo que se refere a características


(fatores) que estão associadas positivamente ao risco de desenvolvimento de do-
ença. Na atualidade, fatores de risco — como o caso da hipertensão arterial — são
considerados “doenças”. O fator de risco não é necessário nem suficiente para
que se apresente a enfermidade, mas simplesmente algo que se associa estatisti-
camente à doença, e que de acordo com a capacidade de evitá-la, diminui a pos-
sibilidade de frequência da doença, no entanto não a exclui. Dessa forma, há uma
inversão nos objetivos, uma vez que há maximização dos danos desnecessários,
diários e extraordinários, previsíveis e imprevisíveis.

37
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

As situações descritas são apenas alguns exemplos de iatrogenia que


ocorrem com facilidade nos serviços de saúde e exigem análise crítica das práti-
cas profissionais. Assim como é fundamental estabelecermos a crítica acerca dos
fatores que influenciam sua ocorrência como o acelerado crescimento da indús-
tria farmacêutica, aumento significativo do mercado de cirurgias desnecessárias,
entre diversos outros fatores.

Assim, destacamos a importância da prática clínica se basear no conheci-


mento científico sólido, bem como estar atenta e comprometida em evitar abusos
diante das situações já identificadas ou que possuem algum risco de iatrogenia.
Uma das estratégias potentes nesse sentido é a aposta na relação profissional-
-usuário baseada na autonomia, nas habilidades de comunicação, flexibilidade,
independência e resolubilidade. Trata-se de um compromisso ético com os pa-
cientes e com a profissão que se exerce.

DICAS

Dicas de leitura:

• CARDOSO, R. V. Prevenção quaternária: um olhar sobre a medicalização na prática


dos médicos de família. Ver. Bras. Med. Fam. Comunidade, v. 10, n. 35, p. 1-10, 2015.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc10(35)1117. Acesso em: 16 abr. 2020.
• TESSER, C. D. Medicalização social (II): limites biomédicos e propostas para a clínica
na atenção básica. Interface, Botucatu, [on-line], v. 10, n. 20, p. 347-362, 2006.

Dicas de filmes:
Mar adentro (2004. Direção: Alejandro Cobaias (1997). Direção: Joseph Sargent.
Amenábar.

FONTE: <https://bit.ly/3fOtpbO>. Acesso FONTE: <https://bit.ly/37SWXCt>. Acesso


em: 22 maio 2020. em: 22 maio 2020.

Dicas para auxiliar a refletir sobre a autoatividade do Tópico 2:

• GOMES, S. C. et al. Rebirth of childbirth: reflections on medicalization of the Brazilian


obstetric care. Rev. Bras. Enferm. Brasília, v. 71, n. 5, p. 2594-2598, 2018.
• SILVA, F. et al. Parto ideal: medicalização e construção de uma roteirização da
assistência ao parto hospitalar no Brasil em meados do século XX. Saúde soc., São
Paulo, v. 28, n. 3, p. 171-184, set. 2019.

38
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

● A medicalização é o processo de extrapolação dos limites da medicina e de


fenômenos que faziam parte de outros campos, como a educação, as leis, a
religião entre outros, passando ao longo do tempo a ser objetos de preocupação
médica e que assume um alcance social na contemporaneidade. Contexto
este que resultou na incorporação de normas biomédicas na vida comum,
fazendo com que as experiências singulares das pessoas se tornassem objetivo
de controle e intervenção médica, normatizando o cotidiano, o corpo e o
comportamento.

● A medicalização da vida é uma dimensão desse amplo processo de medicali-


zação social, retratado pela apropriação da medicina por situações normais da
vida das pessoas que refletem em seus comportamentos, costumes e demais
aspectos que configuram a maneira em que vivem. Exemplos de sua aplicação
são os eventos de nascimento, morte, adolescência, menopausa, envelhecimen-
to, sexualidade, entre outros hábitos da vida que passam a ser explicados, nor-
matizados e alvo de intervenção a partir de parâmetros biomédicos.

● As práticas medicalizadas são entendidas como aquelas diferentes práticas de


saúde que reproduzem o modelo hegemônico, se tornando assim medicalizadas.
Por isso, podem ser identificadas como um processo da medicalização que age
na vida das pessoas e coletividades por meio de condutas moralizantes que
as responsabilizam e culpabilizam por seu estado de saúde e doença. Nesse
sentido, vários aspectos da vida tendem a ser medicalizados e transformados
em riscos e patologias que requerem diagnósticos e tratamentos com interesses
diretos do mercado, como o caso da prática de exercício físico/sedentarismo,
dentre outras diversas situações.

● A ética é definida como uma disciplina na qual o campo da filosofia se


ocupa, sendo responsável por refletir sobre a moral. Sua definição requer
que a dimensão da integridade humana seja fundamental. Assim, podemos
compreender ética como o estudo geral do que é bom ou mau, correto ou
incorreto, justo ou injusto, adequado ou inadequado. Nesse sentido, o papel da
ética e da moral é capaz de contribuir para a formação e atuação dos indivíduos
por uma sociedade mais igual e humanamente íntegra e justa.

● Bioética é o termo que se refere aos problemas éticos oriundos das descobertas
e das aplicações das ciências biológicas, que visa dar respostas aos desafios
de maneira mais justa e correta. Para demonstrar algumas possibilidades
de sua aplicação, abordamos as políticas públicas como forma de respostas
às desigualdades sociais e econômicas causadoras de iniquidades em nossa
sociedade; e bioética aplicada ao dever do exercício profissional em saúde.

39
● Ética do cuidado é quando o cuidado é pensado a partir de uma proposta
ética, a qual não se limita a um ato isolado, mas sim à maneira como a pessoa
estrutura e estabelece suas relações consigo mesma, com os outros e com o
mundo, sendo identificada como uma atitude de ocupação, preocupação,
responsabilização e vinculação com o outro. Trata-se de uma abordagem que
possibilita a sensibilidade a partir do reconhecimento da realidade do outro
por meio das suas singularidades e diferenças.

● Cuidado, autocuidado e cuidado de si são termos diferentes em suas


construções teóricas, históricas e práticas. Assim, cuidado é apresentado como
a interação entre dois ou mais sujeitos em busca do alívio de um sofrimento
ou o alcance de um bem-estar, mediada por saberes específicos em busca desta
finalidade; autocuidado é vinculado à saúde humana e exercido por meio
de atividades desempenhadas pelos indivíduos de forma deliberada em seu
próprio benefício com o propósito de manter a vida, a saúde e o bem-estar; e
cuidado de si é como uma noção foucaultiana, cuja aplicação está diretamente
atravessada pelos conceitos de biopoder e o de biopolítica, identificado como
um agir de si para consigo, assumindo a dimensão política.

● Iatrogenia é o termo utilizado para definir a ocorrência de danos físicos ou


psíquicos causados ao usuário por um profissional de saúde. Atualmente,
ocupa um local central na área da saúde devido à identificação de sua relevância
em evitar situações e práticas que podem causar danos. Para apresentá-la a
partir de situações do cotidiano, abordamos três situações típicas: excesso de
rastreamentos, excesso de solicitação de exames complementares e abusos na
medicalização de fatores de risco. Consideramos que evitá-la no cotidiano do
cuidado em saúde é um compromisso ético com os pacientes e com a profissão
que se exerce.

40
AUTOATIVIDADE

1 Leia a seguinte contextualização acerca do relatório da OMS acerca dos


partos cesáreos no mundo:

Sônia é enfermeira da Unidade de Obstetrícia do Hospital Nossa


Senhora das Graças há 24 anos. Neste período, acompanhou inúmeros
partos e orgulha-se de afirmar que auxiliou muitos bebês a virem ao
mundo. Entretanto, Sônia percebeu que os partos normais não ocorrem
com frequência nos dias atuais, conforme aconteciam no passado. A
partir disso, comentou com sua equipe sobre o aumento significativo
dos partos cesáreos nos últimos anos, fazendo a seguinte pergunta:
“Pessoal, será que parto natural é coisa do passado?”. A reunião da
equipe de Gestão e Planejamento do hospital constatou a observação de
Sônia, ao analisar a série histórica dos últimos 15 anos, que apontou o
aumento de 45% dos partos cesáreos no hospital, apresentando ainda o
impacto para a saúde e recuperação da mãe e do bebê.

No que se refere a esta questão, a Organização Mundial da


Saúde (OMS) publicou a Declaração sobre as Taxas de Cesáreas,
chamando atenção para o abuso das intervenções cesarianas na
atualidade. O documento é oportuno e pertinente para o Brasil, que está
entre os países que apresentam as taxas mais elevadas de cesarianas
em escala mundial. Desde 1985, a comunidade médica internacional
considera que a taxa ideal de cesárea seria entre 10% e 15%. Porém as
cesáreas vêm se tornando cada vez mais frequentes tanto nos países
desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento. Quando realizadas
por motivos médicos, as cesarianas podem reduzir a mortalidade e
morbidade materna e perinatal. Porém não existem evidências de
que fazer cesáreas em mulheres tragam benefícios para ela ou para os
bebês quando não se necessita dessa cirurgia. Assim como qualquer
cirurgia, uma cesárea acarreta riscos imediatos e a longo prazo. Esses
riscos podem se estender muitos anos depois de o parto ter ocorrido e
afetar a saúde da mulher e do seu filho, podendo também comprometer
futuras gestações. Esses riscos são maiores em mulheres com acesso
limitado a cuidados obstétricos adequados. Nos últimos anos, governos
e profissionais de saúde têm manifestado crescente preocupação com o
aumento no número de partos cesáreos e suas possíveis consequências
negativas sobre a saúde materna e infantil (OMS, 2018).

Considerando as observações empíricas de Sônia, a apresentação da equipe


de Gestão e Planejamento do hospital, seguidas das informações apresentadas
pelo relatório da OMS acerca dos partos cesáreos no mundo, reflita e responda
às questões a seguir:
41
a) Ao analisarmos o aumento significativo das taxas de partos cesáreos no
mundo é possível afirmar que se trata de um processo de medicalização e/
ou medicalização da vida? Por quê?

b) Quais os fatores econômicos e sociais que podem interferir em mudanças


drásticas na forma de nascer em uma população? Explique.

c) Do ponto de vista ético e bioético, quais elementos poderíamos lançar mão


para refletir sobre o aumento das taxas de cesárea?

d) A partir do conceito de cuidado de si, quais reflexões podemos estabelecer


diante da situação de uma mulher ser induzida pela equipe de saúde a
realizar cesárea em vez de parto normal?

e) O aumento da taxa de cesárea no mundo inteiro pode contribuir para o


aumento dos casos de iatrogenia? Por quê?

42
UNIDADE 1
TÓPICO 3

COMPREENDENDO O BIOPODER, A BIOPOLÍTICA


E A NECROPOLÍTICA

1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, abordaremos o conceito de biopoder, biopolítica e necro-
política, apresentando o contexto histórico e social que inspirou seu surgimento,
assim como seus principais autores e implicações no contexto contemporâneo.
Por isso, neste tópico, você deverá refletir sobre os temas mencionados, que estão
divididos em três subtítulos com o objetivo de apresentar detalhadamente cada
conceito, facilitando a aprendizagem.

O objetivo é que esses conceitos nos permitam analisar os espaços que


estamos inseridos, da perspectiva micro à macro — por meio de subsídios, arte-
fatos e intersecções que reflitam sobre as relações de poder estabelecidas e seus
reflexos na forma de tocar a vida das pessoas. Assim, por meio do biopoder, pro-
curamos apresentar de que maneira as práticas contemporâneas — através de di-
versas técnicas de regulação e de poder sobre os corpos individuais (perspectiva
biológica) — configuram um cenário de corpos assujeitados, visando à ampliação
da vida pelas instituições disciplinares.

A produção deste subtópico tem como foco demonstrar a capilaridade


do poder como aspecto fundamental nos conceitos de biopoder, biopolítica e
necropolítica. Assim como biopoder, a biopolítica é um conceito foucaultiano e
evidencia a vigilância e a intervenção do Estado na vida das pessoas, processos
reconhecidos como estatização do biológico, tornando-se central para este con-
ceito a noção de população. Além disso, esse controle ocorre por meio da identi-
ficação, prevenção e tratamento de doenças que possam impactar a organização
econômica e social das populações.

A partir da noção de biopoder e biopolítica, nasce a concepção de ne-


cropolítica desenvolvida pelo filósofo Achille Mbembe. A necropolítica propõe
reflexões críticas sobre novos e outros acoplamentos de saber-poder e diagramas
de força, nos oferecendo um potencial epistemológico, analítico e metodológico
para refletir acerca do cenário atual, sobretudo, a partir da lente das desigualda-
des raciais.

Assim, neste subtópico, você deverá refletir sobre como ocorre a aplicação
prática dessas concepções, quais aspectos que as influenciam e, além disso, que
formatos vão assumindo ao longo do tempo. Refletir, sobretudo, diante da ma-

43
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

neira como os cenários contemporâneos, formados por instituições capitalistas e


relações de poder que configuram a modernidade, impactam a vida e morte das
populações.

2 O QUE É BIOPODER?
Pensar no conceito de biopoder é pensar em um grande filósofo que
trouxe importantes contribuições no âmbito das teorias sociais: Michel Foucault,
que se dedicou a estudar as relações de poder na sociedade que é onde se insere
nossa discussão.

Vale salientar também que essa temática se relaciona com o que já
estudamos anteriormente, quando discutimos a medicalização social, visto que a
medicalização para Foucault está relacionada diretamente a essa noção de poder.

É importante entender que o poder sempre esteve presente na história da
humanidade e sua grande característica se dá por sua invisibilidade. Entretanto,
essa característica não afeta sua ação sobre a vida humana, podendo assim ser
‘personificado’ por diversas formas de dominação (leis, autoridade, capital) que
são executadas na sociedade, estando cada vez mais presentes nas diferentes
formas no corpo social. Assim, o poder pode ser considerado uma forma de
dominação, uma característica única do Estado, que vem de maneira vertical e
que é aceito de forma passiva.

Poder, nos pensamentos de Michel Foucault, não significa algo que
alguém ou alguma entidade possui e outros não, mas está presente a partir de
uma série de relações de forças multilaterais, que se alastra de forma capilarizada
e que se propaga por meio de uma rede social que envolve instituições como a
família, escola, hospital, prisões etc. As relações de saber possuem centralidade
para refletirmos acerca do poder, necessitando assim de conhecimentos para
que seja possível exercê-lo. Para Foucault, o poder não se dá de maneira dual
(um sobre o outro), não tem um centro, mas se alastra de maneira microfísica,
além disso, o filósofo também coloca o poder como um instrumento que é capaz
de provocar comportamentos, indo muito além do imaginável, permeando os
corpos e os transformando completamente (FURTADO; CAMILO, 2016).

O biopoder surge a partir dessas reflexões levantadas pelo filósofo, que se


configura pelo modo como ele passa a entender e explicar as práticas ocidentais
modernas que têm função de normatizar e regular a vida humana. Em algumas
de suas obras, como no curso Em defesa da sociedade, ministrado em 1976, e História
da sexualidade: a vontade do saber (1976), Foucault aborda o biopoder e sua forma
no Ocidente que passa a regular a vida, analisando essa transformação a partir do
século XVII. Nesse sentido, acontece um deslocamento onde não se tem mais um
poder sobre a morte, como no caso do poder soberano, que poderia decidir entre
matar ou deixar viver, a nova organização do poder que surge a partir do século
XVII passa a produzir e maximizar a vida de alguns e deixa outros morrerem

44
TÓPICO 3 | COMPREENDENDO O BIOPODER, A BIOPOLÍTICA E A NECROPOLÍTICA

(FOUCAULT, 1976). Por isso, como marco fundamental do seu surgimento, é o


deslocamento do ‘fazer morrer e deixar viver’ para o ‘fazer viver e deixar morrer’.

Assim, o biopoder opera visando ampliar e melhorar a vida continuamente,


porém, a morte não deixa de ser um artefato e se transforma, não mais com fins
de proteção ao soberano, mas a morte de uns (deixar morrer) passa a significar
a existência de todos. Essa transformação do poder está diretamente ligada às
desigualdades. Furtado e Camilo (2016, p. 37 apud FOUCAULT, 1999, p. 306)
apontam que “a morte causada não deve ser entendida apenas como uma
aniquilação física, mas também uma morte da raça ruim, da raça inferior, é o
que vai deixar a vida em geral mais sadia e mais pura”, o modelo do biopoder
então, permite a morte de um ‘outro’ para gerir e proteger a vida em sociedade,
fazendo uma divisão entre vida e morte em termos biológicos, tendo o racismo
como critério para distinção, racismo este que passa a ser institucionalizado nas
práticas e no próprio Estado – apesar de não ser o foco neste tópico, essa discussão
se articula diretamente com as desigualdades sociais.

NOTA

Foucault utiliza o nazismo para exemplificar o dispositivo do biopoder, onde o


extermínio dos judeus e outros povos foi justificado por uma necessidade de ‘purificar’ a
população alemã, por ser considerada superior. Assim, Barp e Mitjavila (2019, p. 144) apontam
que “o racismo é o que autoriza, o direito soberano de matar na contemporaneidade”.

Retomando, após ser deslocado do soberano (fazer morrer e deixar


viver) para o Estado contemporâneo (fazer viver e deixar morrer), Foucault
(1999) aponta que o biopoder passa a se expressar de duas formas articuladas
com um intuito de controle da vida, uma delas se caracteriza pelo poder sobre
o corpo individual (anatomopolítica do corpo humano) que tem como objeto de
intervenção o corpo, com o intuito de adestrá-lo para extrair suas forças e depois
ampliá-las, pois corpos adestrados, obedientes e medicalizados são mais úteis.

A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de


utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obe-
diência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por
um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumen-
tar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar
disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a exploração eco-
nômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coer-
ção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão
aumentada e uma dominação acentuada (FOUCAULT, 2002, p. 119).

As relações de poder incitadas nessa perspectiva criam realidades, práti-


cas e discursos que induzem os indivíduos à adoção de certos modos de pensar,

45
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

de se comportar e de viver, essa relação de poder se dá por meio da disciplina,


dispositivo presente especialmente nas instituições como a família, escola, fábri-
cas, entre outros (FOUCAULT, 2002), as quais produzem corpos assujeitados e
controlados, pois reproduzem esse sistema e suas relações, através de técnicas,
regulamentos e normas para controle e dominação, por intermédio de uma vigi-
lância hierárquica e normalizadora que é imprescindível para esse processo de
docilização do corpo (BRIGIDO, 2016).

Foucault (2002) utiliza o exemplo do panóptico de Jeremy Benthan para


exemplificar a potência e importância da vigilância e do controle nesse processo
de dominação do corpo enquanto indivíduo. O panóptico, de maneira geral e
simplificada, se traduz por um princípio arquitetônico onde um único vigilante
consegue vigiar todas as celas e os prisioneiros, sendo fundamental para que os
observados tenham consciência de que estão sendo observados.

A partir dessa analogia, Foucault descreve as instituições ocidentais como


instituições disciplinares, uma vez que é por meio do biopoder que as pessoas
vão interiorizando as normas e passam a exercer uma autovigilância. Essa forma
de disciplina produz um sujeito adestrado, o poder da disciplina vai se apro-
priando aos poucos do indivíduo até que tem seu controle por completo.

A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica de um


poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como
instrumentos de seu exercício. Não é um poder triunfante que a
partir de seu próprio excesso, pode-se fiar em seu superpoderio; é um
poder modesto desconfiado, que funciona a modo de uma economia
calculada, mas permanente. [...] O sucesso do poder disciplinar se
deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico,
a sanção normatizadora e sua combinação com um procedimento que
lhe é específico, o exame (FOUCAULT, 2002, p. 153).

Como já mencionado anteriormente, para Foucault, conhecimento, saber


e poder estão relacionados, tendo o poder como um produtor de saber. Antes
de seguir com essa discussão, é importante salientar que o poder não deve ser
visto como algo negativo, descrevendo seus efeitos sempre como algo repressivo,
pois se sua ação fosse somente através da violência, repressão, discriminação
etc., seus efeitos não seriam eficazes. Contudo, o poder induz ao prazer, produz
saber e forma discursos, ele opera o real e os rituais de verdade, ele produz o
conhecimento (FOUCAULT, 1979; KRAEMER et al., 2014).

Portanto, o discurso ‘verdadeiro’ e que opera na sociedade é aquele que
possui o conhecimento, e na sociedade contemporânea, a ciência é posta como
verdade, que produz efeitos do poder, definindo normas, comportamentos
adequados e afetando diretamente a vida das pessoas, pois a partir delas são
“julgadas, classificadas e destinadas a certo modo de viver e morrer” (KRAEMER
et al., 2014, p. 1346).

Foucault (2002) aponta o biopoder como um elemento indispensável


e como um fator impulsionador para o desenvolvimento do capitalismo, pois

46
TÓPICO 3 | COMPREENDENDO O BIOPODER, A BIOPOLÍTICA E A NECROPOLÍTICA

através dele se assegurou que os corpos fossem controlados e inseridos no aparato


produtivo e para isso fenômenos da população também deveriam ser controlados
para que se ajustassem aos processos econômicos.

Portanto, se estabelece o outro polo do biopoder que se articula à primeira


com o intuito de circular a norma, esta segunda tecnologia do poder vai se
configurando ao longo do século XVIII, e se preocupa com o corpo como espécie,
o corpo biológico (biopolítica da população), massificando os indivíduos por
meio de sua realidade biológica, regulando deste modo processos vitais como as
taxas de natalidade, epidemias, migrações, longevidade, entre outros que serão
discutidas de maneira mais detalhada no subtópico a seguir.

3 BIOPOLÍTICA
Biopolítica é um conceito foucaultiano, que surge predominantemente
para responder à seguinte questão: De que forma o poder pode regular a própria
vida dos indivíduos? Para que possamos adentrar no conceito de biopolítica, pri-
meiramente é necessário entendermos o que é poder para Foucault.

Poder, para Foucault (1979), conforme vimos no subtópico anterior, não


pode ser visto como um processo global e centralizado de dominação que se exer-
ceria em diversos setores da vida, mas funcionando como uma rede de dispo-
sitivos ou mecanismos que permeiam toda a sociedade, afetando assim tudo e
todos. Além disso, o poder não pode ser caracterizado fundamentalmente como
repressivo, representativo apenas da negação; é preciso salientar seu aspecto po-
sitivo, caracterizado pelo lado que o faz tornar-se ideológico e aceito coletivamen-
te, capazes de configurar a formação de individualidades e de rituais de verdade.

A partir do século XVIII, o Ocidente foi cenário de uma profunda trans-


formação nos mecanismos de poder, sobretudo, o poder de soberania, que se
caracteriza pelo direito de causar a morte ou de deixar viver. Cenário este que foi
substituído por um poder que gera a vida e a faz se ordenar em função de suas
reclamações. Assim, o século XVIII marca o processo de entrada da vida na his-
tória, isto é, o momento em que ocorre a entrada dos fenômenos próprios à vida
humana na ordem do saber e nos atos do poder. Dessa forma, os mecanismos de
poder tentam controlar e modificar os processos relacionados à vida humana e,
justamente pelo fato de se encarregar da vida, mais do que a ameaça da morte,
que o poder passa a apropriar-se dos processos biológicos (FOUCAULT, 1979).

Com isso, a instauração da norma que tem como tarefa principal a ga-
rantia da vida, passa a ser uma das consequências práticas desse poder, o qual
sempre será dependente de mecanismos contínuos, reguladores e corretivos. A
norma é aplicável tanto a um corpo que se deseja disciplinar (âmbito individual)
como a uma população que se deseja regulamentar (âmbito coletivo). Assim, a
sociedade de normalização é uma sociedade onde se faz presente a norma disci-
plinar e a norma da regulamentação e foi exatamente esta sociedade que conse-

47
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

guiu dar conta de toda essa superfície que vai do orgânico ao biológico, do corpo
à população, a partir dessas duas tecnologias: a disciplinar e a regulamentadora
(FOUCAULT, 1979).

A partir dessas definições, foi em uma palestra ocorrida no Rio de Janei-


ro, intitulada O Nascimento da Medicina Social, que surgiu pela primeira vez no
pensamento de Foucault a noção de biopolítica. Contudo, foi apenas mais tarde
com as demais publicações do autor e com os cursos ministrados no Collège de
France, que Foucault dá a importância e a amplitude que esse conceito merece,
mais precisamente com a obra Nascimento da Biopolítica, em 1979. É a partir dessa
obra que o autor dá uma nova guinada em suas pesquisas, momento este que o
objetivo passa a ser analisar as novas formas de controle biopolítico, segundo
o eixo das economias de mercado, influenciado pelo neoliberalismo econômico
(DANNER, 2010).

Dessa forma, a biopolítica vai se ocupar dos processos biológicos relacio-


nados ao homem por meio da regulamentação. Para compreender e conhecer me-
lhor esse corpo, é preciso não apenas descrevê-lo e quantificá-lo — em termos de
nascimento e de mortes, de morbidade, de longevidade, de migração, de crimina-
lidade etc. —, mas também vigiar, controlar e planejar a partir de tais descrições
e quantidades. Assim, essas informações passam a ser registradas, combinadas e
comparadas para que preveniam o futuro por meio dos fatos ocorridos no passa-
do (DANNER, 2010).

Mas por que tais estratégias se tratam de biopolítica? É possível afirmar-


mos que configura uma biopolítica porque os novos objetos de saber, criados “a
serviço” do novo poder, ocupam-se de controlar a própria espécie, fazendo com
que a população seja o novo conceito construído para dar conta da dimensão
coletiva, a qual anteriormente não havia sido uma problemática no campo dos
saberes. Assim, a população assume a centralidade do campo do saber e se torna
esse “novo corpo: corpo múltiplo, corpo com inúmeras cabeças, se não infinito
pelo menos necessariamente numerável” (FOUCAULT, 1999, p. 292).

Para que esse novo corpo seja necessariamente numerável e assuma um


caráter aplicável enquanto novo saber, há a produção de múltiplos saberes, como
a Estatística, a Demografia e a Medicina Sanitária. Para Foucault, o principal mar-
co da modernidade biológica de uma sociedade é estabelecido no momento em
que a espécie humana está submetida às estratégias políticas de um Estado (FOU-
CAULT, 1976).

Em síntese, a biopolítica caracterizada no século XVIII, como uma for-


ma de racionalizar os problemas de uma população pelo poder governamental,
foi influenciada pelo neoliberalismo econômico do pós-guerra, permitindo assim
que o homem passasse a ser compreendido como agente estimulado pelas di-
versas exigências do mercado, buscando de fato respondê-las. Por essas razões,
a biopolítica está associada às diversas formas de controle dos indivíduos e das
populações a partir das configurações modernas de economias de mercado, vi-

48
TÓPICO 3 | COMPREENDENDO O BIOPODER, A BIOPOLÍTICA E A NECROPOLÍTICA

gorando a lógica de “governar para o mercado, em vez de governar por causa do


mercado” (FOUCAULT, 2008, p. 164).

Por fim, Foucault (2008) afirma que a constituição do Estado moderno


se baseia na modelagem do indivíduo e de gestão da coletividade a partir dos
seguintes procedimentos institucionais: desenvolvimento das novas relações de
produção capitalistas, instauração da anatomopolítica disciplinar e biopolítica
normativa. Podemos afirmar que tanto o biopoder como a biopolítica estatizaram
o biológico, enfatizando que a morte deve ser evitada, por meio de cuidados com
o corpo e condutas de proteção.

Quando projetamos tais concepções para a atualidade, identificamos di-


versas situações em que a biopolítica se faz presente, como o controle de ende-
mias e epidemias, as condutas indicadas para a gravidez, as indicações para se ter
uma vida saudável a partir da prática de exercícios físicos e dietas, dentre tantas
outras ações que impactam a forma como a sociedade se organiza e vive. Esses
discursos de vigilância, controle e condução passam a moldar existência das pes-
soas, fazendo com que se governem a si mesmas, controlando suas práticas e
hábitos para se distanciar do adoecimento e da morte.

4 NECROPOLÍTICA
Assim como biopoder e biopolítica são conceitos foucaultianos, a necro-
política é um conceito consideravelmente atual desenvolvido por Achille Mbem-
be, filósofo negro, historiador, teórico político e professor universitário camaro-
nense. Em 2003, o autor escreveu um ensaio questionando os limites da soberania
quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer, baseando-se nas
concepções de biopoder e biopolítica anteriormente desenvolvidos.

Mas por que é fundamental se apropriar dos conceitos de biopoder e biopo-


lítica para compreender o que é necropolítica? Essa resposta está associada à forma
como o poder passa então a ser entendido a partir de sua dimensão e mecanismos
microcapilares, e não mais a partir de grandes teorias, na perspectiva macro. Dessa
forma, baseadas nas reflexões foucaultianas, as análises sobre as relações de poder
foram se deslocando, permitindo assim reflexões férteis acerca dos processos con-
temporâneos diante das diferentes relações de saber-poder (LIMA, 2018).

A noção de necropolítica assume então a ideia de um acoplamento en-


tre os diagramas de poder: soberania-disciplina-biopoder-biopolítica — os quais
configuram-se diante dos desafios atuais para refletir acerca da emergência e
fragmentação microcapilares das relações e mecanismos de poder, sobretudo nos
contextos sociais onde os elementos de colonialidade são predominantes. Para
Lima (2018), nesses contextos, em vez da vida configurar um lugar onde as redes
de poder encontraram territórios privilegiados, o que prevaleceu historicamente
foi a morte e a possibilidade do matável como organizador das relações sociais.

49
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

Dessa forma, a necropolítica é apresentada como um diagrama atual de


poder-disciplina-biopoder, pulverizado de maneira microcapilar, sobretudo em
contextos sociais advindos dos processos de colonização, ou seja, aqueles subme-
tidos historicamente às relações de poder e dependência com outros países. Além
disso, busca produzir reflexões críticas sobre outros e novos acoplamentos de
saber-poder e diagramas de força, consolidando-se assim em um território epis-
têmico e metodológico que contribui para as reflexões acerca dos processos atuais
nos contextos brasileiro, latino-americanos e caribenhos. Esses países carregam,
reiteram e atualizam elementos da colonialidade, sobretudo, aspectos do proces-
so escravocrata e do sistema de plantação, as quais estão fortemente presentes
nas relações sociorraciais (MBEMBE, 2017).

Baseando-se nas ideias de Foucault (1999), ao afirmar que a luta de raças


e luta de classes se tornam, no final do século XIX, os dois grandes esquemas
que embasam o fenômeno da guerra e as relações de força na sociedade políti-
ca, a necropolítica se interessa pelo tema das raças, do racismo de Estado e da
guerra das raças. E é a partir desse contexto que se torna fundamental abordar
o cenário brasileiro a partir das lentes da necropolítica, marcada pela opressão,
violência, genocídio e racismo. Situação essa que revela um Brasil responsável
pela alarmante realidade do genocídio da população negra, principalmente dos
jovens negros. Por isso, as questões raciais assumem centralidade na discussão na
necropolítica, porque “em larga medida o racismo é o motor do princípio necro-
político” (MBEMBE, 2017, p. 65).

Nesse sentido, Mbembe (2017) afirma que nenhuma revisão histórica do


crescimento do terror na modernidade poderá omitir a escravatura, identificada
como um primeiro cenário de experiência biopolítica. De acordo com múltiplos
aspectos, a estrutura do sistema de plantações e de suas consequências demons-
tra a postura emblemática e paradoxal do Estado de Exceção, afirmando assim
que a raça foi desde o princípio até os dias atuais definidora da zona de exceção,
a qual possui efeitos que modelam as práticas discursivas despertando os traços
de colonialidade, situação esta capaz de colocar em suspensão o que realmente
significa democracia, sobretudo em contextos que se constituíram sob o mito da
democracia racial (MBEMBE, 2017).

Identificar quem se situa e quais elementos que desde sempre configuram


para uma exceção é perceber que as nações que passaram pelo processo de colo-
nização representaram os locais em que “a soberania consiste fundamentalmente
no exercício de um poder à margem da lei em que a ‘paz’ tende a assumir o rosto
de uma guerra sem fim” (MBEMBE, 2018, p. 33). Define aqui, a guerra que é con-
duzida e legitimada pelo Estado, onde o direito soberano de matar não se subme-
te a qualquer regra nas colônias, mas sim, autorizando-o que mate a qualquer um
ou de qualquer maneira, afinal, “a guerra colonial não está sujeita a normas legais
e institucionais” (MBEMBE, 2018, p. 36).

Processos estes que configuraram tanto territórios quanto práticas políti-


cas e sociais, sobretudo onde se localizam as populações negras e pobres. Na atu-
alidade, as guerras assumiram novos formatos e se repetem microcapilarmente

50
TÓPICO 3 | COMPREENDENDO O BIOPODER, A BIOPOLÍTICA E A NECROPOLÍTICA

em diferentes cenários brasileiros, por exemplo, em forma de políticas de segu-


rança pública que visam combater a violência e, para isso, adotam condutas de
extermínio da população negra (BORGES, 2019).

A fim de demonstrar mais enfaticamente esse cenário, destacamos os da-


dos apresentados pelo Atlas da Violência 2018 publicado pelo Instituto de Pesqui-
sas Econômica Aplicada (IPEA). A pesquisa revela que o número de homicídios
em 2016 foi de 65.517. Considerando o recorte racial, a taxa de homicídios da
população negra é de 40,2% e a de não negros é de 16,0%, ou seja, a taxa de homi-
cídios de negros representa 2,5 vezes a de não negros (BRASIL, 2018). Tal cenário
nos revela o genocídio da população negra no contexto necropolítico brasileiro.

No Brasil, podemos visualizar o poder necropolítico em diversas situações,


como na população em situação de rua, no sistema carcerário, nos apartheids ur-
banos, no genocídio da população negra que predominantemente é jovem e mas-
culina, nos hospitais psiquiátricos, nas filas das defensorias públicas, entre tantos
outros lugares que revelam as desigualdades sociais deste país. Entretanto, para
Lima (2018), a perspectiva necropolítica transcende as fronteiras dos países que
sofreram processos de colonização e assume uma relevância analítica na agenda
mundial, baseada em um devir negro do mundo, o que significa identificar que a
precarização da vida não inclui apenas as populações negras, mas também os não
negros empobrecidos e cada vez mais precarizados.

Ressaltamos também as desigualdades de gênero como um contexto em


que o poder necropolítico está fortemente presente. Ao analisarmos situações de
mulheres vivendo com HIV/AIDS, identificamos que muitas relataram ter sido ví-
timas de tentativas de homicídio pelos companheiros, além de inúmeras situações
de violência, em que o fato de serem portadoras de HIV/AIDS foi um agravante.
A necropolítica presente nas relações de gênero, baseada na desigualdade social,
constitui o ponto final dessa política letal na qual alguns corpos são vulneráveis à
exclusão, à instrumentalização e à morte. Por essas razões, a necropolítica também
está alicerçada em sistemas de estratificação que geram biopoder a partir da noção
de soberania, na capacidade de definir quem importa e quem não importa, deci-
dindo assim quais vidas são descartáveis e quais são preservadas (CECCON, 2016).

A partir disso, para exemplificar os diferentes contextos onde a necro-


política se faz presente, a agudização da epidemia de AIDS em mulheres é uma
forma de feminicídio resultante da necropolítica de gênero, em uma sociedade
que há uma instrumentalização generalizada sobre corpos femininos disponibili-
zados no mercado do sexo, despidos de direitos e marcados pela violência sexual
e pela prostituição forçada. A necropolítica de gênero leva a um regime de terror
e morte para ambos os sexos. Para as mulheres, o feminicídio é a pena capital que
cumpre a função de subjugá-las e, como expressão direta da necropolítica de gê-
nero, tem o objetivo de obrigá-las a aceitar as regras e o status masculino. Nesse
sentido, é possível afirmar que sua ocorrência está ligada a contextos de exceção
e autoritarismo, em que a vida perde valor, rompendo com a ordem democrática,
gerando conflitos e instabilidade política (CECCON, 2016).

51
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

Por fim, a partir das noções foucaultianas de biopoder e biopolitica, a


necropolítica se apresenta como um conceito que permite alargar tais reflexões,
considerando que o poder é exercido tanto no nível da vida quanto no nível da
morte, configurando-se assim como possibilidade de matar. Assim, a necropolí-
tica nos oferece um deslocamento conceitual-metodológico capaz de identificar
transformações contemporâneas nos diagramas de poder, tornando possíveis as
reflexões acerca do que se entende como vida e morte.

Além disso, utilizar as lentes da necropolítica para refletir acerca das re-
lações sociais, das formas como as pessoas vivem e seus impactos na educação,
saúde, segurança pública, seguridade social e tantos outros aspectos e meca-
nismos que envolvam a relação entre Estado e sociedade, torna-se um exercício
fundamental de cidadania e enfrentamento dos desafios na atualidade. Trata-se
de atitudes capazes de produzir a vida, derrubar as hierarquias instituídas por
aqueles que se acostumaram a vencer utilizando a “violência absoluta”. Trata-se
de cuidar, e se possível, curar aqueles e aquelas que o poder machucou, violou ou
torturou ou, simplesmente, enlouqueceu.

DICAS

Sugestões de leitura:

• AGAMBEN, G. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. 2. ed.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. (Homo Sacer – Il Potere Sovrano e la nuda vita).
• AGAMBEN, G. Estado de exceção. Trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004
(Stato di Eccezione).
• ALMEIDA, S. L. de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
• AMBRÓZIO, A.; VASCONCELOS, P. A. C. Biopoder e cuidado de si no pensamento de
Michel Foucault. Revista Margens Interdisplinares, Belém, v. 6, n. 7, p. 135-150, 2010.
• FURTADO, M.; SZAPIRO, A. Promoção da saúde e seu alcance biopolítico: o discurso
sanitário da sociedade contemporânea. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 21, n. 4, p.
811-821, 2012.

52
TÓPICO 3 | COMPREENDENDO O BIOPODER, A BIOPOLÍTICA E A NECROPOLÍTICA

LEITURA COMPLEMENTAR

Biopolítica nos tempos do coronavírus

Daniele Lorenzini

"Ao invés de nos preocuparmos sobre o aumento dos  mecanismos


de vigilância  e controle indiscriminado  sob um  novo “estado de exceção”,
tenho a tendência, portanto, de me preocupar com o fato de já sermos sujeitos
biopolíticos  dóceis e obedientes. O poder biopolítico não é (apenas) exercido
em nossas vidas do “exterior”, por assim dizer, mas faz parte do que somos, de
nossa forma histórica de subjetividade, no mínimo, pelos últimos dois séculos",
escreve  Daniele Lorenzini,  professor adjunto de Filosofia na Universidade
de Warwik, diretor adjunto do Centro de Pesquisa em Filosofia Europeia Pós-
Kantiana e coeditor do Foucault Studies, em artigo publicado por Critical Inquiry,
02-04-2020. A tradução é de Thiago Fortes Ribas.
 
Eis o artigo.
 
Em uma publicação recente em blog, Joshua Clover nota acertadamente
a rápida emergência de uma nova coleção de “gêneros da quarentena”. Não
deveria surpreender que um desses gêneros esteja focado na noção de biopolítica
de Michel Foucault, perguntando-se se ela seria ou não seria ainda apropriada
para descrever a situação que estamos atualmente experienciando. Também
não deveria surpreender que, em quase todas as contribuições que se utilizam
do conceito de  biopolítica  para pensar a atual pandemia de coronavírus, o
mesmo grupo de ideias bastante vagas é mencionado repetidas vezes, enquanto
outras inspirações foucaultianas — sem dúvida mais interessantes — tendem a
ser ignoradas. Na continuação do texto, discuto duas destas inspirações, e concluo
com algumas observações metodológicas sobre a questão do que pode significar
“responder” à “crise” corrente.
 
A “Chantagem” da Biopolítica
 
O primeiro ponto que gostaria de defender é que a noção de biopolítica de
Foucault, tal como ele a desenvolveu em 1976, não tinha o objetivo de nos mos-
trar o quanto é má esta forma "moderna" de poder. Claro, não tinha, tampouco,
o objetivo de louvá-la. Me parece que, ao cunhar a  noção de  biopolítica,  Fou-
cault quer, primeira e principalmente, nos chamar a atenção para passagem his-
tórica de um limite e, mais especificamente, do que ele chama de “seuil de moder-
nité biologique” (limiar de modernidade biológica) da sociedade. Nossa sociedade
ultrapassou esse limiar quando os processos biológicos que caracterizam a vida
dos seres humanos como espécie se tornaram uma questão crucial para a tomada
de decisões políticas, um novo “problema” a ser tratado pelos governos — e isso,
não apenas em circunstâncias “excepcionais” (como a de uma epidemia), mas
também em circunstâncias “normais”. Uma preocupação permanente que defi-
ne o que Foucault também chama de "étatisation du biologique" (a “estatização do

53
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

biológico"). Para permanecer fiel à ideia de Foucault de que o poder não é bom
ou ruim em si mesmo, mas que ele é sempre perigoso (se aceito cegamente, ou
seja, sem nunca questioná-lo), pode-se dizer que essa “mudança de paradigma”
no modo como somos governados, com seus resultados tanto positivos e quanto
horríveis, corresponde, sem dúvida, a uma extensão perigosa do domínio de in-
tervenção dos mecanismos de poder. Não somos mais governados apenas, nem
mesmo primariamente, como sujeitos políticos da lei, mas também como seres
vivos que, coletivamente, formam uma massa global - uma “população” - com
uma taxa de natalidade, uma taxa de mortalidade, uma taxa de morbidade, uma
expectativa média de vida, etc.

Em “O que são as Luzes?” Foucault argumenta querer recusar a “‘chanta-


gem’ do Iluminismo” - ou seja, a ideia de que devemos ser “a favor” ou “contra”
— para abordá-lo, diferentemente, como um evento histórico que ainda caracteriza,
pelo menos até certa extensão, o que somos hoje. Gostaria de sugerir, de maneira aná-
loga, que seria sensato de nossa parte recusarmos a “chantagem” da biopolítica: não
precisamos ser “a favor” ou “contra” ela (o que, de fato, isso significaria?), mas abor-
dá-la como um evento histórico que ainda define, pelo menos em parte, o modo pelo
qual somos governados, o modo pelo qual pensamos sobre política e sobre nós mes-
mos. Quando, nos jornais ou nas redes sociais, vejo pessoas reclamando sobre outros
não respeitarem as regras de quarentena, sempre penso que aquilo que é espantoso
para mim, ao contrário, é o fato de que tantos de nós estarmos respeitando, mesmo
quando o risco de sanções é bastante baixo, na maioria das situações. Notei também a
coleção de citações de Vigiar e Punir, em particular, retiradas do começo do capítulo
“O Panoptismo”, o qual, certamente, ressoa com perfeição a nossa experiência atual
da quarentena, pois descreve a disciplinarização de uma cidade e de seus habitan-
tes durante uma epidemia de peste. No entanto, se insistirmos apenas em medidas
coercitivas, em ficar confinados, controlados e “presos” em casa durante esses mo-
mentos extraordinários, arriscamos ignorar o fato de que o poder disciplinar e bio-
político funciona principalmente de maneira automática, invisível e perfeitamente
ordinária — e que ele é mais perigoso precisamente quando não o percebemos.

Ao invés de nos preocuparmos sobre o aumento dos mecanismos de vigi-


lância e controle indiscriminado sob um novo “estado de exceção”, tenho a ten-
dência, portanto, de me preocupar com o fato de já sermos sujeitos biopolíticos dó-
ceis e obedientes. O poder biopolítico não é (apenas) exercido em nossas vidas do
“exterior”, por assim dizer, mas faz parte do que somos, de nossa forma histórica
de subjetividade, no mínimo, pelos últimos dois séculos. É por isso que duvido
que qualquer estratégia eficaz de resistência a seus aspectos mais perigosos deveria
assumir a forma de uma recusa global, seguindo a lógica da “chantagem” da bio-
política.  Os apontamentos de  Foucault  acerca de uma “ontologia crítica de nós
mesmos” podem vir a ser surpreendentemente úteis aqui, uma vez que é a própria
estrutura do nosso ser que devemos estar prontos para questionar.
 
A (Bio)Política da Vulnerabilidade Diferencial
 
O segundo ponto que gostaria de discutir — um ponto crucial, mas que,
infelizmente, acho mencionado raramente nas contribuições que mobilizam a

54
TÓPICO 3 | COMPREENDENDO O BIOPODER, A BIOPOLÍTICA E A NECROPOLÍTICA

noção de biopolítica para abordar a atual pandemia de coronavírus — é o elo


inextrincável que  Foucault  estabelece entre  biopoder  e racismo. Em artigo re-
cente,  Judith Butler  comenta acertadamente “a rapidez com que a desigualda-
de radical, o nacionalismo e a exploração capitalista encontram maneiras de se
reproduzir e se fortalecer dentro das zonas de pandemia”. Isso é um lembrete
muito necessário em um momento em que outros pensadores, como  Jean-Luc
Nancy, argumentam o contrário, que o coronavírus “nos coloca em uma base de
igualdade, nos unindo na necessidade de tomar uma posição comum.” É claro
que, a igualdade de que Nancy está falando é apenas a igualdade entre os ricos
e os privilegiados — aqueles que têm sorte o suficiente de ter uma casa ou um
apartamento para passar a quarentena, e aqueles que não precisam trabalhar ou
podem trabalhar em casa, como Bruno Latour já havia observado. E o que dizer
daqueles que ainda são forçados a ir trabalhar todos os dias porque não podem
trabalhar em casa nem arcar com as consequências de perder seus pagamentos?
E daqueles que não têm teto sobre as suas cabeças?

Na última aula do curso “Em defesa da sociedade”, Foucault defende que


o racismo é “o meio de introduzir afinal, nesse domínio da vida de que o po-
der se incumbiu, um corte: o corte entre o que deve viver e o que deve morrer”.
Em outras palavras, com a emergência da biopolítica, o racismo torna-se o meio
de fragmentar o continuum biológico — nós todos somos seres vivos com mais
ou menos as mesmas necessidades biológicas — a fim de criar hierarquias entre
diferentes grupos humanos e, portanto, diferenças (radicais) na maneira como
eles são expostos ao risco de morte. A exposição diferencial dos seres humanos
a riscos de saúde e riscos sociais é, segundo Foucault, um traço marcante da go-
vernamentalidade biopolítica. O racismo, em todas as suas formas, é a “condição
de aceitabilidade” de uma tal exposição diferencial de vidas em uma sociedade
na qual o poder é exercido principalmente para proteger a vida biológica da po-
pulação e reforçar sua capacidade produtiva. Portanto, devemos evitar cuidado-
samente reduzir a biopolítica à famosa fórmula foucaultiana, “de fazer viver e
de deixar morrer”.

A biopolítica não consiste realmente em uma evidente oposição da vida


e da morte, mas é melhor entendida como um esforço para organizar diferen-
cialmente a área cinzenta entre elas. O atual governo de migração é um excelente
exemplo disso, como nos mostra de modo convincente Martina Tazzioli ao falar de
“biopolítica através da mobilidade”. De fato, como somos constantemente, às vezes
dolorosamente, lembrados nos dias de hoje, a biopolítica é também, e crucialmente,
uma questão de governar a mobilidade — e a imobilidade. Talvez essa experiência,
que é nova para a maioria de nós, nos ajude a perceber que o modo comum como as
“fronteiras” são mais ou menos porosas para pessoas de diferentes cores, naciona-
lidades e estratos sociais merece ser considerada como uma das principais formas
na qual o poder é exercido em nosso mundo contemporâneo.

