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Formas Democráticas

de Participação Social
e a Mediação Familiar,
Escolar e Comunitária
Prof.ª Cláudia Deitos Giongo
Prof.ª Ângela Martins Rorato

Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Prof.ª Cláudia Deitos Giongo
Prof.ª Ângela Martins Rorato

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

G496f

Giongo, Cláudia Deitos

Formas democráticas de participação social e a mediação familiar,


escolar e comunitária. / Cláudia Deitos Giongo; Ângela Martins Rorato. –
Indaial: UNIASSELVI, 2020.

222 p.; il.

ISBN 978-85-515-0426-0

1. Direito. - Brasil. 2. Legislação. – Brasil. 3. Família. – Brasil. I. Rorato, Ângela


Martins. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 340

Impresso por:
Apresentação
Caro acadêmico, pronto para apreensão de novos conhecimentos? Es-
peramos que sim. Antes de iniciarmos os estudos da Disciplina Formas Demo-
cráticas de Participação Social e a Mediação Familiar, Escolar e Comunitária
apresentamos um breve currículo das professoras autoras deste livro didático.

A prof.ª Cláudia Deitos Giongo é mestre em Serviço Social pela


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2000). Possui graduação
em Serviço Social pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1984).
Atua como professora universitária desde 1989 em diferentes instituições de
ensino tanto na graduação, quanto pós-graduação. No momento, atua como
professora e supervisora no DOMUS – Centro de terapia individual, casal e
família – parceria com a Faculdade Mário Quintana. É coordenadora do Curso
de Pós-Graduação Trabalho Social com Famílias e Comunidades. Atua como
uma das coordenadoras do Curso de Extensão em Mediação com parceria
da Defensoria Pública de Porto Alegre. É responsável técnica pelo Programa
DOMUS/SUAS. Atua como Mediadora Judicial e Extrajudicial. Presta serviços
de assessoria e capacitação a Prefeituras nas áreas de Gestão do SUAS, Modelo
Assistencial e Gestão do Trabalho. Tem experiência em ensino, pesquisa,
extensão universitária e consultoria nas áreas de política de assistência social,
família, mediação e redes sociais.

A professora e mediadora de conflitos Ângela Martins Rorato, é


especialista em educação, formada em Estudos Sociais (UNIFRA – 1989), atua
como professora em cursos de pós-graduação, em capacitação de mediadores
de conflitos e facilitadores de círculos de construção de paz para profissionais
das mais variadas áreas. Presta consultoria na área de comunicação para
diversas empresas e órgãos públicos. Atua como formadora e supervisora
do Curso de Extensão em Mediação em parceria com a defensoria Pública de
Porto Alegre. Atualmente, é consultora e assessora de coordenação do Projeto
de Implantação e Consolidação de Práticas Restaurativas na Socioeducação.
Palestrante na área de comunicação com foco em Comunicação não violenta,
capacitada pelo NY Center for Nonviolent Communication. Possui certificação
internacional em mediação de conflitos pelo ICFML e pelo IMAP.

Iniciaremos os estudos da disciplina apresentando, na Unidade 1, a


confluência de temas como participação, conflitos e comunicação. O Tópico
1 direciona o estudo para o tema participação social, buscando apresentar
discussões conceituais e perspectiva histórica sobre como a população
brasileira tem operado em termos de participação, considerando marcos legais
que impulsionam para isto, mesmo que correlações de forças, instituídas no
país, possam representar resistências. O tema cidadania e autonomia estão
correlacionados à ideia de participação da população em uma comunidade
política, o que gera comprometimento autônomo e pertencimento social. O
III
conteúdo apresenta discussões sobre a importância da internalização de
normas partilhadas, para que diferenças podem ser superadas por meio de
discussões públicas na ideia de bem comum. Disso advém a importância do
Tópico 2, que discorre acerca de entendimentos sobre a relação entre conflito
e comunicação assertiva. Apresenta a Moderna Teoria de Conflitos, que
propõe superar ideias pré-concebidas de entendimento do conflito como algo
a ser evitado. Neste mesmo tópico, é apresentada a teoria da Comunicação
Humana e a importância da comunicação não violenta. A discussão perpassa
a ideia da dificuldade em estabelecer processos comunicacionais, com
compreensão genuína sobre o que é dito, mesmo em um mundo cujos meios
de comunicação expandiram as fronteiras de forma inimaginável.

A Unidade 2 apresenta a Justiça Multiportas e suas especificidades


como uma das formas encontradas de resolução dos conflitos, com o objetivo
de oferecer possibilidades de conhecimento e análise para a busca de
soluções mais adequadas, em um tempo histórico de excessiva litigiosidade
e inseguranças jurídicas. No Tópico 1, o conteúdo apresenta, conceituação,
legislação e defesa e dados que defendem a importância do entendimento da
Justiça Multiportas no atual momento do país. No Tópico 2, são apresentados
os Meios Heterocompositivos com seus dois caminhos de solução de
conflitos: a Jurisdição e a Arbitragem. O texto ressalta a importância do
reconhecimento, semelhanças e diferenças entre eles e do entendimento
que a resposta da escolha se materializa através de sentença ou de laudo
arbitral. Já no Tópico 3, é apresentado informações sobre meios adequados
para superação da cultura litigiosa e dados sobre os esforços, empreendidos
em diferentes contextos, para que possa ser reconhecida a importância das
pessoas em situação de conflito se reconhecer protagonistas na identificação
de interesses e nos esforços para o seu alcance. O tópico oferece conteúdo
sobre a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e o Código de
Processo Civil de 2015 por representarem um marco no direito brasileiro por
viabilizar a construção de um processo civil e sistema de justiça multiportas,
bem como apresenta dados sobre Negociação, Conciliação e Mediação.

A Unidade 3 apresenta dados sobre contextos para utilização


da mediação como meio para resolução adequada de conflitos. O Tópico
1 se ocupa com a Mediação Familiar, oferecendo a oportunidade de
entendimentos sobre a dinâmica relacional da família que podem indicar
a necessidade da utilização da Mediação Familiar como método para a
superação de conflitos. Os Tópicos 2 e 3 se dedicam a apresentar dados
sobre o espaço escolar e o espaço comunitário como espaços onde conflitos
emergem cotidianamente, mas que podem ser espaços geradores de soluções.
Desta forma, apresenta a Mediação Escolar e a Mediação Comunitária como
espaço de construção de agentes para a solução de conflitos e fortalecimento
de espaços de participação social.

prof.ª Cláudia Deitos Giongo


prof.ª Ângela Martins Rorato

IV
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto


para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

UNI

Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos


materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais
os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais
que possuem o código QR Code, que é um código
que permite que você acesse um conteúdo interativo
relacionado ao tema que você está estudando. Para
utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos
e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar
mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!

V
VI
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer teu conhecimento, construímos, além do livro


que está em tuas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela terás
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares,
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar teu crescimento.

Acesse o QR Code, que te levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nessa caminhada!

VII
VIII
Sumário
UNIDADE 1 – PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS...........................................1

TÓPICO 1 – CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E POPULAR............................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................................3
2 SOMOS TODOS LIVRES E IGUAIS... SERÁ?......................................................................................3
3 DIREITOS POLÍTICOS, SOCIAIS E CIVIS.........................................................................................5
4 CIDADANIA NA ATUALIDADE: CIDADANIA FORMAL X CIDADANIA REAL....................7
5 MOVIMENTOS SOCIAIS NA ATUALIDADE................................................................................10
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................12
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................13

TÓPICO 2 – OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA..................................................................15


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................15
2 OS DIREITOS HUMANOS NA CONSULTA PÚBLICA.................................................................15
3 OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA.......................................................................................17
4 COMO INCENTIVAR A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA......................................................................20
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................24
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................25

TÓPICO 3 – SENSIBILIZAR PARA A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO...............................27


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................27
2 EDUCAÇÃO:AUTONOMIA E EMANCIPAÇÃO DOS SUJEITOS...............................................27
3 AMBIENTES EDUCATIVOS DEMOCRÁTICOS............................................................................32
4 REPENSANDO OS AMBIENTES EDUCATIVOS...........................................................................35
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................40
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................41

TÓPICO 4 – OS MOVIMENTOS SOCIAIS.........................................................................................43


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................43
2 A FORMAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS..............................................................................43
3 O MOVIMENTO SOCIAL TRADICIONAL E OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS...........46
4 MOVIMENTOS SOCIAIS, ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS...................................................48
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................52
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................53

TÓPICO 5 – TRAJETÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL.....................................55


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................55
2 MOVIMENTOS SOCIAIS E POPULARES.......................................................................................55
3 PARTICIPAÇÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO POPULAR E MOVIMENTOS SOCIAIS....................59
4 HISTÓRICO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL...........................................................62
RESUMO DO TÓPICO 5........................................................................................................................68
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................69

IX
TÓPICO 6 – CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS..................................................................71
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................71
2 MOVIMENTOS SOCIAIS....................................................................................................................72
3 PRIVAÇÃO RELATIVA.........................................................................................................................74
4 MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS.........................................................................................................75
5 O SEXO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS .........................................................................................76
6 NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS...................................................................................................77
7 TEORIAS DE MUDANÇAS SOCIAIS................................................................................................78
8 TEORIA EVOLUCIONISTA................................................................................................................79
9 TEORIA FUNCIONALISTA................................................................................................................80
10 TEORIA DO CONFLITO....................................................................................................................81
11 MUDANÇAS SOCIAIS MUNDIAIS................................................................................................82
12 RESISTÊNCIA ÀS MUDANÇAS SOCIAIS...................................................................................84
13 FATORES ECONÔMICOS E CULTURAIS......................................................................................84
14 RESISTÊNCIA À TECNOLOGIA......................................................................................................86
15 A TECNOLOGIA E O FUTURO.........................................................................................................88
15.1 INFORMÁTICA...............................................................................................................................88
RESUMO DO TÓPICO 6........................................................................................................................89
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................90

TÓPICO 7 – MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS................................................91


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................91
2 ESTADO, SOCIEDADE E DIREITOS HUMANOS..........................................................................91
2.1 ESTADO.............................................................................................................................................91
2.2 SOCIEDADE......................................................................................................................................92
2.3 DIREITOS HUMANOS....................................................................................................................94
3 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL........................................96
4 MOVIMENTOS SOCIAIS EM DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS......................................99
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................102
RESUMO DO TÓPICO 7......................................................................................................................105
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................106

UNIDADE 2 – OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS.....107

TÓPICO 1 – JUSTIÇA MULTIPORTAS.............................................................................................109


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................109
2 DEFINIÇÕES PRELIMINARES........................................................................................................109
3 COMPREENSÃO HISTÓRICA........................................................................................................110
4 LEGISLAÇÃO RELACIONADA......................................................................................................112
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................116
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................117

TÓPICO 2 – MEIOS HETEROCOMPOSITIVOS............................................................................119


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................119
2 JURISDIÇÃO........................................................................................................................................119
3 ARBITRAGEM – CONCEPÇÃO HISTÓRICA..............................................................................122
4 DEFINIÇÕES PRELIMINARES........................................................................................................122
5 PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTO .................................................................................................123
6 ARBITRO...............................................................................................................................................124
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................125
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................126

X
TÓPICO 3 – MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS.................................................................................129
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................129
2 LEGISLAÇÃO RELACIONADA......................................................................................................130
2.1 RESOLUÇÃO 125/2010 CNJ..........................................................................................................130
2.2 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 2015..........................................................................................131
3 NEGOCIAÇÃO ...................................................................................................................................131
3.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES....................................................................................................132
3.2 PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS.............................................................................................134
3.3 FASES DA NEGOCIAÇÃO ..........................................................................................................136
3.4 O NEGOCIADOR...........................................................................................................................137
4 CONCILIAÇÃO...................................................................................................................................137
4.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES....................................................................................................138
4.2 PROCEDIMENTO..........................................................................................................................139
4.3 TÉCNICAS ......................................................................................................................................141
5 MEDIAÇÃO..........................................................................................................................................144
5.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES....................................................................................................144
5.2 A PESSOA DO MEDIADOR.........................................................................................................145
5.3 FUNÇÕES DO MEDIADOR.........................................................................................................147
5.4 REGRAS E PRINCÍPIOS DA MEDIAÇÃO.................................................................................147
5.5 ESCOLAS OU MODELOS DA MEDIAÇÃO..............................................................................148
5.6 PROCEDIMENTOS........................................................................................................................149
5.7 TÉCNICAS PARA A CONDUÇÃO DE UMA MEDIAÇÃO ...................................................150
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................153
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................156
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................157

UNIDADE 3 – PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR


E COMUNITÁRIA.......................................................................................................159

TÓPICO 1 – MEDIAÇÃO FAMÍLIAR ...............................................................................................161


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................161
2 PERSPECTIVA HISTÓRICA DA MEDIAÇÃO FAMILIAR.......................................................161
3 FAMÍLIAS E FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS..........................................................................163
3.1 DINÂMICA RELACIONAL DA FAMÍLIA................................................................................165
4 DIVÓRCIO E SUAS FASES...............................................................................................................168
5 TEMAS PARA MEDIAÇÃO..............................................................................................................169
5.1 DIVÓRCIO.......................................................................................................................................170
5.2 GUARDA E PARENTALIDADE FUTURA DOS FILHOS........................................................170
5.3 PENSÃO ALIMENTÍCIA DOS FILHOS, TAMBÉM CHAMADA DE ALIMENTOS
AOS FILHOS....................................................................................................................................171
5.4 CUIDADO DE IDOSOS/DOENTES . ..........................................................................................172
5.5 RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE...............................................................................172
6 ÂMBITO DE ATUAÇÃO DA MEDIÇÃO FAMILIAR.................................................................173
7 PARTICULARIDADES DA MEDIAÇÃO FAMILIAR ................................................................173
8 TÉCNICAS DE MEDIAÇÃO FAMILIAR.......................................................................................175
9 MEDIABILIDADE...............................................................................................................................176
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................178
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................179

TÓPICO 2 – MEDIAÇÃO ESCOLAR ................................................................................................181


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................181
2 ESPACO ESCOLAR.............................................................................................................................181
3 CONFLITOS NO AMBIENTE ESCOLAR......................................................................................183
4 DIMENSÕES E FINALIDADES DA MEDIAÇÃO ESCOLAR..................................................184

XI
4.1 TÉCNICA DE INTERVENÇÃO NA GESTÃO E RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS ...........186
4.2 METODOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL......................................187
4.3 ESTRATÉGIA INTEGRADA DE PREVENÇÃO .......................................................................188
5 A ESTRUTURA DE UM PROJETO DE MEDIAÇÃO ESCOLAR .............................................189
5.1 DIAGNÓSTICO – LEVANTAMENTO DE DADOS..................................................................189
5.2 PLANO DE AÇÃO.........................................................................................................................190
5.3 SENSIBILIZAÇÃO..........................................................................................................................190
5.4 FORMAÇÃO: CAPACITAÇÃO TEÓRICA E PRÁTICA..........................................................190
5.5 INSTITUCIONALIZAÇÃO...........................................................................................................191
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................193
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................194

TÓPICO 3 – MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA ....................................................................................195


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................195
2 RELAÇÕES DE PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS.......195
3 PERSPECTIVA CONCEITUAL.........................................................................................................197
4 BREVE HISTÓRICO DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA .........................................................197
5 CARACTERÍSTICAS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA ........................................................199
6 FUNÇÕES DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA.............................................................................200
7 FASES DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA....................................................................................202
8 O PAPEL DO MEDIADOR COMUNITÁRIO ..............................................................................202
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................204
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................207
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................208

REFERÊNCIAS........................................................................................................................................209

XII
UNIDADE 1

PARTICIPAÇÃO SOCIAL E
MOVIMENTOS SOCIAIS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender o significado de participação social, cidadania e autonomia


na sociedade brasileira em uma perspectiva histórica;
• compreender a relação entre participação, cidadania, autonomia e
relações de conflito;
• identificar e reconhecer conceitos relacionados à comunicação e
comunicação não violenta;
• reconhecer a importância da comunicação humana no tratamento
positivo do conflito;
• identificar as questões relacionadas à cidadania em suas variadas formas
de participação;
• reconhecer como se dão os processos de participação no âmbito político,
social e popular;
• analisar as evoluções históricas dos movimentos sociais na contemporaneidade;
• entender a representatividade do conceito de direitos humanos nas con-
sultas públicas;
• identificar os distintos graus de participação pública;
• compreender as formas para incentivar a participação pública nas consultas;
• relacionar a prática educadora com os conceitos de autonomia e de eman-
cipação dos sujeitos;
• identificar os diversos ambientes educativos como espaços democráticos
que possibilitam uma troca de saberes e um mútuo enriquecimento;
• repensar a organização dos ambientes educativos para o favorecimento
da coletividade, da democracia e da participação;
• descrever a mobilização social em torno de um problema social específico
na formação dos movimentos sociais;
• identificar as demandas sociais de um movimento social tradicional e dos
novos movimentos sociais;
• relacionar movimentos sociais, Estado e políticas públicas;
• definir movimentos sociais populares;
• relacionar participação social, educação popular e movimentos sociais;
• reconhecer a trajetória dos movimentos sociais no Brasil;
• explicar a importância dos movimentos sociais em nossa sociedade;
• reconhecer a dimensão do conceito de democracia nas sociedades atuais;
• identificar os motivos que fizeram surgir os movimentos negros,
sindicais, socialistas, educacionais e liberais;
• descrever Estado, sociedade e Direitos Humanos;
• reconhecer a história e a evolução dos Direitos Humanos no Brasil;
• discutir sobre o papel dos movimentos sociais em defesa dos Direitos Humanos.

1
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em sete tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL


E POPULAR

TÓPICO 2 – OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

TÓPICO 3 – SENSIBILIZAR PARA A DEMOCRACIA E A


PARTICIPAÇÃO

TÓPICO 4 – O S MOVIMENTOS SOCIAIS

TÓPICO 5 – T RAJETÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

TÓPICO 6 – C IDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS

TÓPICO 7 – MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e


vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim
absorverá melhor as informações.

2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA,


SOCIAL E POPULAR

1 INTRODUÇÃO
Direitos, cidadania, participação popular e movimentos sociais se
tornaram temas frequentes nos pronunciamentos de governantes, políticos
de diferentes partidos, empresários brasileiros ou estrangeiros, estudantes,
trabalhadores e membros das camadas da sociedade que enfrentam as piores
condições de vida. Qual o significado de tais temas para indivíduos pertencentes
a grupos tão distintos?

A cidadania está relacionada ao surgimento do Estado moderno e


à expectativa de que este garanta aos cidadãos a conquista, manutenção e
ampliação dos direitos sociais por meio da ação dos indivíduos e de grupos que
lutam por uma sociedade mais justa e igualitária.

2 SOMOS TODOS LIVRES E IGUAIS... SERÁ?


Ao longo dos séculos, muitos foram os pensadores que afirmaram a ideia
de que os seres humanos nascem livres e iguais e têm garantidos determinados
direitos inalienáveis. Vejamos os mais expressivos.

O pensador inglês Thomas Hobbes (1588-1679), em seu livro Leviatã,


afirma que os seres humanos são naturalmente iguais e, devido ao excesso de
liberdade, lutam uns com os outros em defesa de seus interesses individuais,
sendo assim necessário um acordo (o qual ele denominava de contrato) entre
as pessoas. Ainda de acordo com o autor, para evitar a autodestruição, todos os
membros da sociedade devem renunciar à liberdade e dar ao Estado o direito de
agir em seu nome limitando os excessos.

Ainda seguindo uma linha contratualista, temos o pensador inglês


Jonh Locke (1632-1704), que afirma em sua obra Dois tratados sobre o governo,
que apenas os homens livres e iguais podem fazer um pacto com o objetivo
de estabelecer uma sociedade política. Vale ressaltar que esses homens livres e
iguais eram apenas os que tinham alguma propriedade a zelar.

Já para o pensador francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), no livro


Contrato social, publicado em 1762, a igualdade só faz sentido se for baseada na
liberdade. Segundo suas afirmações, a igualdade só pode ser jurídica: “todos
devem ser iguais perante a lei”.

3
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

DICAS

Contratualismo é um conjunto de correntes filosóficas que tenta explicar


a origem e a importância da construção das sociedades e das ordens sociais para o ser
humano. De um modo geral, o contrato social ou contratualismo consiste na ideia de
um acordo firmado entre os diferentes membros de uma sociedade, que se unem com o
intuito de obter as vantagens garantidas a partir da ordem social.

Vimos o cenário de final do século XVIII na Europa, onde as diferenças


entre camadas sociais eram evidentes e ao se propor a igualdade de todos perante
a lei, criava-se um direito igual para desiguais, ou seja, as pessoas não eram iguais
porque nasciam livres e iguais, e sim porque tinham os mesmos direitos perante a
lei, feita por quem dominava a sociedade. Será que algo mudou até o século XXI?
Continuemos com o nosso dètour desse breve contexto histórico! Colocando o
trabalhador como membro de uma classe e não como cidadão, temos o pensador
Karl Marx (1818-1883), afirmando que uma concepção de cidadania/cidadão
corresponderia a uma representação burguesa do indivíduo. Sua ideia de
democracia está baseada no critério de igualdade social, que só poderia se tornar
realidade através de uma revolução. Em seus escritos diferencia a emancipação
política da emancipação humana, destacando que apenas no século XIX é que se
reconheceu a ideia de direitos humanos, uma conquista dos trabalhadores em
contraponto às tradições históricas vigentes até então.

Apresentando cidadania vinculada à ideia de coesão social estabelecida


com base na solidariedade orgânica, temos o pensador Émile Durkheim (1858-
1917), afirmando que quando o indivíduo desempenha diferentes funções
sociais, este faz parte de uma sociedade que se apresenta como um organismo
estruturado. Cabe ao cidadão cumprir suas obrigações e desenvolver uma prática
social que vise a maior integração possível, pois ao participar da solidariedade
social, levando em conta as leis e a moral vigente em uma sociedade, o indivíduo
desenvolve plenamente sua cidadania.

Valendo-me das palavras de Marshall (1967), a cidadania é um status con-


cedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles
que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações perti-
nentes. Não há nenhum princípio universal que determine o que estes direitos e
obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em
desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação a qual o
sucesso pode ser medido e em relação a qual aspiração pode ser dirigida. Há que
se ressaltar que a classe social, por outro lado, é um sistema de desigualdade. E
como a cidadania, pode estar baseada num conjunto de ideais, crenças e valores.
É, portanto, compreensível que se espere que o impacto da cidadania sobre a
classe social tomasse a forma de um conflito entre princípios opostos.

4
TÓPICO 1 | CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E POPULAR

Esse breve détour nos permite afirmar que a cidadania tem sido uma ins-
tituição em desenvolvimento ao longo dos tempos. Desde a segunda metade
do século XVII, tal fato coincide com o desenvolvimento do capitalismo, que
é um sistema desigual. Como é possível que tais princípios opostos possam
crescer e florescer, lado a lado, em um mesmo lugar, cidade ou país? A questão
é pertinente, pois não há dúvida de que, no século XX, a cidadania e o sistema
de classe capitalista estão em guerra (MARSHALL, 1967). O contexto histórico
analisado por Marshall (1967), da relação entre cidadania e diretos, teve início na
década de 1960, o que será que mudou até o século XXI?

3 DIREITOS POLÍTICOS, SOCIAIS E CIVIS


Em seu livro Cidadania, classe social e status, Marshall (1967) deixa claro
que o conceito de cidadania só começa a aparecer nos séculos XVII e XVIII,
apresentando, de forma sutil, algumas formulações dos chamados direitos
civis. Na época em que escreve, suas preocupações estavam voltadas para a
garantia da liberdade religiosa e de pensamento, o direito de ir e vir, o direito
à propriedade, a liberdade contratual, a escolha do trabalho, e, finalmente, a
justiça, que devia salvaguardar todos os direitos citados anteriormente. Ainda
nessa época, não significava que os direitos civis eram de fácil acesso a todas as
pessoas, o cidadão que gozava de seus direitos era o indivíduo proprietário de
terras, o que demostra uma cidadania ainda restrita.

E os direitos políticos? Estes estão relacionados ao Estado democrático


representativo e envolvem os direitos eleitorais (a possibilidade de eleger
representantes e ser eleito). Inobstante os desdobramentos dos direitos civis, os
direitos políticos começaram a ser reivindicados por movimentos populares já
no século XVIII, mas, na maioria dos países, só se efetivou no século XX, com a
extensão do direito ao voto às mulheres. Assim, podemos afirmar que os diretos
políticos são, para o cidadão, o reconhecimento da lei quanto a sua capacidade
de participação na formação do governo e na tomada de decisões estatais. Se
de um lado a Constituição possibilita ao cidadão a participação na vida pública
estatal; do outro prevê normas que impedem o cidadão de exercer seus direitos
políticos, estamos falando, respectivamente, dos direitos políticos positivos e
negativos (Figura 1).

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UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

FIGURA 1 – CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS

FONTE: Adaptado de Marshall (1967)

E vamos chegando ao século XX dando vez aos direitos sociais, o que


possibilita aos indivíduos direito à educação básica e à assistência à saúde,
bem como a programas habitacionais, transporte coletivo, programas de lazer,
sistema previdenciário, acesso ao sistema judiciário, entre outros.

Assentados nos princípios da igualdade, os direitos civis, políticos e


sociais não podem ser considerados universais devido às variações existentes
em cada Estado e em determinada época. Vale aqui lembrar a diversidade de
sociedades que se estruturam de modo diferente e nas quais os valores, regras e
costumes diferem daqueles que predominam no ocidente. Inobstante toda essa
diferença, os países integrantes dos organismos mundiais que se propõem a
defender os direitos humanos devem assumir responsabilidade e assegurar esses
direitos a todos os seus cidadãos.

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TÓPICO 1 | CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E POPULAR

4 CIDADANIA NA ATUALIDADE: CIDADANIA FORMAL X


CIDADANIA REAL
Agora você já sabe que cidadania é o exercício dos direitos e deveres
civis, políticos e sociais estabelecidos na Constituição de um país. Também
podemos defini-la como a condição do cidadão, indivíduo que vive de acordo
com um conjunto de estatutos pertencentes a uma comunidade politicamente
e socialmente articulada. Uma boa cidadania implica que os direitos e deveres
estão interligados, e o respeito e cumprimento de ambos contribuem para uma
sociedade mais equilibrada e justa.

Entre alguns dos principais deveres e direitos dos cidadãos podemos


citar:

Deveres do cidadão

• Votar para escolher os governantes.


• Cumprir as leis.
• Educar e proteger seus semelhantes.
• Proteger a natureza.
• Proteger o patrimônio público e social do país.

Direitos do cidadão

• Direito à saúde, educação, moradia, trabalho, previdência social, lazer, entre


outros.
• O cidadão é livre para escrever e dizer o que pensa, mas precisa assinar o que
disse e escreveu.
• Todos são respeitados na sua fé, no seu pensamento e na sua ação na sociedade.
• O cidadão é livre para praticar qualquer trabalho, ofício ou profissão, mas a lei
pode pedir estudo e diploma para isso.
• Só o autor de uma obra tem o direito de usá-la, publicá-la e tirar cópia, e esse
direito passa para os seus herdeiros.
• Os bens de uma pessoa, quando ela morrer, passam para seus herdeiros.
• Em tempo de paz, qualquer pessoa pode ir de uma cidade para outra, ficar ou
sair do país, obedecendo a lei feita para isso.

Gerado a partir de lutas que ocorreram para estruturar os direitos


universais do cidadão, desde o século XVIII, muitas ações e movimentos
ocorreram para que se ampliasse o conceito e a prática de cidadania. O que
nos leva a afirmar que defender a cidadania é lutar por direitos e, portanto,
pelo exercício da democracia, que é uma constante criação de direitos. As
transformações ocorridas na sociedade atual são tão complexas e de tamanha
desigualdade que a divisão dos direitos do cidadão em civis, políticos e sociais já
não conseguem explicar por si só a dinâmica existente nesse processo, para tal,
podemos pensar em dois tipos de cidadania: a formal e a real (ou substantiva).

7
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

Cidadania formal refere-se à maneira como a cidadania está descrita


formalmente na lei, nas constituições nacionais, é a garantia que o indivíduo tem
para lutar legalmente por seus direitos, ou seja, é a que está na Constituição e em
outras leis mais específicas de cada país. Se não houvessem leis para determinar
nossos direitos, estaríamos nas mãos de uma minoria, por exemplo, a situação
vivida por escravos que não tinham direito algum.

Já a cidadania real ou substantiva, refere-se à maneira como a cidadania é


vivida na prática, no dia a dia. Através dela podemos ver que nem todos os seres
humanos são iguais socialmente, que a sociedade se estrutura desigualmente
e alguns grupos sofrem os mais diversos tipos de necessidades e preconceitos.
Por exemplo: um aluno de uma escola pública que não consegue competir em
condições de igualdade com um aluno de escola particular tem sua cidadania
“formal” conquistada, pois a lei lhe garante acesso à educação, contudo, a
cidadania “real” está bem longe de ser atingida. A mesma situação dos pobres,
dos negros, dos deficientes etc, que, em maior ou menor grau, conseguiram
reconhecimento “formal”, mas ainda tem um longo caminho para conquistar a
cidadania “real”.

O que isso infere? Ao analisarmos a cidadania substantiva percebemos


que, apesar das leis existentes, ainda não há igualdade entre todos os seres
humanos – entre homens e mulheres, negros e brancos, entre crianças, jovens e
idosos. Se tomarmos como exemplo um direito previsto em nossa Constituição, o
direito à vida e o direito de ir e vir, uma breve reflexão da realidade já nos permite
afirmar que não temos tais garantias, pois milhares de pessoas, principalmente
crianças, morrem de fome a todo instante, ou seja, essas pessoas não conseguiram
ter o seu direito à vida garantidos, o direito real e substantivo à cidadania.

E o tão falado direito de ir e vir, que é reconhecido desde o século XVII?


É atendido atualmente? Vemos constantemente nos meios de comunicação
o impedimento à livre circulação dos cidadãos em alguns lugares (ruas, vias
públicas) devido à violência ou porque são fechados por seguranças particulares.
Temos praias lindas, todas públicas, cujo acesso é vetado por pessoas que se
comportam como se fossem suas propriedades, nesses, como em tantos outros
casos que você deve estar imaginado, o direito de ir e vir não é respeitado.

Em uma análise mais detalhada dos direitos humanos na atualidade,


com o advento do mundo globalizado, as colocações do sociólogo Boaventura
de Souza Santos (2000) se tornam pertinentes e enriquecedoras para nossas
reflexões finais.

Em suas colocações, Santos nos aponta uma outra possibilidade para


a liberdade do conhecimento. Para que este se produza no interior da crítica,
sem abstrações alienantes e reconhecimentos incompletos, que levam à falsa
compreensão e encobrem os dramas vividos na sociedade. Nesse sentido, aponta
o início de uma outra cognoscibilidade do planeta, que conta com a possibilidade
de ser desvendado. A globalização é um todo sistêmico, desigual e combinado,
mas a mídia nos passa essa concepção como uma fábula.
8
TÓPICO 1 | CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E POPULAR

DICAS

Cognoscibilidade do planeta, segundo Santos (2000), é a possibilidade de


utilizarmos a unicidade das técnicas (as técnicas pensadas como família) e a convergência
dos momentos (unicidade dos tempos) para uma compreensão do mundo. Acessar
informação de diferentes lugares para um melhor entendimento do mundo.

Nesse sentido, a contradição se refaz na impossibilidade de produzir


uma informação libertadora e a alienação surge devido à globalização
financeira, a globalização do dinheiro, uma exacerbação dos processos de
exploração e alienação e de todas as formas de exclusão e violência. O que fica
para o ser comum é a burlesca do consumo, o fetiche se realiza na ocultação do
valor de troca e no falso evidenciamento do valor de uso.

ATENCAO

Alienação: atribuir ao fenômeno uma força que ele não tem, não revela o que
o real é, de fato.

A globalização está associada a vários termos, além dos inúmeros neo-,


pós- e –ismos, assim como os neologismos que procuram destruir a perspectiva
histórica, dando novos nomes a velhos processos, surgindo o pós-moderno, o pós-
industrial, o desenvolvimento sustentável, a exclusão social, conceitos estes que
procuram encobrir ao invés de revelar a natureza do capitalismo contemporâneo.
São velhos conceitos cultivados como novos.

Com o processo de globalização em aceleração intensa, os processos de


internacionalização e mundialização inerentes ao capitalismo, o desbloqueio
dos limites sociais impostos ao capital pelas políticas do Estado de bem-estar
social, cumprem um papel ideológico de encobrir os processos de dominação
e de desregulamentação do capital, instaurando o senso comum de que a
mundialização do capital favorece a todos. O que ocorre na verdade é mais
desigualdade entre as nações e os diversos grupos sociais, pois colocar todos no
mesmo plano constitui um erro teórico e histórico.

Para compreender esse novo contexto globalizado, são necessários dois


elementos fundamentais: a formação técnica e a formação política. Uma per-
mite a compreensão dos elementos tecnológicos que formam as composições

9
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

necessárias à produção, e a outra indica quais setores serão privilegiados com


a organização possível da produção. A partir dessa compreensão, a sociedade
pode abrir um novo paradigma social que pode se opor com superação da nação
ativa pela nação passiva.

De acordo com Santos (2000), a nação ativa está ligada aos interesses da
globalização perversa, nada cria e nem contribui para uma melhor formação de
mundo, ao contrário da nação dita passiva, que a cada momento cria e recria
uma nova forma de produzir o espaço social, mostrando que a atual forma
de globalização não é irreversível e a utopia é pertinente. Com base nessa
contestação, fundada na história real de nosso tempo, é que desejamos uma outra
globalização acessível a todos.

5 MOVIMENTOS SOCIAIS NA ATUALIDADE


Vamos iniciar conceituando o que são movimentos sociais. Segundo
Gohn (2007), são ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que
viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas de-
mandas. Na ação concreta, tais formas adotam diversas estratégias que variam
de simples denúncias, passando pela pressão direta (mobilização, marchas,
concentrações, atos de desobediência civil, negociações etc.) até as pressões
indiretas. Na atualidade, os principais movimentos sociais atuam por meio de
redes sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais, utilizando-se muito
dos meios de comunicação e informação como a internet. Exercitam assim o que
Habermas denominou de agir comunicativo. A criação e o desenvolvimento de
novos saberes são produtos dessa comunicabilidade (GOHN, 2007).

Aos movimentos sociais que acabamos de descrever anteriormente, é


preciso acrescentar alguns outros que poderíamos denominar de conjunturais,
que são os que duram alguns dias e desaparecem, retornando como uma fênix
em outros momentos com novas formas de expressão. Diferença e mobilidade se
fazem necessárias, pois é preciso analisar cada tipo de movimento para entender
as ideias que os motivam e sustentam suas ações, bem como seus objetivos.
Temos também os movimentos sociais atemporais, que se mantêm durante
longos anos e tendem a criar uma estrutura de sustentação e uma organização
burocrática. Os riscos dessa institucionalização podem resultar em uma “perda
de eficiência”, pois para continuar suas ações, precisam obter recursos e assumir
compromissos como gastos com funcionários e aluguel de sede, contas fixas
por mês, pessoal de apoio. A preocupação que doravante era organizar ações
efetivas, divide-se com a burocracia e preocupação de manter uma estrutura fixa,
mudando um pouco o foco de suas ações.

10
TÓPICO 1 | CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E POPULAR

Há os movimentos cujo objetivo é desenvolver ações que resultem em


mudanças que favoreçam a sociedade com base no princípio fundamental do
reconhecimento do outro, do “diferente”. Tais movimentos procuram dis-
seminar visões de mundo, ideias e valores que possibilitem a diminuição do
preconceito e discriminações que prejudicam as relações sociais. Podemos citar,
como exemplo os movimentos: étnico-raciais, minorias sexuais, feministas,
vegetarianos, pela paz e contra a violência.

Valendo-nos das palavras do sociólogo alemão Axel Honneth (2003, p.


256-257),

[...] as lutas sociais estão para além da defesa de interesses ou


necessidades, tendo como objetivo também o reconhecimento
individual e social. Quando um indivíduo se engaja em um
movimento social, procura fazer com que suas experiências com
os sentimentos desrespeito, vergonha e injustiça inspirem outros
indivíduos, de modo que sua luta se transforme em uma ação coletiva,
de reconhecimento pessoal e social, pois [...] uma luta só pode ser
caracterizada de “social” na medida em que seus objetivos se deixam
generalizar para além dos horizontes das intenções individuais,
chegando a um ponto em que eles podem se tornar uma base de
movimento coletivo.

11
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Ao longo dos séculos, muitos foram os pensadores que afirmaram a ideia de


que os seres humanos nascem livres e iguais e têm garantidos determinados
direitos inalienáveis, tais como: Thomas Hobbes, Jonh Locke, Jean-Jacques
Rousseau, Karl Marx, Émile Durkheim e Marshall.

• Thomas Hobbes afirma que os seres humanos são naturalmente iguais e,


devido ao excesso de liberdade, lutam uns com os outros em defesa de
seus interesses individuais, sendo assim necessário um acordo (o qual ele
denominava de contrato) entre as pessoas.

• Jonh Locke afirmava que apenas os homens livres e iguais podem fazer um
pacto com o objetivo de estabelecer uma sociedade política.

• Jean-Jacques Rousseau expõe que a igualdade só faz sentido se for baseada na


liberdade. Segundo suas afirmações, a igualdade só pode ser jurídica: “todos
devem ser iguais perante a lei”.

• Para Karl Marx a concepção de cidadania/cidadão corresponderia a uma


representação burguesa do indivíduo. Sua ideia de democracia está baseada
no critério de igualdade social, que só poderia se tornar realidade através de
uma revolução.

• Para Émile Durkheim quando o indivíduo desempenha diferentes funções


sociais, este faz parte de uma sociedade que se apresenta como um organismo
estruturado.

• Para Marshall a cidadania é um status concedido àqueles que são membros


integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais
com respeito aos direitos e obrigações pertinentes.

• O conceito de cidadania só começa a aparecer nos séculos XVII e XVIII.

12
AUTOATIVIDADE

1 Leia o trecho a seguir, da autoria de Maria da Glória Gohn:

"Não nos resta a menor dúvida de que a principal contribuição dos diferentes
tipos de movimentos sociais brasileiros nos últimos vinte anos foi no plano
da reconstrução do processo de democratização do país. E não se trata apenas
da reconstrução do regime político, da retomada da democracia e do fim
do Regime Militar. Trata-se da reconstrução ou construção de novos rumos
para a cultura do país, do preenchimento de vazios na condução da luta pela
redemocratização, constituindo-se como agentes interlocutores que dialogam
diretamente com a população e com o Estado". FONTE: GOHN, M. G. M. Os
sem-terras, ONGs e cidadania. São Paulo: Cortez, 2003 (adaptado).
Podemos afirmar que, no processo da redemocratização brasileira, os novos
movimentos sociais contribuíram para:

a) ( ) Diminuir a legitimidade dos novos partidos políticos então criados.


b) ( ) Tornar a democracia um valor social que ultrapassa os momentos
eleitorais.
c) ( ) Difundir a democracia representativa como objetivo fundamental da
luta política.
d) ( ) Ampliar as disputas pela hegemonia das entidades de trabalhadores
com os sindicatos.
e) ( ) Fragmentar as lutas políticas dos diversos atores sociais frente ao
Estado.

2 Da sequência de pensadores apresentados a seguir, está correta a opção na


qual todos partem do princípio contratualista (Contrato Social) em:

a) ( ) Marx, Thomas Hobbes e Rousseau.


b) ( ) Lênin, Rousseau e John Locke.
c) ( ) Thomas Hobbes, John Locke e Rousseau.
d) ( ) Marx, Rousseau e Bauman.
e) ( ) Simone de Beauvoir, Marx e Lenin.

13
14
UNIDADE 1
TÓPICO 2

OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

1 INTRODUÇÃO
Neste capítulo, você vai aprender sobre o direito que todo cidadão tem a
um meio ambiente saudável e que possibilite a sua manutenção para as gerações
futuras. Você vai estudar como a participação pública pode ser fundamental nas
ações decisórias das atividades que possam causar impacto ambiental. Apesar
de muito ter evoluído nesse sentido, a participação pública ainda é restrita. O
que é possível fazer para reverter esse quadro?

2 OS DIREITOS HUMANOS NA CONSULTA PÚBLICA


Entre as características de todo o processo de avaliação do impacto
ambiental, está a participação pública. Essa característica é muito compreensível
se considerarmos que as atividades podem gerar, além dos impactos, riscos
à vida. Assim, é muito diferente quando tratamos da viabilidade técnica e
econômica de um projeto, que pode ser analisada exclusivamente pela empresa
responsável pela atividade, em relação à viabilidade ambiental.

ATENCAO

Uma atividade pode causar impactos ambientais potenciais, afetando,


degradando e consumindo recursos naturais. Se isso ocorre, pode atingir, por exemplo,
uma comunidade que esteja instalada em determinado local e utilize as reservas naturais
para sua sobrevivência.

15
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

Dessa forma, o direito do ser humano a um ambiente sadio, atual e


futuro, é um direito reconhecido por lei, mas isso não significa que é garantido
e facilmente obtido. Esse direito passou a existir em meados do século XX, por
meio de leis nacionais e acordos internacionais. Dentre esses tratados, podemos
exemplificar as declarações de Estocolmo e do Rio de Janeiro, promovidas pela
ONU. Ambas garantem que exista um ambiente saudável e equilibrado ao ser
humano. Esses importantes marcos podem ser representados pelo princípio 10
da Declaração do Rio de Janeiro (1992):

A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a


participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados.
No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às
informações relativas ao meio ambiente de que disponham as
autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais
e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a
oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados
irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular,
colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado
o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive
no que se refere à com- pensação e reparação de danos.

Outra convenção muito importante no marco dos direitos humanos


ao meio ambiente foi a Convenção Internacional de Aarhus, entre os países
europeus e os da Ásia Central, cujas características são descritas conforme segue:

• acesso à informação;
• participação no processo decisório;
• acesso à informação ambiental (trâmites judiciais).

Apesar de ter sido um acordo entre os países europeus e da Ásia Central,


as suas premissas são de alcance global, sendo um excelente instrumento para
tratativas de questões ambientais e participação pública. Cabe ressaltar que,
quando essa declaração foi assinada, muitos países já tinham leis e regimentos
semelhantes aos princípios da declaração, o que proporcionou, inclusive, o
fortalecimento e a difusão dos mesmos. Assim, houve um passo significativo no
âmbito internacional do reconhecimento dos direitos humanos a um ambiente
saudável.

DICAS

A Convenção de Aarhus, em seu artigo 4º, aborda que os governos devem


divulgar espontaneamente o acesso à informação ambiental para a sociedade, sem que a
mesma expresse o seu desejo. Já no Brasil, essa abordagem é difundida pela Lei Federal n°
10.650 (BRASIL, 2003).

16
TÓPICO 2 | OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

No artigo 6° da Convenção de Aarhus, trata-se da decisão do público


sobre algumas atividades, principalmente quando elas afetam o meio ambiente.
Em seu Anexo I, são listadas uma série delas, sobre as quais serecomenda que
a população opine antes que os órgãos responsáveis decidam sobre a execução
ou não de uma atividade. Assim, deve-se informar, por exemplo, qual atividade
interessa realizar, que procedimentos que serão utilizados como objeto de decisão,
quanto representa a participação da população, qual seria o órgão responsável
por fornecer as informações à população, além dos prazos relacionados à
atividade. Parece simples, mas, na prática, existe alguma limitação.

Em relação ao conteúdo que o público, veja a seguir um resumo do que se


pode consultar:

• Descrição do local e das características físicas e técnicas das atividades.


• Síntese das principais soluções e alternativas estudadas.
• Descrição dos efeitos importantes da atividade sobre o meio ambiente.
• Resumo não técnico dos itens precedentes.
• Descrição das medidas para precisão e prevenção/redução de efeitos.

Note que todas essas prerrogativas lembram muito o conteúdo de um


estudo de impacto ambiental. Outro detalhe interessante sobre a Convenção de
Aarhus se refere ao artigo 9°, que trata do direito legal ao acesso à informação.

Para isso, ela deve seguir prazos acessíveis e ter custos acessíveis,
garantindo não só a informação aos dados ambientais, como também a
participação pública no processo decisório. Você sabia que o Brasil apresenta
um grande avanço nesse sentido? A Lei Federal n° 7.347 de 1985 (BRASIL, 1985)
fortaleceu os preceitos de aplicação da lei ambiental e ganhou mais força quando
se integrou à Constituição de 1988 e ao Ministério Público.

3 OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA


Você sabia que é fundamental que exista a participação pública
conjuntamente aos órgãos competentes na decisão sobre os estudos ambientais?
Além de muito importante, ela pode ser motivada por três grandes aspectos.
O primeiro deles seria um caráter mais ético, o segundo por princípios de
igualdade e justiça e o terceiro se relaciona com motivos puramente funcionais,
tendo em vista que a participação pública garante que o processo de decisão seja
mais eficiente, verdadeiro, garantindo a sua rápida implementação.

Quando pensamos em consulta pública, participações ou mesmo na


necessidade do envolvimento público em um processo decisório de matéria
ambiental, é possível construir um pensamento crítico da seguinte forma:

• Que tipo de participação seria?


• Quais os limites da participação popular?
• Até que ponto o governo poderia ceder seu poder em prol de um plebiscito?
17
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

Cabe ressaltar que, muitas vezes, a participação pública se limita a ouvir


a opinão da população sobre determinada atividade, permitindo que a mesma
acesse dados antes restritos e possa opiniar sobre os mesmos. Existe, na ver-
dade, uma esperança de que a vontade popular seja respeitada por parte dos
órgãos responsáveis por decidir sobre uma atividade. A participação pública,
na realidade, representa mais uma maneira formal de ordenar as discussões,
por meio de canais de expressão da voz popular. Apesar de ser prevista em lei,
qual seria a sua real efetividade no processo de decisão? A Figura 2 expressa as
diferentes formas de participação da população emuma democracia e, da mesma
forma, pode ser aplicada aos processos ambientais.

FIGURA 2 – AS FORMAS DE EXPRESSÃO DO CIDADÃO EM UMA DEMOCRACIA

Possibilidade
de expressão
cidadã em uma
democracia

Representação
(Eleições, Plebicitos Participação
e Conselhos)

Ação sob convite Ação autônoma


(Planejamento (Lobby, Petições,
Participativo, Manifestações,
Consulta Pública Campanhas na
e Mediação) imprensa etc.)

FONTE: Adaptada de Sánchez (2013)

Assim, a participação pública pode apresentar uma manifestação


tipicamente tradicional (eleições e plebiscitos) ou alternativas (passeatas,
abaixo-assinados, campanhas de mídia e outras ações). Se não existirem meios
formais para que ocorra, ela acaba por ser caracterizada por manifestações
autônomas e espontâneas. Da mesma forma, a ausência de canais de consulta
pública torna menos transparentes as decisões tomadas, permitindo, inclusive,
que grupos de interesse (político e econômico) se aproveitem das situações em
seu favor, ou seja, aprovar um projeto mesmo com a possibilidade de impacto
ambiental significativo. E como você acha que isso pode impactar na imagem
dos governantes?

18
TÓPICO 2 | OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

A participação pública não deve ser encarada como tentativa de criar um


mecanismo justificado por uma lei, mascomo uma maneira da democracia ser
expressa pelas parcelas da populaçãocom sua opinião a respeito de determinada
atividade. A audiência pública, um dentre muitos graus de participação pública,
busca integrar nichos da sociedade que não têm fácil acesso a determinadas
estâncias de discussão, complementando o direito de liberdade e expressão dos
cidadãos.

Observando a Figura 2, vemos que a participação pública é iniciada


quando é feito um “convite”; as pessoas são capazes de se expressar em
determinado momento do processo, a partir da liberação das informações da
atividade, para que possam formular seus questionamentos. Como se trata
de um regime democrático, não significa que a participação se limite apenas
a canais formais. Na verdade, ela pode ocorrer durante todo o momento
informalmente. Com base nos tratados internacionais, há uma imposição
aos governos para que permitam a participação dapopulação dentro de um
processo de AIA, ficando apenas sob responsabilidade desses governos definir
os mecanismos e regras para que ela ocorra.

Como a participação pública envolve pessoas com graus de formação


e níveis culturais diferentes, o diálogo pode variar bastante, ainda mais se
considerarmos que muitas empresas responsáveis pela atividade solicitam
que seus representantes sejam suas vozes nessas participações. Para isso, é
fundamental que esses profissionais, que serão a voz das empresas junto à
população, saibam entender e transmitir corretamente as informações.

Os graus de participação pública são apresentados na Figura 3,


representada pela Escala de Arnstein, na qual são atribuídos graus.

FIGURA 3– ESCALA DE GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NAS DECISÕES

Graus de poder Graus de Graus de não


do cidadão deferência participação

8º - Controle 5º - Conciliação
2º - Terapia
7º - Delegação 4º - Consulta
1º - Manipulação
6º - Parceria 3º - Informação

FONTE: Adaptada de Arnstein (1969)

Segundo a escala de Arnstein, a participação pública pode conter certo


grau de manipulação, muitas vezes mascarada sob os nomes de educação
e informação. Em especial, os graus 3 e 4 (informação e consulta) não
representariam uma real participação, já que o público não tem nenhum grau
sobre a decisão tomada.

19
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

Até mesmo o grau 5 (conciliação), que não passaria de uma formalidade


para apaziguar as opiniões, não permitiria à população expressar a sua opinião.
Apenas os graus de 6 a 9 constituiriam uma verdadeira participação, ou seja,
a parceria seria uma verdadeira negociação e, na delegação, as decisões
seriam tomadas pelos representantes públicos. Cabe ressaltar que esse estudo
mencionado surgiu nos EUA antes da participação pública em AIA e que o termo
se refere mais a outros tipos de questões de natureza não ambiental.

Outro tipo de participação pública é expresso no modelo de Eidsvik


(Figura 4), no qual, a partir de sete estágios de participação, a consulta pública é
posicionada no meio do processo. Assim, a decisão partilhada e o planejamento
conjunto são posicionados diretamente abaixo. Nesse modelo, o envolvimento
público é muito mais focado na consulta eseria estimulado pelas organizações
por evitar problemas, impedir confrontos, com grande possibilidade de obter,
inclusive, o apoio e a colaboração dos envolvidos. Dessa forma, a participação
pública seria mais fortemente concentrada na etapa de consulta. Cabe ressaltar
que, mesmo com uma grande pressão popular e com a opinião da grande
maioria sobre um tema, a autoridade pode vir a decidir contrariamente à decisão
popular; entretanto, essa decisão pode inviabilizar politicamente um projeto.
Você lembra de quando questionamos o impacto sobre os governantes no caso
de não existir tanto espaço para a participação pública?

FIGURA 4– PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NO PROCESSO DECISÓRIO


Poder decisório da
organização

Informação Persuasão Consulta Parceria Controle

Participação do público
nas decisões
FONTE: Adaptada de Sánchez (2013)

4 COMO INCENTIVAR A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA


Um dos grandes desafios na participação pública está em como estimulá-
la. Como vimos, a Constituição da República de 1988 (BRASIL, 1988) definiu meio
ambiente, em seu artigo 225°, como “bem de uso comum do povo e es sencial à
sadia qualidade de vida” e impôs ao “Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Assim, foi definida
a democratização do direito ao acesso aos recursos ambientais, com a qual todos
devem cuidar pela manutenção qualidade ambiental. Especificamente em seu
artigo 5°, garante que a informação aos processos ambientais seja garantida ao
cidadão, mas será que na prática ela é?

20
TÓPICO 2 | OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

Vimos diversos mecanismos de participação popular, tanto formais


quanto informais. Se está garantido em lei e existem muitos caminhos para que
a população exerça seu direito de ser ouvida, por que na prática ainda parece
que essa participação é tão pequena? A participação pública tem sua origem
na sociologia política e reflete, resumidamente, a ideia de atuação da sociedade
civil, esperando que o poder público corresponda eticamente, socialmente
e comprometidamente com os valores e atribuições a serem respeitados e
valorizados.

Cada um de nós é responsável por sua parte em relação aos valores


ambientais, devendo, inclusive, exigir não apenas dos governos, mas das
próprias parcelas da sociedade, que cada um exerça sua parte na preservação do
meio ambiente.

Você, como cidadão, deve esperar que a sociedade assuma um papel


ativo, sem interesses e solidário, com muita ética, pelo fato de lidarmos com
bens que são fundamentais à preservação da vida. O espírito de coletividade
deve prevalecer com um único objetivo: preserver o patrimônio ambiental de
nosso país.

A participação pública bem organizada é capaz de opinar na organização


do espaço urbano, na construção de equipamentos públicos, além de poder se
envolver em aspectos administrativos e na prestação de serviços públicos.

ATENCAO

Vale lembrar que a participação não é uma decisão exclusiva dos cidadãos.
Ela envolve, também, a participação de autoridades governamentais e técnicas. Assim,
por mais que a participação pública se intensifique, não será em todas as esferas que
ela conseguirá o mesmo efeito, justamente porque muitas decisões não dependem da
população.

