Deixei a minha mochila cair. Afundei no chão daquele beco vazio, sobre a
calçada cinzenta. Cruzei os braços sobre os joelhos, apoiei a cabeça entre
eles e desabei. Permiti que todo o caos dentro de mim ecoasse para fora,
meus ombros tremendo e meus pulmões doendo a cada soluço que eu
liberava.
Ouvi os passos rápidos atrás de mim o caminho todo até o beco, assim
como escutei eles mais tímidos em minha direção. O perfume doce e
feminino foi a primeira coisa que senti. Em seguida, os dedos delicados em
meus braços, em carícias lentas.
Wayne suspirou, mexendo em meu cabelo agachada à minha frente. Me
confortou por longos e longos minutos.
— Respire fundo, meu amor — Mel sussurrou e eu tentei, eu realmente
tentei. — Preciso que se acalme, ok? Sei que é difícil, parece impossível,
mas eu preciso que me escute. — Tentei me concentrar em sua voz
preocupada, suave e doce. Assenti, ainda sem tirar o rosto dos joelhos. —
Inspire fundo. O máximo que conseguir. — Lutei para obedecer e a ouvi me
acompanhar. Sua mão quente continuava em minhas costas, o toque me
fazendo relaxar minimamente. — Agora expire, Robin... Isso...
Foram alguns longos segundos de inspiração e expiração guiada. Wayne
teve toda a paciência do mundo em me tranquilizar até que eu conseguisse
respirar melhor, sem me sentir queimar a cada molécula de oxigênio que
entrava em mim.
— Mel... — Ergui o rosto. Os olhos castanhos claros de Melissa se
prenderam nos meus com preocupação vívida. Ao redor das írises da cor de
um céu da tarde, havia o tom vermelho de quem segurava o choro. A empatia
que guiava Melissa era sempre tão evidente. Era como se ela tomasse parte
da minha dor para si e eu odiei isso. Voltei a chorar, tentando afastar as
lembranças de Derek sem sucesso algum.
Percebi a presença de quatro garotos próximos, mas a minha melhor amiga
fez um sinal com a cabeça e eles se afastaram. Mel se ajoelhou de vez no
chão e me abraçou, sua cabeça sobre meu ombro enquanto eu soluçava,
perdida.
Ela me envolveu pelo longo tempo em que eu desabei. Eu precisava
chorar, de verdade, precisava colocar tudo aquilo para fora. Melissa sabia
disso. Por vezes eu sentia um ou outro beijo em minha têmpora, como
promessas silenciosas de que eu sempre a teria por perto.
— Damian? — quis saber, baixo, onde ele estava.
— Pedi aos garotos que me deixassem lidar com você sozinha — ela
sussurrou, se afastando. Wayne ergueu meu rosto com as duas mãos e secou
as minhas lágrimas. Havia um pouco de rímel em minhas bochechas e Mel o
limpou. — Brandon, Ollie, Mike, Damian... Eles estão preocupados, acho
que nem entraram na escola.
— Ollie e Brandon?
— Eles apareceram quando você saiu correndo, você nem percebeu. —
Levei as mãos ao rosto, envergonhada. — Shh... Está tudo bem! Foi
completamente justificável, qualquer outra pessoa teria agido do mesmo
jeito ou pior...
— A escola inteira deve achar que eu sou louca — resmunguei e Wayne
negou. — Era ele, Mel, era ele... — Ela assentiu dessa vez. Apoiei minhas
costas numa parede atrás de mim, um tanto quanto enjoada. Minha cabeça
doía e eu estava exausta. — Porra, Wayne... Por quê?
— Bom, não faço ideia. Não sei por que esse... infeliz... voltaria. — Ela
pousou as mãos nos meus joelhos. — Mas ele não vai chegar perto de você,
Robin.
— Você sabe que essa é uma promessa impossível de cumprir.