Em suma, a biopolítica é sempre uma política de vulnerabilidade dife-


rencial. Longe de ser uma política que apaga as desigualdades sociais e raciais,
lembrando-nos do nosso pertencimento comum à mesma espécie biológica, ela
é uma política que depende estruturalmente do  estabelecimento de hierar-
quias  no valor das vidas, produzindo e multiplicando a vulnerabilidade como
meio de governar pessoas. Talvez possamos pensar sobre isso da próxima vez

55
UNIDADE 1 | SAÚDE, MEDICALIZAÇÃO, ÉTICA, BIOPODER, BIOPOLÍTICA E NECROPOLÍTICA

que aplaudirmos coletivamente os “heróis médicos” e os “profissionais de saú-


de” que estão “combatendo o coronavírus”. Eles merecem aplausos, com certeza.
Mas seriam eles realmente os únicos que estão nos “cuidando”? Será que pen-
samos nas pessoas que prestam serviços de entrega garantindo que eu receba o
que compro enquanto permaneço em segurança no meu apartamento em qua-
rentena? Pensamos nos caixas do supermercado e da farmácia, nos motoristas
de transporte público, nos trabalhadores de fábricas, nos oficiais de polícia, e em
todas as outras pessoas trabalhando (a maioria de baixa renda) em empregos que
são considerados necessários para o funcionamento da sociedade? Eles não me-
recem também – e não exclusivamente nesta circunstância “excepcional” – serem
considerados “profissionais da saúde” [“care workers”]? O vírus não nos coloca
na base da igualdade. Pelo contrário, ele revela descaradamente que nossa estru-
tura social depende da  produção incessante da vulnerabilidade diferencial e
das desigualdades sociais.
 
A Gramática Política da Crise
 
O trabalho de Foucault sobre biopolítica é mais complexo, rico e instigan-
te para nós hoje do que ele parece ser quando sob a pena daqueles que rapida-
mente o reduzem a uma série de anátemas contra o confinamento disciplinar e
a vigilância em massa ou daqueles que o utilizam erroneamente para falar sobre
o estado de exceção e a vida nua. Não quero sugerir, no entanto, que a noção de
biopolítica seja tomada como o princípio explicativo final capaz de nos dizer o
que está acontecendo e qual é a “solução” para todos os nossos problemas — e
isso, não apenas por causa do “caráter histórico diferenciado dos fenômenos bio-
políticos” enfatizado corretamente por Roberto Esposito, mas também por uma
razão metodológica mais profunda.

Nosso pensamento político é um prisioneiro da "gramática da crise" e de


sua limitada temporalidade, na medida em que respostas críticas à situação cor-
rente (ou, em todo caso, a praticamente todas as recentes “crises” econômicas,
sociais e humanitárias) não parecem capazes de olhar além do futuro mais ime-
diato. Logo, se eu concordo com Latour que a vigente “crise da saúde” deveria
“incitar a nos prepararmos para a mudança climática”, sou muito menos otimista
do que ele: isso não acontecerá a menos que substituamos a narrativa da crise por
um esforço crítico e criativo de longo prazo para encontrar respostas múltiplas e
em evolução às causas estruturais de nossas “crises”.

Elaborar respostas, no lugar de procurar por soluções, significaria evitar


estratégias de solução de problemas de curto prazo, que teriam o objetivo de mu-
dar o mínimo possível o nosso modo atual de viver, produzir, viajar, comer, etc.
Isso significaria explorar alternativas sociais e vias políticas na esperança de que
esses experimentos durem mais do que o tempo entre a atual "crise" e a próxima,
enquanto se reconhece que essas transformações são necessariamente lentas, uma
vez que não podemos simplesmente nos livrar de nossa forma histórica de ser em
um piscar de olhos. Em suma, significaria ter fé em nossa capacidade de construir
um futuro, não apenas para nós mesmos, mas para inúmeras gerações ainda por
vir. E, de fato, começar a fazê-lo.

FONTE: <https://bit.ly/2VdIpIj>. Acesso em: 22 maio 2020.

56
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

● Biopoder é um conceito foucaultiano que se refere às práticas contemporâneas


de regulação e de poder sobre os corpos individuais (anatomopolítica do corpo
humano), a partir de diversas técnicas que controlam, normatizam e tornam
os corpos dóceis e assujeitados com o intuito de ampliar e melhorar a vida
continuamente. A capilaridade do poder é uma característica fundamental
nesse conceito, pois uma vez interiorizado, o indivíduo passa a se autovigiar
a partir de comportamentos e normas ‘ideais’ que são induzidas socialmente,
principalmente pelas instituições disciplinares e pelos discursos de ‘verdade’.

● Biopolítica é um conceito foucaultiano que evidencia a estatização do biológico


baseado na vigilância, no controle, nas ordenações, intervenções que visam o
bem-estar, a produção e a proteção da população. Por essa razão, o surgimento
da noção de população é fundamental para construção da noção de biopolítica.
Para que a vigilância ocorra, as doenças devem ser identificadas, tratadas e
prevenidas, uma vez que impactam diretamente a organização social e a
economia. Dessa forma, o controle da população começa no corpo, com o
corpo e não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia. A ideia
fundamental é que corpo é uma realidade biopolítica, uma vez que foi no
biológico, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista.

● Necropolítica é um conceito que retoma as ideias de Michel Foucault a partir de


um acoplamento entre os diagramas de poder: soberania-disciplina-biopoder-
biopolítica. O conceito propõe a construção de ferramentas epistemológicas
e metodológicas que permitam ler e analisar fenômenos contemporâneos
marcados pelas opressões e violências, com ênfase nas raciais. O racismo é visto
como motor do princípio necropolítico, fazendo com que medidas violentas e
opressoras assumam uma guerra contra uma parcela da sociedade em nome
da “lei e da paz”, permitindo assim identificar historicamente a morte como
organizadora das relações sociais. Necropolítica significa um novo conceito
para nomear as antigas guerras conduzidas e legitimadas pelo Estado, tendo o
soberano o direito de matar, uma vez que os novos diagramas de poder exercidos
sob uma parcela da população não estão sujeitos a normas legais e institucionais.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

57
AUTOATIVIDADE

1 Leia o texto a seguir e responda ao que se pede:

Cotidianamente nos deparamos com cenários e contextos que


demonstram as relações de poder e que afetam diretamente a vida das
pessoas, tanto no âmbito individual quanto no coletivo.

Nesse sentido, situamos nossas reflexões em um dos modelos


de atenção à saúde reconhecido em todo mundo, a Atenção Primária à
Saúde (APS), como é chamada no contexto brasileiro dentro do Sistema
Único de Saúde. A APS vem demonstrando sua relevância no cenário da
atenção à saúde, sendo considerada a ordenadora da rede de atenção e
coordenadora do cuidado. Além disso, é responsável pelo vínculo com
usuário a partir da territorialização e se organiza a partir dos princípios
de integralidade, acessibilidade, longitudinalidade, responsabilização
do cuidado e resolubilidade.

No cenário da APS, destacamos a implantação do Programa de


Saúde da Família (PSF) — atualmente conhecido como Estratégia de
Saúde da Família (ESF) —, como responsável pela ampliação do acesso e
melhoria do cuidado integral da população no Brasil. Entretanto, como
as práticas em saúde não estão descoladas das estratégias de controle
e poder da sociedade, encontramos práticas e ações relacionadas às
concepções de biopoder, biopolítica e necropolítica.

Para que possamos refletir sobre tais conceitos na prática,


abordaremos alguns casos que ocorrem com frequência no cotidiano
da APS, embora utilizemos tais situações, não se trata aqui de uma
crítica ao trabalho dos profissionais de saúde, muito menos do modelo
de APS, muito pelo contrário. É necessário estabelecermos olhares
críticos para as práticas do cuidado, uma vez que estão situadas em
um contexto de relações constituídas pela reprodução das disciplinas
e normas interiorizadas. E é exatamente nesse cenário que a formação
pessoal e profissional ocorre, tornando o discurso científico e biomédico
hegemônico na contemporaneidade.

Discursos estes produtores de verdades científicas — efeitos do


poder — capazes de conduzir os indivíduos a partir do convencimento
racional. Desse modo, os discursos científicos são apresentados como
óbvios e como as melhores escolhas (racional), uma vez que utilizam o
argumento de cientificamente comprovados. Assim, como já discutido
anteriormente, o discurso médico passa a intervir e controlar a vida das
pessoas por meio de prescrições que atuam desde o modo ‘correto’ de
se alimentar até a sexualidade dos indivíduos.

58
De maneira geral, as recomendações nutricionais giram em
torno da quantidade adequada de nutrientes necessárias para se ter
uma alimentação saudável, visando à ‘qualidade de vida’, porém essas
recomendações são feitas com base em uma pessoa idealizada, em um
padrão legitimado socialmente, com acesso total a bens e serviços de
consumo e saúde.

No entanto, é necessário refletir sobre de que maneira as


recomendações interferem diretamente a vida das pessoas, assim como
a construção de suas subjetividades mediante as instruções e condutas
recebidas pelos profissionais. Evidente que o conhecimento científico é
fundamental para as orientações, entretanto necessitam estar de acordo
com as reais possibilidades dos indivíduos e suas condições de vida,
formas de se relacionar com os alimentos, oportunidades de organização
etc., caso contrário, as recomendações se apresentam como uma forma
de disciplinar os sujeitos.

Além disso, é importante lembrarmos que as maneiras prescritas


de viver vão além das recomendações dos profissionais de saúde.
Elas são divulgadas pelos diversos meios de comunicação, discursos
midiáticos, imagens exemplares e tantas outras formas, as quais vão
se tornando normativas universais. Tais recomendações, presentes nas
políticas públicas de promoção da saúde e de alimentação saudável,
atuam tanto sobre o corpo individual quanto produzem práticas
biopolíticas, induzindo comportamentos ideais no âmbito populacional.
No contexto da APS, esses discursos são proferidos diariamente, seja nas
consultas individuais, nos grupos de promoção à saúde e/ou prevenção
de doenças ou nas diversas campanhas realizadas, articulando-se com
os dispositivos de poder que aprendemos neste capítulo.

Agora, reflita e responda aos seguintes questionamentos:

a) Você já recebeu alguma orientação/prescrição de algum profissional de


saúde relacionadas à alimentação e nutrição? Se sim, escreva como foi sua
experiência.

c) A respeito das políticas públicas, campanhas e propagandas relacionadas à


alimentação saudável, de que maneira podemos relacioná-las com o conceito
de biopolítica?

2 Com base nas reportagens a seguir, faça uma reflexão sobre como as relações
de poder na contemporaneidade acabam decidindo os corpos que importam
e aqueles que não importam — “fazer viver e deixar morrer” — e o quanto
o conceito de necropolítica contribui para a compreensão de tais fenômenos.

59
FIGURA – REPORTAGEM VICE

FONTE: <https://bit.ly/2Z3Xnlf>. Acesso em: 15 abr. 2020.

FIGURA – MATÉRIA SOBRE SAÚDE DA MULHER NEGRA

60
FONTE: <https://bit.ly/2Z9YdNm>. Acesso em: 15 abr. 2020.

FIGURA – MATÉRIA SOBRE SAÚDE DA MULHER NEGRA 2

FONTE: <https://bit.ly/2YvPVjZ>. Acesso em: 15 abr. 2020.

a) considerando as reportagens das figuras, disserte sobre quais aspectos


se aproximam e quais se distanciam entre elas na perspectiva dos conceitos
trabalhados neste tópico: biopoder, biopolítica e necropolítica.

61
62
UNIDADE 2

INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS
HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• relatar os principais aspectos que nortearam a construção do modelo de


atenção à saúde praticado nos dias atuais;
• conhecer as mudanças que ocorreram no ensino da saúde, bem como o
perfil profissional demandado pelo cenário atual;
• assinalar conceitos disciplinares tanto do meio acadêmico quanto dos ser-
viços de atenção à saúde;
• apontar as características dos modelos assistenciais em saúde, discutindo
sistemas de saúde, redes de atenção e modelos de atenção à saúde.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O ENSINO NA ÁREA DA SAÚDE

TÓPICO 2 – MODELOS DE SABERES E PRÁTICAS

TÓPICO 3 – MODELOS ASSISTENCIAIS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

63
64
UNIDADE 2
TÓPICO 1

O ENSINO NA ÁREA DA SAÚDE

1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, diversas mudanças ocorreram no que diz respeito à
saúde em nosso país e, felizmente, muitos direitos foram conquistados para a
população brasileira. Entretanto, para que isso ocorresse, milhares de pessoas se
dispuseram a estudar e pensar melhores formas de “fazer saúde”, inúmeras lutas
foram travadas para que chegássemos à quantidade e qualidade de ações e ser-
viços de saúde que são oferecidas, hoje, tanto pelo Sistema Único de Saúde (SUS)
quanto nos hospitais, clínicas e outras instituições privadas.

Mas essas mudanças não ocorreram apenas na forma de fazer saúde, de-
pois de um tempo percebeu-se que para que a qualidade da atenção à saúde
alcançasse os níveis de melhora desejáveis era necessário que a formação dos
profissionais também sofresse uma transformação. Era necessário que os profis-
sionais de saúde desenvolvessem outras habilidades que não somente as específi-
cas de cada profissão, como por exemplo, autonomia, pró-atividade, pensamento
crítico-reflexivo e a capacidade de trabalhar em uma equipe multidisciplinar.

Passadas todas essas transformações o processo de trabalho em saúde fe-


lizmente se modificou, e o sistema de atenção à saúde que era fragmentado pas-
sou a funcionar em uma rede de atenção com ações e serviços de saúde, em todos
os níveis de atenção, que buscam garantir a integralidade do cuidado. E nesta
Unidade vamos conhecer de que forma tudo isso aconteceu e como é realizada a
atenção em saúde nos dias atuais.

2 BREVE TRAJETÓRIA DA ATENÇÃO A SAÚDE


Nos anos 70, vivia-se um período de enfrentamento da ditatura militar,
que à época era o regime de governo implantado no Brasil. Nesse período, alguns
grupos de pessoas, dentre elas médicos e outros profissionais de saúde que es-
tavam preocupados com a saúde pública brasileira, desenvolveram ideias e par-
ticiparam de discussões políticas com o objetivo de provocar as transformações
necessárias para melhorar as condições de vida da população, e esse movimento
ficou conhecido como Reforma Sanitária.

Alguns direitos muito conhecidos hoje em dia, como por exemplo, o de


que “saúde é um direito de todos e dever do Estado”, tiveram origem nessa épo-
65
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

ca, e através de muitos embates, felizmente resultaram em um evento considera-


do um marco muito importante para a saúde do país:a 8ª Conferência Nacional
de Saúde, realizada em março de 1986. Esse encontro reuniu mais de quatro mil
pessoas na capital federal, Brasília, durante cinco dias de intensos debates que
culminaram ao que conhecemos hoje como legislação do SUS, e algumas partes
da nossa Constituição Federal de 1988.

FIGURA 1 – 8ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE

FONTE: <http://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/592-8-conferencia-nacional-de-
saude-quando-o-sus-ganhou-forma>. Acesso em: 18 abr. 2020.

No início de 1994, o Ministério da Saúde (MS) lançou o Programa de Saúde


da Família (PSF), que é uma estratégia de organização da atenção primária que
valoriza princípios como: territorialização, vínculo com a população, garantia
de uma atenção integral à saúde da população, equipe multidisciplinar, ênfase
na promoção de saúde, incentivo da participação da comunidade, entre outros
(SOUZA, 2000).

O PSF veio para finalmente incorporar as ações em saúde voltadas ao


que determina a legislação do Sistema Único de Saúde (SUS), fazendo valer os
princípios de universalidade, integralidade e igualdade. Além disso, estimulou a
transformação do processo de trabalho em saúde através das equipes de saúde da
família, que são equipes multiprofissionais que trabalham em Unidades Básicas
de Saúde (UBS), conhecidas historicamente (e erroneamente) como “postinho” de
saúde. Essas equipes são formadas por profissionais como médicos, enfermeiros,
auxiliares de enfermagem, agentes comunitários de saúde, cirurgião-dentista,
auxiliar de consultório dentário ou técnico de higiene dental, dependendo da
configuração da equipe.

66
TÓPICO 1 | O ENSINO NA ÁREA DA SAÚDE

FIGURA 2 – EQUIPE MULTIPROFISSIONAL DO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA

FONTE: <https://bit.ly/2ZfY1hs>. Acesso em: 18 abr. 2020.

Posteriormente, em 2011, foi aprovada a Política Nacional de Atenção


Básica (PNAB), que estabeleceu diretrizes e normas para reorganizar a Atenção
Básica, agora na configuração chamada até hoje de Estratégia Saúde da Família
(ESF). A Estratégia Saúde da Família é uma proposta do Ministério da Saúde que
teve início em 1994, como um programa — o PSF — e passou a ser denominado
de Estratégia de Saúde da Família após alguns anos, quando aconteceu uma
mudança de perspectiva.O que antigamente era apenas um programa, virou uma
estratégia que busca auxiliar as pessoas em seu contexto familiar e social, sob a
ótica da integralidade e da equidade, reconhecendo a importância dos fatores
culturais e acolhendo as demandas de indivíduos e grupos.

DICAS

Para compreender um pouco melhor o que é a Estratégia Saúde da Família,


assista a este vídeo do Ministério da Saúde, que explica de que forma essa estratégia atua
no dia a dia das pessoas: https://www.youtube.com/watch?v=hkSMC1picA0.

FIGURA – SAÚDE DA FAMÍLIA

FONTE: <https://bit.ly/2Zhmq66>. Acesso em: 18 abr. 2020.

67
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

Na Estratégia Saúde da Família, a assistência deve ser realizada por equipes


multiprofissionais de forma interdisciplinar, através da implantação das equipes
em Unidades Básicas de Saúde. Muitos estudiosos sobre o assunto sugerem que o
trabalho em equipe é uma maneira de realizar o atendimento integral e de associar
os saberes e as disciplinas necessárias para uma atenção em saúde completa
(CIAMPONE; PEDUZZI, 2000; MATTOS, 2009).Por isso, o trabalho em equipe é uma
das ferramentas para a mudança do modelo tradicional de assistência em saúde.

ATENCAO

Preste atenção nas características das equipes de saúde da família citadas


anteriormente, pois apesar de estudarmos esses atributos com mais profundidade no
Tópico 2 desta unidade, é importante que você já internalize a importância do trabalho
interdisciplinar da equipe multiprofissional.

Além da característica de haver vários profissionais que trabalham de


forma interdisciplinar com objetivo de promover saúde, prevenir doenças, re-
cuperar e reabilitar a saúde, e diminuir os agravos mais frequentes, as equipes
realizam essas ações em uma área geográfica delimitada, sendo responsáveis por
um número definido de famílias (BRASIL, 2008).

Existem outras ações que podem ser destacadas no cotidiano das equipes
de saúde da família,dentre elas, programar e implementar atividades de atenção
à saúde; desenvolvimento de ações que priorizem os grupos e fatores de risco;
acolher através de uma escuta qualificada as necessidades individuais; prestar
atenção integral, continuada e organizada; realizar ações tanto dentro da UBS,
quanto na casa das pessoas e em outros locais comunitários como escolas, igre-
jas e associações; desenvolver ações educativas que possam interferir o processo
saúde-doença das pessoas, de forma individual e coletiva; implementar diretrizes
para qualificar modelos de atenção e gestão; participar do planejamento local de
saúde e desenvolver ações intersetoriais (BRASIL, 2008).

É importante que você perceba que essa estratégia (ESF) teve como obje-
tivo, e, até os dias de hoje tem como desafio, quebrar a organização disciplinar
tradicional que se fez presente na área da saúde durante muitos anos, estratégia
estaque além de ser fragmentada é predominantemente centrada no aspecto bio-
lógico do processo saúde-doença.

Implantar um novo sistema significa reorganizar profundamente todos os


aspectos do trabalho em saúde, além de substituir antigos princípios e valores, e
introduzir novas orientações, devem ser dadas condições para que a equipe mul-
tiprofissional seja capaz de correlacionar os conhecimentos específicos de cada
profissão com o intuito de propor novas práticas (RABELLO; CORVINO, 2001).

Para que isso possa acontecer, se torna necessária uma mudança em todos
os integrantes desse novo sistema: gestores, profissionais e usuários. É impres-
68
TÓPICO 1 | O ENSINO NA ÁREA DA SAÚDE

cindível que todos os participantes desse processo compreendam o verdadeiro


significado dessa mudança para que ela não seja apenas uma mudança de nome,
de programa para estratégia.

Perceba que, propondo uma nova forma de fazer saúde, se propõe tam-
bém um novo perfil profissional, sendo este essencial para a implementação da
nova estratégia que tanto os novos quanto os antigos integrantes tenham com-
prometimento em colocar em prática, aceitando e conservando esse novo perfil.

Em 2007, o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS) já salien-


tou que uma das dificuldades mais citadas quando o assunto é implementar essa
reestruturação é a carência de profissionais com perfil e habilidade técnica para atuar
nas equipes (BRASIL, 2007). Com isso, se percebeu que existia mais um desafio para
implantar de forma adequada a nova estratégia: o de formar um profissional crítico e
que saiba refletir sobre suas ações afim de transformar a sua prática.

Nessa época, algumas modificações na área da educação já haviam acon-


tecido, como por exemplo, a Lei nº 9.394, que em 1996 estabeleceu as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
para os cursos de graduação em 2001 (BRASIL, 1996; 2001). Esses documentos
reformularam o processo de formação no Brasil e explicitaram quais são as com-
petências necessárias que devem ser adquiridas nos cursos de ensino superior
considerando padrões nacionais e internacionais de qualidade, como por exem-
plo, a atuação multiprofissional na área da saúde.

Nesse contexto histórico, muitas discussões surgiram sobre qual seria o


modelo do profissional de saúde que deveria ser formado, no sentido de romper
o modelo tradicional biomédico, centrado no hospital e na atenção curativa, e
com profissionais divididos em especialidades.

Até os dias de hoje, busca-se um modelo direcionado a ser capaz de pen-


sar em uma assistência de saúde integral, com foco para a promoção da saúde,
em que os profissionais executem suas funções de forma multidisciplinar, e é
sobre isso que falaremos neste tópico.

3 A FORMAÇÃO EM SAÚDE NO BRASIL E NO MUNDO


Durante muitos anos, e pode-se dizer que até a atualidade, a formação
superior nas diversas áreas da saúde sempre foi muito influenciada pela área
médica, os objetivos, os currículos e as disciplinas eram pautados no mesmo
formato que se empregava o ensino da medicina nas escolas tradicionais.

No início do século XIX, a educação nas escolas médicas era baseada no


modelo francês, chamado de modelo anatomoclínico, que era fundamentado
na realização de trabalho e pesquisa em hospitais. Ou seja, a prática médica e a
pesquisa experimental caminhavam juntas, de forma que os hospitais e escolas de
medicina mantinham uma estreita relação de forma a viabilizar o acontecimento
desse tipo de ensino.

69
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

Os hospitais disponibilizavam um vasto espaço para pesquisa através dos


pacientes atendidos no local, bem como os anfiteatros anatômicos, enquanto as
faculdades conseguiam habilitar seus alunos nas diferentes técnicas diagnósticas
e terapêuticas e ainda tinham um diversificado campo de pesquisa clínica para
seus docentes (KEMP; EDLER, 2004).

E
IMPORTANT

Preste bastante atenção na forma como era realizado o modelo francês de


educação médica, pois veremos ao longo deste tópico que um modelo muito semelhante
a este é preconizado nos dias atuais.

DICAS

O livro Medicina dos Horrores, de Lindsey Fitzharris, retrata através de uma


literatura muito fluida e fácil algumas inovações na área médica e como as cirurgias eram
realizadas no século XIX.

FIGURA – CAPA DO LIVO MEDICINA DOS HORRORES

FONTE: <https://bit.ly/2X6l4IT>. Acesso em 18 abr. 2020.

Um exemplo que pode ser encontrado no livro foi um dos primeiros usos
do éter líquido para deixar o paciente desacordado durante uma cirurgia, já que à
época, as cirurgias ainda eram realizadas sem anestesia, como você pode observar
no trecho a seguir, retirado do livro:

Ao todo, Liston, levou 28 segundos para amputar a perna direita


de Churchill, durante os quais o paciente não se mexeu nem gritou.
Quando acordou, alguns minutos depois, teria perguntado quando ia
começar a cirurgia e recebido como resposta a visão do coto eleva-
do, para grande diversão dos espectadores, pasmos com o que tinham
acabado de testemunhar (FITZHARRIS, 2017, p. 22-23).

70
TÓPICO 1 | O ENSINO NA ÁREA DA SAÚDE

A passagem do livro trata de uma cirurgia realizada por Robert Liston,


um famoso cirurgião escocês, que era conhecido pela rapidez com que operava
seus pacientes.Era comum que as cirurgias ocorressem em anfiteatros abarrota-
dos de profissionais e estudantes que tinham interesse em aprender determina-
dos procedimentos, e até mesmo como forma de entretenimento da época, pois
muitos que presenciavam essas situações nem mesmo estudantes de medicina
eram. Vale a pena a leitura!

Já no final do mesmo século, a influência do padrão alemão nas escolas de


medicina foi aumentando gradativamente. Para formar um profissional médico,
esse formato de escola se pautava principalmente na pesquisa laboratorial, prin-
cipalmente de áreas experimentais em ascensão, sempre mantendo a hierarquia
que lhe é peculiar. O objetivo desse modelo era progredir a carreira na área da
pesquisa sem precisar de patrocínios ou utilizar o próprio dinheiro, no caso de ter
nascido em alguma família rica. O modelo alemão pretendia que as instituições
de ensino tivessem autonomia para conduzir suas próprias pesquisas, e que a
profissão de pesquisador tivesse status assim como qualquer outra, ou seja, am-
bicionava um modelo universitário (KEMP; EDLER, 2004).

No início do século XX, houve um movimento de reformulação da edu-


cação médica liderado por Abraham Flexner, um estadunidense que, apesar de
não ser médico, era especialista em educação superior e propôs algumas mudan-
ças para a formação em medicina através de um documento que ficou conheci-
do como Relatório Flexner. Para produzir o relatório, ele visitou 155 faculdades
de medicina nos Estados Unidos da América e Canadá e sua conclusão foi que
apenas cinco delas estavam em condições de formar médicos, portanto, sugeriu
a diminuição do número de faculdades, assim como melhorias nas que foram
consideradas adequadas. Essas sugestões foram adotadas nos Estados Unidos da
América (EUA) e, posteriormente, em grande parte do mundo (GONÇALVES;
BENEVIDES-PEREIRA,2009).

Esse relatório causou um impacto muito grande na época, tanto que no


período de 1910 a 1922, nos EUA, mais ou menos 50 escolas de medicina foram
fechadas e outras transformadas em biomédicas. Segundo Flexner, na maioria
das faculdades, os alunos não possuíam um preparo anterior e não havia relação
entre a clínica e a formação científica. Além disso, os currículos não seguiam ne-
nhum tipo de padrão e ele considerou o ensino como comercial (NUNES, 2010).

FIGURA 3 – ABRAHAM FLEXNER E SEU RELATÓRIO, PUBLICADO EM 1910

FONTE: <https://bit.ly/3cDlL2K>; <https://bit.ly/2LzKBVk>. Acesso em: 18 abr. 2020.

71
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

O novo modelo, sugerido por Flexner, possuía um currículo dividido em


ciclo básico, composto pelos três ou quatro primeiros semestres, e ciclo profissio-
nalizante, com quatro a seis semestres, finalizando com o estágio supervisionado
ou internato com dois semestres. Essa forma de ensino perdura até a atualidade,
não só nas graduações de medicina como em toda área da saúde, quando no ci-
clo básico é comum estudar disciplinas básicas das áreas biológicas, no segundo
ciclo, as específicas de cada área, no caso da medicina, pediatria, ginecologia,
clínica cirúrgica etc., e por fim, no último ciclo, os acadêmicos podem realizar os
estágios previstos em cada curso (GONÇALVES; BENEVIDES-PEREIRA, 2009).

Além disso, para Flexner, os professores deveriam ter dedicação exclusiva


ao ensino e à pesquisa, e os hospitais onde aconteciam os estágios e aulas práti-
cas deveriam estar atrelados às faculdades, dando origem assim aos hospitais
universitários (GONÇALVES; BENEVIDES-PEREIRA, 2009). Se você parar para
pensar, tudo isso se assemelha muito ao modelo que temos até hoje, e não parece
ser ruim, certo?!

Entretanto, o ensino sugerido por Flexner era fundamentado na doença


e não na pessoa, se preocupando apenas com as questões biológicas dos doentes
e voltado a um modelo hospitalocêntrico de atenção à saúde, desconsiderando
qualquer função social que a área médica e os profissionais de saúde deveriam
ter (GONÇALVES; BENEVIDES-PEREIRA, 2009), o que vem de encontro ao que
estudamos no início deste capítulo no que diz respeito ao perfil do profissional de
saúde que o mercado espera atualmente.

Apesar de alguns autores afirmarem que Flexner incentivava o humanis-


mo (CHAVES, 1996; KEMP; EDLER, 2004), essa parte de suas ideias não foi colo-
cada em prática, então, o que ficou da reforma que ele deu início foram discipli-
nas que não interagem umas com as outras, e uma estrutura individualista com
ênfase nas especialidades.

Passado algum tempo, o movimento da medicina preventiva começou a


despontar e um novo modelo começou a ser defendido pelos estudiosos da saú-
de. Nas décadas de 1950 e 1960,diversas conferências começaram a ser realiza-
das e um movimento para refutar o modelo hospitalocêntrico de fazer e ensinar
saúde apareceu, chamado de medicina preventiva, ou medicina comunitária, ou
medicina generalista, ou medicina de família, e algumas outras denominações
que podem ser encontradas na literatura.

Todas possuíam uma base integrativa, já que o modelo exercido na época


era totalmente segmentado. Uma pesquisa realizada com algumas pessoas que
viveram esse momento de transição aqui no Brasil retrata bem o motivo dessas
mudanças terem acontecido, pois a ideia de fazer saúde de forma integrada não
surgiu da cabeça de uma ou duas pessoas, e sim das necessidades sociais da po-
pulação, como pode ser lido nesse relato da pesquisa:
72
TÓPICO 1 | O ENSINO NA ÁREA DA SAÚDE

[...] essas necessidades que teriam sido, até então, predominantemente


dirigidas para a cura das doenças, estariam sendo reorientadas no
sentido da obtenção de um estado global da saúde, reorientação que os
avanços do conhecimento médico já permitiriam. Nessa medida, uma
recuperação integral do paciente, e, ao mesmo tempo, a prevenção das
doenças, constituem os novos requerimentos que se estimam para a
prática, demandando uma recomposição, no mesmo sentido, do ato
médico individual (MOTA; SCHRAIBER; AYRES, 2018, p. 339).

É importante que você compreenda que apesar de ter iniciado na área


médica, por conta da influência que essa ciência possui, em pouco tempo esses
fundamentos foram se espalhando para todas as outras áreas da saúde, como a
enfermagem, odontologia, psicologia, fisioterapia, dentre outras.

Em 1978, na cidade de Alma-Ata, no Kazaquistão, foi realizada a primeira


conferência sobre cuidados primários em saúde, representando um marco político
muito importante para as mudanças que aconteciam à época, além de ser o ponto
de partida para outras iniciativas. Essa conferência teve como resultado, além da
Declaração de Alma-Ata, a conclusão de que a promoção de saúde é fundamental
para o desenvolvimento econômico e social das populações e a única forma de
melhorar a qualidade de vida (MENDES, 2004). Ou seja, a visão do conceito de
saúde estava mudando, a concepção de que a doença era causada apenas pelos
microrganismos que deveriam ser combatidos com medicações e o pensamento
de que ter acesso às cirurgias e internações seria ter acesso à saúde de qualidade
estava sendo modificado.

FIGURA 4 – CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CUIDADOS PRIMÁRIOS DE SAÚDE,


REALIZADA EM ALMA-ATA (1978)

FONTE: <https://opas.org.br/declaracao-de-alma-ata/>. Acesso em: 16 abr. 2020.

73
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

FIGURA 5 – DECLARAÇÃO ORIGINAL, ELABORADA NA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE


CUIDADOS PRIMÁRIOS DE SAÚDE, REALIZADA EM ALMA-ATA (1978)

FONTE: <https://traditionalmedicina.blogspot.com/2018/01/alma-ata-declaration-1978-2018.
html>. Acesso em: 18 abr. 2020.

NOTA

Para ter acesso à Declaração de Alma-Ata, resultado da Conferência


Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em 1978, clique no link: http://
bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_alma_ata.pdf. A versão está traduzida para

74
TÓPICO 1 | O ENSINO NA ÁREA DA SAÚDE

a língua portuguesa e é bastante interessante ver as diretrizes traçadas e que deveriam ser
seguidas pelos países, para que no ano 2000, o cenário da saúde pudesse ser bastante
diferente do que era naquela época. Como já passamos mais de 20 anos dos anos 2000,
tire suas próprias conclusões. Leia! Não leva muito tempo, pois tem um pouco mais de
duas páginas apenas.

O ano de 1986 foi bastante importante no cenário da saúde, tanto para o


Brasil quanto para o mundo. No mesmo ano, acontecia a Conferência de Otawa,
na cidade de mesmo nome no Canadá, e a 8ª Conferência Nacional de Saúde,
na cidade de Brasília, aqui no Brasil. A primeira ampliou os conceitos de saúde
discutidos até então, enfatizando a importância dos determinantes sociais em
saúde para a qualidade de vida, bem como para a saúde dos indivíduos, como
moradia, trabalho, estilo de vida, entre outros. E a segunda, além de ser base
para a formulação da Lei nº 8.080/90 e Lei nº 8.142/90, consideradas as leis de
base do Sistema Único de Saúde (SUS), e, consequentemente para a construção de
inúmeras políticas públicas até os dias de hoje, também influenciou a implantação
do modelo de medicina preventiva no Brasil.

E
IMPORTANT

Apesar de não ser o principal tema desta disciplina é importante você saber que
a Lei nº 8.080/90, a lei orgânica do SUS, apesar de ser conhecida com esse nome, não diz
respeito apenas aos serviços e ações ofertados no setor público.

Observe o Art. 1º, ressaltado em vermelho, da referida lei:

FIGURA – RECORTE DA LEI Nº 8.080/1990

FONTE: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em: 18 abr. 2020.

75
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

Ela é responsável por regular, dentro do Brasil, todos os serviços de saú-


de, sejam eles público ou privados. Ou seja, todas as ações que estão descritas
nessa lei servem para os dois setores, por isso muitas vezes fazemos menção à lei,
decretos, regulamentos, e até mesmo órgão públicos quando o assunto é saúde
e educação em saúde, mas saiba que se estende aos setores públicos e privados.

Nessa mesma época, as preocupações de que as formações dos profis-


sionais acompanhassem as mudanças que estavam sendo requeridas já estavam
aparecendo e algumas medidas sendo tomadas. Um exemplo foi quando a Or-
ganização Pan-Americana da Saúde (Opas), através de mudanças nos currícu-
los das graduações na área da saúde, implantou os programas de Integração
Docente Assistencial (IDA), em 1980. O objetivo era proporcionar uma integra-
ção entre os sistemas de saúde e as escolas de medicina e demais áreas da saúde
para que tivessem mais locais para a prática da atenção primária em saúde,
entretanto, as mudanças não foram muito significativas à época (GONÇALVES;
BENEVIDES-PEREIRA, 2009). Mas guarde bem essa informação, logo voltare-
mos a falar desse “modelo”.

Cinco anos mais tarde, novas mudanças foram propostas, agora centradas
nas escolas da América Latina, e o seu diferencial era a integração com a comuni-
dade. O programa Uma Nova Iniciativa (UNI) pretendia unir a comunidade, a es-
cola e o serviço, ainda utilizando o serviço como local de aprendizagem, além de
estudos epidemiológicos, trabalho multidisciplinar e atenção integral. Entretan-
to, a adesão dos professores e profissionais foi muito baixa, o que impediu que o
programa tivesse muitos avanços (GONÇALVES; BENEVIDES-PEREIRA, 2009).

Ainda na década de 1980, surgiu a ideia de que somente a graduação não


seria suficiente para formar um médico generalista e que uma pós-graduação se-
ria necessária para garantir uma formação adequada. Assim surgiram as primei-
ras residências em Medicina Comunitária, sendo uma forma de complementar a
formação generalista.

Você pode achar que o movimento deveria ser inverso, certo? Que com o
avanço da medicina, as formações, cursos e residências deveriam estar cada vez
mais especializados. O que acontece é que esse movimento já havia acontecido e
aparentemente não estava dando certo. Na década de 1970 já existiam diversos
programas de residência médica, e estes estavam em um momento de valorização
e expansão devido ao mercado especialista, baseado na saúde intervencionista,
biologicista e hospitalocêntrico da época (BOTTI, 2012). Entretanto, no dia a dia,
percebeu-se que apesar dos avanços tecnológicos, os problemas de saúde conti-
nuavam aumentando, em quantidade e gravidade. No próximo tópico, veremos
isso com mais de profundidade.

76
TÓPICO 1 | O ENSINO NA ÁREA DA SAÚDE

E
IMPORTANT

Você sabe o que é um Programa de Residência? Sabia que após a sua gradu-
ação você pode participar desse tipo de formação? No Brasil, os programas de residência
tiveram início há bastante tempo já, em 1944, com a residência em ortopedia da Universi-
dade de São Paulo (SKARE, 2012). Começaram com áreas tradicionais da medicina, voltadas
para áreas especializadas.

A proposta dos programas de residência é a formação em serviço, proporcionando a vi-


vência da prática cotidiana do profissional, onde um profissional mais experiente auxilia
o residente a adquirir as competências necessárias para aquela especialidade. Esse tipo
de formação é considerado o “padrão ouro” da especialização médica, mas atualmente já
existe para diversas áreas da saúde, sendo desde 1977 reconhecida como pós-graduação
lato sensu (especialização).

Na Resolução nº 2 de 13 de abril de 2012, da Comissão Nacional da Residência Multiprofis-


sional em Saúde (CNRMS), você pode encontrar as diretrizes gerais desse tipo de especia-
lização. Acesse http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=downloa-
d&alias=15448-resol-cnrms-n2-13abril-2012&Itemid=30192.

Elas duram 2 anos, têm carga horária de 60 horas semanais, e as profissões que podem
fazer parte são: Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia,
Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Servi-
ço Social e Terapia Ocupacional (BRASIL, 2012).Além disso, há várias áreas: hospitalar, saúde
da família, saúde mental, terapia intensiva.

Assista a este vídeo de cinco minutos, o qual traz dez informações básicas sobre a Residên-
cia Multiprofissional em Saúde: https://www.youtube.com/watch?v=oSk0oVjuAbY.

4MUDANÇAS NO SETOR SAÚDE E O “NOVO” ENSINO NA


SAÚDE NO BRASIL
A medicina, e por consequência a visão de saúde, já teve muitas fases, assim
como lugares e épocas diferentes de desenvolvimento. Por exemplo, Hipócrates,
que nasceu na Grécia mais ou menos 460 a.C., criticava a escola médica de Cnidos
por focar apenas no órgão afetado pela doença e já considerava o clima, as águas e
a alimentação quando o assunto era a causa das doenças. Ou seja, naquela época
já existia uma visão integral e complexa das doenças, dependendo do local do
planeta que se vivia (AROUCA, 2003).

77
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

NTE
INTERESSA

Você sabe quem foi Hipócrates?

FIGURA – ILUSTRAÇÃO DE HIPÓCRATES

FONTE: <https://bit.ly/2TxxmsT>. Acesso em: 18 abr. 2020.

Hipócrates foi um médico nascido em Cós, na Grécia, que transformou a medicina em ciência
ao adotar métodos específicos para pesquisar a causa das doenças humanas, geralmente
baseado em observações, ignorando as ideias religiosas e supersticiosas que justificavam
a causa das doenças à época. Considerado o “Pai da Medicina Ocidental”, Hipócrates
influenciou outros filósofos famosos, como Platão e Aristóteles, e ficou conhecido por suas
ideias, que à época, pareciam revolucionárias, como por exemplo, afirmar que não só o
ambiente no qual as pessoas vivem afetam a sua saúde, mas também os regimes políticos
e suas instituições. Além disso, ele nos deixou o “Juramento de Hipócrates” e algumas frases
bastantes curiosas, e que parecem muito atuais, como:

• Tuas forças naturais, as que estão dentro de ti, serão as que vão curar tuas doenças.
• Os homens deveriam saber que somente do cérebro vem as alegrias, o prazer, o riso,
a preguiça, os sofrimentos, a dor, a tristeza e as lamentações.

FONTE: <https://bit.ly/2WGeCJk>. Acesso em: 18 abr. 2020.

A medicina romana também tem indícios de atitudes preventivas, como


as obras sanitáriasconstruídasnaquele tempo. Ao mesmo tempo que, quando se
deu o desenvolvimento da microbiologia, todas as atenções se voltaram para os
microrganismos como causa exclusiva das doenças, acreditava-se que a única
medida necessária para se ter saúde era eliminá-los (AROUCA, 2003).

78
TÓPICO 1 | O ENSINO NA ÁREA DA SAÚDE

Todas as explicações e causas das doenças tiveram sua “época de auge”,


entretanto, a medida que o conhecimento se desenvolvia, algumas ideias que até
então eram vistas como corretas acabavam por perder o sentido, e isso é algo na-
tural, que vem acontecendo ao longo de toda a história da humanidade. O mesmo
aconteceu com a Medicina Preventiva, que surgiu em uma fase que as respostas
existentes não atendiam mais aos questionamentos, as razões que eram atribuí-
das aos motivos pelos quais a população adoecia não eram mais suficientes.

Além disso, a prática da assistência à saúde que começou a ser requerida


pela população não se limitou apenas a “mais e melhor”, mas também a ser reali-
zada de uma forma diferente, algo a mais do que simplesmente curar as doenças.

É claro que essa mudança não ocorreu assim de forma tão simples, uma
série de fatos sucederam para que se começasse a pensar que deveriam ter outras
formas de se fazer saúde que não as que já se tinha. Além disso, as modificações
que aconteceram tanto na forma de “fazer” saúde quanto na forma de “estu-
dar” saúde não começaram de uma hora para outra, e também não foram rápidas
como podem estar parecendo para você, muitos anos se passaram até que a mu-
dança pôde ser observada.

Para Arouca (2003), a Medicina Preventiva iniciou por três motivos prin-
cipais:

1) A necessidade de higiene no século XIX (devido ao desenvolvimento do capi-


talismo e as ideias liberais).
2) As discussões com relação aos custos que os EUA estavam tendo com atenção
médica na década de 1930 e 1940.
3) A reorientação das responsabilidades médicas no momento pós-Segunda
Guerra Mundial em consequência da conscientização das pessoas de que aces-
so ao cuidado médico é um direito de todos.

Para Rios (1965), foram dois fenômenos paralelos:

1) O aumento dos conhecimentos médicos em todos os aspectos: biológico e físi-


co-químicos não explicavam todos os “porquês” da problemática médica e por
isso havia necessidade de rever e ampliar o que se sabia pensando em novas
saídas.
2) As inúmeras mudanças que ocorreram nas sociedades modernas alteraram
também o ponto de vista das pessoas de que ter saúde significa somente não
estar doente, e a população passou a exigir mais, tanto individual quanto cole-
tivamente, o que inevitavelmente impôs outras estratégias de “fazer” saúde.

E então, considerando essa análise, Rios conceituou a Medicina Preventiva


como “o conjunto de noções e técnicas visando ao conhecimento e manipulação
dos processos sociais e psicossociais do comportamento humano que dizem
respeito à implantação de padrões racionais de saúde” (RIOS, 1965, p. 11).

79
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

Diversos autores definiram a Medicina Preventiva, mas no campo teórico,


todos esses conceitos possuem os seguintes pontos em comum:

1) A Medicina Preventiva é voltada ao cuidado do indivíduo e da família.


2) A sua prática acontece no dia a dia e pode ser realizada em qualquer especiali-
dade.
3) Ela representa uma transformação da forma de fazer saúde implicando não
somente na prática diária, mas também em um novo comportamento.

Resumindo, a Medicina Preventiva nasce como uma mudança de atitude


que até então era fazer saúde de forma isolada através da cura individual
das doenças, para uma atitude que considere todos os aspectos do paciente,
realizando prevenção, cura e reabilitação e que seja dotada de responsabilidade
social perante a sociedade.

Observe a data da referência do parágrafo anterior, antiga, não é?! Veja


como esse movimento ocorreu, aos poucos, e foi praticamente no mundo todo.
O Brasil começou a pensar nessa possibilidade no momento pós-Segunda Guerra
Mundial, depois que os EUA colocaram em prática uma política externa para a
América Latina que tinha como objetivo prevenir conflitos sociais e mostrar que o
american way of life (jeito de viver americano) era maravilhoso e que eles atingiram
o bem-estar social através da democracia e do liberalismo (AROUCA, 2003).
Organizações internacionais ligadas à Organização Mundial de Saúde (OMS),
como a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), e fundações americanas
de incentivo à pesquisa, como Rockfeller, impulsionaram o desenvolvimento
da Medicina Preventiva no Brasil, que teve início na década de 1950 nas escolas
médicas e se espalhou para as universidades e serviços de saúde, perdurando até
o final dos anos 1970 (AROUCA, 2003).

Nessa época, tanto os estudantes e professores de medicina quanto


do restante da área da saúde, principalmente enfermagem, receberam uma
quantidade enorme de textos, seminários, ofertas de viagens, financiamento de
pesquisas e bolsas para estudar nos EUA, desde que o objetivo de seus trabalhos
e estudos fosse baseado nos preceitos da Medicina Preventiva liberal, privada e
apta a contribuir em todas as fases do processo saúde doença (AROUCA, 2003).

Veja como a forma de pensar e fazer saúde na prática diária está intimamente
ligada ao tipo de formação que as escolas da área da saúde proporcionam aos
alunos. A partir do momento que se pensou nessa mudança, uma das primeiras
atitudes tomadas pelas instituições que tinham interesse nessa alteração de
padrão foi incentivar as escolas da área da saúde. Então, sempre que se pensa
em modificar o modelo de ação do profissional, a primeira atitude é modificar a
forma como esse profissional é formado.

Assim, dentro das escolas da área da saúde, começaram a ser incorporadas


disciplinas que até então não eram consideradas importantes, como Epidemiologia
e Ciências Sociais (AROUCA, 2003).

80
TÓPICO 1 | O ENSINO NA ÁREA DA SAÚDE

E
IMPORTANT

Você sabe o que é Epidemiologia?

A Epidemiologia iniciou de forma incipiente com as observações de Hipócrates (sim, o


mesmo que falamos agora a pouco) a respeito do modo como o ambiente afetava
a ocorrência das doenças. Mas foi somente no século XIX que se começou a medir a
distribuição das doenças em grupos específicos em larga escala, e que ela foi considerada
oficialmente uma ciência (BONITA; BEAGLEHOLE; KJELLSTRÖM, 2010).Resumidamente,
a Epidemiologia se preocupa em estudar a frequência com que doenças, determinantes
em saúde, agravos, e qualquer evento relacionado à saúde da população, acontece em
determinados grupos. Tudo isso com o objetivo de prevenir e melhorar os indicadores de
saúde, pois os resultados dos estudos epidemiológicos são utilizados na avaliação e no
planejamento das ações e serviços de saúde (BONITA; BEAGLEHOLE; KJELLSTRÖM, 2010).