O passo inicial para que a voz da população ganhe força é obter as


informações da atividade potencial causadora do impacto. A Lei n° 6.938/1981
(BRASIL, 1981), que institui a Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA,
decretou que o Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente, o Re-
latóriode Qualidade do Meio Ambiente (divulgado anualmente pelo IBAMA)
e a garantia da prestação de informações acerca do meio ambiente fossem
divulgados pelo poder público. A Lei Federal n° 10.650, de 2003, determina o
acesso público aos dados e às informações existentes nos órgãos e nas entidades
integrantes do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente). Os docu-
mentos a serem divulgados à população devem ser escritos, visuais, sonoros ou
mesmo eletrônicos e devem se referir aos temas apresentados na Figura 5.

21
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

FIGURA 5 – INFORMAÇÕES A SEREM DIVULGADAS À POPULAÇÃO.

Qualidade do
meio ambiente

Organismos Políticas, Planos e


geneticamente Programas causadores
modificados de impacto

Resultados de
Diversidade monitoramento e
biológica auditoria, além de
planos de
recuperação

Substâncias tóxicas Acidentes,


e perigosas situações de risco
ou emergências
ambientais
Emissão de
efluentes líquidos
e gasosos, produção
de resíduos sólidos.

Apesar de valiosa, a Lei de Informação ao Cidadão ainda não consegue


obrigar que os governos entreguem a informação dentro de prazos razoáveis
e sem subjetividade. Muitas vezes, esses fatores limitam que a população
se manifeste em tempo. O Estado é responsável não apenas por produzir a
informação, mas também por atualizá-la e divulgá-la de forma pró-ativa, como já
mencionamos anteriormente.

UNI

A informação que deve chegar à população por parte do poder público pode
abranger, por exemplo, pedidos de licenciamento e emissão dessas licenças, documentos
que solicitem a supressão vegetal, autos de infração, Termos de Compromisso e
Ajustamento de Conduta, registros de apresentação do EIA, bem como aprovação e
rejeição do mesmo. Apesar dessa quantidade de informação, o que será que ainda falta
para que a participação popular seja mais efetiva?

22
TÓPICO 2 | OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

Uma das formas é que a população saiba onde procurar as informações


necessárias e consiga elaborar um pensamento crítico sobre as mesmas. O SINIMA
disponibiliza ao público todas as informações, os documentos e processos
administrativos que estejam relacionados à gestão ambiental. Podemos, assim,
dizer que esse é um instrumento que busca o fortalecimento da cidadania
ambiental. Esse Sistema está formatado sobre três eixos principais, conforme
apresentado a seguir:

• Eixo 1: Ferramentas de acesso à informação.


• Eixo 2: Integração e compartilhamento das bases de informação ambiental.
• Eixo 3: Sistematizações do processo de produção, coleta e análise estatística
para elaboração de indicadores ambientais e de desenvolvimento sustentável.

O SINIMA foi desenvolvido para que fosse utilizado por meio de softwares
livres, coma integração das bases de dadoscom recursos tecnológicos. Dentro do
SINIMA, existem vários sistemas governamentais, não governamentais.

Outro recurso a favor da divulgação de informação para a população é


o PNLA (Portal Nacional de Licenciamento Ambiental), que objetiva divulgar
informações mais voltadas a licenciamentos ambientais em âmbito nacional.
Ele integra o SINIMA e foi desenvolvido para compor e sistematizar todas as
informações acerca do licenciamento ambiental nas esferas federal, estadual,
distrital e municipal. Essa ferramenta está em constante adaptação e sua
versão atual permite que o usuário acesse as licenças emitidas, as legislações
relacionadas, além de dispor gratuitamente publicações e contatos dos órgãos
licenciadores. Uma nova versão do PNLA está em discussão pelo CONAMA
ebusca facilitar ainda mais o acesso do cidadão comum, contribuindo com a
democratização do acesso à informação.

Vimos que a informação existe, então o que realmente falta? Falta que
a população aprenda a utilizá-la. Nesse quesito, o Governo poderia estimular
ainda mais, ensinando a correta forma de buscar o pensamento crítico sobre
o tema, facilitando a linguagem cada vez mais e promovendo ações de edu-
cação ambiental, por exemplo. Além disso, a participação popular precisa ser
organizada, legítima e integrada aos meios formais e informais. Dessa maneira,
estaremos caminhando em direção a uma sociedade que, além de cobrar o seu
direito, saberá fazê-lo corretamente.

UNI

Você pode obter mais informações sobre o SINIMA e o PNLA acessando os


links a seguir.
• SINIMA (Ministério do Meio Ambiente): https://goo.gl/xX9ayj
• PNLA: https://goo.gl/nvEpof

23
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O direito do ser humano a um ambiente sadio, atual e futuro, é um direito


reconhecido por lei, mas isso não significa que é garantido e facilmente obtido.

• Outra convenção muito importante no marco dos direitos humanos ao meio


ambiente foi a Convenção Internacional de Aarhus, entre os países europeus e
os da Ásia Central.

• São características da Convenção Internacional de Aarhus:


o acesso à informação;
o participação no processo decisório;
o acesso à informação ambiental (trâmites judiciais).

• Quando pensamos em consulta pública, participações ou mesmo na


necessidade do envolvimento público em um processo decisório de matéria
ambiental, é possível construir um pensamento crítico da seguinte forma:
o Que tipo de participação seria?
o Quais os limites da participação popular?
o Até que ponto o governo poderia ceder seu poder em prol de um plebiscito?

• Um dos grandes desafios na participação pública está em como estimulá-la,


ou seja, como incentivar a participação pública da população brasileira.

24
AUTOATIVIDADE

1 Durante a implantação de uma atividade extrativista do solo, a empresa


se preocupa com possíveis manifestações de comunidades da região. Para
isso, ela busca uma forma de minimizar possíveis discórdias.

Com base nas alternativas a seguir, qual delas você sugeriria?

a) ( ) Divulgar a informação formalmente por meio do órgão ambiental.


b) ( ) Apresentar os relatórios técnicos com base em laudos e certificados de
profissionais renomados.
c) ( ) Solicitar que seja feita uma audiência pública em que o representante
do órgão ambiental poderá expor a situação.
d) ( ) Apresentar informações corretas por meio de linguagem de fácil
assimilação.
e) ( ) Tratar diretamente com o representante do governo para evitar conflitos
diretos.

2 A participação pública na AIA parece ser incipiente em vários lugares


do mundo. Um dos aspectos que ainda precisa ser melhorado está
relacionado em como promover uma participação pública eficaz, na qual os
empreendedores, as comunidades, os órgãos ambientais e as ONGs possam
atuar para que os benefícios da participação pública sejam plenamente
alcançados.

Assim, como a participação social torna o processo de AIA mais efetivo?

a) ( ) Quando ela ocorre apenas em momentos necessários do processo, não


gerando ruídos desnecessários.
b) ( ) Quando são utilizados meios que envolvam a população desde o
processo de AIA.
c) ( ) Quando são identificados os papéis dos atores envolvidos no processo.
d) ( ) Quando há um envolvimento total da população, mesmo que não seja
de forma organizada.
e) ( ) Quando a lei que garante a participação pública é cumprida.

25
26
UNIDADE 1
TÓPICO 3

SENSIBILIZAR PARA A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Atualmente, o Brasil tem um sistema de governo democrático, que se
baseia nos princípios da participação e do envolvimento coletivo nos assuntos
de interesse dos cidadãos. Para o sistema educacional brasileiro, os princípios
democráticos também são norteadores das ações educativas.

A escola é a instituição encarregada de promover as aprendizagens


necessárias para que os estudantes desenvolvam sua cidadania, percebam a
importância da manutenção de um ambiente democrático e sejam capazes de
agir por si próprios com criticidade e responsabilidade. Para que se possam
atingir os objetivos de uma prática educacional voltada à participação de todos
da comunidade escolar, é necessário que os ambientes educacionais sejam
repensados e preparados para essas finalidades.

Neste capítulo, você vai estudar os conceitos de autonomia e eman-


cipação dos sujeitos a partir das práticas educacionais. Também vai identificar
os ambientes educativos presentes na escola, associando-os com espaços
democráticos estruturados para a troca de conhecimentos e o enriquecimento
mútuo dos profissionais da educação e seus alunos.

Além disso, vai ver como os ambientes da escola podem ser repensados
e organizados para favorecer a participação da coletividade e reafirmar os
princípios democráticos.

2 EDUCAÇÃO: AUTONOMIA E EMANCIPAÇÃO DOS SUJEITOS


Reconhecer que a sociedade passou por inúmeras mudanças nas últimas
décadas ajuda você a entender o conceito de autonomia. Afinal, sem autonomia
você não seria capaz de perceber que hoje as pessoas são conduzidas a viver
de acordo com o estilo de vida produzido por uma sociedade organizada pela
lógica do capital, do consumo e da concorrência.

27
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

O conceito de autonomia está ligado à independência, à capacidade


que as pessoas têm de determinar e conduzir suas vidas. Essa tarefa se torna
muito complexa na sociedade contemporânea, porém ela faz toda a diferença
na tomada de decisões conscientes e na análise mais apurada das situações. A
escola é uma instituição social que se encarrega (ou deveria), desde os primeiros
anos de escolarização (na educação infantil), de proporcionar aos alunos o
desenvolvimento de sua autonomia, tornando-os capazes de resolver por si só
seus conflitos cotidianos. Esses conflitos incluem desde os mais simples, como o
controle dos esfíncteres nas crianças do berçário, até as abstrações e formulações
de hipóteses mais complexas e o traçado de cenários futuros no ensino médio.

Segundo Nogaro e Nogaro (2007, p. 11),

[...] a autonomia tem como princípio o atendimento da necessidade e


orientação humana de liberdade e independência, que lhe garantem
espaços e oportunidades para a iniciativa e a criatividade, as quais são
impulsionadoras do desenvolvimento pessoal e organizacional.

Dessa forma, para que a escola possa desenvolver a autonomia de seus


alunos, os espaços escolares e as práticas educacionais devem possibilitar esses
exercícios de liberdade e independência. Isso pode ferir o estatuto disciplinar
da escola ou mesmo as normas estabelecidas no interior dela. Como exemplo,
considere uma escola que preza, em seu regimento e em seu projeto político-
pedagógico, pelo desenvolvimento da autonomia dos sujeitos e dos princípios
democráticos. Contudo, nas práticas cotidianas desenvolvidas pelos professores
em sala de aula, os alunos não podem manifestar-se, sendo coibidos de participar
ou nem sequer sendo questionados sobre os formatos adotados para as aulas.

Marchesi (2006, p. 27) adverte que:

[...] aumentar o espaço para a autonomia das escolas e dos professores


é lhes oferecer, e lhes exigir, uma maior responsabilidade. Reduzir esse
espaço, ou não facilitar os meios para se mover dentro de seus limites,
contribui para reduzir a responsabilidade individual e coletiva.

Cabe a reflexão sobre o quanto os profissionais da educação são respon-


sáveis pelo desenvolvimento da autonomia daqueles a quem ensinam. Será
que os educadores simplesmente consideram que seus alunos devem agir
passivamente, sem desenvolver seu espírito crítico?

A autonomia se encontra fortemente relacionada com a emancipação


do sujeito, com a sua condição de agir de forma coerente com uma melhor lei-
tura de mundo, de sua realidade social e de sua capacidade de mudança. A
emancipação do sujeito:

[...] pode ser entendida como a capacidade do homem de, a partir


da reflexão das incertezas da contemporaneidade e de perceber as
contradições dialéticas do contexto social, se restituir como sujeito
autônomo (processo de subjetivação) mediante o exercício de pensar
criticamente sua condição humana [...] (MEDEIROS, 2015, documento
on-line).
28
TÓPICO 3 | SENSIBILIZAR PARA A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO

Logo, esses exercícios de reflexão sobre as incertezas e contradições con-


temporâneas devem ser propostos no interior das escolas para a formação de
uma geração de adultos mais capazes de produzir atitudes condizentes com a
construção de um mundo melhor. A emancipação do sujeito ocorre a partir do
momento em que ele se torna capaz de perceber como a sua subjetividade vem
sendo construída, produzida a partir de uma série de fatores que estão à sua
volta. Para entender melhor, observe a Figura 6, a seguir.

FIGURA 6 – FATORES IMPORTANTES NA CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE.

Fatores Fatores Fatores Fatores


Econômicos Sociais Políticos Culturais

Emancipação do Sujeito

A subjetividade é constituída a partir de interações com os campos


sociais (pessoas com quem se vive e interage), culturais (ensinamentos recebidos
dos grupos sociais), econômicos (fatores que integram a materialidade da vida, a
condição de classe etc.) e políticos (condição daqueles que governam e da forma
como as pessoas se articulam no espaço democrático). Dessa forma, o sujeito
emancipado é aquele que, ao analisar esses campos que o constituem, consegue
perceber a importância e as articulações que existem entre eles.

ATENCAO

A subjetividade pode ser definida como os aspectos internos, íntimos de


cada pessoa. Ela envolve o modo como a pessoa se relaciona consigo mesma e com
outras pessoas, como ela interpreta o mundo em que vive, por meio de suas emoções,
sentimentos e pensamentos. A subjetividade é construída a partir das experiências que
cada um vivencia nos mais diversos campos sociais de que participa. É por isso que as
pessoas são diferentes, singulares e únicas.

De acordo com Freire (1997, p. 66), “[...] o respeito à autonomia e à


dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou
não conceder uns aos outros”. Dessa forma, é imperativo para um educador
promover o desenvolvimento da autonomia em seus alunos. Bittar (2007, p. 2),
ao analisar o conceito de autonomia, afirma que ela se verifica:

29
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

[...] na capacidade de analisar e distinguir, para o que é necessária a


crítica, pois somente ela divisa o errado no aparentemente certo, o
injusto no aparentemente justo. O educando deve ser estimulado a
perceber estas diferenças e a reagir a elas quando necessário.

Novamente, você deve notar o papel do professor como aquele


responsável pela mediação do processo de aprendizagem de seus alunos em
busca do despertar para a criticidade. Lembre-se sempre de que os alunos são
diferentes e, dessa maneira, apresentam necessidades de apoio e intervenção do
professor em momentos distintos e graus diferentes.

Outro aspecto de extrema importância para o docente que deseja


exercer uma postura crítica, promovendo reflexões que produzam autonomia
e emancipação em seus alunos, é o fato de não se manter somente preso aos
conteúdos que devem ser ensinados. O professor deve ir além e fazer com que
o cotidiano da vida de seus alunos seja vivenciado e problematizado a partir de
suas aulas.

Afinal:

[...] a capacidade crítica se adquire com permanente olhar dedicado


aos deslocamentos da vida social, cuja consciência histórica deve
ser trazida à visão do aluno, não importando se o curso seja de
matemática, biologia, física ou geografia, se de sociologia ou de
psicologia (BITTAR, 2007, p. 3).

Ou seja, todas as disciplinas ensinadas na escola fazem parte desse


conjunto maior, dessa matriz que possibilita viver em sociedade. Por isso, devem
ser aprendidas sem que o aluno perca a capacidade de localizá-las e articulá-
las com as características da vida social. Os conhecimentos escolares não se
encontram separados, fragmentados ou dissociados entre si da vida cotidiana.
Eles ocorrem simultaneamente, quebrando as ideias cartesianas e positivistas
ainda hoje utilizadas nas escolas.

DICAS

O termo “cartesiano” refere-se a René Descartes, que criou o método científico,


tão utilizado na ciência. Tal método procura dividir o fenômeno em frações para que seja
mais facilmente analisado, o que ocasionou a divisão do ensino em disciplinas, seguindo
suas premissas.

Por sua vez, as ideias positivistas remetem ao positivismo, corrente de pensamento


educacional e filosófico moderna que enxerga na ciência a explicação verdadeira e válida
para todas as coisas.

30
TÓPICO 3 | SENSIBILIZAR PARA A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO

Para desenvolver autonomia, capacidade crítica e emancipação dos


sujeitos, melhor seria o uso de outras práticas além da disciplinar, como você
pode ver no Quadro 1, a seguir.

QUADRO 1 – INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSDISCIPLINARIDADE

Observação da realidade a partir de uma base de


Disciplinar
conhecimentos.

Observação da realidade realizada por disciplinas do


Multidisciplinar
conhecimento isoladamente.

Observação da realidade realizada por várias disciplinas


Pluridisciplinar
do conhecimento, havendo troca entre elas.

Observação da realidade realizada por meio da transfe-


Interdisciplinar
rência de conhecimento de uma disciplina para outra.

Observação da realidade realizada na interseção dos


Transdisciplinar
conhecimentos das disciplinas.

FONTE: Adaptado de Iarozinski Neto e Leite (2010)

Você deve refletir sobre a construção da sua própria autonomia, assim


como das condições que possibilitam a você pensar criticamente. Nesse sentido,
deve verificar se tal construção se associa com o período de sua escolarização
inicial. Como você pode notar, é importante que os professores transcendam as
metodologias e tendências pedagógicas mais tradicionais, focadas unicamente
nos conteúdos.

A ideia é que os professores façam conexões entre diferentes saberes,


entre os mais variados aspectos da vida dos seus alunos. Isso, além de propor
o desenvolvimento da autonomia, da criticidade e da emancipação, costuma
despertar o interesse e motivar para novos desafios. Faça um esforço e procure
lembrar como eram os professores que mais ficaram na sua lembrança. Eles
agiam da mesma forma que os demais ou pareciam inovar e propor novos
formatos ao ensinar suas disciplinas?

DICAS

Um sujeito emancipado é aquele capaz de analisar os aspectos de sua vida e


fazer escolhas mais apropriadas, tendo assim maior liberdade.

31
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

3 AMBIENTES EDUCATIVOS DEMOCRÁTICOS


O homem se diferencia dos demais animais porque possui condições
de produzir os mais diversos conhecimentos dos quais necessita para a mate-
rialidade da sua vida. Além disso, e principalmente, ele se distingue pela sua
capacidade de ensinar aos seus descendentes. Essas ações humanas de ensinar
e aprender ocorrem nos grupos em que os indivíduos convivem, constituindo
sua cultura.

A cultura é formada também pelos diversos fatores que estão na socie-


dade, envolvendo os aspectos econômicos, sociais e políticos. Nessas áreas são
produzidas ideias, conceitos e discursos que chegam às pessoas e aos quais elas
podem aderir ou não, exercitando assim a sua autonomia e a sua subjetividade.
Atualmente, no Brasil, há um sistema político denominado democracia
representativa, caracterizado pela possibilidade de os cidadãos elegerem os
representantes que atuarão em seu nome na condução do País. A democracia não
se resume somente ao conceito de sistema político e às suas características, pois
envolve a participação das pessoas em todas as áreas da nação, desempenhando
seu papel de cidadãs.

Desde a Constituição Federal de 1988, e principalmente após a Lei de


Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB), a gestão democrática
se constitui como o modelo de gestão que deve ser utilizado nas escolas do
sistema educacional brasileiro. A LDB atual explicita, em seu art. 3°, que “[...]
o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VIII — gestão
democrática do ensino público, na forma da Lei e da legislação dos sistemas de
ensino” (BRASIL, 1996, documento on-line).

Essa gestão democrática ocorre a partir dos espaços abertos para a


participação da comunidade escolar no interior da escola. Por exemplo: os
conselhos escolares, as associações de pais e mestres, os grêmios estudantis, as
vagas reservadas para pais representantes de escolas no Conselho Municipal de
Educação, bem como o próprio processo de escolha dos gestores da escola pela
comunidade escolar por meio de eleições diretas. A promoção da democracia na
escola também se dá por meio da análise de outros elementos que compõem o
ambiente educativo, como você pode ver na Figura 7, a seguir.

32
TÓPICO 3 | SENSIBILIZAR PARA A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO

FIGURA 7 – COMPONENTES DO AMBIENTE EDUCATIVO

Diversidade
Canais de
Planejamento
Comunicação
Didática

Recursos Interações

Estrutura
física

A estrutura física da escola pode ser mais ou menos democrática quando


é pensada para incluir todos os alunos. As salas de aula, com as suas medidas
e a organização de seus espaços, as mobílias utilizadas e a sua disposição, os
materiais escolares existentes e disponíveis aos alunos, os banheiros, as pias e os
bebedouros, as salas de atividades múltiplas, o refeitório, a cozinha, as quadras
poliesportivas, as pracinhas, os auditórios, o pátio aberto ou fechado e todos os
outros espaços e elementos devem ser pensados para contemplar todos os alunos
e especialmente aqueles com necessidades educativas especiais. São muitos os
aspectos que envolvem a estrutura física da escola e que devem ser considerados
quando se pensa nas finalidades desse ambiente educacional.

Os aspectos da didática utilizada pelo professor, que muito dizem a res-


peito da tendência pedagógica à qual ele se filia, também são importantes na
construção do ambiente educativo. As metodologias adotadas pelo docente são
diretamente proporcionais ao retorno que ele terá da turma em que o processo
de ensino e aprendizagem é realizado. Freire (2003, p. 86) esclarece que “[...] o
fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e
dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto
fala ou enquanto ouve”. A didática utilizada em sala de aula pelo docente acaba
sendo decisiva, muitas vezes, para as respostas que ele terá de seus alunos, para
definir se conseguirá motivá-los ou despertar sua curiosidade e seu interesse em
aprender.

O planejamento se alia com a didática, pois por meio dele são previstas
as estratégias metodológicas mais adequadas, que podem levar ao alcance dos
objetivos propostos para aquela aula ou para o projeto em questão. Esse elemento
é essencial para que sejam previamente analisados os espaços de participação dos
alunos no decorrer das aulas. Os recursos aqui também devem ser considerados,
pois, ao planejar, o professor e o gestor da escola precisam avaliar a dimensão
dos elementos necessários. A ideia é evitar, assim, a frustração de um mal
planejamento, de modo que os recursos não sejam suficientes, ou, pior ainda,
excluam alguns alunos de famílias mais vulneráveis da participação em alguma
atividade proposta.

33
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

As interações ocorridas dentro do ambiente educativo são importantes


quando se pretende que o diálogo se estabeleça. Caso contrário, serão coibidas
e até mesmo evitadas. É a partir das interações professor-aluno e aluno-aluno
que podem ser reconhecidos pontos em comum e aproveitadas as experiências e
vivências de cada um em busca da troca e do enriquecimento mútuo dos saberes.
Freire (2003) propõe a ideia de que o ensinar exige do professor o saber escutar.
Ele ressalta que “[...] uma das tarefas essenciais da escola, como centro de pro-
dução sistemática do conhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade
das coisas e dos fatos e sua comunicabilidade” (FREIRE, 2003, p. 123).

Para que a comunicabilidade se efetive, são necessários canais, propostos


pela escola ou pelo professor em sala de aula, em que a participação dos
sujeitos pode ocorrer. Para que os alunos e demais membros da comunidade
escolar manifestem suas ideias, precisam visualizar que existe um canal aberto
para isso. Caso contrário, a comunicação e, consequentemente, a participação
deixarão de ocorrer.

Outro aspecto que merece destaque e que tem sido muito enfatizado nas
políticas públicas educacionais na contemporaneidade diz respeito ao direito
de todos a uma educação de qualidade, o que na escola está relacionado à
diversidade. Todos têm direito a um ambiente educativo que os considere em
equidade de condições, independentemente de seu gênero, de sua origem étnico-
racial, de sua religião ou de sua orientação sexual. A busca por uma cultura de
paz e de propagação dos direitos humanos deve estar presente no interior das
escolas, evitando preconceitos e discriminações de qualquer ordem.

ATENCAO

A didática hoje é normalmente entendida a partir do processo de ensino


e aprendizagem. Nesse processo, se encontram envolvidos os aspectos inerentes ao
professor e seus conteúdos (planejamento, metodologia etc.), o que se refere ao ensino. Já
a aprendizagem se localiza no aluno, que é o centro do processo. Essa nova maneira de
entender o processo educacional desloca a figura do professor como aquele que detém e
transfere o conhecimento. Hoje, o professor tem o papel de mediador, de orientador das
atividades cotidianas de sala de aula.

34
TÓPICO 3 | SENSIBILIZAR PARA A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO

4 REPENSANDO OS AMBIENTES EDUCATIVOS


A escola também deve atuar de forma democrática, propondo aos seus
estudantes espaços onde possam se manifestar e se organizar de forma coletiva e
individual sempre que for necessário. A escola contemporânea no Brasil, porém,
em alguns momentos não promove a participação tanto da comunidade escolar
como dos próprios alunos em sala de aula. Portanto, você deve se esforçar agora
para repensar essa escola, propondo uma nova organização para os ambientes
educativos. A ideia é aliar a escola e os princípios democráticos para de fato
formar um aluno autônomo e emancipado, pela via do conhecimento e da
criticidade de sua leitura de mundo.

Primeiro, você deve considerar alguns aspectos históricos relacionados


à finalidade da educação e ao surgimento das escolas ao redor do mundo no
século XVIII. Esse início estava muito atrelado ao projeto civilizador moderno,
que entendia que por meio da escolarização seriam incutidos os padrões com-
portamentais típicos de um ser civilizado, que poderia viver socialmente sem
maiores problemas. Como a educação escolar era um privilégio de poucos, do
clero e dos monarcas num primeiro momento, escolarizar os demais membros
da sociedade (os pobres principalmente) era uma tarefa extremamente disci-
plinar, que associava rigor com castigos físicos.

Nessas primeiras escolas, a disposição das classes nas salas de aula


favorecia a vigilância do mestre, que sentava sobre um tablado, num nível
mais elevado do que o dos alunos, o que reforçava a sua autoridade e o seu
protagonismo em sala de aula. Ao aluno cabia ouvir, responder quando
solicitado e manter-se em silêncio no restante do tempo. Os alunos que erravam
eram castigados e, inclusive, humilhados publicamente na frente de seus colegas
para que servissem de exemplo.

A escola atual, embora tenha se modificado em vários dos aspectos cita-


dos, ainda mantém resquícios dessa organização inicial. Alguns professores
adotam práticas autoritárias em suas aulas, coibindo a participação dos alunos,
reiterando pedidos de silêncio e mantendo a busca pelo controle e pelo domínio
de classe. Esses professores colocam-se ainda como o centro do processo de
ensino, não percebendo que a ênfase atual é na aprendizagem, e não só no ensino,
e o protagonismo deve ser do aluno e não mais do professor. É interessante
você perceber esse deslocamento das tendências da didática, pois ele se reflete
diretamente nos papéis dos sujeitos presentes em sala de aula, como você pode
ver na Figura 8, a seguir.

35
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

FIGURA 8 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS IDEIAS CENTRAIS DA DIDÁTICA.

Ênfase no ensino

Ênfase na aprendizagem

Transmissão de conhecimentos

Atividades para pensar e refletir

Reforços para atingir comportamentos

Desenvolvimento de competências

Como você viu, o centro do processo de ensino e aprendizagem hoje é


o aluno, que é o sujeito que deve desenvolver as competências necessárias.
Além disso, busca-se agir de forma democrática em sala de aula. Portanto, nada
mais coerente do que o aluno participar ativamente das atividades realizadas
no interior dos ambientes educativos nos quais se insere, manifestando suas
opiniões, estabelecendo suas hipóteses, agindo de forma individual e coletiva,
interagindo com seus colegas e professores para que todos saiam dessa
experiência enriquecidos. Dessa forma, cabe às escolas romper com o modelo
tradicional de educação e propor metodologias mais colaborativas. A ênfase deve
estar na resolução de problemas e desafios. O professor passa a ser um orientador
para que o aluno faça bom uso inclusive das tecnologias para o aprimoramento
da aprendizagem.

UNI

Para conhecer melhor os aspectos relativos aos valores democráticos e a sua


articulação com a educação, assista ao vídeo “O que é educação para a democracia?”, da
Câmara dos Deputados, disponível no link a seguir.

https://goo.gl/p7A1mW

36
TÓPICO 3 | SENSIBILIZAR PARA A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO

Agora você vai conhecer dois modelos de escolas que podem servir de
inspiração para que as escolas do sistema educacional brasileiro adaptem sua
organização e seu funcionamento em torno dos princípios da participação e do
desenvolvimento da autonomia dos alunos: a Escola da Ponte, em Portugal, e a
rede de escolas de educação infantil públicas de Reggio Emilia, na Itália. Ambas
se destacam internacionalmente pelos seus projetos pedagógicos diferenciados e
de vanguarda.

As escolas de educação infantil de Reggio Emilia apresentam


características particulares na sua organização e nos aspectos curriculares que
conduzem o dia a dia das crianças e professores. Katz (1999) comenta algumas
diferenças: o uso de projetos de longo prazo que norteiam os trabalhos e o amplo
uso das linguagens gráficas pelas crianças para representarem visualmente o que
pensam e o que sentem. Além dos projetos,

[...] jogos espontâneos com blocos, dramatização, brincadeiras


ao ar livre, audição de histórias, encenação de papéis, culinária,
tarefas domésticas e atividades ligadas à arrumação pessoal, bem
como atividades de pintura, colagem e trabalhos com argila estão
disponíveis a todas as crianças diariamente (KATZ, 1999, p. 45).

Não existe uma rotina fixa para os alunos, na qual mecanicamente


tenham de realizar ações e respeitar as pausas cotidianamente estabelecidas pelo
professor. O relacionamento professor-aluno tem como foco o próprio trabalho
que desenvolvem e o uso de todas as possíveis linguagens é incentivado, para
que as crianças exponham o que estão aprendendo e como estão se apropriando
dos conhecimentos no interior da escola. Além disso, “[...] as crianças são livres
para trabalhar e brincar sem interrupções frequentes e transições tão comuns na
maioria de nossos programas para a primeira infância” (KATZ, 1999, p. 50).

No Brasil, muitas vezes a rotina das escolas de educação infantil é regu-


lada pelos horários dos lanches, por exemplo, ou da escrita das agendas pelas
professoras, o que faz com que toda a parte pedagógica tenha que se adaptar
a isso. O trabalho dos professores em Reggio Emilia ocorre em parceria: um
complementa o outro sempre que necessário. Além disso, existe um espaço
comum a todas as turmas da escola, que é o ateliê, onde os mais diversos tipos
de materiais podem ser explorados por alunos e professores, organizados
previamente a partir da atelierista da escola.

Malaguzzi (1999, p. 87) ainda acrescenta mais um tópico importante


sobre as escolas de Reggio Emilia, que é o uso da criatividade: “[...] a criatividade
exige que a escola do saber encontre conexões com a escola da expressão,
abrindo as portas (e este é o nosso slogan) para as cem linguagens da criança”.
Enfim, utilizar-se das múltiplas linguagens que a criança pode manifestar dentro
da escola garante que ela efetivamente participe, seja considerada seriamente
em relação ao que traz consigo e protagonize o processo de aprendizagem,
desenvolvendo-se assim plenamente e afirmando sua autonomia.

37
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

A participação das famílias na escola ocorre a partir da diversidade de


oportunidades abertas para que a interação ocorra. As famílias estão presentes
não somente em reuniões sistemáticas ou entrega de avaliações, mas na discussão
dos temas a serem trabalhados. Elas também atuam para mediar conflitos ou
aumentar o engajamento em oficinas e laboratórios, passeios, etc., de acordo com
a disponibilidade dos pais.

Já a Escola da Ponte, segundo Alves (2007), apresenta também uma


proposta curricular diferenciada, adaptada tanto ao interesse dos alunos
quanto aos seus níveis de desenvolvimento. Os estudos são interdisciplinares e
normalmente em grupos. Os alunos utilizam a internet sempre que possível para
a busca das informações necessárias. Outro aspecto interessante é o convívio de
crianças de faixas etárias diferentes, de modo que os mais velhos (ou que mais
aprenderam) ensinam aos menores. O autor afirma que na Escola da Ponte o que
mais se evidencia entre os alunos é a linguagem, a comunicação por meio de
inúmeros canais, inclusive por intermédio de computadores. O autor resume sua
experiência na Escola da Ponte da seguinte maneira:

Escola da Ponte: um único espaço, partilhado por todos, sem


separação por turmas, sem campainhas anunciando o fim de uma
disciplina e o início da outra. A lição social: todos partilhamos de um
mesmo mundo. Pequenos e grandes são companheiros numa mesma
aventura. Todos se ajudam. Não há competição. Há cooperação. Ao
ritmo da vida: os saberes da vida não seguem programas. É preciso
ouvir os "miúdos", para saber o que eles sentem e pensam. É preciso
ouvir os "graúdos", para saber o que eles sentem e pensam. São as
crianças que estabelecem as regras de convivência: a necessidade do
silêncio, do trabalho não perturbado, de se ouvir música enquanto
trabalham. São as crianças que estabelecem os mecanismos para lidar
com aqueles que se recusam a obedecer às regras (ESCOLA DA PON-
TE, 2007, documento on-line).

A Escola da Ponte promove a autonomia de seus alunos a partir de


sua liberdade e da possibilidade de as crianças agirem pelos seus interesses de
aprendizagem. Tal como ocorre na vida em sociedade, as regras de convivência
e os comportamentos vão sendo moldados de acordo com as situações e as
necessidades. Isso prepara os alunos para viverem em sociedade de forma mais
humana e democrática. Cury (2007, p. 493), ao analisar a importância da gestão
democrática nas escolas, afirma o seguinte:

A escola é uma instituição de serviço público que se distingue por


oferecer o ensino como um bem público. Ela não é uma empresa de
produção ou uma loja de vendas. Assim, a gestão democrática é,
antes de tudo, uma abertura ao diálogo e à busca de caminhos mais
consequentes com a democratização da escola brasileira em razão de
seus fins maiores postos no artigo 205 da Constituição Federal.

38
TÓPICO 3 | SENSIBILIZAR PARA A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO

A Constituição Federal de 1988 estabelece como objetivos a serem


perseguidos pela educação escolar o “[...] pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
(BRASIL, 1988, documento on-line). Dessa forma, desenvolver-se plenamente
significa ser capaz de analisar os aspectos da vida e tomar decisões, realizar
escolhas conscientes e críticas (autonomia).

Como você sabe, a própria cidadania envolve a capacidade de reconhecer


direitos e deveres individuais e coletivos. Logo, um bom cidadão, autônomo
e emancipado para a vida e para o trabalho, é produzido também a partir de
sua vida escolar. Por isso, os ambientes educacionais devem ser repensados e
reorganizados para promover ainda mais tais aspectos, qualificando a vivência
social democrática.

UNI

Leia o relato a seguir para ver como o conteúdo deste capítulo pode ser
aplicado ao cotidiano das escolas:

“Certa vez, ao visitar uma escola de educação infantil no papel de conselheiro municipal
de educação, percebi que, ao me deslocar pela escola com duas professoras, éramos
acompanhados por uma aluna. A criança constantemente chamava uma das professoras
que caminhava ao meu lado, porém era ignorada. Depois de assistir por mais de 10
vezes a aluna interpelar a professora sem receber atenção, eu questionei a professora
perguntando-lhe porque não respondia à criança. Ela me respondeu que a aluna passava
o dia todo assim. Refleti com essa professora sobre a necessidade de escutar e responder
às crianças desde a primeira infância, pois faz parte de seu processo de desenvolvimento
questionar e requerer atenção. Para que se formem cidadãos conscientes, autônomos e
críticos, precisamos ouvir e respeitar os alunos desde pequenos, pois todas essas vivências
são importantes para a produção de suas subjetividades”.

39
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Sem autonomia você não seria capaz de perceber que hoje as pessoas são
conduzidas a viver de acordo com o estilo de vida produzido por uma
sociedade organizada pela lógica do capital, do consumo e da concorrência.

• O conceito de autonomia está ligado à independência, à capacidade que as


pessoas têm de determinar e conduzir suas vidas.

• O homem se diferencia dos demais animais porque possui condições


de produzir os mais diversos conhecimentos dos quais necessita para a
materialidade da sua vida.

• Além disso, e principalmente, ele se distingue pela sua capacidade de ensinar


aos seus descendentes.

• Essas ações humanas de ensinar e aprender ocorrem nos grupos em que os


indivíduos convivem, constituindo sua cultura.

• A cultura é formada também pelos diversos fatores que estão na sociedade,


envolvendo os aspectos econômicos, sociais e políticos. Nessas áreas são
produzidas ideias, conceitos e discursos que chegam às pessoas e aos
quais elas podem aderir ou não, exercitando assim a sua autonomia e a sua
subjetividade.

• A escola também deve atuar de forma democrática, propondo aos seus


estudantes espaços onde possam se manifestar e se organizar de forma coletiva
e individual sempre que for necessário.

40
AUTOATIVIDADE

1 O aprendizado é uma atividade inerente à constituição do sujeito e, nesta


perspectiva, todos somos aprendizes. Os vínculos entre educação e a
formação humana não podem ser prescindidos de aspectos importantes
como a emancipação e a autonomia dos sujeitos. Por isso, é mister
considerar que cada um de nós é um agente ativo na construção dos
saberes e não apenas um mero receptor. Relacionando, pois, estas ideias,
com a educação formal, ofertada pelas diversas instituições de ensino, é
possível considerar que:

a) ( ) A escola deve focar-se em seus objetivos, a saber, a sistematização dos


conhecimentos e a transmissão de conteúdos.
b) ( ) A educação formal gera sujeitos emancipados, na medida em que os
apresenta um modelo ideal de conduta e de comportamento.
c) ( ) Educar para a emancipação auxilia a organização social em prol da
participação na construção de uma democracia efetiva.
d) ( ) Emancipar significa tornar o sujeito completamente livre dos
condicionamentos impostos pela natureza e pela sociedade.
e) ( ) O vínculo entre formação e educação estabelece uma etapa da vida que
só termina quando o indivíduo alcança a emancipação.

2 A crise de valores éticos e relacionais na contemporaneidade tem levado


à busca de novas formas de organização política e de participação social.
Também no ambiente educacional, há uma necessidade de se repensar
a hierarquia das relações profissionais, a relação aluno-educador e as
exigências curriculares frente à capacidade humana de tecer novas relações
e novos saberes. Neste contexto, marque a alternativa CORRETA:

a) ( ) As estruturas consolidadas, como o sistema educacional, não são


passíveis de mudanças, o que agrava a crise contemporânea.
b) ( ) A educação enobrece o homem e suas relações sociais, mas ela perde
suas forças quando o ato de educar torna-se uma profissão.
c) ( ) Seria utópico pensar a organização do trabalho em vista do bem-estar
dos sujeitos, pois, em sua essência, ele é um mal necessário.
d) ( ) Cada trabalhador é um sujeito ativo na construção das relações sociais,
tanto em sua produção material quanto intelectual.
e) ( ) Historicamente, o Ocidente está habituado a um tipo de organização
trabalhista que privilegia as relações igualitárias entre os sujeitos.

41
42
UNIDADE 1
TÓPICO 4

OS MOVIMENTOS SOCIAIS

1 INTRODUÇÃO
Neste capítulo, você vai ver que as mobilizações sociais em torno de
um objetivo comum a um grupo de pessoas não são organizações recentes. Na
verdade, a organização social em prol de uma causa é uma prática política antiga
e pode levar a situações extremas, como insurgências, revoltas e até revoluções.
As principais revoluções conhecidas se iniciaram a partir de um ideal e um
objetivo compartilhado por um grupo de pessoas.

Na modernidade, porém, os movimentos sociais passaram a ser


elementos de diálogo entre sociedade civil e Estado, e também elementos
de diálogos internos aos tecidos sociais. Você vai ver que, ainda que o desejo
de se agrupar por uma causa seja antigo, os modelos de atuação, associação
e desenvolvimento dos movimentos sociais se alteram a partir do tipo de
sociedade na qual se inserem e, essencialmente, a partir da combinação entre
contexto político, histórico, econômico e cultural.

Por isso, ao longo deste texto, você vai conhecer os aspectos históricos
da formação dos movimentos sociais. Também vai identificar as diferenças
entre as demandas dos movimentos sociais tradicionais e as demandas dos
novos movimentos sociais. Por fim, vai ver como os movimentos sociais e as
suas demandas por diálogo se relacionam com o Estado na busca por políticas
públicas que atendam às suas necessidades.

2 A FORMAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS


Os movimentos sociais são hoje uma das formas mais comuns de
mobilização para a visibilidade de demandas sociais específicas. Você sabe como
eles surgiram? A mobilização de pessoas em torno de uma demanda pode não
parecer recente, mas hoje assume formas de organização e articulação diferentes
das que possuía no passado.

43
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

Até o início do século XX, as mobilizações sociais tinham um caráter


iminentemente político. Setores sociais se reuniam em prol da manutenção de
um ideal político ou da transformação de um ideal. Você pode observar esse tipo
de movimento no século XVIII, no período que antecedeu a Revolução Francesa,
ou no Brasil do século XIX, nas organizações abolicionistas. No entanto, esses
movimentos partiam do pressuposto de que uma ideia, uma parte da estrutura
ou mesmo todo o regime político vigente deveria ser alterado. Por isso, embora
partissem de setores sociais, eram considerados articulações políticas.

Na virada do século XX, os movimentos sociais começam a assumir


características semelhantes às que possuem hoje. Os Estados totalitaristas
que eclodiram na Europa após a Primeira Guerra Mundial fizeram com que
as sociedades democráticas olhassem para as suas possibilidades políticas, e
o espaço público se abriu para o diálogo entre a sociedade e o Estado (HA-
BERMAS, 1968). Assim, alguns setores sociais se organizaram em torno de
pautas que interessassem exclusivamente ao grupo, pedindo ao Estado as
mudanças necessárias. Além disso, eles se organizavam para protestar quando
era necessário.

Nesse momento, os integrantes das sociedades democráticas percebe-


ram que, ainda que todos estivessem sob o poder do Estado, o tecido social
poderia observá-lo e manter com ele um relacionamento, aplaudindo-o ou
questionando-o. O mais importante é que surge a noção de horizontalização
do diálogo, ou seja, as falas e intenções de Estado e sociedade precisam ter
o mesmo peso, a mesma importância. Somente a horizontalização do diálogo
e a manutenção da liberdade da expressão social permitiriam que o Estado
não se excedesse, não se tornasse superior à sociedade e não desenvolvesse
características totalitárias (ARENDT, 2008).

O tecido social, no entanto, é composto por pessoas de gênero, idade e


origem diferentes. Assim, o diálogo seria melhor desenvolvido quando pessoas
com um mesmo interesse se organizassem em torno dele, definindo as suas
demandas e as formas de supri-las. Esse processo de organização de pessoas
em torno de um interesse social, com o desenvolvimento de pautas e programas
específicos para a causa central, é chamado de definição da agenda. Assim,
os grupos sociais desenvolviam suas agendas a fim de manter a organização
e chegar ao objetivo proposto. A noção de agenda está presente ainda hoje
e é essencial aos movimentos sociais contemporâneos. É a partir dela que se
definem: os pontos centrais a serem buscados ou discutidos, os pontos adja-
centes que gravitam em torno dos centrais e as possibilidades de se chegar a
esses objetivos. As agendas dos movimentos sociais definem objetos, objetivos
e caminhos a serem traçados. Além disso, elas podem ser diferentes de um
movimento social para outro.

44
TÓPICO 4 | OS MOVIMENTOS SOCIAIS

No Brasil, você encontra um exemplo pertinente com o movimento dos


trabalhadores fabris na década de 1920. Esse movimento se desenvolveria ao
longo do tempo, até o surgimento do movimento sindicalista que você conhece
hoje. O movimento estudantil é outro exemplo. No Brasil, a organização preli-
minar que antecedeu a construção da União Nacional dos Estudantes data do
final do século XIX, quando havia a chamada Casa do Estudante. A Casa do
Estudante realizou seu primeiro grande evento nacional em 1910. O evento
que mudou as formas de atuação das organizações estudantis foi o de 1939. Já
nos anos 1920, impulsionados pelo movimento estudantil na Universidade de
Córdoba, na Argentina, em 1919, estudantes brasileiros utilizaram conexões que
já haviam sido estabelecidas no período abolicionista para se reorganizarem.

A revolta dos estudantes na Universidade de Córdoba tinha, pela primeira


vez na América Latina, um viés de grupo social. Os estudantes desejavam uma
universidade menos tecnicista, cujos saberes estivessem a serviço da sociedade,
e não apenas reproduzissem os conhecimentos produzidos na Europa. Nas duas
décadas seguintes, o movimento de Córdoba foi uma inspiração para outros
grupos estudantis na América Latina. No Brasil, os estudantes que chegavam às
universidades eram quase totalmente provenientes das classes mais abastadas.
Por isso, se articulavam em torno da criação de atividades estudantis, como
campeonatos esportivos e bailes, além das reuniões locais, estaduais e nacionais,
em que se discutia o posicionamento dos estudantes diante dos cenários políticos
nacionais e mundiais.

A organização preliminar dos estudantes no Brasil do início do século


XX foi extremamente importante para o que viria a seguir. Vista com bons olhos
pelas elites e por personagens políticos, as organizações estudantis passaram
a dialogar com o Estado, como porta-voz social, a partir do primeiro governo
de Getúlio Vargas. Nesse período, tais entidades eram protegidas politicamente
e recebiam incentivos para manter o diálogo com o governo. Obviamente, o
referido período foi marcado por disputas políticas, especialmente as disputas
polarizadas entre esquerda e direita. Nelas, muitos estudantes se envolveram,
e muitos grupos estudantis foram criados. No entanto, eram grupos e organi-
zações isoladas, que não respondiam por toda a comunidade estudantil. Além
disso, configuravam-se como um movimento de caráter político, não social.

Como você pode observar, os membros da sociedade sempre se


articularam na defesa de ideias e ideais. Foi a partir do século XX que essas ideias
passaram a se descolar das formações legislativas do Estado. Assim, se passa
a ter a noção de que existe um espaço em que as demandas de grupos sociais
podem ser manifestadas. Dada a complexidade do tecido social, os grupos se
formaram em torno não só de objetivos, mas instituíram as agendas, ou seja,
as formas de compreender a sua demanda, de valorizá-la, expô-la e definir os
caminhos necessários para a sua resolução.

45
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

ATENCAO

As ações coletivas resultam dos esforços de um grupo na busca de um


objetivo comum. O que diferencia esses grupos dos outros tipos de movimentos sociais
é que, normalmente, há o direcionamento da ação feita por atores diferentes, para a
consecução de um objetivo específico. Assim, uma ação coletiva pode ser empreendida
por diferentes movimentos sociais, ou por integrantes de um movimento, não por sua
totalidade. A ação coletiva não é, necessariamente, parte das pautas do movimento
social, mas se desenvolve no sentido de conquistar um benefício compreendido como
“bem comum”. A ação coletiva geralmente resulta no delineamento de políticas públicas e
direciona o diálogo sempre às instituições.

3 O MOVIMENTO SOCIAL TRADICIONAL E OS NOVOS


MOVIMENTOS SOCIAIS
Como você viu, os movimentos sociais são uma forma de diálogo
horizontalizado com o Estado. Ou seja, são uma forma de a sociedade apresentar
demandas e se colocar na mesma posição de destaque que o Estado. Assim,
o Estado não fica numa posição de domínio com relação ao tecido social,
muito embora se mantenham resguardadas as relações de poder previamente
estabelecidas, que asseguram as fronteiras e a organização interna, por exemplo.
No entanto, existem diferenças nas formas de organização e de construção de
agendas entre os movimentos sociais tradicionais e os novos movimentos sociais.

Os movimentos sociais tradicionais são aqueles que se colocam em


diálogo com o Estado para que este possa solucionar um problema ou suprir
uma demanda. É como se o grupo apontasse para a organização institucional
uma situação que precisa ser exposta, observada e reorganizada. O movimento
dos trabalhadores é um exemplo de movimento social tradicional. Na década
de 1920, no Brasil, trabalhadores das fábricas de São Paulo fizeram um ciclo de
greves em busca de melhores condições de trabalho, especialmente para mu-
lheres, que trabalhavam em condições insalubres mesmo durante a gestação, já
que não havia direitos trabalhistas que assegurassem o respeito a esse período.

Esse movimento provocou muitas demissões e, especialmente, muita


violência contra os trabalhadores. Mas, por meio dele, alguns dos fundamentos
dos direitos trabalhistas que você conhece hoje foram delineados. É o caso do
benefício de folgas semanais remuneradas, do pagamento de horas extras, bem
como da supressão do trabalho infantil e de trabalhos insalubres para gestantes
— ao menos nos ambientes laborais urbanos.

Dessa forma, observe: há um grupo social, os trabalhadores, que


estabelecem uma pauta, que são melhores condições de trabalho. Após a pauta,

46
TÓPICO 4 | OS MOVIMENTOS SOCIAIS

foi estabelecida a agenda: as formas de mobilização, greves e concentração


em frente às fábricas. Tudo isso se direciona ao Estado, para que observe a
reivindicação do grupo e a supra. Supridas as pautas, a agenda é reorganizada,
e o grupo pode se preparar para uma nova demanda, ou se direcionar à
manutenção da organização. Esse é um exemplo clássico de movimento social
tradicional. Nesse caso específico, preocupado com o avanço comunista na
Europa, especialmente a partir da Revolução Russa de 1919, o Estado estabeleceu
que o mais seguro para garantir a estabilidade nacional e afastar a ameaça
comunista era criar e manter um canal de comunicação estável e contínuo com
os trabalhadores. Posteriormente, foram criados os sindicatos, para que um
grupo destacado especificamente para isso assegurasse que as demandas dos
trabalhadores fossem atendidas e que, uma vez assegurados os seus direitos, a
ordem fosse mantida. Trata-se de um jogo em que o Estado oferece as soluções
ao grupo social.

Os modelos tradicionais de movimentos sociais se articulam de forma


a obter uma resposta do Estado. Há um problema, e os movimentos sociais
pedem que o Estado o observe. Ou seja, há aí, além do diálogo horizontalizado,
um movimento que parte da sociedade para o Estado e, espera-se, do Estado
para a sociedade. Os novos movimentos sociais, por sua vez, emergem a partir
da década de 1970, na Europa e nos Estados Unidos. Posteriormente, atingem
a porção sul do hemisfério, especialmente com o movimento feminista e o
movimento ambientalista. A diferença entre o novo modelo e o tradicional é que
os novos movimentos sociais articulam seu diálogo não em direção ao Estado,
mas em direção aos tecidos sociais. O sentido da interação parte da sociedade e
se dirige à própria sociedade.

Isso ocorre porque, a partir dos anos 1970, as ditaduras na América


Latina e na África e a Guerra no Vietnã diminuíram drasticamente o espaço que
os movimentos sociais podiam ocupar. O diálogo não existia e, quando havia
a possibilidade de manifestação sem repressão, não havia resposta. Assim,
os movimentos sociais contestatórios dos anos 1950 e 1960 deram lugar aos
movimentos sociais que buscavam dialogar com setores diferentes da socie-
dade. O sociólogo Melucci (2001) explica que, nesse período, a sociedade civil
se coloca na arena política como um ator dissociado do Estado. Na ausência de
resposta ou impossibilidade de expressão, este deve se voltar aos atores internos.
Todo cidadão seria um ator social, no sentido de que ele poderia protagonizar os
caminhos de suas demandas e crenças.

Os atores sociais, então, se organizariam em redes, encontrando outros


atores que dividissem as mesmas expectativas e necessidades. Assim, eles
tentariam sanar os problemas e necessidades, ou então conscientizar outros
setores e outros atores sociais sobre determinada causa. Nesse sentido, o diálogo
permanece horizontalizado, mas não se dá mais em direção ao Estado. Ele ocorre
internamente, de um grupo de atores sociais para os outros grupos. Os novos
movimentos sociais buscam a conscientização e também a solução. Por isso, nesse
período, surgem as organizações não governamentais (ONGs), que se destinam
a promover uma causa desde a sua apresentação até as soluções possíveis.
47
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

Os novos movimentos sociais também possuem características mais


homogêneas do que as dos movimentos tradicionais, de forma que alguns se
tornaram mundiais. É o caso do movimento ambientalista. Nesse movimento,
setores da sociedade civil se organizaram para que os outros atores das sociedades
passassem a ter mais consciência sobre o consumo de recursos naturais,
promovendo a preservação. Mais ainda, organizaram-se a fim de que a própria
sociedade, independentemente da resposta do Estado, pudesse cuidar disso. Foi
o que aconteceu na criação da ISO 9000, a International Standart Organization,
que, na década de 1970, oferecia um selo de qualidade para as empresas que
comprovadamente produzissem os menores impactos ambientais possíveis.

Os novos movimentos sociais inauguraram aquilo se chama hoje de


terceiro setor: organizações não estatais que surgem na sociedade civil, mas
não se mantêm apenas como parte do tecido social. A partir da década de 1980,
elas ganham grande visibilidade e poder. O referido selo ISO, por exemplo,
ultrapassou a Europa e ganhou o mundo. Desde então, as empresas procu- ram
enquadrar suas produções para obtê-lo. Além disso, alguns setores do Estado, em
licitações, privilegiam a contratação de empresas que o possuam. Nesse sentido,
a sociedade se torna protagonista de sua própria demanda, na medida em que
o selo é produzido, aplicado e fiscalizado inteiramente por ela, sem intervenção
do Estado. As sociedades compreenderam que podem se articular internamente,
a partir de sua demanda, obtendo como resposta a fiscalização social. Nesse
sentido, você pode considerar que o consumo foi um dos direcionadores para o
estabelecimento desse cenário.

4 MOVIMENTOS SOCIAIS, ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS


Os anos 2000 trouxeram novas formas de organização para os
movimentos sociais, bem como novas formas de diálogo entre sociedade civil e
Estado. Há uma emergência de novos movimentos sociais contestatórios, que se
as- semelham na forma aos movimentos sociais tradicionais. No entanto, há uma
série de dispositivos constitucionais que asseguram a sua existência e as pos-
sibilidades de resposta pelo Estado. Por outro lado, a sociedade civil continua se
articulando em movimentos sociais para si mesma, por meio das ONGs.