— Impossível? Você tem um namorado irado, um amigo loiro louco e
super forte, um Oliver Zhang bom de soco, um Mike Graham tão inteligente
quanto doido e uma melhor amiga com unhas bem, bem afiadas! — Eu não
consegui rir, mas pela primeira vez, eu quis. Wayne bufou ao perceber o meu
desânimo e as lágrimas, que passaram a escorrer pelo meu rosto
silenciosamente, enquanto eu me esforçava para parar. Mel sentou ao meu
lado e balançou o ombro algumas vezes. — Vamos, deite a cabeça em mim.
Obedeci. Wayne repousou a sua cabeça na minha e entrelaçou os dedos
aos meus, acariciando-os sem ligar para o quão trêmulos ainda estavam.
— Se quiser ir para casa, Brandon pode te levar — ela sugeriu. E só
então eu processei a sua fala por completo.
— Caramba, estão perdendo aula por minha causa, não estão? — Vendo
minha aflição, ela apertou a minha mão com mais força.
— É um ótimo motivo. Como se sente agora? — Apenas suspirei. Mel
continuou a me acariciar com seu polegar em movimentos preguiçosos.
Umedeci meus lábios secos e Mel levou uma perna minha para cima de si.
— Que porra está fazendo, Wayne? — perguntei, baixo.
— Vamos! Como quando éramos crianças... — Melissa me fez bufar, mas
eu me sentei sobre seu colo.
Quando éramos menores e estávamos tristes, uma se sentava no colo da
outra e ficávamos abraçadas até qualquer dor passar. Então Mel fez isso: ela
me abraçou, como se eu ainda tivesse oito anos de idade.
— Me sinto um bebê — resmunguei.
— Você é o meu bebê!
Rolei os olhos e ela sorriu, porque eu finalmente consegui esboçar um
sorriso, deitando a cabeça em seu ombro, me rendendo ao carinho.
— Espero que não fique brava por isso..., mas pedi para o Brandon ligar
para Lia ou Elise. Você vai precisar de algum apoio em casa, não sei...
Talvez tia Lia venha perguntar para Hawkins como ele permitiu um aluno
como Meyers na escola na última unidade...
— Você ainda coloca fé demais nas capacidades maternais de Lia Carlson
— a interrompi, baixo. Mel reprimiu os lábios e eu sabia que estava triste.
— Não estou brava contigo, eu teria ligado para a sua mãe se você estivesse
mal. Mas o que a minha mãe pode fazer? Conversar com Hawkins não vai
adiantar nada e Lia está preocupada com o papai e outras quinhentas coisas
antes de mim.
— Elise pode ajudar.
— Sim, Elise pode ajudar. Ela com certeza vai. — Sorri com sinceridade.
Elise provavelmente me prepararia bons chocolates quentes e até mesmo
maratonaria qualquer série comigo para me fazer sentir melhor. Madison me
faria dormir na sua cama e me protegeria de qualquer pesadelo. Eu não
ficaria tão sozinha em casa.
— Pode dormir comigo hoje. Ou eu posso dormir no seu quarto. Podemos
estudar para o teste de geografia juntas.
— Isso seria bom. Muito bom. — Agradeci com um sorriso, mas não tão
forte quanto eu gostaria. Voltei a deitar a cabeça no ombro de Wayne e ela
brincou com os meus dedos enquanto eu pensava.
Por que Derek voltaria? Por que naquele momento?
O que ele faria em seguida? Ele contaria para todo mundo sobre o bebê?
Tentaria se aproximar?
Deixei o suspiro entalado em minha garganta escapar, buscando um pouco
da calmaria da Mel, tentando me concentrar na minha própria respiração e
não voltar a surtar. Era isso o que Derek queria, não? Me desconcertar? E eu
gastei tanta energia me mantendo firme, eu não poderia dá-lo o gostinho de
me ver fraquejar tão facilmente. Precisava me acalmar.
Alguns passos ecoaram e eu forcei meu olhar para a saída do beco.
Damian estava ali. Ele sorriu fraco quando o vi. Brandon estava logo atrás, o
celular em seu ouvido. Mike, ao seu lado, digitava alguma mensagem
enquanto conversava com Ollie. Os cabelos lisos e escuros de Zhang
estavam em um pequeno coque alto.