Para saber um pouco mais sobre o assunto, assista ao vídeo a seguir: https://www.youtube.
com/watch?v=BF7LOhxCNSk.

Mas, e as Ciências Sociais? Segundo o Dicionário Aurélio (2020a, s.p.), Ciências Sociais é
o “ramo da ciência que estuda as relações humanas em seus diferentes aspectos, desde as
formas de organização social até o uso da linguagem”. E para compor o estudo de uma
área tão complexa como as relações humanas são estudadas várias disciplinas, entre elas,
antropologia, comunicação, administração, história, linguística, ciência política, economia,
filosofia social, sociologia, entre outras.

Para saber um pouco mais sobre o assunto, assista ao vídeo a seguir: https://www.youtube.
com/watch?v=JkT912HhXVQ.

Com a difusão do uso da epidemiologia, muitos artigos científicos foram


publicados e seus resultados colocaram em xeque a efetividade da Medicina Pre-
ventiva. Alguns grupos de estudiosos começaram a contestar a completude da
Medicina Preventiva e estudar, novamente, alternativas que “ultrapassavam o
campo médico e da saúde e desembocavam criticamente no âmago das ciências
humanas e sociais” (AROUCA, 2003, p. 52). Os olhares se voltaram fortemente
para a influência do meio ambiente na saúde das pessoas, e assim a Medicina
Social ganhou força.

A Medicina Social era muito relacionada ao pensamento de que a cidade


causava a doença de acordo com o grau de desordem social e médica que apre-
sentava, e a solução para essa situação seria um forte controle sanitário (MIRAN-
DA, 1990).

Para Foucault (1979), a Medicina Social se origina de três segmentos dife-


rentes: da Medicina de Estado, oriunda da Alemanha do início do século XVIII;
da Medicina Urbana, sucedida na França no final desse mesmo século; e da Medi-
cina da Força de Trabalho, que surgiu na Inglaterra no século XIX. A Medicina de
Estado foi a primeira política médica de Estado que possuía programas de melho-

81
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

ria da saúde da população e estudos epidêmicos, mas tudo isso era subordinado
ao Estado. A Medicina Urbana era baseada em analisar locais de amontoamento,
controlar circulação e qualidade do ar e da água, organizar a distribuição de esgo-
tos, fontes etc. E, por fim, a Medicina da Força de Trabalho foi considerada a “me-
dicina dos pobres”, pois era voltada a ações de manutenção da saúde das classes
mais baixas para que se mantivessem produtivas no trabalho e não oferecessem
perigo às classes mais ricas (FOUCAULT, 1979).

Ainda na década de 1980, aconteceram diversos fatos, que já vimos no


início deste capítulo, e que são de extrema importância para a saúde brasileira: a
8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986, e a promulgação da nossa Constitui-
ção em 1988, que oficializou a estruturação de um Sistema Único de Saúde (SUS)
e a formação de Recursos Humanos para a Saúde (RHS). No início da década de
1990, a criação das leis nº 8.080 e 8.142, de 1990, que consolidaram a organiza-
ção do SUS, e posteriormente, em 1994, a criação do Programa Saúde da Família
(PSF), que depois foi remodelado para Estratégia Saúde da Família (ESF).

Observe como as décadas de 1980 e 1990 foi bastante movimentada e


cheia de grandes avanços e discussões na área da saúde. Assim, através de mui-
tos estudos e discussões, inicialmente realizados dentro das universidades, nas-
ceu a Saúde Coletiva, baseada em ideias da Medicina Preventivista e da Saúde
Pública. Basicamente, ocorreu uma reformulação dos conceitos vigentes à época,
transformando-os no que temos até os dias atuais como “uma nova maneira de
pensar e agir sobre os processos vitais, psíquicos, sociais e ecológicos que caracte-
rizam as dualidades saúde/doença, vida/morte, bem-estar (felicidade)/sofrimen-
to” (AROUCA, 2003, p. 54).

Como já foi comentado algumas vezes, todas essas modificações que ocor-
reram não foram isoladas, não se baseavam apenas em ações e formas de “enten-
der” saúde, que a partir do momento que ocorria uma transformação no concei-
to, as ações dentro dos consultórios médicos, hospitais etc. eram modificadas.
Grande parte dessas reformulações tiveram início e foram fomentadas dentro das
escolas de saúde, e precisavam ali ser sedimentadas também, para que houvesse
um movimento síncrono de mudança tanto nas escolas quanto nas instituições.
Afinal, se os profissionais de saúde aprendem suas atribuições dentro das esco-
las, era necessário que lá dentro fossem “ensinados” da forma “correta”.

Assim, diversas mudanças aconteceram também nos currículos dos cur-


sos de graduação na área da saúde no Brasil e, nos últimos anos, essas modifica-
ções estão auxiliando a formação de um novo perfil profissional, mais condizente
com o cenário atual em que vivemos. Então, desde 2001, o ensino na área da
saúde vem sendo orientado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) na
formação geral e específica dos futuros profissionais, que também deve estar em
consonância com o SUS (BRASIL, 2002).

82
TÓPICO 1 | O ENSINO NA ÁREA DA SAÚDE

E
IMPORTANT

É importante saber que, segundo o Art. 6º da Lei nº 8.080/90, a lei orgânica


do SUS: “estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde”, então além de
regular o funcionamento da saúde pública e privada no território nacional, também é de
responsabilidade SUS a formação de recursos humanos (BRASIL, 1990, s.p.).

Com o tempo,foi ficando evidente que os currículos dos cursos de


graduação na área da saúde eram organizados de forma fragmentada, ignorando
a interdisciplinaridade, e com pouca integração entre a teoria e a prática, e se
continuasse dessa forma jamais seria possível a formação de um profissional
generalista para colocar em prática esse “novo”olhar ampliado para a saúde,
baseado nos preceitos da Saúde Coletiva. Esse tipo de formação do profissional
faz com que sua atuação, muitas vezes, se reduza ao consultório, e com isso, seja
pela concepção do modelo assistencial, pela organização do serviço ou prática
de trabalho deficiente, percebe-se a desvalorização ou mesmo inexistência de
orientação de ações de saúde coletiva (BRASIL, 1994).

Pensando especificamente no modelo de trabalho proposto pelo ESF


(aquela estratégia de atuação que vimos anteriormente), devemos ampliar
ainda mais os requisitos que o profissional de saúde necessita. Não é preciso
apenas um profissional com formação generalista, mas com compromisso ético e
responsabilidade social, com um novo olhar para a formação clínica e conteúdos
de Saúde Pública (SUCUPIRA; PEREIRA, 2004). Ou seja, profissionais com perfil
de cuidador que saibam trabalhar a dinamicidade do sistema de saúde, através
de intervenção interdisciplinar.

Além das mudanças nos currículos de graduação na área da saúde,


diversos programas foram criados para auxiliar a formação desse perfil, dentre
eles, o Programa de Educação pelo trabalho em Saúde (PET-Saúde), o Pró-Saúde,
entre outros. Esses programas objetivam principalmente formar profissionais
com perfil adequado às necessidades sociais, implicando fomentar a capacidade
de aprender a aprender, trabalhar em equipe, se comunicar, ter agilidade diante
das situações, ter capacidade propositiva, habilidade crítica, ser ético e justo
(FERREIRA et al., 2006; ARAÚJO; ZILBOVICIUS, 2008; CARCERERI et al., 2011).

Certamente, é importante o estudante possuir o domínio dos aspectos


biológicos e clínicos de sua área de atuação, entretanto é de cada vez mais
importância o desenvolvimento de habilidades nas dimensões ética, política,
econômica, cultural e social de seu trabalho. É necessário que os profissionais de
saúde tenham um foco deslocado para a promoção de saúde, com aptidões para
trabalhar a saúde coletiva, familiar e individual (MOYSÉS, 2003). Além disso,

83
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

é necessário ressaltar a importância de fomentar desde o início na educação


profissional, o “costume” do trabalho interdisciplinar, com o objetivo de dar
conta das necessidades em saúde do contexto atual.

E assim, a educação superior passou a preparar o profissional para


uma formação integral (ARAÚJO; ZILBOVICIUS, 2008). O processo de ensino-
aprendizagem se alterou não somente no que diz respeito aos conteúdos,
mas também às competências, habilidades, atitudes, interdisciplinaridade e
integralidade na atenção, criando inclusive competências gerais comuns a todos
os cursos de graduação da área da saúde (CARVALHO; KRIGER, 2006).

As mudanças tanto no perfil profissional quanto nas formas de educar,


no Brasil, acabaram por aproximar a teoria da prática. Para Erdmann e Koerich
(2003), a formação do profissional da saúde se movimenta do “aprender a fazer” e
para o “aprender a aprender”, para que isso ocorra é necessária uma aproximação
entre trabalho e educação afim de estabelecer uma relação dialética de ensino-
aprendizagem para a prática e vice-versa.

Você se lembra que falamos, no início deste tópico, sobre o modelo francês
de educação médica? Que se baseava em realizar o ensino da medicina dentro dos
hospitais, ou seja, dentro dos futuros locais de atuação daquele profissional? Pois
bem, o que começou a acontecer no Brasil foi algo semelhante a isso, porém mais
ampliado. A própria política de educação começou a ser organizada através da
integração do ensino com a rede prestadora de serviços do SUS, estabelecendo um
ato pedagógico de aproximação de todos os atores envolvidos. Os profissionais
da rede de serviços de saúde sendo aproximados às práticas pedagógicas e aos
professores dos processos de atenção em saúde, assim como os estudantes do dia
a dia do trabalho em saúde, proporcionando a inovação e a transformação dos
processos de ensino e de prestação de serviços (HADDAD, 2011).

Diferentemente do modelo francês, esses locais não se restringiram aos


hospitais. Campos, em 1999, já discutia a inadequação de hospitais universitários
para o ensino da graduação de médicos para clínica integral e propunha a
ampliação dos espaços de ensino para centros de saúde, hospitais-dia, domicílios,
comunidade, escolas, entre outros, o que implicaria a articulação das escolas
com o SUS. Assim sucedeu em todas as profissões da área da saúde, envolvendo
também, em menor grau, instituições prestadoras de serviço de saúde particulares.

É nesse contexto que atuamos nos dias de hoje, com uma visão ampliada
de saúde, baseada nos princípios da Saúde Coletiva, integrando o ensino das
escolas de saúde com os serviços realizados no dia a dia do profissional, para
cada vez mais melhorar a qualidade dos profissionais de saúde, assim como o
mercado requer atualmente.

84
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Houve alguns marcos e eventos de grande importância para a saúde mundial


e do Brasil.

• As mudanças que ocorreram na saúde resultaram em uma nova estratégia de


“fazer saúde”, chamada Estratégia Saúde da Família.

• Para colocar essa estratégia em prática são necessários profissionais com pre-
paro adequado para tal.

• As escolas da área da saúde tradicionalmente se baseiam nas escolas médicas e


durante muitos anos já tivemos diversos modelos de escolas que vão se modi-
ficando de acordo com as mudanças da sociedade.

• Antigamente, a visão de saúde se restringia à ausência de doença e, hoje em


dia, já se sabe que existem diversos fatores que influenciam a saúde das pesso-
as, dentre eles, condições econômicas, sociais, psicológicas, entre outras.

• Muitas mudanças ocorreram também na formação dos profissionais de saúde


para que fosse possível atingir o perfil profissional que é exigido pela socieda-
de e o mercado dos dias atuais.

85
AUTOATIVIDADE

1 A trajetória da assistência à saúde no Brasil é marcada por muitas lutas que


felizmente resultaram em progressos significativos, resultando no surgimento
do Sistema Único de Saúde (SUS). Posteriormente diversas mudanças
ocorreram, sempre no sentido de melhorar a qualidade da atenção à saúde,
considerando os momentos importantes na história dessa construção, analise
as afirmativas abaixo e responda:

I- O Programa de Saúde da Família (PSF) foi criado para incorporar as


ações em saúde voltadas ao que determina a legislação do Sistema Único de
Saúde (SUS), fazendo valer os princípios de universalidade, integralidade e
igualdade.
II- Após alguns anos o Programa de Saúde da Família (PSF) passou a ser
denominado de Estratégia de Saúde da Família (ESF). Mas foi apenas uma
mudança de nomenclatura, para que fosse mais fácil de lembrar seus objetivos.
III- A mudança de Programa de Saúde da Família (PSF) para Estratégia de
Saúde da Família (ESF) ampliou o olhar sobre o processo saúde-doença, e
passou a buscar auxiliar as pessoas em seu contexto familiar e social, sob a
ótica da integralidade e da equidade, reconhecendo a importância dos fatores
culturais e acolhendo as demandas de indivíduos e grupos.

A sequência correta é:

a) ( ) I, II e III estão corretas.


b) ( ) I e II estão corretas.
c) ( ) II e III estão corretas.
d) ( ) I e III estão corretas.
e) ( ) Somente a III está correta.

2 Com relação as mudanças que ocorrem no ensino na área da saúde, analise


as afirmativas abaixo e assinale a resposta correta:

I- Assim como as causas das doenças o ensino na saúde já passou por diversas
fases, entre elas a do modelo anatomoclínico, que unia a realização do trabalho
e da pesquisa em hospitais.
II- O Relatório Flexner, ficou conhecido por denunciar que na maioria das
faculdades, os alunos não possuíam um preparo anterior suficiente para
iniciar as práticas e não havia relação entre a clínica e a formação científica.
E então, Flexner propôs o modelo que ensino que usamos até os dias atuais,
unindo teoria e prática
III- É importante, que nos dias atuais, o estudante da área da saúde desenvolva
com afinco suas capacidades técnicas na profissão específica. Possuir o
domínio dos aspectos biológicos e clínicos de sua área de atuação, é mais
valorizado pelos pacientes do que habilidades éticas e sociais.

86
A sequência correta é:

a) ( ) I, II e III estão corretas.


b) ( ) I e II estão corretas.
c) ( ) II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a II está correta.
e) ( ) Somente a I está correta.

87
88
UNIDADE 2 TÓPICO 2

MODELOS DE SABERES E PRÁTICAS

1 INTRODUÇÃO
Como vimos até agora, é muito importante que os profissionais de saúde
tenham uma visão holística a respeito da saúde e estejam abertos a estar sempre
em evolução, buscando sempre aprender, não somente as técnicas específicas
de cada profissão, mas também um pouco de cada profissão que faz parte da
equipe multidisciplinar, bem como a trabalhar de forma equilibrada dentro dessa
equipe, buscando sempre a atenção integral a saúde do paciente.

Neste tópico, vamos conhecer alguns conceitos importantes que perpassam


pelos campos da prática profissional e pelas salas de aula: a multidisciplinaridade, a
interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, bem como a importâncias não apenas
desses conceitos, mas também a sua prática no processo de trabalho em saúde.

2 O MODELO TRADICIONAL
Como já vimos no tópico anterior, o sucesso das mudanças que se fizeram
necessárias na forma de perceber e fazer saúde depende muito da formação que é
concedida aos profissionais que serão responsáveis pela prestação desse serviço.
Então, assim como o modo de se “fazer” saúde foi por muito tempo bastante
tecnicista, fragmentado e individualizado, assim também foi a formação desses
profissionais de saúde.

O ensino superior na área da saúde, assim como em todas as outras


áreas do conhecimento, acompanhou o modelo de ensino utilizado nas escolas
primárias e secundárias durante muitos anos, conhecido como modelo tradicional
de ensino. A maioria dos jovens brasileiros estudou durante toda a vida em
escolas que utilizaram essa metodologia, em que o professor era o detentor de
todo o conhecimento e saber, e era responsável por passar o máximo de conteúdo
possível aos alunos.

Esse tipo de metodologia foi muito criticado por Paulo Freire, um


educador brasileiro reconhecido mundialmente, e denominada por ele como
“educação bancária”, em que o professor deve “depositar” seus conhecimentos
nos alunos, sem qualquer discussão ou reflexão (FREIRE, 1996). A metodologia
clássica centrada em aulas expositivas e uso de um livro-base não estimulam o
questionamento e o desenvolvimento de um pensamento crítico-reflexivo, pois os

89
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

saberes são recebidos pelos estudantes como conhecimentos prontos, concluídos


e totalmente estabelecidos como algo que não pode ser modificado, quando na
verdade deveriam ser percebidos como resultados de pesquisas científicas que
podem sofrer modificações, sendo compreendidos como uma “ciência viva”,
passível de mudanças e reconstruções (BACHELARD, 1996).

FIGURA 6 – CHARGE QUE PROVOCA O PENSAMENTO EM RELAÇÃO À EDUCAÇÃO BANCÁRIA,


QUE IMPEDE A REFLEXÃO E QUESTIONAMENTO

FONTE: <http://pensar-pedagogia.blogspot.com/2017/02/depositando-o-que.html>.
Acesso em: 18 abr. 2020.

FIGURA 7 – CHARGE QUE PROVOCA O PENSAMENTO EM RELAÇÃO À EDUCAÇÃO BANCÁRIA,


QUE IMPEDE A REFLEXÃO E QUESTIONAMENTO (2)

FONTE: <https://solucoes-criativas.com.br/viver-5s-e-paulo-freire/>.Acesso em: 18 abr. 2020.

Apesar de o ensino tradicional também já ter sofrido algumas mudanças


ao longo dos anos, ainda predomina a característica do acúmulo de conhecimen-
tos recebido dos professores de forma passiva pelos alunos. Esse tipo de ensino

90
TÓPICO 2 | MODELOS DE SABERES E PRÁTICAS

acaba sendo antagonista do desenvolvimento do verdadeiro espírito científico,


que é baseado em questionamentos e problematizações das mais diversas ques-
tões (LEÃO, 1999).

É importante lembrar o quanto algumas ideias que eram consideradas


verdades absolutas vieram a cair por terra tempo depois. Você sabia que as
civilizações mais antigas acreditavam que a Terra era plana e que tudo girava
em torno dela? Galileu Galilei chegou a ser preso pelo tribunal eclesiástico por
defender suas ideias de que a Terra era redonda e que na verdade ela é que girava
em torno do Sol. Naquela época, isso era visto como algo absurdo, mas que
posteriormente foi aceito como verdade. Tudo isso porque alguém se questionou
e não aceitou o que estava posto como verdade absoluta (BIANEZZI, 2018).

A ciência se desenvolve através de um processo interrupto, ou seja,


é necessário o rompimento do conhecimento anterior para que um novo
conhecimento seja construído (DOMINGUINI; SILVA, 2010). A dificuldade de
aceitar esse rompimento é a primeira barreira para a construção do espírito
científico (BACHELARD, 1996), assim, se durante toda a vida escolar não somos
estimulados a pensar e somente recebemos os conhecimentos de outra pessoa
(o professor) como verdade absoluta, dificilmente teremos facilidade em ter
raciocínio crítico e reflexivo.

Outra característica do modelo tradicional é que a transmissão do


conhecimento é realizada de forma compartimentalizada, ou seja, separada por
disciplinas que não “conversam” entre si. Os currículos dos cursos de graduação
na área da saúde foram durante muito tempo divididos conforme a ideia de
Flexner, já citada no Tópico 1, com um ciclo inicial que geralmente ocorre nos
dois primeiros anos do curso, seguido de um ciclo profissionalizante de mais dois
ou três anos, dependendo do curso.

Além disso, existia a concepção dos currículos mínimos, aprovada pela Lei
de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, que era uma listagem de disciplinas
consideradas indispensáveis para cada curso de graduação e que deveriam
respeitar a um padrão nacional, o que acabava promovendo um engessamento
da formação. Inicialmente, parecia ser uma forma de garantir a qualidade
da educação, mas nunca foi possível provar que igualar todos os cursos seria
garantia de qualidade (SOUZA, 2001).Com o passar dos anos,se foi observando
que os currículos mínimos, além da rigidez, acabavam por deixar os cursos com
a carga horária muito elevada e tinham um:

[...] número excessivo de disciplinas encadeadas em sistema rígido de


pré-requisitos, em cursos estruturados mais na visão corporativa das
profissões do que nas perspectivas da atenção para com o contexto
científico-histórico das áreas do conhecimento, do atendimento às
demandas existentes e da indução de novas demandas mais adequadas
à sociedade (FORGRAD, 1999 p. 1).

Essas e outras característica indicavam a necessidade de profundas


mudanças, e assim a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394,

91
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

de dezembro de 1996, foi aprovada flexibilizando e diminuindo a incoerência


entre a formação que está sendo aplicada aos profissionais de saúde e o que o
mercado profissional e a sociedade esperavam deste.

Segundo Catani, Oliveira e Dourado (2001, p. 77), “só a formação de


profissionais dinâmicos e adaptáveis às rápidas mudanças no mundo do trabalho
e às demandas do mercado de trabalho poderá responder aos problemas de
emprego e de ocupação profissional”, o que nos leva a refletir a importância
de desenvolver esses atributos durante a formação profissional, para isso não
poderia continuar com o modelo de ensino que se tinha à época.

Posteriormente, em 2001, o MEC publicou o Parecer nº 583/2001, que


orienta as diretrizes dos cursos de graduação a estimular o estudo independente
com o objetivo de aumentar a autonomia profissional e intelectual dos acadêmicos;
incentivar o reconhecimento de conhecimentos adquiridos fora das instituições,
inclusive no trabalho que tenham relevância para a área de formação; aumentar a
articulação da teoria com a prática; valorizar a pesquisa, os estágios, e a extensão,
inclusive incluindo essas atividades na carga horária do curso (BRASIL, 2001).

Em seu artigo escrito em 2005, o psicanalista e diretor do Grupo Hospitalar


Conceição, Rogério Amoretti, é enfático ao dizer que a educação médica realizada
na segunda metade do século XX formou profissionais com enfoque biologicista
e tecnicista, focado em sua especialidade, e individualista. E acrescenta que esse
tipo de formação não proporcionava, dentre outros requisitos necessários, a
compreensão da importância da integração de conhecimentos interdisciplinares
para uma assistência integral às pessoas e suas necessidades, realizada através de
um trabalho multidisciplinar (AMORETTI, 2005). O autor acrescenta ainda:

Vale destacar que estas características criticáveis não são exclusivas


da formação do médico. Elas também estão presentes na educação
das demais profissões da área da saúde, que, geralmente, apresentam
ainda maior fragilidade na formação de seus profissionais, que, em
sua maioria, não chegam a atingir a qualidade existente nos aspectos
tecnicista e cientificista da medicina (AMORETTI, 2005, p. 141).

Então, era mais do que clara a necessidade de quebrar o paradigma


da formação tradicional para que fosse possível formar um profissional mais
adequado às necessidades da contemporaneidade e, consequentemente, modificar
a forma de trabalhar na área da saúde.

3 OS TRÊS PARADIGMAS DO ENSINO-SERVIÇO DA


ATUALIDADE
Você sabe o que é um paradigma? Paradigma, segundo o Dicionário Au-
rélio (2020b, s.p.), é um substantivo masculino definido por “algo que serve de
exemplo ou modelo; padrão”. Ou seja, são padrões que nos acostumamos a se-
guir, pois de alguma forma aprendemos a fazer daquela maneira, mas muitas
92
TÓPICO 2 | MODELOS DE SABERES E PRÁTICAS

vezes não sabemos dizer o porquê agimos daquele jeito, fazemos pelo simples
fato de que “é assim que se faz”. Mas é importante questionarmos nossas ações
no sentido de romper paradigmas que já não nos servem mais, ou que poderiam
ser melhorados, você não acha?!

DICAS

O vídeo Você está vivendo um paradigma, disponível nesse link: https://bit.


ly/3gkanLA, mostra uma experiência que teria sido realizada com macacos para demonstrar
como se forma um paradigma e sugere que devemos nos questionar afim de suspender
essas ações impensadas. Veja lá! É uma animação muito legal e tem só três minutos.

Mas porque estamos falando sobre isso, mesmo? Estávamos falando so-
bre o modelo tradicional de ensino na área da saúde e, consequentemente, de
trabalho na saúde, os dois são exemplos de padrões seguido por muitos anos.
Você se lembra de que, no Tópico 1, falamos sobre os modelos de ensino na área
da saúde? Primeiramente, foi o modelo francês, depois o modelo alemão, depois
o modelo proposto por Flexner, enfim, sempre reproduzindo um modelo, um
padrão, ou seja, um paradigma. E assim esse paradigma se transporta para o dia
a dia do trabalho, pois temos a inclinação de reproduzir as ações da forma como
as aprendemos. E se aprendemos a trabalhar de forma individualizada, assim
iremos reproduzir até que nos questionemos (ou alguém nos questione) se esse é
realmente o jeito mais eficaz de se proceder.

Entretanto, já faz muito tempo que as práticas multiprofissionais e inter-


disciplinares são reconhecidas como a única forma de prestar assistência integral
às pessoas (AMORETTI, 2005). Mas o que exatamente isso quer dizer?

Você se lembra quando falamos que, desde a Declaração de Alma-Ata,


que ocorreu em 1978, já se tem claro que saúde é algo bem mais complexo do que
apenas a ausência de doença? Pois há outras questões envolvidas nesse processo,
como as condições sociais, psicológicas, econômicas, entre outras. Ou seja, para
lidar de forma completa com a saúde de uma pessoa, seria preciso uma pessoa
que entendesse muito bem de todos esses aspectos. Ou então, uma equipe de
profissionais com saberes específicos que pudessem juntos compartilhar suas ex-
periências, visando solucionar determinados casos de saúde, ou seja, uma equipe
multiprofissional.

Ocorre que com todas as modificações que aconteceram na área da saúde,


que já comentamos até então, é muito comum espaços compartilhados com vá-
rios profissionais de saúde, sejam eles hospitais, Unidades Básicas de Saúde e até
mesmo clínicas particulares. A fragmentação do trabalho na área da saúde está
cada vez diminuindo mais e é necessário que o processo de trabalho seja adapta-
do para essa nova realidade.
93
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

FIGURA 8 – CHARGE TRABALHO EM EQUIPE

FONTE: <https://bit.ly/3cS6ACT>. Acesso em: 18 abr. 2020.

Trabalhar em equipe é um processo de construção e cooperação transfor-


mador para todos que estão envolvidos, cooperar para alcançar um objetivo em
comum, além de ser gratificante, acelera os resultados, visto que fazer algo sozi-
nho além se ser mais difícil é mais demorado.

É claro que para isso precisamos desenvolver várias competências, como


saber administrar conflitos, sermos proativos e inovadores, nos mostrarmos aber-
tos a novas ideias, entre outras. Mas saber trabalhar em equipe nos dias de hoje é
imprescindível para qualquer profissional de saúde.

FIGURA 9 – TRABALHO EM EQUIPE

FONTE: <https://bit.ly/2LOOWUF>.Acesso em: 18 abr. 2020.

94
TÓPICO 2 | MODELOS DE SABERES E PRÁTICAS

DICAS

Veja uma animação da Pixar sobre o trabalho em equipe acessando o link a


seguir: https://www.youtube.com/watch?v=wQj4TLCeKdg.

Mas qual a diferença entre a interdisciplinaridade e multidisciplinarida-


de? E a transdisciplinaridade? Para entender a diferença entre esses termos é im-
portante entender alguns conceitos.

Vamos começar entendendo o que é a disciplinaridade. Segundo Japias-


su (1976), disciplinaridade é uma área de estudo com limites bem demarcados.
Ou seja, podemos considerar uma determinada área de conhecimento específico,
uma profissão ou uma especialidade de alguma profissão, como uma disciplina
ou disciplinaridade.

A multidisciplinaridade é a composição de várias disciplinas, mas cada


uma mantendo as suas próprias teorias e conhecimentos. Ocorre quando diver-
sas áreas diferentes conversam sobre um mesmo tema, assim é possível observar
a mesma temática sob vários ângulos, olhares e percepções diferentes, de acordo
com cada disciplina envolvida nesse processo. O que já representa um ganho, pois
se trata de uma visão mais ampliada do que a ótica disciplinar (MINAYO, 2010).

E
IMPORTANT

Não confunda multidisciplinaridade com multiprofissionalidade, que,


segundo Minayo:

[...] também diz respeito à múltipla articulação, agora, de áreas


profissionais. Ela acontece, geralmente quando, para solucio-
nar um problema complexo da prática, são necessários conhe-
cimentos de vários especialistas. Uma confusão muito comum,
na área acadêmica, é dizer que se realiza uma atividade inter-
disciplinar, quando na verdade o que colocamos em ação é
a colaboração interprofissional para a solução de problemas
ou para execução de um programa que requer a presença,
por exemplo, do assistente social, do operador de direito, do
médico, do psicólogo, e assim por diante. Nesses casos, não
estamos diante de disciplinas propriamente ditas, mas sim de
campos de conhecimentos e práticas como o Serviço Social, a
Saúde Coletiva, a Medicina, em que as especialidades profissio-
nais se encontram e cooperam (MINAYO, 2010, p. 436).

95
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

Na multidisciplinaridade ocorre apenas a junção de diversas disciplinas, mas


não quer dizer que exista um trabalho em equipe e coordenação (COSTA, 2007).

Por exemplo, em um hospital existem enfermeiros, médicos, psicólogos,


técnicos de enfermagem, e outros profissionais de saúde, mas isso quer dizer que
estes se reúnam para discutir casos de pacientes e tomar decisões em conjuntos.

FIGURA 10 – DIAGRAMA DA MULTIDISCIPLINARIDADE

Multidisciplinaridade
Existe uma temática comum
Não existe relação nem cooperação entre disciplinas
FONTE: <https://bit.ly/2LZzxkN>.Acesso em: 18 abr. 2020.

Já na interdisciplinaridade ocorre integração entre as disciplinas e existe


um processo interativo de onde todas as disciplinas saem engrandecidas. Não se
trata de apenas captar fundamentos de outras disciplinas, mas sim de realizar
trocas, avaliar, considerar e adicionar esses fundamentos, resultando em uma
disciplina modificada, nova e enriquecida (COSTA, 2007).

A interdisciplinaridade é o encontro de profissionais de várias áreas do


conhecimento contribuindo para uma abordagem coletiva, a fim de compreender
o fenômeno em questão, e não uma invasão de campo de conhecimento um do
outro. A interdisciplinaridade coloca as disciplinas em diálogo entre si de modo a
permitir uma nova visão da realidade. É uma modalidade de atuação científica e
prática que exige uma profunda compreensão de seu significado, manifestando-
se pelo diálogo e troca de conhecimentos, análises, métodos entre duas ou mais
disciplinas ou na resolução de um problema (MASETTO, 2006).

FIGURA 11 – DIAGRAMA DA INTERDISCIPLINARIDADE

Interdisciplinaridade
Existe cooperação e diálogo entre as disciplinas
Existe uma ação coordenada
FONTE: <https://bit.ly/2LZzxkN>. Acesso em: 18 abr. 2020.

96
TÓPICO 2 | MODELOS DE SABERES E PRÁTICAS

Mas você deve estar se perguntando: quais são as disciplinas que devem
participar de uma abordagem interdisciplinar? Quanto maior o número, mais
completa a solução? Segundo Minayo (2010, p. 436):

Não sabemos de antemão: é o objeto que nos convoca com sua com-
plexidade. Então, a interdisciplinaridade não deve ser entendida como
uma camisa de força para juntar pessoas, e nem para acomodar inte-
resses: quando demandada, ela responde a uma pergunta trazida por
um tema, de tal forma que ultrapasse a multidisciplinaridade e a mul-
tiprofissionalidade, ao mesmo tempo em que conta com elas.

Existe ainda um outro conceito muito importante, que é o da transdisci-


plinaridade no serviço, especialmente na Saúde.Segundo o Dicionário Aurélio
(2020c, s.p.), transdisciplinar é o “que contém ou abarca mais de uma discipli-
na; interdisciplinar”. Capaz de produzir uma interação entre disciplinas que,
não somente se restringindo ao conteúdo disciplinar, propõe um diálogo entre
campos do saber, buscando alcançar e alterar a percepção, cognição ou compor-
tamento do sujeito”.

Podemos também ainda definir esse modelo dentro da perspectiva e olhar


ampliado na saúde, que é a atuação simultânea de dois profissionais de áreas di-
ferentes no mesmo paciente e ao mesmo tempo é um estudo que envolve a trans-
disciplinaridade.

Vale lembrar que estudamos anteriormente sobre interdisciplinaridade,


e agora vamos entender o último modelo de saberes e práticas deste tópico: a
transdisciplinaridade, porém vamos trazer a diferença entre o interdisciplinar e
o transdisciplinar.

FIGURA 12 – DIFERENÇA ENTRE INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSDISCIPLINARIDADE

FONTE: <https://bit.ly/2zUleLm>. Acesso em: 19 abr. 2020.

97
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

Recapitulando sobre a interdisciplinaridade, esta é uma ligação existente


entre duas ou mais disciplinas, a partir de algo que é comum entre elas. Ela pro-
põe a capacidade de dialogar entre as diversas ciências, fazendo entender o saber
como um todo, e não como partes fragmentadas. Ela ainda considera o diálogo
entre as disciplinas, porém, envolve mais de uma disciplina adota uma perspecti-
va teórico-metodológica comum para as disciplinas envolvidas, promove a inte-
gração dos resultados obtidos, busca a solução dos problemas através da articu-
lação de disciplinas e os interesses próprios de cada disciplina são preservados. 

A transdisciplinaridade significa mais do que disciplinas que colaboram


entre elas em um projeto com um conhecimento comum a elas, mas significa tam-
bém que há um modo de pensar organizador que pode atravessar as disciplinas
e que pode dar uma espécie de unidade. Ela visa à unidade do conhecimento,
articulando elementos que passam entre, além e através das disciplinas, numa
busca de compreensão da complexidade do mundo real. Representando um nível
de integração disciplinar além da interdisciplinaridade — etapa superior de inte-
gração na qual não existe fronteira entre as disciplinas — um sistema de ensino
inovado busca superar o conceito de disciplina.

FIGURA 13 – INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSDISCIPLINARIDADE

FONTE: <https://bit.ly/2zUleLm>. Acesso em: 18 abr. 2020.

Vamos analisar melhor e pensar na transdisciplinaridade? Muitos acham


que é uma utopia, mas ela tem sido defendida por muitos pesquisadores, filósofos
e profissionais, pois defende um novo modo de pensar e conceber as práticas
educativas para além das disciplinas e do  método cartesiano e bancário. Esse
modelo envolve uma integração, diálogo e um entrelaçamento entre as diferentes
áreas do conhecimento dentro de um trabalho de equipe; estabelecendo uma troca
de conhecimentos entre as disciplinas e suas dissociações; tendo inúmeras faces de
compreensão do mundo, alcançar a unificação do saber através do protagonismo
de todos os saberes e fazeres numa única perspectiva de aprendizado buscando
a melhoria da prática.

98
TÓPICO 2 | MODELOS DE SABERES E PRÁTICAS

A inclinação ao uso mais frequente desse modelo permite transpor esse abis-
mo e formar não mais especialistas, mas profissionais com uma bagagem mais am-
pla, melhor preparados para enfrentar o competitivo e feroz mercado de trabalho.

Transdisciplinaridade é a etapa superior à interdisciplinaridade; não


atinge apenas as interações ou reciprocidades, mas situa essas relações no interior
de um sistema total; interação global das várias ciências; inovador; não é possível
separar as matérias.

FIGURA 14 – COMO ENTENDER MELHOR A TRANSDISCIPLINARIDADE

Transdisciplinaridade
Cooperação entre todas as disciplinas e interdisciplinas

FONTE:<https://bit.ly/2LZzxkN>. Acesso em: 18 abr. 2020.

DICAS

Assista ao vídeo sobre O que é transdisciplinaridade? Disponível neste link:


https://youtu.be/POvrDyZl_p4. Ele tem uma proposta de várias perguntas de surpresa aos
convidados presentes no lançamento do Nós da Comunicação. Neste vídeo é possível
conferir as mais divertidas respostas e a palavra final, de Regina Migliori, presidente do
Instituto Migliori e consultora em Cultura de Paz da Unesco. Vale a pena conferir!

Vamos pensar na transdisciplinaridade como modelo de ensino serviço,


saindo dos moldes tradicionais? Em especial na área da saúde? Mas, antes vamos
ver o que significa saúde? E integralidade?

99
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

FIGURA 15 – CONCEITO DE SAÚDE E INTEGRALIDADE

FONTE:<https://bit.ly/2LLSdUH> Acesso em: 28 abr. 2020.

Essa escuta, cuidado, acolhimento, tratamento digno e respeitoso são al-


gumas ideias que certamente participam dos sentidos da integralidade. Olhar o
ser humano como um todo, substituir o foco na doença pela atenção à pessoa,
com sua história de vida e seu modo próprio de viver e adoecer são outras pistas.

Reconhecer e lidar com diferentes saberes, abrir mão de modelos pré-esta-


belecidos e se dispor a discutir e experimentar os alcances e limites do que pode
ser a integralidade se torna também um caminho. A integralidade poderia ser en-
carada exatamente como essa ação social de interação democrática entre sujeitos
no cuidado em qualquer nível do serviço de saúde.

“A ‘integralidade’ como eixo prioritário de uma política de saúde,


ou seja, como meio de concretizar a saúde como uma questão de
cidadania, significa compreender sua operacionalização a partir de
dois movimentos recíprocos a serem desenvolvidos pelos sujeitos
implicados nos processos organizativos em saúde: a superação de
obstáculos e a implantação de inovações no cotidiano dos serviços de
saúde, nas relações entre os níveis de gestão do SUS e nas relações
destes com a sociedade” (Pinheiro, 2009).

A partir do conceito de saúde e integralidade do cuidado em saúde, par-


tindo da ampliação dos olhares entre as disciplinas, pensar no modelo da trans-
disciplinaridade fica um pouco mais fácil agora no seu entendimento. Podemos
pensar que na saúde esse envolvimento acontece numa maior integração, estrei-
tando o diálogo e um entrelaçamento entre as diferentes áreas do conhecimento
dentro de um trabalho de equipe. Assim estabelece uma troca de conhecimentos
entre as disciplinas e suas dissociações.

100
TÓPICO 2 | MODELOS DE SABERES E PRÁTICAS

Para melhor entendimento, podemos trazer como exemplo um acolhi-


mento ao usuário na unidade de saúde: uma equipe que recebe um homem de
aproximadamente 30 anos, acompanhado da mãe, com problemas mentais, os
profissionais tais como: psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, assistentes sociais,
terapeutas ocupacionais, dentre outros, se reúnem para estudar o caso dele.

Objetivando uma avaliação minuciosa, todos irão assisti-lo e todo profis-


sional que atender deverá estar ciente de seu diagnóstico e da área de seu colega,
logo a transdisciplinaridade entrará em vigor.

Nesse sentido, a transdisciplinaridade já está sendo utilizada pela equipe


que continua sendo estudada, analisada e encaminhada para outros setores, caso
necessite. Ao analisar esse caso, podemos perceber que essa prática já é utilizada
na saúde, em especial no SUS, e que o princípio da transdisciplinaridade terá
sempre profissionais de saúde que acreditam e lutam por este ideal,indo além
do seu território de saúde, buscando alternativas para melhoria da qualidade de
vida e atendimento ao paciente SUS.

Segue um exemplo dessa articulação e/ou encaminhamento após o estudo


de caso ser acolhido e avaliado:

FIGURA 16 – TRANSDISCIPLINARIDADE COMO INTEGRALIDADE NO CUIDADO EM SAÚDE

FONTE: <https://bit.ly/2ynUoej>. Acesso em: 28 abr. 2020.

101
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

Agora ficou mais claro, caro acadêmico, sobre esse modelo na prática de
saúde? E dada essa importância, especialmente, nas ações em saúde?

Partindo disso, podemos entender que toda a explicação teórica que nos
for possível escrever será insuficiente para alcançar a totalidade da compreensão,
a qual só se configura, neste caso, no dia a dia do que fazer em saúde, relação
dialética entre teoria e prática, reflexão e ação. Nesse sentido, Freire (1996, p. 24)
afirma que “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação
Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo”.

Após toda essa análise ao estudar um caso vindo a equipe de saúde,


podemos ver pelo olhar da saúde e transportada aos seres humanos,
seres do cuidado, objeto primeiro do pensar/fazer/existir da saúde,
tornando-se ínfima, incapaz de dar conta das complexidades que a
vida carrega no cotidiano da prática em saúde (MINAYO, 1994, p. 46).

Podemos afirmar ainda mais, como menciona Nicolescu (2003), é neces-


sário que se abandone a ilusão de poder e posse do conhecimento para que os
profissionais de saúde estejam mais aptos a compartilhar e a viver juntos. Ainda
afirmando, Gatto (2001, p. 128) constata: “quanto mais uma disciplina se ‘afina’,
se delimita e se fragmenta, tanto mais ela omite o questionamento e a discussão
das fronteiras dentro das quais se situa”. Ou seja, como vimos acima, faz-se ne-
cessário o olhar mais ampliado de saúde através do desprendimento dos saberes
e fazeres individuais de cada disciplina, através da transdisciplinaridade, nesse
resgata um olhar mais ampliado em saúde que resulta no atendimento mais exi-
toso e integral no cuidado do paciente.

Souza (1999, p. 14), ao contextualizar o que estamos vivendo enquanto


proposta política de saúde, diz que esta “comporta as inter-relações disciplinares
para a compreensão ampliada das necessidades, interesses da sociedade, pode
interferir tanto no processo de formação profissional,quanto[na] gestão dos siste-
mas de saúde públicos”.

A transdisciplinaridade acena uma mudança. Ela tenta suprir uma ano-


malia do sistema anterior, não destrói o antigo, apenas é mais aberta, mais ampla.
A necessidade da transdisciplinaridade decorre do desenvolvimento dos conhe-
cimentos, da cultura e da complexidade humana. Esta nova complexidade exige
tecer os laços entre a genética, o biológico, o psicológico, a sociedade, com a
parte espiritual ou o sagrado devendo também ser reconhecidos. É uma epis-
temologia, uma metodologia proveniente do caminho científico contemporâneo,
adaptado, portanto, aos movimentos societários atuais (PAUL, 2005).

Pensando em ampliar mais ainda o conceito, caro acadêmico, temos que


entender melhor que todos aqueles que trabalham em equipe de saúde precisam
entender essas diferenças dos atendimentos:interdisciplinar, multi e transdis-
ciplinar.

102
TÓPICO 2 | MODELOS DE SABERES E PRÁTICAS

FIGURA 17 – INTERDISCIPLINAR, MULTI E TRANSDISCIPLINAR

FONTE: <https://slideplayer.com.br/slide/11648941/>. Acesso em: 18 abr. 2020.

Eles estão intrinsecamente ligados ao processo de trabalho dos


profissionais de saúde, principalmente há a necessidade de ampliar esse olhar
por causa dos que não trabalham “isoladamente”, sentindo a necessidade dos
saberes de outros para que os resultados sejam alcançados.

DICAS

Sobre ampliar mais o olhar sobre transdisciplinaridade, é importante ler o


seguinte documento: HumanizaSUS prontuário transdisciplinar e projeto terapêutico.
Acesse https://bit.ly/2XlrG5Y.

FIGURA – HUMANIZASUS

FONTE:<https://bit.ly/2XlrG5Y>. Acesso em: 18 abr. 2020.

Caro acadêmico, vale a pena conhecer a proposta anterior, pois é um


esforço de transformar as ideias e definições da Política Nacional de Humanização
– PNH, em material simples e concreto de trabalho no dia a dia das unidades de
atenção à saúde.

103
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

FIGURA 18 – PLANILHA SÍNTESE DO PRONTUÁRIO TRANSDICIPLINAR

FONTE:<https://bit.ly/2XlrG5Y>. Acesso em: 18 abr. 2020.

O Prontuário Transdisciplinar na saúde estimula e fortalece o trabalho em


equipe e o diálogo entre os profissionais, favorecendo troca de conhecimentos,
inclusive com os doentes e familiares. Contribui também para o fortalecimento
do sentido de grupo, sustentando o estímulo do empenho no trabalho, além do
protagonismo.

Para finalizarmos este estudo, vamos reforçar o significado desses mode-


los de ensino a serviço da atualidade já estudados: Interdisciplinaridade, Multi-
disciplinaridade eTransdisciplinaridade, que são formas de articulação das disci-
plinas e estratégias para reunir as possibilidades de produção de conhecimentos
que trazem cada área.

Piaget (1972) define Transdisciplinaridade como uma etapa superior à


interdisciplinaridade que não só atingiria as interações ou reciprocidades, mas
situaria essas relações no interior de um sistema total, define ainda que a Trans-
disciplinaridade é como a interação global das várias ciências.

Enquanto a interdisciplinaridade busca integrar diferentes disciplinas,


compreendidas como campos específicos do conhecimento científico, a trans-
disciplinaridade busca a integração do conhecimento científico a outros modos
de produção de conhecimento, buscando um diálogo não apenas entre ciências
exatas e humanas, mas também entre ciência, arte, cultura, tradição, religião, ex-
104
TÓPICO 2 | MODELOS DE SABERES E PRÁTICAS

periência interior e pensamento simbólico. Transdisciplinaridade diz respeito ao


que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das disciplinas e além de
toda disciplina. Sua finalidade é a compreensão do mundo atual, e um dos im-
perativos para isso é a unidade do conhecimento. Transitar pelas disciplinas de
diferentes formas, buscando a religação dos saberes (FERIOTTI, 2009).

Pensando ainda nas áreas de conhecimento, nas quais se pode atingir es-
ses modelos, podemos mencionar:

• Ampliação e diversificação dos espaços de produção de conhecimento.


• Velocidade, imediatismo e tempo real na socialização do conhecimento.
• Necessidade de se continuar com pesquisas científicas em áreas específicas de
conhecimento.
• Conhecimentos enclausurados em suas especialidades já não são suficientes
para compreender, analisar e encaminhar muitos fenômenos atuais.
• Exige-se um conhecimento que se abra para outras áreas, procurando integra-
ção e diálogo.

Não temos dúvida, após estudarmos neste tópico a definição, objetivo e a


ampliação dos saberes e fazeres através do conhecimento e troca com o outro, vi-
mos, principalmente na área de saúde coletiva, no campo do SUS, estudos de caso
e/ou exemplicações que identificaram a transdisciplinaridade, como: unidade de
saúde, resgatando conhecimento através da prática, indo para além das investiga-
ções científicas e agregando novos saberes, sendo uma forma positiva e válida de
interação e prática exitosa que vem superando os limites da interdisciplinaridade.

FIGURA 19 –SUS E ATRANSDISCIPLINARIDADE

FONTE: Luz (2009, p. 307)

105
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

A você, estimado acadêmico e futuro profissional de saúde, vale salientar


que o cuidado em saúde nos cabe a predisposição e o desejo de acolher, escutar,
reconhecer potencialidades e limites do outro. É a realização de um projeto
conjunto e não um conjunto de normas e prescrições a serem seguidas. É avançar
nos limites do modelo tradicional de saberes e fazeres.

4 O PROCESSO DE TRABALHO NA SAÚDE


Pensando primeiramente no significado do processo de trabalho, de acor-
do com o Dicionário Aurélio (2020d, s.p.), seria a “maneira de se fazer alguma coi-
sa; procedimento: processo de criação. Ação contínua e prolongada, que expres-
sa continuidade na realização de determinada atividade no trabalho cotidiano”.
O trabalho é, antes de tudo, um processo entre homem e natureza, um proces-
so em que o homem medeia, regula e controla a sua troca material com a natureza
através da sua própria ação.