A partir desse período, as demandas dos movimentos sociais passaram


a ser utilizadas pelo Estado como parâmetros para a constituição de políticas
públicas específicas. Normalmente, a partir de uma demanda específica e da
organização em torno de um tema, é possível ganhar visibilidade. A partir da
esfera local, é possível projetar as agendas dos movimentos a fim de que haja a
resposta governamental. A resposta se dá por meio, principalmente, de novas
políticas públicas.

Você já percebeu que, cada vez mais, há a presença de intérpretes de


Libras (Língua Brasileira de Sinais) em instituições educacionais, entidades e
repartições públicas, e até mesmo em eventos culturais, como shows, peças de
teatro, etc.? A presença desses profissionais permite que pessoas surdas ou com

48
TÓPICO 4 | OS MOVIMENTOS SOCIAIS

deficiências auditivas possam se integrar socialmente, participando e transitando


por todas as esferas em que uma pessoa ouvinte circula.

Essa prática está ainda se estabelecendo, mas a ideia é que quem se


comunica usando Libras possa ter conforto em qualquer lugar público. Por
que isso acontece hoje? Porque os movimentos sociais ligados à inclusão social,
especificamente os ligados à defesa de direitos da pessoa surda ou com deficiência
auditiva, conseguiram estabelecer suas pautas. Assim, o Estado tomou providências
e respondeu a tais demandas sob a forma de políticas públicas. Atualmente, as
unidades federativas da União, ou seja, os estados, têm autonomia para definir
como as suas instituições de ensino oferecerão os elementos que garantam a
inclusão de pessoas com deficiência, mas é muito claro que as demandas dos
movimentos pela inclusão social e educacional tiveram resultados.

Para acontecerem, os movimentos sociais dependem de uma série de


fatores que os tornam únicos, sem comparações com outros, embora possa haver
“precedentes”, movimentos que inspirem ou impulsionem outra mobilização
no futuro. Tudo depende do cenário histórico, cultural, político e econômico.
Por isso, a sociologia dos movimentos sociais não faz uma única abordagem
teórica ao tema. Na verdade, não há um consenso entre os pesquisadores sobre
qual leitura seria a melhor para a análise de uma mobilização importante. En-
tretanto, existem alguns pesquisadores que aparecem frequentemente quando a
sociologia dos movimentos sociais se propõe a analisar determinado evento. São
eles: Alain Touraine, Alberto Melucci e Manuel Castells.

Esses três autores trabalham o conceito de movimento social na


modernidade, ou seja, estudam os movimentos formados após a década de 1970,
também chamados de novos movimentos sociais. É importante que você perceba
que existe uma diferença entre os movimentos sociais anteriores à década de 1960
e os que vieram após esse período. Até então, a ocupação dos espaços públicos
para a organização civil se baseava também no conceito de classes sociais, bem
como na noção de que uma classe utilizava o campo da reivindicação para
questionar os privilégios de outras classes. Essa leitura clássica dos movimentos
sociais está associada a uma leitura estrutural marxista de disputa de classes.
Essa disputa, essa contestação de privilégios, terminaria inevitavelmente no
conflito.

A leitura clássica dos movimentos sociais, portanto, tem viés marxista


e foco na temática contestatória (PICOLOTTO, 2007). Ela se altera a partir da
década de 1960 por dois fatores essenciais: a transformação dos modos de
produção pelo primeiro período da revolução da informação e a existência
de grande número de regimes autoritários e/ou ditatoriais pelo mundo, espe-
cialmente na América Latina, na África e na Ásia. A alteração nos modos de
produção diminui o sentido de classe e comunidade. Assim, se passa a dar maior
ênfase à estruturação do conceito de indivíduo. É na relação entre um conjunto
de individualidades e no diálogo com o Estado na modernidade que se baseiam
as leituras dos novos movimentos sociais.

49
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

O sociólogo francês Touraine (2003) oferece uma leitura historicista


dos movimentos sociais. Para ele, esses movimentos surgem porque os atores
sociais entendem que, para alcançar um propósito ou mudar algum fator
estrutural da sociedade, é preciso ter o controle das especificidades históricas
que orientam e determinam aquela sociedade, ou seja, os fatores culturais que
a moldam. Além disso, Touraine (2003) identifica três princípios formadores
dos movimentos: a identidade, ou seja, quem é o ator no movimento social;
a oposição, ou o adversário (PICOLLOTO, 2007), que limita as possibilidades
de que o movimento atinja seus objetivos; e a totalidade, ou seja, o complexo
esquema entre estrutura da sociedade, cultura e história que o grupo social em
movimento deseja alterar. Para Touraine (2003), embora o Estado seja ainda o
elemento integrador daquele conjunto social, é na identidade do sujeito e em
suas particularidades exteriores à estrutura do Estado que está alicerçado o
conceito de modernidade. Isso faz com que os chamados novos movimentos
sociais sejam diferentes dos movimentos clássicos.

UNI

No link a seguir, você pode assistir à entrevista do sociólogo Alain Touraine


para a rede de televisão portuguesa EuroNews. Nela, ele fala sobre o conceito de
identidade e ação coletiva, que é aplicado a sua leitura dos movimentos sociais, por meio
do processo de recepção de imigrantes às terras europeias.

FONTE: <https://goo.gl/wgYpvq>. Acesso em: 8 jan. 2020.

Para Castells (1999), a perspectiva inicial sobre os movimentos sociais


também se inicia pela perspectiva marxista, especialmente para que sejam
salientadas as mudanças estruturais. Para ele, a revolução informacional, ou
Terceira Revolução Industrial, altera não apenas os meios de produção, mas as
formas de relacionamento social, fazendo com que a oposição indivíduo-Estado
se modifique. Assim, surge uma construção mais cultural dos movimentos
sociais, baseada especialmente em diálogos intrassociedade, de um segmento
para o outro. Há ainda um elemento influenciador para tal alteração: a crise do
Estado originada pelos desequilíbrios econômicos do período, que fez com que
os indivíduos se articulassem para criar soluções sem a participação integral do
Estado. Ou seja, não era mais produtivo contestar o Estado e gerar um conflito
se este estava em crise e não poderia resolver as demandas. Os atores sociais,
articulados, trabalhariam até que fosse possível de forma autônoma, até o
momento em que fosse necessário dialogar com o Estado. Você deve perceber que
essa relação entre indivíduo e Estado, embora suavizada nesse contexto, nunca
foi suprimida. Mas o contexto, que imprimiu marcas únicas à modernidade,
trouxe à tona um cenário sem precedentes, por isso as formas de articulação
social também eram inéditas.

50
TÓPICO 4 | OS MOVIMENTOS SOCIAIS

Melucci (2001) colabora para o arcabouço teórico da área com sua


concepção de redes. Para ele, a modernidade conforma uma maneira única de
relacionamento e organização social, em que cada indivíduo é um ator na arena
social e política. Por isso, as mobilizações sociais derivam da formação de redes
de movimentos sociais. O conceito de redes emerge porque os movimentos
estariam, de alguma forma, interligados. Uma vez que não há o conceito de
contraposição pela dis puta de classes, os interesses individuais podem cruzar as
agendas de mais de um movimento, e o ator social não é apenas o ator de uma
classe, mas de seus inúmeros interesses. Assim, um ator do movimento feminista
pode também ser ator do movimento ambientalista, por exemplo. E esses dois
movimentos podem ter pautas em comum: um movimento ambientalista que
defende o manejo sus- tentável de áreas de proteção ecológica pode fomentar a
produção artesanal de mulheres ribeirinhas — e este trabalho pode também ser
o foco de um movimento feminista local. Assim, haveria redes de movimentos
sociais dialogando também com o Estado, mas, de forma mais intensa,
dialogando entre si.

No Brasil, a pesquisadora mais reconhecida nas análises sobre a conjuntura


e a formação dos movimentos sociais é a professora Maria da Glória Gohn. Gohn
(2000) elabora um esquema de leitura e classificação dos movimentos sociais.
Tal esquema também vincula a perspectiva marxista aos movimentos clássicos
e relaciona os novos movimentos sociais àqueles moldados por perspectivas
culturais extraclasses. Contudo, Gohn (2000) inova ao inserir a categoria dos
movimentos sociais latino-americanos. Para ela, há uma especificidade nos
movimentos sociais latinos, formados pela condição de dependência periférica
dos Estados na América Latina.

UNI

Um exemplo da relação entre Estado, movimentos sociais e políticas


públicas pode ser observado nas pautas do movimento norte-americano #NeverForget
(Nunca Esquecer). Em fevereiro de 2018, um jovem de 19 anos chamado Nikolas Cruz
invadiu o prédio da escola Marjory Stoneman Douglas, na Flórida, Estados Unidos,
onde havia estudado durante o ensino médio. O rapaz portava uma arma AR-15 e,
atirando a esmo, atingiu diversas pessoas, matando 14 adolescentes e três adultos. A
arma foi comprada legalmente, o jovem já havia atingido a maioridade legal e não teve
dificuldades para adquirir o artefato nem para entrar na escola, já que havia sido um
estudante que não ofereceu problemas à instituição.
Os sobreviventes do massacre articularam um movimento de contestação,
que rapidamente se espalhou para outras cidades do país com ajuda da internet. O
movimento obteve a atenção midiática de redes de televisão e jornais impressos e online,
arregimentando milhões de pessoas no país. O movimento chamado #NeverForget
se propunha a chamar a atenção dos legisladores para o comércio de armas de fogo,
clamando por dispositivos que impedissem a venda livre a todos os tipos de público. No
dia 24 de março de 2018, liderado por jovens entre 14 e 18 anos, o #NeverForget levou
milhões de pessoas à capital federal, Washington, com outros polos de concentração ao
redor do país, atingindo Europa, Ásia e América Latina. O movimento arrefeceu no tocante
à ocupação dos espaços públicos a partir de abril, permanecendo nas redes sociais.

51
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os movimentos sociais são hoje uma das formas mais comuns de mobilização
para a visibilidade de demandas sociais específicas.

• Até o início do século XX, as mobilizações sociais tinham um caráter


iminentemente político.

• Na virada do século XX, os movimentos sociais começam a assumir


características semelhantes às que possuem hoje.

• Os movimentos sociais são uma forma de diálogo horizontalizado com o


Estado. Ou seja, são uma forma de a sociedade apresentar demandas e se
colocar na mesma posição de destaque que o Estado. Assim, o Estado não
fica numa posição de domínio com relação ao tecido social, muito embora se
mantenham resguardadas as relações de poder previamente estabelecidas,
que asseguram as fronteiras e a organização interna, por exemplo.

• Os movimentos sociais tradicionais são aqueles que se colocam em diálogo


com o Estado para que este possa solucionar um problema ou suprir uma
demanda.

• Os novos movimentos sociais também possuem características mais


homogêneas do que as dos movimentos tradicionais, de forma que alguns se
tornaram mundiais.

• Os novos movimentos sociais inauguraram aquilo se chama hoje de terceiro


setor: organizações não estatais que surgem na sociedade civil, mas não se
mantêm apenas como parte do tecido social.

52
AUTOATIVIDADE

1 Quais são os dois elementos que, respectivamente, modelam a estrutura e


direcionam a ação dos movimentos sociais contemporâneos?

a) ( ) Pauta e assunto.
b) ( ) Partido e pauta.
c) ( ) Agenda e pauta.
d) ( ) Agenda e assunto.
e) ( ) Assunto e agenda.

2 O sociológo Alberto Melucci é um dos pensadores que mais contribuíram


para a compreensão dos novos movimentos sociais nas últimas décadas
do século XX. De acordo com ele, o que representam os protagonistas dos
movimentos? Escolha a opção CORRETA.

a) ( ) Líderes.
b) ( ) Motivadores.
c) ( ) Apoiadores.
d) ( ) Atores.
e) ( ) Contestadores.

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54
UNIDADE 1
TÓPICO 5

TRAJETÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
Os movimentos sociais existem desde os tempos de colônia no Brasil,
o qual é marcado por lutas e movimentos contra a dominação, a exploração
econômica, a exclusão social e, atualmente, a política, a corrupção, a falta de
ética dos políticos, entre outros problemas que o país vem enfrentando. Eles
contribuíram e vêm contribuindo para a conquista e a manutenção de direitos e
espaços de participação social, fortalecendo a cidadania e a democracia brasileira.

Neste capítulo, você estudará sobre o conceito de movimentos sociais


populares, compostos na maioria das vezes de classes sociais desprivilegiadas;
a relação entre participação social, educação popular e movimentos sociais
fundamentais para a construção e o exercício do poder popular; e a trajetória dos
movimentos sociais no Brasil, desde a colônia até os dias atuais.

2 MOVIMENTOS SOCIAIS E POPULARES


Apesar de haver muitos estudos sobre os movimentos sociais, as teorias
existentes ainda não apresentam definições precisas devido à multiplicidade de
interpretações e enfoques. Veja um conceito de movimento social sob o olhar de
Gohn (2000, p. 13):

movimentos sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico,


construídas por atores sociais pertencentes a diferentes classes e
camadas sociais. Eles politizam suas demandas e criam um campo
político de força social na sociedade civil. Suas ações estruturam-se a
partir de repertórios criados sobre temas e problemas em situações de
conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um processo social
e político-cultural que cria uma identidade coletiva ao movimento, a
partir de interesses em comum. Esta identidade decorre da força do
princípio da solidariedade e é construída a partir da base referencial
de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo.

Dessa forma, os movimentos sociais se estruturam com base em um


grupo social que compartilha uma dada situação social a qual gera insatisfação,
causando neles um sentimento de pertencimento e objetivos específicos a serem
alcançados por meio de reivindicações, projetos etc. (VIANA, 2016) (Figura 9).

55
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

FIGURA 9 – MOVIMENTOS SOCIAIS

FONTE: Adaptado de <Nosyrevy/Shutterstock.com>. Acesso em: 8 jan. 2020.

O termo movimentos sociais populares ou movimentos populares é


bastante utilizado, mas também não possui um conceito claro e, em alguns
casos, é confundido com os movimentos sociais urbanos. Poucos autores
tentaram defini-lo, sendo Camacho (1987) um deles, quando tentou diferenciar
os movimentos sociais e os populares, mas ao final acabou definindo-os como
uma manifestação dos sociais, o que é uma contradição. Para o autor, esses
movimentos sociais possuem dois tipos de atuação distintos: eles podem ex-
pressar os interesses dos grupos hegemônicos e podem expressar os interesses
dos grupos populares, os chamados movimentos populares, que se diferem dos
demais por sua formação social, elemento chave para entender o que o diferencia
dos outros movimentos sociais (VIANA, 2016).

Os movimentos sociais populares são compostos, na maioria das vezes, de


classes sociais desprivilegiadas e, geralmente, sofrem processos de dominação,
exploração, subordinação e marginalização. Nesse contexto, estão incluídos
trabalhadores, camponeses, trabalhadores domésticos e manuais, moradores
de periferia, desempregados, desabrigados e lumpemproletariado. Como a
situação social dos grupos de base desses movimentos é distinta das classes mais
privilegiadas, sua insatisfação, sua luta e seus objetivos também são diferentes.

DICAS

Lumpemproletariado é um termo criado e utilizado por Marx para denominar


as camadas mais baixas da velha sociedade, possíveis de serem arrastadas aos movimentos
por uma revolução proletária e levando-as a vender-se, devido a suas condições precárias
de existência (MARX, 1932).

56
TÓPICO 5 | TRAJETÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

Os movimentos sociais possuem inúmeras diferenças que decorrem de


suas orientações políticas e ramificações, em que as orientações políticas são
determinadas pela formação social do grupo social de base e pela hegemonia no
seu interior. Nesse contexto, os movimentos sociais podem ser classificados em
três tipos (VIANA, 2016).

• Conservadores: visam retomar uma situação que existia anteriormente ou


impedir que reivindicações de grupos sociais opostos se mantenham. São
monoclassistas ou policlassistas, com predomínio das classes privilegiadas.
• Progressistas ou reformistas: visam mudar a situação do grupo social.
São policlassistas, com grande presença de burocracia e intelectualidade.
• Revolucionários: visam a uma mudança radical da situação que somente é
possível se uma nova sociedade surgir para substituir a atual. Constitui-
se como um processo que resolve o problema do grupo social. Podem ser
monoclassistas ou policlassistas.

DICAS

Os grupos de base podem ser nomoclassistas, cujos componentes pertencem


às classes sociais desprivilegiadas; e/ou policlassistas, cujos componentes são jovens,
intelectuais e de diversas classes sociais, este é o que predomina nos movimentos sociais
(VIANA, 2016).

Entender a composição social de um movimento é fundamental para


mostrar as possibilidades e as posições políticas, sendo que estas são definidas
pela hegemonia existente em seu interior. Os movimentos sociais conservadores,
por exemplo, possuem uma hegemonia burguesa, assim como a maioria dos
movimentos sociais progressistas. Porém, algumas de suas ramificações podem
apresentar uma hegemonia burocrática ou proletária. Já nos movimentos sociais
revolucionários, a hegemonia surge como uma radicalização das lutas sociais ou
tempos de revolução proletária (VIANA, 2016).

ATENCAO

Os movimentos sociais revolucionários praticamente não existem em tempos


de estabilidade social e política (VIANA, 2016).

57
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

Os movimentos populares são uma parte dos sociais progressistas, cuja


hegemonia em seu interior pode ser burguesa, burocrática ou proletária, o que
depende de múltiplas determinações. Para Viana (2016), os grupos sociais de
base possuem tendência a gerar uma hegemonia semiproletária e, em casos
raros, uma proletária, acarretada por sua situação de classe.

A hegemonia na sociedade como um todo é burguesa por isso


tende a influenciar os movimentos populares no sentido da
hegemonia burguesa ou, secundariamente, burocrática. Assim, há
uma contradição entre os interesses de classe e tudo que é derivado
da situação de classe (desprivilegiada) e a hegemonia na sociedade
civil, além do aparato estatal, meios oligopolistas de comunicação,
necessidades imediatas etc. É por isso que há uma forte contradição
no interior dos movimentos populares no plano da consciência e da
hegemonia. Tal contradição se manifesta sob várias formas, entre
os quais através da submissão a valores atrelados ao consumismo
convivendo com a incapacidade de consumo, o que provoca uma
contradição valorativa ou, então, a percepção do caráter conservador
da política institucional ao lado da dificuldade de romper totalmente
com ela (VIANA, 2016, p. 76).

As reivindicações dos movimentos populares são voltadas às questões


de educação, saúde, estrutura urbana, moradia e terra; as dos sociais urbanos,
voltadas às questões urbanas como moradia, transporte, estrutura urbana etc.;
já as dos movimentos sociais rurais possuem foco sobre as questões ambientais
ou contra as políticas estatais ou sobre o desenvolvimento capitalista que
atinge setores da população rural. Todas essas reivindicações são direcionadas
ao aparato estatal, direta ou indiretamente, o que muitas vezes gera confronto
entre eles.

A forma mais comum de o Estado responder aos movimentos é com a


repressão seletiva, que acontece sobretudo quando os movimentos populares
realizam manifestações e ocupações por meio de discursos como agressão a
policiais, reintegração de posse, entre outros. Quando eles não interferem de
forma direta nos interesses do Estado, é dito que há omissão e, geralmente, a
cooptação é em menor grau, tendo maior incidência nos demais movimentos
sociais (CASTELLS, 1988; VIANA, 2016).

DICAS

O aparato estatal é o alvo direto ou indireto dos movimentos populares.


Quando a luta é por bens coletivos, o alvo é direto. Já quando ela é por bens materiais, o
alvo é indireto (VIANA, 2016).

58
TÓPICO 5 | TRAJETÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

Os movimentos sociais têm dificuldades para se organizar, uma vez que


as condições de vida desses grupos são precárias, bem como suas condições
financeiras, culturais etc. No entanto, isso não os impede de lutar por suas
questões, avançando ou recuando em suas lutas, que dependem de fatores
como estabilidade dos governos, crises financeiras, aumento do desemprego,
inflação, deterioração dos bens coletivos, entre outros. Sua dinâmica depende
do desenvolvimento capitalista e da intensidade com que este impacta na
vida de seus grupos sociais de base. Porém, essa relação será sempre marcada
pelo conflito mais ou menos intenso, de acordo com os períodos de relativa
estabilidade ou não.

Para Gohn (2011), os movimentos sociais populares ficaram famosos no


Brasil e em outros países da América Latina no final da década de 1970 e em
parte dos anos de 1980, planejados por grupos que se opunham aos regimes
militares, principalmente aqueles com base cristã, inspirados pela teologia da
libertação. No entanto, o cenário sociopolítico mudou radicalmente no fim dos
anos de 1980 e ao longo dos anos de 1990, fazendo as manifestações de rua, que
davam visibilidade aos movimentos populares nas cidades, declinarem, segundo
alguns analistas, por terem perdido seu principal alvo e inimigo, os regimes
militares. Na verdade, as causas desse declínio foram as mais diversas, e não
se pode negar que esses movimentos, no Brasil, contribuíram significativamente
para a conquista de vários direitos sociais, instituídos por leis na Constituição
Federal de 1988 (CF/88).

UNI

Exemplos de movimentos populares: Custo de Vida (Carestia), Movimento dos


Trabalhadores Sem Terra (MST), Via Campesina, Grito dos Excluídos etc. (MUTZENBERG,
2011).

3 PARTICIPAÇÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO POPULAR E


MOVIMENTOS SOCIAIS
Os movimentos sociais dos anos de 1980 contribuíram para a
institucionalização de espaços públicos para a participação social, garantindo
aos cidadãos identidades e novas formas de organização. Como resultado desse
processo de lutas sociais acerca da democratização, tem-se a consolidação de
valores como igualdade, solidariedade e liberdade, constituindo a democracia
social (CARVALHO, 1998; BENEVIDES, 2002). No entanto, a democracia
participativa somente será plena se tiver a participação ativa dos indivíduos nos
espaços públicos, ação que sinaliza a existência de um processo educativo o qual

59
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

tem a participação como um meio, e a construção e o exercício do poder popular


como o fim (HURTADO, 2000). Dessa forma, praticar ações democráticas
contribui para a reconfiguração do contexto sociopolítico das lutas no Brasil e
para a construção da cidadania.

A democracia, assim, não é um sistema político entre tantos, mas é a


prática específica pela qual o povo se institui como sujeito. Nela, os
indivíduos se tornam sujeitos públicos enquanto seres políticos ativos,
se transformam em seres socializados porque desenvolvem relações
sociais e responsabilidades coletivas (SEMERARO, 2002, p. 222).

A participação contribui para a construção da cidadania, pois possibilita


aos indivíduos adquirir maior consciência sobre seus interesses individuais e
coletivos, gerando benefícios para toda a sociedade. Essa participação política
pode ser vista como uma escola na qual o cidadão adquire conhecimentos
sobre o funcionamento institucional da democracia e os valores democráticos,
como o da solidariedade social (DIAS, 2002). Enquanto participa, o indivíduo
adquire o sentido de pertencimento e o significado de sua atuação em um grupo
ou movimento social, assumindo uma condição de protagonista de sua própria
história. Ao participar, ele desenvolve uma consciência crítica, agrega uma força
sociopolítica ao grupo ou à ação coletiva, novos valores e nova cultura política
(GOHN, 2005).

A participação social configura-se como um processo que estimula o


compartilhamento de poder por meio do fortalecimento da sociedade civil e
da construção de caminhos que permitam alcançar uma nova realidade social
pela cultura cidadã. Dessa forma, esse processo deve ser considerado de “baixo
para cima”, tendo os cidadãos comuns como os principais protagonistas da ação
transformadora das relações de poder da sociedade, o que mostra a importância
de se implantar e manter práticas participativas no contexto sociopolítico,
promovendo a sua autonomia, reconstruindo a história das lutas populares
no Brasil, fortalecendo e renovando cada vez mais os princípios democráticos
de igualdade, cidadania e justiça social (DIAS, 2002). Nesse contexto, a edu-
cação popular tem favorecido a participação da população na esfera pública,
empoderando os indivíduos e democratizando os espaços públicos.

A educação popular privilegia a dimensão ética do diálogo, uma vez


que considera os aspectos da realidade do indivíduo, como cultura, trabalho,
liberdade e igualdade, que geram experiências e reflexões no processo de
superação da exclusão e da desigualdade (MELO NETO, 2004). O caráter político
da educação popular está na busca pela transformação da realidade na qual os
indivíduos estão inseridos, pois, com a consciência sobre sua realidade, estes
conseguem perceber as práticas opressoras e desiguais a que estão sujeitos e
interferir nessa situação.

60
TÓPICO 5 | TRAJETÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

Desse modo, a educação popular possui caráter transformador e


libertador, tendo como princípios de sua existência justiça social e igualdade
de direitos, uma vez que permite a emancipação e autonomia dos indivíduos,
que assumem o papel de sujeitos de sua própria história. O caráter político na
proposta da educação popular constituiu-se como elemento transformador
da educação, já que buscou integrar a conscientização sobre a realidade dos
indivíduos às melhorias de suas condições de vida, proporcionando resultados
como a instituição de uma cultura cidadã que prega princípios de solidariedade,
reciprocidade e sociabilidade (HURTADO, 2000).

DICAS

Educação popular é um modo de educação que considera os saberes prévios


das pessoas e suas realidades na construção de novos saberes. Ela visa ao desenvolvi-
mento da reflexão e do olhar crítico, por meio de diálogo e participação comunitária,
permitindo uma leitura melhor da realidade social, política e econômica na qual os
educandos estão inseridos (BRANDÃO, 2017).

O conjunto das práticas educativas populares ganhou espaço junto aos


movimentos sociais quando possibilitou o estabelecimento de uma dimensão
educativa em suas ações, reforçando seu caráter político e transformador. Os
movimentos sociais valorizam essa concepção e estimulam ações reflexivas
nos indivíduos para que compreendam conceitos como cidadania e demo-
cracia, transformando suas visões de mundo, renovando seus ideais sociais e
construindo realidades a partir de relações mais justas e solidárias. Assim, eles
formam indivíduos enquanto estes participam de suas ações, contribuindo para
a elevação de sua autoestima e o surgimento do sentimento de pertencimento,
permitindo sua atuação política, social e cultural, transformando-os em sujeitos.

Nesse processo, os sujeitos constroem saberes, valores, cultura e ensaiam


a vivência de novas relações sociais. Enquanto realizam a luta social, os mo-
vimentos buscam materializar as relações econômicas, políticas e culturais, além
de um projeto de futuro. É este vínculo entre formação, organização e luta que
faz dos movimentos um espaço de construção de indivíduos renovados e um
meio renovado de promoção da educação popular por intermédio das ações e
práticas educativas que desenvolvem (GOHN, 1992).

61
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

DICAS

As práticas educativas populares, de modo geral, buscam adequar seus


conteúdos a partir da realidade e das necessidades dos grupos populares, valorizando e
recuperando as experiências, o saber e a cultura popular por meio de reflexão, diálogo e
participação de todos os envolvidos (TORRES, 1988).

O caráter político e sociocultural dessas práticas tem por base a concepção


de que os indivíduos podem querer para si um mundo mais justo e diferente,
determinando o estado das coisas e das relações sociais. Além de (re)educar
quem participa dele, os movimentos (re)educam a sociedade, porque eviden-
ciam as contradições sociais. Nesse contexto, pode-se dizer que coletividade,
sentimento de pertencimento, movimento, identidade de projeto, organização,
luta e transformação são expressões fortes que, interconectadas, permitem
compreender o caráter educativo dos movimentos sociais (CALDART, 2000).

A visão popular de educação trouxe a discussão sobre cidadania, direitos


humanos e participação popular como uma causa de luta, reestruturando-
se no campo da educação cidadã. No Brasil, permitiu o desenvolvimento de
uma prática cidadã, trazendo para o centro das discussões a compreensão dos
sujeitos sobre democracia participativa. Assim, as organizações populares e
os movimentos sociais passaram a participar e intervir nas discussões sobre
políticas públicas com maior frequência e responsabilidade, tomando para si os
processos e estabelecendo um poder popular (GOHN, 1992).

4 HISTÓRICO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL


A sociedade brasileira é marcada por lutas e movimentos sociais desde a
época do Brasil Colônia, contra a dominação, a exploração econômica e a exclusão
social. Há registros históricos sobre lutas de índios, negros, brancos e mestiços
que eram pobres e viviam nos vilarejos, bem como de brancos que pertenciam às
camadas médias da sociedade e eram influenciados pelas ideologias libertárias e
contra a opressão dos colonizadores europeus (GOHN, 1995).

No Brasil, a maioria das lutas e movimentos sociais no período colonial


foi realizada pelos negros escravos e pela plebe, indivíduos pobres e livres. Os
indivíduos que se incluíam na categoria povo eram comerciantes e artesãos; já
senhores de engenho, militares, funcionários graduados e clero encontravam-se
no topo da camada social e eram seguidos pelos lavradores, grandes mercadores
e artesãos.

62
TÓPICO 5 | TRAJETÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

UNI

Alguns movimentos e lutas no Brasil Colônia e na fase do Império até


o século XX: Zumbi dos Palmares, Inconfidência Mineira, Conspiração dos Alfaiates,
Revolução Pernambucana, Balaiada, Revolta dos Malês, Cabanagem, Revolução Praieira,
Revolta de lbicaba, Revolta de Vassouras, Quebra-Quilos, Revolta Muckers, Revolta do
Vintém, Canudos (GOHN, 2000).

No início do século XX, com a chegada da República e a substituição da


mão de obra escrava pela assalariada, composta em sua maioria de imigrantes,
a questão social mudou. Nesse período, o modo de produção se altera com a
industrialização ainda incipiente e a formação de um proletariado urbano,
fazendo surgir organizações de luta e resistência dos trabalhadores por meio de
associações de auxílio mútuo, ligas e uniões, que reivindicavam serviços urbanos
ou protestavam contra a política local. Dessa forma, o movimento operário
foi influenciado pelas ideias anarquistas trazidas pelos imigrantes europeus
(GOHN, 2000; LEMOS; FACEIRA, 2015).

UNI

Exemplos de revoltas e lutas do século XX: Revolta da Vacina, Revolta da


Chibata, Revolta do Contestado, ligas contra o analfabetismo, ligas nacionalistas pelo voto
secreto e expansão da educação, revoltas contra o preço do pão, inspeção de bagagens
nas estações de trens e colocação de trilhos para os bondes (GOHN, 2000).

Na primeira metade da década de 1920, houve um retrocesso do


movimento operário, ocasionado pelas repressões e limitações das conquistas
alcançadas pela classe trabalhadora. Já na segunda metade dessa década, o
movimento operário cresce influenciado por ideias comunistas, passando a
exercer sua hegemonia. Surgem também várias lutas e movimentos das camadas
médias da população urbana e as revoltas de militares (GOHN, 2000; LEMOS;
FACEIRA, 2015).

63
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

UNI

Movimentos messiânicos e de cangaceiros no sertão nordestino do país,


como o liderado pelo padre Cícero no Ceará e por Lampião na Bahia, Revolução dos
Tenentes, Coluna Prestes, lutas pela educação lideradas por Anísio Teixeira, Fernando de
Azevedo etc. (GOHN, 2000).

Na década de 1930, a economia sofre uma mudança. O movimento estru-


turado pelas elites, chamado de Revolução de 30, marca um novo tempo no país,
que além de produtor agrícola, passa a produtor de industrializados na área têxtil,
mobiliária e de gêneros alimentícios de primeira necessidade. A classe operária
sofre uma mudança em sua composição, passando a ter imigrantes nacionais,
vindos do campo para a cidade; já o movimento operário teve sua atuação limitada
pelas reformas e pela institucionalização de políticas sociais, que visavam atender
a suas reivindicações e abrem-se oportunidades para a formação de uma classe
burguesa industrial (GOHN, 2000; LEMOS; FACEIRA, 2015).

UNI

Movimento dos Pioneiros da Educação, Marcha Contra a Fome, Revolução


Constitucionalista de São Paulo, Revolta do Caldeirão, criação da Aliança Libertadora
Nacional e o Movimento Pau de Colher (GOHN, 2000).

O período entre 1945 e 1964 ficou marcado na história como regime político
populista, sendo propício para o surgimento de lutas e movimentos sociais. A
redemocratização do país, o desenvolvimento de um cenário internacional da
sociedade de consumo e a política da guerra abrem espaços propícios a projetos
que visavam ao desenvolvimento nacional, nos quais criam-se condições para a
instalação de indústrias multinacionais no país; são desenvolvidas políticas para
o setor de energia, em que a Petrobrás é criada e estradas, silos, armazéns, portos
e usinas hidrelétricas são patrocinados pelo Estado; e são inauguradas Brasília
e as primeiras fábricas de automóveis. Surge também um novo setor da classe
operária no ABCD paulista, os metalúrgicos, e há um crescimento do movimento
operário com certa autonomia e liberdade, possibilitada pela Constituição Liberal
em vigor até 1964 (GOHN, 2000; LEMOS; FACEIRA, 2015).

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TÓPICO 5 | TRAJETÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

UNI

Ligas Camponesas do Nordeste, Movimento dos Agricultores Sem Terra,


Movimento de Educação de Base e Círculos Populares de Cultura (GOHN, 2000).

Nesse período, os movimentos sociais avançaram com participação


crescente da população nas discussões sobre os problemas nacionais, processo
interrompido com o golpe militar de 1964. Entre 1964 e 1969, foram poucos
os movimentos de resistência, nos quais duas greves ficaram conhecidas, as
de Contagem (MG) e de Osasco (SP); os estudantes entram em cena, influen-
ciados pela situação nacional e internacional; novas leis são instituídas; e novos
aparelhos burocráticos de controle são criados. O Ato Institucional nº 5 (1968)
atua na cassação e punição de pessoas e estabelece duras restrições aos direitos
sociopolíticos dos cidadãos. Trata-se de uma época de medo, repressão e violação
dos direitos humanos, comandada por regimes militares (GOHN, 2000).

No início dos anos de 1970, os movimentos sociais renascem, motivados


pela Teoria da Libertação, como o Custo de Vida (depois Carestia), movimentos
por transportes, direito a terra, saúde nos centros, postos de saúde, vagas nas
escolas etc., o que desencadeou greves por todo o país e possibilitou a recriação
e a articulação das centrais sindicais aos partidos políticos (GOHN, 2000;
MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010). Na segunda metade da década de 1970,
com a redemocratização brasileira, novos atores sociais são inseridos na esfera
política, cujos resultados seriam sentidos mais adiante.

UNI

Associação Nacional de Movimentos Populares e Sindicais, Central Única dos


Trabalhadores (CUT) e Central Geral dos Trabalhadores (CGT), Confederação Nacional das
Associações de Moradores (CONAM) (GOHN, 2000).

Nos anos de 1980, os movimentos sociais contribuíram para o avanço


e a conquista de vários direitos sociais e da elaboração da CF/88, que garantiu
os direitos fundamentais dos cidadãos, declarando a morte do regime militar.
Foram conquistas sociais de trabalhadores, mulheres, índios, menores e cidadãos
que até então eram considerados de segunda classe. A inserção de novos atores
sociais na esfera política, na década de 1970, refletiu ao longo dos anos, de 1980
a 1990, na proliferação de espaços públicos de participação da sociedade civil,
como fóruns, conselhos e comitês.
65
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

UNI

Movimento Diretas Já, Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua


(MNMMR), Movimento dos Aposentados, do Negro, do Indígena (GOHN, 2000; MIRANDA;
CASTILHO; CARDOSO, 2009).

Os anos de 1990 são marcados por desemprego, reformas, reestrutura-


ções no mercado de trabalho, entre outros. Os sindicatos dos trabalhadores se
enfraqueceram e passaram a lutar contra políticas de exclusão social do governo,
aumentando significativamente o número de pessoas que atuam de modo
informal na economia; as reivindicações dos trabalhadores passam a ter foco na
luta para a manutenção do emprego, e não por melhores salários ou condições de
trabalho; os movimentos sociais populares urbanos se desarticulam; a luta social
no campo cresce; e o MST, criado nos anos de 1980, volta à cena, transformando-
se no principal agente de conflito social no país. Um movimento que ficou
marcado nessa década foi o dos “caras-pintadas”, com o intuito de estabelecer
a ética na política brasileira (GOHN, 2000; MIRANDA; CASTILHO; CARDOSO,
2009; LEMOS; FACEIRA, 2015).

DICAS

Fóruns são espaços públicos de participação social, caracterizados por


encontros periódicos para diagnosticar problemas sociais e definir metas e objetivos
(GOHN, 2000).

Os movimentos sociais passaram a adotar uma postura mais propositiva


do que de manifestações e reivindicações, em que as contestações ficaram de lado
e a ênfase recaiu para um nível mais operacional e propositivo; já os novos atores
entraram em cena para lutar por inclusão e integração dos excluídos gerados
pelo sistema, chamado de terceiro setor. Na década de 1990, esses movimentos
se constituíram em redes, dentro do próprio movimento social e de redes com
outros sujeitos sociais. Dessa forma, o seu perfil se alterou em razão da mudança
da conjuntura política (GOHN, 2000; LEMOS; FACEIRA, 2015).

66
TÓPICO 5 | TRAJETÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

DICAS

O terceiro setor é composto de organizações, movimentos sociais,


organizações não governamentais (ONG), associações comunitárias, fundações, entidades
filantrópicas, empresas cidadãs etc. (GOHN, 2000).

O ano 2000 é marcado pela volta dos movimentos sociais à cena


política. Os movimentos sociais urbanos retomam lentamente em outras bases,
integrando a experiência assimilada nos processos de participação em conselhos,
fóruns e outros meios institucionalizados de participação; o MST retorna com
novo fôlego, se espalhando por todo o país; os estudantes voltam às ruas, mais
politizados e lutando contra o desemprego e a corrupção; os professores entram
em greve; e outras categorias também passam a se organizar e protestar. Surgem
também as ONG, como uma nova forma de resistência em substituição aos
movimentos sociais, que se organizam para defender os direitos e reconstruir a
vida social.

Desse período até os dias atuais, muitos eventos aconteceram e ainda


acontecem por meio de manifestações, marchas e ocupações contra a política,
a corrupção, a falta de ética dos políticos etc. O perfil dos participantes também
se modificou e hoje são chamados de ativistas. Um fato interessante que deve
ser destacado é a convocação e organização dos movimentos sociais pelas redes
sociais, que ganha mais força a cada dia (GOHN, 2004). Você pode perceber que
os movimentos sociais sempre existiram e continuarão existindo para dar voz à
sociedade civil na conquista e manutenção de direitos e espaços de participação
social, contribuindo para o fortalecimento da cidadania e da democracia
brasileira.

UNI

Movimentos dos índios, movimento dos caminhoneiros das estradas, dos


perueiros, entre outros (GOHN, 2000).

67
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os Movimentos sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas


por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais.
• Os Movimentos sociais politizam suas demandas e criam um campo político
de força social na sociedade civil.
• As ações dos Movimentos Sociais se estruturam a partir de repertórios criados
sobre temas e problemas em situações de conflitos, litígios e disputas.
• As ações dos Movimentos Sociais desenvolvem um processo social e político-
cultural que cria uma identidade coletiva ao movimento, a partir de interesses
em comum.
• A identidade dos Movimentos Sociais decorre da força do princípio da
solidariedade e é construída a partir da base referencial de valores culturais e
políticos compartilhados pelo grupo.
• Os movimentos sociais se estruturam com base em um grupo social que
compartilha uma dada situação social a qual gera insatisfação, causando neles
um sentimento de pertencimento e objetivos específicos a serem alcançados
por meio de reivindicações, projetos etc.
• Os movimentos sociais populares são compostos, na maioria das vezes, de
classes sociais desprivilegiadas e, geralmente, sofrem processos de dominação,
exploração, subordinação e marginalização.
• Os movimentos sociais podem ser classificados em três tipos:
o Conservadores: visam retomar uma situação que existia anteriormente ou
impedir que reivindicações de grupos sociais opostos se mantenham. São
monoclassistas ou policlassistas, com predomínio das classes privilegiadas.
o Progressistas ou reformistas: visam mudar a situação do grupo social. São
policlassistas, com grande presença de burocracia e intelectualidade.
o Revolucionários: visam a uma mudança radical da situação que somente é
possível se uma nova sociedade surgir para substituir a atual. Constituísse
como um processo que resolve o problema do grupo social. Podem ser
monoclassistas ou policlassistas.
• A participação social se configura como um processo que estimula o
compartilhamento de poder por meio do fortalecimento da sociedade civil e
da construção de caminhos que permitam alcançar uma nova realidade social
pela cultura cidadã.
• A educação popular possui caráter transformador e libertador, tendo como
princípios de sua existência justiça social e igualdade de direitos, uma vez que
permite a emancipação e autonomia dos indivíduos, que assumem o papel de
sujeitos de sua própria história.

68
AUTOATIVIDADE

1 Os movimentos sociais possuem inúmeras diferenças, que decorrem


de suas orientações políticas e ramificações. As orientações políticas
são determinadas pela formação social do grupo social de base e pela
hegemonia no seu interior.

Como são chamados os movimentos que visam retomar uma situação que
existia anteriormente ou impedir que reivindicações de grupos sociais
opostos se mantenham?

a) ( ) Burocráticos.
b) ( ) Revolucinários.
c) ( ) Reformistas.
d) ( ) Radicais.
e) ( ) Conservadores.

2 Desde os tempos do Brasil Colônia, nossa sociedade é marcada por lutas


e movimentos sociais contra a dominação, a exploração econômica e a
exclusão social. Na primeira metade da década de 1920, as repressões e
limitações das conquistas alcançadas pela classe trabalhadora geraram
impacto no movimento operário. Que impacto foi esse?

a) ( ) Crise.
b) ( ) Avanço.
c) ( ) Eliminação.
d) ( ) Retrocesso.
e) ( ) Revolta.

69
70
UNIDADE 1
TÓPICO 6

CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS

1 INTRODUÇÃO
Nesse excerto de texto de Smart mobs, Howard Rheingold (2003)
descreve um novo fenômeno no qual estranhos ligados por aparelhos de
comunicação móvel convergem espontaneamente para atingir determinada
meta. Rheingold, uma autoridade reconhecida no tocante às implicações sociais
das novas tecnologias, identificou um comportamento social que está surgindo.
Pode-se esperar esses efeitos não previstos. Geralmente, as novas tecnologias
não podem evitar a mudança da maneira como as pessoas vivem as suas vidas e,
por extensão, a evolução da sua cultura e sociedade. A invenção do computador
pessoal e a sua integração na vida cotidiana das pessoas são um outro exemplo
da mudança social que em geral se segue à introdução de uma nova tecnologia.

A mudança social foi definida como uma alteração significativa nos


padrões de comportamento e cultura, incluindo normas e valores (MOORE,
1967). O que é uma alteração “significativa”? Certamente, o aumento drástico
na educação formal. Como veremos neste tópico os movimentos sociais
desempenharam um papel importante na realização de mudanças sociais.

Como ocorre uma mudança social? O processo é imprevisível ou podemos


fazer determinadas generalizações a seu respeito? Por que algumas pessoas
resistem às mudanças sociais? Que mudanças poderão advir das tecnologias do
futuro? E quais foram os efeitos negativos das mudanças tecnológicas radicais
do século passado? Examinaremos o processo de mudança social, com ênfase
especial no impacto dos avanços tecnológicos. Começaremos com os movimentos
sociais – esforços coletivos para efetuar mudanças sociais propositais. Depois,
discutiremos a mudança social imprevista que ocorre quando inovações,
como novas tecnologias, englobam a sociedade. Os esforços para explicar essas
mudanças sociais de longo prazo levaram à elaboração de teorias sobre a

71
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

mudança. Analisaremos as abordagens evolucionária, funcionalista e do conflito


da mudança. Veremos como grupos interessados em manter o seu poder tentam
bloquear mudanças que consideram ameaçadoras. Os vários aspectos do nosso
futuro tecnológico, como a internet e a biotecnologia, também serão analizados.
Examinaremos os efeitos dos avanços tecnológicos sobre a cultura e a interação
social, o controle social e a estratificação e a desigualdade social. Juntos, os
impactos dessas mudanças tecnológicas podem estar aproximando-se de um
grau de magnitude comparável ao da Revolução Industrial. Por fim, na seção
de política social discutiremos as formas pelas quais as mudanças tecnológicas
intensificaram as preocupações com a privacidade e a censura.

2 MOVIMENTOS SOCIAIS
Embora fatores como meio ambiente físico, população, tecnologia e
desigualdade social sirvam como fontes de mudança, é o esforço coletivo das
pessoas, organizado em movimentos sociais, que leva definitivamente a transfor-
mações. Os sociólogos utilizam a expressão movimento social para se referir às
atividades coletivas organizadas para efetuar ou enfrentar as mudanças básicas
em um grupo ou uma sociedade existente (BENFORD, 1992). Herbert Blumer
(1955, p. 19) reconheceu a importância especial dos movimentos sociais quando os
definiu como “empreendimentos coletivos para definir uma nova ordem de vida”.

Em muitos países, incluindo os Estados Unidos, os movimentos sociais


tiveram um impacto crucial sobre o curso da história e a evolução da estrutura
social. Considere os atos dos abolicionistas, sufragistas, trabalhadores dos
direitos civis e ativistas contra a guerra no Vietnã. Os membros de cada um desses
movimentos sociais saíram dos canais tradicionais para provocar mudanças
sociais, mas tiveram uma influência notável sobre a política pública. Esforços
coletivos igualmente drásticos ajudaram a derrubar regimes comunistas de
maneira, em grande parte, pacífica, em países que muitos observadores con-
sideravam “imunes” a essas mudanças sociais (RAMET, 1991).

72
TÓPICO 6 | CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS

UNI

“Ei, Bush/ Quem luta as suas guerras?/ Só as minorias e os pobres!” Os alunos do ensino
médio de Los Angeles protestam contra a guerra no Iraque fazendo uma demonstração de
apoio aos trabalhadores em greve de um supermercado em Eagle Rock, Califórnia. Na sua
demonstração contra a guerra e a favor de práticas trabalhistas justas, o grupo, denominado
“As Animadoras de Torcida Adolescentes Radicais”, ilustra a teoria da privação relativa dos
movimentos sociais.

Embora os movimentos sociais pressuponham a existência de conflito,


podemos analisar suas atividades do ponto de vista funcionalista. Mesmo
quando não são bem-sucedidos, eles contribuem para a formação da opinião
pública. Primeiro, as pessoas achavam que as idéias de Margaret Sanger e
outras pioneiras defensoras do controle de natalidade eram radicais. Porém,
hoje os contraceptivos estão amplamente disponíveis nos Estados Unidos. Além
disso, os funcionalistas encaram os movimentos sociais como treinamento para
os líderes da classe dirigente política. Chefes de Estado, como Fidel Castro,
de Cuba, e Nelson Mandela, que presidiu a África do Sul, chegaram ao poder
depois de atuarem como líderes de movimentos revolucionários. O polonês Lech
Walesa, o russo Boris Yeltsin e o autor de teatro tcheco Vaclav Havel lideraram
movimentos de protesto contra o domínio comunista e depois se tornaram
líderes dos governos de seus países.

Como e por que surgem os movimentos sociais? Obviamente, as pessoas,


muitas vezes, estão desconten-tes com a maneira como as coisas estão. Mas o
que as faz se organizarem em determinado momento em um esforço coletivo de
provocar mudanças? Os sociólogos se baseiam em duas explicações do motivo
pelo qual as pessoas se mobilizam: as abordagens da relativa privação e da
mobilização de recursos.

73
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

3 PRIVAÇÃO RELATIVA
Os membros de uma sociedade que se sentem frustrados e descontentes
com as condições sociais e econômicas não estão necessariamente, do ponto de
vista objetivo, em uma situação ruim. Os cientistas sociais há tempos reconhecem
que o mais importante é como as pessoas percebem a sua situação. Como assinalou
Karl Marx, a miséria dos trabalhadores foi importante para que percebessem a
opressão que sofriam, tendo em vista a sua posição em relação à classe capitalista
dominante (MARX E ENGELS [1847] 1955).

A expressão privação relativa é definida como a sensação consciente de


uma discrepância negativa entre as expectativas legítimas e a realidade presente
(John WILSON, 1973). Em outras palavras, as coisas não vão tão bem quanto você
esperava que fossem. Esse tipo de situação pode ser caracterizado por escassez e
não por uma ausência completa das necessidades (como vimos na distinção entre
pobreza absoluta e pobreza relativa no Capítulo 9). Uma pessoa relativamente
carente está insatisfeita porque se sente oprimida em relação a algum grupo
de referência adequado. Consequentemente, os operários que vivem em casas
bifamiliares (geminadas) em pequenos pedaços de terra – embora não estejam
na parte mais baixa da escala social – podem sentir-se privados em relação aos
gerentes de empresas e aos profissionais que moram em casas suntuosas em
subúrbios de elite.

Além da sensação de relativa privação, dois outros elementos têm de estar


presentes antes de o descontentamento ser canalizado para um movimento social.
As pessoas precisam sentir que têm direito a seus objetivos, que merecem coisa
melhor do que aquilo que possuem. Por exemplo, a luta contra o colonialismo
europeu na África se intensificou quando uma quantidade cada vez maior de
africanos decidiu que era legítimo ter independência política e econômica. Ao
mesmo tempo, o grupo menos favorecido tem de sentir que não pode atingir
suas metas por meios convencionais. Essa crença pode ser ou não correta. Em
ambos os casos, o grupo não irá mobilizar-se em um movimento social se não
houver uma percepção compartilhada de que os seus membros só podem acabar
com a sua privação por intermédio de uma ação coletiva (MORRISON, 1971).

Os críticos dessa abordagem observaram que as pessoas não têm de se


sentir privadas de algo para serem impelidas a agir. Além disso, essa abordagem
não explica por que determinadas sensações de privações se transformam em
movimentos sociais enquanto em outras sensações semelhantes não se faz um
esforço coletivo para remodelar a sociedade. Como decorrência, nos últimos
anos, os sociólogos vêm dando cada vez mais atenção às forças necessárias para
provocar o surgimento de movimentos sociais (ALAIN, 1985; FINKEL; RULE,
1987; ORUM, 1980)

74
TÓPICO 6 | CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS

4 MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS
É preciso mais do que desejo para dar início a um movimento social. Ter
dinheiro, influência política, acesso aos meios de comunicação e pessoal ajuda.
A expressão mobilização de recursos se refere às maneiras como um movimento
social utiliza esses recursos. O êxito de um movimento por mudanças depende
em grande parte de seus recursos e de quão eficazmente ele os utiliza (ver
também Gamson, 1989; Staggenborg, 1989a, 1989b).

O sociólogo Anthony Oberschall (1973, p. 199) argumenta que, para


sustentar um protesto ou uma resistência social, é preciso que haja “uma base
organizada e continuidade de liderança”. Quando as pessoas decidem participar
de um movimento social, surgem regras que orientam o seu comportamento.
Pode-se esperar que os membros do movimento participem de reuniões regula-
res de organizações, paguem taxas, recrutem novos participantes e boicotem
produtos ou locutores do “inimigo”. Um movimento social emergente pode
fazer surgir uma linguagem especial ou novas palavras para termos/ex-pressões
familiares. Nos últimos anos, os movimentos sociais vêm sendo responsáveis por
novos termos/expressões de auto-referência, como negros e afro-americanos (para
substituir crioulos), cidadãos seniores (para substituir idosos), gays (para substituir
homossexuais) e pessoas portadoras de deficiências (para substituir deficientes).

A liderança é o fator central na mobilização dos descontentes em


movimentos sociais. Geralmente, um movimento é liderado por uma figura
carismática, como o Dr. Martin Luther King Jr. Como descreveu Max Weber em
1904, carisma é aquela qualidade de alguém que o destaca das pessoas comuns.
Evidentemente, o carisma pode desvanecer abruptamente, o que ajuda a explicar
a fragilidade de determinados movimentos sociais (MORRIS, 2000).

Porém, muitos movimentos sociais persistem por longos períodos de


tempo porque a sua liderança é bem organizada e contínua. Ironicamente, como
observou Robert Michels (1915), os movimentos sociais que lutam por mudanças
sociais acabam assumindo alguns dos aspectos da burocracia contra a qual se
organizaram para protestar. Os líderes tendem a dominar o processo de tomada
de decisões sem consultar seus seguidores. No entanto, a burocratização dos
movimentos sociais não é inevitável. Movimentos mais radicais, que defendem
importantes mudanças estruturais em uma sociedade e adotam ações de massa,
tendem a não ser hierárquicos ou burocráticos Fitzgerald e Rodgers (2000).

Atualmente, o Movimento dos Sem-Terra (MST) é o o movimento social


mais radical no Brasil ao reivindicar uma ampla distribuição de terras em todo o
território nacional. Seus métodos de ação são também radicais, pois os membros
entram em conflito direto com fazendeiros, invadem propriedades, queimam e
destroem benfeitorias e destroem as plantações, desrespeitando a instituição da
propriedade privada e exigindo desapropriações mesmo de terras produtivas.

75
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

A reforma agrária está em processo no País e seus resultados até agora não têm
sido promissores, já que as famílias assentadas produzem muito pouco por
falta de instrumentos de trabalho, insumos básicos e, muitas vezes, por falta de
conhecimento porque o recrutamento dos membros do MST admite desempre-
gados das cidades e não apenas aqueles com tradição no – ou originalmente do
– trabalho rural.