— Ei, amor — cumprimentei meu namorado baixinho, envergonhada. Bale
se aproximou ainda mais, um passo lento de cada vez, até se agachar perante
nós duas. — Desculpa pelo surto... — Ri, sem humor.
Damie uniu os lábios à minha testa e sorriu com leveza, acariciando meu
rosto. O calor em minha pele logo se propagou para o resto do meu corpo e
eu me senti bem melhor. Ter Bale e Mel comigo naquele momento, tão
próximos, era saber que eu ficaria bem. Digo, Ollie e Ramsey também
seriam uma boa ajuda, tanto quanto Mike..., mas Damian e Wayne eram meus
melhores amigos naquele momento. Então, se o meu coração ameaçasse
desmoronar, eles me ajudariam a sustentá-lo.
— Como se sente, linda? — Damian questionou, baixinho. Eu me inclinei
mais sobre o corpo de Mel, que manteve o abraço.
— Com dor de cabeça, possivelmente estou feia para caramba. —
Funguei, imaginando o meu rosto vermelho e inchado. — E bem cansada...
— Fitei Mel, que sorriu sem mostrar os dentes, em encorajamento. — Mas
vou ficar bem. Meyers não é o fim do mundo, certo? — Eles confirmaram.
— E se eu tiver os melhores Green Snakes comigo, tudo vai ficar mais fácil.
Vai ficar tudo bem.
Eu repetia isso mentalmente. Tudo ficaria bem.
— Ele não vai chegar perto de você, sweetheart — Bale prometeu, amor
faiscando por seus olhos cinzentos. O tipo de amor não só de um namorado,
mas principalmente de um amigo que faria de tudo para me manter bem. E eu
sabia que ele dizia cada palavra com sinceridade, mas aquela era uma
promessa difícil de cumprir. Derek não era o fim do mundo, mas sabia muito
bem se esforçar para ser.
— E se chegar... — Mel sussurrou e eu voltei a fitar seus olhos castanhos.
— Se ele tentar te machucar, Naomi, eu prometo que Meyers vai se
arrepender disso. — Ela ergueu o seu mindinho em uma promessa e um
convite. Eu enganchei o meu dedinho a ele. Wayne capturou o meu com
maior força, tentando transferir a sua coragem para mim. — Mas eu preciso
que me prometa de volta que você vai tentar ao máximo se manter forte,
como sempre foi. Como a Naomi que conhecemos. E o que essa Naomi faria,
huh? O que ela faria agora?
Respirei fundo e finalmente pensei.
Se fosse qualquer cara babaca que pudesse me destruir e não Meyers, o
que eu faria?
Eu tomaria uma decisão.
Poderia ir para debaixo dos meus cobertores... Ou poderia enfrentar
Derek.
A segunda opção seria inevitável em algum momento.
A ansiedade cresceu de volta minimamente, mas tentei empurrá-la para
longe. Finquei os dentes no lábio inferior, levei os olhos para o meu
namorado e continuei a buscar a racionalidade, a tranquilidade.
— Quer voltar para casa? — Bale perguntou, preocupado, mas
sustentando um sorriso doce.
— Eu posso te levar... — Brandon disse, ao desligar a chamada,
finalmente. Mike e Ollie o acompanharam em nossa direção.
— E se precisar de qualquer coisa hoje, depois da aula, eu posso levar
para você — Graham prometeu.
— Somos o time anti-Derek e pró-Naomi, estamos aqui por você e tudo o
que quiser será seu — Ollie disse, piscando.
— Faço das palavras deles as minhas — Brandon concluiu, me dando um
sorriso confiante.
O que Ramsey esquecia era que eu o conhecia muito. Pelos seus olhos, era
nítido que o loiro estava tão em choque quanto eu. Derek foi seu melhor
amigo e talvez quisesse acertar algumas contas com ele.