DICAS

Caro acadêmico, para que você possa se aprofundar um pouco mais sobre o
processo de trabalho, sugerimos a seguinte leitura: O CAPITAL - PROCESSO DE TRABA-
LHO, de Carl Marx. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/capital/
livro1/cap05/01.htm.

Inúmeras são as possibilidades de entender a origem do processo de tra-


balho, mas podemos nos ater ao fato primordial de que um processo existe para
tornar algo cíclico. Quando queremos obter resultados semelhantes fazendo vá-
rias vezes a mesma coisa, precisamos pensar em um formato (método) de caden-
ciar com fluidez (organizar) um conjunto de atividades e informações (processo).

O simples ato de escovar os dentes ou montar um automóvel, ou cozinhar


uma panqueca de couve, tudo é processo. Porém, um processo se torna realmente
relevante quando entrega algo de valor para as pessoas com quem se comprome-
te. Sendo uma forma importante para nos relacionarmos no trabalho, através do
processo, é a maneira de obter os resultados desejados, em um formato desejado
e, claro, gerando aprendizado a cada ciclo. Se não existe aprendizado em seu pro-
cesso, dificilmente obteremos sucesso de forma perene e sustentável.

Caro acadêmico, para você entender melhor, o processo de trabalho já


foi descrito historicamente por alguns estudiosos como Taylor (na perspectiva
técnica, foco na divisão de tarefas) e Marx (na perspectiva do capitalismo e das
relações trabalhistas).

106
TÓPICO 2 | MODELOS DE SABERES E PRÁTICAS

Pensando nessa perspectiva, vamos refletir nesse Processo de Trabalho na


Saúde, mas antes temos que entender o que é esse trabalho em saúde.

Segundo Merhy (2002), a produção na saúde realiza-se, sobretudo, por


meio do “trabalho vivo em ato”, isto é, o trabalho humano no exato momento em
que é executado e que determina a produção do cuidado. Mas o trabalho vivo
interage todo o tempo com instrumentos, normas, máquinas, formando assim
um processo de trabalho, no qual interagem diversos tipos de tecnologias.

Essas formas de interações configuram um certo sentido no modo de pro-


duzir o cuidado. Vale ressaltar que todo trabalho é mediado por  tecnologias  e
depende da forma como elas se comportam no processo de trabalho; pode-se ter
processos mais criativos, centrados nas relações, ou processos mais presos à lógi-
ca dos instrumentos duros (como as máquinas) (MERHY,2002).

Esse processo de trabalho em saúde reúne algumas variáveis: como os ato-


res envolvidos — os profissionais de saúde que trabalham para alcançar um obje-
tivo: o atendimento de cuidado em saúde, e realizar a assistência para a população
integral. Esse atendimento seria o "trabalho vivo" segundo Merhy (2002), neste caso
é necessária uma articulação com os gestores, objetivando melhoria do atendimen-
to em saúde, através dos meios (recursos tecnológicos em saúde, ferramentas e
produtos) que têm o objetivo de atender às necessidades em saúde da população.

FIGURA 20 – ATENDIMENTO EM SAÚDE TRANSDISCIPLINAR

FONTE:<https://bit.ly/2XhOhAH>. Acesso em: 19 abr. 2020.

Pensar no ‘trabalho em saúde’ é que não há trabalhador de saúde que dê


conta sozinho do mundo das necessidades de saúde, o objeto real do ‘trabalho
em saúde’ é sempre realizado por um trabalho coletivo. Toda equipe é de
fundamental importância para que o trabalho de um dê sentido ao trabalho do
outro, e assim, como vimos anteriormente, modelo transdisciplinar do trabalho
é um modelo exitoso com resolutividade na direção da verdadeira finalidade do
trabalho em saúde, que é cuidar do usuário, o verdadeiro portador efetivo das
necessidades de saúde.

107
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

DICAS

O vídeo Processo de trabalho na Saúde, em especial na ESF – Estratégia


de Saúde da Família, disponível em: https://youtu.be/O5hinIOgvZU, mostra a História
do trabalho e o processo de trabalho na unidade básica de saúde – ESF. Sugerimos que
assista, por se tratar de um vídeo explicativo que traz um detalhamento objetivo da história
do conceito de saúde, determinantes sociais e os modelos e caminhos do processo de
trabalho na saúde e, em especial, na saúde Coletiva – no SUS. Destaca a importância do
processo de trabalho na saúde como o “trabalho vivo”, fundamental no cuidado em saúde
e sua integralidade do usuário.

Para que você, acadêmico, tenha um entendimento mais abrangente do


processo de trabalho em saúde, encerramos mostrando que há um potencial de
trabalho de todos os profissionais que pode ser aproveitado para cuidados diretos
com o usuário, elevando assim a capacidade resolutiva dos serviços. Isso se faz,
sobretudo, reestruturando os processos de trabalho e potencializando o ‘trabalho
vivo em ato’ e a valise das relações, como fontes de energia criativa e criadora de
um novo momento na configuração do modelo de assistência à saúde.

108
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O modelo de ensino emergente visando incentivar a autonomia do aluno e


formar um profissional crítico e reflexivo.

• Para que ocorresse essa mudança na formação, diversas modificações ocorreram


nos cursos de graduação das áreas da saúde.

109
AUTOATIVIDADE

1 Considerando os modelos de ensino e o conceito de disciplinas e suas intera-


ções, assinale a alternativa correta:

a) ( ) O modelo tradicional de ensino é baseado na transferência de conhe-


cimento do professor para o aluno, conhecido como “educação bancária”, em
que o professor deve “depositar” seus conhecimentos nos alunos, sem qual-
quer discussão ou reflexão.
b) ( ) Uma característica bastante marcante do modelo tradicional de ensino
é que a transmissão do conhecimento é realizada de forma integrada, ou seja,
todas as disciplinas “conversam” entre si.
c) ( ) A interdisciplinaridade ocorre quando diversas áreas diferentes con-
versam sobre um mesmo tema, assim é possível observar a mesma temática
sob vários ângulos, olhares e percepções diferentes, de acordo com cada disci-
plina envolvida nesse processo, mas não quer dizer que exista um trabalho em
equipe e coordenação.
d) ( ) A interdisciplinaridade é o encontro de profissionais de várias áreas do co-
nhecimento contribuindo para uma abordagem coletiva, a fim de compreender o
fenômeno em questão, mas que pode ser difícil de manter no dia a dia do processo
de trabalho por conta da invasão de campo de conhecimento um do outro.
e) ( ) A multidisciplinaridade é o “que contém ou abarca mais de uma dis-
ciplina; interdisciplinar”. Capaz de produzir uma interação entre disciplinas
que, não somente se restringindo ao conteúdo disciplinar, propõe um diálogo
entre campos do saber, buscando alcançar e alterar a percepção, cognição ou
comportamento do sujeito”.

2. A partir do conceito de saúde e integralidade do cuidado em saúde, partindo


da ampliação dos olhares entre as disciplinas, pensar no modelo da transdisci-
plinaridade, assinale a alternativa correta:

a) ( ) Essa escuta, cuidado, acolhimento, tratamento digno e respeitoso não


são algumas ideias que certamente participam dos sentidos da integralidade.
b) ( ) Olhar o ser humano como um todo, substituir o foco na doença pela
atenção à pessoa, com sua história de vida e seu modo próprio de viver e ado-
ecer são outras pistas.
c) ( ) Reconhecer, mas não lidar com diferentes saberes, abrir mão de mode-
los pré-estabelecidos e se dispor a discutir e experimentar os alcances e limites
do que pode ser a integralidade se torna também um caminho.
A integralidade poderia ser encarada exatamente como essa ação social de in-
teração democrática entre sujeitos no cuidado, mas não em qualquer nível do
serviço de saúde.

110
UNIDADE 2
TÓPICO 3

MODELOS ASSISTENCIAIS

1 INTRODUÇÃO
Prezado acadêmico, este é o último tópico Unidade 2. No decorrer do
estudo, você encontrará os modelos assistenciais, que são os sistemas de saúde,
e o processo histórico da Saúde. O conceito de saúde é amplo e controverso,
veremos a definição e evolução do Sistema de Saúde, especialmente no Brasil,
apresentando o SUS como Sistema Único de Saúde, universal e de direito a todos.

Apresentaremos também os sistemas fragmentados hierarquizados e as


diferenças entre sistemas fragmentados e rede de atenção à saúde. Por último,
veremos o modelo de atenção à saúde, seu conceito como um sistema lógico que
organiza o funcionamento das redes de atenção à saúde, articulando, de forma
singular, as relações entre os componentes da rede e as intervenções sanitárias.

2 OS SISTEMAS DE SAÚDE
O conceito de saúde é amplo e controverso. Durante os anos, houve várias
mudanças sobre concepções de saúde, diante do tempo, cultura e visões. Nessa
concepção do verdadeiro conceito universalmente, de saúde, só houve um con-
senso entre as nações, após o término da Primeira Guerra, porém não conseguin-
do esse objetivo, apenas após a Segunda Guerra.

Com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Orga-


nização Mundial da Saúde (OMS), o direito à saúde e da obrigação do
Estado na promoção e proteção da saúde, que ‘Saúde é o estado do
mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausên-
cia de enfermidade’. Sendo assim buscando o entendimento de saúde
‘o direito à vida plena, sem privações’ (SCLIAR, 2007, p. 37).

111
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

FIGURA 21 – DIVERSOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM A NOÇÃO DE SAÚDE

FONTE: <https://sinpefpe.org.br/federal-saude/>. Acesso em: 18 abr. 2020. 

Após o consenso sobre o conceito de saúde, foi determinado um amplo re-


conhecimento do direito à saúde e da obrigação do Estado na promoção e prote-
ção da saúde, diante dessa definição abrange uma ampliação do campo da saúde:

• a biologia humana, que compreende a herança genética e os pro-


cessos biológicos inerentes à vida, incluindo os fatores de envelhe-
cimento;
• o meio ambiente, que inclui o solo, a água, o ar, a moradia, o local
de trabalho;
• o estilo de vida, do qual resultam decisões que afetam a saúde:
fumar ou deixar de fumar, beber ou não, praticar ou não exercícios;
• a organização da assistência à saúde. A assistência média, os servi-
ços ambulatoriais e hospitalares e os medicamentos são as primei-
ras coisas em que muitas pessoas pensam quando se fala de saúde.
No entanto, esse é apenas um componente do campo da saúde, e
não necessariamente o mais importante. Às vezes, é mais benéfico
para a saúde ter água potável e alimentos saudáveis do que dispor
de medicamentos. É melhor evitar o fumo do que submeter-se a
radiografias do pulmão todos os anos. É claro que essas coisas não
são excludentes, mas a escassez de recursos na área de saúde obri-
ga, muitas vezes, a selecionar prioridades (SCLIAR, 2007, p. 37).

Diante disso a saúde estava sendo analisada como além dos fatores
biológicos que levam à doença, tais fatores seriam os determinantes sociais: como
o meio ambiente que influencia a qualidade de vida, o estilo de vida escolhido
pelo indivíduo ou condicionado a ele e também à assistência à saúde. Pensando
nessa perspectiva, o conceito de saúde remete às relações amplas e que vão além
da dicotomia doente/saudável.

O conceito da OMS recebeu críticas após ser ampliado, a natureza técnica


(a saúde seria algo ideal, inatingível; a definição não pode ser usada como
objetivo pelos serviços de saúde), outras de natureza política, libertária: o conceito
permitiria abusos por parte do Estado, a vida dos cidadãos tinham intervenção
com um falso objetivo da preocupação de promover a saúde.
112
TÓPICO 3 | MODELOS ASSISTENCIAIS

Diante dessas análises aconteceu, na cidade Alma-Ata (no atual


Cazaquistão), em 1978, promovida pela OMS, a Conferência Internacional de
Assistência Primária à Saúde, em que a OMS deu atenção a temáticas abrangentes:
 
A Conferência enfatizou as enormes desigualdades na  situação da
saúde entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos; destacou a
responsabilidade governamental na provisão da saúde e a importância
da participação de pessoas e comunidades no planejamento e
implementação dos cuidados à saúde. Trata-se de uma estratégia
que se baseia nos seguintes pontos: 1) as ações de saúde devem ser
práticas, exequíveis e socialmente aceitáveis; 2) devem estar ao
alcance de todos, pessoas e famílias – portanto disponíveis em locais
acessíveis à comunidade; 3) a comunidade deve participar ativamente
na  implantação e na atuação do sistema de saúde; 4) o custo dos
serviços deve ser compatível com a situação econômica da região e do
país. Estruturados dessa forma, os serviços que prestam os cuidados
primários de saúde representam a porta de entrada para o sistema de
saúde, do qual são, verdadeiramente, a base (SCLIAR, 2007, p. 38).
 
Esta ampliou a discussão e olhar sobre saúde, sendo além da ausência
de doença, compreendendo e atendendo o indivíduo independentemente das
condições sociais e econômicas a partir dessa conferência.

Segundo a Carta de Ottawa — documento elaborado para a Primeira


Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, no ano de 1986, em Ottawa,
Canadá, para a contribuição com as políticas de saúde mundial —, “a saúde deve
ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver” (CARTA DE
OTTAWA, 1986, p. 1). Assim, entendemos a saúde como uma condição humana
com dimensões sociais e pessoais, além das capacidades físicas individuais.

NOTA

CARTA DE OTTAWA – PRIMEIRA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE


PROMOÇÃO DA SAÚDE OTTAWA, NOVEMBRO DE 1986

A Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em Ottawa,


Canadá, em novembro de 1986, apresenta neste documento sua Carta de Intenções, que
seguramente contribuirá para se atingir Saúde para Todos no Ano 2000 e anos subsequentes.
Esta Conferência foi, antes de tudo, uma resposta às crescentes expectativas por uma
nova saúde pública, movimento que vem ocorrendo em todo o mundo. As discussões
localizaram principalmente as necessidades em saúde nos países industrializados, embora
tenham levado em conta necessidades semelhantes de outras regiões do globo. As
discussões foram baseadas nos progressos alcançados com a Declaração de Alma-Ata para
os Cuidados Primários em Saúde, com o documento da OMS sobre Saúde Para Todos,
assim como com o debate ocorrido na Assembleia Mundial da Saúde sobre as ações
intersetoriais necessárias para o setor.

FONTE: <https://bit.ly/3bXGUn4>. Acesso em: 18 abr. 2020.

113
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

Após o cenário de movimento internacional, no Brasil houve também


um movimento bem importante que seria um dos marcos históricos da saúde
pública. As Conferências de Saúde sempre foram fundamentais para a demo-
cratização do setor.

No mesmo ano da Conferência em Ottawa e a Declaração de Alma-Ata,


foi realizada a histórica 8ª Conferência Nacional de Saúde, presidida pelo então
presidente da Fiocruz, Sérgio Arouca, e teve ampla participação social e seu relató-
rio final serviu de base para o capítulo sobre saúde na Constituição Federal de 1988,
resultando na criação do Sistema Único de Saúde (SUS), neste foi produzido um
relatório final que serviu como subsídio para o legislativo elaborar o artigo 196 da
Constituição Federal: “Da Saúde: reconhece a saúde como direito de todos e dever
do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988, p. 1).

DICAS

Caro acadêmico, convidamos você a conhecer a Constituição Federal na


íntegra: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoConstituicao/anexo/CF.pdf.

FIGURA – CONSTITUIÇÃO FEDERAL

FONTE: <https://bit.ly/3cVMOGM>. Acesso em: 2 mar. 2020.

E também os artigos Constituição Federal (Artigos 196 a 200) sobre o SUS: https://bit.
ly/3cQgHYZ.

Após o relatório da Constituição e o princípio como direito de todos e dever


do Estado, que norteia o SUS — Sistema Único de Saúde — para colaborar e desen-
volver a dignidade aos brasileiros, como cidadãos e como seres humanos, sendo
proporcionado o acesso universal ao sistema público de saúde, sem discriminação.

114
TÓPICO 3 | MODELOS ASSISTENCIAIS

A atenção integral à saúde, e não somente aos cuidados assistenciais, pas-


sou a ser um direito de todos os brasileiros, desde a gestação e por toda a vida, com
foco na saúde com qualidade de vida, visando à prevenção e à promoção da saúde.

A rede que compõe o SUS é ampla e abrange tanto ações quanto os


serviços de saúde. Sendo a atenção primária, média e alta complexidades, os
serviços urgência e emergência, a atenção hospitalar, as ações e serviços das
vigilâncias epidemiológica, sanitária e ambiental e assistência farmacêutica. A
gestão das ações e dos serviços de saúde deve ser solidária e participativa entre
os três entes da Federação: a União, os Estados e os municípios.

DICAS

Caro acadêmico, convidamos você também a conhecer a Sistema único de


Saúde — SUS — na íntegra: SUS: princípios e conquistas. Ministério da Saúde. Brasília, DF.
Acesse: bvsms.saude.gov.br

FIGURA – SUS

FONTE: <https://bit.ly/2zX4Rhg>. Acesso em: 3 mar. 2020.

Boa Leitura!

A saúde de uma pessoa pode ser verificada por diversos fatores, como
a biologia humana, o ambiente físico, social e econômico a que está exposto e
pelo seu estilo de vida, isto é, pelo conjunto de ações cotidianas que refletem as
atitudes, valores e oportunidades na vida de cada um (NAHAS, 2006).

115
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

NTE
INTERESSA

A equipe do site Pense SUS participou de oficinas com meninos e meninas de


diversas idades, onde lançou a pergunta "O que é saúde para você?". O convite era para que
respondessem por meio de desenhos.

FIGURA – O QUE É SAÚDE?

FONTE: <http://pensesus.fiocruz.br/>. Acesso em: 18 abr. 2020.

Com o avanço do atendimento, do cuidado e o olhar integral em saúde,


foram surgindo várias discussões sobre o acesso e o conceito ampliado de saúde,
houve o reconhecimento dos conceitos de determinação social e biológica da
saúde e doença em saúde, reforçando a identificação dos principais determinantes
sociais de saúde e sua da influência nas desigualdades em saúde.

3 O QUE É O SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE?


O Ministério da Saúde é o órgão do Poder Executivo Federal responsável
pela organização e elaboração de planos e políticas públicas voltadas para a
promoção, prevenção e assistência à saúde dos brasileiros mediante a integração
e a construção de parcerias com os órgãos federais, as unidades da Federação, os
municípios e estados.

Atenção à saúde designa a organização estratégica do sistema e das


práticas de saúde em resposta às necessidades da população. É expressa em
políticas, programas e serviços de saúde consoante os princípios e as diretrizes
que estruturam o Sistema Único de Saúde (SUS).

O sistema de saúde brasileiro é composto pelo SUS e pelo braço privado


representado por planos de saúde e por profissionais autônomos. Para a realidade
brasileira, o SUS representa significativo avanço na saúde pública.
116
TÓPICO 3 | MODELOS ASSISTENCIAIS

3.1 SISTEMAS FRAGMENTADOS HIERARQUIZADOS


Os sistemas integrados de atenção à saúde são aqueles organizados através
de uma rede integrada de pontos de atenção à saúde que presta uma assistência
contínua e integral a uma população definida, com comunicação fluida entre os
diferentes níveis de atenção à saúde.

Já os sistemas fragmentados hierarquizados são muito hegemônicos,


organizam em pontos da atenção em saúde isoladamente, e nenhuma comunicação
entre eles, não prestam ação contínua à população. Responsabilidade sobre a
população adscrita não há. A atenção primária não realiza comunicação com a
atenção secundária, nem tampouco com a terciária.

Diferentemente dos sistemas integrados de atenção à saúde, a Rede de


Atenção à Saúde conversa entre os três níveis de atenção (primária, secundária
e terciária), prestando assistência contínua e integral a uma população adscrita e
conhecida. A comunicação flui melhor facilitando o atendimento do usuário e os
encaminhamentos para os níveis de atenção à saúde.

FIGURA 22 – DIFERENÇAS ENTRE SISTEMAS FRAGMENTADOS E REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE

FONTE: Adaptado de Mendes (2011)

3.2 REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE


As Redes de Atenção à Saúde (RAS) são arranjos organizativos de ações e
serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas que, integradas por meio
de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integrali-
dade do cuidado (Ministério da Saúde, 2010 – portaria nº 4.279, de 30/12/2010),
tendo a RAS o objetivo de incrementar o desempenho do Sistema, em termos de
acesso, equidade, eficácia clínica e sanitária e eficiência econômica. Além da gran-

117
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

de importância de promover a integração sistêmica, de ações e serviços de saú-


de de atenção contínua, integral, de qualidade, responsável e humanizada.

Caro acadêmico, vamos conhecer os níveis de atenção à saúde no Brasil:

• Nível primário de atenção à saúde – a prevenção.


• Nível secundário de atenção à saúde – o tratamento especializado.
• Nível terciário de atenção à saúde – a cirurgia e a reabilitação.

Na Figura 23, você poderá entender o processo e a importância da Atenção


Básica / Primária na rede de atenção à saúde:

FIGURA 23 – NÍVEIS DE ATENÇÃO À SAÚDE NO BRASIL

FONTE:<http://redehumanizasus.net/94461-seja-bem-vindo/>. Acesso em: 3 mar. 2020.

Com o surgimento do SUS, a Atenção Básica (AB) chamamos de “porta


de entrada” dos usuários, é o atendimento inicial. No sistema de saúde, a AB
pode ser considerada centro de comunicação com toda a Rede de Atenção à
Saúde. O trabalho das Unidades Básicas de Saúde (UBS) tem basicamente como
pressuposto a orientação sobre a prevenção de doenças, a solução dos possíveis
casos de agravos à saúde e direcionamento dos mais graves para níveis de
atendimento superiores em complexidade.

118
TÓPICO 3 | MODELOS ASSISTENCIAIS

FIGURA 24 – DESCRIÇÃO DO CONCEITO DE RAS

FONTE:<http://redehumanizasus.net/94461-seja-bem-vindo/>. Acesso em: 3 mar. 2020.

• Funções da Atenção Básica nas Redes de Atenção à Saúde:

I – Ser base: ser a modalidade de atenção e de serviço de saúde com o mais


elevado grau de descentralização e capilaridade, cuja participação no
cuidado se faz sempre necessária.

II – Ser resolutiva: identificar riscos, necessidades e demandas de saúde,


utilizando e articulando diferentes tecnologias de cuidado individual e
coletivo, por meio de uma clínica ampliada capaz de construir vínculos
positivos e intervenções clínica e sanitariamente efetivas, na perspec-
tiva de ampliação dos graus de autonomia dos indivíduos e grupos
sociais.

III – Coordenar o cuidado: elaborar, acompanhar e gerir projetos terapêuticos


singulares, bem como acompanhar e organizar o fluxo dos usuários entre
os pontos de atenção das RAS. Atuando como o centro de comunicação
entre os diversos pontos de atenção responsabilizando-se pelo cuidado
dos usuários em qualquer destes pontos através de uma relação horizon-
tal, contínua e integrada com o objetivo de produzir a gestão comparti-
lhada da atenção integral. Articulando também as outras estruturas das
redes de saúde e intersetoriais, públicas, comunitárias e sociais. Para isso,
é necessário incorporar ferramentas e dispositivos de gestão do cuidado,
tais como: gestão das listas de espera (encaminhamentos para consultas
especializadas, procedimentos e exames), prontuário eletrônico em rede,

119
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

protocolos de atenção organizados sob a lógica de linhas de cuidado,


discussão e análise de casos traçadores, eventos-sentinela e incidentes
críticos, dentre outros. As práticas de regulação realizadas na atenção bá-
sica devem ser articuladas com os processos regulatórios realizados em
outros espaços da rede, de modo a permitir, ao mesmo tempo, a qualida-
de da microrregulação realizada pelos profissionais da atenção básica e
o acesso a outros pontos de atenção nas condições e no tempo adequado,
com equidade;
 
IV – Ordenar as redes: reconhecer as necessidades de saúde da população
sob sua responsabilidade, organizando as necessidades desta popula-
ção em relação aos outros pontos de atenção à saúde, contribuindo para
que a programação dos serviços de saúde parta das necessidades de
saúde dos usuários.

FONTE: <https://aps.saude.gov.br/smp/smprasfuncoesab>. Acesso em: 24 abr. 2020.

O sistema de saúde brasileiro, do ponto de vista organizacional, parte do


pressuposto conceitual da própria palavra sistema, compreendida como sendo
um conjunto de partes que funcionam de maneira integrada para a formação de
um todo. É um coletivo que funciona a partir da existência e resolubilidade de
cada uma das suas frações.

Alguns estudiosos entendem que os sistemas de atenção à saúde são res-


postas sociais deliberadas às necessidades de saúde da população e que, por sua
vez, ao se aplicar no Brasil, deve iniciar pela análise das necessidades de saúde
que se expressam na população brasileira.

O Sistema Único de Saúde (SUS) obedece a esta lógica e foi pensado para
existir através do coletivo de partes, os denominados pontos de atenção, que mesmo
de maneira desordenada e sem qualquer tipo de integralidade, já pertenciam às anti-
gas estruturas gerenciais antes da Reforma Sanitária, leia-se aí o Instituto Nacional de
Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS), que abrigava os diversos pontos
de atenção da assistência ambulatorial e hospitalar e a Fundação Serviço de Saúde
Pública (FSESP) responsável pelos pontos de atenção da saúde preventiva.

Desse desenho organizacional surgiu o SUS, unificando todas essas es-


truturas e alterando o modelo de gestão até então centralizada no Governo Fede-
ral, possibilitando o fomento ao desenvolvimento dessa estrutura organizacional
com a implantação do protagonismo municipal na gestão de todo o sistema de
saúde brasileiro.

Todas essas transformações trouxeram consigo novas necessidades, que-


bras de muitos paradigmas e, acima de tudo, a aproximação dos serviços de
saúde de seus usuários. O acesso universal, gratuito e garantido, provocou uma

120
TÓPICO 3 | MODELOS ASSISTENCIAIS

reorganização territorial dos pontos de atenção à saúde e, ainda, reescreveu a


geografia destes.

Sabemos, contudo, que seria inimaginável para um país continental como


o Brasil, com tantas diversidades loco-regionais e com tantas peculiaridades que
envolvem um coletivo de culturas, vulnerabilidades, hábitos, necessidades, de-
mandas e outras variáveis, seria impensável projetar um sistema de saúde capaz
de ofertar tudo em todo o território, dada a impossibilidade de sustentabilidade,
de logística, de capacidade instalada, tecnologias e trabalhadores de saúde.

Assim, antes de se pensar na construção de pelo menos um hospital em


cada município brasileiro, era necessário prever as condições mínimas para a sua
devida manutenção e resolubilidade. Dessa premissa, surgiu o ideário em apro-
veitar a estrutura que já existia, aproximar as fronteiras num novo conceito de ter-
ritório, não limitado por mapas geográficos, mas por ofertas de serviços de saúde.

O SUS, dentro dos seus três níveis de atenção: atenção primária, média
e alta complexidades precisava ser visto e resolver os problemas de saúde da
população de maneira integral, sem fissuras, dentro de cada território onde essa
população vive. E o coletivo de pontos de atenção capazes de ofertar e garantir
essa assistência integral, comunicada e relacionada com as necessidades de saúde
de cada usuário que dele necessite representa a denominação de rede, no caso
específico da saúde, Redes de Atenção à Saúde (RAS).

O primeiro conceito de RAS deriva do chamado Relatório Dawson, pu-


blicado em 1920, a pedido do Governo Inglês, fruto do debate de mudanças no
sistema de proteção social depois da Primeira Guerra Mundial. Sua missão era
buscar, pela primeira vez, formas de organizar a provisão de serviços de saúde
para toda a população de uma dada região.

Este documento enxergava que a organização de um serviço de saúde e a


consequente adequação dele com a população por ele atendida, só seria possível
com a aproximação da medicina curativa com a preventiva. Reunindo todos os
pontos de atenção frente a um objetivo comum.

Nesta leitura, para cada dado território, o Relatório propunha a organiza-


ção de serviços para atenção integral à população com base formada por serviços
"domiciliares" apoiados por centros de saúde primários, laboratórios, radiologia
e acomodação para internação. Esta seria a "porta de entrada" do sistema. Os cen-
tros primários, localizados em vilas, estariam ligados a centros de saúde secundá-
rios, localizados nas cidades maiores, com oferta de serviços especializados, cuja
localização deveria se dar de acordo com a distribuição da população, os meios
de transporte e os fluxos estabelecidos, variando "em tamanho e complexidade,
segundo as circunstâncias".

Os casos que não pudessem ser resolvidos neste nível seriam encaminha-
dos a um hospital de referência, ao qual os centros se vinculariam. Os profissio-

121
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

nais trabalhariam de forma integrada, de modo que o pessoal adscrito aos centros
de saúde poderia acompanhar o processo em que interferiram desde o começo,
familiarizar-se com o tratamento adotado e apreciar as necessidades do paciente
depois de seu regresso ao lar.

Estava assim desenhada a essência de um sistema de saúde fragmentado


como o nosso SUS, em meados dos anos 1920, estava construída a ideia de RAS e
ainda, estabelecida como única estratégia capaz de organizar e garantir acesso a
ações e serviços de saúde de maneira integral e resolutiva.

Para o Ministério da Saúde brasileiro, as RAS seriam arranjos organiza-


tivos de ações e serviços de  saúde, de diferentes densidades tecnológicas que,
integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam
garantir a integralidade do cuidado.

Este conceito não é estático, ao contrário, está em constante transformação


e completude, pois além do viés organizacional e teórico, discutir as denomina-
das RAS envolve ainda um debate filosófico a se considerar todas as influências
que o setor saúde sofre dos demais sistemas sociais, como a educação, a econo-
mia, a infraestrutura, dentre outros.

Além do conceito técnico, podemos caracterizar as RAS dentro da pers-


pectiva filosófica, onde deve ser considerada a percepção dos usuários do que
seria esta rede, para eles, uma RAS nada mais é do que o coletivo de pontos de
atenção que eles ou utilizam ou podem utilizar numa eventual necessidade, é
como cada cidadão percebe o SUS na prática, sente a presença do SUS em sua
vida. Por exemplo, quando perguntamos para o usuário o conceito de SUS, ele
vai sempre se utilizar do ponto percebido da RAS dentro de sua realidade para
conceituar a parte pelo todo.

Para os conteúdos básicos de uma RAS é necessário que todo o coletivo de


pontos de atenção apresentem missão e objetivos comuns; operem de forma coope-
rativa e interdependente; intercambiem constantemente seus recursos; são estabe-
lecidas sem hierarquia entre os diferentes componentes, organizando-se de forma
poliárquica, em que todos os pontos de atenção à saúde são igualmente importan-
tes e se relacionam horizontalmente; implicam um contínuo de atenção nos níveis
primário, secundário e terciário; convocam uma atenção integral com intervenções
promocionais, preventivas, curativas, cuidadoras, reabilitadoras e paliativas; fun-
cionam sob coordenação da atenção primária à saúde; prestam atenção oportuna,
em tempos e lugares certos, de forma eficiente e ofertando serviços seguros e efeti-
vos, em consonância com as evidências disponíveis; focam-se no ciclo completo de
atenção a uma condição de saúde; têm responsabilidades sanitárias e econômicas
inequívocas por sua população; e geram valor para a sua população.

• Tipos de Redes de Atenção à Saúde

Basicamente, existem dois tipos clássicos de RAS que se diferem pelo pro-
cesso organizacional e também funcional. O primeiro tipo e, infelizmente hege-
mônico até hoje, é o conceito de RAS na perspectiva piramidal, onde os serviços

122
TÓPICO 3 | MODELOS ASSISTENCIAIS

de saúde são organizados de maneira fragmentada, em que os níveis de atenção


não necessariamente convergem e nem se comunicam, apenas convivem median-
te uma hierarquia dura e pré-estabelecida, coexistindo serviços com percepções
de valores desiguais de importância.

Nos modelos fragmentados piramidais, estes pontos de atenção são iso-


lados um do outro, e por consequência, incapazes de ofertar uma assistência
integral e contínua à população. Na maioria das vezes não há uma população
adscrita bem definida, a atenção primária não é a ordenadora do cuidado nem se
comunica fluidamente com os outros níveis de atenção.

Neste modelo piramidal, os serviços do topo da pirâmide são em menor


quantidade, por isso estão no topo, agregam tecnologias mais duras e sofisticadas
e teoricamente são os detentores do conhecimento mais aprimorado e resolutivo.
Por se tratarem do topo da pirâmide são mais valorizados e a eles são destinados
os maiores recursos, sejam econômicos, tecnológicos e até logísticos.

No SUS ainda teimamos na perpetuação deste modelo tradicional, perce-


bemos o aporte de recursos na alta complexidade completamente desproporcio-
nal àqueles que são destinados à Atenção Primária, à Educação Permanente em
Saúde e com as pesquisas em saúde.

Em contraponto ao modelo piramidal fragmentado, temos o modelo de


redes poliárquicas, conjunto de serviços organizados que permitem ofertar uma
atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção
primária em saúde, prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo,
com a qualidade certa e com a responsabilidade sanitária sobre esta população.

Desta definição emergem os conteúdos básicos de uma RAS: tem respon-


sabilidades sanitárias e econômicas inequívocas por sua população; são organi-
zadas sem hierarquia entre os diversos pontos de atenção à saúde; implicam um
contínuo de atenção nos níveis primário, secundário e terciário; implicam a aten-
ção integral com intervenções promocionais, preventivas, curativas, cuidadoras,
reabilitadoras e paliativas; operam sob a coordenação da atenção primária à saú-
de; e prestam oportuna, em tempos e lugares certos e com a qualidade certa.

• Componentes de uma Rede de Atenção à Saúde

Já percebemos que formular uma RAS é algo complexo, peculiar, específico


à realidade de cada território, mas alguns componentes são básicos para que se
considere a estruturação destas. Preferimos denominar tais componentes básicos
como sendo os elementos construtivos de uma RAS.

1) População: um dos preceitos básicos, ter uma população adscrita, ou seja, de-
terminada pelos limites de um território e que seja de conhecimento total todos
os determinantes sociais que possam afetar tais componentes desta população e
comprometer sua qualidade de saúde. Esta população deve ser organizada pela
célula familiar e a Atenção Primária deve ter toda cadastrada como forma de

123
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

facilitar o planejamento estratégico das ações, levando em consideração os prin-


cípios filosóficos do próprio SUS: a integralidade, a equidade e a universalidade.
2) A estrutura operacional: a estrutura operacional de uma RAS materializa-se
em cinco componentes que são os pontos de atenção dos três níveis de atenção
que devem funcionar integrados e em comunicação ativa e solidária, a atenção
primária como ordenadora deste cuidado integral e centro desta comunicação
pró-ativa com os demais níveis de atenção, os sistemas de apoio, os sistemas
logísticos e o sistema de governança, como demonstrado na figura a seguir.

FIGURA 25 – ESTRUTURA OPERACIONAL DE UMA RAS

FONTE: <https://bit.ly/3g7oW4S>. Acesso em: 28 abr. 2020

3) O Modelo de Atenção à Saúde: é o sistema lógico que organiza o funciona-


mento da RAS, articulando de forma integral as relações entre os componentes
da rede e as intervenções sanitárias, definido em razão da visão prevalecente
da saúde, das situações demográfica e epidemiológica e dos determinantes so-
ciais da saúde, vigentes em determinado tempo e em determinada sociedade.
Quanto a este componente estrutural, pressupõe-se que uma RAS possa ser
efetiva quando acione todos os seus pontos de atenção de forma organizada,
ordenada pela Atenção Primária e que não haja hierarquias entre seus níveis
e para isso devemos imaginar a inversão do modelo assistencial médico cura-
tivista para um modelo multidisplinar com visão holística e voltado para as
ações de promoção de saúde. Este é o desafio.

124
TÓPICO 3 | MODELOS ASSISTENCIAIS

DICAS

Caro acadêmico, convidamos você a conhecer um material sobre as Redes de


Atenção à Saúde na íntegra: https://bit.ly/2LQHoRt.

FIGURA – REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE

FONTE: <https://bit.ly/2LQHoRt>. Acesso em: 3 mar. 2020.

4 MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE


Neste último subtópico, encerraremos com os Modelos de Atenção à Saú-
de, trazendo a organização das ações de atenção à saúde envolvendo aspectos
tecnológicos e assistenciais: objetivo de enfrentar e resolver problemas de saúde
de uma coletividade.

O conceito do Modelo de Atenção à Saúde é um sistema lógico que or-


ganiza o funcionamento das redes de atenção à saúde, articulando, de forma
singular, as relações entre os componentes da rede e as intervenções sanitárias,
definido em função da visão prevalecente da saúde, das situações demográfica e
epidemiológica e dos determinantes sociais da saúde, vigentes em determinado
tempo e em determinada sociedade (MENDES, 2011).

Modelos de Atenção em Saúde é uma maneira de organizar os meios de


trabalho utilizados nas práticas ou processos de trabalho em saúde (PAIM, 2003).

No Brasil, podemos citar os Modelos Assistenciais apresentados na figura a seguir:

FIGURA 26 – MODELOS DE ATENÇÃO

FONTE: Adaptado de Teixeira, Paim e Vilasboas (1998)

125
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

Principais características da Medicina Flexneriana (Relatório de Flexner, 1911):

• Ênfase na atenção médica individual, secundarizando a promoção e prevenção.


• Organização da assistência médica em especialidades.
• Valorização do ambiente hospitalar em detrimento da assistência ambulatorial.
• Educação médica separando as disciplinas do ciclo (anatomia, bioquímica,
fisiologia etc.) e profissional, sendo este realizado nos hospitais de ensino.

MODELO MÉDICO HEGEMÔNICO:

• Modelo tecnicista, hospitalocêntrico ou flexneriano.


• Concepção médica assistencial privatista.
• Assistência à doença em seus aspectos individuais e biológicos (caráter assis-
tencialista e curativo).
• Centrado no hospital, nas especialidades médicas, no uso intensivo de tecnolo-
gias duras e da demanda espontânea.
• Fragmentação na atuação dos profissionais / trabalhadores de saúde.
• Enfoque é vertical e paternalista tradicional, apoiado no biologismo e mecanicismo.

MODELO SANITARISTA:

• Expansão em 1930 – instalação de centros e postos de saúde.


• Baseado em ações pontuais e campanhas / ações ambulatoriais.
• Campanhas sanitárias, programas especiais, vigilância epidemiológica e
sanitária.
• Programas pré-natal, puericultura, tuberculose, hanseníase, IST.
• Administração única verticalizada.
• Objeto de trabalho: modos de transmissão e fatores de risco das diversas
doenças em uma perspectiva epidemiológica.
• Tem enfrentado dificuldades para a promoção e proteção da saúde, bem como
na prestação de uma atenção com qualidade, efetividade e equidade.

MODELO DE SAÚDE ALTERNATIVOS:

• Surgem na década de 1970 – debate internacional sobre a separação dos mode-


los tradicionais.
• Pautados em princípios e diretrizes do SUS (hierarquização e regionalização
SOS serviços de saúde, atendimento universal e integral, territorialização, hu-
manização, acolhimento e ações programadas de saúde).
• São direcionados para o atendimento ao indivíduo na sua singularidade, à fa-
mília e à comunidade, levando-se em conta seus aspectos socioeconômicos,
culturais e políticos.
• Centrados nas ações programáticas de saúde, ESF, acolhimento, vigilância de
saúde, movimento cidades saudáveis e promoção da saúde.

126
TÓPICO 3 | MODELOS ASSISTENCIAIS

FIGURA 27 – AÇÕES E MODELOS

FONTE: Adaptado de Teixeira, Paim e Vilasboas (1998)

127
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

MODELOS DE ATENÇÃO EM SAÚDE

• Médico Assistencial Privatista: é voltado para a demanda espontânea,


predominantemente curativo.
• Modelo Sanitarista: concentra atenção no controle de certos agravos ou em
determinados grupos de risco de adoecer e morrer, através de campanhas e de
programas especiais de saúde pública.
• Modelo de Vigilância da Saúde: os serviços são voltados para as necessidades
de saúde identificadas na comunidade, mediante estudos epidemiológicos.

FIGURA 28 – MODELOS DE ATENÇÃO

Modelos de Atenção

Modelo Médico Modelo de Vigilância


Assistencial Privativista da Saúde

• Hospitalocêntrico Coerente com os


• Verticalização princípios e diretrizes
• Fragmentado do SUS
• Tecnicista
• Ineficiente
• Pouco resolutivo PSF como Eixo
Estruturante

FONTE: <https://bit.ly/2ATnO4R>. Acesso em: 28 abr. 2020:

• Modelos de atenção à Saúde mais antigos:

1) Modelo Médico Assistencial Privatista (demanda espontânea).


2) Modelo de Vigilância da Saúde (mais próximo do objetivo da ESF).
3) Modelo Sanitarista (campanhas e programas).

• Modelos de Atenção à Saúde mais recentes:

1) Modelo de Atenção às Condições e aos Eventos Agudos.


2) Modelo de Atenção às Condições Crônicas (MACC).
3) Modelo da Pirâmide de Riscos.
4) Modelo da Determinação Social da Saúde.

128
TÓPICO 3 | MODELOS ASSISTENCIAIS

LEITURA COMPLEMENTAR

Programa Saúde da Família: a experiência de equipe multiprofissional

Elaine Machado de Oliveira


Wilza Carla Spiri

Apreende-se que a equipe que atua no PSF não é imune a esta formação
mais ampla e historicamente construída. Assim, o objetivo do presente estudo foi
analisar o significado da experiência do trabalho em equipe para os profissionais
do Programa Saúde da Família.

Métodos

Os sujeitos da pesquisa foram oito profissionais pertencentes às equipes do


PSF, localizado no município de Conchas, Estado de São Paulo. As equipes foram
compostas de dois médicos, duas enfermeiras, duas auxiliares de enfermagem
e duas agentes comunitárias de saúde – sendo dois do sexo masculino e seis
do sexo feminino, todos com mais de três anos de atuação em PSF, faixa etária
predominante de 25 a 30anos. O estudo foi realizado em 2004.Optou-se por uma
abordagem qualitativa na perspectivada fenomenologia: a busca da essência e
da significação da realidade vivenciada pelos sujeitos do estudo, visando à sua
compreensão. A investigação compreendeu três momentos: a descrição, a redução
e a compreensão:

• Descrição. Segundo Merleau-Ponty7 (1994), o momento da descrição possui três


elementos: apercepção, a consciência e o sujeito. Para este momento foram co-
letados depoimentos da equipe do PSF que visaram à percepção dos sujeitos
do estudo, quanto ao significado produzido pela consciência sobre o trabalho
em equipe do PSF de assistência às famílias de sua região.
• Redução. Visou a determinar e selecionar quais as partes da descrição foram
consideradas essenciais. A partir dos depoimentos coletados e transcritos reali-
zou-se a redução, refletindo sobre as falas visando a extrair delas sua essência.
• Compreensão. Revelou o “significado” dos depoimentos que é essencial na des-
crição e na redução,como uma forma de investigação da experiência.Com a es-
sência e a fala dos sujeitos foram interpretados os temas revelados, realizando
uma síntese das unidades significativas encontradas suas convergências, di-
vergências e idiossincrasias.Utilizou-se a questão norteadora: “O que significa
para você assistir as famílias e trabalhar em equipe no PSF de Conchas?”

[...]

Resultados e discussão

De acordo com os discursos dos sujeitos foram desvelados temas de maior


incidência e significação: “PSF é trabalho em equipe”, “capacitação para o traba-

129
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

lho”, “estabelecimento de vínculo”, “integração entre os membros da equipe”,


“atividades desenvolvidas no PSF”, “conflitos do trabalho”, “a trajetória dos pro-
fissionais” e “experiência gratificante”. Estes temas engendram convergências e
divergências que serão apresentados a seguir.

O tema PSF é trabalho em equipe revela que o trabalho em equipe permi-


te a continuidade do acompanhamento e maior envolvimento com os familiares
por meio da abordagem de toda a equipe. Assim, é importante que seus mem-
bros tenham boas interações. Os agentes comunitários de saúde, que por vezes,
não são valorizados, constituem-se em elementos fundamentais de ligação entre
a comunidade e a equipe levando os problemas levantados para serem discutido
sem equipe. A enfermeira tem importante papel de coordenação e integração,
incentivando os membros da equipe para o oferecimento de assistência integrada
e com qualidade. As falas explicitam: “... é mais fácil trabalhar em equipe... você
não faz... nada sozinho... os agentes comunitários... são fundamentais...vêem o
problema...” (D VI). “... achei legal começar a trabalhar em equipe, a continuida-
de do trabalho em equipe, você faz a visita, a enfermeira fazia a visita e depois o
médico fazia a visita...” (D IV).

O PSF constitui-se de equipes multiprofissionais que devem atuar em uma


perspectiva interdisciplinar. Os membros da equipe articulam suas práticas e sa-
beres no enfrentamento de cada situação identificada para propor soluções con-
juntamente e intervir de maneira adequada já que todos conhecem a problemática.
O agente comunitário de saúde é fundamental na comunicação entre a equipe e a
família, pois trabalha diretamente com a população acompanhando-a e criando
subsídios para obtenção de informações que serão transmitidos à equipe.

O enfermeiro mais atuante, próximo à equipe, possibilita apoio e coorde-


nação das atividades, planejando junto com a equipe as intervenções necessárias,
o que torna seu trabalho reconhecido e valorizado.

Observa-se pela literatura que o trabalho em equipe é a base para ações


integrais na saúde e para atender com qualidade as necessidades dos usuários de
acordo com cada situação e experiência já adquirida. A abordagem do paciente
no seu contexto biopsicossocial é facilitada, pois o cliente é atendido por todos os
membros da equipe que também o envolve na resolução do seu problema, incen-
tivando a sua autonomia para os cuidados em saúde (Teixeira et al,2000).

[...]

É necessário alocar recursos humanos para dar contada totalidade das


ações, porém a equipe, que é multiprofissional, não garante assistência integral
ao paciente. O trabalho em equipe integrado exige conhecimento e valorização do
trabalho do outro, construindo consensos quanto aos objetivos a serem alcança-
dos e a maneira mais adequada de atingi-los.

No tema capacitação para o trabalho, os depoimentos desvelam que a capaci-


tação, mesmo com as orientações sobre territorialização, trabalho em equipe, ati-

130
TÓPICO 3 | MODELOS ASSISTENCIAIS

vidades atribuídas a cada membro, pode não ser suficiente porque não permite a
compreensão exata de como funciona o Programa. A capacitação deve acontecer
antes de se estruturar a equipe, mas é o trabalho diário com orientações e acom-
panhamento da enfermeira da unidade. Por exemplo, reuniões entre os membros
da equipe para discutir as condutas, estudos para dispensar melhor assistência
que permitem melhor compreensão dos objetivos do Programa, principalmente
quando o treinamento propriamente dito não ocorre, impelindo os profissionais
a buscarem o conhecimento.

Trechos dos depoimentos evidenciam esta análise: “...quando eu entrei


para trabalhar, não sabia o que era ser um agente comunitário... a gente teve um
preparo antes, um curso, mas mesmo assim era uma coisa nova. Você vê a pessoa
explicando, contando como que é. É diferente de você chegar bater palma numa
casa e ter que colher informações ...” (D IV).

De acordo com Pedrosa & Telles (2001), a capacitação compreende o trei-


namento introdutório para o trabalho com orientações que proporcionam a inte-
gração entre os membros da equipe e organização do trabalho. Muitas vezes, o
treinamento não acrescenta novidades e não é suficiente para introduzir o traba-
lho por não oferecer visualização mais prática. O treinamento pode consistir tam-
bém de acompanhamento com funcionários mais experientes e com enfermeiras
que orientem quanto às atividades do Programa.