Por que determinadas pessoas se associam a um mo-vimento social


e outras que estão em situação semelhante não o fazem? Algumas delas
são recrutadas para fazer parte. Karl Marx reconheceu a importância do
recrutamento quando convocou os trabalhadores a se conscientizarem do seu
status de oprimidos e criarem uma consciência de classe. Como os teóricos da
abordagem da mobilização de recursos, Marx argumentava que um movimento
social (especificamente, a revolta do proletariado) iria requerer que os líderes
aguçassem a consciência dos oprimidos. Eles teriam de ajudar os trabalhadores
a superar a sensação de falsa consciência, ou atitudes que não refletem a sua
posição objetiva, para organizar um movimento revolucionário. Da mesma
maneira, um dos desafios enfrentados pelas atividades do movimento de
liberação feminina do final da década de 1960 e início da de 1970 era convencer
as mulheres de que estavam sendo privadas de seus direitos e de recursos sociais
valorizados socialmente.

Mesmo em movimentos que surgem praticamente de um dia para o outro


em resposta a eventos como uma guerra impopular, os recrutadores têm um
papel importante. Durante a Guerra do Iraque em 2003, organizadores externos
ajudaram a inflamar os protestos estudantis.

5 O SEXO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS


Os sociólogos destacam que o sexo é um elemento importante na
compreensão dos movimentos sociais. Na nossa sociedade dominada pelos
homens, as mulheres têm mais dificuldade do que eles de assumirem cargos
de liderança em organizações de movimentos sociais. Embora, muitas vezes, as
mulheres trabalhem desproporcionalmente como voluntárias nesses movimentos,
o seu trabalho não é sempre reconhecido nem suas vozes são ouvidas com
tanta facilidade quanto a dos homens. Além disso, a tendência sexual faz que a
extensão real da influência das mulheres seja ignorada. A análise tradicional do
sistema sociopolítico tende a se concentrar em corredores do poder dominados
pelos homens, como as legislaturas e diretorias de empresas, em detrimento de
domínios mais femininos, como casas, grupos comunitários e redes baseadas na
fé. Porém, os esforços para influenciar valores familiares, a criação de filhos, a
relação entre pais e escolas e os valores espirituais são claramente importantes
para uma cultura e para a sociedade (FERREE; MERRILL, 2000; NOONAN,
1995).

76
TÓPICO 6 | CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS

Os estudiosos dos movimentos sociais hoje se dão conta de que o sexo


pode afetar até a maneira como vemos os esforços organizados para provocar
ou enfrentar as mudanças. Por exemplo, a ênfase na utilização da racionalidade
e da lógica fria para atingir metas ajuda a obscurecer a importância da paixão e
da emoção nos movimentos sociais bem-sucedidos. Seria difícil encontrar algum
movimento – das lutas dos trabalhadores pelos direitos de votar aos embates
pelos direitos dos animais – no qual a paixão não tenha sido parte da força
criadora do consenso. As convocações para um estudo mais sério do papel da
emoção frequentemente são vistas como aplicáveis apenas aos movimentos das
mulheres, pois a emoção é tradicionalmente considerada algo feminino (FERREE;
MERRILL, 2000; TAYLOR, 1995).

6 NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS


No final da década de 1960, os cientistas sociais europeus observaram
uma mudança tanto na composição quanto nas metas dos movimentos sociais
que estavam surgindo. Anteriormente, os movimentos sociais tradicionais se
concentravam nas questões econômicas, e eram liderados por sindicatos ou
por pessoas que tinham a mesma profissão. No entanto, muitos movimentos
sociais que se tornaram ativos nas últimas décadas – incluindo o movimento
contemporâneo das mulheres – não têm as raízes de classe social típicas dos
protestos de trabalhadores nos Estados Unidos e na Europa no século passado
(TILLY, 1993).

A expressão novos movimentos sociais se refere a atividades coletivas


organizadas que abordam valores e identidades sociais, bem como melhorias
na qualidade de vida. Esses movimentos podem estar envolvidos na criação de
identidades coletivas. Muitos deles têm agendas complexas que vão além de
uma única questão e às vezes até ultrapassam as fronteiras nacionais. Pessoas
educadas de classe média são representadas de maneira significativa em alguns
desses novos movimentos sociais, como o das mulheres e o movimento pelos
direitos dos gays e lésbicas.

Os novos movimentos sociais geralmente não veem o governo com um


aliado na luta por uma sociedade melhor. Embora eles via de regra não tentem
derrubar o governo, podem criticar, protestar ou importunar seus representantes.
Os pesquisadores descobriram que os membros dos novos movimentos sociais
apresentam pouca inclinação para aceitar a autoridade estabelecida, até mesmo
a autoridade científica ou técnica. Essa característica está mais evidente nos
movimentos ambientais e antienergia nuclear, cujos ativistas apresentam os
seus próprios peritos para se oporem aos do governo ou das grandes empresas
(GARNER, 1996; POLLETTA; JASPER, 2001; SCOTT, 1990).

77
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

O movimento ambiental é um dos novos movimentos com um foco


mundial. Em seus esforços para reduzir a poluição do ar e da água, reduzir o
aquecimento global e proteger espécies animais em perigo de extinção, os
ativistas ambientais perceberam que medidas regulamentadoras rígidas em
um único país não são suficientes. Da mesma maneira, os líderes sindicais e
defensores dos direitos humanos não podem abordar as condições de exploração
das oficinas em um país em desenvolvimento se uma empresa multinacional
é capaz de simplesmente transferir a fábrica para um outro país onde os
trabalhadores ganham menos ainda. Enquanto as teorias tradi-cionais sobre os
movimentos sociais tendiam a enfatizar a mobilização de recursos em âmbito
local, a teoria do novo movimento social oferece uma perspectiva mais ampla e
global sobre o ativismo social e político.

7 TEORIAS DE MUDANÇAS SOCIAIS


O novo milênio nos dá a chance de apresentar explicações para
as mudanças sociais, que definimos como uma mudança significativa com
o decorrer do tempo nos padrões de comportamento e na cultura. Essas
explicações evidentemente são um desafio no mundo diversificado e complexo
no qual vivemos. Mesmo assim, os teóricos de várias disciplinas vêm tentando
analisar as mudanças sociais. Em alguns casos, analisaram acontecimentos
históricos para entender melhor as mudanças contem-porâneas. Vamos revisar
três teorias sobre a mudança – a evolucionista, a funcionalista e a do conflito – e
depois examinaremos as mudanças mundiais.

UNI

Contribuições para a teoria do movimento social

Abordagem Ênfase
Abordagem da privação relativa O s m ov i m e n to s s o c i a i s tê m g ra n d e
probabilidade de surgir quando as expectativas
crescentes são frustradas.
Abordagem da mobilização de recursos O êxito dos movimentos sociais depende de
quais recursos estão disponíveis e de quão
eficazmente são utilizados.

Teoria do novo movimento social Os movimentos sociais surgem quando as


pessoas estão motivadas por questões de valor
e identidade social.

78
TÓPICO 6 | CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS

8 TEORIA EVOLUCIONISTA
O trabalho pioneiro de Charles Darwin (1809-1882) a respeito da
evolução biológica contribuiu para as teorias sobre mudanças sociais do século
XIX. A abordagem de Darwin enfatiza uma progressão contínua de formas de
vida sucessivas. Por exemplo, os seres humanos apareceram depois dos répteis
na evolução e representam uma forma de vida mais complexa. Na busca de uma
analogia com esse modelo biológico, os teóricos sociais deram origem à teoria
evolucionista, na qual a sociedade é vista como caminhando em uma direção
definida. Os primeiros teóricos evolucionistas concordavam que a sociedade
estava progredindo inevitavelmente para um estado mais elevado. Como era de
se esperar, concluíram, à moda etnocêntrica, que seus próprios comportamento e
cultura eram mais avançados do que das civilizações anteriores.

Augusto Comte (1798-1857), um dos fundadores da sociologia, foi


um teórico evolucionista das mudanças. Ele via as sociedades humanas como
avançando da mitologia para o método científico na sua maneira de pensar. Da
mesma maneira, Émile Durkheim ([1893] 1933) argumentou que a sociedade
evoluía de formas simples para formas mais complexas de organização social.

As obras de Comte e Durkheim são exemplos da teoria evolucionista


unilinear. Esta abordagem afirma que todas as sociedades passam pelas mesmas
fases sucessivas de evolução e inevitavelmente atingem o mesmo fim. O sociólogo
inglês Herbert Spencer (1820-1903) utilizou uma abordagem semelhante: igualou
a sociedade a um corpo vivo cujas partes interligadas caminhavam para um
destino comum. No entanto, os teóricos evolucionistas contemporâneos, como
Gerhard Lenski, têm mais probabilidade de considerar as mudanças sociais
como multilineares do que se basearem na perspectiva unilinear mais limitada.
A teoria evolucionista multilinear defende que as mudanças podem ocorrer de
várias maneiras e não levam inevitavelmente à mesma direção (HAINES, 1988;
TURNER, 1985).

Os adeptos da teoria multilinear reconhecem que a cultura humana


evoluiu ao longo de várias linhas. Por exemplo, a teoria da transição
demográfica demonstra graficamente que a mudança na população nos países
em desenvolvimento não seguiu necessariamente o modelo evidente nos países
industrializados. Os sociólogos hoje argumentam que os acontecimentos não
seguem uma ou mesmo várias linhas retas, em vez disso, estão sujeitos a rupturas
– um tópico que analisaremos mais adiante na nossa discussão das mudanças
sociais mundiais.

79
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

9 TEORIA FUNCIONALISTA
Como os sociólogos funcionalistas se concentram naquilo que mantém um
sistema e não no que o muda, aparentemente contribuem pouco para o estudo
das mudanças sociais. Entretanto, como demonstra o trabalho do sociólogo
Talcott Parsons, os funcionalistas fizeram uma contribuição singular para essa
área da investigação sociológica.

Parsons (1902-1979), um dos principais proponentes da teoria


funcionalista, via a sociedade como estando em um estado natural de equilíbrio.
Com “equilíbrio” ele queria dizer que a sociedade tende para um estado de
estabilidade. Parsons via até as greves prolongadas de trabalhadores ou motins
civis como transtornos temporários no status quo e não como alterações signifi-
cativas na estrutura social. Consequentemente, de acordo com o seu modelo
de equilíbrio, à medida que ocorrem mudanças em uma parte da sociedade,
é preciso fazer ajustes em outras partes. Se isso não acontecer, o equilíbrio da
sociedade estará ameaçado e ocorrerão tensões.

Refletindo sobre a abordagem evolucionista, Parsons (1966) defendia que


quatro processos de mudanças sociais são inevitáveis. O primeiro, a diferenciação,
refere-se à complexidade cada vez maior da organização social. A transição
do “homem de medicina” para médico, enfermeira e farmacêutico ilustra a
diferenciação na área de saúde. Esse processo é acompanhado pelo de atualização
adaptativa, no qual as instituições sociais se tornam mais especializadas em
seus fins. A divisão dos médicos em obstetras, residentes, cirurgiões etc. é um
exemplo de atualização adaptativa.

O terceiro processo que Parsons identificou é da inclusão de grupos


excluídos anteriormente por causa de seu sexo, sua raça, etnia e seu histórico
de classe social. As escolas de medicina praticaram a inclusão admitindo uma
quantidade cada vez maior de mulheres e negros. Por fim, Parsons argumenta
que as sociedades passam por uma generalização de valores, ou seja, a criação
de novos valores que toleram e legitimam uma gama maior de atividades. A
aceitação das medicinas preventivas e alternativas é um exemplo de generalização
de valores: a sociedade ampliou a sua visão da área de saúde. Todos os quatro
processos identificados por Parsons enfatizam o consenso – a concordância da
sociedade quanto à natureza da organização social e dos valores (JOHNSON,
1975; WALLACE; WOLF, 1980).

Embora a abordagem de Parsons incorpore explicitamente o conceito


evolucionista do progresso contínuo, o tema dominante em seu modelo é o
equilíbrio e a estabilidade. A sociedade pode mudar, mas continua estável
mediante novas formas de integração. Por exemplo, no lugar dos elos de
parentesco que propiciavam a coesão social no passado, as pessoas criaram leis,
processos judiciais e novos sistemas de valores e de crenças.

80
TÓPICO 6 | CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS

UNI

Desde 1990, golfistas negros, como Tiger Woods, vêm sendo bem recebidos nos campos
de golfe particulares mais exclusivos. A sua aceitação em enclaves antes exclusivamente
de brancos, como o Augusta National Golf Club, sede do Torneio de Veteranos, ilustra o
processo de inclusão descrito por Talcott Parsons. No entanto, esse processo está longe da
conclusão. As mulheres ainda são impedidas de fazer parte do Augusta National e outros
clubes de elite, independentemente de quão ricas ou bem-sucedidas sejam.

Os funcionalistas pressupõem que as instituições sociais só persistirão se


continuarem a contribuir para a sociedade. Essa hipótese os leva a concluir que
alterar drasticamente as instituições irá ameaçar o equilíbrio da sociedade. Os
críticos observam que a abordagem funcionalista quase ignora o uso da coerção
pelos poderosos para manter a ilusão de uma sociedade estável e bem integrada
(GOULDNER, 1960).

10 TEORIA DO CONFLITO
A perspectiva funcionalista minimiza a importância da mudança,
enfatiza a persistência da vida social e vê a mudança como uma forma de manter
o equilíbrio de uma sociedade. Opostamente, os teóricos do conflito argumentam
que as instituições e práticas sociais persistem porque grupos poderosos têm a
capacidade de manter o status quo. A mudança tem uma importância crucial, já
que é necessária para corrigir injustiças e desigualdades sociais.

81
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

Karl Marx aceitou o argumento evolucionista de que as sociedades se


desenvolvem ao longo de uma determinada trilha. Mas, ao contrário de Comte e
Spencer, não via cada uma das etapas sucessivas como uma melhoria inevitável
da anterior. A história, segundo Marx, segue em frente por uma série de etapas,
cada uma delas explorando uma classe de pessoas. A sociedade antiga explorava
os escravos; o sistema feudal explorava os servos, e a sociedade capitalista
moderna explora a classe trabalhadora. No fim, com a revolução socialista
liderada pelo proletariado, a sociedade humana irá caminhar para a etapa final
de desenvolvimento: uma sociedade comunista sem classe ou “comunidade de
indivíduos livres”, como Marx a descrevia em Das Kapital (O capital) em 1867
(ver Bottomore e Rubel, 1956, p. 250).

Como vimos, Marx teve uma influência importante no desenvolvimento


da sociologia. A sua maneira de pensar nos proporcionou insights sobre
instituições, como economia, família, religião e governo. A visão marxista das
mudanças sociais é atraente porque não restringe as pessoas ao papel passivo na
reação aos ciclos inevitáveis ou às mudanças na cultura material. Em vez disso,
a teoria marxista oferece uma ferramenta para aqueles que querem apoderar-
se do controle do processo histórico e libertar-se da injustiça. Ao contrário da
ênfase dos funcionalistas na estabilidade, Marx argumenta que o conflito é um
aspecto normal e desejável da mudança social. Na verdade, a mudança precisa
ser incentivada como um meio de eliminar a desigualdade social (LAUER, 1982).

Um teórico do conflito, Ralf Dahrendorf (1958), observou que o contraste


entre a perspectiva funcionalista na estabilidade e o foco da teoria do conflito na
mudança reflete a natureza contraditória da sociedade. As sociedades humanas
são estáveis e duradouras, porém vivenciam graves conflitos. Dahrendorf
descobriu que a abordagem funcionalista e a teoria do conflito no final eram
compatíveis, apesar dos seus vários pontos de discordância. Na verdade, Parsons
falou de novas funções que resultam das mudanças sociais e Marx reconheceu
a necessidade de mudanças para que as sociedades pudessem atuar de uma
maneira mais igualitária.

11 MUDANÇAS SOCIAIS MUNDIAIS


Estamos em um momento realmente crucial da história para analisar as
mudanças sociais. Maureen Hallinan (1997), em seu discurso presidencial para a
American Sociological Association, pediu aos presentes que pensassem apenas
em alguns poucos acontecimentos políticos recentes: o colapso do comunismo;
o terrorismo em várias partes do mundo, incluindo os Estados Unidos; as
mudanças importantes de regimes e os problemas econômicos graves na África,
no Oriente Médio e na Europa Oriental; a difusão da Aids; e a revolução do
computador. Apenas alguns meses após suas observações, ocorreu a primeira
clonagem de um animal complexo: a ovelha Dolly.

82
TÓPICO 6 | CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS

UNI

A queda do regime totalitário de Saddam Hussein no Iraque, em 2003, foi uma das várias
mudanças de regime que ocorreram no início do século XXI. Em uma sociedade global, essas
mudanças afetam as pessoas no mundo todo e não em apenas um país.

Nessa era de grandes transformações sociais, políticas e econômicas em


escala mundial, é possível prever mudanças? Algumas mudanças tecnológicas
parecem evidentes, mas a queda de governos comunistas na antiga União
Soviética e na Europa Oriental no início da década de 1990 pegou todo mundo
de surpresa. Contudo, antes da queda da União Soviética, o sociólogo Randall
Collins (1986, 1995), um teórico do conflito, observou uma sequência crucial de
eventos que havia passado despercebida da maioria dos observadores.

Em seminários de 1980 e em um livro publicado em 1986, Collins havia


argumentado que o expansionismo soviético resultara em uma superextensão
de recursos, incluindo gastos desproporcionais com forças militares. Essa
superextensão pressiona a estabilidade de um regime. Além disso, a teoria
geopolítica sugere que os países no meio de uma região geográfica, como a União
Soviética, tendem a se fragmentar em unidades menores com o decorrer do
tempo. Collins previu que a coincidência das crises sociais em várias fronteiras
iria precipitar o colapso da União Soviética.

E foi exatamente isso o que aconteceu. Em 1979, o êxito da revolução


iraniana levou à explosão do fundamentalismo islâmico no vizinho Afeganistão,
bem como nas repúblicas soviéticas com grandes populações muçulmanas.
Ao mesmo tempo, a resistência ao domínio comunista aumentava em toda a
Europa Oriental e dentro da própria União Soviética. Collins havia previsto que
a ascensão de uma forma dissidente de comunismo dentro da União Soviética
poderia facilitar o colapso do regime. No final dos anos 80, o líder soviético
Mikhail Gorbachev optou por não utilizar forças militares e outros tipos de
repressão para conter dissidentes na Europa Oriental. Em vez disso, apresentou

83
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

planos para a democratização e reforma social da sociedade soviética e parecia


disposto a remodelar a União Soviética em uma federação de estados mais ou
menos independentes. Porém, em 1991, seis repúblicas da periferia ocidental
declararam a sua independência e alguns meses depois toda a União Soviética
havia formalmente se desintegrado na Rússia e em uma série de outros países
independentes.

No seu discurso, Hallinan (1997) alertou que temos de ir além dos


modelos restritivos da mudança social – a visão linear da teoria evolucionista
e as hipóteses sobre o equilíbrio na teoria funcionalista. Ela e outros sociólogos
recorreram à “teoria do caos” apresentada pelos matemáticos para entender os
acontecimentos erráticos como parte da mudança. Hallinan observou que as
grandes mudanças caóticas e revoluções ocorrem de fato e que os sociólogos
precisam aprender a prever esses eventos, assim como Collins fez com a União
Soviética. Por exemplo, imagine a impressionante mudança social não linear que
resultaria de inovações nas comunicações e na biotecnologia – tópicos que serão
abordados neste capítulo.

12 RESISTÊNCIA ÀS MUDANÇAS SOCIAIS


Os esforços para realizar mudanças sociais provavelmente irão encontrar
resistência. No meio de rápidas inovações científicas e tecnológicas, muitas
pessoas se assustam com as demandas de uma sociedade em constante trans-
formação. Além disso, determinados indivíduos e grupos têm interesse em
manter o status quo.

O economista Thorstein Veblen (1857-1929) cunhou a expressão interesses


investidos para se referir àquelas pessoas ou grupos que irão sofrer no caso de
uma mudança social.

Por exemplo, a American Medical Association (AMA) assumiu posições


firmes contra o seguro-saúde nacional e a profissionalização da obstetrícia. O
seguro-saúde nacional poderia levar a limites nas rendas dos médicos e a elevação
do status das parteiras poderia ameaçar a posição preeminente dos médicos
como realizadores de partos. No geral, com uma parcela desproporcional
da riqueza, do status e do poder da sociedade, esses membros da Associação
Médica Norte-Americana têm interesse em preservar o status quo (STARR, 1982;
VEBLEN, 1919).

13 FATORES ECONÔMICOS E CULTURAIS


Os fatores econômicos têm um papel importante na resistência às mu-
danças sociais. Para exemplificar, pode ser caro, para os fabricantes, atender
altos padrões de segurança para os produtos, os trabalhadores e para a proteção
do meio ambiente. Os teóricos do conflito argumentam que, em um sistema
econômico capitalista, muitas empresas não estão dispostas a pagar o preço

84
TÓPICO 6 | CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS

para atender a padrões rígidos de segurança e ambientais. E podem resistir às


mudanças sociais economizando ou pressionando o governo para amenizar as
regulamentações.

As comunidades também defendem os seus inte-resses, muitas vezes em


nome de “proteger valores de propriedade”. A abreviação NIMBY significa “não
no meu quintal”, um grito ouvido muitas vezes quando as pessoas protestam
contra aterros, prisões, instalações de usinas nucleares e até trilhas para bicicleta
e casarios para pessoas portadoras de deficiências. A comunidade visada pode
não questionar a necessidade das instalações, mas simplesmente insiste que
sejam colocadas em outro lugar. A atitude do tipo “não no meu quintal” tornou-
se tão comum que é quase impossível, para os elaboradores de política, encontrar
locais para instalações como lixões de materiais perigosos (JASPER, 1997).

Como os fatores econômicos, os fatores culturais frequentemente moldam


a resistência às mudanças. William F. Ogburn (1922) fez uma diferenciação entre
os aspectos materiais e imateriais da cultura. A cultura material inclui invenções,
artefatos e tecnologia. A cultura imaterial engloba ideias, regras, comunicações
e organização social. Ogburn assinalou que não é possível criar métodos para
controlar e utilizar nova tecnologia antes da introdução de uma técnica. Desse
modo, a cultura imaterial normalmente tem de reagir a mudanças na cultura
material. Ogburn introduziu a expressão hiato, atraso ou defasagem cultural
para se referir ao período de inadaptação, quando a cultura imaterial ainda
está lutando para se ajustar a novas condições materiais. Um exemplo disso é

UNI

“Não no meu quintal” NIMBY, dizem esses manifestantes, opondo-se


à colocação de um novo incinerador em uma região de Highland Park, Michigan. O
fenômeno NIMBY tornou-se tão comum que é quase impossível os elaboradores de
políticas encontrarem localidades aceitáveis para incineradores, aterros e lixões de materiais
perigosos.

85
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

a Internet. O seu rápido crescimento descontrolado levanta questões quanto a


regulamentá-la ou não e, em caso positivo, a extensão dessa regulamentação (ver
seção sobre política social no final deste capítulo).

Em certos casos, as mudanças na cultura material podem tensionar as


relações entre as instituições sociais. Por exemplo, nas últimas décadas, foram
criados novos meios de controle de natalidade. Famílias grandes não são mais
economicamente necessárias nem comumente aprovadas pelas regras sociais.
Determinadas crenças religiosas, porém – entre elas o catolicismo apostólico
romano –, continuam incentivando grandes famílias e desaprovando métodos
de controle da natalidade, como a contracepção e o aborto. Essa questão
representa um hiato entre os aspectos da cultura material (tecnologia) e a cultura
imaterial (crenças religiosas). Também podem surgir conflitos entre a religião
e outra instituição social, como o governo e o sistema educacional, quanto à
disseminação do controle de natalidade e de informações sobre o planejamento
familiar (RILEY et al., 1994a, 1994b).

14 RESISTÊNCIA À TECNOLOGIA
Inovações tecnológicas são exemplos de mudanças na cultura material
que provocam resistência.

UNI

Em Londres, uma mulher de telefone celular caminha por uma linha de cabines telefônicas
obsoletas recicladas como arte ambiental. No mundo todo, as mudanças tecnológicas
derrubaram os canais de comunicação estabelecidos, alterando as interações sociais
cotidianas das pessoas no processo.

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TÓPICO 6 | CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS

A Revolução Industrial, que ocorreu em grande parte na Inglaterra durante


o período de 1760 a 1830, foi uma revolução científica que se concentrou na
aplicação de fontes não animais de energia em tarefas operárias. À medida que
essa revolução foi evoluindo, as sociedades começaram a depender de novas
invenções que facilitassem a produção agrícola e industrial e de novas fontes
de energia, como o vapor. Em algumas indústrias, a introdução de máquinas
movidas a energia elétrica reduziu a necessidade de trabalhadores nas fábricas e
tornou mais fácil, para os patrões, cortar salários.

Surgiu uma forte resistência à Revolução Industrial em alguns países.


Na Inglaterra, começando em 1811, artesãos mascarados tomaram medidas
extremas: organizaram ataques noturnos às fábricas e destruíram alguns dos
novos equipamentos. O governo caçou esses rebeldes, conhecidos como luditas,
e os submeteu a expulsão ou enforcamento. Em um esforço semelhante na
França, trabalhadores irados jogaram os seus tamancos (sabots) nas máquinas
da fábrica para destruí-las, o que deu origem ao termo sabotagem. E, embora a
resistência dos ludistas e dos trabalhadores franceses tenha tido curta duração e
sido malsucedida, acabou simbolizando resistência à tecnologia.

Estamos agora em uma segunda Revolução Industrial com um grupo


contemporâneo de ludistas empenhados em resistir? Muitos sociólogos
acreditam que vivemos em uma sociedade pós-industrial. É difícil apontar
exatamente quando essa era começou. Em geral, ela é considerada como tendo
início na década de 1950, quando pela primeira vez a maioria dos trabalhadores
de sociedades industriais passou a se envolver também com serviços em vez de
apenas na efetiva produção de bens (BELL, 1999; FIALA, 1992).

Assim como os ludistas resistiram à Revolução Industrial, as pessoas


em vários países resistiram às mudanças tecnológicas pós-industriais. O termo
neoludistas se refere àqueles que desconfiam das inovações tecnológicas e que
questionam a expansão incessante da industrialização, a destruição cada vez
maior do mundo natural e agrário e a mentalidade de “jogar fora” do capitalismo
moderno, com a sua resultante poluição do meio ambiente. Os neoludistas
insistem que quaisquer que sejam os supostos benefícios da tecnologia industrial
e pós-industrial, essa tecnologia tem custos sociais próprios e pode representar
um perigo para o futuro da espécie humana e para o nosso planeta (BAUERLEIN,
1996; RIFKIN, 1995b; SALE, 1996; SNYDER, 1996).

Vale a pena lembrar dessas preocupações quando nos voltarmos para o


nosso futuro tecnológico e o seu possível impacto sobre as mudanças sociais.

87
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

15 A TECNOLOGIA E O FUTURO
Tecnologia é um conjunto de informações culturais sobre como utilizar
os recursos materiais do meio ambiente para satisfazer as necessidades e os
desejos humanos. Os avanços tecnológicos – o avião, o carro, a televisão, a
bomba atômica e, mais recentemente, o computador, o fax e o telefone celular
– provocaram mudanças extraordinárias em nossa cultura, nossos padrões de
socialização, nossas instituições sociais e nossas interações sociais cotidianas.
As inovações tecnológicas, na verdade, estão surgindo e sendo aceitas a uma
velocidade incrível.

Nas seções a seguir, examinaremos os vários aspectos do nosso futuro


tecnológico e analisaremos o seu impacto sobre as mudanças sociais, incluindo a
pressão social que provocarão. Focaremos particularmente os desenvolvimentos
recentes em informática e biotecnologia.

15.1 INFORMÁTICA
A década passada foi testemunha de uma explosão de informática nos
Estados Unidos e em todo o mundo. Os seus efeitos são particularmente dignos
de nota no tocante à Internet, a maior rede de computadores do mundo. Estimou-
se que em 2005 a Internet atingiria 1,1 bilhão de usuários de computador, contra
apenas 50 milhões em 1996 (GLOBAL REACH, 2004).

88
RESUMO DO TÓPICO 6
Neste tópico, você aprendeu que:

• Embora fatores como meio ambiente físico, população, tecnologia e


desigualdade social sirvam como fontes de mudança, é o esforço coletivo
das pessoas, organizado em movimentos sociais, que leva definitivamente a
transformações.

• Os sociólogos utilizam a expressão movimento social para se referir às


atividades coletivas organizadas para efetuar ou enfrentar as mudanças
básicas em um grupo ou uma sociedade existente

• A expressão privação relativa é definida como a sensação consciente de uma


discrepância negativa entre as expectativas legítimas e a realidade presente.
Em outras palavras, as coisas não vão tão bem quanto você esperava que
fossem. Esse tipo de situação pode ser caracterizado por escassez e não por
uma ausência completa das necessidades.

• É preciso mais do que desejo para dar início a um movimento social. Ter
dinheiro, influência política, acesso aos meios de comunicação e pessoal ajuda.

• A expressão mobilização de recursos se refere às maneiras como um


movimento social utiliza esses recursos. O êxito de um movimento por
mudanças depende em grande parte de seus recursos e de quão eficazmente
ele os utiliza.

• A expressão novos movimentos sociais se refere a atividades coletivas


organizadas que abordam valores e identidades sociais, bem como melhorias
na qualidade de vida. Esses movimentos podem estar envolvidos na criação de
identidades coletivas. Muitos deles têm agendas complexas que vão além de
uma única questão e às vezes até ultrapassam as fronteiras nacionais. Pessoas
educadas de classe média são representadas de maneira significativa em
alguns desses novos movimentos sociais, como o das mulheres e o movimento
pelos direitos dos gays e lésbicas.

• Os novos movimentos sociais geralmente não veem o governo com um


aliado na luta por uma sociedade melhor. Embora eles não tentem derrubar o
governo, podem criticar, protestar ou importunar seus representantes.

• Existem três teorias sobre a mudança – a evolucionista, a funcionalista e a do


conflito – e depois examinaremos as mudanças mundiais.

89
AUTOATIVIDADE

1 Os novos movimentos sociais são diferentes das ações coletivas de antes,


por eles politizarem a esfera privada e tornarem públicas as problemáticas
das minorias sociais. De acordo com essa afirmação e com os conteúdos
apresentados em Dica do Professor, dentre esses movimentos, destacam-se
aqueles que:

a) ( ) Determinam a opinião pública sobre as questões ecológicas.


b) ( ) Produzem discussões locais e regionais, não abarcando questões
globais.
c) ( ) Se desenvolvem a partir do controle do Estado e dos partidos políticos.
d) ( ) Envolvem negros, indígenas, sem-terra e sem-teto.
e) ( ) Realizam pressão política, apoiando contestação da política econômica,
e lutam por melhores salários.

2 (UNICENTRO, 2012) "A vida política não acontece apenas dentro do


esquema ortodoxo dos partidos políticos, da votação e da representação em
organismos legislativos e governamentais. O que geralmente ocorre é que
alguns grupos percebem que esse esquema impossibilita a concretização de
seus objetivos ou ideais, ou mesmo os bloqueia efetivamente [...]. Às vezes,
a mudança política e social só pode ser realizada recorrendo-se a formas
não ortodoxas de ação política" (GIDDENS, 2012, p. 356-357).

De acordo com Giddens e também a partir do conteúdo apresentado em Dica


do Professor, há um tipo comum de atividade política não ortodoxa, que
busca promover um interesse comum ou assegurar uma meta comum através
de ações fora das esferas institucionais, que se chama:

a) ( ) Interação social.
b) ( ) Mobilidade lateral.
c) ( ) Movimento social.
d) ( ) Princípio preventivo.
e) ( ) Movimento de acomodação urbana.

90
UNIDADE 1
TÓPICO 7

MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico estudaremos o conceito de Estado, sociedade e direitos
humanos; a história e a evolução dos direitos humanos no Brasil; e o papel dos
movimentos sociais em defesa dos direitos humanos.

2 ESTADO, SOCIEDADE E DIREITOS HUMANOS


A seguir, veremos brevemente os conceitos de Estado, sociedade e
direitos humanos e como eles estão relacionados à questão dos direitos humanos.

2.1 ESTADO
O Estado é uma organização social soberana que possui poder supremo
sobre os indivíduos em uma sociedade, tendo legitimidade para exercê-
lo, inclusive com a força física, se necessária for. Dessa forma, entende-se
que somente as organizações estatais são reconhecidas pelo povo para ditar
regras que todos devem seguir e possuem autoridade e poder para regular o
funcionamento da sociedade em um território. O exercício do poder ao qual
se refere é a capacidade de o Estado influenciar a ação e o comportamento das
pessoas, de forma decisiva. Apesar das características citadas, definir Estado não
é fácil, uma vez que na ciência política sua definição ainda é imprecisa, levando
as pessoas a confundirem Estado com governo, país, regime político ou sistema
econômico.

O conceito de Estado é dinâmico, porém, pode-se dizer que desde sua


origem até os dias atuais certos aspectos prevalecem, como a existência do
território e do povo. Alguns autores afirmam que o conceito de Estado não é
universal, servindo apenas para indicar e descrever uma forma de ordenamento
político. O que se pode afirmar é que “o Estado não admite concorrência e exerce
de forma monopolista o poder político, que é o poder supremo nas sociedades
contemporâneas” (COELHO, 2009, p. 16). Nesse contexto, Estado e poder são
termos que não se dissociam. O Estado tem três funções fundamentais, das quais
decorrem todas as suas ações (COELHO, 2009).

91
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

• Legislativa: elabora as leis e o ordenamento jurídico, necessários à vida em


sociedade.
• Executiva: assegura que as leis sejam cumpridas.
• Judiciária: julga a adequação ou não dos atos particulares sob as leis existentes.

ATENCAO

Em qualquer sociedade humana existe uma ordem jurídica e um poder


político, que na verdade trata-se de um poder jurídico, uma vez que sua legitimidade é
reconhecida pela ordem jurídica, fazendo-se obedecer por meio de normas jurídicas pelas
quais exerce a dominação estatal (COELHO, 2009).

2.2 SOCIEDADE
A sociedade pode ser caracterizada por um grupo de pessoas que
compartilham a mesma cultura e as tradições e se localizam no mesmo tempo e
espaço. Todo homem está concentrado na sociedade em que está inserido, sendo
influenciado por ela em sua formação como indivíduo. A sociedade humana
surgiu com a finalidade de atender as suas necessidades, pois desde os primórdios
o ser humano precisa de ajuda para sobreviver e tem a tendência e a necessidade
de viver em grupo para se desenvolver, o que faz a sociedade ser considerada
uma rede de relações entre indivíduos, grupos sociais e organizações. Essas
relações são chamadas de relações sociais, a base da existência da sociedade,
a qual é construída diariamente por meio da organização social e da parti-
cipação individual, que definem, de forma ativa, o seu modelo de referência para
determinado grupo de pessoas.

Por ter a capacidade de organização e cumprimento de normas, vive-se


em sociedade, na qual a relação estabelecida se constitui por constantes trocas,
não apenas sob a lógica do lucro, mas também sob a forma simbólica, por meio da
criação e manutenção de laços de solidariedade que dão significado à sociedade.
Dessa forma, o comportamento humano é permeado por grande complexidade,
em que os indivíduos são influenciados pelo meio em que vivem, formando-
se e agindo conforme sua formação, influenciando também a sociedade. O
comportamento das pessoas sofre influências culturais e históricas, e, para que
possam se desenvolver, elas têm como referência o comportamento ditado pela
sociedade.

Quando se fala em sociedade, não se pode deixar de mencionar a


sociedade civil, que é a forma como ela se organiza politicamente para influenciar

92
TÓPICO 7 | MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS

o Estado e suas políticas públicas. Não é fácil conceituar sociedade civil, uma vez
que ela possui grande diversidade de significados e é produto de uma construção
histórica, cultural, geográfica, social e política, sofrendo variações à medida que
mudam os autores, as épocas, os contextos históricos e as perspectivas políticas
que a influenciam e a enriquecem (LAVALLE, 1999; SCHOLTE, 2002).

A sociedade civil é uma parte importante da história, uma vez que


abrange uma dimensão ampla da vida social. No Brasil, sua reorganização foi
estimulada pela rápida urbanização quando deslocou pessoas de baixa renda
do campo para as cidades urbanas, em locais onde os serviços públicos eram
incipientes, o que as fez se organizarem para lutar por eles (SANTOS, 1979;
CALDEIRA, 2000); e pela modernização econômica do país, que transformou
as políticas de planejamento urbano, saúde e educação em questões tecnocrá-
ticas, fazendo os atores de classe média (economistas, médicos, advogados,
professores universitários) reagirem a esse projeto, organizando meios de ação
coletiva e associação para disputar os elementos tecnocráticos (BOSCHI, 1987;
ESCOREL, 1999; AVRITZER, 2002).

A liberdade, a justiça e a proteção do ambiente, bem como a ideia da


divisão em classes sociais, grupos de interesse e indivíduos centrados na própria
realização, são alguns dos objetivos universais da sociedade civil, na qual
todos os membros correspondem ao seu capital, ao seu conhecimento e à sua
capacidade de se organizar e se comunicar. Nesse contexto, as pessoas se unem
de modo voluntário em torno de valores ou iniciativas com objetivos específicos,
geralmente na forma de organizações, associações, institutos, fundações etc.
Pode-se entender a sociedade civil como o local em que a sociedade e o Estado
interagem socialmente por meio das famílias, associações, movimentos sociais e
meios de comunicação pública (TESSMANN, 2007).

Na sociedade civil, os conflitos acontecem e precisam ser administrados


pelo Estado. Nesse contexto, ela atua como uma organização de interesses
materiais e ideais; já o Estado como a organização da autoridade, sendo que
ambos são indivisíveis e interdependentes. No entanto, o motor da história
é a sociedade civil, que firma seu papel em lutas sociais, criação de consenso
e ampliação do Estado, pois quanto maior for a organização popular em uma
sociedade, maior é a chance de o Estado se ampliar, no sentido de abarcar os
interesses da coletividade. Dessa forma, a relação entre eles pode garantir as
condições necessárias para enfrentar, romper e construir uma nova ordem social,
que possibilite ao Estado acolher as demandas da sociedade organizada.

Nesse contexto, a participação social é fundamental, uma vez que


contribui para a construção do consenso em relação ao interesse público,
orientando o Estado no atendimento às demandas da sociedade, sejam públicas
ou privadas. O atendimento a essas demandas configura-se como forma de
legitimação do Estado, porque quanto maior for a capacidade de resposta às
demandas da população, mais ele se tornará legítimo como agente de regulação
social, apesar de sua essência política (BEZERRA, 2016).

93
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

2.3 DIREITOS HUMANOS


Pode-se entender os direitos humanos como aqueles inerentes ao ser
humano, como o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e expressão,
ao trabalho e à educação, entre outros, independentemente de raça, sexo, nacio-
nalidade, etnia, idioma, religião, opinião política ou qualquer outra condição,
por exemplo, origem social ou nacional, ou condição de nascimento ou riqueza.
Todos possuem direitos, sem discriminação. Eles são garantidos por lei e visam
proteger os indivíduos e grupos contra quaisquer ações que possam interferir no
gozo das liberdades fundamentais e na dignidade humana. São características
importantes dos direitos humanos (ONU BRASIL, s.d.):

Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade


e o valor de cada pessoa; os direitos humanos são universais, o que
quer dizer que são aplicados de forma igual e sem discriminação a
todas as pessoas; os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém
pode ser privado de seus direitos; eles podem ser limitados em
situações específicas. [...]; os direitos humanos são indivisíveis, inter-
relacionados e interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns
direitos humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito
vai afetar o respeito por muitos outros; todos os direitos humanos
devem, portanto, ser vistos como de igual importância, sendo
igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de cada pessoa.

Um dos principais documentos da área é a Declaração Universal dos


Direitos Humanos (DUDH), que foi lançada em 1948 e prevê a proteção universal
dos direitos humanos, fundando os alicerces da nova convivência humana e
buscando sepultar o ódio e os horrores do nazismo, do holocausto e do grande
morticínio, o qual tirou a vida de 50 milhões de pessoas em seis anos de guerra. São
diversos os pactos, os tratados e as convenções internacionais que vieram depois
dela, construindo a cada dia um arcabouço mundial para a proteção dos direitos
humanos. A declaração é um marco na história, uma norma comum que deve ser
obedecida por todos os povos e nações; já serviu de inspiração para a constituição
de muitos Estados e democracias recentes; e é o documento mais traduzido no
mundo, em mais de 500 idiomas (ONU BRASIL, s.d.; BRASIL, 2010).

UNI

Para ler a DUDH, acesse o link a seguir:

https://goo.gl/uKU03U

94
TÓPICO 7 | MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS

A sociedade civil é um ator essencial para a efetivação dos direitos


humanos, por ser um processo que não se dá apenas pela integração desses
direitos em aparatos legais, no âmbito nacional ou internacional. É ela quem
cria e recria as condições necessárias para que esses direitos sejam validados e
concretizados por meio de ações que devem considerar alguns aspectos (VIEIRA;
DUPREE, 2004), como os que você verá a seguir.

• Promover uma gama de ações para todos os grupos sociais: isso significa que
os discursos dos direitos humanos devem ser objetivos e acessíveis a uma
diversidade de percepções e atrair grupos esquecidos e imperceptíveis como
proponentes das mudanças necessárias à justiça. Na sociedade civil nascem os
conflitos entre os pedidos por justiça, e discutir sobre os direitos humanos não
cria mecanismos para a resolução dessas questões. No entanto, enquanto se
discute, cria-se um espaço de interação e diálogo entre todos os envolvidos em
determinado problema, podendo, sim, se chegar à resolução de alguns deles.
• Tornar a injustiça pública: a sociedade civil contribui para a consolidação
dos direitos humanos quando leva a injustiça à esfera pública. Para que isso
seja possível, é preciso que a associação e o diálogo estejam abertos e com o
mínimo de intervenção. Dessa forma, os grupos que atuam em questões sobre
os direitos humanos tornam pública a injustiça ao defender mudanças ou
exercer pressão para que elas aconteçam. Essa pressão pode ocorrer por meio
do fornecimento de informações, educação para o público e outros grupos,
propondo políticas públicas e encaminhando ações legais.
• Proteger o espaço privado: os grupos de direitos humanos protegem o espaço
no qual os indivíduos se expressam e se desenvolvem quando buscam as
condições necessárias para essa ação, reforçando os limites de atuação do
Estado e do mercado.
• Intervir e interagir diretamente nos sistemas legais e políticos: hoje existem
muitas leis e políticas voltadas para os direitos humanos. No entanto,
essas normas apenas se efetivam de acordo com sua prática, refinamento e
aprovação, sendo validadas pela sociedade civil. Grupos de direitos humanos
participam de forma ativa nesse processo quando levam casos legais aos
tribunais, fornecem informações e dados essenciais para o refinamento das
políticas públicas e propõem novos mecanismos capazes de criar um sistema
que apoie os direitos humanos. Essa deve ser uma intervenção estratégica
focada na mudança de paradigma e na pressão sobre a política governamental,
para que seja mais consistente com o seu discurso.
• Promover a inovação social: a inovação social precisa ser factível, e o diálogo,
o feedback e os resultados devem estar abertos e serem justificáveis a diversas
perspectivas. A inovação social surge como uma resposta direta às injustiças
localizadas na sociedade civil. Os inovadores são os que possuem profunda
consciência, estão envolvidos com aqueles que são afetados pela injustiça
e, trabalhando com eles, experimentam e criam outras formas de encontrar
soluções.

95
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

A sociedade civil é o principal ator para criar condições a fim de que


os direitos humanos sejam efetivados. Ela promove o discurso que legaliza as
normas dos direitos, voltados principalmente aos grupos esquecidos e imper-
ceptíveis, e que pode variar de acordo com as diferentes estratégias e meios,
os quais permitem a efetivação da lógica dos direitos humanos na sociedade.
Porém, se ela é um agente tão importante para a consolidação dos direitos
humanos, por que isso não acontece? Para Vieira e DuPree (2004), a sociedade
não está protegida contra o Estado e o mercado, nem possui poder sobre eles,
pois é fragmentada, não possui recursos e necessita de financiamentos. Desse
modo, ao mesmo tempo em que flexibilidade, diversidade e voluntariado são
potencialidades da sociedade civil, são também sua fraqueza, uma vez que ainda
são um desafio para os movimentos de direitos humanos.

A fragmentação, a neutralização do discurso e a dependência de recursos


são barreiras que dificultam o avanço dos aspectos citados anteriormente. No
entanto, estratégias como a melhoria da capacidade de comunicação e educação,
o investimento em modelos socialmente inovadores e a construção de redes
de direitos humanos que cessem a fragmentação e fortaleçam a utilização
dos recursos podem possibilitar um maior impacto e melhores resultados na
efetivação dos direitos humanos (VIEIRA; DUPREE, 2004).

3 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO


BRASIL
Por se tratar de um instrumento importante, de proteção a todas as
pessoas do mundo, os direitos humanos são assegurados por muitos tratados
e documentos jurídicos em diversos países, inclusive no Brasil. Há vários meios
existentes no país para assegurá-los a todos os cidadãos, porém, apesar disso,
esse objetivo ainda não foi atingido em sua totalidade. A sua proteção no Brasil
está diretamente ligada à história das Constituições brasileiras, marcada por
avanços e retrocessos.

A Constituição Imperial de 1824, a primeira do Brasil, declarou os direitos


fundamentais em 35 incisos do art. 179. Apesar de aprovada, apresentou-se
como uma Constituição liberal, com direitos parecidos com os encontrados nos
textos constitucionais dos Estados Unidos e da França, defendendo a imunidade
dos direitos civis e políticos. No entanto, com a criação do poder moderador que
dava ao Imperador poderes constitucionais ilimitados, inclusive o de interferir
no exercício dos demais poderes, a efetivação desses direitos foi prejudicada
(DIMOULIS; MARTINS, 2007).

A Constituição Republicana de 1891 manteve os direitos fundamentais


declarados na Constituição de 1824, e no rol de direitos e garantias funda-
mentais, instituiu o habeas corpus, antes concedido somente em nível de
legislação ordinária; garantiu a liberdade de culto a todas as pessoas, motivada

96
TÓPICO 7 | MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS

pela separação entre o Estado e a Igreja; e ampliou a titularidade dos direitos


fundamentais aos estrangeiros que residiam no país, ao contrário da Cons-
tituição de 1824 que os estendia apenas a cidadãos brasileiros (DIMOULIS;
MARTINS, 2007).

A Constituição de 1934 manteve uma série de direitos fundamentais


similares aos especificados na de 1981, mas inovou estabelecendo normas de
proteção ao trabalhador, como a proibição da diferença de salário em virtude de
sexo, idade, nacionalidade ou estado civil; a proibição de trabalho para menores
de 14 anos; o repouso semanal remunerado; a jornada de trabalho limitada a 8
horas diárias; a determinação de um salário mínimo; e a criação dos institutos do
mandado de segurança e da ação popular (DIMOULIS; MARTINS, 2007).

A Constituição de 1937 instituiu o Estado Novo, reduziu os direitos e


as garantias individuais, destituiu o mandado de segurança e da ação popular,
instituídos na Constituição de 1934, que foram novamente restaurados e
ampliados na Constituição de 1946, assim como os direitos sociais (BULOS,
2003). Em seguida, com a ditadura militar, a Constituição de 1946 foi derrubada
e a de 1967 apresentou grandes retrocessos, como a supressão da liberdade de
publicação, restringindo o direito de reunião, estabelecendo foro militar para
os civis, mantendo todas as punições e arbitrariedades decretadas pelos Atos
Institucionais (AI), entre outros.

Outras modificações foram a redução da idade mínima do trabalho para


12 anos, a restrição ao direito de greve, a eliminação da proibição de diferença de
salário por motivos de idade e nacionalidade, e a cessão de vantagens mínimas
ao trabalhador, como o salário-família. Em 1969, a Constituição de 1967 passa
por reformas significativas por meio de emendas aditivas e supressivas, ficando
em vigor até o final de 1968, quando o AI-5 foi decretado, repetindo todos os
poderes descritos no AI-2. Além disso, ampliou a margem de arbítrio, deu poder
ao governo para confiscar bens e suspendeu a garantia do habeas corpus para
casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e
social e a economia popular. Dessa forma, o AI-5 não se associa à doutrina dos
direitos humanos e muito menos à Emenda de 1969, que incorporou em seu texto
as medidas autoritárias dos AI (DIMOULIS; MARTINS, 2007).

Por fim, a Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã,


é promulgada, garantindo a proteção dos direitos humanos, sendo conside-
rada uma das Constituições mais avançadas do mundo nesse sentido. Ela faz
referência aos direitos fundamentais em várias partes de seu texto e garante aos
cidadãos, por exemplo, os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais
em seu art. 1 e o direito à vida, à privacidade, à igualdade, à liberdade e a outros
direitos fundamentais, individuais ou coletivos em seu art. 5, entre outros.

Para garantir a cidadania e a dignidade humana, a Constituição de 1988


defende princípios como (MARCHINI NETO, 2012):

97
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

• igualdade de gêneros;
• erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais;
• promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, gênero, idade
ou cor;
• racismo como crime imprescritível;
• direito à saúde, à previdência, à assistência social, à educação, à cultura e ao
desporto;
• reconhecimento de crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento;
• estabelecimento da política de proteção ao idoso, ao portador de deficiência e
aos diversos agrupamentos familiares;
• orientação de preservação da cultura indígena.

Com os direitos humanos garantidos na Constituição de 1988, o Governo


Federal passou a ter compromisso com eles e, hoje, estes são geridos como uma
política pública, o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNHD), instituído
pelo Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, atualizado pelo Decreto nº
7.177, de 12 de maio de 2010.

UNI

Para conhecer o PNHD, acesse o link a seguir:

https://goo.gl/yzmb9w

No entanto, após décadas da promulgação da Constituição de 1988,


ainda são muitas as dificuldades existentes para tirar esses princípios do papel.
Os direitos humanos no Brasil são uma questão marcada por contradições, pois,
apesar de assegurar conquistas inéditas concedidas aos direitos sociais, sobre-
tudo em relação às questões sociais, apresenta grandes desigualdades sociais,
nos âmbitos racial e regional, e precariedade quanto à segurança individual,
à integridade física e ao acesso à justiça, que comprometem o usufruto desses
direitos. Para Neves (1997), ainda existe um hiato significativo no Brasil em
relação ao mundo real e legal.

Apesar de o texto constitucional vigente estimular a cidadania ativa, o


país está perdendo o ponto de partida para superar a distância entre o mundo
real e o formal. Dessa forma, um país no qual a sociedade civil tenha real
importância; e o Estado, efetiva função garantidora e implementadora de direitos
sociais, ainda é um desafio a ser superado.

98
TÓPICO 7 | MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS

DICAS

PNDH foi elaborado em conjunto à sociedade, por meio de ampla consulta, na


qual dezenas de entidades e centenas de pessoas apresentaram sugestões e críticas, parti-
cipando de debates e seminários. A maior parte das ações contidas nesse documento visa
cessar a banalização da morte, seja no trânsito, em filas de prontos-socorros, nos presídios,
por armas de fogo, em chacinas de crianças e trabalhadores rurais. Ele visa ainda impedir a
perseguição e a discriminação contra os cidadãos (BRASIL, 1996).

De acordo com o relatório estado dos direitos humanos no mundo


(2017), o Brasil ainda apresenta falhas em direitos humanos com a ocorrência de
problemas como (ANISTIA INTERNACIONAL BRASIL, 2017):

• alta taxa de homicídios, principalmente entre jovens negros;


• abusos policiais e execuções extrajudiciais, efetuados por policiais emoperações
formais ou paralelas;
• situação do sistema prisional;
• vulnerabilidade dos defensores de direitos humanos, sobretudo emáreas
rurais;
• violência sofrida pela população indígena, principalmente em decorrência de
falhas nas políticas de demarcação de terras;
• várias formas de violência contra as mulheres.

Há grande preocupação com a persistência desses problemas, e muitos


direitos humanos ainda são violados, mesmo com o avanço em questões como
a redução da pobreza. No entanto, apesar das falhas do governo na melhoria
dessa situação, a sociedade tem trabalhado para mudar esse cenário, por meio de
mobilização das periferias e favelas, principais vítimas das violações de direitos
humanos, e de diversas manifestações de pessoas saindo às ruas ou lançando
campanhas para reivindicar seus direitos.

4 MOVIMENTOS SOCIAIS EM DEFESA DOS DIREITOS


HUMANOS
Na década de 1970, surgem os movimentos reivindicando a efetivação
dos direitos sociais de igualdade e liberdade quanto à ampliação da participação
política e à igualdade nas relações de raça, gênero, etnia e orientação sexual.
Esses movimentos eram chamados de novos movimentos sociais, que se opu-
nham ao clássico, marxista e estrutural e davam ênfase ao reconhecimento da
diversidade cultural (GOHN, 2007, p. 25). Para Melucci (2001, p. 95):

99
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

[...] Os movimentos juvenis, feministas, ecológicos, étnicoraciais,


pacifistas não têm somente colocado em cena atores conflituais,
formas de ação e problemas estranhos à tradição de lutas do
capitalismo industrial; eles têm colocado, também, no primeiro plano,
a inadequação das formas tradicionais de representação política para
colher de maneira eficaz as questões emergentes. A mobilização
coletiva assume formas, e em particular formas organizativas, que
escapam às categorias da tradição política e que sublinham a desconti-
nuidade analítica dos fenômenos contemporâneos, no que diz respeito
aos movimentos do passado e, em particular, ao movimento operário.