Porra, aquilo era um pesadelo...
Voltei os olhos para Damian e cada pedacinho do seu rosto. Dos olhos
cinzas, aos lábios levemente avermelhados, à mecha que caía em sua testa...
Ele buscava por uma resposta, mas eu sentia que tinha todo o tempo do
mundo para pensar. Porque estava protegida. Porque estava cercada das
pessoas certas.
Wayne estava correta: eu tinha uma família comigo, uma espécie de
fortaleza. Derek não me atingiria tão fácil.
Observando a minha mochila, reprimi os lábios. Bale acompanhou o meu
olhar e me entregou a bolsa. Abrindo-a, encontrei os livros e a pequena
necessaire de maquiagem.
Eu não sabia se Derek planejava uma guerra, mas eu tinha aprendido a ser
uma boa guerreira nos últimos anos. Eu não apareceria na escola com meu
rosto borrado, eu precisava parecer firme. Mostraria que poderia ter caído
por um momento, mas estava de pé novamente, com minha melhor armadura.
— Vou voltar para a escola — decidi, engolindo em seco.
— Tem certeza? — Mel sussurrou e eu confirmei, olhando no fundo dos
seus olhos. Eu a amava tanto e estar perto dela me fazia mais forte. Na
verdade, amava cada um ali à minha volta.
— Preciso da sua ajuda — pedi e Wayne sorriu largamente, movendo uma
mecha em meu rosto para atrás da minha orelha.
— Nem precisava pedir.
Ajeitei o cabelo e funguei mais uma vez, abrindo a câmera frontal do meu
celular. Usei o batom para disfarçar os lábios levemente secos e sem cor.
Damian estava contra o carro de Brandon, ao lado de Mike e Ollie,
conversando no estacionamento vazio. A aula de música estava para acabar,
entraríamos na escola em alguns minutos.
Wayne me abraçou por trás e colocou sua cabeça em meu ombro, nos
observando pela tela do celular. Ela sorriu, mas eu não. Aquele frio
insuportável reinava na barriga. Pura adrenalina.
— Essa é a Naomi que eu conheço.
— A que finge estar bem?
— Não. A que consegue se reerguer e se manter firme, para a inveja
daqueles que a querem para baixo. — Mel piscou para a tela.
Foquei nos cílios cobertos por rímel novamente, na pele aparentemente
perfeita.
— Ele não é mais forte que você. Meyers é um desafio e você ama
superar desafios, Carlson. O cara estava no passado. O desafio é deixá-lo no
passado... Então...
— Vou deixá-lo no passado — murmurei. Mel deixou um beijo estalado
na minha bochecha. Desliguei o celular e me virei para ela.
Por mais que eu amasse todo nosso grupo de amigos, se Melissa Wayne
não existisse... Balancei a cabeça, para não chorar novamente. Se Wayne não
existisse, talvez eu também não.
— Eu amo Damian — comecei, baixo. — Eu infelizmente amo a minha
família... Têm muitas pessoas boas na minha vida, Wayne. Mas, às vezes,
realmente acho que você é a minha alma gêmea.
Ela sorriu largamente. Seus olhos brilharam e eu soube que era recíproco.
— Robin para o meu Batman — ela brincou.
Eu a abracei com força, sentindo nossos corações mais próximos. Wayne
amoleceu em meus braços.
Minha irmã, independentemente de tudo. Antes de tudo.
Ouvimos o sinal da escola e estremecemos. Nos afastamos devagar.
Damian, Ollie, Mike e Brandon se aproximaram e nos lançaram olhares
confiantes. Nossos namorados nos entregaram nossas mochilas e seguraram
as suas, em seus respectivos ombros. Mel e eu fitamos uma a outra e ela me
estendeu sua mão. Entrelacei nossos dedos e subimos as escadas juntas.
Os seguranças na entrada da escola nos observaram conforme eu abria a
porta dupla de entrada do Colégio Brightgate. Alguns passos depois
estávamos no corredor principal. Alunos saíam de suas salas, prontos para
novas aulas. Muitos nos encararam e eu me senti levemente tensa, mas
sufoquei a vontade de engolir em seco, apertando um pouco mais a mão de
Wayne.