Teixeira et al (2000) referem que a população pode ser exposta a riscos e


os funcionários se sentem insatisfeitos por não desempenharem seu trabalho com
eficiência quando não há planejamento das atividades e desempenho de funções
sem treinamento.

No tema estabelecimento de vínculo percebeu-se que o vínculo estabelecido


pelo agente comunitário de saúde com a comunidade por meio do convívio fa-
cilita aderência ao programa e a abordagem da equipe. Porém, pode apresentar
sentimento de impotência pelo limitado poder de resolução. O contato com a
família acaba por gerar confiança em relação ao agente comunitário, permitindo
que façam confidências.

Nesses casos, o sigilo é sempre garantido, de acordo com a ética apreen-


dida. Como revela o seguinte depoimento: “... o agente comunitário acaba conhe-
cendo toda a população ... é difícil... falar ‘a gente não conseguiu’...” (D VIII).

O estabelecimento do vínculo é uma proposta de destaque do Ministério


da Saúde (1999) * para o PSF: “assim, o PSF elege como ponto central o estabele-
cimento de vínculos e a criação de laços de compromisso e corresponsabilidade
entre os profissionais de saúde e a população”.

Para o estabelecimento do vínculo, os profissionais devem conquistar a


confiança da população, que surge com o reconhecimento do profissional como
participante de seu tratamento, passando o paciente a telo como referência, fazen-
do até confidências depois de compreender o seu trabalho.

131
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

O vínculo é consequência de uma relação mais próxima da população


com a equipe de saúde por consequência das visitas domiciliares, que facilita a
adesão da população ao serviço de saúde. A população sente-se melhor cuidada,
pois a equipe intervém com visão mais ampliada pelo conhecimento da popula-
ção, estimulando sua autonomia e participação no tratamento, numa relação de
respeito e valorização das particularidades, inclusive corresponsabilizando a po-
pulação pelo seu próprio bem-estar. A população se compromete com as ativida-
des propostas e permite que o vínculo seja estabelecido quando se sente satisfeita
com os serviços de saúde, elevando assim, a qualidade de vida e promovendo a
disseminação do programa pelo País. Esses fatores contribuem para a promoção
da saúde da comunidade e reduzem o índice de internações hospitalares.

Para Campos (1997, p. 235): “(...) a recuperação da prática clínica assenta-


da no vínculo é a maneira prática de se combinar autonomia e responsabilidade
profissional”. A assistência baseada no vínculo permite que o serviço de saúde
acompanhe, identifique os resultados do trabalho de cada profissional, oferecen-
do na prática a cidadania pelo paciente e família.

Os agentes comunitários de saúde identificam-se como programa pela


convivência com a comunidade, e o fato de a comunidade demandar intervenções
fora do seu poder de resolução pode ser frustrante.

O compromisso das políticas de saúde pode expor os limites de suas ações


para com a população quando se trata do contexto socioeconômico da comunida-
de. Essa situação é muito difícil e causa sofrimento para os profissionais porque
percebem que não podem resolver todos os problemas sociais que acompanham
o setor saúde.

A análise dos depoimentos que se relacionam com o tema integração entre


os membros da equipe revelou que a equipe integrada trabalha em prol da saúde
das famílias compartilhando as experiências, atendendo suas necessidades, resol-
vendo os problemas pelo conhecimento da situação de cada usuário, conforme
revela a fala: “... tudo é feito para tentar ajudar o paciente... tudo é conversado
para não entrar em atrito ...” (D II).

Segundo Pedrosa & Teles, o bom relacionamento entre os membros da


equipe facilita o contato das famílias e o desenvolvimento de ações preventivas
como imunização, pré-natal e organização da demanda por meio do agendamento
prévio. A comunidade valoriza a integração e a ratifica participando na assistência.

São numerosos os fatores que prejudicam o trabalho em equipe e compro-


metem a qualidade do trabalho, como os problemas sociais da comunidade, con-
dições de trabalho precárias, conflitos internos, baixos salários. É necessário que
a equipe se organize e tome medidas para impedir que estes problemas adquiram
maiores proporções. Promover o diálogo entre as pessoas para melhorar a con-
vivência, elevar a motivação da equipe e delinear com todos os membros ações a
serem implantadas e objetivos a serem cumpridos são medidas que promovem a
integração da equipe e qualidade da assistência.

132
TÓPICO 3 | MODELOS ASSISTENCIAIS

No tema atividades desenvolvidas no PSF, a compreensão dos depoimentos


desvelou que a assistência dispensada à comunidade pelo médico e enfermeiro
é generalista e atende a todas as especialidades. As atividades desenvolvidas va-
riam com a categoria profissional de cada membro da equipe. Cada profissional
desempenha seu papel trocando informações com os outros membros para co-
nhecer os usuários/familiares integralmente e melhor assisti-los. A equipe realiza
reuniões periódicas e visitas domiciliares com o agente comunitário de saúde,
que levanta toda a história e os problemas de cada usuário e os transmite à enfer-
meira ou ao médico que orientam a equipe durante as visitas ou consultas. Com
o tempo, os usuários percebem que a consulta de enfermagem pode ajudá-los a
resolver seus problemas e aceitam-na como parte do PSF.

As seguintes falas revelam: “... o médico do PSF deve estar preparado


para atender todas as especialidades...” (D II). “... a gente faz a visita e leva o
problema para a enfermeira junto com toda a história do paciente...” (D I). “... na
primeira visita... a pessoa fala ‘não quero que você visite a minha casa’... eu con-
verso... to conseguindo um retorno...” (D V).

Campos (1997) refere que os profissionais de saúde têm seu campo de


ação e conhecimento específicos, mas todos devem considerar o paciente no seu
contexto biopsicossocial.

A enfermeira orienta e organiza a demanda da população, porém essa


atividade pode ser difícil porque abrange outros problemas além da saúde, como
violência e drogas. No início, as comunidades resistem ao Programa devido à
desconfiança em relação à proposta da assistência, mas depois passam a partici-
par de suas atividades. O agente comunitário de saúde tem importante papel no
processo de envolvimento da população para que ela participe da promoção da
saúde e prevenção de doenças.

No tema conflitos no trabalho, os conflitos entre os membros da equipe sur-


gem porque há variedade de opiniões e posturas, alguns profissionais tentam
controlar toda a organização do programa e outros acomodam-se não realizando
adequadamente suas funções. Afala corrobora: “... no caso desse posto... não fa-
ziam parte do perfil... indivíduos... dando problema...” (D VI).

O papel de coordenadora da enfermeira deve ser bem estabelecido para


manter a organização das atividades com os membros da equipe e discutir pro-
postas para a resolução dos problemas, conforme explicita afala: “... a união que
eu to conseguindo aqui... ta me deixando feliz... a atenção... eu e o médico, a gente
trabalha em conjunto...” (D V).

Os conflitos podem surgir no relacionamento entre as pessoas, quando


enfrentam situações difíceis ou que geram competição, revelando a falta de res-
ponsabilidade pela continuidade do trabalho de cada profissional muitas vezes
causada pela baixa interação entre os membros da equipe.

133
UNIDADE 2 | INTERDISCIPLINARIDADE E SISTEMAS HIERÁRQUICOS E HORIZONTAIS

Os diferentes estilos de gestão das equipes de saúde da família podem gerar


conflitos entre seus membros e entre a equipe e a comunidade, porque não conse-
guem atender à demanda devido à falta de organização e integralidade do trabalho.

As condições de trabalho, salários, competências e responsabilidades são


motivos que geralmente causam segmentação na equipe e desconsideração de
suas ações de saúde.

A enfermeira deve resgatar o conceito do trabalho em equipe no Progra-


ma que deve ser remunerado e reconhecido como meio de construção social de
acordo com as necessidades sociais.

O tema a trajetória dos profissionais revelou que os diferentes profissionais


que compõem a equipe do PSF apresentam um ponto comum relacionado à nova
experiência vivenciada. O trabalho no PSF é generalista, diferente da visão mono-
disciplinar das especialidades. Os profissionais acabam identificando-se na pro-
fissão, e mesmo que economicamente desestimulante, trilham uma trajetória de
aperfeiçoamento na área. A seguinte fala revela: “... PSF... experiência... nova pra
mim... interessante porque eu tinha uma visão muito monodisciplinar...” (D VI).

Teixeira & Mishima14 (2000), diferentemente do discutido no presente


trabalho, mostram que os profissionais geralmente apresentam experiências an-
teriores em atenção primária à saúde. Em outro momento, Teixeira et al13 (2000)
ressaltam que a enfermeira possui experiências anteriores em unidades básicas
de saúde e na área hospitalar, e os auxiliares de enfermagem cada um numa área,
além de agentes comunitários de saúde com conclusão universitária.

Em experiência gratificante observou-se que quando o trabalho é realizado


com dedicação e prazer, o resultado é gratificante e os pacientes reconhecem o
desempenho da equipe, aceitando as condutas e cobrando as visitas domiciliares,
porque a intervenção adequada resolve seu problema, pois o trabalho em equi-
pe permite maior proximidade com a comunidade e melhor acompanhamento.
As falas revelam: “... é um trabalho muito gratificante... eu gosto daquilo que eu
faço... trabalhar em equipe é muito bom...” (D I).

Para ser experiência gratificante é importante que desafios para melhorar


a qualidade sejam vencidos. Dar vida para o trabalho, viver a solidariedade, viver
o presente construindo o futuro, buscar o equilíbrio profissional e pessoal são
metas a serem alcançadas que levam a satisfação do paciente e do profissional.

Segundo Garaudy5 (1979) “a força decisiva é a da motivação, da consciên-


cia crítica e apaixonada, lúcida e criativa de nossas razões de viver, a salvaguar-
da,em cada homem e em todos os homens, do que lhe é específico, o acréscimo
de força que lhe vem da fé na transcendência e no amor, únicos a fazerem de um
homem, quer dizer, um ser autônomo e solidário, criador e responsável”.

FONTE: OLIVEIRA, E. M. de; SPIRI, W. C. Programa Saúde da Família: a experiência de equipe


multiprofissional. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. 4, p. 727-733, ago. 2006. Disponível
em: https://www.scielo.br/pdf/rsp/v40n4/25.pdf. Acesso em: 29 abr. 2020.

134
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Fatos importantes aconteceram na cidade Alma-Ata (no atual Cazaquistão),


em 1978, promovida pela OMS, em que aconteceu a Conferência Internacional
de Assistência Primária à Saúde em 1978. Esta ampliou a discussão e olhar
sobre saúde, sendo além da ausência de doença, compreendendo e atendendo
o indivíduo independentemente das condições sociais e econômicas a partir
dessa conferência.

• A Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em


Ottawa, Canadá, em novembro de 1986, apresenta neste documento sua Carta
de Intenções.

• Após o cenário de movimento internacional, no Brasil houve,no mesmo ano


da Conferência em Ottawa e a declaração de Alma-Ata, foi realizada a histó-
rica  8ª Conferência  Nacional de  Saúde, que teve ampla participação social e
seu relatório final serviu de base para o capítulo sobre saúde na Constituição
Federal de 1988, resultando na criação do Sistema Único de Saúde (SUS).Neste
foi produzido um relatório final que serviu como subsídio para o legislativo
elaborar o artigo 196 da Constituição Federal – "Da Saúde": reconhece a saú-
de como direito de todos e dever do Estado.

• Os sistemas integrados de atenção à saúde são aqueles organizados através de


uma rede integrada de pontos de atenção à saúde que presta uma assistência
contínua e integral a uma população definida, com comunicação fluida entre
os diferentes níveis de atenção à saúde.

• As diferenças entre sistemas fragmentados e rede de atenção à saúde e os or-


ganizativos de ações e serviços de saúde por meio de sistemas de apoio técnico,
logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado. Além da
importância de promover a integração das ações e serviços de saúde de aten-
ção contínua, integral, de qualidade, responsável e humanizada.

• Os níveis de atenção à saúde no Brasil são: Nível primário de atenção à saúde


— a prevenção; Nível secundário de atenção à saúde — o tratamento especia-
lizado; Nível terciário de atenção à saúde — a cirurgia e a reabilitação.

• Foi apresentado o conceito do Modelo de Atenção à Saúde como um sistema


lógico que organiza o funcionamento das redes de atenção à saúde, articulan-
do, de forma singular, as relações entre os componentes da rede e as inter-
venções sanitárias, definido em função da visão prevalecente da saúde, das
situações demográfica e epidemiológica e dos determinantes sociais da saúde,
vigentes em determinado tempo e em determinada sociedade.
135
• A finalidade dos Modelos de Atenção em Saúde é uma maneira de organizar os
meios de trabalho utilizados nas práticas ou processos de trabalho em saúde.

• Os modelos de atenção à saúde mais antigos são: Modelo Médico Assistencial


Privatista (demanda espontânea); Modelo de Vigilância da Saúde (mais próxi-
mo do objetivo da ESF); Modelo Sanitarista (campanhas e programas).

• Os modelos de atenção à saúde mais recentes são: Modelo de Atenção às


Condições e aos Eventos Agudos; Modelo de Atenção às Condições Crônicas
(MACC); Modelo da Pirâmide de Riscos; Modelo da Determinação Social da
Saúde.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

136
AUTOATIVIDADE

1 Partindo do estudo nessa unidade e em especial sobre os níveis de atenção


à saúde no Brasil:

I- Nível central – tratamento nas unidades centros


II- Nível secundário de atenção à saúde – o tratamento especializado.
III- Nível terciário de atenção à saúde – a cirurgia e a reabilitação.
IV- Nível primário de atenção à saúde – a prevenção.

Agora assinale a alternativa correta:

a) ( ) As afirmações II, III e IV estão corretas.


b) ( ) Todas as alternativas estão corretas.
c) ( ) As afirmações I e IV estão corretas.
d) ( ) As afirmações I e III estão corretas.

2 As Redes de Atenção à Saúde (RAS) são arranjos organizativos de ações e


serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas que, integradas por
meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a
integralidade do cuidado. Diante das funções da Atenção Básica nas Redes de
Atenção à Saúde, assinale a alternativa correta:

a) ( ) Ser base: não precisando ser a modalidade de atenção e de serviço de


saúde com o mais elevado grau de descentralização e capilaridade, cuja parti-
cipação no cuidado se faz sempre necessária.
b) ( ) Ser resolutiva: as vezes identificar riscos, necessidades e demandas de
saúde, apenas os gestores utilizam e articulando diferentes tecnologias de cui-
dado individual e coletivo, por meio de uma clínica ampliada capaz de cons-
truir vínculos positivos e intervenções clínica e sanitariamente efetivas, na pers-
pectiva de ampliação dos graus de autonomia dos indivíduos e grupos sociais.
c) ( ) Coordenar o cuidado: elaborar, acompanhar e gerir projetos terapêuti-
cos singulares, bem como acompanhar e organizar o fluxo dos usuários entre
os pontos de atenção das RAS. Atuando como o centro de comunicação entre os
diversos pontos de atenção responsabilizando-se pelo cuidado dos usuários em
qualquer destes pontos através de uma relação horizontal, contínua e integrada
com o objetivo de produzir a gestão compartilhada da atenção integral.
d) ( ) Ordenar as redes: reconhecer algumas necessidades de saúde da po-
pulação, mas só apenas as de responsabilidade do familiar, organizando as
necessidades desta população em relação aos outros pontos de atenção à saú-
de, contribuindo para que a programação dos serviços de saúde parta das
necessidades de saúde dos usuários.

137
138
UNIDADE 3

A ABORDAGEM DOS
DETERMINANTES SOCIAIS
PARA AÇÕES EM SAÚDE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer os conceitos e histórico dos determinantes sociais da saúde;

• identificar os principais determinantes ambientais, econômicos e sociais


da saúde;

• reconhecer as especificidades os dois modelos de determinante sociais de


saúde;

• compreender a importância nas ações amplas de saúde para populações


vulneráveis;

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

TÓPICO 2 – MODELOS DE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

TÓPICO 3 – DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E AS POPULAÇÕES


VULNERÁVEIS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

139
140
UNIDADE 3
TÓPICO 1

OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

1 INTRODUÇÃO
A temática dos Determinantes Sociais da Saúde vem ganhando importân-
cia pela sua relação com as doenças crônicas, que apresentam grande prevalência
no contexto contemporâneo. Entretanto, sua grande contribuição está na possi-
bilidade de explicação da relação entre as desigualdades sociais e as iniquidades
em saúde, ou seja, mostra como as diferentes condições sociais, econômicas e am-
bientais que os indivíduos experienciam, produzem efeitos em seus organismos
e geram formas desiguais de adoecer e morrer.

Mediante a isso, o presente material está organizado em três tópicos que


buscam contemplar os aspectos conceituais e práticos acerca deste tema. No pri-
meiro tópico, intitulado “Os determinantes sociais da saúde” são apresentados os
principais determinantes da saúde, com ênfase e exemplificação dos determinan-
tes ambientais, econômicos e sociais.

2 CONCEITO DE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE (DSS)


A perspectiva da determinação social da saúde aponta que as condições
de vida e trabalho dos indivíduos e populações estão relacionadas com a situa-
ção de saúde. Desse modo, para além dos aspectos biológicos do organismo, os
determinantes sociais da saúde (DSS) visam explicar como e por quê diferentes
contextos produzem perfis de morbimortalidade abruptamente distintos (BUSS;
PELLEGRINI FILHO, 2007).

Há diferentes definições de DSS que expressam, com mais ou menos de-


talhes, a compreensão geral apresentada anteriormente. Vamos conhecer as duas
principais:

1) A Comissão para Determinantes Sociais da Saúde/Organização Mundial da


Saúde define que os DSS são as condições sociais em que as pessoas vivem e
trabalham (CSDH, 2010).

2) A Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) de-


fine que os DSS são características socioeconômicas, culturais e ambientais de
uma sociedade que influenciam as condições de vida e trabalho de todos os
seus integrantes (CNDSS, 2008).
141
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

A CNDSS apresenta alguns exemplos de DSS, a saber: habitação, acesso à


educação, acesso a trabalho, acesso ao serviço de saúde, saneamento básico, am-
biente de trabalho, renda, padrões culturais, dentre outros. Além disso, assinala
que os estilos de vida individuais (hábito de fumar, prática de exercícios, ali-
mentação adequada saudável) são condicionados pelos DSS como renda, padrões
culturais, escolaridade e acesso à informação (CNDSS, 2008).

Em uma perspectiva de intervenção, Nancy Krieger (2001), epidemiolo-


gista norte-americana e pesquisadora renomada no campo dos determinantes
sociais, sugere uma definição complementar, em que os DSS são compreendidos
como fatores e mecanismos que afetam a saúde e que podem ser alterados através
de ações baseadas em informação.

Nesse sentido, o trabalho com os DSS pressupõe uma abordagem a partir


das iniquidades em saúde e não apenas das diferenças. Conheça esses dois con-
ceitos a seguir, de acordo com Barata (2009):

• Diferenças em saúde são características naturais, não passíveis de alteração,


que diferenciam os indivíduos e podem fazê-los ter doenças diferentes. Por
exemplo, somente as mulheres podem apresentar câncer de útero, por outro
lado, somente os homens podem ser acometidos por câncer de próstata.
• Iniquidade em saúde são características sociais, econômicas e ambientes evi-
táveis, injustas e desnecessárias que fazem com que diferentes grupos apresen-
tem perfis de morbimortalidade diferentes, mesmo com características biológi-
cas semelhantes.

Para compreender na prática a aplicação do conceito de iniquidade e o


trabalho com os DSS, vejamos o exemplo a seguir: Crianças com mesma idade,
sexo e fatores genéticos semelhantes que vivem em contextos sociais diferentes,
quando acompanhadas longitudinalmente, apresentam assimetria no nível de
desenvolvimento infantil. Visto que há maior risco de atraso no desenvolvimento
infantil entre as pertencentes às famílias mais pobres, de mães com menos de
seis consultas de pré-natal, nascidas com baixo peso, não amamentadas ou com
menos de três meses de amamentação, com risco nutricional e ausência do pai
(HALPERN et al., 2000; SILVA; ENGSTRON; MIRANDA, 2015; VELEDA; SOA-
RES; CÉZAR-VAZ, 2011; ARAÚJO; MELO; ISRAEL, 2017; OLIVEIRA et al., 2019).
Ou seja, todos os fatores apresentados como risco são evitáveis mediante redução
das desigualdades socioeconômicas e ações de profissionais de saúde, caracteri-
zando-se como iniquidades em saúde.

Visto isso, fica evidente a necessidade da adoção de um conceito de saúde


que compreenda as pessoas além de suas características biológicas. Portanto, a
abordagem dos DSS exige a adoção de um conceito amplo de saúde que a com-
preende como “resultante das condições de alimentação, habitação, educação,
renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e
posse da terra e acesso a serviços de saúde”, não apenas como a ausência de do-
enças (REVERBEL, 1996, p. 4).

142
TÓPICO 1 | OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

Entretanto, é importante ressaltar que por lidar com aspectos sociais e cul-
turais, os DSS pressupõem certa maleabilidade para serem utilizados nos diferen-
tes contextos. Isso porque essa perspectiva está relacionada com a qualidade de
vida, que se trata de uma construção conjunta de padrões e parâmetros de conforto
e tolerância que, em determinada sociedade, produz para si e que afeta de maneira
positiva ou negativa a saúde deste grupo (MINAYO; HARTZ; BUSS, 2000).

Destaca-se que atualmente se alcançou certo consenso sobre a importân-


cia dos DSS, principalmente devido ao aumento das Doenças Crônicas e Não
Transmissíveis (DCNT), bastante relacionadas com a qualidade e estilo de vida
na situação de saúde (WHO, 2014). Entretanto, essa aceitação foi construída e
consolidada ao longo da história, com idas e vindas, conforme será apresentado
no subtópico a seguir. Vamos lá!?

2.1 HISTÓRICO
Atualmente, parece trivial o conhecimento acerca dos efeitos das condi-
ções de vida e hábitos sobre a saúde dos indivíduos e populações, todavia esta
é uma percepção bastante complexa e dependente tanto do desenvolvimento e
progresso dos estudos de fatores fisiológicos e fisiopatológicos do organismo,
como de estudos da sociologia e antropologia.

Ao longo do tempo, existiram diferentes formas de explicar as causas das


doenças, bem como de determinar o que é saúde e estar saudável. Em meados
do século XIX, havia o predomínio da teoria miasmática no campo da ciência
em desenvolvimento na época, que se opunha à explicação mágico-religiosa. A
explicação por meio dos miasmas foi relevante para dar respostas às grandes mu-
danças sociais e dos perfis de morbimortalidade ocasionados pela urbanização
e industrialização naquele período. Investigações sobre os motivos de contami-
nação de alimentos e da água, assim como estudos relacionados aos problemas
de saúde do trabalhador trouxeram importantes contribuições para a noção de
saúde pública (SUSSER, 1998).

Destaca-se, neste período, o médico alemão Rudolf Virchow, um importan-


te cientista da época, considerado o pai da patologia moderna e da medicina so-
cial. Ele afirmava que a ciência médica devia ser compreendida como uma ciência
social, pois a saúde e a doença estão intimamente relacionadas com as condições
econômicas e sociais. Para Virchow (1985), os defeitos da sociedade determinavam
as doenças da população. Deste modo, adotava a percepção de determinação social
e apontava que os governantes deveriam compreender que a doença mental ou
física é um fenômeno coletivo que indica problemas e condições anormais na vida
da população, tornando necessárias ações de saúde pública.

Desta forma, a saúde pública possui um caráter político e suas ações im-
plicam em intervenções na vida social e política das populações com o intuito de
identificar e eliminar os determinantes que prejudicam a saúde (ROSEN, 1980).

143
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

Além de Virchow, outros cientistas que contribuíram para a Medicina


Social merecem destaque, como: Edwin Chadwick, na Inglaterra, com o Report
on the sanitary condition of the labouring population of Great Britain, em 1842; Louis
René Villermé, na França, com o Tableau de l'état physique et moral des ouvriers de
Paris, em 1840; e Friedrich Engels, com A situação das classes trabalhadoras na Ingla-
terra, em 1845 (VERDI; DA ROS; SOUZA, 2010).

Contudo, no final do século XIX, por meio de grandes descobertas de cien-


tistas como Robert Koch e Louis Pasteur, acerca de microrganismos e suas ações
no organismo humano, ocorre uma revolução no campo da saúde, e um novo
paradigma de explicação das causas das doenças se estabelece. Com a possibili-
dade de cura de doenças a partir da identificação e ação sobre o agente causador,
passa-se a desconsiderar o caráter social da saúde e focar nos aspectos biológicos
e na unicausalidade (VERDI; DA ROS; SOUZA, 2010).

Assim, com o passar do tempo se estabeleceu uma compreensão estrita-


mente biológica no campo da saúde. O marco principal desta hegemonia é o es-
tabelecimento do modelo Flexneriano, ou modelo Biomédico, desenvolvido por
Abraham Flexner, com financiamento da Rockfeller Foundation. O modelo nasce
a partir de uma pesquisa realizada no ano de 1910 sobre as diferentes formas
de ensinar medicina nos EUA, seguida de uma proposição de um modelo ideal
de formação médica, que acabou sendo incorporada pelas outras formações em
saúde (PAGLIOSA; DA ROS, 2008). O Modelo Biomédico tem algumas caracte-
rísticas, a saber:

• Explicação unicausal da doença: pressupõe o reconhecimento do agente


etiológico, é este que deverá ser identificado e combatido.
• Biologicismo: reconhece apenas a natureza biológica da doença.
• Fragmentação e mecanicismo: compreende o organismo humano como uma
máquina física, passível de compreensão e ajustes em partes isoladas.
• Especialização: a partir da compreensão fragmentada do corpo, cria-se
especialistas que entendem e cuidam das partes específicas (peças do corpo).
• Recuperação e reabilitação: atua somente no corpo com alterações fisiológicas
identificadas como doença.

DICAS

Saiba mais sobre o conteúdo do relatório Flexner acessando o artigo O


relatório Flexner: para o bem e para o mal, com autoria de Fernando Luiz Pagliosa e Marco
Aurélio Da Ros, disponibilizado no link a seguir: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0100-55022008000400012.

144
TÓPICO 1 | OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

Percebe-se que o centro do processo de trabalho deste modelo, que não


incorpora características sociais, tem como seu objeto de trabalho apenas o corpo
humano, em especial os acometidos por alguma doença. Assim, prioriza-se as
ações de recuperação e reabilitação em detrimento da promoção da saúde e
prevenção de doenças (PAGLIOSA; DA ROS, 2008).

Você já refletiu sobre quais temas prioriza ou tem mais interesse de estudo
na sua formação? É importante compreender os aspectos biológicos relacionados
à saúde, mas entendendo que os seres humanos estão imersos em contextos
sociais e que isso impacta a sua possibilidade e escolhas, ocasionando efeitos
diretamente na saúde.

Vejamos, por exemplo, a pandemia de coronavírus (COVID-19), em


que o comportamento e a organização social são os principais entraves para a
contenção de um problema global, visto que ainda não se conhece uma forma
de imunização para o vírus. Ou seja, apesar do vírus agir sobre o corpo e suas
células, ele só tem o potencial de disseminação global devido à forma como nossa
sociedade funciona, bem como pelos hábitos e cuidados com a higiene e saúde
das pessoas.

Continuando no histórico, a criação, na Universidade Johns Hopkins, da


primeira escola de saúde pública nos Estados Unidos é central na afirmação da
perspectiva biológica e centrada na bacteriologia (FEE, 1987). Desde que se iniciou
a ideia da escola de saúde pública houve um confronto de duas perspectivas,
conforme aponta Fee (1987):

1) Saúde pública como um ramo especializado da medicina que estuda e atua


sobre doenças específicas, com base na microbiologia.
2) Saúde pública como os estudo e ação sobre as influências das condições sociais,
econômicas e ambientais na saúde dos indivíduos e populações.

Percebe-se que o conflito entre os enfoques biológico e social estiveram


presentes de forma constante no campo da saúde neste período. De modo que,
especificamente, na Universidade Johns Hopkins foi adotado o conceito da saúde
pública voltado ao controle de doenças específicas e embasado no conhecimento
científico da microbiologia. Isso contribuiu para a redução do foco das ações de
saúde aos aspectos biológicos, distanciando-se dos determinantes sociais e das
ações sociais e sanitárias de caráter mais amplo (FEE, 1987).

Destaca-se que esse modelo não se restringiu à escola da Universidade


Johns Hopkins. Com financiamento da Rockfeller Foundation, essa racionalidade
foi difundida pelos estados americanos e internacionalmente. Esse modelo serviu
de apoio para a implementação de escolas de saúde pública no Brasil (Faculdade
de Higiene e Saúde Pública de São Paulo), Bulgária, Canadá, Checoslováquia,
Inglaterra, Hungria, Índia, Itália, Japão, Noruega, Filipinas, Polônia, Romênia,
Suécia, Turquia e Iugoslávia (FEE, 1987).

145
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

Contudo, com o passar do tempo, percebeu-se que a centralidade nos


aspectos biológicos era pouco eficiente, gerando altos custos para os cidadãos
e Estado, nos locais em que se tinha sistema público de saúde. Além disso, a
mudança no perfil etário e de morbimortalidade, com aumento da população
adulta e idosa e predomínio das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)
em detrimento às Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP), fez com que as
condições de vida da população passassem a ganhar importância para as ações
em saúde. Nesse sentido, não se deve negar os aspectos biológicos, mas sim
ampliá-los dentro do contexto socioecológico (CORTEZ et al., 2019).

E
IMPORTANT

A mudança no perfil etário (envelhecimento da população) de morbimortalidade


(aumento das DCNT em relação às DIP) da população é conhecida, respectivamente,
como Transição Demográfica e Transição Epidemiológica, sendo necessário conhecê-
las para atuar na organização, planejamento e desenvolvimento de ações em saúde.
Aprofunde seus conhecimentos sobre esse tema, acesse o artigo Transição demográfica
e epidemiológica: a Epidemiologia e Serviços de Saúde revisita e atualiza o tema, no link
disponibilizado a seguir: https://bit.ly/3geJMPX.

Visto isso, mesmo com a hegemonia do enfoque médico biológico no de-


senvolvimento do campo das ciências da saúde, em detrimento das abordagens
sociais, econômicas e ambientais, durante o século XX houve uma permanente
discussão entre essas perspectivas. Assim, a própria Organização Mundial da
Saúde (OMS), ao longo dos anos, transparece em suas ações exemplos dessas
tensões com alguns períodos de intenso enfoque nos aspectos biológicos, indivi-
duais e tecnológicos, e outros de intenso trabalho com fatores sociais, econômicos
e ambientais (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007).

Desde 1948, foi adotado o conceito ampliado de saúde pela OMS, que en-
tende saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não
meramente a ausência de doença ou enfermidade. A partir disso, tem-se evidente
perspectiva da necessidade de considerar a saúde como um fenômeno complexo
com diversos determinantes, para além de um enfoque centrado na doença e no
biológico (SCLIAR, 2007).

Entretanto, somente a constatação da ineficiência do modelo biomédico


impulsionou a reintrodução dos aspectos relacionados à organização da socie-
dade no cuidado em saúde. Assim, foram desenvolvidas conferências para tratar
de forma ampla a saúde, sendo estas ações fundamentais para o fortalecimento
do trabalho com os DSS. Neste contexto, destaca-se a Conferência Internacional
sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma-Ata, Cazaquistão, e a I
Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em Ottawa, Cana-

146
TÓPICO 1 | OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

dá (SCLIAR, 2007). Conheça a seguir as contribuições dessas conferências para o


debate da saúde e seus determinantes sociais:

QUADRO 1 – PRINCIPAIS TÓPICOS RELACIONADOS AOS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE


ABORDADOS EM EVENTOS INTERNACIONAIS

Declaração ● Apontou a desigualdades de saúde entre países desenvolvidos


de Alma-Ata e subdesenvolvidos.
(1978) ● Responsabilidade governamental na provisão da saúde.
● Importância da participação das comunidades no planejamento
dos serviços de saúde.
Carta de ● Definiu os recursos necessários para saúde: paz, habitação,
Ottawa (1986) educação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos
sustentáveis, justiça social e equidade.
FONTE: As autoras

A Conferência de Alma-Ata foi central para recolocar os determinantes so-


ciais nas discussões mundiais sobre a saúde. Na década de 1980, devido a situações
sociopolíticas, houve um predomínio do enfoque e perspectiva da saúde como um
bem privado valorizando os aspectos biológicos em detrimentos aos demais. En-
tretanto, na década de 1990, com as discussões sobre as Metas do Milênio, a pauta
dos determinantes sociais de saúde é retomada e institucionalizada com a criação
da Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde da OMS, em 2005, que passa
a fazer um debate que busca integrar os aspectos biológicos, sociais, econômicos e
ambientais na determinação da saúde e doença (CNDSS, 2008).

No Brasil, já em 2006, foi criada a homônima Comissão Nacional para


Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), com intuito de realizar o desenvolvi-
mento de estudos, a implementação de ações para mudanças sociais e uma abor-
dagem em saúde norteada pelos DSS no cenário nacional (CNDSS, 2008). Em
relação aos princípios de ação dessas comissões, em 2011, no relatório da Confe-
rência Mundial sobre Determinantes da Saúde, ocorrida no Rio de Janeiro, foram
estabelecidos os três princípios (WCSDH, 2011), a saber:

1) Melhorar as condições de vida cotidiana – as circunstâncias em que as pessoas


nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem.
2) Abordar a distribuição desigual de poder, dinheiro e recursos – os motores es-
truturais das condições de vida referidas – nos níveis global, nacionais e locais.
3) Quantificar o problema, avaliar a ação, alargar a base de conhecimento, desen-
volver um corpo de recursos humanos formado sobre os DSS e promover a
consciência pública sobre o tema.

Atualmente, o trabalho desenvolvido pela comissão, bem como dos órgãos


responsáveis pela saúde no Brasil e no mundo, permanece com essa perspectiva
ampla de compreensão da saúde. Sendo que estes princípios devem nortear o
desenvolvimento e implementação das políticas públicas de saúde, os currículos
de formação dos profissionais da saúde e a organização da atenção e assistência

147
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

à saúde para o enfrentamento dos complexos problemas de saúde vivenciados


pelos diferentes grupos populacionais.

Agora que conhecemos o histórico dos determinantes sociais da saúde,


vamos conhecer os principais determinantes da saúde. Vamos lá!?

3 DETERMINANTES DA SAÚDE
Como vimos, existem diferentes formas de pensar a saúde e a doença.
Essas variações influenciam a forma como os profissionais da saúde, ao longo do
tempo, orientam as pessoas para terem hábitos saudáveis e estabelecem o diag-
nóstico e tratamento de doenças.

Atualmente, se entende que a saúde é determinada por uma relação com-


plexa entre fatores biológicos, sociais, econômicos e ambientais. As condições de
vida influenciam de forma decisiva nas condições de saúde de indivíduos e gru-
pos populacionais, sendo que grande parte da carga das doenças ocorre devido
às condições de nascimento, vida, trabalho e envelhecimento. Esses fatores são
denominados de determinantes sociais da saúde, termo que sintetiza: os determi-
nantes sociais, econômicos e ambientais da saúde (CAMPOS; SATURNO; CAR-
NEIRO, 2010).

Sabe-se que nem todos os determinantes têm a mesma relevância, sendo


os mais importantes relacionados com a estratificação social — que refletem as
condições de distribuição de riqueza, poder e prestígio nas sociedades — como:

• classes sociais;
• distribuição de renda;
• gênero;
• raça/etnia;
• estruturas políticas e de governança.

Entretanto, há o posicionamento social dos indivíduos e grupos popula-


cionais, bem como seus impactos na saúde e é determinado por uma relação com-
plexa entre os três tipos de determinantes. Entretanto, historicamente no campo
da saúde, dá-se mais ênfase para os determinantes sociais e econômicos, apesar
da emergência de estudos e ações que dão ênfase para os determinantes ambien-
tais, visto sua influência na saúde e adoecimento.

Assim, na prática em saúde, há necessidade de um trabalho integrado


com os três tipos de determinantes. Entretanto, para facilitar a compreensão das
diferenças e aproximações entre eles, neste material abordaremos os três separa-
damente.

148
TÓPICO 1 | OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

3.1 DETERMINANTES AMBIENTAIS DE SAÚDE


Você já se perguntou como a saúde das pessoas é influenciada por ques-
tões ambientais? Pense que a fumaça produzida pela queima de combustíveis
fósseis, a poluição das águas pela ineficiência ou inexistência de saneamento bá-
sico, a poluição do ambiente pela destinação incorreta do lixo, a perda da biodi-
versidade pela exploração intensiva da natureza são problemas, o aumento do
buraco na camada de ozônio são entraves ambientais que impactam diretamente
sobre a saúde humana.

Por se tratar de um assunto recente, o tema ambiental e sua relação com a


saúde não possui uma grande tradição na produção científica de indicadores. Tal
contexto cria um entrave para uma análise ampla, que não fique restrita ao sane-
amento básico, que apesar de relevante não é suficiente. Assim, a compreensão e
conscientização da existência de uma integridade ecológica dos ecossistemas, bem
como a necessidade de manter os serviços que deles fazemos são temas que perpas-
sam e influenciam diretamente o campo da saúde, seja ela coletiva ou individual.

Apesar dos avanços na compreensão da influência do ambiente na saúde,


ainda se privilegia o uso de indicadores relativos a eventos de morbidade e mor-
talidade, sem dar a devida importância aos aspectos sociais, econômicos e prin-
cipalmente ambientais que influenciam estes eventos (FREITAS et al., 2007). Para
compreender melhor essa relação entre saúde e ambiente é necessário conhecer
os conceitos de meio ambiente e saúde ambiental, descritos a seguir:

a) Meio ambiente: “Meio Ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e


interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 2005).

b) Saúde ambiental:

Saúde ambiental compreende aqueles aspectos da saúde humana,


incluindo a qualidade de vida, que são determinados por fatores
físicos, químicos, biológicos, sociais e psicológicos no meio ambiente.
Refere-se também a teoria e prática de avaliação, correção, controle e
prevenção daqueles fatores que, presentes no ambiente, podem afetar
potencialmente de forma adversa a saúde humana das gerações do
presente e do futuro (OPAS, 1993, p. 5).

Desse modo, os fatores ambientais são compreendidos como DSS inti-


mamente relacionados com os determinantes sociais e econômicos, visto que as
alterações que o ser humano desenvolve sobre a natureza expressam as caracte-
rísticas e possibilidades socioeconômicas. Isso porque toda ação humana impacta
sobre a natureza, de forma positiva ou negativa (WHO, 2008).

Destaca-se que a natureza e a intensidade desses impactos ambientais va-


riam de acordo com a organização social e as atividades econômicas realizadas
pelos seres humanos. Apesar de observarmos a ação antrópica desde os tempos

149
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

mais remotos da civilização humana, a partir do século XIX, com o advento da


industrialização e urbanização, os impactos ambientais estão mais acelerados e
acometem as condições de vida e trabalho das populações (PERIAGO et al., 2007).

Visto isso, com o intuito de compreender, estratificar e de organizar a


abordagem para os determinantes ambientais, atualmente se propõe uma estra-
tificação em três grupos distintos, conforme descrito a seguir por Franco Netto et
al. (2009):

• Grupo I: contextos relacionados ao subdesenvolvimento, com déficit de sane-


amento ambiental básico. Relaciona-se com estados de morbidade prevalentes
e grande perda de qualidade de vida, com destaque para a infantil relacionada
à diarreia.
• Grupo II: relacionado ao contato, direto ou indireto, dos seres humanos com
o desenvolvimento industrial, serviços urbanos e fronteiras agrícolas. Os pro-
dutos e subprodutos tóxicos, bem como os poluentes oriundos dos processos
industriais e urbanos trazem consequências para a saúde das comunidades e
trabalhadores.
• Grupo III: ainda em processo de emergência e desenvolvimento, está relacio-
nado com fenômenos macro, globalização e crise ambiental global. A expansão
da urbanização, degradação dos ecossistemas e mudanças no clima produzem
efeitos sobre a saúde das populações.

Nota-se que há uma estreita relação entre os três níveis, sendo que esses
determinantes ambientais não existem de forma isolada. Além disso, como vimos
anteriormente, possuem relação e influência das mudanças socioeconômicas e, a
depender do contexto analisado, apresentam diferentes combinações e sobrepo-
sições de exposições, riscos e efeitos sobre a saúde.

Destaca-se que os grupos descritos não são compostos de populações iso-


ladas e que vivenciam apenas o contexto do seu grupo. Pelo contrário, o mais
comum é perceber uma associação e circulação humana nos diferentes grupos,
apesar de estarem mais expostos a um deles. Por exemplo, apesar de algumas
populações não estarem expostas em seu dia a dia, as condições ambientais do
Grupo I, devido à proximidade geográfica ou necessidade de contato com deter-
minadas áreas também ficam expostas a esses contaminantes. Ou ainda, pessoas
que vivem no contexto rural ou de favelas, sem saneamento básico, mas que tra-
balham em regiões industriais ou manejam produtos químicos como agrotóxicos,
que compõem o Grupo II.

Além disso, ambos os grupos, I e II, podem sofrem com a exposição a


situações macro que caracterizam o Grupo III, ou seja, tanto um quanto outro
podem ser atingidos por eventos naturais, efeitos dos determinantes ambientais,
por meio de enchentes, secas, furacões e temperaturas extremas, que resultam
das mudanças climáticas.

Mediante a isso, pesquisadores vêm buscando compreender e definir de


forma mais específica como o meio ambiente e suas alterações afetam a saúde dos
150
TÓPICO 1 | OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

seres humanos. Autores como Smith e Ezzati (2005) indicam que cerca de 5% da
carga total de doenças está relacionada a esse tipo de determinante. Entretanto,
há estimativas que apontam que 24% da carga total de doenças e 23% de todos os
óbitos estão relacionados ao meio ambiente, atingindo em especial as crianças de
0 a 14 anos, nos países desenvolvidos.

Destaca-se que existem iniquidades em relação ao impacto do meio am-


biente na saúde, quando observamos diferentes países. Enquanto cerca de 23%
dos óbitos são atribuídos ao meio ambiente em países em desenvolvimento, nos
países desenvolvidos apenas 17% dos óbitos estão relacionados a esse determi-
nante. Além disso, para doenças como a diarreia, há estimativas que o meio am-
biente é responsável por 94% da carga da doença, isso porque ela está estreita-
mente relacionada à qualidade da água e o saneamento precário (PRÜSS-ÜSTÜN;
CORVALÁN, 2006).

Assim, percebe-se que o trabalho em relação aos determinantes ambien-


tais de saúde é intersetorial, ou seja, não depende apenas das ações do campo da
saúde. Torna-se necessário mobilizar parcerias entre diferentes áreas e setores
da sociedade afeitas às questões ambientais, sendo o papel da saúde alertar e
apresentar os efeitos deletérios na saúde e os prejuízos sociais e econômicos dos
entraves ambientais na saúde das pessoas e comunidades. Assim, se faz neces-
sário utilizar indicadores que possibilitem o monitoramento e intervenção para
melhoria das condições de vida e saúde da população, com ênfase nas com maior
vulnerabilidade social e ambiental (IBGE, 2008).

3.1.1 Exemplos de determinantes ambientais


Nos últimos anos, a preocupação com a poluição do ar, água, terra, ali-
mentos, além dos riscos globais como a destruição da camada de ozônio e altera-
ções do clima tem mobilizado a sociedade a pensar, discutir e propor ações para
que a humanidade viva em um ambiente mais adequado. Apesar disso, interesses
econômicos e relações de poder acabam dificultando a implementação de ações
para cuidado do ambiente (GEORGE, 2011; OLIVEIRA, 2010).

Vive-se assim um paradoxo, pois a exploração de forma imprudente do


ecossistema do qual dependemos e fazemos parte gera conforto ao ser humano,
mas ao mesmo tempo maximiza o potencial de adoecimento por causas relacio-
nadas a essa exploração. Nesse sentido, temos como principais questões ambien-
tais que apresentam impacto sobre a saúde das populações, em nível local e glo-
bal, o efeito estufa, o lixo, a contaminação do ambiente, a crise energética, a crise
da água, a crise de alimentos, a camada de ozônio; as chuvas ácidas e perda da
biodiversidade. A seguir, vamos aprofundar alguns deles.

O efeito estufa, resultante da emissão constante e ininterrupta de gases


como o dióxido de carbono, metano, CFC e óxidos nítrico faz com que, a cada dez
anos, a temperatura média do planeta aumente cerca de 0,3 grau centrígrado. Tal

151
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

evolução fará com que tenhamos um aumento de três graus centrígrados ao final
do século XXI.

Um dos principais efeitos previstos é a elevação dos níveis dos oceanos,


nos próximos 100 anos, de 20 centímetros a um metro. Isso ocasionará sérios
problemas econômicos, sanitários e de habitação, especialmente nas cidades li-
torâneas, fazendo com que as populações residentes nesses locais tenham que se
deslocar para outros lugares. Como já é observado em outros contextos de desas-
tres naturais, as populações mais vulneráveis socialmente tenderão a ter maiores
dificuldades de se restabelecer, tendo sua qualidade de vida e saúde afetadas
diretamente por essas catástrofes.

O lixo e seu destino adequado são um problema global, entretanto, atin-


ge desigualmente os países a depender da quantidade de lixo produzida e da
atenção que é dada para esse tema. Países, como o Japão, reciclam cerca de 50%
de todo lixo que produzem, por outro lado, os EUA reciclam somente 13%. Essa
discrepância faz com que tenhamos uma quantidade enorme de lixo reciclável
poluindo a natureza, tendo efeito sobre a biodiversidade e a vida humana. Além
disso, com o desenvolvimento tecnológico, resíduos provenientes dos eletrônicos
e o lixo radiativo se apresentam como um desafio, pois permanecem por muito
tempo no ambiente e são potenciais causadores de doenças.

Em uma perspectiva da saúde pública, os lixões e locais de depósito de


lixo se caracterizam como espaços de proliferação de hospedeiros de doenças,
como insetos e ratos, sendo que essa situação se agrava quando, em regiões com
populações pobres, se faz o uso desses espaços como forma de obtenção de renda.
Enfim, a solução para o lixo requer uma conscientização social acerca do destino
adequado dos produtos consumidos, alterações nos sistemas de coleta e trata-
mento e uso de materiais biodegradáveis nas embalagens.

Relacionado com o manejo inadequado do lixo, bem como com o cresci-


mento urbano, econômico e industrial está a contaminação dos ambientes por
agentes químicos. Atualmente, a poluição do ar, água, solo e alimentos por esses
agentes é uma realidade em todas as regiões do planeta e é central no acometi-
mento da saúde humana.

Esse tipo de contaminação, pela sua continuidade, afeta grandes áreas


como rios, áreas de depósito de resíduos, chegando a contaminar cidades intei-
ras. Nesse sentido, a dispersão dos poluentes e sua integração com a socieda-
de contemporânea faz com que seja difícil isolar as populações de seu contato,
tornando-o um problema de saúde pública, visto que seus efeitos nocivos para
a saúde são observados ao longo do tempo, como por exemplo, o aumento do
número de neoplasias relacionadas a metais pesados.