A bandeira de luta dos novos movimentos sociais é o respeito aos direitos


humanos, e as ações diretas são seu modo de atuar e contestar a política ins-
titucional e os valores morais e culturais vigentes. Reconhecer a diversidade
de interesses e possibilitar as condições necessárias para a participação social
dos sujeitos contribui para que esses movimentos se mobilizem para mudar a
centralidade sociopolítica, passando de uma democracia política organizada a
partir do Estado para uma democracia participativa e organizada a partir do
poder da sociedade civil.

A meta dos novos movimentos sociais é reivindicar continuamente a


ampliação da agenda dos direitos de cidadania e a criação de mecanismos capazes
de efetivar a promoção e a garantia desses direitos, que vão desde a concepção
da inclusão social até a formação de sujeitos de direitos. Essas reivindicações
possibilitaram a concepção jurídica e a revisão da concepção desse sujeito, em
que este passa a ser visto em sua totalidade, especificidades e peculiaridades.
Um exemplo disso é a defesa jurídica dos direitos de mulheres, crianças, grupos
raciais minoritários, refugiados etc., não há um tratamento generalizado ao
indivíduo, e sim categorizado de acordo com gênero, idade, etnia, raça, etc.
(RAMÍREZ, 2003).

Nesse contexto, depois da publicação da Declaração Universal de 1948,


aconteceram as convenções sobre a eliminação de todas as formas de discrimi-
nação racial, eliminação da discriminação contra a mulher, direitos da criança,
entre outros instrumentos importantes para essa questão (PIOVESAN, 2009).

DICAS

Nas convenções temáticas, foram criadas diretrizes para orientar a concepção


de políticas públicas em áreas prioritárias, como direitos humanos, segurança pública,
educação, saúde, igualdade racial, direitos da mulher, juventude, crianças e adolescentes,
pessoas com deficiência, idosos e meio ambiente (BRASIL, 2010).

100
TÓPICO 7 | MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS

Em relação às políticas públicas, deve-se destacar o lançamento do


PNDH I, em 1996, que trouxe diretrizes para orientar a atuação do poder público
no âmbito dos direitos humanos, com o objetivo principal de garantir os direitos
civis e políticos. O PNDH foi relançado em 2002, como PNDH II, que aceita
as demandas dos movimentos sociais, contemplando os direitos econômicos,
sociais e culturais. Em 2010, o PNDH é atualizado como PNDH III, sintetizando
as principais reivindicações apresentadas pelos movimentos sociais, unindo
as resoluções aprovadas nas conferências territoriais, estaduais e nacionais,
realizadas pelo Governo Federal, desde 2003, em conjunto aos governos
municipais, estaduais, aos movimentos sociais e à sociedade civil, nos 27 estados
da Federação (PEREIRA, 2015).

A implementação de ações que visam promover o direito à igualdade,


o combate à discriminação e a promoção da equidade, encontram proteção
em propostas de ações do governo relacionadas à educação, à conscientização
e à mobilização, que estão presentes no Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres (2004), no Programa Brasil sem Homofobia (2004), no Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos (2006) e no Plano Nacional dos Direitos da
Pessoa com Deficiência (2011), gerados com os ativistas. Essas iniciativas são
uma demonstração do reconhecimento do Estado sobre as reivindicações dos
movimentos sociais por cidadania, que são transformadas em políticas públicas
(PEREIRA, 2015).

101
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

LEITURA COMPLEMENTAR

A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL PARA


A BOA GESTÃO PÚBLICA

[...] o tema participação social foi abordado diversas vezes a fim de


demonstrar sua importância para a boa gestão pública. Nesta matéria, vamos
conhecer melhor quais são os mecanismos que garantem a aproximação entre
sociedade civil e Estado.

A PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Se levarmos em consideração os princípios democráticos quanto à


soberania popular, a participação se torna um dos aspectos mais relevantes para
a garantia da vontade e do bem-estar social. Podemos pensar em duas categorias
simples de participação social: “institucional” e “não institucional”. A primeira
se trata de procedimentos organizados pelo próprio Estado (as eleições para
cargos políticos, por exemplo) e a segunda de procedimentos mais espontâneos,
organizados pela sociedade em si (passeatas de movimentos sociais).

Colocando como foco as participações institucionais, este tema é


historicamente sensível no caso brasileiro: ao longo da República Velha, por
exemplo, a participação esteve atrelada aos procedimentos eleitorais que
eram restritos à um grupo específico (homens, alfabetizados) e altamente
manipuláveis (“voto de cabresto”). Em períodos de exceção, como a Era Vargas e
o Regime Militar, a participação social institucional foi bloqueada por medidas
autoritárias que impediam as eleições e criminalizavam os movimentos sociais.
Nesse sentido, é só a partir de 1980, com a redemocratização, que a participação
é levantada como bandeira fundamental para a construção de um novo período
político do país.

A Constituição Federal de 1988, como comentamos na matéria passada,


foi um marco ao prever a participação social como um dos pilares da democracia
brasileira. Desta forma, para além do procedimento eleitoral, outros mecanismos
foram institucionalizados pelo poder público como forma de garantir o controle
social e a participação contínua por parte da sociedade. Na matéria de hoje
vamos conhecer melhor alguns desses mecanismos.

CONSELHOS

Os conselhos são espaços de diálogo entre poder público e sociedade


civil. Há conselhos que são populares (as associações de bairro, por exemplo,
não dependem da organização por parte do poder público) e institucionais, que
passam por um processo de regulamentação junto ao poder público e possui
legislação e especificidades acerca de sua atuação.

102
TÓPICO 7 | MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS

Geralmente os conselhos podem ser:

1. Consultivo: o conselho é ouvido pelo poder público, mas somente a fim de


coletar a opinião dos conselheiros em prol de maior qualidade nos processos
da administração pública.
2. Participativo: o conselho possui maior envolvimento com os gestores públicos
a medida que monitoram as ações do Estado (políticas públicas, orçamento…)
e participam ativamente das tomadas de decisão através do controle social.
3. Deliberativo: o conselho age conjuntamente com o poder público em
determinadas pautas, ratificando ou vetando as tomadas de decisões e
participando ativamente do processo das políticas públicas.

AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

A audiência pública se trata de um outro mecanismo da participação


social que é prevista na Constituição Federal de 1988 e pode ser regulamentada
pela União, estados e municípios.

A proposta desse mecanismo é a convocação de um tipo de reunião


aberta em que os órgãos públicos envolvidos em conjunto com organizações da
sociedade civil e a população em geral possam debater propostas de políticas
públicas, elaboração de um projeto de Lei ou qualquer política que impacte a
organização social e política da União, estados ou municípios.

Geralmente o formato adotado é abrir a reunião com uma fala do poder


público explicando o tema a ser discutido e, em seguida, abre-se o diálogo para
que a sociedade civil expresse sua opinião, concordâncias e/ou discordâncias
com a proposta apresentada.

OUVIDORIA PÚBLICA

A Ouvidoria Pública é um instrumento de comunicação entre poder


público e sociedade civil. Comumente, mesmo no âmbito privado, as ouvidorias
servem como canal para que os indivíduos possam realizar reclamações,
sugestões, elogios ou simplesmente tirar dúvidas.

No caso dos órgãos públicos, a Ouvidoria serve como espaço para


que a população possa exercer seus direitos e sua cidadania ao encaminhar
denúncias (como casos de corrupção, por exemplo), reclamações (acerca dos
serviços públicos), sugestões ou simplesmente tirar dúvidas e/ou obter mais
informações quanto ao funcionamento de determinado serviço público.

Geralmente o contato pode ser realizado via sistema eletrônico (a União e


alguns estados e municípios disponibilizam um portal online) ou pessoalmente,
nos balcões de atendimento dos órgãos públicos.

103
UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS

A participação social é um tema fundamental para toda reflexão


acerca da boa gestão pública. Na matéria de hoje conhecemos três principais
mecanismos que contribuem diretamente para que o poder público atue de
forma aproximada da população. Nesse sentido, por mais complexo que possa
ser o desenvolvimento desses mecanismos e instrumentos, o salto qualitativo de
uma gestão pública que está em constante diálogo com a população é visível.
Além disso, o diálogo permite que o desenho das políticas públicas represente
a pluralidade da sociedade civil, além do ganho da legitimidade para sua
execução.

FONTE: CLP. A Importância da participação social para a boa gestão pública. 2019. Disponível
em:https://www.clp.org.br/a-importancia-da-participacao-social-para-a-boa-gestao-publica-
mlg2/. Acesso em: 8 jan. 2020.

104
RESUMO DO TÓPICO 7
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os conceitos de Estado, sociedade e direitos humanos e como eles estão


relacionados à questão dos direitos humanos.

• O Estado é uma organização social soberana que possui poder supremo sobre
os indivíduos em uma sociedade, tendo legitimidade para exercê-lo, inclusive
com a força física, se necessária for.

• O Estado tem três funções fundamentais, das quais decorrem todas as suas
ações:
o Legislativa: elabora as leis e o ordenamento jurídico, necessários à vida em
sociedade.
o Executiva: assegura que as leis sejam cumpridas.
o Judiciária: julga a adequação ou não dos atos particulares sob as leis
existentes.

• A sociedade pode ser caracterizada por um grupo de pessoas que


compartilham a mesma cultura e as tradições e se localizam no mesmo tempo
e espaço. Todo homem está concentrado na sociedade em que está inserido,
sendo influenciado por ela em sua formação como indivíduo.

• Pode-se entender os direitos humanos como aqueles inerentes ao ser humano,


como o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e expressão, ao
trabalho e à educação, entre outros, independentemente de raça, sexo,
nacionalidade, etnia, idioma, religião, opinião política ou qualquer outra
condição, por exemplo, origem social ou nacional, ou condição de nascimento
ou riqueza.

• Todos possuem direitos, sem discriminação. Eles são garantidos por lei e
visam proteger os indivíduos e grupos contra quaisquer ações que possam
interferir no gozo das liberdades fundamentais e na dignidade humana.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

105
AUTOATIVIDADE

1 Os Direitos Humanos são aqueles inerentes ao ser humano, como o


direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o
direito ao trabalho e à educação, entre outros, independente de raça, sexo,
nacionalidade, etnia, idioma, religião, opinião política ou qualquer outra
condição. Como se chama o documento lançado em 1948 que prevê a
proteção universal dos Direitos Humanos, fundando os alicerces da nova
convivência humana?

a) ( ) Constituição Imperial.
b) ( ) Programa Nacional de Direitos Humanos.
c) ( ) Ato Institucional n.º 5.
d) ( ) Declaração Universal dos Direitos Humanos.
e) ( ) Constituição Cidadã.

2 A sociedade civil é um ator essencial para a efetivação dos Direitos


Humanos, visto que é um processo que não se dá apenas pela integração
desses direitos em aparatos legais, sejam eles no âmbito nacional ou
internacional. É a sociedade civil que cria e recria as condições necessárias
para que esses direitos sejam validados e concretizados. Dentre os aspectos
que devem ser considerados nessas ações, qual é aquele que diz respeito
aos discursos de direitos humanos objetivos e acessíveis a uma diversidade
de percepções para atrair grupos esquecidos e imperceptíveis como
proponentes das mudanças necessárias à justiça?

a) ( ) Promoção de uma gama de ações para todos os grupos sociais.


b) ( ) Proteção do espaço privado.
c) ( ) Intervir e interagir diretamente nos sistemas legais e políticos.
d) ( ) Promover a inovação social.
e) ( ) Tornar a injustiça pública.

106
UNIDADE 2

OS MEIOS QUE COMPÕEM O


SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender o significado da Justiça Multiportas no contexto do sistema


judiciário;

• identificar e reconhecer os caminhos da heterocomposição para a solução


de conflitos;

• reconhecer diferenças e semelhanças entre negociação, conciliação e me-


diação, enquanto métodos autocompositivos, para viabilizar a escolha
adequada em situações de disputa.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – JUSTIÇA MULTIPORTAS

TÓPICO 2 – MEIOS HETEROCOMPOSITIVOS

TÓPICO 3 – MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e


vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim
absorverá melhor as informações.

107
108
UNIDADE 2
TÓPICO 1

JUSTIÇA MULTIPORTAS

1 INTRODUÇÃO
Como já apresentado, viver em sociedade exige o desenvolvimento de
capacidades para lidar com desentendimentos, conflitos de interesses e, quem
sabe, discórdias, visto que as pessoas são únicas, diferentes umas das outras e,
por isso mesmo, podem almejar coisas diferentes e dessas diferenças podem
surgir relações de conflitos. Para a resolução desses conflitos, são acionadas
diferentes formas de resolução, cada qual com suas especificidades.

Neste tópico, será apresentada a Justiça Multiportas, com o objetivo
de que outros métodos possam ser analisados e explorados, já que podem
apresentar soluções mais adequadas neste tempo de excessiva litigiosidade e
inseguranças jurídicas.

2 DEFINIÇÕES PRELIMINARES
A expressão multiportas é uma metáfora utilizada para figurar as
muitas portas de acesso à Justiça, de modo que, a partir da análise da demanda
apresentada, as pessoas envolvidas possam ser encaminhadas para a porta que
melhor atenda a sua necessidade: porta da justiça estatal, mediação, conciliação,
arbitragem.

A ideia geral da Justiça Multiportas – ou sistema de múltiplas portas –, é


a de que o litígio judicial não é o único meio, tampouco a principal opção para a
resolução de um conflito, existindo outras possibilidades que consideram a ideia
de pacificação social. Assim, para cada tipo de litígio existe uma forma mais
adequada de solução. A jurisdição estatal é apenas mais uma dessas opções.

O sistema multiportas, assim, deixa de ser lugar onde apenas se julga,


para ser um local de resolução de conflitos, cujas partes podem e devem sair
satisfeitas com o resultado para suas controvérsias. Em outras palavras, é dizer
que o nosso sistema jurídico paulatinamente está a consolidar a mudança da
perspectiva unidimensional da justiça para uma perspectiva pluridimensional,
com enfoque na tutela adequada, tempestiva e efetiva dos direitos.

109
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

3 COMPREENSÃO HISTÓRICA
Nas sociedades primitivas, quando haviam riscos para pessoas
envolvidas em conflitos, uma terceira pessoa, respeitada pela comunidade,
era incumbida de facilitar o consenso, para que não fosse necessário recorrer
à justiça pelas próprias mãos. Com esse dado, é possível dizer que os métodos
consensuais de solução de conflitos precederam a jurisdição estatal. Só mais
tarde foi consolidado o poder do Estado no surgimento do processo judicial, que
com o tempo mostrou todas as suas fraquezas.

As fraquezas ou insuficiência da tutela estatal fizeram com que se


instaurasse um processo de mudança com enfoque nos métodos consensuais de
solução de conflitos. Segundo Richa e Lagrasta (2016), o sistema de múltiplas
portas ou multiportas teve seu início em uma abordagem elaborada por Frank
E. A. Sander, em 1976, sendo que este professor de Harvard se debruçou sobre
a crescente demanda nos tribunais dos Estados Unidos, constatando uma
insatisfação da população com o sistema judiciário. A proposta apresentada
por ele previa programas diferenciados de solução de controvérsias, diversas
da adjudicada, tanto dentro quanto fora dos tribunais. Essas propostas se
davam a partir de um diagnóstico das causas e encaminhamentos para meios
mais adequados. A intencionalidade da proposta, já na gênese, visava reduzir
ou eliminar descontentamentos e agilizar o trabalho, preenchendo lacunas nos
serviços de administração da justiça. Nasceu de forma experimental e avançou
para propostas reconhecidas como Alternative Dispute Resolution (ADR), um
mecanismo paraestatal conhecido no Brasil por “meio alternativos de resolução
de disputas”.

Comprovado o êxito das experiências inicias, os métodos foram se


diversificando e, então, consolidados e estruturados por volta dos anos de
1980 e 1990, configurando diferentes possibilidades de atuação nas demandas
relacionadas a conflitos, tanto antes do ingresso no Poder Judiciário ou a
qualquer tempo após o ajuizamento das demandas, de forma a propiciar
melhor qualidade de solução. São diferentes métodos que incluem conciliação,
mediação, arbitragem, serviços sociais e governamentais, cada qual mediante
técnicas abalizadas para auxiliar a solução dos conflitos de maneira que melhor
pudesse atender a natureza das demandas, ao mesmo tempo em que objetivou a
construção de aptidões sociais para os litigantes.

Na cultura americana, nos anos 1980 a 1990, os métodos de tratamento


adequado do conflito enraizaram-se, de forma a propiciar melhor qualidade de
solução. No Brasil, a história seguiu os mesmos passos, porém mais tardiamente.
As mesmas críticas identificadas nos EUA sobre o funcionamento do Poder
Judiciário também se fizeram presentes, desencadeando transformações
legislativas e estruturais em busca de uma maior efetividade. O ápice do
movimento aconteceu com a reforma do Poder Judiciário, que teve início em
1992 e foi concretizado pela Emenda Constitucional nº 45, de 30/12/2004.

110
TÓPICO 1 | JUSTIÇA MULTIPORTAS

No Brasil, ainda predomina a cultura do litígio. A população, em geral,


quando se vê diante de um conflito, tem a tendência de buscar o Judiciário a fim
de que este resolva a questão. Inclusive, dentro da própria estrutura edificada
em torno do saber jurídico, é comum considerar a necessidade de pronta
judicialização da questão em pauta.

Mesmo tendo predomínio, é possível citar pelo menos duas razões pelas
quais o excesso de judicialização é um problema no país. Primeiro, pelo aumento
das demandas judiciais, sendo que o Poder Judiciário não consegue sozinho
resolver os problemas das pessoas que o procuram diariamente. O resultado da
cultura do litígio é facilmente verificável: raramente se consegue obter a prestação
jurisdicional de maneira célere e justa ao mesmo tempo. Um segundo ponto diz
respeito à satisfação alcançada com a decisão de um juiz, já que nem sempre os
envolvidos ficam satisfeitos ou cumprem o que foi judicialmente determinado,
ou seja, além de não trazer a pacificação, a sentença formalizada em um longo
processo (na denominada fase de conhecimento), para ser cumprida, ainda passa
por outra nova e longa etapa até que seja efetivada (na denominada fase de
cumprimento de sentença).

NOTA

Custo, lentidão e complexidade dos processos judiciais são as maiores


reclamações dos jurisdicionados. E o cenário do Poder Judiciário brasileiro é desanimador.
Temos hoje cerca de 76,7 milhões de processos em tramitação e um crescimento do
estoque acumulado de 31,2% nos últimos sete anos, conforme diagnóstico formulado na
edição de 2017 do relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (2018,
p. 334).

FONTE: RODAS, J. G. et al. Visão multidisciplinar das soluções de conflitos no Brasil.


Curitiba: Prismas, 2018.

Fato é que vivemos num sistema jurídico aberto e incompleto e,


justamente por isso, o direito configura uma realidade complexa, não havendo
uma solução expressa para cada caso determinado. Disso resulta a paulatina
consolidação do entendimento de que o direito à justiça é mais amplo do que
acesso ao Poder Judiciário, razão pela qual o Estado deve disponibilizar ao
cidadão não somente a forma adjudicada de solução de conflito, mas também os
métodos extrajudiciais.

A discussão acerca da aplicação do direito pelo Poder Judiciário deve


ser considerada apenas como um dos aspectos a problematizar no cotidiano
nacional. É hoje uma preocupação entres os atores do meio jurídico as
dificuldades procedimentais (número e qualidade dos controles jurisdicionais)
e substantivas (qualidade dos direitos a tutelar) do acesso e correspondente

111
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

resolução de conflitos no âmbito judicial.


O número excessivo de demandas judiciais no Brasil poder ser atribuído
a mudanças importantes relacionadas à condução da garantia de direitos:

• A Constituição Federal de 1988, prioritariamente no artigo XXXV, que assegura


amplo acesso à justiça e permite a postulação da tutela jurisdicional preventiva
ou reparatória, assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos (BRASIL, 1988).
• Lei nº 9.099/95, que trata do direito de ação sem a presença de advogados, de
forma gratuita e com procedimentos mais simples (BRASIL, 1995).
• Estruturação da Defensoria Pública.
• Código de Defesa do Consumidor.
• Controle do Poder Judiciário nas atribuições de outros poderes.
• A Constituição preconiza também ideais democráticos e faz inserção da
consensualidade (o que avança ainda em passos lentos).

É notório que a Constituição de 1988 avança em termos de garantia


de direitos a partir do acesso à justiça. Entretanto, ela também aponta
para a superação da postura de embate ao preconizar ideais democráticos
materializados na consensualidade. Isso aponta para ações que privilegiem a
prevenção dos litígios e desjudicialização das demandas.

4 LEGISLAÇÃO RELACIONADA
Didaticamente, a par de outras tantas classificações e estudos doutrinários,
pode-se dizer que a legislação está subdivida em duas grandes categorias: o das
normas substantivas (direito material) e normas adjetivas (direito processual),
as quais convivem harmonicamente, na maioria das vezes, no mesmo texto
normativo, como é o caso do Código de Defesa do Consumidor.

DICAS

Caro acadêmico, convido você a conhecer o Código de Defesa do


Consumidor, acessando o site http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm.

Boa leitura!

Na primeira categoria estão as leis que regulam e afetam aspectos


materiais da vida cotidiana, criando, modificando e/ou extinguindo direitos e
obrigações nas relações em sociedade. São exemplos dessa classificação: a Lei
do Divórcio, a Lei das Sociedades Anônimas, o Estatuto do Desarmamento e o
Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.

112
TÓPICO 1 | JUSTIÇA MULTIPORTAS

Na segunda categoria estão as normas que estatuem as ferramentas


procedimentais para acesso à jurisdição, à formalização de determinado pedido
a partir do modo, forma e no prazo legalmente estatuído, regulando-se por meio
da norma adjetiva (direito processual) todas as formalidades para fazer cumprir
as normas substantivas (direito material), a exemplo do Código de Processo Civil
ou Código de Processo Penal.

DICAS

Acadêmico, você pode ter acesso ao Código de Processo Civil ou Código de


Processo Penal na integra nos sites:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm – Código de Processo Civil;


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm – Código de Processo Penal.

Ao fim e ao cabo, é por meio do processo – um complexo de direitos e


deveres contrapostos entre os sujeitos envolvidos em uma lide – que o Estado
entrega a jurisdição. Processo, assim, está aqui concebido como instrumento
para o exercício do direito de provocar o Estado a exercer a função jurisdicional,
de modo a oferecer – àquele que promove a ação judicial – uma solução para o
caso concreto, pela atuação da vontade da lei.

A mudança que ora se desenha está no reconhecimento de que a


função jurisdicional, ainda que predominantemente exercida pelo Estado-juiz
(magistrados, individualmente, ou colegiados julgadores, no caso dos tribunais),
pode ocorrer também por entidades ou sujeitos de natureza não estatal,
precisamente em razão da possibilidade de que a pacificação dos conflitos
seja fomentada e realizada não apenas por meio do processo judicial, mas por
métodos consensuais.

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça, demonstrando estar


atento à necessidade de implementação de mecanismos adequados de resolução
de disputas como forma de melhorar a justiça brasileira, editou a Resolução nº
125/10, em 29 de novembro de 2010, que trata da Política Judiciária Nacional de
Tratamento Adequado de Conflitos de Interesses no âmbito do Poder Judiciário
e dá outras providências.

Por essa Política, buscou-se assegurar a todos o direito à solução dos


conflitos por mecanismos adequados a sua natureza e complexidade, com vista à
boa qualidade dos serviços judiciários e à disseminação da cultura da pacificação
social, por meio da criação de uma estrutura física e pessoal própria, capaz de
gerir as controvérsias de forma racional e profissional.

113
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

Essa estrutura idealizada é composta pelo Conselho Nacional de Justiça,


que fica responsável, no âmbito nacional, por implementar o programa com a
participação de rede constituída por todos os órgãos do Poder Judiciário e por
entidades públicas e privadas parceiras, inclusive universidades e instituições
de ensino, pelos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução
de Conflitos (NUPEMECs), que tratam dessa Política Judiciária no âmbito
dos Tribunais Estaduais e Federais, e pelos Centros Judiciários de Solução
de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), responsáveis pela execução da Política
Judiciária de tratamento adequado dos conflitos.

Nesse contexto, os Centros assumem a função de verdadeiros “Tribunais


Multiportas”, na medida em que são os responsáveis por oferecer as diversas
opções de meios adequados de resolução dos conflitos e, ainda, prestam serviços
de orientação e informação ao cidadão.

Assim, o interessado pode se dirigir ao Centro para a solução pré-


processual do conflito, por meio da realização de sessões de conciliação ou de
mediação, conforme o caso, ou para tentar resolver consensualmente conflitos
já judicializados, bem como para obter serviços de cidadania. Trata-se, pois,
de órgão do Poder Judiciário criado para efetuar a triagem, o tratamento e a
resolução adequada dos conflitos de interesses.

Importante enfatizar a consolidação, no sistema de múltiplas portas, ao


Novo Código de Processo Civil, parágrafo 3º, artigo 3º da Lei nº 13.105/2015,
segundo o qual “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução
consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados,
defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do
processo judicial” (BRASIL, 2015).

Fato é que, sendo do Estado o exercício da função jurisdicional, a ele


compete não apenas a aplicação do direito com o objetivo de realizar e manter
a paz e harmonia social, como também a função de estimular a pacificação por
meio de outros métodos que não a solução adjudicada. Sistematicamente, cabe
a Política Judiciária Nacional, entre tantas outras ações, l possibilitar acesso à
ordem jurídica justa, investir para que os operadores do direito possam oferecer
menos resistência aos métodos consensuais, viabilizar capacitações para que
conciliadores e mediadores possam prestar serviços com qualidade.

114
TÓPICO 1 | JUSTIÇA MULTIPORTAS

DICAS

Convido você, acadêmico, a conhecer a Resolução que trata dos Meios


Adequado de Solução de Conflitos através do site: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-
normativos?documento=156.

O sistema multiportas deixa de ser lugar onde apenas se julga para ser
um local de resolução de conflitos, cujas partes podem e devem sair satisfeitas
com o resultado para suas controvérsias. Quanto às vantagens do sistema
multiportas, é possível elencar:

a) o cidadão assumiria o protagonismo da solução de seu problema,


com maior comprometimento e responsabilização acerca dos
resultados;
b) estímulo à autocomposição;
c) maior eficiência do Poder Judiciário, porquanto caberia à solução
jurisdicional apenas os casos mais complexos, quando inviável a
solução por outros meios ou quando as partes assim o desejassem;
d) transparência, ante o conhecimento prévio pelas partes acerca dos
procedimentos disponíveis para a solução do conflito (PEIXOTO,
2018, p. 118).

Dessa forma, falar em Justiça Multiportas é demasiado importante


para compreender e acionar o adequado meio para abordagem e resolução de
conflitos, seja pelos meios heterocompositivos ou meios autocompositivos,
assuntos que serão abordados mais adiante.

115
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A importância de se pensar em Justiça Multiportas se deve ao excesso de


judicialização do Poder Judiciário e de ele não poder, sozinho, resolver os
problemas de quem o aciona, bem como a falta de satisfação com os resultados
impostos pelo juiz, a falta de cumprimento dos acordos firmados e o fato de
que a judicialização não viabiliza a pacificação social

• São vantagens do sistema multiportas: estimulo à autocomposição e


protagonismo na solução do conflito; maior eficiência do Poder Judiciário;
transparência e conhecimento prévio pelas partes acerca dos procedimentos
que podem ser acionados.

• O novo Código de Processo Civil (CPC) normatiza que juízes, advogados,


defensores e membros do Ministério Público devem estimular métodos
consensuais de resolução de conflitos.

116
AUTOATIVIDADE

1 O Código de Processo Civil adota o modelo multiportas, de modo que cada


demanda deve ser submetida à técnica ou método mais adequado para a
sua solução, devendo ser adotados todos os esforços para que as partes
cheguem a uma solução consensual do conflito. Em regra, apenas se não
for possível a solução consensual, o processo seguirá para a segunda fase,
litigiosa, voltada para a instrução e julgamento adjudicatório do caso.

( ) Certo.
( ) Errado.

2 Há uma cultura do litígio enraizada na sociedade, cuja tendência é resolver
os conflitos de forma adversarial. Nessas circunstâncias, os denominados
meios alternativos de resolução de conflitos apresentam especial
importância, na medida em que possuem os seguintes objetivos, EXCETO:

a) ( ) Aliviar o congestionamento do judiciário.


b) ( ) Promover a pacificação social.
c) ( ) Democratizar o acesso à justiça.
d) ( ) Promover a autocomposição da solução de controvérsias.
e) ( ) Garantir a legitimidade dos ritos judiciais.

117
118
UNIDADE 2 TÓPICO 2

MEIOS HETEROCOMPOSITIVOS

1 INTRODUÇÃO
O método heterocompositivo, também chamado de impositivo, é aquele
que conta com juiz ou árbitro como terceiro imparcial para decidir de forma
impositiva a solução de um conflito. Através desse método, a vontade das partes
envolvidas em uma controvérsia é substituída pela decisão de uma terceira
pessoa, alheia ao conflito de interesses gerador da discórdia.

Na heterocomposição, há dois caminhos de solução de conflitos: a


Jurisdição e a Arbitragem. Conforme o caminho escolhido, a resposta poderá
se dar através de sentença ou de laudo arbitral. Importante analisar cada um
desses caminhos, a fim de que se possa compreender diferenças e semelhanças
existentes entre eles.

2 JURISDIÇÃO
Para falar em jurisdição, é necessário mencionar o Estado, visto que ela
constitui função típica do Estado em dirimir conflitos que lhe são apresentados,
quando da aplicação da lei. É entendida como a atividade e o poder do Estado
de aplicar as normas do ordenamento jurídico em relação ao caso concreto, seja
expressando autoritativamente o preceito, seja realizando efetivamente o que o
preceito estabelece.

É pela jurisdição que o Estado se substitui aos titulares dos interesses


em conflito, dizendo o direito a partir de cada caso concreto. Segundo Fiorelli,
Fiorelli e Malhadas Junior (2008, p. 51), os métodos heterocompositivos “[...]
recebem essa denominação porque se deixa a solução nas mãos de um terceiro;
fica a responsabilidade dele determinar o que as partes devem ou não fazer”.

Ainda, em uma perspectiva conceitual, segundo Cintra, Grinover e


Dinamarco (2003, p. 131), jurisdição:

119
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

[...] é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui


aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente,
buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa
pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo
que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o
Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja
expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença
de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito
estabelece (através de uma execução forçada).

É através da pessoa do juiz que o Estado presta a tutela jurisdicional aos


cidadãos que a procuram. Ela continua sendo a opção mais adotada pelos que
se encontram em situação de conflito de interesses, uma vez que não há mais a
possibilidade de fazer uso da autotutela.

A generalização do processo como método heterocompositivo de


resolução de controvérsias, a cargo da justiça privada ou pública,
representou induvidosamente uma das maiores conquistas
civilizatórias da humanidade, porquanto ensejou a gradual
substituição da violência e da força bruta, que grassavam na
aurora dos corpos sociais, por um mecanismo mais racional e apto
a preservar ou resgatar a paz entre os membros da coletividade
envolvidos na disputa de um bem da vida ou por esta afetados direta
ou indiretamente (LIMA, 2013, p. 75-76).

Mesmo sendo importante e necessária, muitas vezes a jurisdição não


consegue atingir a finalidade a que se destina por diferentes motivos. Um
deles diz respeito à subjetividade dos envolvidos que podem manter mágoas e
ressentimentos devido ao resultado da lide.

É necessário ter sempre presente que a solução dada pelo juiz irá pôr fim
ao processo, mas não necessariamente à situação de litígio, que poderá perdurar
no tempo. Isso significa que a sentença pode acabar com a relação processual
entre as duas partes, determinando que um ganha e o outro perde, entretanto,
o desconforto gerado pelo conflito irá se manter, não sendo alcançado e saciado
por nenhuma decisão que provenha de uma terceira pessoa.

Quando uma ou as duas partes se mostrarem insatisfeitas com o resultado,


há previsão de interposição de recurso para uma instância superior àquela que
definiu a decisão. Essa possibilidade tem como vantagem a oportunidade de a
decisão passar por outra análise e, assim, ser mantida ou alterada. Entretanto,
tem também desvantagens, visto que perpetua a tramitação dos processos nos
tribunais, o que reflete na morosidade, valor e muitas vezes em ineficácia da
prestação jurisdicional.

Uma segunda questão a ser considerada é que a perda de um prazo ou


a inobservância de algum critério considerado indispensável pode levar a parte
que tem razão a não ter seu direito reconhecido e, ainda, ter que pagar custas
judiciais e os honorários sucumbenciais. Importante referir que no Judiciário
são estabelecidas uma série de regras e procedimentos, algumas vezes bastante

120
TÓPICO 2 | MEIOS HETEROCOMPOSITIVOS

formais, mas que devem ser observadas por quem bate à porta do Judiciário.
Essas regras e procedimentos são necessários para diminuir as inseguranças
jurídicas.

A importância do Judiciário se expressa em situações em que as partes


tenham acessado outros métodos, mas não tenham tido êxito e prioritariamente
em conflitos que só podem ser resolvidos pelo Judiciário, como quando se trata
de conflitos sobre direitos indisponíveis, não havendo como ser negociados
livremente por seus titulares.

Direitos indisponíveis, como o termo sugere, são direitos sobre os quais


há ingerência (intromissão) do Estado sobre a decisão. As ações que versam sobre
alimentos fazem parte desses direitos.

Para exemplificar, pode ser apresentada uma situação na qual um


pai, cujos filhos estão sob cuidados e guarda da mãe, ajuíza ação de oferta de
alimentos para fixar valores que dará aos filhos. Na petição inicial, ele apresenta
uma realidade de dificuldades econômicas e refere poder pagar apenas meio
salário mínimo, de acordo com o binômio necessidade/possibilidade. A mãe, que
se diz conhecedora da realidade econômica do pai e sabedora de que o valor
ofertado é muito aquém do necessário para manter os filhos, somado ao fato
de estar desempregada, procura um advogado. Este profissional perde o prazo
de contestar a ação do pai. Nessa situação, seria o caso de ser decretada revelia
dos requeridos. Entretanto, em razão do direito de alimentos das crianças ser
indisponível, os fatos referidos pelo pai não terão presunção de veracidade, o
que significa que a revelia não produzirá seus efeitos.

Na jurisdição, o papel do magistrado é indispensável. É ele quem precisa


ser convencido sobre quem tem ou não tem razão. Segundo Staffen (2012, p. 89):
“compete ao julgador ater-se à imparcialidade, ao equilíbrio das manifestações
via ampla defesa e contraditório, dando fluência ao devido processo legal, aos
direitos e garantias fundamentais”. O juiz detém o poder de decisão, entretanto,
ela precisa ser fundamentada no processo legal, que encontra respaldo na
Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LIV, o qual preceitua:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...] 7
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal;
[...] (BRASIL, 1988).

Desta forma, para a definição da sentença, o magistrado e demais


envolvidos na lide deverão seguir regras e procedimentos preestabelecidos e
com consequências predefinidas. Além disso, a imparcialidade do juiz é uma
condição para o exercício profissional. Cabe a ele oferecer tratamento igualitário
aos envolvidos. Ao julgar, ele não deve considerar suas noções, crenças e valores
pessoais, bem como visões religiosas ou filosóficas.
121
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

3 ARBITRAGEM – CONCEPÇÃO HISTÓRICA


Utilizar a arbitragem como meio de solução de controvérsias é fato desde
a Antiguidade, fundamentada na ideia de que o povo é corresponsável pela
condução da justiça na vida cotidiana. Nos últimos anos, entretanto, o Estado,
buscando encontrar e desenvolver alternativas para a solução de controvérsias,
a exemplo da instituição dos Juizados Informais de Conciliação e os Juizados
Especiais de Pequenas Causas, a partir da Constituição de 1988, instituiu também
os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, visando agilizar processos e facilitar o
acesso à justiça.

Para Bértoli e Busnello (2017, s.p.) a arbitragem é um dos avanços


jurídicos mais utilizados na atualidade, muito devido às exigências do comércio
internacional. “Sua implantação originou a estimulação de estudos doutrinários
e a criação de instituições que oferecem serviços aos comerciantes para organizar
os diferentes tipos de arbitragem, e da mesma forma orientou as câmaras de
comércio”. Na arbitragem, tanto quanto numa decisão judicial, um terceiro
imparcial definirá de forma vertical qual solução será pertinente. A diferença
está, primeiramente, no fato de que o árbitro ou árbitros são eleitos em uma
convenção de natureza privada, ou seja, as partes interessadas assinam um
instrumento em que a escolha pela arbitragem é formalizada. Outra diferença
está no fato de que a sentença proferida pelos árbitros não comporta recurso.
Nesse sentido, Bértoli e Busnello ensinam que na Jurisdição quem perde a ação
tem possibilidades de interpor recursos, enquanto na arbitragem isto não pode
acontecer. Quando as partes optam por arbitragem sabem que a decisão irá gerar
uma sentença ou laudo arbitral que não é passível de solicitar recursos.

Há algumas outras peculiaridades da arbitragem, as quais estão


abordadas nos tópicos seguintes.

4 DEFINIÇÕES PRELIMINARES
Trata-se de método de resolução de conflitos sem a participação do
Poder Judiciário. No Brasil, é regido pela Lei nº 9.307/96, abrangendo direitos
patrimoniais disponíveis, seja em relação a conflitos de interesses pessoais de
pequena monta, como também grandes controvérsias empresariais ou estatais,
desde que não estejam restritos pela legislação.

Arbitragem, para Rocha (2003, p. 96-97), é: “um meio de resolver litígios


civis, atuais ou futuros, sobre direitos patrimoniais disponíveis, através de
árbitro ou árbitros privados, escolhidos pelas partes, cujas decisões produzem
os mesmos efeitos jurídicos das sentenças proferidas pelos órgãos do Poder
Judiciário”. A arbitragem, portanto, é um método de resolução de conflitos por
meio de entidades privadas, as quais aplicarão a lei por meio de uma decisão
denominada sentença arbitral.

122
TÓPICO 2 | MEIOS HETEROCOMPOSITIVOS

Em princípio, as sentenças arbitrais são finais e vinculativas. Elas só


podem ser objeto de recurso e questionadas no tribunal em circunstâncias
excepcionais. Por exemplo, isso se aplica aos casos em que as partes nunca
validamente acordaram em estabelecer uma arbitragem. Sentenças arbitrais
podem ser aplicadas na maioria dos países em todo o mundo.

Caracterizada pela informalidade, a arbitragem é um método alternativo


ao Poder Judiciário que oferece decisões ágeis e técnicas para a solução de
controvérsias. Só pode ser usada por acordo espontâneo das pessoas envolvidas
no conflito que, automaticamente, abrem mão de discutir o assunto na Justiça. A
escolha da arbitragem pode ser prevista em contrato (ou seja, antes de ocorrer o
litígio) ou realizada por acordo posterior ao surgimento da discussão.

Como se trata de um método privado, são as partes envolvidas no conflito


que elegem um ou mais árbitros, geralmente um ou três, imparciais e com
experiência na área da disputa, para analisar o caso. Os árbitros normalmente
tentam ajudar as partes a entrar em acordo. Se não houver acordo, eles emitem a
decisão, chamada laudo ou sentença arbitral, que tem força de sentença judicial.

5 PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTO
A arbitragem é orientada pelos seguintes princípios:

• autonomia das partes;


• contraditório e ampla defesa concentrado;
• igualdade das partes;
• imparcialidade do árbitro;
• convencimento, conciliação, boa-fé, confidencialidade (DALE, 2016, s.p.).

Do ponto de vista do procedimento, pressupõe que seja contratado por


pessoas maiores e capazes e por pessoas jurídicas, admitindo-se apenas que
sejam submetidos os conflitos patrimoniais disponíveis.

Qualquer processo de arbitragem é baseado em um acordo por escrito


entre as partes (convenção de arbitragem). Nesse aspecto, pode ser originado
por meio de cláusula compromissória, em que a pactuação ocorre antes da
ocorrência do litígio, ou por meio de compromisso arbitral, o qual é estipulado
após a ocorrência do litígio.

Além disso, a arbitragem fornece, aos árbitros e às partes, significativa


liberdade e flexibilidade. As partes podem escolher os árbitros, o local da
arbitragem e/ou a língua do processo. As partes podem, portanto, negociar sobre
a estrutura e duração de suas arbitragens. As partes, porém, não podem desviar-
se dos princípios da equidade e da igualdade, do direito à oitiva e do direito de
serem representadas por um advogado.

123
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

Existem dois tipos de arbitragem: institucionais e ad-hoc. Na arbitragem


institucional, a instituição assume funções administrativas específicas, tais
como entrega de intimações etc. O grau de envolvimento pode variar de uma
instituição para outra, mas a disputa em si sempre será decidida pelo tribunal
arbitral. Na arbitragem ad-hoc, essas funções administrativas ou são assumidas
pelo próprio tribunal ou delegadas a terceiros.

E
IMPORTANT

Hamburgo é a sede de reconhecidas instituições de arbitragem, como o


German Maritime Arbitration Association (GMMA – Associação Alemã de Arbitragem
Marítima); o Schiedsgericht der Handelskammer Hamburg (Tribunal de Arbitragem da
Câmara de Comércio de Hamburgo); o Chinesisch Europäische Schiedsgerichtszentrum
(CEAC – Centro de Arbitragem Chino-Europeu) e diversas outras instituições de
arbitragem mercantil. Hamburgo também é frequentemente escolhida como local de
arbitragem por instituições sediadas fora de Hamburgo, como o Deutsche Institution für
Schiedsgerichtsbarkeit (DIS – Instituto Alemão de Arbitragem) e a International Chamber
of Commerce (ICC – Câmara de Comércio Internacional).

FONTE:<http://www.dispute-resolution-hamburg.com/pt/arbitragem/o-que-e-
arbitragem/>. Acesso em: 12 dez. 2019.

O processo de arbitragem, segundo Sales (2003), é bastante diferente dos


processos de negociação, conciliação e mediação, visto ser um processo formal que
exige regras processuais legais, as quais definem requisitos para que tenha validade.

6 ARBITRO
A pessoa que se propõe a atuar como árbitro necessariamente precisa ter
mais que 18 anos, ter discernimento e condições de expressar sua vontade e ter a
confiança das pessoas envolvidas no conflito. O árbitro não precisa ser advogado,
mas é bom que tenha conhecimentos sobre direito, já que a arbitragem envolve o
uso de muitos conceitos legais.

Assim como o juiz, o árbitro não pode ser amigo ou parente das partes,
nem trabalhar para elas ou ter algum interesse pessoal no julgamento da causa.
Segundo a lei, o árbitro deve ser independente e imparcial.

Importante enfatizar que o arbitro é um juiz de fato e de direito, por


isso precisa ter conhecimentos específicos na área relacionada ao conflito e o
cumprimento, pelas partes, de suas decisões, é obrigatório. O árbitro precisa
ter competências para dar conta da crescente demanda por este método e estar
qualificado e consciente da responsabilidade de suas intervenções na construção
de um futuro mais justo e pacífico para as futuras gerações.

124
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• No método heterocompositivo, as soluções ficam sob responsabilidade de um


terceiro que decide sobre o que as partes devem ou não fazer.

• É através da pessoa do juiz que o Estado presta a tutela jurisdicional aos


cidadãos que o procuram. Essa segue sendo a opção mais adotada pelos que
se encontram em situação de conflito de interesse.

• A sentença coloca fim ao processo, mas a situação de litígio poderá perdurar.

• A importância do Judiciário se expressa em situações em que as partes tenham


acessado outros métodos, mas não tenham tido êxito, ou quando se trata de
direitos indisponíveis.

• Na definição da sentença, o juiz e demais envolvidos na lide deverão seguir as


regras e procedimentos preestabelecidos e em consequências predefinidas.

• A imparcialidade do juiz é uma condição para o exercício profissional.

• Por meio da convenção de arbitragem, as partes elegem a arbitragem em


primeiro plano, preterindo-se a solução por meio judicial.

• Na arbitragem, um dos avanços jurídicos mais utilizados na atualidade, a


resolução dos conflitos se dá por meio de entidades privadas, cujas decisões
produzem os mesmos efeitos jurídicos das sentenças proferidas pelos órgãos
do Poder Judiciário.

• A arbitragem é comum em contratos comerciais, especialmente nos contratos


relativos às transações internacionais.

• Características gerais da arbitragem:


o pode ser utilizada em qualquer controvérsia envolvendo direito patrimonial
disponível;
o há possibilidade de conciliação durante o processo;
o possui um caráter decisório técnico (os envolvidos escolhem o árbitro de
sua confiança, com profundo conhecimento sobre o objeto do conflito;
o pode repercutir em economia processual;
o há sigilo no procedimento;
o dispensa de homologação judicial da sentença arbitral;
o irrecorribilidade da sentença arbitral perante o Poder Judiciário, a não ser
nos casos em que a lei prevê a nulidade da sentença arbitral.

125
AUTOATIVIDADE

1 Na relação entre jurisdição e arbitragem, é correto afirmar:

I- Na jurisdição, o papel do magistrado é indispensável. É ele quem precisa


ser convencido sobre quem tem ou não tem razão.
II- O juiz detém o poder de decisão para a definição de sentença, mas precisa
seguir regras e procedimentos preestabelecidos e com consequências
predefinidas.
III- O Juizado Especial Cível e Criminal sempre existiu desde a Antiguidade, o
que é atual é a possibilidade de utilizar a arbitragem como meio de solução
de controvérsias.
IV- Em uma decisão judicial, um terceiro imparcial definirá de forma vertical a
solução pertinente, já na arbitragem a forma é horizontal.
V- A arbitragem é um método de resolução de conflitos sem a participação do
Poder Judiciário.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F – F – F.
b) ( ) F – V – V – F – V.
c) ( ) V – V – F – F – V.
d) ( ) F – F – V – V – F.

2 Sobre a figura do árbitro, escolha a resposta INCORRETA.

a) ( ) O árbitro é uma terceira pessoa, de confiança das partes e escolhida por


estas para conduzir a solução do conflito.
b) ( ) O árbitro não precisa ter formação jurídica.
c) ( ) As partes podem escolher o árbitro de acordo com a especialidade
técnica que seja mais útil à solução da questão em concreto.
d) ( ) O árbitro, na arbitragem judicial, será o próprio juiz da causa.

3 Analise as afirmações a seguir e escolha a alternativa CORRETA:

I- O árbitro poderá ser recusado pelas partes a qualquer tempo e por


qualquer motivo.
II- Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com
as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações
que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes,
aplicando-se, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades,
conforme previsto no Código de Processo Civil.
III- As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar,
antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada
quanto a sua imparcialidade e independência.

126
( ) Somente as alternativas I e II estão corretas.
( ) Somente as alternativas I e III estão corretas.
( ) Somente alternativas II e III estão corretas.
( ) Todas estão correta
( ) Todas estão erradas

127
128
UNIDADE 2 TÓPICO 3

MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

1 INTRODUÇÃO
O Brasil caminha em passos ainda lentos para mudanças dos paradigmas
relacionados à forma como lida com conflitos. A cultura litigiosa mostra-
se enraizada no íntimo das pessoas, sendo que, mesmo em suas residências
ou comunidades, ainda parece prevalecer a Lei de Talião com a sua famosa
expressão “olho por olho, dente por dente”.

Para superar essa cultura litigiosa, têm sido empreendidos esforços em


diferentes contextos para que as pessoas se reconheçam como protagonistas na
identificação de interesses e nos esforços para o seu alcance. No que se refere ao
Judiciário, desde a década de 90 vem sendo adotados projetos de atividades pré-
processuais em vários setores (civil, penal, familiar, previdenciário, entre outros),
na busca de implementar a prevenção de demandas. Esses projetos atingiram os
objetivos esperados, o que resultou na criação de uma resolução com indicadores
sobre como proceder nas prevenções de demandas. Em novembro de 2010,
o Conselho Nacional de Justiça instituiu a “Política Judiciária Nacional de
tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário”,
o que tende a estimular e assegurar a solução de litígios por meio do consenso
entre as partes (RESOLUÇÃO 125/2010).

Importante assinalar que a adoção de outros métodos de resolução de


conflitos não implica na exclusão do Poder Judiciário. Ao contrário, funcionam
como complemento à atividade jurisdicional estatal. Nesse sentido, Petrônio
Calmon ressalta que “os meios alternativos não excluem ou evitam um sistema
judicial caótico, mas põem-se interativamente ao lado da jurisdição estatal,
devendo-se valer do critério da adequação entre natureza do conflito e o meio de
solução que entenda mais apropriado (CALMON, 2008, p. 49).

129
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

2 LEGISLAÇÃO RELACIONADA
A Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e o Código de
Processo Civil de 2015 representam um marco no direito brasileiro por viabilizar
a construção de um processo civil e sistema de justiça multiportas, que indicam
o método ou técnica mais adequada para a solução de conflitos. Espera-se que
o Judiciário se constitua em um espaço de resolução de disputas, local onde os
envolvidos em conflitos possam sair satisfeitos com o resultado.

2.1 RESOLUÇÃO 125/2010 CNJ


Em novembro de 2010, foi aprovada a Resolução nº 125 do Conselho
Nacional de Justiça:

Art. 1º: Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos


conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução
dos conflitos por meios adequados a sua natureza e peculiaridade.
Parágrafo único: Aos órgãos judiciários incumbe, além da solução
adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de solução
de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a
mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação
ao cidadão (CNJ, 2010).

Os objetivos estão relacionados a seguir:

I- institui a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de


interesses, por meios adequados a sua natureza e peculiaridade;
II - disseminar a cultura da pacificação social e estimular a prestação de serviços
autocompositivos qualidade (art. 2º);
III - reafirmar a função de agente apoiador da implantação de políticas públicas
do CNJ (art. 3º);
IV - incentivar os tribunais a se organizarem e planejarem programas amplos de
autocomposição (art. 4º).

DICAS

Leia, na íntegra, a Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, através


do site: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/Resolucao_n_125-GP.pdf

130
TÓPICO 3 | MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

2.2 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 2015


O Novo Código de Processo Civil, com amparo da Constituição e do CNJ,
representa uma conquista para os métodos adequados de resolução de conflitos.
Exemplo:

Art. 3º: Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a


direito.
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual
dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual
de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados,
defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no
curso do processo judicial.
(BRASIL, 2015)

3 NEGOCIAÇÃO
A negociação é o meio mais simples, rápido, básico e elementar para
a resolução de controvérsias. As pessoas negociam o tempo todo, em casa, no
trabalho, com amigos e nos mais diferentes espaços por onde andam e vivem,
porque é uma forma básica de conseguir o que se quer dos outros. Ela pode
ser entendida como uma atividade na qual duas ou mais partes, tentam criar
um acordo que resolva o conflito estabelecido entre eles, de forma diferente de
recorrer à força ou à decisão de um terceiro.

Uma importante fonte de construção de conhecimentos sobre negociação


advém de décadas de pesquisas realizadas em Harvard, que passou a ser
conhecida como método de negociação baseado em princípios, que busca
interesses comuns e benefícios mútuos. Em qualquer situação esse método pode
ser utilizado, desde situações cotidianas do espaço privado, quanto em processos
de trabalho profissional. Segundo Fisher e Ury (2014), “não se deve negociar
em base em posições”, visto que elas podem produzir acordos ineficientes,
insensatos e ameaçar o relacionamento dos envolvidos. Os autores defendem
como alternativa a negociação baseada em interesses.

NOTA

Para que a negociação produza o resultado esperado, dê atenção especial


para a valorização do ser humano, da palavra e da continuidade da relação.

131
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

3.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES


Como já foi assinalado, a negociação está presente no cotidiano
de todas as pessoas. Entretanto, entender a negociação conceitualmente e
metodologicamente pode facilitar que os envolvidos na negociação possam
alcançar melhores resultados.

“Negociação é um processo de comunicação bilateral com o objetivo


de se chegar a uma decisão conjunta” (FISHER; URY; PATTON, 2005, p. 50).
Nessa definição, a ênfase está na comunicação, na ideia da tomada de decisão
conjunta. A comunicação na negociação não pode ser subestimada, desta forma,
o momento da negociação, a escuta dos envolvidos e como é conduzida a fala
são aspectos fundamentais para uma comunicação objetiva.

Segundo Cohen (1980, p. 14), “Negociação é o uso da informação e


do poder com o fim de influenciar o comportamento dentro de uma rede de
tensão”. Na definição apresentada por Cohen são destacados comportamentos
de influência, ficando subtendido um contexto de comunicação com base no
poder e na informação.

É possível afirmar que cada vez que duas ou mais pessoas trocam
ideias com o intuito de modificar suas relações, cada vez que chegam a um
acordo, estão negociando. A negociação depende da comunicação e ocorre
entre pessoas que representam a si ou a grupos organizados. O destaque desse
conceito está na troca de ideias com o objetivo de comprometer as relações com
o outro visando acordo.

Uma forma comum de entender a Negociação é a de um processo em


que as partes, que em um primeiro momento parecem ter interesses antagônicos,
procuram ajuda para discutir propostas com o objetivo de alcançar um acordo.
Esta conceituação caracteriza o processo, as partes e os tipos de interesses
orientados para um acordo. Todo o conflito e toda negociação envolvem esferas
de poder, regras e interesses.