Um aluno em especial estava do lado de Garreth Parker, que organizava
seu armário
. Derek lançou seus olhos castanhos para mim, de imediato. Cerrei os
meus, azuis, em sua direção, mas não sustentei o olhar por tempo demais,
porque Damian parou ao meu lado e eu esquadrinhei o seu rosto. Wayne riu
baixinho, em deboche, quando o olhar de Meyers se tornou enfurecido. Com
Bale por perto, ele seria idiota de se aproximar.
Beijei o canto dos lábios de Damian e apertei os dedos de Wayne. Só
depois voltei o meu olhar para Meyers, mais forte.
Não era nada próximo de amor o que eu sentia naquele segundo. Não por
ele. E com toda a adrenalina dentro de mim, não foi mais medo o que eu
senti também. Foi fúria. Uma vontade absurda de não me render àquele filho
da puta. Nunca mais.
Então eu puxei a mão de Mel delicadamente e desviei o olhar de Derek
como se ele nunca tivesse existido, caminhando a passos firmes para a nossa
próxima aula. Só fitei Meyers novamente quando passei por ele... e não lhe
lancei nada além do meu mais frio e cruel desprezo.
@BRIGHTGATEPOISON: Por que diabos Derek Meyers está de volta?
Meyers não saía da minha cabeça facilmente. Mel queria assistir todos os
filmes de comédia romântica comigo, até mesmo Miley me puxou para uma
maratona de filmes da Disney, Mike tentou me convencer a assistir Star Wars
e Ollie e Brandon me chamavam para sair o tempo todo. Às vezes eu sorria e
aceitava tudo o que eles diziam, às vezes eu dava uma desculpa qualquer. Eu
só não conseguia disfarçar ou fugir tão bem do meu namorado. E,
honestamente? Eu não queria.
Bale entendia o meu passado. Seus demônios e os meus dialogavam bem.
Com ele, era um pouco menos difícil. Damie era uma boa distração, quase
me fazia sentir tranquila. Eu disse quase.
— Eu não quero ir para o treino — Damian confessou. O Corvette estava
cada vez mais quente e eu sorri contra seus lábios, arranhando seu abdômen
por baixo do uniforme dos Green Snakes. Nós infelizmente não
avançaríamos, porque meu útero estava sangrando e, por consequência, eu
também. — Sweetheart...
— Podemos trazer o acordo dos dois gols de volta — sussurrei e ele riu,
sacana. Damian gemeu baixinho quando o beijo se intensificou e eu chupei a
sua língua, arranhando a sua nuca. Ele separou os lábios dos meus.
— Dois gols pelo quê? — Foi a minha vez de rir, porque eu realmente não
sabia o que eu poderia fazer pelos dois gols. Talvez outro boquete no carro?
Seu polegar acariciou meu lábio inferior, inchado. Seu celular vibrou e o
meu também. — Hm... É a minha mãe, ela mandou foto do meu quarto em
Bradford e disse que está com saudade. — Sorri. Senti falta de Meredith
mesmo a conhecendo tão pouco. Sua visita em Brightgate tinha sido tão
breve.
Olhei para o meu celular. A mensagem também era de Meredith.
Desbloqueei o aparelho e abri as mensagens, encontrando uma foto do
Damian criança, chorando, com alguma frase sobre saudades por cima. Bale
rolou os olhos pela minha tentativa falha de prender a risada.
— Péssima ideia você ter trocado números com a minha mãe — ele
reclamou ao sair do carro. Fechei a porta do Corvette, salvando a imagem
que Meredith tinha mandado. O braço de Damian passou em volta do meu
pescoço enquanto caminhávamos escada acima.
— Você era tão lindo criança, meu Deus! — Fiz um bico e Bale riu,
balançando a cabeça em negação. Entramos dentro da escola praticamente
vazia, indo em direção ao pátio externo.