Sabe-se também que as transformações do clima, o aumento da poluição


atmosférica, associados às desigualdades sociais aumentam o risco de interna-
ções por doenças respiratórias. Um estudo realizado em 14 distritos da cidade de

152
TÓPICO 1 | OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

São Paulo buscou compreender como atributos meteorológicos e a poluição do


ar se relacionam com as internações por doenças respiratórias em crianças. Os re-
sultados apontaram que temperaturas entre 17,5 °C a 21 °C, umidade relativa do
ar entre 84% a 98% e material particulado (poluição do ar) > 35 µg/m³ aumentam
o risco relativo de internações por doenças respiratórias, especialmente entre o
sexo feminino (MORAES et al., 2019).

A contaminação química e biológica da água se apresenta como um gran-


de problema de saúde pública no Brasil e em outros países, se tornando uma pre-
ocupação global (KHAN et al., 2013; SANTOS et al., 2018). No estudo de Santos
et al., (2018) foi realizada uma revisão de literatura sobre a qualidade da água,
a presença de Escherichia coli e coliformes totais associados aos problemas gas-
trointestinais entre 2013 a 2017. Os autores verificaram que a maioria das amos-
tras analisadas nos artigos apresentavam contaminação, sendo impróprias para o
consumo humano e estando relacionada aos quadros de diarreia.

Percebe-se, assim, que tanto ações e alterações globais quanto locais inter-
ferem a qualidade do meio ambiente e impactam a saúde das populações a curto,
médio e longo prazo. Visto que alguns problemas ambientais atingem mais os
grupos socialmente vulneráveis, entretanto, outros se configuram de modo que
toda a população sofre com seus efeitos. Portanto, é necessário se atentar para
essa relação entre ambiente e saúde, bem como atuar de forma intersetorial para
minimizar as agressões ao ambiente, contribuindo para redução de seus efeitos
deletérios na saúde humana.

Visto isso, agora vamos conhecer os determinantes econômicos relaciona-


dos à saúde. Vamos continuar os estudos!

3.2 DETERMINANTES ECONÔMICOS


Na organização social vigente, em que se utiliza o dinheiro como mediador
das relações de compra e venda, o acesso a recursos financeiros para aquisição
de alimento, bens materiais e serviços é indispensável, sendo que os diferentes
extratos econômicos, ou seja, as classes sociais, definem as possibilidades de
acesso nos grupos populacionais.

Na sociologia, o conceito de classe social se refere a fatores mais amplos


da organização social, a saber: diferença na ocupação de posições na divisão
social do trabalho, no acesso ao poder político, no poder econômico, nos bens
culturais, na educação, entre outros valorizados em nossa sociedade. Entretanto,
para o critério de classe social, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) utiliza somente o critério de renda mensal das famílias, classificando-as
em categorias A, B, C, D e E, dependendo do rendimento obtido.

No campo da saúde não são recentes os estudos que fazem a relação entre
o nível socioeconômico e o estado de saúde dos indivíduos e populações, sendo

153
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

que os estudos identificam como os três principais fatores que contribuem para as
desigualdades em saúde: a privação material, os comportamentos relacionados à
saúde que dependem diretamente do rendimento e o desemprego (KARMAKAR;
BRESLIN, 2008; OLIVEIRA, 2010).

Com o fenômeno na globalização, que permite a eliminação das fronteiras,


facilidade de circulação de pessoas e mercadorias, se percebe uma acentuação
das desigualdades econômicas (ILO, 2011; SOUZA; SILVA; SILVA, 2013). Nesse
sentido, a preocupação com o efeito disso nas desigualdades em saúde também
tem sido global, com destaque para ações de organizações internacionais. A
Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que estabelece 17
Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), é um exemplo. Dentre os
ODS, temos a erradicação da pobreza (ODS 1) e a redução das desigualdades
(ODS 10), relacionados aos aspectos econômicos.

DICAS

Para conhecer melhor as propostas da Agenda 2030 da ONU, acesse o link a


seguir: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/.

Percebe-se, entretanto, que mesmo com o crescimento econômico e as


estratégias globais para redução das desigualdades, a centralização da renda
em pequenas parcelas da população tem se intensificado. Assim, as ações
implementadas têm sido ineficazes na busca pela redução das desigualdades
econômicas, tendo efeito na distribuição desigual das doenças entre as populações
dos países (ILO, 2011).

3.2.1 Exemplos de determinantes econômicos


Como vimos, o desempenho econômico do um país, bem como as desi-
gualdades econômicas mantidas e acentuadas com a globalização influenciam
o emprego, rendimento e habitação, condicionando o acesso a comportamentos
saudáveis por parte das pessoas (CARRAPATO; CORREIA; GARCIA, 2017; SOU-
ZA; SILVA; SILVA, 2013).

O acesso ao rendimento, ou seja, acesso à renda em dinheiro, está direta-


mente relacionado à possibilidade ou não de acesso a determinados bens e servi-
ços, logo com determinados comportamentos com impacto na saúde individual.
Por exemplo, praticar atividade física e manter uma alimentação adequada e sau-
dável dependem do acesso a informações e orientações de profissionais de saúde,
mas principalmente da possibilidade de pagamento pelos serviços e produtos ne-
154
TÓPICO 1 | OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

cessários para adoção de comportamentos saudáveis (CARRAPATO; CORREIA;


GARCIA, 2017; SOUZA; SILVA; SILVA, 2013).

Sabe-se que há uma relação positiva entre os comportamentos saudáveis


e os níveis de saúde e que a diferença no acesso à renda tem grande impacto nos
ganhos de saúde. Em contrapartida, comportamentos como o consumo excessivo
de álcool e tabaco, identificados como não saudáveis, estão associados a popula-
ções e indivíduos de extratos socioeconômicos baixos (GEORGE, 2011; OLIVEI-
RA, 2010).

Assim, percebe-se que os indicadores de saúde resultam das diferenças


de riqueza material. Pode-se visualizar isso ao observar a expectativa de vida de
grupos populacionais em diferentes extratos econômicos e sociais. Por exemplo,
em um estudo comparativo realizado entre professores e operários de fábricas
franceses, observou-se uma expectativa de vida maior no primeiro grupo, com
média de 9 anos a mais (SOUZA; SILVA; SILVA, 2013). Outro estudo, na Hungria,
verificou que habitantes dos bairros com menor renda em Budapeste apresen-
tam 4 anos a menos de expectativa média, quando comparado à média nacional
(SOUZA; SILVA; SILVA, 2013).

No Brasil, essa diferença pode ser observada entre as regiões. Em geral,


os estados do Sul, sudeste e Centro-Oeste apresentam melhores médias de ex-
pectativa de vida, bem como melhores índices de saúde, quando comparados
com estados das regiões Norte e Nordeste do país. Isso reflete as discrepâncias
econômicas e sociais entre as diferentes regiões brasileiras, oriundas da elevada
concentração de renda presente no país (CAMARGOS et al., 2019).

Em estudo realizado a partir da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, no


Brasil, Medina et al. (2019) analisaram o impacto da posição socioeconômica na
qualidade alimentar da população brasileira. Em uma amostra de 60.202 adul-
tos, verificou-se que mulheres caucasianas apresentaram maior prevalência de
consumo de alimentos saudáveis, quando comparado aos homens. Entretanto,
observou-se grande influência do nível socioeconômico no consumo de alimen-
tos saudáveis. Os indivíduos com baixa renda apresentaram consumo menor de
alimentos considerados não saudáveis (doces, sanduíches, salgados e  pizzas),
quando comparados aos de maior renda, todavia também apresentaram um con-
sumo muito baixo de alimentos saudáveis. Essas contradições apontam para a
necessidade de levar em conta as desigualdades socioeconômicas nas estratégias
para melhoria do consumo alimentar (MEDINA et al., 2019).

Em outro estudo realizado por Probst et al. (2019), observou-se os impactos


de crises financeiras nos indicadores de saúde bucal em diversos países, traçan-
do um paralelo com a realidade brasileira. A partir de uma revisão de literatura
nas bases de dados PUBMED, EMBASE, Lilacs, SCOPUS e também na literatura
cinzenta, verificou-se que os problemas de saúde bucal afetam principalmente as
populações mais vulneráveis e com menor renda. Isso se agravou em países que
não fazem alocação de recursos financeiros, provenientes do Estado, em momen-

155
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

to de crise. Esse comportamento foi observado independentemente do indicador


avaliado. Ou seja, os índices de cárie dentária não tratada, de acesso aos serviços
de Atenção Odontológica e hábitos de higiene são afetados de forma desigual em
situação de crise financeira, com maior prejuízo para os grupos mais pobres.

Os determinantes econômicos também afetam a saúde das crianças, de


modo que os piores níveis econômicos estão relacionados com maiores preva-
lências de mortalidade infantil. Em sua pesquisa, Tejada et al. (2019) utilizaram
dados do Banco Mundial para analisar os efeitos das crises econômicas na saúde
infantil em nível global, comparando 127 países com diferentes níveis de renda.
Os resultados do trabalho, em nível macro, evidenciaram que um menor PIB per
capita e maior inflação, taxa de desemprego e taxa de desconforto estão associa-
das às maiores taxas de mortalidade infantil. Além disso, independentemente
dos indicadores econômicos, o maior percentual nos gastos públicos em saúde foi
associado com menores taxas de mortalidade infantil.

Mediante a isso, é possível perceber que indicadores relacionados à renda


e extrato econômico influenciam a forma como as populações adoecem e mor-
rem. Além disso, cabe ressaltar as possibilidades de manutenção de comporta-
mentos saudáveis para promoção da saúde e prevenção desses aspectos. Assim,
desigualdades econômicas geram desigualdades em saúde.

Agora que conhecemos os principais determinantes econômicos de saú-


de, vamos trabalhar os determinantes sociais no próximo subtópico. Vamos lá!?

3.3 DETERMINANTES SOCIAIS


Conforme estudado, os determinantes da saúde podem ser de natureza
biológica, ambiental, econômica e social, sendo que a ideia de determinação social da
saúde pressupõe uma articulação complexa entre esses diferentes determinantes.
Os determinantes sociais, ao mesmo tempo que dão nome ao conjunto de fatores
não biológicos (econômicos, sociais, ambientais) que influenciam a saúde dos
indivíduos e grupos, também representam um grupo específico desses fatores,
como: organização social, cultura, etnia/raça, gênero, escolaridade, aspectos
psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência e distribuição de
problemas de saúde (GARBOIS; SODRÉ; DALBELLO- ARAÚJO, 2017).

Nesse sentido, os determinantes sociais abordam aspectos relacionados


à organização da sociedade, bem como as relações impostas e perpetuadas pelas
diferentes culturas. Deve-se ter claro que por mais que existam hegemonias em
nível global, principalmente pelo modo como a sociedade vem estruturando
as relações contemporâneas, deve-se atentar para os padrões e hierarquias
culturais no nível micro, bem como sua influência na saúde (GARBOIS; SODRÉ;
DALBELLO- ARAÚJO, 2017).

A organização social é compreendida como a forma que as diferentes


sociedades se organizam, bem como o papel atribuído a cada indivíduo ou grupo.
156
TÓPICO 1 | OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

Assim, essa estrutura social ao mesmo tempo que constitui os sujeitos é por eles
constituída. Ou seja, as pessoas seguem determinadas regras, mas ao longo do
tempo vão as aperfeiçoando de forma a transformá-las. A organização social está
muito relacionada à cultura (ANDRADE, 2007).

A cultura tem um sentido amplo, mas em geral está relacionada a um


conjunto de símbolos, hábitos, crenças e conhecimentos compartilhados por um
povo ou um determinado grupo. As concepções mais contemporâneas de cultura
assumem que ela não se configura como uma estrutura estática, mas sim como
produto dinâmico de relações estabelecidas e reiteradas no cotidiano. Para o
campo da saúde é importante pensarmos que as regras sociais e culturais podem
determinar comportamento mais ou menos nocivos para a saúde (GEERTZ, 1989).

O termo raça é utilizado para descrever as características físicas e


biológicas de um indivíduo, ou seja, características como estatura, cor da pele,
cor dos olhos, estrutura facial, cor do cabelo. A etnia se refere à identidade
cultural dos indivíduos, que inclui idioma, religião, nacionalidade, ascendência,
vestimenta e costumes, ou seja, possui grande articulação com a cultura. Destaca-
se que a hegemonia de alguns grupos étnicos e os discursos construídos ao longo
da história sobre a supremacia de algumas raças, ainda hoje apresentam efeitos
e produzem desigualdades sociais e consequentes desigualdades em saúde
(GUIMARÃES, 2003).

O conceito de gênero se refere às normas sociais atribuídas aos diferentes


sexos, ou seja, para pessoas do sexo feminino são impostos e esperados
determinados comportamento e atitudes, já para pessoas do sexo masculino,
outras normas são aplicadas. Essas construções sociais não são determinadas
pelas características biológicas, mas sim pelo contexto sociocultural e das normas
estabelecidas, sendo responsáveis por desigualdades sociais e de saúde entre
homens e mulheres (NOGUEIRA; SILVA, 2008).

Como vimos, atualmente, os determinantes sociais já possuem uma re-


lação estabelecida com saúde dos indivíduos e população no cenário científico,
entretanto, ainda se faz necessário incluir esses determinantes no processo de
trabalho dos profissionais da saúde. Essa inclusão contribuirá para a redução das
iniquidades em saúde, que apresentam grande relação com as desigualdades so-
ciais, ou seja, aquelas injustiças sistemáticas e naturalizadas na estrutura e rela-
ções sociais, entretanto evitáveis (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007; WHO, 2010).

Essa necessidade de sensibilização e de formação profissional nos convida


a refletir sobre o paradoxo da existência de evidências científicas sobre os determi-
nantes sociais da saúde e da doença e a naturalização de determinadas condições
humanas. Verifica-se que, apesar da necessidade de estudos para demonstrar os
efeitos em contextos específicos, a distribuição fundamentalmente social dos resul-
tados da saúde já está estabelecia nas análises existentes. O que se discute e deve ser
pensado aqui é que essas desigualdades sociais e opressões são escolhas, mais ou
menos conscientes, feitas pelas sociedades (FINKLER et al., 2010).

157
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

Desse modo, a discussão acerca dos determinantes sociais está relacionada


à forma como as sociedades se organizam e os caminhos que elas escolhem,
coletivamente, seguir, sendo que a prática dos profissionais da saúde, por lidar
diretamente com essas questões, pode auxiliar a superação de determinadas
iniquidades em saúde, contribuindo para a construção de sociedades mais justas
e saudáveis (FINKLER et al., 2010).

3.3.1 Exemplos de determinantes sociais


Conforme estudamos no subtópico anterior, a forma como a sociedade se
organiza e se estrutura, bem como as normas sociais derivadas dela, determinam
a forma como as pessoas adoecem e morrem. Ou seja, o social influencia a expo-
sição a situações de risco, logo, tem relação estreita com as alterações biológicas
(BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007; WHO, 2010). Nesse sentido, para aprofundar-
mos os estudos acerca da influência dos determinantes sociais na saúde, vamos
conhecer algumas pesquisas brasileiras.

Um estudo realizado no ano de 2013, em âmbito nacional, denominado Pes-


quisa Nacional de Saúde, investigou diversas características da saúde de 60 mil
adultos brasileiros, sendo as características sociais também analisadas. Verificou-se
grandes diferenças na prevalência de hipertensão a depender do grau de escola-
ridade, sendo os grupos com maior nível educacional, menos propensos a serem
acometidos por hipertensão. O segmento com maior escolaridade (ensino médio
ou superior) apresentou 15,4%, enquanto o segmento mais baixo (sem escolarida-
de) teve uma prevalência quase 3 vezes maior, totalizando 44,6% (IBGE, 2013).

Na mesma pesquisa, contatou-se diferenças entre as regiões brasileiras,


sendo as menores prevalências no Norte e Nordeste e as maiores no Sul e Sudes-
te. Essas diferenças foram associadas às diferenças sociais e culturais relaciona-
das aos hábitos alimentares (alto consumo de sal), hábitos sedentários e consumo
abusivo de álcool. Também foi apontado que o marcador de gênero determina a
distribuição da hipertensão, visto que a prevalência autorreferida – com critério
diagnóstico de pressão arterial aferida no domicílio ≥ 140/90 mmHg ou em uso
de anti-hipertensivos – foi superior em homens quando comparado com as mu-
lheres (IBGE, 2013). 

Outro estudo, realizado em São Paulo, de característica transversal e


amostra de 448 crianças de até 3 anos de idade, teve o objetivo de analisar o de-
senvolvimento infantil em diferentes grupos sociais. Dentre a população inves-
tigada, verificou-se que 29% apresentou algum déficit de desenvolvimento, sen-
do que as crianças provenientes de famílias com menor grau de inserção social
estiveram associadas à ausência de algum marco do desenvolvimento infantil
(OLIVEIRA et al. 2019).

Nesse sentido, quanto piores as condições de acesso das famílias à qua-


lificação profissional, trabalho, moradia, saneamento, alimentação, educação e

158
TÓPICO 1 | OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

assistência à saúde, piores os problemas relacionados ao desenvolvimento das


crianças. A junção dos determinantes anteriores com a falta de acesso à cultura,
lazer e políticas igualitárias de saúde foi identificado como potencial gerador de
um ciclo de pobreza e doença (OLIVEIRA et al. 2019).

O trabalho realizado por Alves e Faerstein (2016) teve como objetivo in-
vestigar as desigualdades em saúde relacionadas à escolaridade, gênero e raça
no acometimento por obesidade. O estudo, que utilizou dados dos Estudos Pró-
-Saúde 1999-2001 e 2011-2012, verificou maior probabilidade de ser acometido
por obesidade entre as mulheres e homens pardos/pretos com menor escolarida-
de. Entretanto, ao longo da década, houve aumento da obesidade também nos
grupos com maior escolaridade. Assim, a pesquisa aponta que gênero e cor/raça
são determinantes sociais que influenciam a diferente distribuição da obesidade
abdominal.

A tuberculose é uma doença que acomete, em geral, pessoas em vulne-


rabilidade social, dentre elas: negros, indivíduos com baixa renda e analfabetos
ou com baixo grau de escolaridade. Nesse sentido, estudo realizado com dados
primários em Salvador, na Bahia, com indivíduos acometidos por tuberculose,
analisou a associação dos desfechos dos tratamentos com variáveis sociodemo-
gráficas e benefícios sociais recebidos. Como principais resultados, foi observado
que as maiores proporções de cura foram registradas nos grupos com melhor
escolaridade, em união conjugal e residentes em domicílios com até duas pessoas
por dormitório (ANDRADE et al., 2019).

Além disso, foi apontado que mediante as características sociais e econô-


micas das doenças, os programas de proteção social foram associados com me-
lhores desfechos e podem ser uma estratégia para contribuir para a eliminação
da tuberculose em contextos de maior vulnerabilidade social (ANDRADE et al.,
2019). Visto isso, podemos concluir que o trabalho dos profissionais da saúde não
pode ignorar os determinantes sociais da saúde, que englobam aspectos sociais,
econômicos e ambientais, bem como sua combinação e conexão complexa. A ló-
gica dos determinantes sociais nos coloca três grandes questões:

1) Reduzir as iniquidades em saúde é um imperativo moral.


2) Devemos trabalhar para promover melhores condições de saúde e ampliar o
bem-estar, promovendo o desenvolvimento econômico e social para alcançar
as metas de saúde.
3) Para promover uma distribuição igualitária da saúde é necessário realizar
ações sobre os determinantes sociais da saúde.

Agora que conhecemos em detalhes os diferentes tipos de determinantes


da saúde, bem como exemplos de sua atuação na determinação do processo de
saúde e doença, vamos seguir os estudos. No próximo tópico, vamos conhecer
os principais modelos de determinantes sociais adotados por organismos
internacionais e nacionais da saúde.

159
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• A saúde e a doença são determinados por fatores relacionados a determinantes


ambientais, econômicos e sociais.

• Esses fatores devem ser observados nas ações em saúde para que seja possível
realizar uma abordagem integral dos indivíduos, bem como a redução das
iniquidades em saúde.

160
AUTOATIVIDADE

1 A saúde e a doença são fenômenos complexos e determinados por diversos


fatores desde a biologia até a organização e características do social. Assim,
ao observar esses determinantes observa-se que alguns produzem diferenças
em saúde e outros e iniquidade em saúde. Mediante a isso, diferencie os
conceitos de diferença e iniquidade em saúde e reflita sobre a importância
para a abordagem em saúde.

2 As condições de vida e trabalho influenciam de forma decisiva nas condições


de saúde de indivíduos e grupos populacionais, sendo responsável por grande
parte da carga das doenças. Esses fatores são denominados de determinantes
sociais da saúde (DSS). Acerca dos DSS, assinale a alternativa correta:

a) ( ) É o termo que sintetiza os determinantes sociais, econômicos e


ambientais que estão relacionados a saúde.
b) ( ) Compreende somente aqueles aspectos da saúde humana, que são
determinados por fatores físicos, químicos, biológicos relacionados ao meio
ambiente
c) ( ) Trata-se de uma nova forma de compreender a saúde e a doença
desenvolvida por estudos sociais recentes.
d) ( ) São métodos utilizados apenas para compreender como a sociedade
apresenta diferenças graves em saúde.

161
162
UNIDADE 3
TÓPICO 2

MODELOS DE DETERMINANTES
SOCIAIS DE SAÚDE

1 INTRODUÇÃO
A compreensão dos diferentes Determinantes Sociais da Saúde, isolada-
mente, nos permite aprofundar e compreender como eles operam e influenciam
na saúde dos indivíduos e grupos populacionais.

Entretanto, para compreender como eles interagem entre si para determi-


nar a forma como se adoece e morre é necessário os observar de forma integrada.
Neste sentido, faz-se necessário conhecer as propostas dos em modelos de saúde,
ou modelos de determinantes sociais de saúde que buscam explicar esta interação.

Neste tópico, serão explicados os dois principais modelos de determina-


ção social propostos por Dahlgren e Whitehead e Solar e Irwin, adotados pela
Organização Mundial da Saúde e pelas comissões nacional e internacional, para
determinantes sociais. Acompanhe a seguir!

2 O QUE SÃO MODELOS CONCEITUAIS DE SAÚDE?


Conforme o desenvolvimento do conhecimento científico, foram criadas
novas formas de explicação para tais fenômenos, bem como foi possível organi-
zá-las em modelos conceituais de saúde. O modelo conceitual é um conjunto de
suposições baseadas na realidade e que busca indicar regras existentes. 

Especificamente na saúde, esses conhecidos modelos conceituais são de-


nominados modelos conceituais de saúde e servem para explicar o surgimento
e a transmissão das doenças nas populações humanas. Nesse sentido, são deter-
minados pelo contexto social e histórico, bem como pelo desenvolvimento tec-
nológico e de conhecimento, assim, dão base para o desenvolvimento de ações
terapêuticas para tratar as doenças (ALMEIDA-FILHO; ROUQUAYROL, 2006).

Historicamente, podemos afirmar que tivemos cinco principais modelos


explicativos, a saber: modelo mágico-religioso; modelo processual; modelo sistê-
mico; modelo biomédico; modelo de determinação social da saúde e da doença
(ALMEIDA-FILHO; ROUQUAYROL, 2006). O quadro a seguir apresenta as prin-
cipais características de cada um dos modelos:

163
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

QUADRO 2 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS MODELOS EXPLICATIVOS

Mágico- Cabia aos deuses definir o estado de adoecimento e cura dos


religioso homens, sendo marcado pela noção de pecado-doença e
redenção-cura.
Biomédico Tem como abordagem a patogenia e a terapêutica, classificando
as doenças segundo forma e agente patogênico. Caracteriza-
se pela explicação unicausal da doença e enfoque nos
aspectos  biológicos. Entende o corpo como uma máquina
que pode ser compreendido e tratado em partes isoladas, por
especialistas.
Processual Baseada no modelo de História Natural da Doença (LEAVELL
& CLARK, 1976). Aponta que o corpo responde a estímulos
patológicos do meio, tendo como desfecho a cura, o defeito, a
invalidez ou a morte.
Sistêmico A saúde e doença são influenciadas por fatores políticos
e socioeconômicos, fatores culturais, fatores ambientais e
agentes patogênicos que estão relacionados sinergicamente. A
modificação de um dos níveis afetará os demais.
Determinação A saúde e o adoecimento estão relacionados com o jeito como
social da as pessoas vivem. Ou seja, são os fatores sociais, econômicos,
saúde e da culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais
doença que influenciam a em alterações biológicas e ocorrência de
problemas de saúde e seus fatores de risco na população. 
FONTE: Adaptado de Almeida-Filho e Rouquayrol (2006)

Destaca-se que no cenário atual há uma coexistência do Modelo Biomédico


e da Determinação Social da Saúde e da Doença, presentes na formação e prática
dos profissionais da saúde. Sendo que há um predomínio da formação voltada
para uma vertente biomédica, o que faz com que muitos egressos dos cursos da
saúde não tenham preparação e conhecimento adequados para atuar a partir
da perspectiva dos determinantes sociais da saúde (ARAÚJO; GOMES DE
MIRANDA; BRASIL, 2014).

Visando superar esses entraves e lhe preparar para a vida profissional,


neste tópico focaremos essa temática. A seguir, vamos conhecer os dois principais
modelos de determinantes sociais da saúde e suas características principais
usadas para explicar a determinação da saúde e das doenças nos grupos sociais.
Vamos lá!?

3 PRINCIPAIS MODELOS DE DSS


Sabe-se que a saúde é um fenômeno complexo e pode ser abordado de di-
versas formas e perspectivas (CARRAPATO; CORREIA; GARCIA, 2017). Quando
se trata das agendas de saúde dos Estados, elas tendem a oscilar em duas linhas:
uma voltada para intervenções e assistência médica em saúde, com olhar voltado
164
TÓPICO 2 | MODELOS DE DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE

ao biológico e outra com uma compreensão da saúde como fenômeno social, exi-
gindo formas complexas de ação política intersetorial e relacionada a uma justiça
social mais ampla (WHO, 2010).

A equidade em saúde, ou seja, a ausência de diferenças injustas, evitáveis


ou solucionáveis, é a base dos trabalhos a partir da determinação social da saú-
de (CARRAPATO; CORREIA; GARCIA, 2017). Nesse sentido, a responsabilidade
pela proteção da equidade em saúde é papel dos Estados, baseando-se nas prer-
rogativas dos direitos humanos e promovendo autonomia das pessoas e comuni-
dades no controle dos fatores que determinam sua saúde (WHO, 2010).

Ao longo do tempo, alguns modelos de determinação do processo saú-


de-doença foram propostos para explicação da organização desses fatores que
influenciam a saúde e o adoecer das pessoas e grupos. Em linhas gerais, pode-se
destacar três vertentes teóricas dentro da epidemiologia social: a psicossocial, a
da produção social da doença/economia política de saúde e a ecossocial de distri-
buição das doenças (KRIEGER, 2002).

A primeira linha enfatiza os fatores psicossociais, relacionando os níveis


de saúde com as alterações neuroendócrinas provocados por percepções e ex-
periências das pessoas nos diferentes “ambientes sociais”, associando a saúde
precária com as desigualdades sociais (CASTEL, 2005).

A segunda linha, apesar de não negar os efeitos psicossociais, enfatiza que


a saúde e a doença são determinadas pelas questões econômicas e políticas, con-
siderada uma linha materialista ou neomaterialista. Desse modo, apontam que as
interpretações devem iniciar com as desigualdades estruturais e não apenas nas
percepções dessas desigualdades (KRIEGER, 2002).

A terceira linha procura integrar os aspectos sociais e históricos aos fa-


tores biológicos de forma dinâmica em análise multinível. Busca-se, assim, de-
senvolver e conhecer os padrões de mudança na saúde, doença e no bem-estar
das populações e responder “o que” e “quem” são responsáveis pelas tendências
observadas. Nesse sentido, o conceito de incorporação é central, uma vez que se
baseia na ideia de que incorporamos biologicamente o mundo material e social
(KRIEGER, 2002).

Todas essas tradições teóricas usam os mecanismos de “seleção social”


ou mobilidade social, “causalidade social” e perspectivas do curso de vida para a
explicação da determinação social da saúde. Assim, os caminhos propostos enfa-
tizam o conceito de “posição social” na determinação social das iniquidades em
saúde (WHO, 2010).

Nesse sentido, para aprofundar os conhecimentos acerca dos modelos de


determinantes sociais utilizados e recomendados pelas comissões de determinan-
tes sociais nacional e da Organização Mundial da Saúde (OMS), vamos apresen-
tar nos próximos subtópicos os modelos de Dahgren e Whithead e de Orielle
Solar e Alec Irwin.

165
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

3.1 MODELO DE DAHLGREN E WHITEHEAD


Como vimos, existem diversas formas de explicar a saúde e as doenças,
sendo que os modelos para demonstrar a relação complexa entre os diferentes de-
terminantes da saúde também variam. Entretanto, ao longo do tempo, o modelo
Dahlgren e Whitehead ganhou destaque e centralidade pela sua proposta de or-
ganização, hierarquização e articulação entre os determinantes sociais e biológicos
(BUSS; ALMEIDA-FILHO, 2007). Esse modelo ainda é o mais disseminado e utili-
zado nos serviços de saúde, sendo adotado pela Comissão Nacional do Determi-
nantes Sociais da Saúde, apesar da publicação de um novo modelo pela OMS.

O modelo de DSS de Dahlgren e Whitehead propõe uma disposição em


diferentes camadas, indo de características individuais nas camadas mais próxi-
mas até características mais gerais nas camadas distais, onde são alocados os ma-
crodeterminantes. No total são propostas cinco camadas, a saber: características
individuais; estilo de vida dos indivíduos; redes sociais e comunitárias; condições
de vida e trabalho; e condições socioeconômicas, culturais e ambientais gerais
(CNDSS, 2008). Na figura a seguir, você pode conferir a disposição de cada uma
no modelo representado de forma gráfica:

FIGURA 1 – MODELO DE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE PROPOSTO


POR DAHLGREN E WHITEHEAD

FONTE: CNDSS (2008, p. 14)

Veja que a disposição em camadas não pretende propor que os diferen-


tes determinantes agem de forma isolada, muito pelo contrário, essas camadas
devem ser consideradas e entendidas em suas conexões que, na prática, acon-

166
TÓPICO 2 | MODELOS DE DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE

tecem de forma diferente a depender do indivíduo ou grupo social que se está


abordando. Entretanto, essa disposição permite a visualização, a localização e
quais atores são responsáveis pelos diferentes determinantes da saúde (ROCHA;
LAPREGA, 2011).

Por exemplo, as condições socioeconômicas, culturais e ambientais gerais,


apesar de influenciarem a forma como as pessoas cuidam da sua saúde, não po-
dem ser alteradas diretamente por uma pessoa, são necessárias estratégias regio-
nais, municipais, estaduais, nacionais ou globais para que os macrodeterminantes
sejam modificados. Por outro lado, fatores mais próximos, como o estilo de vida,
apesar de estarem relacionados com outros determinantes, estão sob controle dos
indivíduos, podendo ser alterado de forma direta por cada um (CARRAPATO;
CORREIA; GARCIA, 2017).

Partindo dessa percepção de inter-relação entre as camadas, vamos apre-


sentar e aprofundar cada uma separadamente. Desse modo, será possível conhecê-
-las de forma específica e traçar as possíveis articulações entre os diferentes níveis.

• Condições socioeconômicas, culturais e ambientais gerais

Nível mais distal, inclui características gerias relacionadas à condição eco-


nômica, culturais e ambientais da sociedade em que os indivíduos estão inseri-
dos. Essas condições, como por exemplo, o estado econômico e as características
culturais vigentes, influenciam todas as outras camadas que vêm abaixo.

• Condições de vida e de trabalho

Nesse nível estão representadas condições materiais de vida e trabalho dos


indivíduos e grupos. São colocados fatores como ambiente de trabalho, emprego,
acesso a saneamento básico, educação, serviços de saúde, educação e modo de pro-
dução agrícola e de alimentos. Esses fatores são definidores da posição social que
os indivíduos ocupam, definidas por diversas variáveis como renda, escolarida-
de, gênero, entres outras. Desse modo, as condições de vida e trabalho, bem como
seus efeitos psicossociais são considerados os principais mediadores, por meio dos
quais se pode estabelecer uma estratificação socioeconômica e seus impactos na
situação de saúde dos indivíduos e grupos populacionais. A partir de uma análise
apurada dessas condições se pode chegar a suas respostas objetivas acerca da:

1) Origem das iniquidades em saúde entre grupos sociais.


2) Caminhos pelos quais os determinantes sociais produzem as iniquidades em
saúde.

• Redes sociais e comunitárias

Mais próximo dos indivíduos está a camada relacionada à influência e


interferência das redes sociais e comunitárias e de apoio. Essas redes fazem parte
da socialização humana e são indispensáveis para a saúde da sociedade. Nesse

167
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

modelo, essas redes estão articuladas com o chamado capital social, ou seja, um
conjunto organizado de relações que envolvem confiança, solidariedade e par-
ceria entre grupos de pessoas para o enfrentamento de problemas individuais
ou coletivos. Destaca-se que o capital social vai além da relação com os amigos
próximos e parentes, pois pode estar presente em diversas formas de participa-
ção social, como a participação e integração em grupos religiosos, associações
sindicais, associações de moradores e clubes de recreação. Todos esses vínculos
representam maneiras que os grupos criam e mantêm vínculos sociais e de coo-
peração. Entretanto, a depender da forma do vínculo e dos efeitos provenientes
deles, essas redes sociais podem auxiliar ou prejudicar os indivíduos e grupos em
relação aos eventos em saúde.

• Comportamento, estilos de vida e saúde

Esse nível se localiza na camada imediatamente externa às características


individuais, sendo um nível de grande agência por parte dos indivíduos. Por se
tratar de comportamentos e estilos de vida relacionados à saúde são passíveis de
controle e modificação por parte dos indivíduos. Entretanto, deve-se ter atenção,
pois apesar dessa possibilidade são influenciados de forma direta e profunda por
fatores sociais, econômicos, culturais, ambientais e outros. Ou seja, a manutenção
de um estilo de vida saudável não depende apenas do esforço e dedicação dos indi-
víduos, mas também do acesso financeiro, físico e de tempo para adoção deste. En-
tretanto, se destaca que para os profissionais da saúde esse nível é o que tem mais
possibilidade de ação, visto que como são fatores comportamentais, possuem po-
tencial de modificação por meio de ações e estratégias para difusão de informações
e orientações práticas. No contexto atual, três fatores estão em destaque, a saber:

1) Dieta: considerada um dos principais fatores de risco para Doenças Crônicas


e Não Transmissíveis (DCNT), como diabetes, hipertensão e obesidade, é um
fator considerado modificável. Orientações específicas de nutricionistas ou
gerais dos diferentes profissionais da saúde, conforme o Guia Alimenta para a
População Brasileira, podem ser medidas efetivas para indivíduos e coletividades.

DICAS

Conheça o Guia Alimentar para a População Brasileira, bem como os 10


passos para alimentação saudável, acessando o link: https://bit.ly/3ghKxaP.

2) Atividade física: assim como a alimentação, a prática de atividade física também


é um fator de risco modificável que está relacionado com diversas DCNT. Além
disso, baixos níveis de atividade estão relacionados a mortes prematuras por do-
enças do coração, acidente vascular cerebral, câncer de colón e mama e diabetes.

168
TÓPICO 2 | MODELOS DE DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE

3) Hábito tabágico e consumo de álcool: o hábito tabágico e o consumo excessivo


de álcool, apesar de estarem relacionados a substâncias psicoativas legaliza-
das, representam um grave fator de risco para diversas doenças. Ambos são fa-
tores comportamentais modificáveis e a redução ou restrição total do consumo
devem ser estimuladas e orientadas por todos os profissionais da saúde.

• Características individuais

Por fim, no núcleo do modelo se encontram os indivíduos com suas ca-


racterísticas individuais de idade, sexo e fatores genéticos. Estes são fatores bio-
lógicos e não determinados socialmente, nem possíveis de serem modificados
mediante a mudança de comportamento.

Nesse sentido, percebe-se que o modelo proposto por Dahlgren e Whi-


tehead faz uma abordagem completa e complexa, considerando os aspectos
gerias e específicos da determinação da saúde e doença. Sendo que a partir de
análises que utilizem os diferentes níveis de forma isolada ou integrada é pos-
sível a proposição de intervenções específicas nos serviços de saúde e na prática
profissional, mas também de políticas púbicas gerais com objetivo de reduzir as
iniquidades em saúde (CARVALHO, 2013).

Agora que conhecemos esse modelo de DSS apresentado, vamos avançar


nos estudos conhecendo a estruturação, organização e os itens que compõem o
modelo de Solar e Irwin.

3.2 MODELO DE SOLAR E IRWIN


O modelo proposto por Orielle Solar e Alec Irwin foi adotado pela OMS
a partir de 2010, com a publicação do A conceptual framework for action on the social
determinants of health (Uma estrutura conceitual para ação sobre os determinantes
sociais da saúde), sendo a proposição mais recente para compreensão e aborda-
gem dos DSS (WHO, 2010). O documento ainda se encontra apenas na versão em
inglês, sem tradução para língua portuguesa.

Em uma perspectiva geral, o modelo de Solar e Irwin propõe que os de-


terminantes estruturais operam por meio de um conjunto de determinantes in-
termediários para moldar os efeitos na saúde. A partir disso, a estrutura/contexto
social macro, expresso por mecanismos sociais, culturais, econômicos e políticos
dão origem a diferentes posições socioeconômicas, que estão relacionadas à ren-
da, à educação, à ocupação, ao gênero, à raça/etnia e outros fatores. Por fim, essas
posições socioeconômicas determinam vulnerações, vulnerabilidades e exposi-
ções diferenciadas nas condições de saúde (determinantes intermediários) que
estão relacionadas à posição das pessoas e grupos nas hierarquias sociais (WHO,
2010). Veja a seguir a representação gráfica do modelo:

169
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

FIGURA 2 – REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO MODELO DE SOLAR E IRWIN

FONTE: WHO (2010, p. 6)

Como vimos, o modelo destaca principalmente a necessidade de diferen-


ciar o contexto e a posição socioeconômica das pessoas e grupos dos fatores li-
gados diretamente à determinação da saúde. Para isso, vamos pensar em dois
cenários distintos, mas mutuamente interligados: os determinantes estruturais e
os determinantes intermediários (WHO, 2010). Vejamos as diferenças e relações
deles a seguir:

• Determinantes estruturais

Responsável pelas condições de iniquidade em saúde entre as diferentes


pessoas e grupos. Trata das condições estruturais em que estes estão imersos.
Essas condições estão divididas em dois grandes blocos:

1) Contexto socioeconômico e político: engloba governança, políticas macroe-


conômicas, políticas sociais, políticas públicas de educação, saúde e proteção
social, cultura e valores sociais.
2) Posição socioeconômica: engloba classe social, gênero, raça/etnia, renda, edu-
cação e ocupação.

• Determinantes intermediários

Trata das condições intermediárias, ligadas diretamente ao processo


saúde-doença e bem-estar, que tem como principais categorias as:

1) Circunstâncias materiais: moradia, qualidade do bairro, potencial de consumo,


ambiente de trabalho.
170
TÓPICO 2 | MODELOS DE DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE

2) Psicossociais: estressores psicossociais, circunstâncias estressantes da vida,


conflitos em relacionamentos, suporte social e enfrentamento aos problemas.
3) Fatores comportamentais e biológicos: nutrição, atividade física, consumo de
tabaco e consumo de álcool.
4) Sistema de saúde: através do acesso e formas de serviço disponíveis, incorpora
diferenças na maior ou menor exposição e vulnerabilidade a doenças na vida
das pessoas.

Assim, sugere-se que os elementos do contexto social, econômicos e po-


líticos possibilitam a produção de determinados conjuntos de posições socioeco-
nômicas. As posições socioeconômicas, por sua vez, moldam os determinantes
específicos do estado de saúde (determinantes intermediários) que se relacionam
com o lugar das pessoas dentro das hierarquias sociais (WHO, 2010).

Nota-se que esse modelo de determinação social aponta para uma inte-
gração e relação entre as diferentes partes que o compõem. Por exemplo, uma
situação de doença pode interferir na posição socioeconômica, comprometendo o
acesso a emprego, renda ou mesmo à educação (WHO, 2010). Ou seja, apesar de
propor um fluxo principal que vai de um plano estrutural amplo para condições
específicas, considera que há uma alteração dos fatores estruturais a partir de
situações vivenciadas pelas pessoas e grupos.

Desse modo, a depender das relações vivenciadas pelas pessoas e grupos


no âmbito estrutural, sua condição individual será afetada, produzindo as dife-
renças na exposição e vulnerabilidade às condições que interferem a saúde. Os
determinantes sociais das iniquidades em saúde operam por meio dos determi-
nantes intermediários da saúde para moldar os resultados de saúde das pessoas
e grupos (WHO, 2010).

Essa diferenciação se torna relevante para distinguir as ações voltadas


para a redução das iniquidades em saúde das relacionadas à melhoria das con-
dições intermediárias que afetam a saúde. Ações amplas de redução de desigual-
dades, como a redistribuição de renda e políticas de equidade de gênero terão
impactos na redução das iniquidades em saúde e, mediante a lógica proposta no
modelo, exercerão alterações na posição social das pessoas e grupos e nos fatores
intermediários (WHO, 2010).

Assim, há necessidade de identificar e reconhecer quais ações e políticas


estão direcionadas para as condições estruturais e quais estão voltadas para as
condições intermediárias, diferenciando os investimentos e ações para a melhoria
dos determinantes sociais de saúde e das iniquidades em saúde (WHO, 2010).

171
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

DICAS

Saiba mais sobre os modelos de determinantes sociais de saúde e sobre


a discussão da determinação social da saúde, acessando o artigo das pesquisadoras
brasileiras Júlia Arêas Garbois, Francis Sodré e Maristela Dalbello-Araújo, intitulado Da
noção de determinação social à de determinantes sociais da saúde, disponível no link a
seguir: https://bit.ly/3gefJYu.

Agora que conhecemos os dois principais modelos de determinantes so-


ciais da saúde, bem como seus detalhes e possibilidade de uso para os profissio-
nais, vamos seguir nossos estudos. No próximo tópico, conhecerá como os deter-
minantes sociais influenciam a saúde de alguns grupos específicos, denominados
de populações vulneráveis. Vamos lá!?

172
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Além de conhecer os determinantes sociais da saúde de forma isolada, é ne-


cessária a compreensão da forma como eles interagem para a determinação da
saúde de indivíduos e grupos populacionais conforme os modelos propostos e
recomendados pelas comissões nacional e internacional de determinantes so-
ciais da saúde.

173
AUTOATIVIDADE

1 Os modelos conceituais de saúde servem para explicar o surgimento e a


transmissão das doenças nas populações humanas e variam de acordo com
o contexto histórico e desenvolvimento tecnológico. Atualmente o modelo
explicativo da determinação social da saúde é o mais utilizado e aceito. Em
relação a esse modelo é correto afirma que:

a) ( ) É baseado no modelo de História Natural da Doença (LEAVELL &


CLARK, 1976). Aponta que o corpo responde a estímulos patológicos do
meio, tendo como desfecho a cura, o defeito, a invalidez ou a morte.
b) ( ) Caracteriza-se pela explicação unicausal da doença e enfoque nos as-
pectos biológicos. Entende o corpo como uma máquina que pode ser compre-
endido e tratado em partes isoladas, por especialistas.
c) ( ) Sugere que o estado de adoecimento e cura dos homens é definido por
entidades mágicas ou divinas, sendo marcado pela noção de pecado-doença e
redenção-cura.
d) ( ) A saúde e o adoecimento estão relacionados com fatores sociais, eco-
nômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que pro-
movem alterações biológicas e a ocorrências de problemas de saúde. 

2 Os modelos de DSS proposto por Dahlgren e Whitehead é o mais difundido


na formulação de políticas públicas e na prática em saúde. O modelo de DSS
de Dahlgren e Whitehead propõe uma disposição em diferentes camadas,
indo de características individuais nas camadas mais próximas até caracterís-
ticas mais gerais nas camadas distais, onde são alocados os macrodeterminan-
tes. Cite o nome das cinco camadas proposta descrevendo brevemente suas
principais características.

174
UNIDADE 3
TÓPICO 3

DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E AS


POPULAÇÕES VULNERÁVEIS

1 INTRODUÇÃO
Os determinantes sociais da saúde nos permitem compreender aspectos
da saúde que transcendem os determinantes biológicos, sendo possível identifi-
car características nos indicadores saúde a depender do grupo que se está traba-
lhando. Ou seja, nota-se que por iniquidades sociais determinados grupos ficam
submetidos de forma mais vulnerável a condições que geram doenças e agravos
em saúde. Neste sentido, deve-se observar essas diferenças evitáveis com o intui-
to de agir sobre esses determinantes sociais, bem como promover ações de saúde
direcionadas para compensar essas iniquidades em saúde.

Visto isso, neste tópico serão trabalhadas as articulações e interação dos


determinantes sociais em três grupos sociais vulneráveis: a população privada de
liberdade, a população em situação de rua e a população indígena.

2 SAÚDE E VULNERABILIDADE SOCIAL


Como vimos nos tópicos anteriores, a depender de características so-
ciais, econômicas, culturais e ambientais, os indivíduos e grupos populacionais
apresentam desigualdades na forma de viver, adoecer e morrer, ou seja, as desi-
gualdades sociais afetam diretamente a saúde das pessoas, sendo que é possível
observar por meio de informações epidemiológicas que alguns grupos sociais,
por preconceitos estabelecidos e problemas sociais históricos, apresentam grande
vulnerabilidade social com prejuízos diretos na saúde.

Desse modo, neste tópico aprofundaremos nosso olhar sobre algumas po-
pulações marginalizadas, apresentando informações de pesquisas quantitativas e
qualitativas acerca das condições de vida, perfil de saúde, morbidade e mortalida-
de. Com isso, buscamos despertar seu olhar de estudante da saúde em três direções:

1) Como profissionais de saúde devemos ter um olhar ético, sendo que não se
deve fazer juízo de valor acerca do modo de vida ou situação atual das pessoas.
Nosso papel é, nas diferentes frentes e especialidades, promover saúde, preve-
nir doenças e cuidar/tratar de pessoas doentes considerando a saúde em sua
perspectiva ampla.
175
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

2) Apesar das incapacidades de modificarmos alguns determinantes sociais da


saúde, podemos agir como mediadores de informações, demonstrando que
as condições sociais causam prejuízos à saúde dos diferentes grupos sociais
e que o Estado, junto à sociedade civil, deve trabalhar para minimizar as
desigualdades sociais.
3) Determinadas situações de vulnerabilidade social sujeitam as pessoas a uma
exposição tão constante a violações e situações de risco para a saúde que
devemos tratá-las como populações vulneradas e que necessitam de maior
atenção dos profissionais, serviços e políticas públicas de saúde.

Visto isso, vamos seguir os estudos conhecendo alguns conceitos centrais


para este tópico.

2.1 ENTENDENDO OS CONCEITOS


Como vimos nos modelos de DSS, deve-se trabalhar sempre a interpelação
dos determinantes biológicos com os sociais, visto que eles apresentam estreita
relação. Nesse sentido, quando trabalhamos com populações vulneráveis, deve-
mos levar em consideração que ambos aspectos estarão comprometidos quando
observarmos os integrantes desses grupos.