Focar nas duas primeiras pode fazer o conflito escalar e dificultar


a satisfação dos envolvidos. Focar na esfera dos interesses pode funcionar
melhor porque, para cada interesse, existem muitas e diversas posições, sendo
que alguma delas podem satisfazer os envolvidos, já que as pessoas tendem a
adotar as posições mais óbvias possíveis. Quando o negociador possibilita que
os envolvidos abandonem a posição inicial e passem a olhar para os interesses
que os motivam, possivelmente será possível encontrar uma opção satisfaça os
interesses de ambas as partes. A prerrogativa pressupõe que os envolvidos lidem
com a controvérsia como um problema mútuo, entretanto, encontrar interesses
comuns não é tarefa fácil.

Nessa perspectiva, pode-se conceituar a negociação como “um meio


básico de conseguir o que se quer de outrem. É uma comunicação bidirecional

132
TÓPICO 3 | MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

concebida para chegar a um acordo, quando você e o outro lado têm alguns
interesses em comum e outros opostos” (FISHER; URY; PATTON, 2005, p. 15).

Nas vivências cotidianas podem ser identificadas duas formas de


negociar. A primeira, baseada na empatia, faz com que o negociador faça
diversas concessões a fim de evitar o conflito. A segunda, baseada no rigor
e com foco no objetivo, leva a um comportamento por vezes áspero, de quem
deseja vencer a qualquer custo, sem abrir mão da sua posição. Essa posição
prejudica a concretização do acordo e influencia futuros relacionamentos entre
os negociadores. A ideia da Escola de Negociação de Harvard foi justamente
conciliar essas duas maneiras de negociar, desenvolvendo e difundindo uma
nova forma de agir: a negociação baseada em princípios, a qual se baseia no
conceito do “ganha-ganha”.

O método da negociação baseado em princípios, desenvolvido no Projeto


de Negociação de Harvard, consiste em decidir as questões a partir de seus
méritos, e não através de um processo de regateio centrado no que cada lado se
diz disposto a fazer e não fazer.

A intencionalidade da negociação é alcançar um resultado que satisfaça


ambas as partes, o que pressupõe que o outro não seja visto e tratado como
oponente, mas sim como parceiro e colaborador na realização do acordo. A
Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Novo Código de Processo Civil) tratou
da negociação, no parágrafo 3º. do art. 166, in verbis: “Admite-se a aplicação
de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à
autocomposição” (BRASIL, 2015).

Uma das máximas desse método é criar valor antes de distribuir tais
valores entre os envolvidos no processo de negociação. Siouf Filho (2012)
apresenta a imagem de um bolo e afirma que se deve aumentar o bolo para só
então cortá-lo e distribuí-lo. Assim, para o autor, quanto maior o bolo, maior a
possibilidade de satisfação entre os participantes e maior a chance de se chegar a
um acordo.

Importante enfatizar que conflitos podem surgir em todos os aspectos


da vida. Então, a negociação pode ser uma técnica importante e viável para a
resolução desses conflitos.

NOTA

Teoricamente, os conflitos mais adequados à negociação direta são aqueles


em que as pessoas possuem condições de dialogar mesmo sem a intervenção de um
terceiro para facilitar esse diálogo – normalmente de ordem material, patrimonial.

133
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

3.2 PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS


A ideia da negociação é buscar a maximização de ganhos mútuos, e isso
só é possível na medida em que os envolvidos em um conflito se concentrem em
criar valor em vez de dividi-lo. A negociação baseada em princípios busca criar
valor na negociação e possui quatro princípios gerais, que permitem resultados
ganha-ganha pautados nos interesses:

1º separar as pessoas do problema;


2º focar nos interesses dos envolvidos e não nas suas posições;
3º criar opções de ganho mútuo;
4º mapear critérios objetivos para legitimar a escolha das opções .

NOTA

Pessoas: separe as pessoas dos problemas.


Interesses: concentre-se nos interesses, não nas posições.
Opções: crie uma variedade de possibilidades antes de decidir o que fazer.
Critérios: insista que o resultado tenha por base algum padrão objetivo (FISHER; URY;
PATTON, 2005, p. 28).

1º Princípio – Separar as pessoas dos problemas.

A prerrogativa de um negociador eficaz é que ele possa ser capaz


de distinguir o conflito e as pessoas nele envolvidas. Desta forma, não deve
prevalecer na negociação o hábito de se fazer acusações pessoais, mas sim o
exercício de um se colocar no lugar do outro, com foco no objetivo a ser atingido.
As chances de acordo estão diretamente relacionadas à atmosfera favorável ao
diálogo.

É necessário ter claro que os envolvidos na negociação são seres


humanos, que possuem sentimentos e desejos. Desta forma, o aspecto emocional
da negociação é de extrema importância e não pode ser negligenciado. Em uma
disputa, as emoções envolvidas fazem com que o outro seja visto como parte
do problema e não como parte de uma negociação em que é possível buscar
colaboração. Os autores defendem que é importante manter o foco nas questões
a serem tratadas, e não nas pessoas envolvidas. O problema, para eles, deve ser
tratado com dureza, já as pessoas precisam ser tratadas com afeto.

Esse princípio considera que as pessoas não necessariamente fazem parte


do problema, ou seja, trabalhar para a superação de um problema e manter uma
boa relação não precisam ser objetivos que conflitam entre si.

134
TÓPICO 3 | MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

2º Princípio – Concentrar-se em interesses, não em posições.

Nas disputas, os envolvidos devem superar o costume de se concentrar


nas posições. As posições obscurecem os reais interesses das pessoas. O que
está envolvido em uma negociação são as necessidades, desejos, preocupações e
temores. Esses sentimentos precisam ser explicitados e explorados. Quando isso
é realizado, do processo podem emergir interesses comuns e compatíveis.

Importante considerar que posições opostas podem esconder interesses


comuns e compatíveis. Muitas vezes, esses interesses podem não ser explicitados
e, para poderem ser conhecidos a utilização de técnicas pode ser útil. Uma
técnica básica consiste em uma atitude empática de pensar na escolha do outro
(perguntar “por quê?”; “por que não?”) com o intuito de reconhecer os interesses
do outro como parte do problema, olhando para frente (futuro), e não somente
para trás (passado). Desta forma, esse princípio preconiza que para uma boa
negociação ser possível, os interesses dos envolvidos precisam ser reconhecidos
para poder atender seus desejos, evitando-se a disputa por posições.

Um exemplo bastante conhecido, provavelmente abordado pela primeira


vez no Curso do Projeto de Negociação de Harvard, é a disputa de duas crianças
por uma única laranja. A vinheta apresenta a história de duas crianças que
brigavam há horas para ter a única laranja que havia em casa. A mãe, imbuída
do desejo de terminar com a briga das filhas e solucionar o impasse da forma
mais justa que ela entendia ser possível, simplesmente dividiu a laranja ao meio,
dando metade para cada uma das filhas. Essa, de fato, parece ser a solução
mais óbvia, que, aparentemente, parece ser a mais correta e que a maioria das
pessoas tomaria. Entretanto, mais tarde, essa mãe descobriu o quanto essa
solução era insatisfatória e não resolvia o problema de nenhuma das filhas, pois
uma filha queria a laranja para fazer suco e a outra queria apenas a casca para
brincar. Quando a laranja foi partida ao meio, ambas saíram perdendo, mesmo
que pudessem ter os seus interesses integralmente satisfeitos, dado que não
queriam a mesma coisa. Suas posições eram antagônicas, mas os interesses eram
compatíveis.

3º Princípio – Inventar opções de ganhos mútuos

Utilizar a criatividade para criar diferentes opções antes de tomar


decisão pode facilitar a construção de um acordo cujos ganhos podem ser
mútuos. Segundo Fisher, Ury e Patton (2005), o julgamento prematuro, a busca
por uma resposta única e o entendimento de que os problemas do outro são
de responsabilidade deles podem se constituir em obstáculos para chegar a
um acordo. Para ser capaz de inventar opções criativas, é importante: buscar
todas as opções possíveis sem avaliá-las; buscar ampliar o número de opções
possíveis, rompendo com a ideia de que existe apenas uma resposta para o
problema; buscar possibilidades de ganhos mútuos; harmonização de interesses
discrepantes e facilitar a decisão da outra parte, criando opções que levem em
conta as necessidades deles.

135
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

Inventar opções criativas (brainstorming) pode ser feito tanto individual


quanto conjuntamente pelas partes e pode constituir-se como uma atividade
muito útil para encontrar opções de ganho mútuo.

4º Momento – Buscar critérios objetivos

Critérios objetivos favorecem que as soluções possam ser consideradas


justas pelas partes. Os critérios objetivos dizem respeito ao fato de não depender
da vontade pura e simples das partes. Podem por sua vez, decorrer do valor de
mercado, de alguma opinião especializada, costumes, entre outros. Os critérios,
que não precisam ser únicos, devem partir de discussões, argumentações e
independem da vontade de qualquer dos lados.

Para a discussão de procedimento, é importante apresentar o Método dos


Sete Elementos, desenvolvido na Escola de Direito da Universidade de Harvard.
O método prescreve os elementos: comunicação, relacionamento, alternativas,
interesses, opções, critérios e compromisso.

I- Comunicação: Os negociadores precisam falar a mesma linguagem.


Dificuldades comunicacionais podem levar a desentendimentos que não
são necessários.
II- Relacionamentos: A confiança está diretamente relacionada a relações
próximas e amigáveis. Quando há confiança, as pessoas revelam interesses
latentes, que de outra forma não seriam revelados.
III- Alternativas: A identificação da MASA é a escolha da melhor alternativa
dentre as possíveis. Isso é feito antes do início da negociação e será utilizado
no caso não fechar o acordo.
IV- Interesses: Quando se identificam os interesses, é possível aumentar o
“todo” que, depois, será distribuído na negociação.
V- Opções: Identificação de possíveis soluções construídas a partir da revelação
de interesses subjacentes às posições.
VI- Critérios: Utilização de padrões objetivos, gerais e independentes da
vontade das partes.
VII- Compromisso: Documentação do acordo de forma a deixar o combinado
claro e registrado.

3.3 FASES DA NEGOCIAÇÃO


Segundo Fisher e Ury (2014), em uma negociação podem ser identificadas
três fases: análise, planejamento e discussão.

• A fase da análise pressupõe fazer o diagnóstico da situação, reunir informações,


organizá-las e fazer reflexão sobre elas. Nesta fase, é importante levar em
conta a percepção, sentimentos e emoções das pessoas que estão envolvidas
no conflito e também identificar os interesses dos envolvidos

136
TÓPICO 3 | MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

• A próxima fase é o planejamento, no qual é decidido como será feita a


negociação, considerando a análise realizada, os mais significativos e
importantes interesses identificados, bem como os objetivos mais realistas.
• A terceira fase é a fase de discussão, na qual os envolvidos se comunicam
diretamente. Nesse momento, é necessário que o ambiente possa facilitar o
diálogo e que todos tenham a oportunidade de expressar os seus sentimentos
e interesses. Cada parte envolvida é incentivada a compreender os interesses
e as necessidades do outro. Quando isso é alcançado, os envolvidos poderão
trabalhar em conjunto para construir opções de ganho mútuo, buscando
firmar um acordo com base em padrões objetivos para conciliar os interesses.

3.4 O NEGOCIADOR
A teoria de Harvard apresenta a figura do negociador como uma pessoa
cooperativa, que atua baseada em princípios que buscam o ganha-ganha em vez
da preocupação em vencer no enfoque ganha-perde. O negociador ganha-ganha
busca possibilidades de soluções criativas que agreguem valor às questões e que
favoreçam a manutenção de relacionamentos.

Cabe ao negociador conduzir a negociação através de uma conversa


franca, investir na boa-fé das partes e no envolvimento de todos para alcançar
uma solução. Quando o negociador consegue que isso aconteça, dificilmente o
acordo será descumprido.

4 CONCILIAÇÃO
A Lei federal nº 7.244/84 foi a grande impulsionadora para a projeção da
conciliação como forma autocompositiva de resolução de conflitos. A Lei rompeu
paradigmas ao introduzir no cenário jurídico nacional propostas de pacificação
social, deu ênfase à conciliação e criou a figura do conciliador como facilitador
na resolução de conflitos. Essa lei foi substituída pela Lei nº 9.099/95, que dispõe
sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, definindo critérios para a criação
de um espaço formal para a atuação do conciliador.

Atualmente, a Resolução nº 125/2010 dá ordenamento jurídico aos


mecanismos consensuais de resolução de conflitos no Brasil, consolidando-os
como política pública judiciária e tem o propósito de incentivar, aperfeiçoar e
assegurar tratamento adequado aos conflitos.

A conciliação é um método para dirimir adversidades e investir na busca


de interesses que satisfaçam os envolvidos não só na área jurídica, mas também
nas outras dimensões de relações conflituosas.

137
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

4.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES


A definição histórica da palavra “conciliação” tem origem latina
e significa conciliatione. Foi traduzida em ato ou efeito de conciliar; ato de
harmonizar disputantes ou pessoas com vontades opostas; acordo; entendimento;
concordância. A conciliação ou autocomposição é realizada quando duas ou mais
pessoas buscam pôr fim às divergências existentes entre elas de uma maneira
consensual. As próprias partes são incentivadas a buscar uma solução de forma
conjunta e participativa.

Juridicamente falando, a conciliação tem suas definições enraizadas de


acordo com o conhecimento transmitido pelo Conselho Nacional de Justiça, no
sentido de autocomposição das partes. Conforme esclarece o CNJ, conciliação
se traduz em “um meio alternativo de resolução de conflitos em que as partes
confiam a uma terceira pessoa (neutra), o conciliador, a função de aproximá-las e
orientá-las na construção de um acordo” (BRASIL, 2015).

No caso da conciliação judicial, o procedimento é iniciado pelo


magistrado ou por requerimento da parte, com a designação da audiência e a
intimação das partes para o comparecimento. Na conciliação pré-processual, a
parte comparece à unidade do Poder Judiciário apto a atendê-la – no caso, são as
unidades de conciliação já instaladas ou os Juizados Especiais –, que marca uma
sessão na qual a outra parte é convidada a comparecer. Na efetivação do acordo,
o termo da audiência se transforma em título judicial. Na falta de acordo, é dado
o encaminhamento para o ingresso em juízo pelas vias normais.

A possibilidade de conciliação está prevista em diversas leis e


regulamentos como:

ANO LEI NÚMERO E ARTIGOS

CLT DL-005.452-1943 (artigos 764, 831, 847


1943 Consolidação das Leis do Trabalho
e 850)

1973 Código de Processo Civil Artigos 125, IV, 269, III, 277 e outros.

Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990


1990 Código de Defesa do Consumidor
(artigos 5º, IV, 6º, VII, e 107).

Lei dos Juizados Especiais Cíveis Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995


1995
e Criminais (artigo 2º).

Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996


1996 Lei de Arbitragem
(artigos 21, §4º, e 28)

2001 Lei dos Juizados Especiais Federais Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001.

Resolução 20002/12 da ONU


Princípios básicos para utilização de
2002 Resolução 2002/12 de 24 de julho de 2002.
programas de justiça restaurativa em
matéria criminal.

138
TÓPICO 3 | MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002


2002 Código Civil
(artigo 840).

Lei dos Juizados Especiais da


2009 Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009.
Fazenda Pública

Política Judiciária Nacional de


2010 tratamento adequado dos conflitos Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010.
de interesses

FONTE: A autora

Na atualidade, com base na política pública preconizada pelo Conselho


Nacional de Justiça e consolidada em resoluções e publicações diversas, pode se
afirmar que a conciliação busca no Poder Judiciário:

i) além do acordo, uma efetiva harmonização social das partes; ii)


restaurar, dentro dos limites possíveis, a relação social das partes
iii) utilizar técnicas persuasivas, mas não impositivas ou coercitivas
para se alcançarem soluções; iv) demorar suficientemente para
que os interessados compreendam que o conciliador se importa
com o caso e a solução encontrada; v) humanizar o processo de
resolução de disputas; vi) preservar a intimidade dos interessados
sempre que possível; vii) visar a uma solução construtiva para o
conflito, com enfoque prospectivo para a relação dos envolvidos;
viii) permitir que as partes sintam se ouvidas; e ix) utilizar se de
técnicas multidisciplinares para permitir que se encontrem soluções
satisfatórias no menor prazo possível (VELOSO et al., 2018, s.d.).

Na conciliação, os envolvidos procuram a resolução de seus conflitos


com a presença do conciliador, o qual interfere no processo visando à obtenção
de um acordo. É esperado que o conciliador ofereça sugestões sobre possíveis
soluções e melhores alternativas para o problema e acordo a ser construído. Esse
parecer é dado a partir de uma avaliação criteriosa das vantagens e desvantagens
para cada um dos envolvidos, que podem ou não acatar as sugestões recebidas.

4.2 PROCEDIMENTO
Na conciliação, é esperado que o terceiro – conciliador -– interfira no
processo da discussão, sugerindo um possível acordo e apontando possíveis
soluções. Esse parecer é dado a partir de uma avaliação criteriosa das vantagens
e desvantagens para cada um dos envolvidos, que podem ou não acatar as
sugestões recebidas.

Os conflitos mais adequados para a utilização de meio são aqueles


esporádicos, nos quais os envolvidos não têm vínculo continuado, nem afetivo,
tampouco emocional. Segundo Hidal e Sampaio (2016), questões em que as
relações são casuais e superficiais, nas quais o interesse material se sobrepõe ao
relacional.

139
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

As diferentes etapas da conciliação apresentadas por Braga Neto (2003,


p. 23) podem ser divididas em quatro: abertura, esclarecimentos, criação de
opções e o acordo.

NOTA

Em relação às etapas, vale a observação de Lia Regina Castaldi Sampaio e


Adolfo Braga Neto, no sentido de que não se trata de uma “receita culinária, em que são
usados determinados ingredientes e marcas que resultarão, na maioria das vezes, se bem
seguidas pelo usuário, em um alimento a ser consumido” (SAMPAIO; BRAGA NETO, 2007,
p. 46-47).

• Etapa da Abertura

Na abertura, o conciliador fala sobre o procedimento que será realizado,


faz os esclarecimentos iniciais e fala das implicações legais referentes ao acordo.
Tavares Filho e Tavares (2016) ao se referirem à etapa da apresentação, salientam
sobre a importância da criação de um ambiente de acolhimento que possa
conquistar os participantes e dar legitimidade a este meio autocompositivo. Os
autores ainda listam itens a serem seguidos pelo conciliador nesta etapa:

o cumprimentar as partes e seus advogados;


o anotar os respectivos nomes e perguntar como cada qual prefere ser
chamado;
o fazer a sua apresentação pessoal, ressaltando o dever ético de imparcialidade
e neutralidade;
o destacar seu papel de facilitador do diálogo, não de julgador;
o falar sobre a voluntariedade e informalidade dessa prática;
o confirmar o interesse das partes em participar e parabenizá-las pela escolha;
o esclarecer sobre os objetivos da conciliação e as implicações da celebração
(ou não) do acordo;
o realçar as vantagens dessa forma de solução de conflitos.

• Etapa Esclarecimento

Tavares Filho e Tavares (2016) agregam a terminologia investigação


ao nome da etapa. Nela, cabe ao conciliador buscar esclarecimentos por parte
dos envolvidos sobre ações, atitudes e iniciativas que geraram o conflito. O
conciliador convida os envolvidos a relatarem a controvérsia. É nesta etapa que
são identificados os temas, interesses e posições dos envolvidos.

140
TÓPICO 3 | MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

Cabe ao conciliador identificar os pontos convergentes e divergentes do


conflito através de uma escuta ativa e sem interrupções. É o momento de realizar
perguntas sobre o fato e a relação entre eles para incentivar a comunicação e
identificar a pretensão de cada parte envolvida no conflito.

• Etapa Criação de opções de solução

A terceira etapa pressupõe a criação de opções que pode se dar por uma
sugestão apresentada pelo conciliador ou mesmo propostas construídas pelos
envolvidos para a solução do conflito. O foco, segundo Tavares Filho e Tavares
(2016, p. 350) “é o incentivo à criatividade das partes, na busca da solução da
disputa, tendo em vista que quanto mais propostas forem discutidas, maiores as
perspectivas de uma decisão consistente”.

Os autores Tavares Filho e Tavares incluem uma outra etapa, antes
da etapa final, chamada por eles de avaliação e escolha das opções de
solução.

• Avaliação e escolha das opções de solução

A tarefa do conciliador é auxiliar na análise das opções construídas na


fase três, com vistas a selecionar as opções que possam ser viáveis e atender
aos interesses das partes. Nesta etapa, que é mais objetiva, pode ser necessária
a presença de um advogado, pois não é prerrogativa do conciliador orientar
quanto à exequibilidade das soluções propostas.

• Acordo

Trata-se da lavratura do termo final, do acordo. Segundo Tavares Filho


e Tavares (2016, p. 352) é importante que na escrita possam ser considerados os
seguintes aspectos:

o forma escrita;
o redigido na presença das partes, advogados e conciliador;
o modo simples, claro, preciso;
o fazer constar exatamente o que ficou combinado;
o ter o tratamento jurídico necessário;
o deixar assinalado quem vai fazer o quê, porquê, quando, como, onde e
quando.

4.3 TÉCNICAS
Vamos apresentar as técnicas de conciliação descritas por Tavares Filho
e Tavares (2016). Estas técnicas também são utilizadas em outros métodos de
solução de conflitos, como a mediação e negociação. Cabe ao conciliador decidir
pela melhor técnica em resposta ao que busca resolver.

141
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

Escuta ativa ou escuta dinâmica – A escuta ativa pode ser entendida


como uma técnica que implica dar àquele que fala sua mais completa atenção
e capacidade de compreensão. A prerrogativa é a necessidade de construção
de um espaço propício para a comunicação, em que os envolvidos possam se
sentir confortáveis para expressar ideias e sentimentos. Para compreensão do
que é assinalado pelas partes, o conciliador utiliza perguntas exploratórias, que
ajudam a elucidar o que é dito.

Técnica da recontextualização ou parafraseamento – A técnica pressupõe


que o conciliador construa um resumo reformulado do que foi dito pelas partes,
extraindo a conotação negativa e enfatizando pontos positivos e comuns. O
conciliador, com esta técnica, tem a chance de confirmar se entendeu bem o que
foi dito e as partes têm a possibilidade de ouvir a sua própria fala.

Técnica: concentrar-se nos interesses – A proposta da técnica é facilitar,


por meio de perguntas, que os envolvidos no conflito possam sair de suas
posições e expressar seus interesses. Quando as partes iniciam a sessão, elas têm
a tendência de se manter nas posições, sendo a competição entre as partes o foco.

Técnica do reforço positivo – Técnica que visa a valorização do


comportamento da parte ou do advogado que apresenta propostas positivas. O
conciliador elogia, estimula e encoraja posturas positivas.

Técnica teste de realidade e enfoque prospectivo – Cabe ao conciliador,


no momento da escolha da solução, questionar se o que está sendo combinado
pode realmente ser exequível.

E
IMPORTANT

O relato da experiência, apresentada a seguir, pode ajudar no entendimento da


importância da conciliação enquanto método que constrói possibilidades de pacificação.

142
TÓPICO 3 | MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

“Considerando minha experiência com a conciliação/mediação na


Justiça Federal, ressalto um caso especial que me vem à memória. Uma
ação de indenização por danos morais e materiais, em razão de vícios de
construção em imóvel do Programa “Minha Casa, Minha Vida”, faixa 1
(PAR). A autora ajuizou ação contra a Caixa Econômica Federal e a empresa
responsável pela construção do imóvel (casa popular) solicitando indenização
por danos materiais e morais causados em razão de uma tempestade que
ocorreu na cidade, alagando sua casa, danificando seus poucos móveis e
tornando a residência praticamente inabitável. No laudo pericial restou
demonstrado que os danos sofridos pela autora decorreram de vícios de
construção. Na audiência de conciliação/mediação, após a declaração de
abertura, a autora foi instada a relatar os fatos. Embora as fotos constantes
no laudo pericial demonstrassem o estado de miserabilidade da autora, bem
como as condições insalubres de sua moradia, a autora ainda apresentou
outras fotos que haviam sido retiradas posteriormente, mostrando a piora na
condição do imóvel. Não obstante a situação digna de compaixão, a autora
relatou, com muito bom humor, simplicidade e demonstrando resignação,
que tinha dois filhos (gêmeos) adolescentes, ambos deficientes, e que, como
eles não andavam, passavam o dia brincando no chão, mas com as chuvas,
com o barro que tinha entrado na casa e com todo o mofo, eles não estavam
muito bem de saúde e não tinham como brincar direito e que, com a chuva,
perdeu os poucos móveis, eletrodomésticos e até os colchões. Nesse ponto da
audiência, o rumo da conversou mudou. Passamos a trazer para a mesa de
negociação outras questões que não constavam no processo e que subjaziam
à pretensão da autora de ressarcimento pelos danos morais e materiais. Fosse
por compaixão ou mesmo por estratégia de atuação processual, mas o efeito
foi além do esperado e o acordo alcançou não só o ressarcimento pelos danos
alegados e o reparo da moradia, mas também previu: doação de duas cadeiras
de rodas para os filhos da autora, auxílio médico-hospitalar, esclarecimentos
sobre possível direito a recebimento de benefício assistencial para os filhos e
encaminhamento para atermação”.

Geovana Faza da Silveira Fernandes


Diretora do Centro Judiciário de Conciliação da Subseção
Judiciária de Juiz de Fora Instrutora de Conciliação e Mediação

FONTE: TAKAHASHI et al. Manual de Mediação e Conciliação da Justiça Federal. 2019. Disponível
em: https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/
publicacoes-1/outras-publicacoes/manual-de-mediacao-e-conciliacao-na-jf-versao-online.pdf.
Acesso em: 12 dez. 2019.

143
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

5 MEDIAÇÃO
Mediar é uma estratégia de resolução de conflitos que viabiliza a
compreensão dos problemas na perspectiva de cultura de paz, permitindo aos
envolvidos a construção de decisões que melhor lhes favoreçam. A mediação
avança não somente no Judiciário, mas na resolução de conflitos em ambientes
escolares, prisões, empresas, comunidades e em muitos espaços que lidam com
relacionamentos sociais. Esta estratégia oferece alternativas às propostas de
judicialização dos conflitos, tão vigentes em nossa sociedade.

Não só no Brasil, mas em muitos e diferentes países, tem aumentado


consideravelmente o número de profissionais – como advogados, assistentes
sociais, médicos e psicólogos – interessados em buscar capacitação na área.
São diversas as ofertas de cursos, tanto no âmbito privado quanto acadêmico,
que têm por objetivo capacitar profissionais para atuarem como mediadores e
proporcionar uma atuação diferenciada, menos adversarial e mais colaborativa,
no desenvolvimento e na prática de sua profissão de origem. Para tanto, faz-
se necessário mais do que uma apreensão de conteúdos teóricos, mas uma
qualificação que contemple o self do profissional, atentando para sua implicação
no processo.

5.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES


Falar em mediação é falar em estratégia autocompositiva para resolução
de conflitos judiciais e extrajudiciais, que confere às pessoas a autoria de suas
próprias decisões a partir de reflexão e ampliação de alternativas. Segundo
Almeida (2019) é um processo não adversarial dirigido à desconstrução dos
impasses que imobilizam a negociação, transformando um contexto de confronto
em contexto colaborativo.

Para Warat (2018, p. 17), “mediação é a forma ecológica de resolução dos


conflitos sociais e jurídicos”. Segundo ele, essa prática “substitui a aplicação
coercitiva e terceirizada de uma sanção legal, apontando para a realização da
autonomia das partes envolvidas” (2018, p. 19).

A mediação também pode ser definida como uma negociação que tem um
terceiro como facilitador, por meio da qual pessoas em disputa, ou que podem
se colocar em situação de disputa, são auxiliadas por uma terceira pessoa a
construir alternativas autocompositivas. A proposta investe na ideia de mobilizar
os envolvidos a compreender suas próprias posições quanto as da outra parte e,
assim, possam criar uma nova.

A mediação tem como produto idealizado a superação de um Judiciário


sobrecarregado e demorado, de forma que os envolvidos nos conflitos consigam,
em menos tempo, com baixo custo e com a possibilidade da manutenção dos
relacionamentos, construir soluções que beneficiem a todos.

144
TÓPICO 3 | MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

São muitos e diversos os campos de atuação da mediação, que pode


ser realizada tanto na esfera pública quanto na privada, como escolas, prisões,
comunidades e foros, sempre oferecendo uma alternativa aos processos litigiosos
e visualizando cultura de paz. Vezzulla (1998) postula o reconhecimento
da mediação como uma proposta de organização social e de convivência
humana. Segundo ele, a mediação pode viabilizar a humanização da justiça e a
restauração de valores sociais que foram sobrepostos por valores individualistas
e competitivos do neoliberalismo. Desta forma, a mediação deve ser concebida
como uma prática social que se estrutura a partir do respeito á lei, ao outro e a si
próprio.

E
IMPORTANT

Elementos preponderantes da Mediação

1º protagonismo e autonomia dos interessados na busca de uma solução que satisfaça a


ambos;
2º papel do mediador como condutor do diálogo, o que demanda a sua capacitação em
técnicas específicas para essa função;
3º duplo escopo do procedimento, direcionando não somente à resolução da controvérsia
que gerou o processo, mas também a restauração da comunicação entre os litigantes,
hábil à prevenção de novos litígios

(MOLINARI, 2015)

5.2 A PESSOA DO MEDIADOR


O mediador não é um observador externo, mas um participante ativo.
Atua e dirige, joga e treina. Sua vontade e interesses precisam desaparecer para
que as vontades e interesses das partes submerjam. Desde a acolhida, isso se
manifesta pela forma como ele acolhe genuinamente os envolvidos e a maneira
como se expressam, antes de acolher o conflito que os trazem ao espaço de
trabalho.

Para definir a pessoa do mediador, Vezzulla (1998) refere que uma das
formas mais efetivas é dizer o que ele não é. O mediador não é um juiz, pois
não cabe a ele julgar, tampouco dar vereditos. O mediador não é um negociador,
cujo interesse direto é o resultado, visto que o sucesso da mediação não está
atrelado ao fato dos mediandos chegarem a um acordo. Também não é um
árbitro que emite laudos e decisões. O mediador é um terceiro que atua, como já
foi assinalado, de forma neutra e conduz sem decidir. Ainda, segundo Vezzulla
(1998), o mediador é como o marisco que fica na pior das posições, entre o mar
e a rocha. Mediador é como a parteira, que ajuda a dar à luz aos reais interesses
dos envolvidos.

145
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

Segundo Haynes e Marodin (1996), o mediador é alguém que não está


comprometido com qualquer uma das partes em particular, pois está equilibrado
entre as partes; controla o processo, e não o conteúdo (este é controlado pelos
participantes); não aceita definições unilaterais; trabalha pelas construções de
opções; não guarda segredos um dos outros e viabiliza para que o “não dito”
possa, em ambiente protegido, ser dito. O que os autores referidos apontam é
a importância da pessoa do mediador no trabalho que realiza. Na sua atuação,
valores, crenças e prismas pessoais podem, em algum momento, entrar em
conflito com suas crenças, valores e prismas profissionais. Sua formação como
mediador precisa capacitá-lo a reconhecer o conflito e concentrar-se na relação
profissional que mantém com o conflito e com as pessoas que vivenciam o
conflito.

O mediador assume uma posição neutra na condução do processo de


mediação. Isso não significa dizer que o mediador não tem sua posição pessoal
sobre o conflito. Ele o tem, e isso interfere diretamente no trabalho que realiza.
Essa posição tem como fundamentação epistemológica o pensamento sistêmico,
que é coerente com as características da ciência contemporânea emergente.
Conhecer o fenômeno passa diretamente por conhecer o observador.

Disto resulta a viabilização da postura neutral do mediador, prevista


na Lei da Mediação e no Novo Código de Processo Civil, no art. 2º da Lei nº
13.140/15 e no art. 166 da Lei nº 13.105/15, envolve a necessidade de que o
mediador reconheça sua visão de homem mundo e de seus limites pessoais e
profissionais.

Para facilitar a consolidação dessa postura neutra e imparcial, faz-se


necessária a autorreflexão que, segundo Vezzulla (1998), traz consciência ao
mediador para analisar as próprias sensações e reações e confere caminhos para
acessar as melhores ferramentas que darão suporte à condução produtiva em
prol de objetivos satisfatórios. Para ele, o mediador necessita estar vigilante e
convicto de que as pessoas buscam ajuda porque não conseguem enxergar a
posição do outro, já que estão mergulhadas em sua posição.

A produção de Ury (2015) muito contribui para reforçar o que está


sendo problematizado. Ele apresenta uma metáfora interessante para o
aprofundamento da discussão. Sugere que o mediador se sente à mesa de jantar
com os seus próprios medos, emoções e sentimentos, a fim de entender melhor o
modo como funciona. Segundo ele, essa postura pode auxiliar na construção de
relacionamentos mais saudáveis em diferentes âmbitos, pois isso se dá, também,
nos relacionamentos construídos no espaço da mediação.

O método de autoconhecimento proposto por Ury (2015), composto por


cinco passos, é, segundo ele, uma forma de chegar ao sim consigo mesmo.

O primeiro passo refere-se à proposta de colocar-se no seu próprio


lugar, ouvindo com empatia suas necessidades básicas. O segundo refere-se
ao compromisso de tornar-se responsável pela sua própria vida, assumindo o
146
TÓPICO 3 | MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

cuidado dos seus próprios interesses. O terceiro indica a necessidade de mudar


a forma como vê a vida. Já o quarto passo indica que se mantenha no presente. O
quinto, a necessidade de respeitar os outros e terminar com a indicação de saber
dar e receber, mudando a abordagem do jogo de tomar para dar.

O autoconhecimento, considerando o que já foi assinalado, é uma das


prerrogativas para a formação profissional. Entretanto, a grande maioria das
escolas de formação tem priorizado o desenvolvimento de competências e
habilidades, em detrimento das estratégias para o desenvolvimento do self do
profissional.

5.3 FUNÇÕES DO MEDIADOR


O mediador tem a função de ser o catalizador do processo, para que
cada mediando possa responsabilizar-se por si e pelo relacionamento no qual
está envolvido. O envolvimento do profissional é para facilitar processos
emancipatórios e programação do devir.

Como apresenta Warat (1999, p. 122-123) o mediador precisa ser capaz


de:

a) ouvir e tranquilizar as partes, fazendo-as compreender que ele entende o


problema;
b) passar confiança às partes;
c) explicitar a sua imparcialidade;
d) mostrar às partes que seus conceitos não podem ser absolutos;
e) fazer com que as partes se coloquem no lugar uma da outra, entendendo o
conflito por outro prisma;
f) auxiliar na percepção de caminhos amigáveis para a solução do conflito;
g) ajudar as partes a descobrir soluções alternativas, embora não deva sugerir o
enfoque;
h) compreender que, ainda que a mediação se faça em nome de um acordo, este
não é o único objetivo.

Possível de ser dito que é papel fundamental do mediador ser agente de


transformação, viabilizando possibilidade de empoderamento dos envolvidos
através de perguntas que visam reflexões e esclarecimentos. O mediador
esforça-se para que os mediandos compreendam o que ocorre e como está sendo
conduzindo o encontro.

5.4 REGRAS E PRINCÍPIOS DA MEDIAÇÃO


Uma das principais características é ser um processo voluntário que
oferece àqueles que estão vivenciando uma situação de conflito a oportunidade
e o espaço adequado para buscar soluções, preservando laços de convivência.
Outra característica é ser um processo que respeita o sigilo e intimidade dos
envolvidos, de forma a promover a recuperação da autonomia e controle da vida
pessoal, social e produtiva.

147
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

Para além das características de voluntariedade e confidencialidade, a


mediação postula a participação de um terceiro, que atua com imparcialidade.
Um acordo construído e aceito pelos participantes pode ser um dos resultados
possíveis.

• Princípios – baseiam-se na Resolução nº 125/2010 do CNJ. Eles definem o


comportamento.
• Regras – são normas de conduta a serem observadas pelos mediadores.

Princípios Regras

Confidencialidade Informações

Decisão informada Autonomia de vontade das partes

Competência Ausência de obrigação de resultado


Desvinculação da profissão de
Imparcialidade
origem
Compreensão quanto à conciliação e
Independência e Autonomia
à mediação
Respeito a ordem pública e às leis
vigentes
Empoderamento

Validação

FONTE: A autora

5.5 ESCOLAS OU MODELOS DA MEDIAÇÃO


São três modelos que orientam a atuação do profissional: o Modelo de
Harvard, que inspira os demais modelos prioritariamente por ter sido o primeiro;
o Modelo Transformativo, cujo foco está na interação; e o Modelo Circular-
Narrativo, que foca na desestabilização.

O Modelo de Harvard é um modelo negocial, com procedimentos


estruturados. Neste modelo não está previsto nenhuma indicação de
sugestão pelo mediador e ele se baseia nos princípios de Negociação de
Harvard: O que mais?

O Modelo Transformativo tem seu foco no empoderamento e no


reconhecimento. Parte do pressuposto de que quando as pessoas estão em
situação de conflito, elas têm percepção de que são frágeis e não são reconhecidas
pelo que dizem ou fazem. Desta forma, o modelo busca o empoderamento e

148
TÓPICO 3 | MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

o reconhecimento através da apropriação pelos mediandos de seus próprios


objetivos, recursos, opções e preferências. As perguntas feitas pelos mediadores
são voltadas ao empoderamento, sem direcionamento: Como vocês querem gerir
o processo? Como gostariam de ser tratados? Onde querem chegar? Querem
momentos individuais?

O Modelo Circular-Narrativo tem como objetivo desestabilizar as


histórias que definem o comportamento dos envolvidos de forma a complexificar
e ressignificar a narrativa de cada envolvido. O mediador precisa saber sobre os
efeitos que está provocando no diálogo e estar consciente de que o conflito está
enraizado em histórias dominantes.

O foco desta escola é a importância da atenção à construção discursiva


das histórias contatas pelos mediandos. Defende a busca pela autonomização
das pessoas por meio da investigação e desconstrução da perspectiva que tem
do conflito.

5.6 PROCEDIMENTOS
Com base no Manual de Mediação Judicial, elaborado pelo Conselho
Nacional de Justiça, o processo de mediação inicia com a Sessão de Abertura
ou Declaração de Abertura. Essa sessão tem como propósito informar às partes
sobre o processo de mediação, realizar combinações sobre a importância do
estabelecimento de um tom cordial para o debate das questões e explicitar as
expectativas quanto aos resultados do processo que irá iniciar. É importante e
necessário que o mediador possa ganhar a confiança das partes.

A segunda fase, também com base no Manual de Mediação Judicial, é a


fase de Reunião de Informações. É o momento no qual os mediandos apresentam
seus relatos, percepções e sentimentos acerca dos motivos que os trouxeram à
mediação e têm a oportunidade de ouvir e serem ouvidos de forma respeitosa e
empática. Ao final desta fase, é esperado que o mediador apresente um resumo
dos relatos dos mediandos, abarcando questões principais, interesses subjacentes
e sentimentos em comum, checando com os mediandos se ele compreendeu o
que foi dito por ambos. Logo em seguida, caso seu entendimento dos relatos for
aprovado pelos mediandos, é feita uma pauta conjunta que norteará o trabalho
de resolução das questões controversas.

No seguimento, cabe ao mediador decidir se realizará ou não sessões


individuais. Estas são indicadas pelo Manual como ‘”um recurso que o mediador
deve empregar, sobretudo, no caso das partes não estarem se comunicando
de modo eficiente.”, também quando forem identificadas animosidades,
dificuldades de expressão de interesses, particularidades e expectativas quanto
aos resultados a serem alcançados.

149
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

Ao término da fase de esclarecimento de questões, interesses e


sentimentos, a próxima etapa, segundo o referido manual, é uma sessão conjunta
com os mediandos, que tem por objetivo apresentar os progressos alcançados
durante a mediação e dar prosseguimento à negociação entre as partes.

A Construção do Acordo, quando possível, é considerada a fase final


e tem por meta a objetivação do compromisso entre as partes, sendo ou não
formalizado através de documento escrito, caso os envolvidos no processo
cheguem a algum entendimento.

É importante enfatizar que, na prática, essas fases, mesmo sendo


apresentadas como um guia e passíveis de flexibilização, o que se observa é um
certo formalismo e cobrança na sua utilização quando a mediação é realizada
pelo Poder Judiciário.

O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira


calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam:
“Se eu fosse você”. A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É
a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de
uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é
na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi
prestando atenção (RUBENS ALVES, s.d.).

5.7 TÉCNICAS PARA A CONDUÇÃO DE UMA MEDIAÇÃO


Quando se fala em técnicas, é possível pensar que o procedimento da
mediação pode ser conduzido por alguém que domine um número significativo
de técnicas. Na verdade, é muito mais do que isso. Na mediação, técnica não
é sinônimo de ferramenta por si só, mas um conjunto de procedimentos que
podem ser acionados na interação teórico-prática.

Uma outra discussão interessante é que, além de conhecer, é importante


definir qual a melhor técnica para atender a demanda que se apresenta e qual o
melhor momento de utilizá-la..

Tânia Almeida (2013), uma renomada mediadora brasileira, fala sobre


uma caixa de ferramentas (tool Box). Segundo ela, o mediador vai reunindo
técnicas, procedimentos e atitudes preconizados por diferentes modelos e vai
acessando conforme a demanda, necessidade, seu estilo e perfil dos mediandos.
A autora supramencionada fala que as técnicas na mediação são “recursos
comunicacionais” que objetivam provocar mudanças e facilitar que objetivos
sejam alcançados.

No Manual de Mediação Judicial está explicitado que o grande desafio


do mediador, ao acionar as ferramentas da mediação, é estimular que as partes
possam desenvolver posturas colaborativas, na busca de um entendimento
recíproco.

150
TÓPICO 3 | MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

Segundo o Manual de Mediação Judicial, são estas as ferramentas para


provocar mudanças:

• Recontextualização (ou paráfrase): técnica em que o mediador estimula a


busca de um enfoque positivo das questões, dando outra perspectiva ao fato.
Reformulação, pelo mediador, de frases ditas pelas partes, a fim de sintetizá-
las ou reformulá-las sem alterar seu conteúdo. Dessa maneira, estimula-se a
parte a considerar ou entender uma questão, um interesse, um comportamento
ou uma situação de forma mais positiva – para que, assim, as partes possam
extrair soluções também positivas.
• Audição de propostas implícitas: esforço para que os mediandos possam
escutar propostas que eles próprios apresentam, mas que nem eles reconhecem
como propostas devido ao estado de ânimo exaltado com o qual se comunicam.
• Afago (ou reforço positivo): reforço, por parte do mediador, a um
comportamento ou postura positiva dos envolvidos para a mediação.
• Silêncio: o uso do silêncio pelo mediador pode facilitar que os envolvidos
no conflito possam refletir sobre o conteúdo da comunicação na sessão de
mediação, como os questionamentos, a expressão de sentimentos ou falas.
• Sessões privadas ou individuais (cáucus): encontros privados com cada um
dos mediandos, especialmente na fase de negociações, para acalmar os ânimos
e para que possam expressar algo que não o fariam na frente da outra parte,
como construir possibilidades de acordo, reunir informações úteis, entre
outros.
• Inversão de papéis: técnica que estimula que cada um dos envolvidos possa
entender a situação do ponto de vista do outro. Desta forma, a técnica estimula
a empatia. A inversão de papéis é usada prioritariamente nas sessões privadas
com cada um dos envolvidos.
• Geração de opções/perguntas orientadas à geração de opções: técnica que
estimula, por meio de perguntas de cunho reflexivo, que os mediandos
possam construir novas alternativas visando benefício de todos os envolvidos.
• Normalização: técnica que normaliza o conflito, que cria a noção de que estar
em conflito é algo comum às pessoas, estimulando que os mediandos possam
perceber que o que está em pauta pode oportunizar melhoria na relação.
• Organização de questões e interesses: técnica que facilita que se estabeleça
com clareza uma relação entre as questões a serem debatidas e os interesses
reais que as partes tenham.
• Enfoque prospectivo: está relacionado à lide sociológica. Técnica utilizada
para desconstruir um discurso que busca culpados e projeta para o futuro.
• Teste de realidade: técnica utilizada nas sessões privadas, em que o mediador
busca checar com os mediandos se as combinações propostas funcionarão na
prática.
• Validação de sentimentos: a técnica é utilizada para o reconhecimento dos
sentimentos decorrentes do conflito, afirmando os aspectos de normalidade
destes sentimentos. A validação de sentimentos semelhantes deve ser feita em
conjunto, já para situações unilaterais é indicado utilizar em sessões privadas.

151
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

A condução da mediação é flexível. Cabe ao mediador conhecer as


técnicas e poder decidir quais e quando devem ser utilizadas para que o
processo possa ser produtivo. Além de aprender sobre técnicas, deve-se investir
no desenvolvimento de sensibilidade para compreender os conflitos, suas
concepções e possíveis transformações.

DICAS

Acadêmico, a seguir, disponibilizamos uma lista de livros sobre mediação:

Caixa de ferramentas em mediação: aportes práticos e teóricos de Tania Almeida.


Mediação de conflitos: para iniciantes, praticantes e docentes de Tania Alemida, Samanta
Pelajo e Eva Jonathan.
Mediação de conflitos e práticas restaurativas de Carlos Eduardo de Vasconcelos.
Arbitragem: mediação, conciliação e negociação de Luiz Antonio Sacavone Junior.
Transformação de conflitos: teoria e prática de John Paul Lederach.
Manual de mediação: teoria e prática na formação do mediador de Enia Cecilia Briquet.

152
TÓPICO 3 | MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

LEITURA COMPLEMENTAR

O texto indicado como Leitura complementar é parte de um artigo


intitulado: Mediação de conflitos: um meio de prevenção e resolução de controvérsias
em sintonia com a atualidade, escrito por Tania Almeida. O artigo integra uma
coletânea organizada por José Ricardo Cunha em Poder Judiciário – Novos olhares
sobre gestão e jurisdição, obra publicada pela Fundação Getúlio Vargas do Rio
de Janeiro, em 2010. A opção por este texto decorre da importância de todo o
acadêmico ocupar-se com a teoria que orienta a prática a ser desenvolvida.

AS BASES TEÓRICAS DO RITO DA MEDIAÇÃO E DE SUAS TÉCNICAS

Tania Almeida

Além do quadrante de negociação da Escola de Harvard, a Mediação


recebe contribuições de outros saberes e se caracteriza pela interdisciplinaridade.

Teorias de comunicação contribuem com numerosos aportes e sustentam


algumas técnicas utilizadas na Mediação. A comunicação humana é uma das
vigas mestras de sustentação da dinâmica da Mediação e precisa ser decifrada
pelo mediador, a cada momento, de forma a servir de referencial para a
identificação do timing e da intervenção a ser utilizada. Mais voltadas para o
pragmatismo da comunicação humana (WATZLAWICK, BEAVIN E JACKSON,
1967) ou para as narrativas e a análise dos discursos (MAINGUENEAU,
1997) e de sua subjetividade, as contribuições são inúmeras. Em comum, tais
contribuições têm a concepção de considerar a linguagem como um cenário onde
se constroem os sujeitos, sua forma de expressão e de ação, sempre relacionais,
ou seja, referida ao outro.

O olhar sistêmico (BERTALANFFY, 1977), outro pilar, contribui para que


a Mediação reconheça os componentes multifatoriais dos desacordos – legais,
psicológicos, sociológicos, financeiros, entre outros – e os maneje segundo sua
prevalência, de forma a atender aos interesses e necessidades dos mediandos.
Também como resultado do olhar sistêmico, mediadores entendem que o fato
trazido à Mediação integra uma cadeia de acontecimentos passados e futuros
e que sua intervenção provocará alterações na lógica de desenvolvimento
dessa cadeia, com repercussões sobre um conjunto de pessoas. Mediadores
comprometem-se com o curso e com o resultado da Mediação, agindo
cuidadosamente na condução de sua dinâmica, avaliando, continuamente, a
adequação de sua atuação, pois a consideram parte do sistema de resolução.
Eles sabem que sua intervenção poderá contribuir para a construção ou para a
desconstrução de impasses futuros.

153
UNIDADE 2 | OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS

A contribuição da sociologia foi decisiva para se entender o valor das


redes sociais nos processos negociais. Mediadores estão atentos à negociação,
em paralelo, que os mediandos precisam fazer com os seus interlocutores –
advogados, amigos, parentes, colegas de trabalho ou de crença religiosa, entre
outros. Com essas pessoas são estabelecidas alianças e construídas leituras
sobre o desacordo e sobre o oponente, assim como soluções e posições a serem
defendidas. Os mediandos não podem, em determinados momentos, progredir
em uma negociação, em função do compromisso de fidelidade estabelecido com
suas redes de pertinência. Por vezes, é preciso auxiliá-los a negociar com essas
redes, dentro ou fora do processo de Mediação, para que a desavença possa
resultar em autocomposição. A Mediação estimula o diálogo dos mediandos
com suas redes de pertinência e permite que essas ganhem a sala de negociações
quando são identificadas como geradoras de impasses à fluidez do processo, ou,
ainda, quando se constituem suporte para o cumprimento do acordado.

A Mediação inspira-se no direito ao abraçar o propósito de auxiliar


pessoas a resolverem seus conflitos, norteadas pelo parâmetro da solução justa,
atentas a não ferirem as margens legais oferecidas por sua cultura – a solicitação
de revisão legal do acordado, antes de sua assinatura pelos mediandos, sempre
que a matéria assim o exigir, cumpre uma norma ética na Mediação. O instituto
atende plenamente ao que o desembargador Kazuo Watanabe (1988) denomina
de acesso à ordem jurídica justa, quando este se dá de forma adequada,
tempestiva e efetiva. Nessa concepção, a Mediação potencializa o acesso à justiça
na medida em que é: (i) adequada: quando eleita entre outros métodos, por
possuir especial propriedade de abordagem e de resolução em relação ao tema
do conflito; (ii) tempestiva: porque ocorre no tempo dos mediandos, uma vez
que ditam o período de duração do processo, em muito influenciado por suas
habilidades e capacidade negocial; (iii) efetiva: porque a solução é construída
pelas próprias pessoas envolvidas no desacordo, tendo como parâmetros a
satisfação e o benefício mútuos, a partir do atendimento de suas necessidades.

Da psicologia, a Mediação importa leituras teóricas sobre o


funcionamento emocional humano e valoriza, como componente constitutivo dos
desentendimentos, as emoções (FIORELLI; MALHADAS JUNIOR; MORAES,
2004). Das emoções, a Mediação cuida, indiretamente, ao se dispor a trabalhar
a pauta subjetiva, anteriormente mencionada, e ao se propor a incluir o restauro
da relação social dos envolvidos, como objeto de cuidado. As abordagens que
incluem o relacionamento humano como foco não podem deixar de considerar a
presença invariável da emoção. À semelhança do que pensava Foucault sobre a
existência de um jogo de poder nas relações – tomava-o como certo e dedicava-
se, exclusivamente, a pensar em como o poder era manejado –, a presença da
emoção nos jogos relacionais é inequívoca, restando identificar, somente, como
está sendo manejada.

154
TÓPICO 3 | MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS

Da filosofia, além de Foucault, preciosas inspirações alimentam o


processo de Mediação. Entre elas encontra-se o principal instrumento de
trabalho do mediador, as perguntas, que devem ser oferecidas como na
maiêutica socrática. Filho de uma parteira, Sócrates desejava, pela maiêutica, que
as pessoas “parissem” as próprias ideias, após refletirem, em lugar de repetirem,
indiscriminadamente e sem análise crítica, pensamentos e ideias do senso comum.
Esse é o principal objetivo das perguntas na Mediação: gerar informação para os
mediandos – aqueles que têm poder decisório e serão os autores das soluções
– de forma a provocar reflexão. Dessa maneira, pode-se auxiliar os mediandos
a flexibilizarem as ideias trazidas na fase inicial do processo, momento em que
as reais necessidades e interesses do outro não estão sendo ainda levados em
consideração.

FONTE: ALMEIDA, T. As bases teóricas do rito da Mediação e de suas técnicas. [s.d.] https://www.
cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/Artigo%20Tania-86_Dez-31_Mediacao_de_Conflitos_Um_
meio_de_prevencao_e_resolucao_de_controversias_em_sintonia_com.pdf. Acesso em: 12 dez.
2019.

CHAMADA

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155
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Resolução nº 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça, e o Código de


Processo Civil de 2015 viabilizaram a construção da justiça multiportas, que
indica o método ou técnica mais adequada para a solução de conflitos.

• A Escola de Negociação de Harvard difundiu uma nova forma de agir: a


negociação baseada em princípios, a qual se baseia no conceito do “ganha-
ganha”.

• A negociação baseada em princípios busca criar valor na negociação e possui


quatro princípios gerais que permitem resultados ganha-ganha pautados
nos interesses: 1º separar as pessoas do problema; 2º focar nos interesses dos
envolvidos, e não nas suas posições; 3º criar opções de ganho mútuo; e 4º
mapear critérios objetivos para legitimar a escolha das opções.

• Na negociação, podem ser identificadas três fases: análise, planejamento e


discussão.

• Na conciliação, é esperado que o terceiro – conciliador – interfira no processo


da discussão, sugerindo um possível acordo e apontando possíveis soluções.

• O conciliador atua de forma ativa em conflitos pontuais e em casos nos quais


não existe relacionamento continuado entre as partes. Ele sugere possíveis
soluções

• A mediação se dá preferencialmente em casos nos quais existe algum vínculo


anterior entre os envolvidos no conflito, em casos de relações continuadas.

• A mediação tem como produto idealizado a superação de um Judiciário


sobrecarregado e demorado, de forma que os envolvidos nos conflitos
consigam, em menos tempo, com baixo custo e com a possibilidade da
manutenção dos relacionamentos, construir soluções que beneficiem a todos.

• São procedimentos da mediação: pré-mediação ou acolhimento, declaração


de abertura, narrativas, resumo, pauta, sessões privadas (quando necessário),
geração de opções, teste de realidade, acordo e encerramento.

156
AUTOATIVIDADE

Considerando procedimentos indicados para a condução da mediação.

1 O que é importante relacionado à conduta do mediador?

a) ( ) Prestar aconselhamento jurídico sobre a solução.


b) ( ) Promover a reflexão e sintetização.
c) ( ) Fazer coaching e ajudar na solução.
d) ( ) Acusar uma das partes.

2 Deve o mediador despender o mesmo tempo e energia com cada uma das
partes?

a) ( ) Sempre.
b) ( ) Sempre que possível deve ser concedido o mesmo tempo a cada uma
das partes.
c) ( ) É indiferente, nunca poderá ser o mesmo.
d) ( ) O mediador é quem conduz o processo e aplica nele as competências e
energias que forem necessárias.

3 “Imparcialidade” é uma definição de que característica indispensável a


qualquer mediador?

a) ( ) Autoridade
b) ( ) Clarividência
c) ( ) Neutralidade
d) ( ) Compaixão

157
158
UNIDADE 3

PROCESSOS DE MEDIAÇÃO:
MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR
E COMUNITÁRIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender diferentes contextos para a utilização da mediação como


meio para a resolução adequada de conflitos;

• reconhecer elementos da dinâmica relacional da família que podem indi-


car disfunções e possibilidades da utilização da mediação como método
para a superação do impasse;

• identificar o papel social das escolas e meios adequados para lidar com os
conflitos que se expressam neste contexto;

• compreender os contextos comunitários como espaços de conflito e de


construção de agentes de solução destes conflitos.

• relacionar a mediação comunitária como instrumento de fortalecimento


da democracia.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – MEDIAÇÃO FAMILIAR

TÓPICO 2 – MEDIADAÇÃO ESCOLAR

TÓPICO 3 – MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e


vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim
absorverá melhor as informações.

159
160
UNIDADE 3
TÓPICO 1

MEDIAÇÃO FAMÍLIAR

1 INTRODUÇÃO
Famílias “normais” têm problemas e cotidianamente se esforçam para sua
superação, sendo que algumas delas precisam de ajuda quando não conseguem
superar desafios sozinhas. Famílias que vivenciam mudanças importantes na sua
composição, como é o caso de separação, recasamentos, cuidado de familiares
doentes ou idosos, podem demandar auxílio para definição de aspectos da
dinâmica de suas relações. Definições sobre quem cuida de quem, quando
cuida e a participação financeira são alguns dos aspectos que historicamente são
decididos em espaços do judiciário.

Já que as relações familiares se apresentam como relações continuadas,


a mediação familiar pode ser um método adequado para facilitar o processo de
comunicação entre os envolvidos e, dessa forma, auxiliar na transição da situação
vivenciada pela família.

Apresentar dados da história da mediação familiar, particularmente


sobre como ela é incorporada no sistema jurídico e extrajurídico, apresentar
informações sobre situações que podem demandar a utilização deste método,
viabilizar problematizações sobre a família e a dinâmica de suas relações e, por
fim, apresentar ponderações sobre perspectivas metodológicas da mediação
familiar é o objetivo deste item.

2 PERSPECTIVA HISTÓRICA DA MEDIAÇÃO FAMILIAR


Mudanças sociais, culturais e familiares surgidas nas décadas de 1960 e
1970, e outras ocorridas no século passado, impactaram em vários níveis na vida
dos sujeitos sociais, por exemplo, o expressivo aumento de divórcios e demais
conflitos familiares. Essas mudanças também acabaram por gerar necessidades
de encontrar abordagens apropriadas para o enfrentamento dos problemas.
Segundo Gomes (2018), o sistema jurídico (e judicial), alicerçado em leis dirigidas
para a regulação de relações jurídicas familiares – relativamente estáveis – é
confrontado com uma diversidade de conflitos familiares que requisitaram a
revisão dessa estrutura e organização.

161
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

Essas tensões podem ter sido determinantes para o surgimento de


soluções inovadoras que permitiram a (re)invenção do processo de mediação
familiar como método extrajudicial de resolução de conflitos familiares.
Conhecimentos da Psicologia, do Direito e de outras Ciências Sociais foram
incorporados para a construção de estruturas de conhecimento que puderam dar
base teórica e metodológica a este método.

O entendimento sobre a forma como a mediação familiar foi se


estruturando pode ser alcançado através da análise de alguns conceitos.
A mediação familiar está incluída no campo dos meios complementares e
alternativos de resolução de conflitos familiares, podendo acontecer antes,
durante ou após um processo judicial. Tomé (2008, p. 43) afirma que a mediação
familiar é um “método de resolução de conflitos, alternativo ou complementar ao
sistema judicial que visa alcançar um acordo conjunto, melhorar a comunicação,
reduzir a área de conflito e tomar decisões autônomas”.

Na mesma direção, Parkinson (2008, p. 16) define mediação familiar como


sendo um processo “no qual duas ou mais partes em litígio são ajudadas por
uma ou mais terceiras partes imparciais (mediadores) com o fim de comunicarem
entre elas e de chegarem à sua própria solução, mutuamente aceite, acerca da
forma como resolver os problemas em disputa”.

As definições acima têm em comum a prerrogativa de que as famílias


podem, em algum momento de sua trajetória, necessitar da ajuda de um terceiro
para lidar com conflitos, melhorando a comunicação entre seus membros, de
forma a viabilizar a proteção que necessitam.

Mediação de família pode também ser definida como um processo


autocompositivo, em que as partes em disputa são auxiliadas por um terceiro
neutro ao conflito, ou um painel de pessoas, sem interesse na causa, para auxiliá-
las a chegar a uma composição dentro de conflitos característicos de dinâmicas
familiares e, assim, estabilizarem, de forma mais eficiente, um sistema familiar
(CNJ, 2011, s.p.).

Importante salientar o enfoque do conceito para a pessoa do mediador.


Neste próximo conceito, esse enfoque também é indicador para a compreensão
da proposta. É o processo pelo qual uma terceira pessoa imparcial ajuda os que
estão envolvidos numa ruptura familiar, em especial casais em vias de separação
ou divórcio, a se comunicarem melhor entre si e atingirem, de comum acordo e
com base em informações adequadas, as suas próprias decisões sobre alguma ou
todas as questões relativas à separação, divórcio, filhos, finanças ou propriedades.

Antes de apresentar reflexões sobre o processo teórico metodológico da


mediação familiar, é importante focar na família e na dinâmica de suas relações,
visto que são elas que materializam o objeto de trabalho sobre o qual devemos
buscar aprofundamentos.

162
TÓPICO 1 | MEDIAÇÃO FAMÍLIAR

3 FAMÍLIAS E FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS


Encontros e Despedidas

“Todos os dias é um vai-e-vem,


A vida se repete na estação,
Tem gente que chega pra ficar,
Tem gente que vai pra nunca mais.
Tem gente que vem e quer voltar,
Tem gente que vai e quer ficar,
Tem gente que veio só olhar,
Tem gente a sorrir e a chorar”

(MILTON NASCIMENTO)

É importante para a compreensão da família tomar como ponto de


partida o imaginário social, que tende a postular família como um modelo
único de instituição, em paradoxal relação com os dados histórico-sociais, cujas
evidências demonstram, verdadeiramente, que apenas o vocábulo “família”
apresenta similitude no tempo e no espaço da vida em sociedade. Portanto, se é
fato que existe família tanto quanto existe o ser humano, fato inescondível é que
família tem muitos conteúdos e formas.

Nessa linha de raciocínio, quando se está diante da instituição família,


Osório (1996) esclarece que é possível descrever as várias estruturas ou
modalidades assumidas pela família através dos tempos, mas não é possível
conceituá-la. Do mesmo modo que não é possível encontrar modelos únicos e
que atendam idealizações.

São muitas as variáveis culturais, ambientais, sociais, econômicas,


políticas e religiosas que determinam as diferentes composições familiares. Por
isso, é imprescindível conhecer as ditas variáveis para a compreensão e descrição
da instituição família.

A propósito desse tema, Sluski (1997) refere que se surpreende toda


vez que se conecta com a representação social de família na modernidade – a
famosa família constituída por pai-mãe-filhos (do pai trabalhador, mãe do lar,
filhos cuidados pela mãe) –, visto que esse modelo idealizado de família não tem
mais do que 200 anos. Porém, o referido modelo foi tão fortemente registrado no
imaginário social da população que qualquer outro modelo tende a ser entendido
como desajustado, desorganizado, disfuncional, entre outros predicados.

E é justamente por isso que Vezzulla (2018) chama a atenção para o fato
de que não existe um conceito que sirva única e exclusivamente para família,
ele entende família como todos aqueles que se apresentam como família. Tal
compreensão está diretamente vinculada à percepção dos avanços da cultura
humana. Vezzulla (2018) diz que, de alguma maneira, sentimentos de união,

163
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

segurança e solidariedade mantêm um diálogo crescente com o que se entende


por família, porque nossa sociedade contemporânea, cada vez mais, restringe o
conceito de comunidade a partir da vivência do que seja família, enquanto espaço
de proteção, de segurança e de reconhecimento.

Nesse sentido, Vezzulla (2018) ressalta a importância de hoje colocar em


pauta outros temas a partir do estudo do que seja família, tal como a fertilização,
os relacionamentos homoafetivos e os ciclos de fertilidade alterada. A ciência,
nesse aspecto, tem produzido profundas alterações nos cotidianos nas relações.
Às vezes, o filho é mais novo que os netos ou o sobrinho é mais velho que os tios,
o que torna necessário ampliar a concepção.

Assim, mudando a sociedade, mudam seus conceitos. Pensar ou falar


sobre maternidade, por exemplo, não explica por si só o que está contido nesse
papel. Mulheres com 60 anos, por exemplo, atualmente podem gestar. Por isso,
apesar do imaginário social sobre o que seja mãe, não se explica a maternidade
pura e simplesmente por seu vocábulo, porque já não estamos mais diante da
maternidade/paternidade de outrora.

Além desses atravessamentos da atual realidade social, para a


compreensão do sentido do que seja família, é importante saber que toda pessoa
entende a família a partir de suas autorreferências. É impossível pensar na
família, e não se reportar a essas questões subjetivas. Em outras palavras, falar
em mãe implica necessariamente falar sobre a minha mãe. Eu me conecto com
essa representação para compreender quem é aquela mãe a quem observo ou
estou a interagir.

Falar em família, portanto, segundo Minuchin (1990, p. 53), é falar


em “matriz da identidade ou núcleo identitário”, termos que representam
a ideia de pertencimento, dentro da ideia de construto da identidade.
Supondo, por exemplo, que tenhamos Joana da Silva entre nós, antes de ser
Joana, essa pessoa é “da Silva”. Assim, o nome representa não somente o
registro de identidade perante os outros (Joana), perante a família e perante
a comunidade, enquanto pessoa específica e separada do todo, como também
representa, desde aquele minúsculo universo intraútero, o pertencimento a
um determinado núcleo que lhe é ascendente (da Silva) e que lhe absorve
dentro de um determinado tronco familiar.

De outro lado, não se pode pensar família descolada de seu contexto


social, porque esse contexto lhe confere determinadas especificidades. O jeito de
ser, aquilo em que se acredita, como se responde a este ou aquele comportamento.
Esse convívio e as tensões que dele decorrem explicitam a complementaridade
da família por sua função social.

No desenho da forma, conteúdo e normas de cada família, o meio social


não apenas alimenta de sentido, como também é balizador de responsabilidades.
Isso porque, se antes o Estado se prestava a constituir, validar e proteger

164
TÓPICO 1 | MEDIAÇÃO FAMÍLIAR

prioritariamente o interesse particular de cada cidadão – a partir da ótica da


tutela de liberdades –, atualmente, vive-se o modelo social de Estado, segundo
o qual cada indivíduo precisa ser considerado em sua função social, já que “em
toda sociedade deve haver uma solidariedade que implique que a atuação de
cada um tenha reflexos na ordem global” (FACHIN; GONÇALVES, 2011, p. 11).

Dentre as configurações familiares conhecidas na contemporaneidade,


Vezzulla (2018) chama a atenção para a descrição do que seja família
monoparental, porque de qualquer modo o pai esteve, a mãe esteve naquela
família, mesmo que atualmente está ausente. Entende-se, portanto, que ainda
que estejamos categorizando e ampliando a compreensão do que seja família,
o termo monoparental parece inadequado, sendo meramente uma descrição
aparente.

Nesse sentido, há sempre a inclusão do terceiro e, para Vezzulla (2018),


é muito importante a existência da terceiridade (o terceiro, o filho). Daí que a
monoparentalidade representaria, a seu entender, um equívoco de concepção,
dado que, em alguma medida, houve um pai e houve uma mãe que estão
presentes na ausência.

Por isso mesmo, a organização familiar está diretamente relacionada


ao sistema comunicacional das pessoas envolvidas. Cada família constitui, na
sensível compreensão de Carter e McGoldrick (2012, p. 9), um “subsistema
emocional que reage aos relacionamentos passados, presentes e antecipa aos
futuros”, compreendendo, por isso mesmo, um sistema emocional maior, em
que a vida de cada partícipe está ligada a diferentes gerações, seja qual for a
estrutura familiar.

A rigor, um bom começo de um desfecho para este tópico é pensar que


família não é, e sim que famílias são, uma vez que o plural abarca dentro do
vocábulo “família” toda a diversidade de arranjos familiares existentes hoje.

3.1 DINÂMICA RELACIONAL DA FAMÍLIA


Como nossos pais

“É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem”.

(ELIS REGINA)

Por que formamos família? É algo natural no ser humano, na cultura


e na civilização? Para problematizar essa questão, é importante referir que
pensar contemporaneidade implica pensar em constantes mudanças e
transições sociais. A família participa desse processo transicional, o que
165
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

significa dizer que ela também muda, mas segue com a função de manter
algum nível de proteção para seus membros, porque a condição neotênica
do ser humano faz com que ele necessite de cuidados, e a família, a menor
unidade da sociedade, é que tem oferecido o dito cuidado, independentemente
da configuração de como se organiza.

DICAS

Neotênica – Trata-se da impossibilidade de a espécie humana sobreviver ao


longo dos primeiros anos de vida sem cuidados intensivos. Sobre o tema, recomenda-
se o texto de Gaio Fontella e Fabiane Majolo, disponível em: http://www.ufrgs.br/e-psico/
subjetivacao/familia/familia-texto.html.

Segundo Anton (1998, p. 24),

[...] sem dúvida, as famílias refletem e reforçam o sistema – um sistema


que se organiza, em primeiro lugar, para manter a si mesmo. É nas
famílias e entre amigos que as pessoas adquirem um significado e um
valor muito particular, sentindo-se individuais e únicas; em condições
favoráveis, sentindo-se, inclusive, íntimas.

Para Minuchin (1990), a família é um sistema aberto em constante


transformação com outros sistemas extrafamiliares. Referir-se à família em
termos de sistema pode auxiliar a compreender quão dinâmica podem ser as
interações dos diferentes subsistemas que o compõem, bem como os que com
ele interagem. Subsistemas são “agrupamentos familiares baseados em gerações,
gêneros e interesses comuns” (NICHOLS; SCHARTZ, 2007, p. 184), por exemplo,
subsistema conjugal, parental, fraternal e filial, cada um deles desenvolvendo
papéis e funções diferentes que regulam os relacionamentos entre si.

Ao descrever as funções da família, Minuchin (1990) apresenta duas


funções básicas e complementárias entre si: função nutritiva e função normativa.
A primeira diz respeito ao cuidado, apego, alimentar, vestir, acalentar e dar
a este sujeito um sentido de pertencimento. O sobrenome está relacionado
ao exercício desta função, o “jeito” especial e único do grupo familiar ser e
cuidar dos seus. Como já foi mencionado, complementar à função nutritiva,
está a função normativa, que como o nome já diz, relaciona-se a regras, normas
e socialização dos sujeitos. Cabe à família preparar seus membros a atuarem
socialmente, irem aos poucos, encontrando formas de ser e agir no mundo
segundo suas próprias escolhas. Nenhuma família cumpre suas funções se não
deixa seus filhos “irem”, voarem.

As famílias, considerando suas características, são mais nutritivas


ou mais normativas. Algumas priorizam as relações internas e o estar junto,

166
TÓPICO 1 | MEDIAÇÃO FAMÍLIAR

compartilhando momentos e experiências. Outras, investem na individualização


dos seus membros, favorecendo que cada um possa buscar projetos individuais,
baseados em suas próprias escolhas. Um importante indicador para o
desempenho da parentalidade são as fronteiras, que definem como se dá essa
proteção e diferenciação dos indivíduos. As fronteiras podem ser classificadas,
segundo Minuchin (1990), como nítidas, difusas e rígidas.

As nítidas são aquelas em que a família consegue determinar funções


e espaços de cada integrante. Já as fronteiras difusas demonstram que não
existem limites entre os subsistemas, sendo que os membros tendem a
manter uma postura mais intrusiva uns com os outros. Segundo Minuchin
(1990), as famílias que apresentam fronteiras difusas podem ser chamadas de
famílias emaranhadas ou aglutinadas, por possuírem indiferenciação entre
os subsistemas. Assim, o que acontece a um dos seus membros interfere
diretamente na vida do outro. Famílias com esse tipo de fronteira tendem a
apresentar falta de diferenciação entre os subsistemas, o que acaba por dificultar
a autonomia dos seus membros. Por fim, temos as famílias que possuem
fronteiras excessivamente rígidas entre os subsistemas. A comunicação entre os
membros dessas famílias fica dificultada, bem como a função protetiva. Nessas
famílias, os vínculos são frágeis, caracterizando distanciamento emocional e
reduzido sentimento de pertencimento.

A compreensão sobre fronteiras familiares está relacionada à ideia


de que a família mantém unidade para apoiar seus membros, e tem sob sua
responsabilidade basicamente duas funções: nutrir e normatizar. A ideia de
nutrir está relacionada a dar colo, comida e aconchego, oferecendo ao sujeito
o sentimento de pertença e de ser partícipe de determinado grupo social. A
ideia de normatizar é oferecer ao sujeito a possibilidade de se individuar, de
fazer escolhas, de atender a valores, normas, socializar e de ir a um só tempo se
separando, mas pertencendo.

Uma nota sobre a tarefa do cuidado e proteção é que, se na modernidade,


a família nuclear conseguia viabilizar o cumprimento das funções de nutrir e
normatizar, as mudanças na contemporaneidade evidenciam a necessidade de
ampliação da rede de apoio. Não se pensa, portanto, apenas na família nuclear,
mas na família enquanto rede, incluindo tanto as pessoas da família nuclear,
quanto da família extensa que são pessoas significativas e que importam no
cuidado integral daquelas pessoas (GIONGO, 2003).

Retomando o que já foi anteriormente explicitado, historicamente tem


havido uma divisão de funções relacionadas ao universo feminino e masculino:
fusão, dependência e complemento costumam estar associadas a funções do
universo feminino, enquanto separação, emancipação e normatização costumam
estar associadas ao universo masculino. Todas as funções maternas estão
relacionadas ao espaço privado, do lar e ao que acontece entre as paredes, no
interior da casa. Já as funções paternas estão relacionadas ao que acontece no
espaço social.

167
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

Essa divisão está tão presente no imaginário social que ainda nos
surpreendemos quando mães referem que seus filhos ficarão melhor atendidos
pelo pai, ou mães que decidem priorizar trabalho e ascensão profissional.

Ilusoriamente, na função materna a criança não é independente. Forma-


se uma dependência funcional geradora de vida, de um desenvolvimento
erógeno que permite a construção do registro mental que interage entre o sujeito
e o mundo exterior (leia-se: enquanto ser sensível). Dar de comer gera um
registro de necessidade (fome) que se atende de determinada forma (alimento).
Na satisfação das necessidades, produz-se a inscrição mental da necessidade.
Essa interdependência, essa gravidez representacional, forma parte da função
materna que é exercida por todos os adultos que cuidam da criança. É o
movimento integrador da criança, a continuidade da gestação extrauterina

Os elementos problematizados estão inter-relacionados e os membros da


família, na dinâmica de suas relações, lidam com eles, considerando seu sistema
de crenças e valores, a etapa do ciclo evolutivo que está vivenciando, bem como
a rede de pertencimento social com que mantém relações. Importante considerar
o quão exigente é para os adultos “dar conta” das tarefas que lhe são atribuídas,
especialmente pelos atravessamentos sociais, que frequentemente perpassam as
fronteiras da família.

4 DIVÓRCIO E SUAS FASES


O divórcio é apresentado, neste texto, como um processo que pode
ocorrer durante o ciclo vital da família, desafiando sua estrutura e sua dinâmica
relacional. Desafiar não significa acabar com a família, mas transformá-la. Em
outras palavras, a estrutura se altera com a dissolução da conjugalidade, mas a
família, enquanto organização, mantém-se.

O divórcio pode representar para os envolvidos um evento de vida


estressante ou um momento de crise por exigir sucessivas mudanças, adaptações
e reequilíbrios no funcionamento familiar. Ele é um processo singular, haja vista
que ele terá maior ou menor impacto nas pessoas envolvidas dependendo de
alguns fatores (econômico, social, cultural e religioso) e, ainda, das redes de
apoio que se estabelecem ou não.

Não há dúvidas sobre o aumento no número de divórcios. Quanto aos


fatores etiológicos relacionados a sua incidência, Peck e Manocherian (2001)
relacionam: a diferença de status socioeconômico, quando a mulher ganha mais
do que o homem; a instabilidade de renda e do emprego do marido; o menor
grau de instrução do homem, quando comparado com a sua esposa; a idade
dos cônjuges, pois quanto mais jovens, mais alta é a incidência; a ocorrência de
gravidez pré-nupcial; a diferença racial; e as questões de gênero.

168
TÓPICO 1 | MEDIAÇÃO FAMÍLIAR

Cada divórcio é particular, assim como são únicas as pessoas que se separam.
Entretanto, é possível assinalar padrões gerais sobre essa transição e como as pessoas
lidam com o processo. Em um sentido amplo, é possível referir três fases de transição
pelas quais passam as pessoas envolvidas no divórcio: A primeira compreende o
primeiro ano após a separação, conformando um período de caos, confusão e crise;
a segunda, o realinhamento, caracteriza-se por ser uma fase de transição, em que
as questões econômicas, sociais e extrafamiliares vão sendo reorganizadas entre o
segundo e terceiro ano após a separação; a fase da estabilização, na qual se poderia
dizer que, com efeito, há uma reorganização do sistema familiar.

As fases de transição do divórcio, em um sentido mais restrito, podem


ser compreendidas através de seis momentos: luto, negação, rancor, negociação,
vergonha e celebração. Esses momentos não seguem naturalmente uma ordem
preestabelecida e nem em momentos distintos. Os envolvidos podem vivenciar
duas ou mais fases em um único momento.

Quanto à fase do luto, ela diz respeito a tudo que poderia ter sido. Saber
que o casamento acabou e aceitar que não voltará mais com a mesma pessoa é
um processo realmente difícil. Significa a perda de algo importante que esteve
presente na vida dos envolvidos. A fase da negação é representada por tentativas
de recuperar o relacionamento, mesmo sabendo que tudo já acabou. Acaba
sendo uma forma inconsciente dos envolvidos de se protegerem, de negarem,
então, o que está acontecendo. A próxima é referida como a fase do rancor,
pois existe um sentimento de rancor experienciada por ele próprio, pelo outro
e pelo mundo em geral. Sentimentos de injustiça, raiva e culpa são acionados
em uma tentativa de diminuição da ansiedade para encontrar justificativas do
término da relação. Na fase seguinte, a negociação, é evidenciado o fato de que o
casamento é um contrato. Dessa forma, os envolvidos aceitam que o contrato que
fizeram foi quebrado, e as cláusulas não foram respeitadas por ambos ou talvez
tenham simplesmente expirado. Outra fase pela qual os envolvidos passam é a
vergonha, na qual o sentimento de incompetência e frustração aparecem muito
forte. Por fim, há a fase da celebração, quando é possível visualizar uma nova
vida pela frente. Quando todas as fases do divórcio foram superadas, a aceitação
real aparece, o que pode oferecer à pessoa um sentimento de satisfação.

5 TEMAS PARA MEDIAÇÃO


Importante salientar que é nas questões relacionadas à dinâmica familiar
que a mediação encontra sua mais adequada aplicação. Situações de tensão e
conflitos nas relações familiares sempre necessitaram de recursos adequados,
diferentes de negociação direta, da terapia e da resolução judicial. A mediação
vem adquirindo destaque como um meio eficiente que valoriza a coparticipação
e a coautoria. A mediação familiar trata de assuntos relacionados às relações
familiares, tais como pensão alimentícia, adoções, guarda dos filhos, conflitos
entre pais e filhos, separação judicial ou divórcio e todas as problemáticas
advindas destes últimos. Na sequência, vamos apresentar ponderações sobre
alguns desses assuntos.
169
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

5.1 DIVÓRCIO
A experiência de passar por um divórcio é sempre complexa, pois
envolve conflitos, rupturas e mudanças que repercutem em todo o sistema
familiar. A forma como o divórcio é entendido e conduzido pode produzir
resultados positivos ou negativos aos membros da família, o que está diretamente
relacionado ao comportamento do ex-casal.

É comum casais apresentarem dificuldade para lidar com a ruptura do


vínculo conjugal, o que acaba sendo evidenciado com atitudes hostis e vingativas
com o ex-cônjuge. Muitas vezes os filhos são usados para atingir a outra parte,
mesmo sem perceber.

Durante e após o divórcio pode haver conflitos de interesse e diferenças


pessoais dos genitores, podem se sentir ameaçados pelas mudanças ocorridas e
podem ter dificuldades para gerenciar questões relacionadas à partilha de bens,
relacionamentos com família extensa, uso do nome, entre outros.

5.2 GUARDA E PARENTALIDADE FUTURA DOS FILHOS


Falar em parentalidade é falar no subsistema parental que se distingue
do subsistema conjugal, mesmo que na cotidianidade parece ser difícil separá-
los. Em uma família, o casal exerce funções de conjugalidade e de parentalidade.
A conjugalidade diz respeito ao relacionamento entre duas pessoas unidas por
laços afetivos e sexuais que possa oferecer laços de apoio mútuo. O subsistema
parental inicia com o nascimento do primeiro filho e exige do casal marital
mudanças significativas nas suas relações para poder incluir uma terceira pessoa.
A parentalidade diz respeito ao campo dos cuidados parentais e das relações
entre pais e filhos, e necessita da capacidade de nutrir, guiar e controlar.

A parentalidade precisa se manter mesmo que o casamento se desfaça e


isto não é tarefa fácil para nenhum dos envolvidos. Conseguir manter os vínculos
afetivos e o exercício das funções parentais após o divórcio é um desafio para a
família em processo de reconfiguração.

Pelo artigo 1632 do Código Civil, a separação ou divórcio não pode alterar
a relação entre pais e filhos, e a guarda das crianças deve ficar com o cônjuge que
tiver melhores condições de criá-los, independente de gênero.

Segundo Chaves (2019, p.1), existem três tipos de guarda no Brasil:
guarda unilateral, guarda alternada e guarda compartilhada.

Guarda unilateral: neste tipo de guarda, apenas um dos pais tem


responsabilidades e decide pelo menor, cabendo ao outro visitar o
menor em dias e horários acordados entre as partes ou determinadas
por um juiz. A guarda unilateral só é concedida em casos de maus
tratos, abandono ou falta de condições que impeçam uma das partes

170
TÓPICO 1 | MEDIAÇÃO FAMÍLIAR

de compartilhar a guarda ou quando um dos genitores abre mão da


guardo do menor em prol do outro.
Guarda alternada: Este tipo de modalidade é uma criação doutrinária
e jurisprudencial, pois não está prevista em lei. Neste modelo, o
menor tem duas residências, sendo a do pai e a da mãe. Ambos são
responsáveis pelos direitos e deveres da criança/adolescente e existe
a alternância das residências, ou seja, uma semana pode morar com a
mãe e uma semana pode morar com o pai. Os períodos de alternância
serão definidos conforme a entendimento entre os pais.
Guarda compartilhada: Este tipo de guarda está respaldada pela lei
13.058/14. A guarda compartilhada é a melhor solução para os pais
de um menor que não vivem juntos, pois trata-se da responsabilidade
conjunta em tudo ao que diz respeito aos diretos e deveres da criança e
do adolescente. Neste caso, o menor tem uma residência e a parte que
não prover a residência, poderá visitar o filho a qualquer momento,
sem que haja a necessidade de intervenção judicial.

Mesmo que as leis preconizem igualdade entre pai e mãe quanto à


possibilidade da guarda dos filhos após o divórcio, há ainda uma tendência
cultural de que a mãe fique com a guarda. Entretanto novas configurações do
masculino abrem possibilidades para alteração deste quadro, já que os pais têm
participado cada vez mais dos cuidados com os filhos.

Nas sessões de Mediação muitos temas relacionados a cuidado e guarda


podem ser levantados: com quem os filhos passam a residir? De quem será a
guarda? Como se dará a convivência: tomada de decisões, visitação, calendários,
acesso durante possível enfermidade, escolaridade, acesso telefônico, obrigações
da família extensa, relocalizações geográficas, entre tantas.

5.3 PENSÃO ALIMENTÍCIA DOS FILHOS, TAMBÉM CHAMADA


DE ALIMENTOS AOS FILHOS
É de extrema relevância o tema alimentos, visto que está relacionado
às obrigações e responsabilidade entre pais e filhos. Na realidade o tema inclui
relações entre cônjuges ou companheiros, entre avós e netos, bem como entre
outros parentes. Do ponto de vista jurídico a expressão alimentos transcende
o sentido literal e possui um significado muito mais abrangente. Além da
alimentação inclui manutenção em todos os sentidos.

Em se tratando de relações com filhos, é obrigação de ambos os pais


proverem o sustento de seus filhos. Por exemplo, a pessoa que tem a guarda
(seja ela pai ou mãe), não pode renunciar à pensão a que os filhos têm direito,
mesmo que no momento não estejam precisando. Como no Brasil não existem
parâmetros predefinidos para determinar o valor dos alimentos, esses devem ser
fixados “com base no binômio necessidade do filho X possibilidade dos pais”
(HAYNES; MARODIN, 1996, p. 77).

171
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

5.4 CUIDADO DE IDOSOS/DOENTES


Os marcos legais que tratam da relação família-idoso tendem a focar na
responsabilidade da família quanto ao cuidado ao idoso. A Constituição Federal
preconiza como sendo dever dos pais assistir, criar e educar os filhos menores;
e de outro lado, os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na
velhice, carência ou enfermidade.

O Estatuto do Idoso no seu art. 3º cita que é obrigação da família, da


comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta
prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à
cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade,
ao respeito e à convivência familiar e comunitária, além da priorização de
atendimento por sua própria família, em detrimento do asilar, exceto àqueles que
não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência
(BRASIL, 2003).

As relações de conflitos familiares envolvendo idosos que dependem de


cuidados acontecem, muitas vezes, pelas dificuldades quanto à distribuição e
administração dos cuidados – quando são os próprios familiares que tomam a
tarefa para si –, ou na dificuldade da contratação de um cuidador e da divisão
das despesas – quando se delega a função para um profissional.

5.5 RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE


Muitas crianças não têm assegurado o direito de obter o registro do nome
do nome do pai na sua identidade, bem como o direito de poder contar com
relações de cuidado por parte do progenitor. O Programa Pai Presente, criado
em 2010 pela Corregedoria Nacional de Justiça, realizado em parceria com os
Tribunais de Justiça de todo o país, busca garantir o cumprimento da Lei n.
8.560/1992. Esta lei visa regular e fomentar a regularização do vínculo familiar
e estimular os pais que não registraram seus filhos na época do nascimento a
assumirem essa responsabilidade, mesmo que tardiamente (BRASIL, 1992).

A lei determina que, no momento do registro, o registrador indague à


mãe o nome do suposto pai sempre que uma criança for registrada sem indicação
de paternidade. Quando isso acontece, o oficial do cartório de registro civil deve
encaminhar o expediente ao juiz da comarca para que ele convoque o suposto
pai a se manifestar sobre a paternidade. Em caso positivo, o reconhecimento é
formalizado e o nome do pai é incluído na certidão de nascimento.

Caso o suposto pai se recuse a comparecer à audiência, ou mesmo a se


submeter ao exame de DNA, o juiz pode aplicar a presunção, considerando o
direito indisponível da criança em saber o seu vínculo de paternidade.

Utilizar a mediação familiar na execução do Programa Pai Presente pode


facilitar a construção da relação pai-filho.
172
TÓPICO 1 | MEDIAÇÃO FAMÍLIAR

6 ÂMBITO DE ATUAÇÃO DA MEDIÇÃO FAMILIAR


I. mediação de família judicial;
II. prática privada da mediação de família;
III. agências, secretarias, clínicas e programas comunitários, ONGs, núcleos de
prática jurídica, entre outros.

E
IMPORTANT

O mediador não busca quem está certo ou errado. Ele acolhe, reconhece e
legitima as duas partes envolvidas no conflito.

7 PARTICULARIDADES DA MEDIAÇÃO FAMILIAR


Possivelmente em decorrência da cultura jurídico-penal brasileira,
a população está acostumada a enxergar responsabilidade como culpa,
principalmente os pais, que acabam assumindo para si esse sentimento
sobre qualquer problema que acontece no cotidiano familiar. A mediação
verdadeiramente emancipadora procura quebrar esse paradigma, trabalhando
com o conceito de responsabilidade integral, que compreende a responsabilidade
funcional e a responsabilidade social.

A responsabilidade funcional insere-se no âmbito relacional dos


mediandos e traz a ideia de que a função assumida por cada mediado (função
paterna, função materna etc.) traz consigo uma responsabilidade. Contudo, o
não atendimento dessa função não deve ser castigado (culpa = Direito Penal),
mas sim reparado, atendido e restaurado (responsabilidade funcional). Já a
responsabilidade social introduz a ideia de uma consciência permanente de
que toda e qualquer atitude ou escolha produz reflexos na sociedade de forma
constante.

Nessa ordem de ideias, a mediação se propõe a ser um espaço de


reflexão dos mediandos sobre o que estão fazendo com as suas próprias vidas
e com as vidas dos outros com os quais convivem. O mediador, nesse contexto,
deve auxiliar os mediandos a tomarem consciência dos seus atos (passagem
do ilusório para o simbólico), responsabilizando-se por esses e buscando a
reparação/restauração.

Especialmente no que tange às crianças e adolescentes, o conceito de


responsabilidade integral se torna de suma importância para a mediação, pois
traz a ideia de que a responsabilidade pelas crianças e adolescentes não é somente
da família, mas também da escola, da comunidade e inclusive do Estado.

173
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

O mediador deve auxiliar os pais, na mediação, a identificarem as


necessidades dos filhos, para, consequentemente, reconhecerem suas identidades
como pessoas. Esse trabalho configura-se extremamente importante dentro deste
conceito de responsabilidade integral, na medida em que a família que está em
conflito vai, posteriormente, retornar à sociedade de uma determinada maneira
e, consequentemente, produzir efeitos permanentes na comunidade.

Em mediações familiares, não há como tratar o conflito objetivo sem


tratar do conflito subjetivo, nos quais as emoções influenciam sobremaneira os
envolvidos. Quando as situações envolvem casais que têm filhos, não há como
trabalhar a relação do casal sem que os filhos sejam envolvidos. Igualmente, não
há como trabalhar as questões atinentes aos filhos sem trabalhar o casal.

Quando se trata dos filhos, os pais devem ser auxiliados a percebê-los


como sujeitos, com habilidades e competências a serem desenvolvidas. É papel
do mediador auxiliar os pais a reconhecerem essas habilidades e capacidades nos
seus filhos, para que possam ser adequadamente estimuladas e desenvolvidas.
Os pais têm desejos inconscientes do que esperam dos seus filhos, na verdade,
esses desejos são construídos mesmo antes das crianças nascerem. Um indivíduo
pode projetar a sua concepção ideal no filho, podendo deslocar para ele sua
frustração ou desejar que ele seja um espelho. Entretanto, é necessário que os
pais abandonem eventuais concepções dos filhos como coisas (auxiliares, reféns
e mensageiros), passando a identificá-los como pessoas com identidade própria,
detentores de suas próprias necessidades materiais e emocionais. Ou seja, os pais
deverão perceber que os filhos não estão ali, por exemplo, para realizar os sonhos
não alcançados pelos pais, para suprir suas frustrações e carências, ou para levar
recados ou notícias de um para o outro.

Não é bom que os filhos sejam usados para dirimir questões dos pais. O
que o mediador faz para que isso não aconteça é resgatar os filhos pelos filhos,
e não pelos pais. A emancipação que se busca na mediação não acontece se os
mediandos continuarem a considerar os filhos como seus auxiliares.

O mediador deve tentar averiguar se os pais estão falando da imagem


que criaram dos filhos, ou dos filhos reais, como são. Para trazer os filhos como
sujeitos, trabalha-se com questões como a maneira pela qual escolhem a escola
do filho, quais questões levam em consideração para isso, e que atendimentos
estão dando a ele. Questiona-se como foi o dia, como foi o final de semana e
como organizam a rotina para que possam reconhecer os gostos e necessidades
das crianças.

Quando os pais vêm à mediação com ideias e percepções muito distintas


sobre os filhos, não se deve tentar dirimir a verdade. Deve-se legitimar os dois e
entender por que essa diferença de percepção existe, legitimar suas preocupações.
O mediador não deve se prender aos “rótulos” usados pelos mediandos em
relação aos filhos ou ao outro. Não se deve entrar nesses jogos de disputa por
pontos de vista distintos.

174
TÓPICO 1 | MEDIAÇÃO FAMÍLIAR

Para Vezzula (2018), mesmo se alguém mente, deve-se considerar que


mentira é uma maneira de contar a verdade daquela pessoa que narra. Não há
porque se preocupar. Deve-se legitimar as duas versões. São duas pessoas e
o mediador está ali para atender as duas. É necessário romper com a ideia de
que um tem razão e outro não, de que um está certo e outro errado. Quando
o indivíduo é escutado e respeitado, nessa escuta podem ser esclarecidas
muitas coisas.

Com questionamentos, a mediação busca alcançar maior informação e


sensibilidade por parte dos pais, para perceberem que, desde que nascem, os
filhos são sujeitos. Em geral, os pais simplificam as questões pensando que as
crianças não notam o que está acontecendo, que não compreendem e que vão
se acostumar com qualquer coisa que os pais decidam. O trabalho do mediador
consiste em auxiliar os mediandos a enxergarem o que realmente é do filho.
Precisamos falar dos filhos para fazê-los presentes na mediação.

Cria-se, assim, o espaço para que surja o reconhecimento dos filhos


sujeitos, e não meros auxiliares ou objetos. A lógica deve ser a de atender às
necessidades dos filhos, não os filhos atenderem às necessidades dos pais. O
mediador tem o papel de fazer com que os filhos sejam vistos como sujeitos,
mas, para isso, é necessário acolher as falas dos pais para que possa surgir o filho
“verdadeiro”, para que se revele quem é o filho.

8 TÉCNICAS DE MEDIAÇÃO FAMILIAR


As técnicas utilizadas na Mediação Familiar já foram apresentadas no
item técnicas de Mediação. Algumas são especialmente utilizadas em situações
de conflitos familiares, como é o caso do parafraseamento. Em casos de divórcio,
por exemplo, a comunicação entre o casal pode ficar bastante prejudicada e
muitas informações podem ser entendidas de forma equivocada pela outra
parte. O uso do parafraseamento na sessão de mediação pode oportunizar o
esclarecimento de diversos pontos e deixar as opiniões de cada um mais claras e
de fácil entendimento para o outro.

Uma técnica específica da mediação familiar é o genograma, que


é utilizado preferencialmente em sessões privadas. O genograma é uma
representação resumida e simbólica das relações entre os membros de uma
família. Difere do desenho das árvores genealógicas, pois demonstra não só os
graus de parentesco como padrões de comportamento, atitudes e doenças físicas
e psíquicas.

175
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

SÍMBOLOS DO GENOGRAMA
Principais Símbolos do Genograma

Animal

?
Criança
Homem Mulher Genero Gravidez Aborto Aborto Morte Gêmeos Gêmeos idênticos
Desconhecido Adotada Natural

FONTE: Adaptado de McGoldrick e Carter (1995)

Esse instrumento pode ser utilizado para a coleta de dados dos diferentes
membros da família e dos relacionamentos entre eles. Também pode ser
utilizado para coletar dados sobre problemas que afligem os envolvidos e o
enfrentamentos desses problemas.

Na mediação familiar, a utilização do genograma pode facilitar processos


reflexivos, visto que, graficamente, ficam visíveis dados da dinâmica familiar.
Demonstrar, por exemplo, que as relações parentais se mantêm mesmo depois
do divórcio e da conformação de dois núcleos distintos que têm as crianças como
pontos em comum. Além da inclusão de outros membros da família extensa,
conformando pelo menos três gerações e do quanto essas pessoas podem
interferir na dinâmica familiar pós-divórcio. Todos esses dados ficam visíveis e
representam um convite à reflexão.

9 MEDIABILIDADE
O entendimento de mediabilidade diz respeito às características de
determinada situação ser passível ou não de encaminhamento para a mediação.
Mesmo que a mediação possa ser utilizada para uma grande quantidade de
situações, existem umas que não são passíveis de encaminhamento, como os
casos que envolvem violência doméstica, por exemplo.

Violência doméstica não é mediável, bem como abuso ou violência


contra menores, dependência química e doença mental – passível de interdição.
Entretanto, situações que envolveram violência no passado, mas que não
persistem e que não há nenhuma possibilidade de serem retomadas, podem ser
mediadas, não a violência em si, mas outras questões familiares, como sustento,
visitas e partilha de bens.

176
TÓPICO 1 | MEDIAÇÃO FAMÍLIAR

DICAS

Para se aprofundar mais acerca do assunto, indicamos a leitura da obra


Surfando na pororoca: ofício do mediador.

FONTE: WARAT, L. A. Surfando na pororoca: ofício do mediador. Florianópolis: Fundação


Boiteux, 2004.

DICAS

Assista ao filme Relatos Selvagens.


Diante de uma realidade crua e imprevisível, os personagens deste filme caminham sobre
a linha tênue que separa a civilização da barbárie. Uma traição amorosa, o retorno do
passado, uma tragédia ou mesmo a violência de um pequeno detalhe cotidiano são
capazes de empurrar estes personagens para um lugar fora de controle.

FONTE: Relatos selvagens. Direção: Damián Szifron. Baueri: Warner Bros, 2014

177
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Para entender a dinâmica relacional da família é possível se valer de alguns


indicadores: configuração, funções e papéis, ciclo evolutivo, mitos e segredos,
relações de pertencimento, entre outros.

• Mudanças sociais e culturais, surgidas especialmente nas décadas de 1960 e


1970, impactaram na dinâmica relacional da família. Essas mudanças geraram
necessidades da consolidação de meios adequados para o enfrentamento de
problemas nas relações familiares. A mediação familiar é um desses meios.

• No divórcio, podem ser identificadas três fases de transição pelas quais passam
os envolvidos: período de caos, confusão e crise, fase de realinhamento e fase
de estabilização, compreendidos através de seis momentos: luto, negação,
rancor, negociação, vergonha e celebração.

• Mediação de família pode ser definida como um processo autocompositivo


segundo o qual as partes em disputa são auxiliadas por um terceiro neutro ao
conflito a chegar a uma composição.

• A mediação familiar propicia a capacidade de compreensão dos problemas


na perspectiva de harmonização das disputas. Também permite aos membros
da família a construção de decisões que melhor lhes favoreçam, desde que
orientadas.

• A mediação, além de possibilitar a solução dos conflitos que se prolongam por


anos, tem a intenção de reorganizar a família, considerando que os envolvidos
necessitam de uma tomada de consciência com vistas à superação de seus
desajustes.

• A mediação familiar viabiliza, em primeiro lugar, a comunicação entre as


partes, a fim de que se possa estabelecer um plano de ação, respeitados os
pontos de vista de cada um.

• São temas para a mediação familiar: divórcio, pensão alimentícia dos filhos,
guarda e parentalidade, cuidado de idosos doentes, reconhecimento de
parentalidade, entre outros.

• O genograma é uma técnica específica da mediação familiar que pode auxiliar


os envolvidos em um conflito a compreender, de forma gráfica, o tipo de
relação que estabelecem entre si e possíveis alternativas de superação.

• Situações em que há nítida expressão de poder de uma parte sobre a outra


não são situações mediáveis. Exemplo: violência familiar, abuso de menores,
doença mental e drogadição.
178
AUTOATIVIDADE

1 Nos litígios familiares, a solução jurídica distante da emocional conduz


à perpetuação do conflito. Com o objetivo de promover a economia
processual e desenvolver a autonomia dos envolvidos em seus conflitos,
o sistema judiciário tem valorizado o método no qual uma terceira pessoa
reabre o diálogo entre as partes para que elas próprias componham a
resolução de suas controvérsias. Tal método é denominado:

a) ( ) Círculo dinâmico.
b) ( ) Escola de pais.
c) ( ) Psicoterapia breve.
d) ( ) Mediação familiar.
e) ( ) Constelação familiar.

2 A mediação de conflitos no divórcio de casais com filhos procura,


potencialmente, servir aos interesses das crianças, pois:

a) ( ) É preciso fazê-los compreender que os adultos não são confiáveis e


nem honestos.
b) ( ) É uma técnica psicoterapêutica que visa à elaboração da sensação de
desamor, rejeição e abandono.
c) ( ) A qualidade das relações entre pais e filhos será favorecida se houver
uma boa relação entre os pais após a separação.
d) ( ) A perda da convivência diária com um dos pais deixa os filhos à mercê
dos interesses do progenitor responsável pela guarda.

3 A mediação integra as ADRs (alternativas de solução ou de condução de


conflitos e disputas) e pode ser utilizada em qualquer tipo de conflito se
guardadas as condições de voluntariedade, capacidade de compreensão e:

a) ( ) desequilíbrio amoroso entre as partes.


b) ( ) desequilíbrio de poder entre as partes.
c) ( ) equilíbrio amoroso entre as partes.
d) ( ) equilíbrio de poder entre as partes.
e) ( ) ausência de labilidade entre as partes.

179
180
UNIDADE 3
TÓPICO 2

MEDIAÇÃO ESCOLAR

1 INTRODUÇÃO
O ambiente escolar é palco das mais diferentes relações sociais e, portanto,
bastante propício a manifestações de conflito. Em conversas cotidianas, notícias
de jornais e revistas, bem como em pesquisas acadêmicas, é comum ouvir que
o maior problema do Brasil é a educação, sendo que a pauta de discussão é o
contexto escolar e como se estrutura a educação em valores no país.

A mediação escolar, uma nova modalidade no cenário das instituições


de ensino, pode se constituir como mecanismo eficaz para prevenir conflitos,
gerenciar situações que afetam a convivência pacífica da comunidade estudantil
e, acima de tudo, instituir uma educação em valores, pautada, sobretudo, nas
atitudes das pessoas e na sua relação com o mundo, visando uma cultura de paz.

2 ESPACO ESCOLAR
A escola é pensada tanto como espaço de apreensão de conhecimentos
quanto como espaço onde se adquire e solidifica valores. Também é reconhecida
como um espaço em que é possível desenvolver a capacidade de autonomia,
responsabilidade e comunicação, de forma a construir relações abertas e
saudáveis baseadas no reconhecimento e compreensão do outro.

A ideia de escola está diretamente relacionada à educação. Para Ovejero
e Rodriguez (2005), o objetivo principal da educação é possibilitar a formação
de pessoas competentes socialmente, que possam sentir-se valorizadas como
pessoas e, ao mesmo tempo, possam contribuir para o desenvolvimento
humanizado de outras pessoas.

A educação, como a vejo, é uma atenção à diferença e um processo
de produção da diferença. A pergunta pela educação é uma pergunta
pelo outro. Transformar a educação não é outra coisa senão uma
alteração do modo como vejo o outro, não requer outra coisa do que
uma firme vontade de se arriscar a pensar de outro modo minha
relação como os outros, que não deixa de ser uma forma de arriscar-
se a pensar de outro modo a mesmidade. Metamorfose? No fundo,
sim. Educar é ajudar ao outro em um permanente processo de
metamorfose (WARAT, 2003, p. 35).

181
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

Para o mediador Warat (2003), o processo de educar precisa proporcionar


respeito às diferenças, valorização do contato com o outro e, sobretudo, promoção
à responsabilidade mútua entre as pessoas. Somente a partir do reconhecimento
e repeito ao outro como semelhante, poderá ser possível o entendimento dos
direitos humanos.

Os objetivos desse tipo de educação para Rovira (1992) são: a


construção de um pensamento moral autônomo, justo e solidário; aquisição
das competências dialógicas que predispõem ao acordo justo e à participação
democrática; compromisso com a compreensão crítica da realidade pessoal e
social; conhecimento da informação que tenha relevância moral; reconhecimento
e assimilação de valores universalmente desejáveis; desenvolvimento de um
conhecimento adequado de si mesmo para facilitar o projeto de vida; construção
de comportamentos coerentes com o juízo moral e compreensão; e respeito de
normas de convivência que regulem a vida coletiva.

A proposta da educação, apresentada por Rovira (1992), foca em valores


e, assim, presta sua atenção às necessidades dos alunos, focando na necessidade
de conhecer o que é importante para eles, o que pensam da vida, quais são seus
valores, os conflitos que enfrentam, prioritariamente os que se dão nas relações
com os grupos, suas preocupações e também as vivências em suas famílias e
comunidades.

A educação, na perspectiva apresentada, pressupõe uma mudança


cultural de todos os envolvidos. O cenário das escolas é onde precisa acontecer
o processo de mudança. Pensar em ambiente escolar é considerar diferentes
atores sociais com interesses, desejos e necessidade diversas que podem, em
diferentes oportunidades, ver-se envolvidos em conflitos. Esses conflitos podem
se manifestar de muitas maneiras, sendo a violência uma delas.

As escolas têm sido palco para uma crescente onda de manifestações


de violência, o que pode ser assustador, visto que o ambiente escolar é
tratado, desde sempre, como um espaço seguro, em que se dão relações de
proteção e cuidado.

O que tem se visto nas escolas é o reflexo do que acontece na sociedade em


geral. Tanto os aspectos positivos das relações sociais estabelecidos na sociedade
quanto os negativos acabam por se apresentar na comunidade educativa. Segundo
Torrego e Moreno (2003), investigadores da realidade educativa espanhola, a
forma como a violência se apresenta nas escolas é um fenômeno jamais visto nesse
contexto, o que se traduz em uma percepção publica de insegurança.

Estudiosos apresentam justificativas para esse cenário de violência


praticado inclusive por crianças e jovens: interculturalidade, as novas tecnologias,
o assédio moral, as relações baseadas na competitividade, individualismo,
ênfase na conquista pessoal e pouco investimento em relações de pertencimento
familiar e comunitário. Tudo isso pode reverberar nessa forma nem um pouco
solidária de relações interpessoais.
182
TÓPICO 2 | MEDIAÇÃO ESCOLAR

3 CONFLITOS NO AMBIENTE ESCOLAR


O conflito é inerente às relações humanas, portanto não é possível
entender que possa existir uma escola sem conflitos e litígios. Ainda mais o
ambiente escolar, propício à pluralidade, constituído de crianças e adolescentes
de diferentes características, etnias, religiões, gostos, interesses, opiniões e
perspectivas diversas. Lidar com conflitos nesse espaço é um desafio permanente.

Os conflitos entre os alunos, ou mesmo entre alunos e professores,


diretores, auxiliares, acabam por destruir vínculos existentes entre essas pessoas,
tornando-as mais individualistas e pouco atentas às necessidades do próximo.

Segundo Vinha et al. (2019) as concepções sobre conflitos, apontadas por


educadores, podem ser divididas em dois grandes grupos. Um que contempla a
visão tradicional, na qual os conflitos são vistos como negativos e, portanto, as
escolas lidam com eles através de diferentes direções: a primeira, tentando evitá-
los, através de regras e controle de comportamento. Uma outra maneira de lidar
é transferindo o problema para a família ou especialistas. Uma terceira direção é
a ausência de intervenção, com a tendência de ignorar os conflitos ou dar a eles
pouca ou nenhuma atenção. Outra concepção é uma visão mais construtivista,
na qual os conflitos são compreendidos como sendo naturais e necessários. Dessa
forma, são vistos como potenciais para efetuar mudanças.