Alguns grupos populacionais apresentam maior vulnerabilidade devido


às condições de saúde e de vida a que estão expostos em seu cotidiano. Sendo que
quando comparamos seus indicadores de saúde com a população geral, apresen-
tam riscos de adoecimento elevado. São consideradas populações vulneráveis a
população privada de liberdade, população em situação de rua, população in-
dígena, população negra, população de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais
(LGBT), povos do campo, das águas e das florestas, dentre outros que apresen-
tam características e políticas públicas específicas (SIQUEIRA; HOLLANDA;
MOTTA, 2017).

Destaca-se que essas populações citadas se interseccionam e possuem ca-


racterísticas sociais e econômicas comuns. Por exemplo, podemos encontrar uma
pessoa em situação de rua negra e transexual ou uma pessoa indígena privada de
liberdade, ou ainda um negro gay privado de liberdade. Além disso, todos esses
indivíduos podem ter características em comum, como baixa renda e baixo grau
de escolaridade. Nesse sentido, apesar de fazermos separações para os exercícios
acadêmicos e científicos, deve-se tratar esse tema a partir de um olhar complexo
e interseccional. Ou seja, existem categorias que se somam e podem expor o indi-
víduo a maior ou menor vulnerabilidade social e de saúde (AKOTIRENE, 2019;
WERNECK, 2016).

Alguns grupos são mais vulneráveis e vulnerados do que outros. Visto


isso, cabe uma reflexão conceitual. Apesar de semelhantes, os termos vulnerabili-
dade e vulneração apresentam diferenças. Você sabe quais são?

176
TÓPICO 3 | DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E AS POPULAÇÕES VULNERÁVEIS

A vulnerabilidade se trata de um potencial risco de sofrer, ser ferido tanto


de forma física ou social, por determinadas características da sociedade que os
marginaliza, submete a preconceito ou discriminação. Ou seja, relaciona-se tanto
à susceptibilidade biológica compartilhada por todos seres humanos de serem
feridos ou adoecer, quanto ao maior risco que alguns indivíduos e grupos estão
submetidos (SOTERO, 2011).

Já a vulneração se refere à vulnerabilidade consubstanciada, à efetivação


da violação aquele que são vulneráveis. Nesse sentido, todos são vulneráveis,
mas apenas alguns são vulnerados concretamente, em geral, pertencente deter-
minadas a classes sociais, raça/etnia, gênero, condições de vida e estado de saúde
(SOTERO, 2011).

Visto isso, podemos apontar que mesmo dentro das populações vulne-
ráveis, as quais estamos estudando neste tópico, existem alguns indivíduos ou
subgrupos mais vulneráveis e vulnerados. Assim, enquanto futuro profissional
da saúde, você deve observar essas minúcias para que suas ações sejam contextu-
alizadas com a realidade sociocultural e econômica, tornando-se efetivas.

Agora que conhecemos os conceitos centrais e sua relação com o que será
abordado neste tópico, seguiremos os estudos abordando a articulação dos DSS
com os indicadores de saúde de quatro populações consideradas vulneráveis.

3 OS DSS E A SAÚDE DE POPULACÕES VULNERÁVEIS


Conforme estudado até o momento, há diversas populações vulneráveis,
sendo que em algumas escalas todos os seres humanos são vulneráveis. Entretan-
to, com intuito de cumprir uma função pedagógica sistematizando o conhecimen-
to, optou-se por três grupos sociais específicos, que possuem políticas públicas de
saúde e que têm serviços de saúde ou estratégias específicas, a saber: população
privada de liberdade; população em situação de rua; e população indígena.

Sabe-se que ao trabalhar com essas populações, conflitos éticos e morais


podem surgir, todavia você deve lembrar do primeiro tópico mencionado para
o direcionamento do olhar dos profissionais da saúde para o trabalho com po-
pulações vulneráveis e DSS: não se deve fazer juízo de valor acerca do modo de
vida ou situação atual das pessoas. Nosso papel é, nas diferentes frentes e espe-
cialidades, promover saúde, prevenir doenças e cuidar/tratar de pessoas doentes
considerando a saúde em sua perspectiva ampla.

Nessa linha, a seguir serão apresentadas as principais características so-


cioeconômicas, ambientais e epidemiológicas desses grupos.

177
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

3.1 POPULAÇÃO PRIVADA DE LIBERDADE


A população privada de liberdade, termo usado nas políticas públicas
brasileiras, refere-se ao grupo de pessoas com idade superior a 18 anos e estão
sob a custódia do Estado. Essa população é formada por pessoas presas de forma
provisória e com sentença final para cumprimento de pena privativa de liberdade
ou medida de segurança (BRASIL, 2014c).

Para conhecermos o perfil dessa população no Brasil, vamos usar as infor-


mações do INFOPEN, que tem acesso e divulga, com frequência, relatórios sobre
essa população. No último material lançado com dados de junho de 2017, havia
1.507 unidades prisionais, com um total de 726.354 pessoas no sistema prisional
brasileiro. Sendo que há um déficit de 303.112 mil vagas, perfazendo uma taxa
de ocupação de 171,62%, o que ocasiona uma superlotação do sistema, que com-
promete a saúde das pessoas privadas de liberdade e dos profissionais que estão
alocados nessas unidades prisionais (INFOPEN, 2019).

Nota-se que há um aumento expressivo dessa população no país, com


uma estabilização nos anos de 2015, 2016 e 2017 (INFOPEN, 2019). Os quatro
principais motivos, ou seja, tipos penais responsáveis pela prisão, em ordem de-
crescente, são: crimes contra o patrimônio, com 234.866 pessoas detidas; grupo
relacionado a drogas, com 156.749 pessoas detidas; e crimes contra a vida, com
64.048 pessoas detidas. Quando se compara homens e mulheres, verifica-se maior
frequência de crimes ligados ao tráfico de drogas entre as mulheres, quando com-
parado com crimes contra o patrimônio (INFOPEN, 2019).

Visto isso, o perfil dessa população também apresenta características es-


pecíficas, relacionadas a questões históricas, sociais e econômicas:

• Distribuição por gênero: a população carcerária do Brasil é composta por


685.929 indivíduos do gênero masculino (94,43%) e 37.828 do gênero feminino
(5,20%) (INFOPEN, 2019). Existe também uma pequena parcela que se identi-
fica como LGBT, que não aparece nos registros, pois não há questionamento
sobre orientação sexual. Nesse sentido, a maioria das unidades prisionais são
destinadas ao público masculino. As unidades prisionais são separadas por
gênero, sendo que há no Brasil alas específicas para pessoas LGBT (INFOPEN,
2019; ZAMBONI, 2016).
• Distribuição por faixa etária: a maior parte da população privada de liberda-
de é composta por jovens, sendo que 29,9% possuem entre 18 a 24 anos, 24,1%
entre 25 a 29 anos e 19,4% entre 35 a 45 anos. Assim, indivíduos com idade até
29 anos totalizam 54% da população (INFOPEN, 2019).
• Raça/etnia: em relação à distribuição por raça/etnia, 46,2% se identificam como
pardos, seguido de 35,4% de caucasianos e 17,3% de negros. Ao somar os da-
dos dos indivíduos de cor/etnia negras e pardas, observa-se o total de 63,6% da
população nacional que se encontra privada de liberdade (INFOPEN, 2019).
• Escolaridade: a população privada de liberdade é formada por pessoas de bai-
xa escolaridade, sendo que 51,3% possuem o ensino fundamental incompleto,
seguido de 13,1% com ensino fundamental completo e 14,9% com ensino mé-
178
TÓPICO 3 | DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E AS POPULAÇÕES VULNERÁVEIS

dio incompleto. O menor percentual se refere ao maior nível de escolaridade,


ou seja, apenas 0,5% apresentam o ensino superior completo (INFOPEN, 2019).

Em geral, as pessoas privadas de liberdade são de adultos jovens, com


baixa escolaridade, negros ou pardos e oriundos de classes sociais baixas. Nesse
sentido, deve-se observar que os determinantes de saúde relacionados com ris-
co de adoecimento, ou pior qualidade de vida, estão presentes na maioria dessa
população. Considerando que as unidades prisionais apresentam superlotação e
condições insalubres, percebe-se uma piora na qualidade da saúde das pessoas
ao longo de sua detenção (VALIM; DAIBEM; HOSSNE, 2018).

Visto isso, comparativamente com a população geral, mesmo em extratos


mais pobres da sociedade, a população privada de liberdade apresenta piores in-
dicadores de saúde. Isso é condicionado por fatores determinantes, relacionados
à posição social que ocupam, com acesso restrito a bens e serviços e condições
precárias no ambiente prisional (VALIM; DAIBEM; HOSSNE, 2018; ASSIS, 2007),
tais como:

• Qualidade e tamanho das celas.


• Alimentação de baixa qualidade.
• Insalubridade do ambiente (saneamento básico).
• Dificuldade de acesso a ações de saúde.
• Sedentarismo.
• Falta de acesso a produtos de higiene.

Ressalta-se que devido ao fato de estarem privados de liberdade e sob


tutela do Estado, em geral, estas pessoas privadas não têm como modificar o con-
texto em que estão vivendo, ficando depende das condições que são proporcio-
nadas. O ambiente inadequado, com superlotação de celas e insalubridade faz
com que esses locais sejam ambientes propícios para a proliferação de doenças
infecciosas. Sendo que associado às outras condições, tem-se muitas vezes pesso-
as que adentram com condições de saúde adequadas e, após cumprirem a pena,
tem um histórico de diversas doenças e debilidade da resistência física e saúde
em geral (ASSIS, 2007).

Nesse sentido, a tuberculose, doença infecciosa e marcador de condições


socioeconômicas precárias, é muito comum nessa população. Nos presídios de
São Paulo, por exemplo, observou-se que as pessoas privadas de liberdade têm
um risco 28 vezes maior de adoecer por tuberculose, quando comparado com a
população geral (BRASIL, 2016). Apesar do reconhecimento do problema e ação
dos profissionais da saúde do sistema prisional, as questões estruturais, ou seja,
determinantes sociais, impedem a estabilização e redução desse problema (OLI-
VEIRA, 2014). Além da tuberculose, a população privada de liberdade também é
acometida de forma mais severa por:

• Pneumonia.
• Hepatite.
• Infecções sexualmente transmissíveis.

179
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

• Diabetes.
• Hipertensão.
• Problemas de saúde mental.

Sendo que as principais causas de morte nessa população, segundo os


dados do INFOPEN (2019), foram:

• Óbitos por causa natural.


• Óbitos por causas criminais.
• Óbitos por causas desconhecidas.
• Óbitos por suicídio.

Nota-se que os dados disponíveis são insipientes e não especificam as cau-


sas específicas das mortes, fazendo com que seja difícil traçar o paralelo entre as
mortes, as principais doenças e os determinantes sociais da saúde no contexto das
unidades prisionais. De qualquer forma, sabe-se que o papel dos profissionais
da saúde nesse espaço é indispensável e acaba sendo uma forma de amenizar os
problemas estruturais vividos. Ou seja, em geral trabalha-se com tratamento de
doenças e não com promoção da saúde e prevenção de doenças (VALIM; DAI-
BEM; HOSSNE, 2018).

DICAS

Saiba mais sobre esse contexto lendo o livro do Médico Dráuzio Varela,
intitulado Carcereiros, em que traz sua experiência na atenção a pessoas privadas de
liberdade, com enfoque no relato dos pacientes privados de liberdade.

A atenção à saúde nas unidades prisionais varia muito entre os diferentes


estados, sendo que há um direcionamento nacional para criação de Equipes de
Atenção Básica prisionais, que atuem em unidade de saúde dentro dos presídios,
conhecendo as demandas de saúde, bem como as condições sociais e estruturais
deste ambiente (BRASIL, 2014c). Entretanto, esses serviços são ainda muito pre-
cários, sendo que, em geral, esse grupo populacional fica sem assistência à saúde,
em um ambiente precário e sem a possibilidade de por si próprio cuidar da sua
saúde (VALIM; DAIBEM; HOSSNE, 2018).

Desse modo, os profissionais da saúde vinculados a esse contexto tam-


bém enfrentam esses problemas estruturais no seu cotidiano de trabalho. As
ações curativas enfrentam obstáculos nas condições precárias dos estabelecimen-
tos prisionais, em que há dificuldade para manutenção dos cuidados em saúde
(MORETTI-PIRES et al., 2014).

180
TÓPICO 3 | DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E AS POPULAÇÕES VULNERÁVEIS

Nesse sentido, os profissionais devem, a partir de informações em saúde


acerca das pessoas privadas de liberdade, buscar articulação com outros setores
para a observância do disposto na legislação específica e nas políticas públicas de
saúde, buscando melhorar seu contexto de trabalho e modificar o atual quadro.
Entretanto, para isso é necessário se despir de preconceitos e se orientar por uma
referência bioética de cuidado do outro, que norteia formação em saúde.

Visto isso, agora vamos conhecer as características e relações com os de-


terminantes sociais da saúde da população em situação de rua. Vamos lá!?

3.2 POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA


Nos últimos anos, vem se constatando um aumento do número de pes-
soas vivendo nas ruas no cenário internacional e nacional. Entretanto, ainda são
limitadas as estratégias de monitoramento, descrição e compreensão desse fe-
nômeno em caráter global (ONU, 2005; BUSCH-GEERTSEMA; CULHANE; FIT-
ZPATRICK, 2016; IGH, 2017). Veja que a heterogeneidade desse grupo é um dos
principais desafios para a implementação de atividades de acompanhamento,
sendo que a definição do termo e características da população em situação de rua
toma diversas formas, a depender da região.

A população em situação de rua, no Brasil, é definida como um grupo


populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas
que têm em comum a condição de pobreza absoluta, vínculos interrompidos ou
fragilizados e falta de habitação convencional regular, sendo compelidas a uti-
lizar a rua como espaço de moradia e sustento, por caráter temporário ou de
forma permanente (BRASIL, 2009b). Apesar disso, existem algumas abordagens
internacionais, como a inglesa, que incorporam outras situações como: viver em
moradias precárias, condições de superlotação, ocupações ilegais, lares de paren-
tes ou amigos involuntariamente (FITZPATRICK et al., 2017).

Os motivos de ida para a rua são um grande tema, observado pela saúde
junto a outros setores, sendo os aspectos das desigualdades econômicas, promo-
vidas pela disparidade na distribuição das riquezas, o enfoque central. Fatores
como impossibilidades de acesso a emprego, renda, moradia e outros direitos
humanos básicos são apontados como os principais estopins de ida para as ruas.
Entretanto, fatores biográficos como uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas, pro-
blemas graves de saúde e os conflitos familiares também são importantes motiva-
dores para esse deslocamento (GIORGETTI, 2014; BRASIL, 2009b).

No Brasil, não há um monitoramento nacional periódico, todavia, em dois


estudos realizados entre 2008 e 2016, foi possível notar um aumento de 103,7% da
PMR no país. Em 2008, o primeiro censo da PMR nas capitais brasileiras consta-
tou que cerca de 50.000 (2,6 pessoas moradoras de rua/10.000) pessoas viviam nas
ruas (BRASIL, 2009b). Já no ano de 2016, o Instituto de Pesquisa Econômica Apli-
cada (IPEA) realizou uma estimativa da PMR, apontando que a população estaria

181
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

com cerca de 101.854 (4,9 pessoas moradoras de rua/10.000) pessoas (NATALI-


NO, 2016). Ressalta-se a subestimação que os dados podem apresentar mediante
as peculiaridades da população e formato desses estudos.

Nota-se que além do aumento da população, há algumas dinâmicas e ca-


racterísticas específicas, como:

• Distribuição por gênero: cerca de 82% da população era composta por pessoas
do sexo masculino (BRASIL, 2009b). Tal proporção mantém-se, com variações
entre 79% e 89,4% nos estudos municipais recentes (ICOM, 2017; FAS, 2016;
FASC; 2015; FIPE, 2015).
• Renda: vivendo nas ruas, as pessoas moradoras de rua têm suas situações eco-
nômicas agravadas. Mais da metade dessa população (52,6%) recebe entre R$
20,00 e R$ 80,00 semanais, ou seja, de R$ 100,00 a R$ 400,00 mensais (BRASIL,
2009b). Estudo mais recente realizado em São Paulo verificou que a renda men-
sal média obtida pelos albergados com carteira assinada foi de R$ 1.024,00,
enquanto os que tinham emprego fixo, sem carteira assinada, era de R$ 791,00
(FIPE, 2015).
• Raça/etnia: quanto à composição por raça/etnia, em 2008, no Brasil 67% das pes-
soas em situação de rua se declararam pardas ou negras, proporção muito supe-
rior quando comparada com a população brasileira (44,6%) (BRASIL, 2009b). Os
brancos representavam 29,5% da população, número bastante inferior aos dados
da população brasileira (53,7%). Esse padrão de composição pode ser observado
em grande parte dos estudos com essa população no Brasil.
• Escolaridade: quanto à escolaridade da PMR brasileira, no censo realizado em
2008 identificou-se que 74% dos entrevistados sabem ler e escrever, 17,1% não
sabem ler e escrever e 8,3% apenas assinam o nome. Quanto ao grau de escola-
ridade, a maioria da população tem primeiro grau incompleto (48,4%), seguido
do primeiro grau completo (10,3%). Nos dois extremos, os que nunca estudaram
representam 15,1% e os com ensino superior completo 0,7% (BRASIL, 2009b).

Podemos perceber que os DSS estão intimamente ligados às trajetórias


de ida para as ruas e influenciam a vida e saúde desse grupo. Isso porque morar
nas ruas agrava as dificuldades socioeconômicas, bem como deixa essas pessoas
expostas a intempéries, pela ausência de habitações, tendo assim um impacto ne-
gativo na saúde dos indivíduos que compõem essa população (WINKELMANN
et al., 2018).

Nesse sentido, quando comparamos os indicadores de saúde da popula-


ção geral e da população em situação de rua, notamos diferenças em relação às
principais causas de morbimortalidade. Alguns dos fatores determinantes rela-
cionados à vida na rua e à exposição aos problemas de saúde são:

• Vulnerabilidade à violência.
• Alimentação incerta e sem condições de higiene.
• Pouca disponibilidade de água potável.
• Privação de sono e afeição.
• Dificuldade de adesão a tratamento de saúde.
182
TÓPICO 3 | DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E AS POPULAÇÕES VULNERÁVEIS

Sendo os problemas de saúde mais recorrentes nessa população e que


devem ser priorizados pelos profissionais da saúde são os seguintes (BRASIL,
2014b):

• Problemas nos pés.


• Infestações.
• DST/HIV/AIDS.
• Gravidez de alto risco.
• Doença crônica (com difícil manejo).
• Consumo de álcool e drogas.
• Problemas de saúde bucal.
• Tuberculose.

Somado a isso, as pessoas em situação de rua também enfrentam o pre-


conceito e recusa quando buscam atendimento nos serviços de saúde de atenção
primária, fazendo com que esses indivíduos façam seus cuidados nas ruas, ou fi-
quem com situações graves de saúde e acessem o serviço apenas em casos graves,
por meio das emergências hospitalares (BRASIL, 2014b).

Nesse sentido, existem estratégias para aproximar essa população dos


serviços de saúde e lidar, junto a outros setores, com os determinantes sociais
de saúde. O Consultórios na Rua é uma medida do serviço público da Atenção
Primária de Saúde (APS) para fazer com que esse contexto seja modificado e as
condições de saúde desse grupo populacional melhorem.

DICAS

Conheça mais sobre os Consultórios na Rua e seus impactos no cuidado


em saúde da população em situação de rua, acessando o artigo Consultório na Rua:
visibilidades, invisibilidades e hipervisibilidade, no link a seguir: https://bit.ly/36pPc5W.

Entretanto, como vimos, o trabalho com os determinantes sociais da saú-


de exige um trabalho que extrapole o campo da saúde, sendo essa prerrogativa
central no caso das pessoas em situação de rua. Assim, é fundamental que haja
uma articulação intersetorial entre os profissionais de diferentes áreas que atu-
am com, principalmente, entre as equipes de saúde e assistência social (BRASIL,
2014b). A partir dessa articulação se pode vislumbrar um cuidado de saúde a
longo prazo, com vista à saída das ruas e reinserção social dessas pessoas.

Agora que estudamos como os determinantes sociais são importantes


para compreender e cuidar da saúde da população em situação de rua, vamos
conhecer algumas peculiaridades e as possibilidades de ação em saúde com a
população indígena.
183
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

3.3 POPULAÇÃO INDÍGENA


A população indígena brasileira é formada por diversos povos, a depen-
der da região do país. Tem-se contabilizado um total de 305 etnias que falam 274
idiomas diferentes, ou seja, não podemos pensar na população indígena como
uma unidade homogênea, mas em um grupo formado por diversos subgrupos
com características sociais e culturais distintas (ISA, 2011).

Entretanto, uma situação comum e que unifica grande parte dos povos
indígenas são as violações sofridas ao longo da complexa trajetória histórica, com
conflitos fundiários para a expansão das fronteiras demográficas nacionais, a de-
gradação ambiental e os efeitos deletérios na saúde a partir do contato com a
civilização ocidental (COIMBRA-CARLOS JR., 2014).

Anteriormente à reformulação da Constituição Brasileira, em 1988, os po-


vos indígenas eram tutelados pelo Estado. Assim, eram privados de direitos, a
trajetória esperada era uma progressiva assimilação pelo restante da população
brasileira, o que impedia tomadas de decisão de acordo com suas reais e particu-
lares necessidades (BRASIL, 2002).

No ano de 1988, a partir da criação da Constituição foram implementadas


políticas públicas voltadas aos povos indígenas, tornando-os cidadãos de fato e
de direito. São garantidos o respeito a sua organização social, costumes, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, protegê-las e fazer respeitar todos os seus bens
(BRASIL, 2002).

No levantamento feito no último censo do Instituto Brasileiro de Geogra-


fia e Estatística (IBGE), foram identificadas, distribuídas em todas as Unidades
Federativas do Brasil, 897 mil pessoas indígenas. Essa contabilização usou os se-
guintes critérios: pessoas que se declararam indígenas no quesito cor ou raça e
residentes em Terras Indígenas (IBGE, 2010).

Na América do Sul, o Brasil apresenta um significativo contingente de


indígenas, embora corresponda a somente 0,4% da população total, desconside-
rando as populações isoladas. Esse grupo, distribuído em 505 terras indígenas,
ocupa 12,5% do território nacional. Destaca-se, deste total, que 36,2% vivem em
área urbana e 63,8% na área rural (IBGE, 2010).

Destaca-se que 78,9 mil pessoas que residiam em terras indígenas se de-
clararam de outra cor ou raça, com destaque para os pardos (67,5%), por sua
integração com aspectos das tradições, costumes, cultura e antepassados, se con-
sideravam indígenas (IBGE, 2010). Além disso, destacam-se outras características
socioeconômicas, como:

• Distribuição por gênero: há um equilíbrio entre homens e mulheres na popu-


lação indígena, apresentando uma relação de 100,5 homens para cada 100 mu-

184
TÓPICO 3 | DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E AS POPULAÇÕES VULNERÁVEIS

lheres. Nos grupos que vivem em áreas urbanas há mais mulheres que homens
e o contrário ocorre no contexto rural (IBGE, 2010).
• Distribuição por faixa etária: percebe-se que a pirâmide etária dessa popula-
ção apresenta uma base larga e vai se reduzindo com o aumento da idade. Pa-
drão que reflete altas taxas de fecundidade e mortalidade precoce. Sendo que
metade da população indígena tem até 22,1 anos de idade (IBGE, 2010).
• Escolaridade: esse grupo social apresenta nível educacional muito baixo, es-
pecialmente na área rural. Sendo que em terras indígenas, grupos acima de 50
anos possuem mais pessoas analfabetas do que alfabetizadas (IBGE, 2010).
• Renda: em relação à renda, 52,9% não tem qualquer tipo de rendimento, sendo
que esse número sobe entre os que residem na área rural (65,7%). Na região
Norte, 25,7% ganhavam até um salário mínimo e 66,9% eram sem rendimento.
Sendo que 1,5% da população indígena, com 10 anos ou mais de idade, ganha-
va mais de cinco salários mínimos, percentual que caía para 0,2% nas terras
indígenas (IBGE, 2010).

Nota-se que, quando comparado com a população geral, as características


socioeconômicas da população indígena, é possível perceber as desigualdades
sociais a qual essa população está submetida, sendo que isso apresenta efeitos
diretos na qualidade de vida e indicadores de saúde desse grupo populacional
(COIMBRA-CARLOS JR., 2014).

Nesse sentido, aponta-se para a fronteira das desigualdades sociais


em saúde entre ser indígena e não indígena no Brasil, ou seja, fazer parte da
população indígena implica maior chance de estar submetido a condições sociais
que impactam, por exemplo, a maior chance de não completar o primeiro ano de
vida, por problemas de acesso à informação, bens e serviços, saneamento básico,
alimentação adequada, entre outros (COIMBRA-CARLOS JR., 2014).

Esse contexto faz com que a população indígena ainda apresente altas
taxas de doenças infecciosas, mas também conviva com o problema das doenças
crônicas, do uso de álcool, tabaco e situações de violência. Apesar da escassez de
dados sobre a saúde indígenas, estima-se que as taxas de morbidade e mortalidade
sejam de três a quatro vezes maiores que aquelas encontradas na população
brasileira em geral. Visto isso, podemos destacar como principais problemas de
saúde deste grupo, segundo Coimbra-Carlos Jr. (2014) e Brasil (2009a) as:

• Infecções respiratórias agudas.


• Infecções gastrointestinais agudas.
• Malária.
• Tuberculose.
• Infecções sexualmente transmissíveis.
• Desnutrição e carências de micronutrientes (principalmente crianças menores
de 5 anos).
• Doenças preveníveis por vacinas.
• Anemia (atingindo, além das crianças, as gestantes).
• Sobrepeso e obesidade em mulheres adultas.
• Outras doenças crônicas (hipertensão e diabetes).
185
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

Mediante a isso, a complexidade do quadro de saúde dos povos indíge-


nas, que extrapola a intervenção apenas dos profissionais da saúde, apesar da
necessidade latente da presença deles, foi o Subsistema de Atenção à Saúde dos
Povos Indígenas (SASI). Ele é composto pelos Distritos Sanitários Especiais Indí-
genas (DSEI) que se configuram em uma rede de serviços implantada nas terras
indígenas para atender a essa população, a partir de critérios geográficos, demo-
gráficos e culturais (BRASIL, 2002; MENDES et al., 2018).

Os DSEI se caracterizam como uma rede interconectada de serviços de


saúde, capaz de oferecer cuidados de Atenção Primária à Saúde, adequados às
necessidades sanitárias da maioria da população indígena, como oferecer ações
de prevenção de doenças (como vacinação e saneamento), cuidados de saúde di-
rigidos a segmentos populacionais específicos, tais como o grupo materno-infan-
til e os idosos (SANTOS et al., 2008; BRASIL, 2002).

Eles também devem fazer o monitoramento das condições de alimentação


e nutrição, bem como da saúde dos ambientes, educação em saúde, remoções
de emergência. Esse subsistema considera fundamental a participação indígena
como uma premissa fundamental para o melhor controle e planejamento dos ser-
viços, bem como uma forma de reforçar a autodeterminação desses povos (SAN-
TOS et al., 2008).

Assim, os profissionais da saúde atuantes junto a essa população, e que


não são indígenas, têm um duplo desafio: lidar com as condições precárias de
vida, buscando atuar sobre os determinantes sociais e biológicos; e também com-
preender os aspectos culturais que permeiam as relações sociais dos povos indí-
genas, com muitos saberes acumulados acerca do cuidado em saúde. Esses dois
aspectos são centrais para que se possa desenvolver estratégias de saúde efetivas
e que não são etnocêntricas, ou seja, que não tentem impor padrões culturais e
percepção da saúde alheios ao dessas populações (MENDES et al., 2018).

186
TÓPICO 3 | DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E AS POPULAÇÕES VULNERÁVEIS

LEITURA COMPLEMENTAR

Classe Social, território e desigualdade de saúde no Brasil

José Alcides Figueiredo Santos

Introdução

A associação entre posição socioeconômica e saúde é situada no contexto


das relações espaciais e dos territórios socialmente divididos. Ao tratar deste elo
geral, investiga-se a formação de hierarquias, convergências e variações, mais ou
menos marcantes, entre as áreas espaciais delimitáveis na morfologia territorial
brasileira. Estando atento às especificidades de classe social e território, conside-
ra-se em particular a combinação dos efeitos dessas divisões sociais na produção
de padrões de saúde e doença2 A relação entre classe social e saúde é focalizada
nos territórios que agrupam os objetos e delimitam fronteiras entre os agrupa-
mentos espaciais formados. Território corresponde a uma determinada porção
contígua do espaço que é ocupada, organizada e usada por indivíduos, grupos e
instituições através da delimitação de fronteiras (AGNEW, 1998).

Os contextos espaciais e as configurações territoriais emergem das rela-


ções entre os sistemas de objetos (fixos) e os sistemas de ação (fluxos) que estão
em interação contínua (Santos, 2006). Desigualdades de condições de vida asso-
ciadas ao ambiente espacial em que as pessoas vivem e trabalham influenciam os
resultados de saúde. As condições de vida externas qualificam-se como causas es-
truturais das vantagens ou desvantagens de saúde, devido às suas conexões com
as circunstâncias sociais e os mecanismos de classe social (COCKERHAM, 2013).
Essa linha de investigação expandiu-se particularmente em estudos comparativos
cujas unidades de análise são comunidades locais e contextos de vizinhança, mas
os trabalhos oferecem indicações úteis para a abordagem de condicionamentos
espaciais em áreas mais abrangentes. Um grande estudo comparativo de saúde
entre os Estados Unidos e a Inglaterra, por exemplo, enfatizou o papel dos am-
bientes sociais e materiais em que as pessoas vivem e trabalham na interpretação
das discrepâncias entre esses dois países (BANKS et al., 2006).

Um ponto de partida da análise espacial é o fato básico de que os inte-


grantes das categorias de classe não estão distribuídos aleatoriamente no espaço.
As pessoas são afetadas pelos locais em que residem, para os quais foram dife-
renciadamente selecionadas. O contexto territorial gera implicações de saúde de-
vido à composição no local de fatores influentes, às estruturas de oportunidades
associadas ao ambiente físico e social e às características socioculturais e históri-
cas dos lugares (CARPIANO; LINK; PHELAN, 2008, p. 251-253). Entende-se por
estruturas de oportunidades as características socialmente construídas e padro-
nizadas do ambiente físico e social que promovem ou comprometem direta ou
indiretamente a saúde das pessoas ao afetarem as possibilidades de se viver uma
vida saudável (ELLAWAY; MACINTYRE, 2010, p. 400).
187
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

Os contextos ou ambientes sociais ou físicos em que as pessoas habitam


e em que elas conduzem suas vidas diárias são importantes para a saúde. As ca-
racterísticas dos ambientes desvantajosos, por meio de processos de obstrução de
acesso, exposição, interação, impactam na manutenção e na promoção da saúde.
Formam-se nos contextos espaciais práticas coletivas moldadas pelas estruturas
sociais e estilos de vida coletivos de saúde. Os ambientes podem ter um efeito du-
rável na saúde mesmo após a pessoa mover-se para outra localização (CARPIA-
NO, 2014). No âmbito de áreas, podem-se revelar aspectos das condições de vida
que não são capturados pelos indicadores individuais ou domiciliares. Análises
contextuais espaciais oferecem esclarecimentos do modo como classe, em múlti-
plos níveis, contribui para moldar os padrões populacionais de saúde, doença e
bem-estar (KRIEGER; WILLIAMS; MOSS, 1997, p. 357).

No tratamento das desigualdades socioespaciais, as primeiras discussões


dos anos 1990 foram dominadas pela problemática de quanta explicação pode ser
atribuída às características individuais (composição) e quanta pode ser vinculada
aos fatores de espaço e lugar (contexto). Entende-se que as características contextu-
ais resumem as estruturas de oportunidades existentes no ambiente físico e social
local. Na atualidade, têm sido enfatizados os limites do dualismo e da dicotomia
simplificadora de contexto versus composição. As variáveis individuais, como a
classe social das pessoas, são muito influenciadas pelo ambiente e pela localização
contextual. Do mesmo modo, os efeitos protetivos ou danosos não são necessaria-
mente uniformes através de todos os tipos de lugares e pessoas (TWIGG, 2014).
Além disso, os efeitos de área numa escala menor parecem ser modestos em com-
paração com os efeitos de composição, indicando que o que as pessoas são influen-
cia mais a saúde do que onde elas moram (ANNANDALE, 2014, p. 97).

A desvantagem social é altamente desigual através do espaço, em todas as


escalas e para a maioria dos indicadores. Discute-se na literatura em que medida
a concentração espacial da desvantagem é um fator causal na sua perpetuação ou
mais um reflexo dos padrões existentes (LEE, 2016). Na análise das características
das regiões e da desigualdade regional, parece insuficiente o foco na desigual-
dade per se, quer dizer, no que ocorre no conjunto ou em qualquer gradiente da
distribuição socioeconômica e suas relações com a distribuição da saúde na po-
pulação. Deve-se considerar com mais atenção a posição social absoluta e relativa
particularmente daqueles na base inferior em sentido amplo, ou seja, daqueles
grupos que estão até o limite dos 40% a 60% em desvantagem. A melhor posi-
ção socioeconômica, e então de saúde, desse estrato inferior configura-se como
o principal atributo de comunidades, regiões e sociedades mais saudáveis (RO-
BERT; HOUSE, 2000; HOUSE; WILLIAMS, 2000).

Realidade da desigualdade regional de renda e saúde no país

As características das divisões regionais e dos fatores socioespaciais e seu


papel na desigualdade de renda mais ampla no Brasil devem ser adequadamente
situadas para informar melhor o entendimento da desigualdade de saúde. O in-
teresse em situar espacialmente a relação entre classe e saúde no Brasil aumenta

188
TÓPICO 3 | DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E AS POPULAÇÕES VULNERÁVEIS

de relevo devido ao fato de os fatores espaciais estarem interagindo significati-


vamente com os padrões de desigualdade de renda e suas alterações que vêm
acontecendo no país. No Brasil, existe uma enorme desigualdade interpessoal de
renda entre as regiões. O produto interno bruto (PIB) per capita da região mais
pobre, a Nordeste, era apenas 43% da média nacional em 1989 e 48% em 2010. Essa
heterogeneidade regional brasileira tem sido marcante e persistente ao longo de
décadas. Nos últimos anos, as regiões de menor desenvolvimento aumentaram
a sua participação no PIB. Entretanto, projeções indicam que seriam necessários
cerca de cinquenta anos para o PIB per capita do Nordeste atingir o patamar de
75% do PIB per capita nacional. (RESENDE et al., 2015). A desigualdade de renda
disponível entre regiões diminui a partir de 1998 no setor não agrícola, indicando
que o mercado de trabalho nacional está tornando-se mais integrado. A prin-
cipal contribuição para a redução da desigualdade regional veio da queda da
vantagem relativa de São Paulo. Entretanto, no setor agrícola, a heterogeneidade
regional está crescendo (HOFFMANN; OLIVEIRA, 2014, p. 202). As vantagens
de renda vinculadas à localização territorial em que se vive estão numa marcha
contínua de redução no período de 1992 a 2011. A trajetória de perda relativa de
renda da localização metropolitana na comparação com os municípios menores
mostra-se claramente intrínseca à dimensão socioespacial, e seu enraizamento é
tal que independe da composição e dos efeitos de um leque de fatores com fortes
implicações socioeconômicas. Na medida em que as posições privilegiadas estão
mais concentradas nesses espaços, as vantagens relativas desses grupos e desses
territórios foram mutuamente afetadas (SANTOS, 2015). Entretanto, no que toca
à desigualdade de renda, como algo distinto dos níveis de renda, cabe ponderar
que entre regiões ela tem um papel bem menor do que se imagina na produção
da desigualdade de renda agregada no Brasil. A maior parte dessa desigualdade
no Brasil, em torno de dois terços, está presente no âmbito local, ou seja, exis-
te entre indivíduos que moram dentro das mesmas áreas. Os fatores geradores
de desigualdade operam ou geram consequências mesmo nos menores recortes
espaciais. Uma característica da desigualdade brasileira é o grande peso das di-
ferenças entre as macrorregiões brasileiras, compondo certa polaridade e separa-
ção entre Norte/Nordeste e Sul/Sudeste/Centro-Oeste. Além disso, as regiões do
bloco Norte/Nordeste, que possuem rendas médias muito inferiores, ostentam
desigualdades internas muito maiores do que as demais (SOUZA, 2013).

As desigualdades regionais de desenvolvimento, renda disponível e pa-


drões de vida têm sido marcantes e têm gerado várias implicações populacionais
negativas. Condições de vida mais precárias, desigualdades na distribuição de
recursos valiosos e de serviços de saúde sustentam a existência de um distancia-
mento entre o Norte e o Sul do país em muitos indicadores de saúde (VIACAVA;
BELLIDO, 2016). Estudo recente usando os dados da Pesquisa Nacional de Saúde
(PSN) de 2013 investigou a desigualdade regional de saúde ruim e de expectativa
de vida saudável que incorpora morbidade e mortalidade em um único indica-
dor. As regiões Norte e Nordeste apresentam um excesso de saúde ruim, quando
comparadas com o Sudeste, mesmo após o controle por idade, sexo, diagnóstico
de pelo menos uma doença crônica não comunicável, escolaridade ou situação
socioeconômica. Além disso, a perda de vida saudável é muito maior nos resi-

189
UNIDADE 3 | A ABORDAGEM DOS DETERMINANTES SOCIAIS PARA AÇÕES EM SAÚDE

dentes das regiões menos desenvolvidas, em particular entre os mais velhos. Aos
quarenta anos de idade, por exemplo, enquanto no Sudeste a perda de anos sau-
dáveis é de 2,8 anos, no Nordeste está em 5,3 anos. A desigualdade regional é ain-
da mais pronunciada quando não apenas a mortalidade, mas também o quadro
de bem-estar é levado em consideração (SZWARCWALD et al., 2016).

Discussão e considerações finais

As divisões de classe social e espaciais produzem efeitos relevantes na


distribuição assimétrica da saúde. A conjugação de classe e território gera hierar-
quias marcantes nos níveis de saúde da população. Os contrastes são especial-
mente fortes entre as regiões mais e menos desenvolvidos. Localização espacial e
classe social se combinam para acentuar dramaticamente as discrepâncias de saú-
de. A manifestação mais extrema dessa estratificação da saúde manifesta-se entre
o destituído no interior do Maranhão e o topo social na capital de Minas Gerais.

Em todos os lugares considerados o topo social está em melhor situação


e as categorias fora do topo em situação pior. Como regra geral, as discrepâncias
relativas são maiores nas regiões mais desenvolvidas e nas capitais de todos os
estados. A desigualdade relativa prepondera nas áreas mais desenvolvidas, pois
a situação melhor do topo social se associa a uma maior desigualdade relativa.
A questão de fundo da desigualdade relativa e da equidade manifesta-se no fato
de uma vida mais saudável ficar restrita a uma minoria de 10% da população
no topo social, embora esse estado de saúde alcançado represente uma situa-
ção modificável que se tornou factível pela intervenção humana. A desigualdade
absoluta é maior nas áreas menos desenvolvidas, pois a maior prevalência da
situação negativa de saúde coloca as discrepâncias existentes em patamares mais
altos. Onde se vive pior, a maior escala da adversidade amplifica as discrepâncias
absolutas. O ônus ou fardo populacional da situação negativa de saúde se torna
mais forte devido à presença mais densa nas áreas menos desenvolvidas de ca-
tegorias em pior situação socioeconômica. Mais constrangimentos espaciais ne-
gativos, associados por sua vez a maior presença de categorias mais vulneráveis,
combinam-se para gerar um quadro mais adverso e comprometedor da saúde. A
maior densidade dos segmentos destituídos, combinada com a maior intensidade
do estado de saúde negativo deles, agravam os níveis de saúde nessas áreas.

Sabe-se que as regiões menos desenvolvidas no Brasil mostram desigual-


dades internas de renda bem maiores do que as demais regiões (SOUZA, 2013).
Entretanto, em todos os contrastes estimados foram constatadas maiores desi-
gualdades relativas de saúde nas regiões mais desenvolvidas. Os indícios são
mais do que suficientes para colocar o problema da possível divergência entre
a desigualdade relativa de renda e a desigualdade relativa de saúde nas regiões
mais e menos desenvolvidas no Brasil, onde a maior desigualdade de renda em
uma área está associada a uma menor chance do indivíduo reportar um melhor
estado de saúde. Entretanto, a magnitude desse efeito é pequena (NORONHA;
ANDRADE, 2007). No entanto, a questão colocada aqui é de natureza diversa,
pois diz respeito à desigualdade entre grupos e não propriamente ao nível médio

190
TÓPICO 3 | DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE E AS POPULAÇÕES VULNERÁVEIS

de saúde encontrado. Investigações adicionais e comparativas sobre as desigual-


dades agregadas de renda e saúde podem lançar luz sobre a não correspondência
entre as duas formas de desigualdade relativa.

As desigualdades associadas aos territórios não foram um fim em si que


circunscrevesse os resultados pretendidos. Buscou-se contextualizar a relação
entre classe social e saúde no sentido de se olhar para a combinação das duas
divisões sociais. De maneira mais específica, procurou-se analisar as variações e
convergências espaciais dessa relação focal entre classe social e saúde no Brasil.
Seguiu-se um caminho pouco ou menos comum na literatura internacional, que
foi a investigação das relações entre posição socioeconômica e saúde em unidades
subnacionais de nível maior, como estados, diferenciados em capital e interior,
com a finalidade de mensurar e entender os padrões que emergem da combina-
ção dos dois efeitos. Ao ampliar a unidade geográfica, constatou-se que classe
social gera consequências ordenadas em meio às variações territoriais de níveis
de saúde associados aos lugares onde se vive. Entretanto, os ambientes espaciais
possuem padrões de desigualdade de classe de saúde bastante diferenciados, que
se expressam especialmente nas divergências marcantes entre as medidas absolu-
tas e relativas de desigualdade nas áreas mais e menos desenvolvidas.

Revelou-se marcante e reveladora a situação do não privilegiado em todos


os três critérios alternativos de emprego, renda e escolaridade, cujo agrupamento
abarca 78% da população estudada. O acesso a uma fonte qualquer de vantagens,
seja emprego, renda ou educação, parece ser um fator decisivo para distanciar
alguém do polo mais adverso. A desvantagem relativa de saúde desse agrupa-
mento é maior nas áreas mais desenvolvidas, embora nelas ele tenha o bônus
territorial de viver onde se vive melhor. Pode-se supor, então, que a ausência de
recursos privilegiados faz mais falta, ou gera mais distanciamentos de quem os
têm, onde justamente podem ser obtidos mais benefícios do emprego deles.

As noções e medidas relativas e absolutas são duas formas diferentes e


complementares de se olhar para a desigualdade de saúde. As características e as
implicações de ambas nem sempre são bem entendidas, mesmo por observadores
experientes. As respostas mais inclusivas, ou menos incompletas, dependem, em
parte, do adequado uso contextual dos dois ângulos. Na sociedade brasileira,
as adversidades territoriais se combinam a maior densidade das categorias mais
vulneráveis para impor um enorme fardo populacional de saúde nas regiões me-
nos desenvolvidas. As discrepâncias relativas revelam que os melhores níveis de
saúde em territórios menos adversos favorecem mais os grupos com recursos e
capacidades de potencializar ganhos de saúde. Embora o peso dos problemas
seja menos forte nas regiões mais desenvolvidas, os estratos em desvantagem fi-
cam proporcionalmente mais retardados ou distantes daqueles que se beneficiam
mais das boas circunstâncias.

FONTE: SANTOS, J. A. F. Classe social, território e desigualdade de saúde no Brasil. Saúde e


Sociedade, São Paulo, v. 27, n. 2 p. 556-572, abr./jun. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/
pdf/sausoc/v27n2/1984-0470-sausoc-27-02-556.pdf. Acesso em: 4 maio. 2020.

191
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• As populações vulneráveis são também vulneradas, sendo que o trabalho da


saúde para redução dos problemas apresentados e melhoria da qualidade de
vida para esses grupos passa, inevitavelmente, pela percepção e ação sobre as
desigualdades sociais que geram as desigualdades em saúde.

• A abordagem com uma percepção ampliada da saúde se mostra necessária e


efetiva, sendo a inclusão de uma análise a partir dos determinantes sociais da
saúde peça central neste trabalho.

192
AUTOATIVIDADE

1 Os determinantes sociais da saúde permitem compreender e agir sobre ini-


quidades em saúde em diferentes grupos sociais, tendo importância na abor-
dagem de populações vulneráveis. Visto isso, descreva o que são populações
vulneráveis e cite três exemplos.

2 Alguns grupos são vulneráveis a determinados problemas sociais e de saú-


de, sendo que outros são vulneráveis e vulnerados. Apesar de semelhantes,
os termos vulnerabilidade e vulneração apresentam diferenças centrais para o
trabalho em saúde. Mediante a isso, assinale a alternativa correta sobre esses
dois termos:

a) ( ) Vulnerabilidade se trata do sofrimento que um indivíduo ou grupo


está submetido ao não ter acesso ao cuidado em saúde. Vulneração se refere
ao reconhecimento dos preconceitos sofridos por grupos vulneráveis.
b) ( ) Vulnerabilidade se trata de um potencial risco de sofrer, ser ferido
tanto de forma física ou social. Vulneração se refere à vulnerabilidade con-
substanciada, à efetivação da violação aquele que são vulneráveis.
c) ( ) Vulnerabilidade se trata de um tipo de violação sutil aos direitos so-
ciais e econômicos dos indivíduos. Vulneração se refere ao modo como gru-
pos sociais oprimidos reagem a violações sofridas.
d) ( ) Vulnerabilidade se trata uma forma de exclusão realizada pelo Estado.
Vulneração se refere a forma como as políticas públicas são utilizadas para
enfrentar vulnerabilidades.

193
REFERÊNCIAS
AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.

ALBUQUERQUE, C. M. S.; OLIVEIRA, C. P. F. Saúde e doença: significações e


perspectivas em mudança. Millenium, Viseu, n. 25, jan. 2002. Disponível em:
http://www.ipv.pt/millenium/millenium25/25_27.htm. Acesso em: 14 abr. 2020.

ALMEIDA FILHO, N. Transdiciplinaridade e o paradigma pós-disciplinar na


saúde. Saúde Soc., São Paulo, v. 14, n. 3, p. 30-50, set./dez. 2005.

ALMEIDA-FILHO, N.; ROUQUAYROL, M. Z. Modelos de Saúde e Doença. In:


ALMEIDA-FILHO, N.; ROUQUAYROL, M. Z. Introdução à epidemiologia. 4.
ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.

ALVES, R. F.; BRASILEIRO, M. C. E.; BRITO, S. M. O. Interdisciplinaridade: um


conceito em construção. Episteme, Porto Alegre, n. 19, p. 139-148, jul./dez. 2004.

ALVES, R. F. S.; FAERSTEIN, E. Desigualdade educacional na ocorrência de


obesidade abdominal por gênero e cor/raça: Estudo Pró-Saúde, 1999-2001 e
2011-2012. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 32, n. 2, 2016.   Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/csp/v32n2/0102-311X-csp-32-2-0102-311X00077415.
pdf . Acesso em: 28 abr.  2020.  

AMANCIO FILHO, A. Dilemas e desafios da formação profissional em saúde.


Interface, Botucatu, v. 8, n. 15, p. 375-380, 2004.