A tipologia de conflitos no âmbito escolar, proposto por Cirera (2004),


pode facilitar um entendimento mais complexo do fenômeno. Para o autor, os
conflitos nas escolas podem ser classificados especialmente em quatro tipos. O
primeiro está relacionado a conflitos de relacionamento que surgem da relação
entre professores e alunos, entre os próprios alunos ou ainda entre professores e
pais. Um segundo tipo diz respeito a conflitos de rendimento, prioritariamente
quando o aluno não consegue alcançar os resultados escolares desejados
pelos professores e escola ou quando os professores entendem que não estão
conseguindo transmitir conhecimentos. Um terceiro grupo é chamado de
conflitos de identidade, que estão relacionados com as motivações e expectativas
dos alunos sobre estudo e como entendem ser percebidos por seus professores.
Um último grupo trata de poder, estes conflitos se baseiam no fato da escola,
enquanto instituição possuir vários papeis e precisar lidar com esses papeis.

A diversidade de fontes que podem potencializar os conflitos precisa ser


considerada para possibilitar transcender leituras reducionistas e, então, definir
qual via será acionada para a gestão construtiva do conflito na escola.

Isso significa que não é expectativa e que não se trabalha para que não
existam conflitos ou litígios nas escolas, pois esses são intrínsecos à essência
humana e constituem elementos do desenvolvimento. Como já foi dito, as escolas
são, por excelência, espaço de diversidade, local de pluralidade de opiniões,
divergências de perspectivas e, portanto, local que tem por desafio encontrar
estratégias e técnicas apropriadas para lidar com os conflitos. Em abril de 2014,

183
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

foi dado um passo importante para o enfrentamento desse fenômeno no Brasil,


com a realização do Congresso Ibero-Americano sobre a violência nas Escolas,
do qual resultou a Carta de Brasília – Por uma escola sem violências (2004). O
documento apresenta algumas propostas, entre as quais: incentivar a criação de
espaços institucionalizados de diálogo em estabelecimentos e redes escolares,
envolvendo todos os atores da escola; e incentivar também o desenvolvimento
de pedagogias cooperativas que facilitem projetos de mediação.

Uma forma de atender o que está preconizado na Carta de Brasília é a


consolidação da mediação escolar como importante e necessária ferramenta para
o enfrentamento das diferentes violências que acontecem nas escolas, bem como
uma contribuição para o fomento da cultura da paz, cujo percurso se dá pelo
reconhecimento do conflito como possibilidade de mudança e do investimento
no diálogo.

4 DIMENSÕES E FINALIDADES DA MEDIAÇÃO ESCOLAR

FIGURA 2 – RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

FONTE: A autora

A partir do reconhecimento da escola como espaço de formação pessoal


e profissional e local onde o conflito sempre vai existir, a mediação escolar pode
ser entendida como uma possibilidade para a educação em valores, a educação
para a paz e para a nova visão acerca dos conflitos.

Munné e Mac-Cragh (2006) destacam princípios basilares que orientam a


mediação, são eles: (i) humildade em admitir que necessita de ajuda externa; (ii)
responsabilidade pelos atos e suas consequências; (iii) a procura em satisfazer
os próprios desejos, necessidades e valores; (iv) necessidade de privacidade
nos momentos difíceis; (v) reconhecimento de momentos de dificuldade e dos
conflitos como algo inerente ao ser humano; (vi) a capacidade para aprender
nos momentos críticos; (vii) compreensão de desejos, necessidades e valores do
outro; (viii) compreensão do sofrimento que produz o conflito; (ix) importância

184
TÓPICO 2 | MEDIAÇÃO ESCOLAR

de potenciar a criatividade com uma base realista; e (x) crença nas próprias
possibilidades e nas da outra parte.

Ancorada nesses princípios, a mediação escolar possibilita a difusão


de um novo jeito de compreender e transformar os conflitos e desenvolver
fundamentos mais sólidos da cultura de paz. As características da mediação
escolar segundo Torrego (2000) são a voluntariedade, o processo educativo e a
confidencialidade.

O princípio da voluntariedade define que são as partes que decidem


se querem ou não iniciar o procedimento e podem interrompê-lo a qualquer
momento. O princípio do processo educativo assinala que a mediação escolar
faz com que os envolvidos coloquem em ação competências sociais, atitudes
comunicativas e desenvolvam a criatividade na busca por soluções. Já o princípio
da confidencialidade apregoa que tanto o mediador escolar quanto as partes se
comprometam a guardar sigilo sobre o conteúdo apresentado nas sessões. Para
Battaglia (2003, s.p.),

a mediação escolar se coloca como um convite à aprendizagem e


ao aperfeiçoamento da habilidade de cada um na negociação e na
resolução de conflito, baseada no modelo ‘ganha-ganha’, onde todas
as partes envolvidas na questão saem vitoriosas e são contempladas
nas resoluções tomadas.

Como já foi trabalhado, as pessoas não nascem solidárias e tolerantes


umas com as outras, elas precisam desenvolver conhecimentos e habilidades
para agir desse modo. A mediação escolar, por suas características que envolvem
a escuta ativa e a construção de diálogo pacificador baseado no respeito ao
outro, pode possibilitar aos atores sociais que compõem o quadro dos ambientes
escolares, principalmente crianças e adolescentes, que estão em fase de formação,
serem educados em valores baseados na solidariedade e possam, no futuro,
disseminar esses valores.

Pensar em Mediação Escolar é entender a necessidade de educar para a


paz, o que vai muito além de trabalhar na busca de formas adequadas de solução
do conflito, visto que contempla a prevenção de futuras divergências.

[...] “a mediação configura perspectivas alargadas de intervenção para


a melhoria pessoal e social dos sujeitos, nos seus contextos socioeducativos,
promovendo novas formas de sociabilidade e de (re)construção de laços
interpessoais” (COSTA; SEIJO; MARTINS, 2018, p. 1).

Desta perspectiva, segundo Costa, Seijo e Martins (2018, p. 113), a mediação


escolar “não ocorre simplesmente para responder a conflitos existentes na escola,
mas assume-se como um processo de promoção da convivência cidadã, segundo
diversas lógicas: resolutiva, reparadora, educativa, preventiva e inclusiva”.
A proposta privilegia a formação para a participação social dos estudantes,
comprometidos com sua realidade familiar, social, política, econômica e social.

185
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

A advogada e doutora em Direito Lilia Sales (2010, p. 90) apresenta


objetivos da mediação escolar quando ela acontece com os atores da escola.
São eles:

a) desenvolver uma comunidade na qual os alunos desejem e sejam


capazes de praticar uma comunicação aberta;
b) ajudar no desenvolvimento de uma melhor compreensão da
natureza dos sentimentos, capacidades e possibilidades humanas;
c) contribuir para que os alunos compartilhem seus sentimentos e
sejam conscientes de suas qualidades e dificuldades;
d) possibilitar aos alunos o fortalecimento da autoconfiança;
e) desenvolver no aluno a capacidade de pensar criativamente sobre
problemas e de começar a prevenir e solucionar conflitos.

Já Munné e Mac-Cragh (2006), ao apresentarem os objetivos da mediação


escolar, discutem a sua repercussão em um viés temporal. Segundo eles, em curto
prazo objetiva o ensino de questões cívicas e investimento no desenvolvimento
de pensamento crítico. A longo prazo o fomento da responsabilidade em questões
relacionadas a disciplina e melhora da comunicação e produzir ambientes de
disciplina escolar positivos e seguros.

A prerrogativa quanto aos resultados é alcançar uma comunidade


estudantil na qual os envolvidos possam desejar e serem capazes de utilizar uma
comunicação aberta, que possam reconhecer e compartilhar seus sentimentos,
reconhecer suas qualidades e dificuldades, e pensar criativamente sobre seus
problemas de forma a poder prevenir e solucionar conflitos.

A Mediação, segundo Costa, Seijo e Martins (2018, p. 114), está assentada


em três vertentes: “a) técnica de intervenção na gestão e resolução de conflitos;
b) metodologia integrada de prevenção: primária, secundária e terciária; c)
estratégia de prevenção”. Estas vertentes serão apresentadas a seguir.

4.1 TÉCNICA DE INTERVENÇÃO NA GESTÃO E RESOLUÇÃO


DOS CONFLITOS
Esta vertente apresenta a mediação escolar como meio adequado
para facilitar os processos de resolução de conflitos no cotidiano escolar. Tem
como pressuposto superar medidas de caráter repressor e punitivo que são
frequentemente utilizadas nas escolas.

Nesta perspectiva, “o processo de mediação assume como objetivo atender


os conflitos, de maneira a reduzir a sua frequência, prevenir comportamentos
desadequados e diminuir o número de processos disciplinares” (COSTA, 2016,
p.100).

186
TÓPICO 2 | MEDIAÇÃO ESCOLAR

O papel do mediador, profissional que tem habilitação teórico-prático,


é facilitar que os envolvidos em conflitos possam refletir, interiorizar e
compreender tanto suas ações quanto as consequências a nível pessoal e social.
A solução do conflito é materializada com a construção de um acordo (COSTA,
2016).

Segundo Costa, Seijo e Martins (2018) é importante considerar dados


da literatura que apresentam algumas críticas a essa vertente, por considerar
que os objetivos da Mediação escolar são bem mais amplos que a resolução de
problemas pontuais e que esse tipo de mudança não se mantém, especialmente
se advir de um processo rápido e centrado pontualmente no conflito aparente.

Entretanto, Costa, Seijo e Martins (2018) referem que a literatura também


apresenta dados positivando a primeira vertente por diversos motivos: quando
a escola reconhece que existem conflitos e que eles podem ser impulsionadores
de mudança, ela já está, de alguma forma transcendendo o modelo de gestão
impositivo e punitivo. Outro motivo a ser considerado é que a mediação escolar
pode desenvolver uma responsabilidade que conduz para a ação, ao se sustentar
na perspectiva reflexão-ação visando a resolução do conflito, também a proposta
de reparação do dano e a reconciliação entre as partes envolvidas. Um terceiro
motivo se baseia no fato que a mediação escolar estabelece ações tanto formais
quanto informais; outro ainda defende que a mediação na escola possibilita
mudanças de atitudes entre os envolvidos, rompendo com a postura ganha-
perde e por último, o fato dos acordos firmados a partir da mediação terem
maior chance de serem cumpridos.

4.2 METODOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO PESSOAL E


SOCIAL
Para além da transmissão de conhecimentos, como já foi referido, é papel
da escola formar o aluno em uma dimensão integral, o que significa promover
a formação de indivíduos com consciência crítica, proativos e compromissados
com o seu próprio desenvolvimento. Essa vertente preconiza que a mediação
no ambiente escolar se constitui em ferramenta para o desenvolvimento de
competências sociais e relacionais.

Ao formar alunos mediadores, Crawford e Bodine (1996) indicam cinco


habilidades a serem desenvolvidas: habilidades de tomada de perspectiva;
habilidades de comunicação; habilidades emocionais; habilidades de pensamento
criativo e habilidades de pensamento crítico. Estas habilidades associadas a
competências relacionais facilitam que alunos consigam enfrentar de forma
construtiva situações que envolvem divergências. Esses alunos passam então a
recorrer ao conhecimento, atitudes e comportamentos considerados adequados

187
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

Para esta vertente, o objetivo principal da mediação escolar é incluir, nos


alunos mediadores, uma gama de habilidades para que isso possa fazer parte
de seus repertórios pessoais. Essas habilidades poderão ser úteis para auxiliar
outras pessoas quando envolvidas em conflito, como para auxiliar a si próprios.

4.3 ESTRATÉGIA INTEGRADA DE PREVENÇÃO


Como sugere o título, esta vertente está relacionada à ideia de prevenção,
o que não significa repressão, evitamento do conflito ou sua possível erradicação.
Trata-se de buscar a compreensão do fenômeno de forma contextualizada. “uma
forma de “investigação e identificação dos elementos interpessoais, intragrupais
e organizacionais que esteja na base da dinâmica do conflito assim como desafia à
criação de condições em termos interpessoais, intragrupais e organizacionais que
fomentem contextos geradores positivos e proativos, com forte efeito preventivo
(CRAWFORD; BODINE, 1996, p. 110).

A autora Elisabete Costa apresenta três níveis de prevenção: primário,
secundário e terciário. No primeiro nível, prevenção primária, o desafio é a criação
de condições para antecipar ou melhor acomodar o surgimento do conflito. No
segundo nível, prevenção secundária, o desafio é viabilizar a intervenção precoce,
tomando medidas para conter situações de conflito, bem como sua progressão.
Significa atuar o mais rápido possível nos desvios identificados. Já na prevenção
terciária, a atuação se dá quando os fenômenos já estão acontecendo.

NTE
INTERESSA

Vejam que interessante este quadro que apresenta a lógica da prevenção em


diferentes níveis de complexidade
PREVENÇÃO PREVENÇÃO PREVENÇÃO
PRIMÁRIA SECUNDÁRIA TERCIÁRIA
Atividades de Programas de formação Gabinete de mediação
sensibilização sobre o específica em mediação de conflitos:
conflito e a mediação. e para ser mediador de Participação de
Planos de aula sobre o conflitos, para alunos, professores e dos
conflito e a mediação. professores, assistentes técnicos com formação
Programas educativos operacionais e encarregados específica e/ou
sobre a gestão e mediação de educação. Participação especializada em
de conflitos. dos alunos, professores, mediação de conflitos.
Mudanças estruturais e assistentes operacionais e
organizacionais ao nível encarregados de educação
da gestão de conflitos na equipe de mediação
(projeto educativo, (como mediadores formais
projeto curricular da ou preferencialmente como
escola e regulamento mediadores informais).
interno).
FONTE: A autora

188
TÓPICO 2 | MEDIAÇÃO ESCOLAR

5 A ESTRUTURA DE UM PROJETO DE MEDIAÇÃO ESCOLAR


Pensar na proposta de aplicação da mediação em uma escola exige,
inicialmente, que possa ser identificado o real interesse de um ou mais segmentos
da comunidade escolar em executar a proposta. A direção da escola precisa
estar engajada, bem como professores, alunos, pais e funcionários. A ideia da
aplicação da proposta pode surgir de qualquer interessado, entretanto, a direção
precisa estar ciente e desejar que isso aconteça.

A partir do reconhecimento do interesse, a próxima etapa é a constituição


da equipe de apoio responsável pela coordenação do projeto. Essa equipe deve
ser composta por representantes dos diferentes segmentos/setores da escola.
Quanto mais representação, maior a probabilidade de alcance e sucesso da
proposta. Essas pessoas ingressam de forma voluntária e precisam ter interesse
no tema. Não há indicação de número mínimo e máximo de participantes, só que
a equipe seja renovada anualmente. São atribuições da equipe de apoio:

1. Acompanhamento dos primeiros passos.


2. A capacitação dos jovens e definição dos seus limites de ação.
3. Monitorar e apoiar os trabalhos, quando necessário.

Importante salientar que a equipe de apoio não realiza mediações para
que possam ser garantidos os princípios basilares da mediação, imparcialidade,
voluntariedade e confidencialidade. Após a constituição da equipe, seguem as
atividades na sequência, apresentadas nos subitens a seguir.

5.1 DIAGNÓSTICO – LEVANTAMENTO DE DADOS


Levantar dados é a primeira etapa do processo de implantação da
Mediação Escolar, momento em que se reconhece os conflitos mais comuns da
escola, quando se identifica suas características e diferenciais. A etapa funciona
como um reconhecimento de campo, quando é realizada a sondagem do local
em que se pretende desenvolver o trabalho. São informações a serem levantadas:

• Tamanho da escola: número de alunos, professores, funcionários, turnos de


aula etc.
• Perfil da escola: região em que a escola está inserida, idade dos alunos,
formação dos professores e dos pais dos alunos etc.
• Principais conflitos da escola: quais são, como ocorrem, principais envolvidos
etc.

Para uma melhor compreensão sobre os conflitos, a equipe de apoio pode


achar necessária a elaboração de um questionário, que pode ser aplicado de
forma aleatória.

189
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

5.2 PLANO DE AÇÃO


A proposta desta etapa é a elaboração de um cronograma para a
execução do projeto, a definição de etapas, metas a serem alcançadas e temas
a serem abordados. No seguimento, é necessário definir as atividades a serem
desenvolvidas, o responsável pela atividade e respectivas necessidades, bem
como selecionar e elaborar material a ser disponibilizado nas apostilas: leituras
de apoio, dinâmicas, oficinas, palestras etc.

Para a apresentação e problematização dos temas podem ser convidadas


pessoas que não fazem parte da escola, mas que possuem conhecimentos
aprofundados sobre o tema.

5.3 SENSIBILIZAÇÃO
Como já foi assinalado, a Mediação Escolar não tem como único objetivo
capacitar alunos para mediar conflitos. Um dos grandes objetivos é viabilizar
que o ambiente escolar introduza esforços para a construção de uma cultura de
paz através da resolução adequada de conflitos.

Dessa forma, a etapa da sensibilização precisa envolver todos os


integrantes da escola: dirigentes, pessoal de apoio teórico e administrativo,
professores, pais de alunos, bem como pessoas da comunidade em que a escola
está inserida.

Podem ser utilizadas diferentes estratégias para a sensibilização:


palestras, uso de cartazes, oficinas ou cartas dirigidas às famílias. O importante é
que a informação possa chegar a todos, mobilizando para a adesão na proposta
de Mediação na escola. A sensibilização deve garantir que todos se sintam
convidados a participar.

Os eventos devem abordar assuntos relacionados a temas como: direitos


humanos, violência e especialmente violência nas escolas, conflitos e formas de
lidar com eles, e mediação de conflitos.

5.4 FORMAÇÃO: CAPACITAÇÃO TEÓRICA E PRÁTICA


A etapa da Capacitação pressupõe que alunos tenham se sensibilizado e
inscrito para aplicar a mediação. Importante salientar que todos os alunos podem
participar, mas é indicado contar especialmente com aqueles que demonstram
facilidade em se comunicar, observar, escutar, que tenham liderança, paciência e
que sejam neutros.

190
TÓPICO 2 | MEDIAÇÃO ESCOLAR

Definidos os participantes, é o momento da capacitação, entendida


como preparação teórico/prática dos alunos para aplicar a mediação. Ela deve
priorizar a oferta de exercícios que proporcionem vivências relacionadas a temas
específicos da mediação de conflitos: escuta ativa, aprender a se colocar no lugar
do outro, ter cuidado com as palavras e aprender a trabalhar em duplas.

A carga horária pode ser de aproximadamente vinte horas, divididas em


dez encontros de duas horas cada. Quanto às aulas, estas podem ser conduzidas
por uma dupla de monitores para um grupo que não ultrapasse vinte alunos. .

Quanto aos monitores, a proposta é que possam ser pessoas com


conhecimentos em mediação, para que possam passar sua experiência para
os alunos.

Mesmo que a capacitação seja especialmente para os alunos, demais


interessados devem poder ter acesso ao material bibliográfico ou outras fontes
de pesquisa. A ideia é capacitar o maior número possível de pessoas no tema.

5.5 INSTITUCIONALIZAÇÃO
Após concluída a etapa da capacitação e certificado que os alunos
desenvolveram habilidades e competências para o enfrentamento de situações
reais, a institucionalização da prática de mediação deve acontecer. A divulgação
do início das práticas de mediação pode acontecer através de cartazes ou flyers
ou mesmo pelos próprios alunos capacitados. Estes podem passar nas salas de
aula para apresentar e divulgar a proposta.

UNI

Prezado acadêmico, quando se investe em Mediação escolar é esperado


que alunos possam se utilizar da metodologia nas situações de conflito do dia a dia, de
forma autônomo e espontânea sem necessariamente se prenderem a um formato pré-
estabelecido. O esperado é que possam lidar com conflitos na lógica de construção de paz.

FONTE: CLIP-ART

191
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

Os conflitos fazem parte do cotidiano de qualquer espaço, mas podem ser


tratados de forma positiva. Assim sendo, ações criativas baseadas nos princípios
da mediação são bem-vindas, considerando que disseminar a cultura da paz é a
meta maior.

Para finalizar, é importante enfatizar que a mediação escolar constitui


prática alternativa, atual e inovadora de resolução de conflitos nesse contexto.
Para isso, é fundamental que os atores da comunidade escolar possam estar
convictos de seus papéis nos programas de mediação, para que, através desses
programas, possam suscitar nova cultura nas escolas: a cultura da paz.

E
IMPORTANT

A Mediação Escolar pode possibilitar uma educação em valores, educação


para a paz e para uma nova visão acerca dos conflitos.

192
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Mediação escolar é uma nova abordagem que vem se inserindo nos contextos
das instituições de ensino, visto serem ambientes que acolhem relações sociais
diversas e, portanto, propícias à eclosão de conflitos.

• O cenário de violência nas escolas tenciona discussões sobre a necessidade de


uma educação pautada em valores, que dê atenção às necessidades, interesses,
projetos de vida e relações sociais estabelecidas pelos estudantes.

• São objetivos da Mediação Escolar:


o desenvolver uma comunidade na qual os alunos desejem e sejam capazes
de praticar uma comunicação aberta;
o ajudar no desenvolvimento de uma melhor compreensão da natureza dos
sentimentos, capacidades e possibilidades humanas;
o contribuir para que os alunos compartilhem seus sentimentos e sejam
conscientes de suas qualidades e dificuldades;
o possibilitar aos alunos o fortalecimento da autoconfiança;
o desenvolver no aluno a capacidade de pensar criativamente sobre
problemas e de começar a prevenir e solucionar conflitos.

• As características da Mediação Escolar são a voluntariedade, o processo


educativo e a confidencialidade.

• A Mediação Escolar está assentada em vertentes: a) técnica de intervenção


na gestão e resolução de conflitos; b) metodologia integrada de prevenção:
primária, secundária e terciária; c) estratégia de prevenção.

• Os procedimentos para implementação da Mediação são:


o reconhecimento do interesse por parte da direção da escola;
o constituição da equipe de apoio;
o diagnóstico-levantamento de dados;
o plano de ação;
o sensibilização;
o formação: capacitação teórica e prática;
o institucionalização.

193
AUTOATIVIDADE

1 A mediação escolar é uma forma consensual de resolução de controvérsias,


em que as partes envolvidas têm a oportunidade de solucionar seus
conflitos com a participação de um mediador. Analise as afirmativas a
seguir e assinale a alternativa CORRETA sobre o tema:

I- Um dos objetivos da mediação escolar é a prevenção de conflitos. A


mediação estimula um comportamento de comunicação pacífica. Quando
os indivíduos conhecem o processo de mediação e percebem que essa
forma de resolução é adequada e satisfatória, passam a utilizá-lo com
mais frequência.
II- A mediação escolar exige das partes envolvidas a discussão aberta sobre
os problemas, comportamentos, direitos e deveres de cada um.
III- A mediação reforça a cultura do conflito, na medida em que abre espaço
para que as pessoas falem o que pensam, expondo abertamente todos os
seus sentimentos negativos.
IV- São princípios da mediação escolar: (1) liberdade das partes; (2) não
competitividade; (3) poder de decisão das partes; (4) participação
do terceiro imparcial (mediador); (5) competência do mediador; (6)
informalidade dos processos; e (7) confidencialidade do processo.

( ) Apenas as afirmativa I, II e IV estão corretas.


( ) Apenas as afirmativas III e IV estão corretas.
( ) Apenas as afirmativas I e IV estão incorretas.
( ) Apenas a afirmativa I está correta.
( ) Todas as afirmativas estão corretas.

194
UNIDADE 3
TÓPICO 3

MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA

1 INTRODUÇÃO
O tempo da mediação é o tempo da sensibilidade, o tempo do amor, é
o tempo da espera do momento certo, do instante propicio para agir,
para assim então resolver a crise (WARAT, 2004).

O tema participação social vem sendo uma discussão presente nos


mais diferentes contextos sociais, considerando que dela advém possibilidades
de avanços na construção de práticas democráticas e políticas de direitos. A
mediação comunitária se apresenta como uma das possibilidades de viabilizar
o envolvimento de cidadãos, tanto na compreensão das dificuldades que levam
as pessoas a vivenciarem conflitos quanto na possibilidade de atuarem como
agentes que buscam alternativas de resolução desses conflitos.

A compreensão da forma como a mediação comunitária se instaura


no contexto brasileiro demonstra a necessidade de vontade política em abrir
caminhos para outras formas de resolução de conflitos que instiguem e incluam
a comunidade, por serem seus moradores quem realmente conhece as formas de
resolução, mas que precisam acreditar nesse protagonismo.

Outra necessidade é o entendimento da mediação comunitária enquanto


método autocompositivo, como deve ser implementada e quais os atores sociais
necessários para atender as suas prerrogativas.

2 RELAÇÕES DE PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA NA


RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
A imagem a seguir chama a atenção sobre duas formas de se pensar na
dinâmica das relações sociais. É meta de a Mediação Comunitária facilitar a
transposição da primeira organização para a segunda, de forma a viabilizar o
fortalecimento das relações comunitárias e sociais.

195
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

FIGURA 3 – MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA: POR UMA COMUNIDADE PARTICIPATIVA E UMA


JUSTIÇA EMANCIPADORA

FONTE: Foley (2016, p. 81)

Em diferentes partes do mundo globalizado e prioritariamente em países


com desigualdade social crescente, como é o caso do Brasil, são identificados
conflitos de toda a ordem, oriundos das transformações políticas, sociais,
econômicas e culturais. O crescimento populacional urbano, desemprego
estrutural, déficit na oferta de políticas públicas da saúde, educação, moradia,
acesso à justiça, redes de apoio e sustento ineficazes são alguns fatores geradores
de exclusão social. Nesse cenário, toda a desavença, por mais simples que
possa parecer, dificulta as práticas comunicacionais e promove a incidência da
violência. Intolerância e desrespeito ao outro também são gerados pela ausência
de comunicação.

A necessidade de convivência e trocas sociais faz parte do cotidiano


dos cidadãos, já que nenhum projeto societário inclusivo poderá acontecer
se perseguido de forma individualizada e isolada. Para Carvalho (2010),
“participação e cidadania são conceitos interligados e referem-se à apropriação
pelos indivíduos do direito de construção democrática do seu próprio destino”.
Para ela, a participação é a forma pelo qual processos democráticos poderão ser
construídos.

Dessa forma, em um contexto social regido pela lei do mercado, com


cidadãos engajados prioritariamente em lógicas individualistas e competitivas,
com preocupações exclusivas com seu próprio bem-estar, práticas que façam
resistência a esta lógica dominante são desafiadoras e instigantes. A mediação
comunitária é uma destas práticas por constituir-se como alternativa para a
resolução dos conflitos em contextos comunitários.

196
TÓPICO 3 | MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA

3 PERSPECTIVA CONCEITUAL
A mediação comunitária tem natureza democrática e tem por base o
sentimento de inclusão social, tendo em vista que procura prevenir e resolver
conflitos de maneira pacífica sempre por meio do diálogo. Dessa forma, ela
não é apenas uma alternativa de resolução de conflitos, mas instrumento
de fortalecimento democrático já que oferece aos cidadãos o sentimento de
inclusão social. Segundo Sales, Lima e Alencar (2008), quando as soluções
são construídas pelas próprias partes é incentivada uma perspectiva de
conscientização para a paz.

Na medida em que a mediação capacita as pessoas no sentido da


comunicação pacífica e do diálogo, estimulando o estabelecimento de
parcerias e de redes de colaboração em torno de objetivos comuns,
exerce uma função educativa que aponta o caminho de práticas
democráticas coletivas responsáveis (SALES; LIMA; ALENCAR, 2008,
p. 726).

Para Sales (2007), a mediação comunitária é uma política pública que


favorece a humanização e pacificação visando a construção da cidadania.
Segundo ela, a mediação busca prioritariamente o empoderamento dos
envolvidos, por efetivar a dignidade da pessoa humana e o acesso à justiça.
Assim, enquanto método consensual de resolução de conflitos, proporciona uma
restauração à cultura de paz na comunidade.

A contribuição da mediação, enquanto meio democrático, participativo


e inclusivo na resolução de conflitos para a cidadania e para a dignidade
humana, implica em relacionar as características de sua prática
(inclusão social, valorização do ser humano, empatia) e os seus efeitos
(conscientização dos direitos e deveres, prevenção à má administração
dos conflitos, pacificação social) (CARVALHO, 2010, p. 2)

Todo o processo é regido na perspectiva de investimento em sentimentos


de colaboração, de mútua ajuda e de confiança entre as pessoas. A proposta
é que os envolvidos possam se sentir valorizados e autorizados a resolver
autonomamente seus desafios.

4 BREVE HISTÓRICO DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA


Já foi apresentada a discussão do quanto a mediação faz parte de quase
todas as culturas. Historicamente ela vem acompanhando as relações entre os
seres humanos. “Em se tratando de comunidades religiosas, por exemplo, era
comum os lideres religiosos serem procurados para o desempenho do papel de
mediadores tanto em situações de conflito religiosas ou mesmo civis” (MOORE,
1998, p. 32).

197
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

Quanto às relações comunitárias, segundo Perkcovic (1996, p. 314-


315), “o confucionismo desempenhou um importante papel na evolução e no
desenvolvimento da mediação no âmbito comunitário”. Isto se deu por que, para
essa filosofia, a harmonia entre os homens só acontece se as pessoas suportam a
ideia das diferenças e individualidades de cada um.

Confúcio ensinava que preservar essa harmonia é dever de todos e só


quando a comunidade reconhece ser incapaz de realizar essa tarefa é
que se deve recorrer ao direito positivo e à regulação. A alternativa à
solução judicial é o compromisso obtido na mediação, no qual pessoas
virtuosas da própria comunidade estimulam as partes para que elas
mesmas restabeleçam a harmonia comunitária e, com isso, alcancem
também a harmonia individua”l (PERKCOVIC, 1996, p. 314-315).

As correntes migratórias do século XIX também desempenharam


uma importante participação no histórico da mediação comunitária, visto
que os conflitos internos eram resolvidos através de câmaras de mediação.
Foi o desenvolvimento das elites, com a consequente necessidade de proteção
dos interesses individuais, que acabou por favorecer a supremacia da lei e
aculturação dos imigrantes devido a sua desagregação.

No Brasil, a história da mediação comunitária, no modelo apresentado


neste texto, ainda é recente. Entretanto, emergem, tanto por parte de tribunais
quanto por parte de organizações comunitárias, iniciativas para a sua
implantação.

As experiências brasileiras em mediação,especialmente aquelas


realizadas nas periferias dos municípios, têm revelado mudanças
de comportamento das pessoas: tornam-se mais participativas
nas decisões individuais e coletivas (luta e conquista de cursos
de alfabetização para adultos, cursos jurídicos, cursos sobre
planejamento familiar, discussões sobre ressocialização da pena ao
se receber para auxiliar nos trabalhos administrativos dos centros de
mediação pessoas condenadas à prestação de serviços) (SALES, 2007,
p. 38-39).

Um grande marco para a instauração da mediação comunitária no


Brasil foi a experiência institucional concebida no ventre do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Para os que conceberam a ideia, os
fundamentos da Mediação Comunitária indicam que ela não pode se limitar a
uma técnica de resolução de conflitos, visto que o desenho precisa estar atrelado
a três eixos de sustentação: a educação para os direitos; a mediação como rito
de solução de conflitos; e a animação de redes sociais. A primeira atividade
visa a democratização do acesso à informação sobre os direitos dos cidadãos.
Busca romper com práticas colonialistas que oferecem uma linguagem de difícil
compreensão para o sujeito que acessa à justiça, e com práticas que não têm por
base a socialização de informações sobre direitos que podem ser acessados. O
segundo eixo é a mediação para a resolução dos conflitos, momento em que as
pessoas envolvidas no conflito são convidadas a refletir sobre a complexidade

198
TÓPICO 3 | MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA

dos fatores que envolvem o problema e a pensar nas possíveis formas de solução
que contemplem os interesses e necessidades das partes envolvidas. O terceiro
eixo de atividades envolve atores da comunidade na mobilização popular e
criação de redes solidárias para o mapeamento e o reconhecimento tanto das
dificuldades quanto dos recursos que a comunidade pode oferecer.

5 CARACTERÍSTICAS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA


A mediação comunitária é realizada nos bairros da periferia, local onde o
conflito se instaura e também onde se apresenta a possibilidade de resolução desse
conflito. Quando a mediação acontece na própria comunidade, são considerados
os valores, crenças, atitudes e comportamentos das pessoas que residem nesse
lugar e podem ser potencializados os recursos para o fortalecimento de uma
cultura democrática e de paz social. Em seu aspecto mais formal e técnico sobre a
mediação comunitária, Sales enfatiza:

[...] A mediação por sua própria definição, é designada a criar laços


entre os indivíduos, resolvendo e prevenindo conflitos. Ela é realizada
por um terceiro independente que visa a levar à comunidade o
sentimento de inclusão social através da possibilidade de solução
de seus conflitos por eles mesmos. Cria vínculos, laços e fortalece o
sentimento de cidadania e de participação da vida social (SALES,
2007, p. 134).

Especificamente quanto à mediação comunitária, existem algumas
características que a diferenciam das demais práticas de mediação: momento
de inserção no conflito, a flexibilidade processual da mediação comunitária,
a inserção do mediador na comunidade, o estímulo à autonomia e ao
empoderamento da comunidade, e a execução dos acordos obtidos SALES, 2007)

• Momento de inserção no conflito – quanto mais cedo ocorre a intervenção


no conflito, melhor para a sua resolução. A mediação comunitária oferece a
possibilidade de ser utilizada em um estágio inicial. Assim, o mediador tem
mais facilidade para estabelecer uma comunicação eficiente e produtiva antes
que os envolvidos no conflito acessem outros meios não suficientemente
engajados em propostas pacificadoras.
• Flexibilidade processual da mediação comunitária – a forma como é
conduzida a mediação depende do espaço, do tempo, dos envolvidos e do
próprio mediador. Tradicionalmente, inicia-se com a declaração de abertura
por parte do mediador, momento em que são estabelecidas as regras a serem
respeitadas durante o procedimento. No seguimento, cada uma das partes
apresenta sua versão relacionada à disputa. Nesse momento, o mediador
identifica as questões, os interesses e os sentimentos de cada parte e, a partir
de então, começa a aplicar técnicas específicas visando à resolução do conflito.
As sessões privadas são aplicadas com frequência. As sessões privadas são
utilizadas sempre que se entender necessário, tanto para ouvir questões cujos
mediadores não desejam que a outra parte saiba quanto para geração de
opções que visem um eventual acordo.

199
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

• Inserção do mediador na comunidade – como já referido, os mediadores


são preferencialmente membros da própria comunidade, sendo que
realizam capacitação específica para realizar a mediação de conflitos e que
voluntariamente decidem dedicar parte de seu tempo para o bem-estar de
toda a comunidade.
• Autonomia e empoderamento da comunidade – a mediação comunitária tem
como objetivo maior o empoderamento das pessoas envolvidas em disputas e
autonomia da própria comunidade. A ideia é fortalecer laços de pertencimento
e de compromissos comunitários.
• Execução dos acordos obtidos na mediação – as pessoas envolvidas em
mediação comunitária se sentirão mais satisfeitas se houver boa execução dos
acordos.

6 FUNÇÕES DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA


A mediação comunitária tem como função utilizar métodos adequados
de solução de conflitos sociais pelos membros da própria comunidade.

Dessa forma, a mediação contribui para prevenir conflitos e possibilitar


que as pessoas possam, de forma consciente, participem da compreensão e da
solução dos conflitos, o que possibilita a construção do sentimento de inclusão
social. No entendimento de Six (2001, p. 171),

[...] a primeira mediação a fazer é a de devolver confiança às cidades e


aos subúrbios, estudando-se a fundo sua realidade e potencialidades
[...] criar uma democracia urbana, pesquisar novas maneiras de os
cidadãos tornarem-se cidadãos de fato, de responsabilizarem-se por
sua cidade, por seu subúrbio, de criarem novos projetos para si.

ATENCAO

Prezado acadêmico, são muitos os objetivos da mediação comunitária, não é


demais reforçar o que pode ser alcançado por este método de resolução de conflitos.

• desenvolver autonomia e determinação da comunidade;


• promover inclusão pela responsabilidade e condução cooperativa;
• reconhecer e legitimar a identidade da comunidade, a partir de seus próprios critérios de
realidade;
• viabilizar a participação ativa das pessoas, na base da cooperação e da responsabilidade,
para a superação de seus problemas.

FONTE: Adaptado de Foley (2016)

200
TÓPICO 3 | MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA

Nesse âmbito, a mediação favorece uma maior responsabilidade e


participação da comunidade na solução dos seus conflitos, o que pode contribuir
para a preservação e fortalecimento das relações, com satisfação dos interesses
dos envolvidos, bem como economia de custos de tempo e dinheiro na solução
do conflito.

Ainda, a mediação comunitária pode funcionar como mediadora


de políticas públicas, dado ao fato de que os grupos com menor ou
quase nenhuma representatividade social e política conseguem,
por meio da criação de espaços dialogais, demandar seus interesses
e suas necessidades coletivas. Aspecto esse que toca de certa
forma na questão da alteridade, já que é pensada como forma de
reconhecimento e respeito pelo outro, uma vez que gera espaços
que oportunizam a reaproximação de pessoas e de grupos, (re)
estabelecendo uma comunicação transformadora, capaz de dar à vida
comunitária um sentido sustentável (BERTASO; PRADO, 2017).

Nessa perspectiva, a mediação comunitária tem como pressuposto


tornar os cidadãos conscientes do seu poder para resolverem conflitos através
do diálogo produtivo, buscando a construção de relações cooperativas entre
os membros da comunidade. Essa proposta pode abrir caminhos para a
transformação sociocultural por investir na participação ativa dos membros
da comunidade na vida social. Sales (2003, p. 135), a respeito dos objetivos da
mediação comunitária, relata que:

[a] mediação comunitária possui como objetivo desenvolver


entre a população valores, conhecimentos, crenças, atitudes e
comportamentos conducentes ao fortalecimento de uma cultura
político-democrática e uma cultura de paz. Busca ainda enfatizar
a relação entre os valores e as práticas democráticas e a convivência
pacífica e contribuir para um melhor entendimento de respeito e
tolerância e para um tratamento adequado daqueles problemas que,
no âmbito da comunidade, perturbam a paz.

Importante enfatizar que a mediação comunitária não se atém a busca


exclusiva do acordo, pois incentiva a reconstrução de relações sociais que, de
alguma forma, ficaram fragilizadas devido à ocorrência do conflito, bem como
o reconhecimento das diferenças e das possibilidades de conviver com essas
diferenças.

Um dos grandes benefícios da mediação comunitária é a prevenção da
violência, visto que os membros da comunidade aprendem a se envolver na
resolução dos conflitos e a não esperar um terceiro, que na maioria das vezes
desconhece a realidade vivenciada pelos mediandos. A mediação supera o
ganha-perde, já que não existe perdedores, pois a mediação termina quando os
envolvidos se sentem satisfeitos com a resolução encontrada para o conflito.

É possível entender que a mediação comunitária oferece uma possibilidade


para o fomento à cidadania e à participação por incentivar a participação ativa na
busca de soluções para os conflitos relacionais entre os membros de uma família,

201
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

da vizinhança, das relações comerciais, com o meio ambiente e de tantos outros.


Os cidadãos, que por diferentes motivos vivenciam situações de exclusão social,
passam a se sentir responsáveis pelas escolhas e decisões de suas próprias vidas
e exercitam a inclusão social.

[a] prática da mediação estabelece a participação ativa das pessoas
nas soluções dos conflitos, passa-se a não somente se discutir sobre
questões individuais, mas questões de natureza coletiva também.
As experiências brasileiras em mediação, especialmente aquelas
realizadas nas periferias dos municípios, têm revelado mudanças
de comportamento das pessoas: tornam-se mais participativas
nas decisões individuais e coletivas (luta e conquista de cursos de
alfabetização para adultos, cursos jurídicos, cursos sobre planejamento
familiar, discussões sobre ressocialização da pena ao se receber para
auxiliar nos trabalhos administrativos dos centros de mediação
pessoas conde nadas à prestação de serviços) (SALES, 2007, p. 38-39).

A mediação tem uma função educativa, visto que capacita as pessoas a


utilizarem processos comunicacionais pacíficos, estimulando a constituição de
parcerias e redes colaborativas em torno de objetivos comuns. Isso aponta para
práticas democráticas.

7 FASES DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA


A Mediação Comunitária está inserida em um ciclo virtuoso (TJDFT,
2005) que ostenta os seguintes componentes:

• conhecimento – da comunidade e da rede social (por meio do mapeamento


social e da educação para os direitos);
• criação de novas conexões – na comunidade, entre si e com as instituições (por
meio da animação de redes Sociais);
• transformação das relações – individuais, sociais e institucionais, por meio
do desenvolvimento de novas habilidades e técnicas de comunicação (pela
mediação de conflitos);
• promoção de coesão social – autonomia e emancipação social (resultado do
processo de construção da Mediação Comunitária).

8 O PAPEL DO MEDIADOR COMUNITÁRIO


A pessoa do mediador comunitário representa a figura de um terceiro
neutro, imparcial e que não tem papel decisório, só facilita que pessoas consigam
tratar do conflito no qual estão envolvidas de forma que as satisfaça. Morador
do local, ele deve ser escolhido pela comunidade ou se voluntariar para prestar o
serviço. Precisa, para tanto, ter reconhecimento comunitário como sendo pessoa
com valores éticos e que age com postura justa e honesta. Cabe a ele articular
oportunidades para que os moradores da comunidade aprendam a identificar,
compreender e desejar dar um tratamento adequado aos conflitos.

202
TÓPICO 3 | MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA

[...] O que se pedia aos mediadores cidadãos? Deve ser, por sua
presença, sua colhida, sua escuta, alguém que permitira avançar no
tratamento do problema – no qual não vê a decisão tomar – que existe
com outro, na sua família, na empresa, no bairro [...] O mediador deve
zelar pela privacidade do que é tratado dentro do espaço, deve ser
neutro e imparcial, não podendo sentenciar, nem indicar uma “saída”,
deve acima de tudo, deixar que as partes conflitantes resolvam seu
conflito (SPENGLER, 2010. p. 323-324).

ATENCAO

• A comunidade deve fazer o seu diagnóstico;


• A escuta ativa do mediador comunitário é essencial para a comunidade se expressar e
aprender a se escutar;
• Ajuda a comunidade a construir sua identidade e definir suas necessidades;
• Opera com o reconhecimento e respeito, bases da cooperação e da responsabilidade.

FONTE: Adaptado de Foley (2016)

Quanto às habilidades a serem desenvolvidas, é importante que possa


estabelecer um “rapport” com as partes, o que significa que possa realmente
“escutar” os envolvidos, relacionar-se de forma horizontal e comunicar de
forma a ser entendido. Além das habilidades descritas, o mediador comunitário
precisa de capacitação teórica e prática e atuar com supervisão de mediadores
com maior experiência. O conteúdo da capacitação deve versar sobre conflitos
e suas manifestações, procedimentos sobre os passos da mediação e precisa
desenvolver capacitação técnica para a apreensão das técnicas como ferramentas
para a função.

Segundo Spengler (2010) existem diferenças entre os mediadores


institucionais e os mediadores cidadãos. Para ela, além de possuírem origens
diferentes, têm maneiras de agir diferentes. Os institucionais são especialistas,
com formação para atender a um problema específico, pelo qual terão que
responder. Já os mediadores cidadãos, escolhidos entre os cidadãos, têm como
prerrogativa investir no fortalecimento da cidadania e democracia, facilitar
o acesso à justiça, esclarecendo aos cidadãos seus direitos e deveres. Esses
mediadores se envolvem na construção da solução através do desenvolvimento
da cultura do diálogo e da participação, para conjuntamente promover a inclusão
social na sociedade.

203
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

LEITURA COMPLEMENTAR

Atualmente, são muitas as experiências de mediação escolar


desenvolvidas no mundo, já analisadas e cujo resultado já foi comprovado.
Argentina é um dos países que vêm desenvolvendo esta metodologia e alterando
o cotidiano de muitas comunidades escolares. Este texto, apresentado a seguir,
é parte de um artigo intitulado Mediação de conflitos escolares – uma proposta para a
construção de uma nova mentalidade nas escolas.

ALGUMAS EXPERIÊNCIAS EM MEDIAÇÃO ESCOLAR

Lilia Maia de Morais Sales


Emanuela Cardoso Onofre de Alencar

No Brasil, o desenvolvimento de projetos em mediação escolar ainda


é pequeno, contudo, pode ser destacada a experiência do Projeto Escola de
Mediadores. Trata-se de projeto desenvolvido em 2000, em parceria pelo
Instituto NOOS, Viva Rio – Balcão de Direitos, Mediare e Secretaria Municipal de
Educação, em duas escolas públicas do Município do Rio de Janeiro. A iniciativa
teve o apoio do Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Direitos
Humanos, responsável pelo Programa “Escolas de Paz”.

O Projeto Escola de Mediadores foi uma proposta de construção de


uma cultura de paz no ambiente escolar, por meio da mediação, na tentativa de
transformar o quadro de crescente violência observado em várias escolas do Rio
de Janeiro. O projeto trabalhou com os diversos atores da comunidade escolar:
professores, alunos, pais, e formou uma equipe de jovens mediadores para atuar
no cotidiano da escola. As atividades tinham por fim incentivar a criação de uma
nova mentalidade de colaboração e de não violência nas resoluções de conflitos,
por meio da mediação, contribuindo para uma formação mais cidadã dos alunos
da escola. Dessa experiência, foi elaborada a Cartilha Escola de Mediadores, que
fornece informações sobre mediação de conflitos e o papel do mediador, bem
como orienta a implementação da mediação escolar nas instituições de ensino
e a criação da equipe que será responsável pelo desenvolvimento do projeto.
Referida cartilha é disponibilizada pelo Ministério da Justiça, por meio do
Programa Escolas de Paz.

Na Argentina (BRANDONI, 1999), a mediação escolar já é utilizada há


algum tempo, com resultados positivos. Por lá, professores capacitados auxiliam
os alunos a resolverem as divergências que surgem pelos mais diferentes motivos
e contribuem para a difusão das técnicas de resolução pacífica dos problemas,
estimulando os alunos a aplicarem a mediação em sua vivência. Como exemplo,
cite-se o projeto “Autogestão institucional: um meio para a excelência educativa”,
desenvolvido no Jardim Maternal e de Infantes no 60 Luisa Vera Valloud de
Torregrosa, na cidade de Resistência, Província del Chaco, Argentina. O projeto

204
TÓPICO 3 | MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA

surgiu em 1987 com o intuito de superar estruturas esteriotipadas assumidas


pela instituição e emanadas do sistema que limita a possibilidade de brindar
um serviço de alta qualidade educativa e que traga igualdade de oportunidades
educativas para os alunos. Desde sua origem, o projeto buscou meios de prevenir,
administrar e gerir os conflitos surgidos na instituição escolar. Entre os objetivos
propostos, relacionados ao tema da resolução de conflitos, destacam-se:

1. Propiciar a inclusão dos valores dos membros da comunidade no projeto


institucional para reafirmar os valores positivos e transformar os que forem
necessários, coerentes com o mundo democrático. Para isso é necessária a
administração de conflitos, enfrentando-os para geri-los e resolvê-los, tendo
o compromisso de todos os atores.
2. Favorecer no educador a construção clara do rol das funções que desempenha,
partindo da mudança de atitude pessoal e profissional, e valorizando a
autoridade sobre o autoritarismo.
3. Favorecer a autonomia institucional, assim como a construção de sua
identidade com a participação dos atores institucionais.

O projeto teve como principais consequências a construção da autonomia
no exercício do compromisso, da colaboração e da responsabilidade solidária; a
articulação com outras instituições educativas, de saúde e culturais; a criação
de tempo e espaços formais na instituição para a participação comprometida
dos pais; a criação de espaços institucionais para que os docentes administrem
os conflitos e trabalhem a busca de soluções; a valorização da autoridade sobre
o autoritarismo, dando vida a valores em constante construção; e a adesão e o
compromisso dos atores institucionais para enfrentar, administrar e/ou resolver
os conflitos.

Outro caso de conflito resolvido solucionado pela mediação ocorreu na


“Escuela de Educación Técnica no ‘Simón de Iriondo’”, na cidade de Resistência,
também na Província del Chaco, Argentina. Foi relatado o caso de uma mediação
desenvolvida pelo professor e seus alunos, durante uma aula em que aquele
tencionava demonstrar as utilidades dos meios consensuais de conflitos. A
questão era sobre a festa de fim de curso dos alunos, assunto que sempre gerava
polêmicas. Durante a aula, desenvolveu-se um real conflito entre os jovens, e
depois de muito diálogo e da atuação do professor como mediador, utilizando as
técnicas da mediação de conflitos, o problema foi solucionado, com um resultado
favorável a todos os envolvidos.

A Província del Chaco, na Argentina, destaca-se pelas boas experiências


na área de mediação escolar. Os resultados foram tão positivos nas escolas onde
esse meio consensual foi implementado, que instigaram a criação de uma lei
regulando a mediação no âmbito escolar. Trata-se da lei 471127, que cria o Plan
Provincial de Mediación Escolar, que visa a implementar os meios alternativos
de resolução de controvérsias no sistema educativo, partindo dos adultos

205
UNIDADE 3 | PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR

(professores), para em seguida se estender aos alunos e ser incluído no currículo.


Esta iniciativa parte da premissa de que a difusão da mediação e da negociação
na educação é uma forma de educar em valores, tais como a tolerância, o respeito
às diferenças e a solidariedade. O plano foi criado com a finalidade de difundir
as técnicas dos meios alternativos de resolução de controvérsias, em especial a
mediação e a negociação, no âmbito escolar; avaliar a aplicação dessas técnicas
no sistema educativo; promover a gestão dos conflitos entre os distintos atores
institucionais por meio dessas técnicas; e implementar nas instituições educativas
os meios consensuais entre os distintos atores da comunidade.

Essas experiências demonstram que a mediação escolar se revela um tema


instigante, cujos estudos teórico e prático merecem ser ampliados – inclusive
porque no Brasil o seu conhecimento e aplicação ainda são tímidos -, como
forma de divulgar novos conhecimentos e experiências que possam auxiliar
no combate à violência e trabalhar positivamente os conflitos que existem nas
escolas públicas e privadas do país.

FONTE: SALES, L. M. de M.; ALENCAR, E. C. O. de. Mediação de conflitos escolares – uma proposta
para a construção de uma nova mentalidade nas escolas: algumas experiências em mediação
escolar. Pensar Revista de Ciência Jurídica, Fortaleza, v. 9, n. 1, p. 89-96, fev. 2004. Disponível em:
https://periodicos.unifor.br/rpen/article/view/751/1613. Acesso em: 13 dez. 2019.

206
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A mediação comunitária tem natureza democrática considerando que procura


resolver e prevenir os conflitos de maneira pacífica e inclusiva por meio do
diálogo.

• A mediação tem como pressuposto o respeito ao outro, a construção de


parcerias, participação ativa e responsabilidade dos mediandos pela solução
do conflito.

• A mediação acontece prioritariamente com pessoas e em espaços periféricos


da sociedade.

• As características específicas da mediação comunitária são:


o os mediadores são integrantes da própria comunidade, podendo já ocupar
posição de liderança e atuam de forma voluntária;
o acontece a partir de vinculação ou parcerias com universidades, organizações
não governamentais e órgão públicos governamentais;
o a capacitação prévia dos mediadores é realizada pelas instituições com as
quais os núcleos de mediação estão vinculados;
o o local da realização tem estrutura simples, pois utiliza-se das dependências
de associações de moradores, escolas e igrejas, normalmente locais cedidos;
o mediadores desempenham atividades agregadoras, com ênfase no coletivo.

• São fases da mediação comunitária: conhecimento da realidade da comunidade,


criação de novas conexões, transformação das relações e promoção da coesão
social.

• A mediação comunitária, além de buscar que os envolvidos em litígio possam


chegar a um acordo, tem a intenção de desenvolver autonomia e determinação
da comunidade; promover inclusão; e conhecer e legitimar a identidade da
comunidade.

CHAMADA

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207
AUTOATIVIDADE

1 A respeito das seguintes asserções, assinale a que apresenta a resposta


correta.

I- A Mediação Comunitária identifica o indivíduo enquanto protagonista


na gestão de seus conflitos, considera que ele é capaz de identificar,
compreender e construir alternativas adequadas de resolução de seus
conflitos.
por que
II- O indivíduo é um sujeito social de direitos e, portanto, deve decidir o que
deseja.

Assinale a opção CORRETA.


( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa da
I.
( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma
justificativa da I.
( ) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
( ) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.
( ) As asserções I e II são proposições falsas.

2 Dentre os requisitos das pessoas que deverão compor a equipe de mediação


de conflitos comunitários, encontram-se as seguintes:

I- Ser integrante da própria comunidade.


II- Ter necessariamente posição de liderança na comunidade.
III- Passar em concurso próprio para a função.
IV- Ter curso de formação profissional para a função.
V- Atuar de forma voluntária.

Assinale a alternativa CORRETA:


( ) Somente as assertivas I e II estão corretas.
( ) Somente as assertivas I,II,III e IV estão corretas.
( ) Somente as assertivas I e V estão corretas.
( ) Todas as assertivas estão corretas.

3 Considerando os elementos que compõem o espaço adequado para a


mediação comunitária, assinale a afirmação verdadeira.

( ) Deve ter infraestrutura para sediar as mediações: cadeiras apropriadas,


mesa redonda, computadores, sala de recepção com água e se possível
café, não ser um equipamento próprio.
( ) O espaço adequado para a mediação comunitária pode ser criado,
aproveitando a estrutura de uma instituição pública, de organizações da
sociedade civil ou outro espaço existente na própria comunidade.

208
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