AMORETTI, R. A educação médica diante das necessidades sociais em saúde.


Rev. Bras. Educ. Med. Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 136-46. 2005. Disponível em:
http://www.scielosp.org/pdf/csp/v23n2/16.pdf. Acesso em: 4 abr. 2020.

ANDRADE, K. V. F. de et al. Associação entre desfecho do tratamento,


características sociodemográficas e benefícios sociais recebidos por
indivíduos com tuberculose em Salvador, Bahia, 2014-2016. Epidemiol. Serv.
Saúde, Brasília, v. 28, n. 2, e2018220, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-96222019000200305&lng=en&nrm=iso.
Acesso em: 3 mar. 2020.

ANDRADE, P. Agência e estrutura: o conhecimento praxiológico em Pierre


Bourdieu. Estudos de Sociologia. Revista do Programa de Pós-graduação em
Sociologia da UFPE, Recife, v. 12, n. 2, p. 97-118, 2007.

ARANGUREN, J. L. L. Ética. V. II. Madrid: Editorial Trotta, 1994.

194
ARAUJO, M. E.; ZILBOVICIUS, C. A formação acadêmica para o trabalho no
Sistema Único de Saúde. In: MOYSÉS, S. T.; KRIGER, L.; MOYSÉS, S. J. Saúde
bucal das famílias: trabalhando com evidências. São Paulo: Artes Médicas,
2008. p. 277-290.

ARAÚJO, L. B.; MELO, T. R.; ISRAEL, V. L. Baixo peso ao nascer, renda familiar
e ausência do pai como fatores de risco ao desenvolvimento neuropsicomotor.
J. Hum. Growth Dev., v. 27, n. 3, p. 272-280, 2017. Disponível em: https://www.
researchgate.net/publication/321885146_Low_birth_weight_family_income_
and_paternal_absence_as_risk_factors_in_neuropsychomotor_development.
Acesso em: 3 mar. 2020.

ARAÚJO, D.; GOMES DE MIRANDA, M. C.; BRASIL, S. L. Formação de


profissionais de saúde na perspectiva da integralidade. Revista Baiana de
Saúde Pública, Salvador, v. 31, p. 20, 2014.

AROUCA, S. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica


da medicina preventiva. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2003. 268 p.

ASSIS, R. D. A realidade atual do Sistema Penitenciário Brasileiro. Revista CEJ,


Brasília, v. 11, n. 39, p. 74-78, out./ dez. 2007. Disponível em: http://www.jf.jus.
br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/949/1122. Acesso em: 22 abr. 2020.

AYRES, J. R. C. M. Cuidado e reconstrução das práticas de Saúde. Interface,


Botucatu, v. 8, n. 14, p. 73-92, fev. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/
pdf/icse/v8n14/v8n14a04.pdf. Acesso em: 14 abr. 2020.

BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma


psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

BANZATO, C. E. M.; PEREIRA, M. E. C. O lugar do diagnóstico na clínica


psiquiátrica. In: ZORZANELLI, R.; BEZERRA JR., B.; COSTA, J. F. (orgs.).
A criação de diagnósticos na psiquiatria contemporânea. Rio de Janeiro:
Garamond, 2014. p. 35-53.

BARATA, R. C. B. Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde.


Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.

BARATA, R. C. B. A historicidade do conceito de causa: epidemiologia. Rio de


Janeiro: FIOCRUZ/ABRASCO, 1985.

BARP, L. F. G.; MITJAVILA, M. R. Necropolítica nas mortes contemporâneas.


Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 16, n. 1,
p. 143-147, fev. 2019.

BERLINGUER, G. Ética da saúde. São Paulo: HUCITEC, 1996.

195
BERLINGUER, G. Questões de vida: ética, ciência, saúde. Salvador/São Paulo/
Londrina: APCE/HUCITEC/CEBES, 1993.

BIANCHI, E.; FARAONE, S. El Trastorno por déficit de atención e


hiperactividad (TDA/H). Tecnologías, actores sociales e industria farmacêutica.
Physis Revista de Saúde Coletiva, v. 25, n. 1, p. 75-98, 2015.

BIANEZZI, M. Terra plena: por que a teoria da Terra plana não faz nenhum
sentido. Ciência, mundo estranho. Revista Superinteressante, São Paulo, 10 abr.
2018. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/terra-plena-
por-que-a-teoria-da-terra-plana-nao-faz-nenhum-sentido/. Acesso em: 4 abr.
2020.

BONITA, R.; BEAGLEHOLE, R.; KJELLSTRÖM, T. Epidemiologia básica.


Tradução e revisão científica de Juraci A. Cesar. 2. ed. São Paulo: Santos, 2010.
213 p.

BORGES, R. O que é necropolítica. E como se aplica à segurança pública no


Brasil. Ponte, São Paulo, 25 de set. 2019. Disponível em: https://ponte.org/o-que-
e-necropolitica-e-como-se-aplica-a-seguranca-publica-no-brasil/. Acesso em: 15
abr. 2020.

BOTTI, S. H. de O. Desenvolvendo as competências profissionais dos residentes.


Revista Hospital Universitário Pedro Hernesto, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p.
102-106, 2012.

BRASIL. Ministério da Saúde. Uso de medicamentos e medicalização


da vida: recomendações e estratégias. Brasília: Ministério da Saúde,
2019. 33 p. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/
pdf/2019/fevereiro/14/ERRATA-Livro-USO-DE-MEDICAMENTOS-E-
MEDICALIZACAO-DA-VIDA.pdf. Acesso em: 15 abr. 2020.

BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. 8ª Conferência Nacional de Saúde:


quando o SUS ganhou forma. Ministério da Saúde, Brasília, 22 maio 2019.
Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/592-8-
conferencia-nacional-de-saude-quando-o-sus-ganhou-forma. Acesso em: 14 abr.
2020.

BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da Violência 2018.


Brasília, DF, 2018. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.
php?option=com_content&view=article&id=33410&Itemid=432. Acesso em: 15
abr. 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Programa de Qualificação de Agentes Indígenas


de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN). O processo de
trabalho do AISAN e sua atuação na equipe de saúde. Brasília: Ministério
da Saúde, 2016. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/

196
processo_trabalho_aisan_atuacao_equipe_saude.pdf. Acesso em: 15 abr. 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Populações vulneráveis. Saúde de A a Z,


Tuberculose, Brasília, 2016. Disponível em: https://bit.ly/2IDM9du. Acesso em: 6
fev. 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Interministerial nº 1, de 2 de janeiro


de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas
Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema
Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério da Saúde, 2014a. Disponível
em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/pri0001_02_01_2014.
html. Acesso em: 6 fev. 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde da população em situação de rua: um


direito humano. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica
e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa, 2014b. 38 p.
Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_populacao_
situacao_rua.pdf. Acesso em: 6 fev. 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política nacional


de atenção integral à saúde das pessoas privadas de liberdade no sistema
prisional. Brasília: Ministério da Saúde, 2014c. 60 p. Disponível em: http://www.
as.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/2016/06/Cartilha-PNAISP.pdf. Acesso
em: 6 fev. 2020.

BRASIL. Secretaria de Educação Superior. Comissão Nacional de Residência


Multiprofissional em Saúde (CNRMS). Resolução nº 2, de 13 de abril de
2012. Dispõe sobre as diretrizes gerais para os programas de residência
multiprofissional e em áreas da saúde. Brasília, DF, 2012.

BRASIL. Ministério da Saúde, Fundação Nacional De Saúde. Inquérito nacional


de saúde e nutrição dos povos indígenas. Relatório final: análise dos dados.
Brasília: Ministério da Saúde; 2009a. Disponível em: http://ecos-redenutri.bvs.br/
tiki-download_file.php?fileId=1284. Acesso em: 3 mar. 2020.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Rua:


aprendendo a contar - pesquisa nacional sobre a população em situação de rua.
Brasília: Athalaia Gráfica, 2009b. 240 p.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento


de Atenção Básica. Saúde bucal. Brasília: Ministério da Saúde, 2008. 92 p.
(Cadernos de atenção básica, n. 17). (Série A: normas e manuais técnicos).

BRASIL. Conselho Nacional dos Secretários de Saúde. Atenção primária e


promoção da saúde. Coleção CONASS. Progestores para entender a gestão do
SUS. V. 8. 1. ed. Brasília, 2007.

197
BRASIL. Ministério da Saúde. Instrução Normativa n° 1. Regulamenta a
Portaria GM/MS n° 1.172/2004 no que se refere às competências da União,
estados, municípios e Distrito Federal na área de vigilância em Saúde ambiental.
Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 mar. 2005.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Interministerial MS/MJ nº 1.777, de 9 de


setembro de 2003. Aprova o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário
[Internet]. Diário Oficial [da] União. Brasília, nº 176, p. 39-43, 11 set. 2003. Seção
1. Disponível em: https://bit.ly/2GMbxBm. Acesso em: 3 mar. 2020.

BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde


dos Povos Indígenas. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde. Fundação Nacional
de Saúde, 2002. 40 p.

BRASIL. Ministério da Educação. CNE Conselho Nacional de Educação.


Resolução CNE-CES 3, de 19 de fevereiro de 2002. Brasília, 4 de março de 2002.
Seção 1, p. 10.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara da


Educação Superior. Parecer CNE/CES nº 1.133, de 7 de agosto de 2001, sobre as
Diretrizes Curriculares da Medicina, Enfermagem e Nutrição. Diário Oficial [da]
União. Brasília, DF, 3 out. 2001. Seção 1E, p. 131.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e


bases da educação nacional. Diário Oficial [da] União. Brasília, DF, 23 dez. 1996.
Seção 1, p. 27.833.

BRASIL. Ministério da saúde. Cadernos RH Saúde. Brasília: Ministério da


Saúde: 1994.

BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições


para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário
Oficial [da] União. Brasília, DF, 19 set. 1990. Seção 1.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília:


Diário Oficial [da] União, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 abr. 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 8.,


1987, Brasília. Anais [...]. Brasília: Ministério da Saúde, 1986. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/8_conferencia_nacional_saude_
relatorio_final.pdf. Acesso em: 15 abr. 2020.

BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.


Diário Oficial [da] União. Brasília; 13 jul. 1984. Disponível em: https://bit.
ly/1JeIrCR. Acesso em: 3 mar. 2020.

198
BRIGIDO, E. I. O biopoder na perspectiva foucaultiana. Sapere aude, Belo
Horizonte, v. 7, n. 12, p. 211 - 227, jan./jun. 2016.

BUB, M. B. C. et al. A noção de cuidado de si mesmo e o conceito de


autocuidado na enfermagem. Texto e Contexto - Enfermagem, Florianópolis,
v. 15, n. esp., p. 152-157, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/
v15nspe/v15nspea18.pdf. Acesso em: 15 abr. 2020.

BUSCH-GEERTSEMA, V.; CULHANE, D.; FITZPATRICK, S. Developing a


global framework for conceptualising and measuring homelessness. Habitat
International, [s.l.], v. 55, p.124- 132, jul. 2016.

BUSS, P. M. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciência & Saúde Coletiva,


Manguinhos, v. 5, n. 1, p. 163-177, 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/
pdf/csc/v5n1/7087.pdf. Acesso em: 15 abr. 2020.

BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus determinantes


sociais. Physis, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 77-93, abr.  2007. Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
73312007000100006&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 21 abr. 2020.

CAMARGO JR., K. R. Medicalização, farmacologização e imperialismo


sanitário. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 5, p. 844-846,
2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v29n5/02.pdf. Acesso em: 15
abr. 2020.

CAMARGOS, M. C. S. et al. Estimativas de expectativa de vida livre de


incapacidade funcional para Brasil e Grandes Regiões, 1998 e 2013. Ciência &
Saúde Coletiva, Manguinhos, v. 24, p. 737-747, 2019.

CAMPOS, L.; SATURNO, P.; CARNEIRO, A. V. Plano Nacional de Saúde


2011-2016: a qualidade dos cuidados e dos serviços. Lisboa: Alto Comissário da
Saúde, 2010.

CAMPOS G. W. S. Educação médica, hospitais universitários e o Sistema Único


de Saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 187-93, 1999.

CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 1995.

CAPONI, S. Biopolítica e medicalização dos anormais. Physis: revista de saúde


coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 529-549, 2009.

CARCERERI, D. L. et al. Formação em Odontologia e interdisciplinaridade: o


Pró-Saúde da UFSC. Revista ABENO, Porto alegre, v. 11, n. 1, p. 62-70, jan./jun.
2011.

199
CARRAPATO, P.; CORREIA, P.; GARCIA, B. Determinante da saúde no
Brasil: a procura da equidade na saúde. Saúde Soc., São Paulo, v. 26, n. 3, p.
676-689, set. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0104-12902017000300676&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 3 mar.
2020.

CARTA DE OTTAWA. Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da


Saúde. Canadá, novembro de 1986. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/
bvs/publicacoes/carta_ottawa.pdf. Acesso em: 18 abr. 2020.

CARVALHO, A. Determinantes sociais, econômicos e ambientais da Saúde.


In: FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. A saúde no Brasil em 2030: prospecção
estratégica do sistema de Saúde brasileiro: população e perfil sanitário. Rio de
Janeiro: Fiocruz/Ipea/Ministério da Saúde/Secretaria de Assuntos Estratégicos
da Presidência da República. v. 2. p. 19-38, 2013. Disponível em: http://books.
scielo.org. Acesso em: 20 dez. 2019. 

CARVALHO, A. C. P.; KRIGER, L. Educação odontológica. São Paulo: Artes


Médicas, 2006. 264 p.

CARVALHO, S. R. As contradições da promoção à saúde em relação


à produção de sujeitos e a mudança social. Ciência & Saúde Coletiva,
Manguinhos, v. 9, n. 3, p. 669-678, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/
pdf/csc/v9n3/a13v09n3.pdf. Acesso em: 15 abr. 2020.

CASTEL, R. Estado e inseguridad social. In: Conferencia Subsecretaría de la


Gestión Pública, República de Argentina. 2005.

CASTIEL, L. D.; DIAZ, M. C. R. G. A saúde persecutória: à espera dos


riscômetros portáteis. Interface, v. 11, n. 21, p. 145-63, jan./abr. 2007.

CATANI, A. M.; OLIVEIRA, J. F. de; DOURADO, L. F. Política educacional,


mudanças no mundo do trabalho e reforma curricular dos cursos de
graduação no Brasil. Educ. Soc., Campinas, v. 22, n. 75, p. 67-83, ago. 2001.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
73302001000200006&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 4 abr. 2020.

CECCON, R. F. Vidas nuas: mulheres com HIV/AIDS em situação de violência


de gênero. 2016. 165f. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Escola de Enfermagem, Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem. Porto Alegre, BR-RS, 2016.

CHAVES, M. M. Educação nas profissões de saúde: perspectivas para o século


XXI. Revista Brasileira de Educação Médica, Brasília, v. 20, n. 1, p. 21-27, 1996.

CIAMPONE MHT, PEDUZZi M. Trabalho em equipe e trabalho em grupo

200
no Programa de Saúde da Família. Rev Bras Enfermagem, Brasília, v. 53, n.
especial, p. 143-147, dez. 2000.

CNDSS – COMISSÃO NACIONAL SOBRE OS DETERMINANTES SOCIAIS


DA SAÚDE. As causas das iniquidades em saúde no Brasil: relatório final da
comissão nacional sobre determinantes sociais da saúde. Brasília: CNDSS, 2008.
Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/causas_sociais_
iniquidades.pdf. Acesso em: 20 dez. 2019. 

COIMBRA-CARLOS JR., E. A. Saúde e povos indígenas no Brasil: reflexões


a partir do I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição Indígena. Cadernos de
Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 30, n. 4, 2014.

COLLARES, C. A. L.; MOYSÉS, M. A. A. A transformação do espaço


pedagógico em espaço clínico (a patologização da educação). São Paulo: Série
Ideias; FDE, 1994.

CONRAD, A. The medicalization of society: on the transformation of human


conditions into treatable disorders. Baltimore: Johns Hopkins University Press,
2007.

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CNE/CES nº 583, de


4 de abril de 2001. Orientação para as diretrizes curriculares dos cursos de
graduação. Brasília: CNE, 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/
arquivos/pdf/CES0583.pdf. Acesso em: 29 mar. 2011.

COSTA, R. P. Interdisciplinaridade e equipes de saúde: concepções. Mental,


Barbacena, v. 5, n. 8, p. 107-124, jun. 2007. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.
org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-44272007000100008&lng=pt&nrm=i
so. Acesso em: 10 abr. 2020.

CORTEZ, A. C. L. et al. Aspectos gerais sobre a transição demográfica e


epidemiológica da população brasileira. Enfermagem Brasil, Brasília, v. 18, n. 5,
p. 700-709, 2019.

CORTINA, A. O fazer ético: guia para a educação moral. São Paulo: Moderna,
2003.

CSDH – COMMISSION ON SOCIAL DETERMINANTS OF HEALTH.


A conceptual framework for action on social determinants of health.
2010. Disponível em: https://www.who.int/sdhconference/resources/
ConceptualframeworkforactiononSDH_eng.pdf. Acesso em: 20 dez. 2019. 

CZERESNIA, D. O conceito de saúde e a diferença entre prevenção e promoção.


In: CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. (orgs.). Promoção da saúde: conceitos,
reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 39-53.

201
DANNER, F. O sentido da biopolítica em Michel Foucault. Revista Estudos
Filosóficos, São João del Rei, n. 4, 2010. Disponível em: http://seer.ufsj.edu.br/
index.php/estudosfilosoficos/article/view/2357/1630. Acesso em: 15 abr. 2020.

DICIONÁRIO AURÉLIO. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Ciências


sociais. 2020a. Disponível em: https://www.dicio.com.br/ciencias-sociais/.
Acesso em: 20 abr. 2020.

DICIONÁRIO AURÉLIO. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Paradigma.


2020b. Disponível em: https://www.dicio.com.br/paradigma/. Acesso em: 20 abr.
2020.

DICIONÁRIO AURÉLIO. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.


Transdisciplinar. 2020c. Disponível em: https://www.dicio.com.br/
transdisciplinar/. Acesso em: 20 abr. 2020.

DICIONÁRIO AURÉLIO. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Processo.


2020d. Disponível em: https://www.dicio.com.br/processo/. Acesso em: 20 abr.
2020.

DINIZ, D.; GUILHEM, D. O que é bioética. São Paulo: Brasiliense, 2002.

DOMINGUINI, L.; SILVA, I. B. Obstáculos à construção do espírito científico:


reflexões sobre o livro didático. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO, 5., 2010, Caxias do Sul. Anais [...]. Caxias do Sul:
Universidade de Caxias do Sul, 2010.

DOS SANTOS SILVA, C. et al. Problemas gastrointestinais associados ao


consumo de água contaminada por microrganismos. International Journal of
Nutrology, v. 11, n. especial 1, 2018.

ENGEL, G. L. The need for a new medical model: a challenge for biomedicine.
Science, Washington DC, v. 196, n. 4286, p. 129-136, 1977. Disponível em:
http://www.drannejensen.com/PDF/publications/The%20need%20for%20a%20
new%20medical%20model%20-%20A%20challenge%20for%20biomedicine.pdf.
Acesso em: 15 abr. 2020.

ERDMANN, A. L.; KOERICH, M. S. Enfermagem e patologia geral: resgate


e reconstrução de conhecimentos para uma prática interdisciplinar. Texto &
Contexto Enfermagem, Florianópolis-SC, v. 12, n. 4, p. 528-537, 2003.

FAS – FUNDAÇÃO DE AÇÃO SOCIAL. Pesquisa sobre população em situação


de rua de Curitiba. Curitiba: FAS, 2016. Disponível em: http://www.curitiba.
pr.gov.br/noticias/fas-realiza- pesquisa-sobre-populacao-em-situacao-de-rua-de-
curitiba/40126. Acesso em: 10 abr. 2019.

FASC – FUNDAÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E CIDADANIA. Relatório

202
final de pesquisa: cadastro de adultos em situação de rua de Porto Alegre/RS.
Porto Alegre: FASC, 2015.

FEE, E. Disease and discovery: a history of the Johns Hopkins School of


Hygiene and Public Health. Baltimore: The Johns Hopkins University Press,
1987.    

FERIOTTI, M. de L. Equipe multiprofissional, transdisciplinaridade e saúde:


desafios do nosso tempo. Vínculo, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 179-190, dez. 2009.

FERREIRA, E. F. et al. Travessia a caminho da integralidade: uma experiência do


curso de Odontologia da UFMG. In: PINHEIRO, R.; CECCIM, R. B.; MATTOS,
R. A. Ensino-trabalho-cidadania: novas marcas ao ensinar integralidade no
SUS. Rio de Janeiro: UERJ, IMS: ABRASCO, 2006. p. 85-91.

FERREIRA, M. S.; CASTIEL, L. D.; CARDOSO, M. H. C. A. A patologização do


sedentarismo. Saúde soc., São Paulo, v. 21, n. 4, p. 836-847, dez. 2012.

FIGUEIREDO, S. P. Medicalização da obesidade: a epidemia em notícia. 2009.


216f. Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) - Universidade
Estadual de Campinas. Campinas, 2009.

FINKLER, M. et al. Formação profissional ética: um compromisso a partir das


diretrizes curriculares? Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p.
449-462, 2010.

FIPE – FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICAS. Pesquisa


censitária da população em situação de rua: caracterização socioeconômica da
população adulta em situação de rua e relatório temático de identificação das
necessidades desta população na cidade de São Paulo. São Paulo: FIPE, 2015.

FITZHARRIS, L. Medicina dos horrores. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017. 320 p.

FITZPATRICK, S. et al. The homelessness monitor: England 2017. London:


Crisis Head Office, 2017. 101 p.

FORGRAD – Fórum de Pró-reitores de Graduação das Universidades


Brasileiras. Plano nacional de Graduação. 1999. Disponível em: https://
edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2629509/mod_resource/content/0/Referencia_
para_construcao_projetos_pedagogicos_ForGrad.PDF. Acesso em: 4 abr. 2020.

FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica. Curso no Collège de France (1978-


1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 25. ed. Petrópolis: Vozes,


2002.

203
FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

FOUCAULT, M. A ética do cuidado de si como prática da liberdade. In:


MOTTA, M. B. (org.). Ditos e escritos V: ética, sexualidade, política. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1984a.

FOUCAULT, M. O nascimento da medicina social. In: MACHADO, R. (org.).


Microfísica do poder. São Paulo: Graal, 1984b. p. 193-208.

FOUCAULT, M. Genealogia e Poder. In: FOUCAULT, M. Microfísica do poder.


Rio de Janeiro: Graal, 1979.

FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de sabe. São Paulo: Edições


Graal, 1976. v.1.

FRANCO NETTO G. et al. Impactos socioambientais na situação de saúde


da população brasileira: estudo de indicadores relacionados ao saneamento
ambiental inadequado. Rev. Tempus Actas Saúde, Brasília, v. 4, n. 4, 19 p. 2009.
Disponível em: http://www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/
viewFile/745/754. Acesso em: 3 mar. 2020.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 3.


ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 165 p.

FREITAS, C. M. et al. Ecosystem approaches and health in Latin America.


Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 283-296, 2007.

FURTADO, R. N.; CAMILO, J. A. O. O conceito de biopoder no pensamento de


Michel Foucault. Rev. Subjetividades, Fortaleza, v. 16, n. 3, p. 34-44, dez. 2016.

GARBOIS, J. A.; SODRÉ, F.; DALBELLO- ARAUJO, M. Da noção de


determinação social à de determinantes sociais da saúde. Saúde em Debate, Rio
de Janeiro, v. 41, p. 63-76, 2017.

GATTO, C. Perspectiva interdisciplinar e atenção em saúde coletiva. Cadernos


de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. IX, n. 2, jul./dez. 2001. p. 127-137.

GAUDENZI, P.; ORTEGA, F. O estatuto de medicalização e as interpretações


de Ivan Illich e Michel Foucault como ferramentas conceituais para o estudo da
desmedicalização. Interface, Botucatu, v. 16, n. 40, p. 21-34, jan./mar. 2012.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,


1989.

GEORGE, F. Sobre determinantes da saúde. Lisboa: SNS, 2011. Disponível em:


http://bit.ly/2vZqVke. Acesso em: 3 mar. 2020.

204
GIORGETTI, C. Moradores de rua: uma questão social? São Paulo: Fapesp;
Educ, 2014.

GONÇALVES, M. B.; BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T. Considerações sobre


o ensino médico no Brasil: consequências afetivo-emocionais nos estudantes.
Rev. Bras. Educ. Med., Rio de Janeiro, v. 33, n. 3, p. 482-493, set. 2009.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
55022009000300020&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 29 fev. 2020.

GUIMARÃES, A. S. A. Como trabalhar com "raça" em sociologia. Educ.


Pesqui., São Paulo, v. 29, n. 1, p. 93-107, jun. 2003. Disponível em: http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022003000100008&lng=en&
nrm=iso. Acesso em: 3 mar. 2020.

HADDAD, E. A enfermagem e a política nacional de formação dos profissionais


de saúde para o SUS. Ver. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v. 45, n. Esp. 2, p. 1803-
9, 2011.

HALPERN, R. et al. Risk factors for suspicion of developmental delays at 12


months of age. J Pediatr., Rio de Janeiro, v. 76, n. 6, p. 421-428, 2000.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa


Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e
doenças crônicas. Rio de Janeiro: IBGE, 2014. 181 p. Disponível em: ftp://ftp.ibge.
gov.br/PNS/2013/pns2013.pdf. Acesso em: 3 mar. 2020.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Os


indígenas no censo demográfico 2010: primeiras considerações com base no
quesito cor ou raça. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: http://www.ibge.
gov.br/indigenas/indigena_censo2010.pdf. Acesso em: 3 mar. 2020.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.


Indicadores de desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: IBGE, 2008.
Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv38797.pdf.
Acesso em: 3 mar. 2020.

ICOM – INSTITUTO COMUNITÁRIO GRANDE FLORIANÓPOLIS.


Diagnóstico Social Participativo da População em Situação de Rua na Grande
Florianópolis. Florianópolis: ICOM, 2017. 28 p.

IGH – INSTITUTE FF GLOBAL HOMELENESS. Ending Street Homelessness


in Your City. Chicago: IGH, 2017. Disponível em: http://www.ighomelessness.
org/2017. Acesso em: 3 mar. 2020.

ILLICH, I. A expropriação da saúde: nêmesis da medicina. 3. ed. São Paulo:


Nova Fronteira, 1975.

205
ILO – INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. World of work report
2011: making markets work for jobs. Geneva: International Labour Office, 2011.

INFOPEN. Levantamento nacional de informações penitenciárias, atualização


junho de 2017. Organização: Marcos Vinícius Moura. Brasília: Ministério da
Justiça e Segurança Pública, Departamento Penitenciário Nacional, 2019. 87 p.
Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-
sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf. Acesso em: 3 mar. 2020.

ISA – INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Povos indígenas do Brasil, 2006-


2010. Instituto Socioambiental, Brasília, 2011. Disponível em: https://
acervo.socioambiental.org/index.php/acervo/livros/povos-indigenas-no-
brasil-2006-2010. Acesso em: 3 mar. 2020.

ITABORAHY, C.; ORTEGA F. O metilfenidato no Brasil: uma década de


publicações. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, p. 803-816,
2013.

JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro:


Imago, 1976. 220 p.

KARMAKAR, S. D.; BRESLIN, F. C. The role of educational level and job


characteristics on the health of young adults. Social Science & Medicine,
Oxford, v. 66, n. 9, p. 2011-2022, 2008.

KEMP, A.; EDLER, F. C. A reforma médica no Brasil e nos Estados Unidos:


uma comparação entre duas retóricas. Hist. cienc. Saúde - Manguinhos, Rio de
Janeiro, v. 11, n. 3, p. 569-585, dez. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702004000300003&lng=en&nrm=iso.
Acesso em: 29 fev. 2020.

KHAN, S. et al. Drinking water quality and human health risk in Charsadda
district, Pakistan. Journal of Cleaner Production, Amsterdam, v. 60, p. 93-101,
2013.

KRAEMER, F. B. et al. O discurso sobre a alimentação saudável como estratégia


de biopoder. Physis, Rio de Janeiro, v. 24, n. 4, p. 1337-1360, dez. 2014.

KRIEGER, N. Glosario de epidemiología social. Revista Panamericana de Salud


Pública, Washington, D.C., v. 11, p. 480-490, 2002.

LEÃO, D. M. M. Paradigmas contemporâneos de educação: escola tradicional e


escola construtivista. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 107, p. 187-206, 1999.

LEAVELL, H.; CLARK, E. G. Medicina preventiva. São Paulo: McGraw-Hill,


1976.

206
LIMA, F. Bio-necropolítica: diálogos entre Michel Foucault e Achille Mbembe.
Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 70, n. esp., p. 20-33, 2018.

LUZ, M. T. Complexidade do campo da saúde coletiva: multidisciplinaridade,


interdisciplinaridade, e transdisciplinaridade de saberes e práticas – análise
sócio-histórica de uma trajetória paradigmática. Saúde e Sociedade, São Paulo,
v. 18, n. 2, p. 304-311, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/
v18n2/13.pdf. Acesso em: 29 fev. 2020.

MASETTO. M. T. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: MORAN,


J. M., MASETTO, M. T., BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e mediação
pedagógica. 8. ed. Campinas, SP: Papirus, 2006. p.133-173.

MATTOS, R. A. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de


valores que merecem ser defendidos. In: PINHEIRO, R.; MATTOS R. A. (orgs.).
Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro:
Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/
ABRASCO; p. 43-68, 2009.

MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo: N-1 edições, 2018.

MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Lisboa: Antígona, 2017.

MEDINA, L. de P. B. et al. Desigualdades sociais no perfil de consumo de


alimentos da população brasileira: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev. Bras.
Epidemiol., Rio de Janeiro, v. 22, supl. 2, 2019. Disponível em: http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-790X2019000300409&lng=en&
nrm=iso. Acesso em: 3 mar. 2020.

MENDES, E. V. As redes de atenção à saúde. Brasília, Organização Pan-


Americana da Saúde, 2011.

MENDES, I. A. C. Desenvolvimento e saúde: a declaração de Alma-Ata e


movimentos posteriores. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v.
12, n. 3, p. 447-448, jun. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692004000300001&lng=en&nrm=iso. Acesso
em: 29 fev. 2020.

MENDES, A. P. M. et al. O desafio da atenção primária na saúde indígena no


Brasil. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington D.C., v. 42, e184,
2018. Disponível em: https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.184. Acesso em: 1 abr.
2020.

MERHY, E. E. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec, 2002.

MINAYO, M. C. de S. Disciplinaridade, interdisciplinaridade e complexidade.


Revista Emancipação, Ponta Grossa, v. 10, n. 2, p. 435-442, 2010.

207
MINAYO, M. C. de S. Interdisciplinaridade: funcionalidade ou utopia? Saúde e
sociedade, São Paulo, v. 3, n. 2, 1994. p. 42-64.

MINAYO, M. C. de S.; HARTZ, Z. M. A.; BUSS, P. M. Qualidade de vida e


saúde: um debate necessário. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n.
1, p. 7-18, 2000.

MIRANDA. S. R. Cidade, capital e poder: políticas públicas e questões urbanas


na velha Manchester mineira. 1990, Dissertação (Mestrado) - Universidade
Federal Fluminense, Niterói: UFF, 1990.

MORAES, S. L. de. et al. Variáveis meteorológicas e poluição do ar e sua


associação com internações respiratórias em crianças: estudo de caso em São
Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 35, n. 7, 2019.

MOREIRA, J. et al. Educação popular em saúde: a educação libertadora


mediando a promoção da saúde e o empoderamento. Revista Contrapontos,
Balneário Camboriú, v. 7, n. 3, p. 507-521, 2009.

MORETTI- PIRES, R. O. et al. Gestão do processo de trabalho em saúde no


estabelecimento penal. Brasília: UNASUS, 2014.

MOTA, A.; SCHRAIBER, L. B.; AYRES, J. R. C. M. Desenvolvimentismo e


preventivismo nas raízes da Saúde Coletiva: reformas do ensino e criação de
escolas médicas e departamentos de medicina preventiva no estado de São
Paulo (1948-1967). Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 22, n.
65, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0810. Acesso em:
29 fev. 2020.

MOYSÉS, S. J. A humanização da educação em Odontologia. Pro-posições,


Campinas, v. 14, n. 1, p. 40-74, 2003.

NAHAS, M. V. Atividade física, saúde e qualidade de vida: conceitos e


sugestões para um estilo de vida ativo. 4. ed. Londrina: Midiograf, 2006.

NATALINO, M. A. C. Estimativa da população em situação de rua no Brasil.


Rio de Janeiro: Ipea, 2016.

NICOLESCU, B. Transdiciplinaridade: o que é isso? Porto Alegre: PPGA/EA/


UFRGS, 2003.

NOACK, H. Concepts of health and health promotion. In: ABELIN, T.


BRZEZINSKI, Z. J. CARSTAIRS, D. L. (eds.). Measurement in health
promotion and protection, n. 22, p. 5-28. Copenhagen: World Health
Organization Regional Office for Europe, 1987.

NOGUEIRA, A. C. C.; SILVA, L. B. As desigualdades de gênero: um enfoque

208
na questão da saúde pública. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS
POPULACIONAIS, 26., 2008, Caxambu. Anais [...]. Caxambu: 2008. p. 1-14.

NORMAN, A. H.; TESSER, C. D. Prevenção quaternária na atenção primária


à saúde: uma necessidade do Sistema Único de Saúde. Cadernos de Saúde
Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 9, p. 2012-20, 2009.

NUNES, E. D. Cem anos do relatório Flexner. Editorial. Ciência & Saúde


Coletiva, Manguinhos, v. 15, suplemento 1, 2010. Disponível em: https://www.
scielosp.org/article/csc/2010.v15suppl1/956-956/#ModalArticles. Acesso em: 3
mar. 2020.

OBERG, E. Physical activity prescription: our best medicine. Integrative


Medicine, Eagan, MN, v. 6, n. 5, p. 18-22, 2007.

OLIVEIRA, L. G. D. Avaliação da implantação do Programa de Controle da


Tuberculose em unidades prisionais de dois estados brasileiros. 2014. 147 f.
Tese (Doutorado em Ciências na área de Saúde Pública) – Escola Nacional de
Saúde Pública Sérgio Arouca, Rio de Janeiro, 2014.

OLIVEIRA, D. G. F. Determinantes do estado de saúde dos portugueses. 2010.


114 f. Dissertação (Mestrado em Estatística e Gestão da Informação) – Instituto
Superior de Estatística e Gestão da Informação, Universidade Nova de Lisboa,
Lisboa, 2010.

OLIVEIRA, E. C.; HARAYAMA, R. M.; VIÉGAS, L. S. Drogas e medicalização na


escola: reflexões sobre um debate necessário. Revista Teias, Rio de Janeiro, v. 17,
n. 45, abr./jun. 2016.

OLIVEIRA, C. V. R. de et al. Desigualdades em saúde: o desenvolvimento


infantil nos diferentes grupos sociais. Rev. esc. enferm. USP, São Paulo, v.
53, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0080-62342019000100482&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 21 abr.
2020.

OMS - ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Declaração da OMS


sobre taxas de Cesárea, Genebra: WHO/HRP, 2018. Disponível em: https://
apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.
pdf;jsessionid=FFF3DB2FEA2860AA1EE4F661CC321CF5?sequence=3. Acesso
em: 17 abr. 2020.

OMS - ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Carta da Organização


Mundial de Saúde, Nova Iorque, 22 jul. 1946. Disponível em: http://www.
direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-
Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-
omswho.html. Acesso em: 17 abr. 2020.

209
ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Los derechos econômicos,
sociales y culturales. Genebra: Conselho de Direitos Humanos, 2005. 26 p.

OPAS – ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. Nuestro


planeta, nuestra salud. Informe de la Comisión de salud y Medio Ambiente de
la OMS. Publicación científica 544. Washington, DC: OPS/ OMS, 1993.

PAGLIOSA, F. L.; DA ROS, M. A. O relatório Flexner: para o bem e para o mal.


Revista Brasileira de Educação Médica, Brasília, v. 32, n. 4, p. 492-499, dez.
2008.

PAIM, M. B. Ações de promoção à saúde desenvolvidas pelo nutricionista


ligado ao núcleo de apoio à saúde da família, na atenção primária no
município de Florianópolis/SC. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação
em Nutrição) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.

PAIM J. A. Modelos de atenção e vigilância da saúde. In: ROUQUAYROL, M. Z.;


ALMEIDA, F.N. (orgs.). Epidemiologia e Saúde. 6. ed. Rio de Janeiro: MEDSI,
2003. Disponível em: http://portal.saude.pe.gov.br/sites/portal.saude.pe.gov.br/
files/modelos_de_atencao_e_vigilancia_da_saude_-_paim_0.pdf. Acesso em: 17
abr. 2020.

PAUL, P. Transdisciplinaridade e antropoformação: sua importância nas


pesquisas em saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v.14, n. 3, p. 72-92, 2005.
Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sausoc/v14n3/05.pdf. Acesso em: 17
abr. 2020.

PEREIRA, I. M. T. B.; PENTEADO, R. Z.; MARCELO, V. C. Promoção de saúde


e educação em saúde: uma parceria saudável. O mundo da saúde, [s.l.], ano 24,
v. 24, n. 1, p. 39-44, 2000.

PERIAGO, M. R. et al. Saúde ambiental na América Latina e no Caribe: numa


encruzilhada. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 16, n. 3, p. 14-19, 2007.

PIAGET, J. Epistemologie des relations interdisciplinaires. In: CERI


(ed.). L'interdisciplinarité: problèmes d´enseignement et de recherche dans les
Universités. Paris: UNESCO/OCDE, 1972. p. 131-144 

PINHEIRO, R. Integralidade em saúde. In: PEREIRA, I. B.; LIMA, J. C. F. (orgs.).


Dicionário da educação profissional em saúde. 2. ed. Rio de Janeiro, EPSJV,
2008. p. 255-262. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/
l43.pdf. Acesso em: 4 maio 2020.

POTTER, V. R. Bioethics: bridge to the future. New Jersey: Prentice-Hall, 1971.

PROBST, L. F. et al. Impacto das crises financeiras sobre os indicadores de saúde


bucal: revisão integrativa da literatura. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.

210
24, n. 12, p. 4437-4448, dez. 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232019001204437&lng=en&nrm=iso. Acesso
em: 3 mar. 2020.

PRÜSS-ÜSTÜN, A.; CORVALÁN, C. Preventing disease through healthy


environments – Towards an estimate of the environmental burden of disease.
Geneva: World Health Organization, 2006.

PUTTINI, R. F.; PEREIRA JUNIOR, A.; OLIVEIRA, L. R. Modelos explicativos


em saúde coletiva: abordagem biopsicossocial e auto-organização. Physis, Rio
de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 753-767, 2010.

RABELLO, S. B.; CORVINO, M. P. F. A inserção do CD no Programa Saúde da


Família. Rev. Bras. Odonto., Rio de Janeiro, v. 58, p. 266-27, 2001.

REVERBEL, C. M. F. Desinstitucionalização a construção da cidadania e a


produção de singularidade. Psicologia, Ciência e Profissão, Brasília, v. 16, n.
1, p. 4-11, 1996. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pcp/v16n1/02.pdf.
Acesso em: 3 mar. 2020.

RIBEIRO, L. B. Cirurgia plástica estética em corpos femininos: a medicalização


da diferença. REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL:
ANTROPOLOGIA EM PERSPECTIVAS, 5., 2003, Florianópolis. Anais [...].
Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2003. p. 239-240.

RIOS, A. Medicina preventiva: tentativa de conceito. 1965. (Mimeografado).

ROCHA, J. S. Y.; LAPREGA, M. R. Os determinantes sociais da saúde. Política e


Gestão Pública em Saúde. São Paulo: Hucitec, p. 219-41, 2011.

ROSEN, G. Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1980.   

SANTOS, R. V. et al. Saúde dos povos indígenas e políticas públicas no Brasil.


In: GIOVANELLA, L. et al. (Org.). Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de
Janeiro: Fiocruz, v. 1, p. 1035-1056, 2008.

SCLIAR, M. História do conceito de saúde. PHYSIS, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1,


p. 29-41, 2007.

SILVA, A. C. D.; ENGSTRON, E.; MIRANDA, C. Fatores associados ao


desenvolvimento neuropsicomotor em crianças de 6-18 meses de vida inseridas
em creches públicas do Município de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Cad. Saúde
Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 9, p. 1881-1893, 2015.

SILVA, T. A. G. O Preso e o Direito Fundamental à Saúde. Conteúdo Jurídico,


Brasília-DF: 25 jan. 2011. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.
br/?artigos&ver=2.31019&seo=1. Acesso em: 31 mar. 2020.

211
SIQUEIRA, S. A. V. de; HOLLANDA, E.; MOTTA, J. I. J. Políticas de Promoção
de Equidade em Saúde para grupos vulneráveis: o papel do Ministério da
Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Manguinhos, v. 22, p. 1397-1397, 2017.

SKARE, T. L. Metodologia de ensino na preceptoria da residência médica.


Revista do Médico Residente, Curitiba, v. 14, n. 2, p. 1-5, 2012.

SMITH, K. R.; EZZATI, M. How environmental health risks change with


development: the epidemiologic and environmental risk transitions revisited.
Annual Review Environmental Resources, v. 30, p. 291-333, 2005.

SOARES, F. J. P.; SHIMIZU, H. E.; GARRAFA, V. Código de ética médica


brasileiro: limites
deontológicos e bioéticos. Rev. Bioét., Brasília, v. 25, n. 2, maio/ago. 2017.

SOTERO, M. Vulnerabilidade e vulneração: população de rua, uma questão


ética. Revista Bioética, Brasília, v. 19, n. 3, p. 799-817, 2011.

SOUZA, A. S. A interdisciplinaridade e o trabalho coletivo em saúde. Revista de


Atenção Primária à Saúde, Juiz de Fora, ano 2, n. 2, mar./jun. 1999. p. 10-14.

SOUZA, H. M. Programa Saúde da Família: entrevista. Revista Brasileira de


Enfermagem, Brasília, v. 53, n. especial, dez. 2000. 7 p.

SOUZA, P. N. P. História sumária do ensino superior brasileiro. In: SOUZA, P.


N. P. LDB e educação superior: estrutura e funcionamento. 2. ed. rev. e ampl.
São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2001. p. 7-18.

SOUZA, D. O.; SILVA, S. E. V.; SILVA, N. O. Determinantes Sociais da Saúde:


reflexões a partir das raízes da “questão social”. Saúde e Sociedade, São Paulo,
v. 22, n. 1, p. 44-56, 2013.

STARFIELD, B. Is US health really the best in the world? JAMA, [s.l.], v. 284, p.
483-485, 2000.

SUCUPIRA, A. C. S. L.; PEREIRA, A. A preceptoria na residência em Saúde da


Família. Sanare, Sobral, ano 5, n. 1. jan./mar. 2004.

SUSSER, M. Does risk factor epidemiology put epidemiology at risk? Peering


into the future. J. Epidemiol. Community Health, n. 52, p. 608-611, 1998.

TEJADA, C. A. O. et al. Crises econômicas, mortalidade de crianças e o papel


protetor do gasto público em saúde. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.
24, n.12, p. 4395-4404, dez. 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232019001204395&lng=en&nrm=iso. Acesso
em: 3 mar. 2020.

212
TESSER, C. D. Medicalização social e atenção à saúde no SUS. São Paulo:
Hucitec, 2010.

TESSER, C.; POLI NETO, P. Medicalização na infância e na adolescência:


histórias, práticas e reflexões de um médico da atenção primária. In: CRP-SP -
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DE SÃO PAULO. Medicalização de
crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a
doenças de indivíduos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.

TESTA, M. Pensar em saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

TEIXEIRA, C. F.; PAIM, J. S.;  VILASBOAS, A. L. SUS, modelos assistenciais e


vigilância da saúde. Informe Epidemiológico do SUS. v. 7, n. 2, p. 7-28, abr./
jun. 1998.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa


qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2010.

VALIM, E. M. A.; DAIBEM, A. M. L.; HOSSNE, W. S. Atenção à saúde de


pessoas privadas de liberdade. Revista Bioética, Brasília, v. 26, n. 2, p. 282-290,
2018.

VAZ, P. et al. O fator de risco na mídia. Interface, Botucatu, v. 11, n. 21, p. 145-
63, jan./abr. 2007.

VELEDA, A. A.; SOARES, M. C. F.; CÉZAR-VAZ, M. R. Fatores associados ao


atraso no desenvolvimento em crianças, Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil.
Rev. Gaúcha Enferm., Porto Alegre, v. 32, n. 1, p. 79-85, 2011.

VERDI, M. I. M. CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOÉTICA, 10., 2013,


Florianópolis. Apresentação [...]. Florianópolis: UFSC, 2013.

VERDI, M. I. M.; DA ROS, M. A.; CUTOLO, L. R. A. Saúde e sociedade.


Florianópolis: UFSC, 2010.

VILELA, E. M.; MENDES, I. J. M. Interdisciplinaridade e saúde: estudo


bibliográfico. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 11, n. 4, p. 525-
531, 2004. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-11692003000400016.
Acesso em: 3 mar. 2020.

VIRCHOW, R. Collected essays on public health and epidemiology. Science


History Publications, Maryland, v. 1., 1985.

WALDOW, V. R. A ação prescritiva do cuidado sob a ótica da análise do


discurso SP. Rev. NursIng, [s.l.], n. 12, ano 2, p. 24.31, maio 1999.

213
WCSDH – World Conference on Social Determinants of Health. Closing the
gap: policy into practice on social determinants of health. [internet], out. 2011.
Disponível em: http://www.who.int/sdhconference/Discussion-Paper-EN.pdf.
Acesso em: 20 abr. 2020.

WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e


Sociedade, São Paulo, v. 25, p. 535-549, 2016.

WHO – WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global Status Report on


Noncommunicable Diseases 2014. Geneva: WHO, 2014. 298 p. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/148114/9789241564854_eng.
pdf?sequence=1. Acesso em: 21 abr. 2020.

WHO – WORLD HEALTH ORGANIZATION. A conceptual framework


for action on the social determinants of health. Geneva: World Health
Organization, 2010.

WHO – WORLD HEALTH ORGANIZATION. Closing the gap in a generation:


health equity through action on the social determinants of health. Geneva, 2008.

WINKELMANN, M. C. das C. et al. Percepção das pessoas em situação de rua


sobre os Determinantes Sociais da Saúde. Revista de Enfermagem da UFSM,
Santa Maria, v. 8, n. 1, p. 88-101, 2018.

ZAMBONI, M. Travestis e transexuais privadas de liberdade: a (des)construção


de um sujeito de direitos. Revista Euroamericana de Antropologia, Salamanca,
v. 2, p. 15-23, 2016.

ZOBOLI, E. Ética do cuidado: uma reflexão sobre o cuidado da pessoa idosa na


perspectiva do encontro interpessoal. Saúde Coletiva, São Paulo, v. 4, n. 17, p.
158-162, 2007.

ZOLA I. Medicine as an institution of social control. Sociol. Ver., [s.l.], v. 20, n. 4,


p. 487-504, 1972.

ZORZANELLI, R. T.; CRUZ, M. G. A. The concept of medicalization in Michel


Foucault in the 1970s. Interface, Botucatu, v. 22, n. 66, p. 721-31, 2018.

214

Você também pode gostar