— É injusto ter tantas fotos minhas criança e eu nunca ter visto nada seu.
— Posso te mostrar um dia. — Sorri, divertida. Nem a cólica infernal que
senti conseguiu destruir meu bom humor naquele momento. — Não tenho
nenhuma imagem constrangedora.
— Duvido. — No pátio, Bale me puxou para si pela cintura. — Quer
dizer, vai ser impossível serem mais constrangedoras do que as minhas, já
que você provavelmente era linda para cacete.
— Era? — Ergui uma sobrancelha, fingindo estar brava.
— Ainda é — ele se corrigiu. Preguiçosamente, fiquei na ponta dos pés e
passei os braços ao redor do seu pescoço. — Uma pequena Carlson deve ser
a coisa mais linda do mundo.
— Talvez um dia você descubra, amor — soprei e ele sorriu largamente,
gostando da ideia. Sua boca se uniu à minha e ouvimos alguém pigarrear
atrás de nós dois. Riley estava ali, de braços cruzados, ao lado de Kiera.
Sua garota tinha um sorriso de canto divertido, tentando não rir.
— Arranjem um quarto! — Riley Zhang me fez rolar os olhos e Bale deu a
língua para ela. Virei o rosto do meu namorado para mim, formando um
biquinho adorável em seus lábios.
— Bom treino, lindo. — Ele chocou a sua boca com a minha e eu me
afastei antes que o fizesse se atrasar demais. O treinador Sanders já
assoprava aquele maldito apito com força e Bale corria para o campo de
futebol. Riley riu com a pressa dele, parando ao meu lado.
— Você também está atrasada. — Riley apontou para meu uniforme de
líder de torcida.
— Eu estou menstruada e morrendo de cólica, não vou treinar. Mas você
vai, mocinha! — Apontei para Kiera, que engoliu em seco para mim, sua
capitã. — Aproveite que eu e a treinadora Lane vamos ter uma pequena
conversa antes do ensaio e que estou de ótimo humor hoje e corra para a
concentração, porque vamos coordenar a equipe em cinco minutos.
Kiera assentiu, estremecendo, e disparou para perto das outras garotas.
Riley ergueu uma sobrancelha para mim e eu sorri.
— Sou uma capitã exigente, não vou pegar leve com sua namorada —
esclareci e Zhang riu.
— Certo. Bom treino.
— Para você também. — Ela fez menção de andar para longe. — Espera.
Ei, Riley? — A garota parou. — Obrigada. Pela situação com o Derek.
— Jogar bebida em garoto abusivo? Sempre que precisar!
Riley piscou e se afastou para o campo das líderes. Assim que percebi
que estava sorrindo que nem uma idiota e parada por tempo demais, voltei
para dentro da escola.
Mandei mensagem para a treinadora e ela disse que já estava na sua sala,
como sempre. Caminhei silenciosamente para o meu destino e ouvi passos
atrás de mim. Olhei por cima do ombro e xinguei baixo quando vi Meyers
em seu uniforme. Não era possível.
Fingi que ele não existia e continuei andando, mas ele me alcançou e ficou
bem ao meu lado.
— Boa tarde.
Eu não respondi, mas sabia que ele estava sorrindo. Parei em frente à sala
da treinadora. Meyers parou logo atrás de mim e aproximou a boca do meu
ouvido, me fazendo congelar.
— Eu disse "boa tarde".
— O que está fazendo aqui, Derek?
— Eu estava estudando com Garreth na biblioteca e vim pedir permissão
para o treinador me deixar ver o treino de hoje. — Virei-me para Meyers e
ele apontou para a porta ao lado da sala da minha treinadora.
Seu olhar desceu pelo meu corpo, minhas pernas expostas pela saia curta.
Enojada, engoli o gosto amargo que tomou conta da minha boca. Meu corpo
todo estava em alerta.
Dei as costas e fiz menção de abrir a porta da treinadora, mas ele colocou
uma mão na mesma, impedindo a minha passagem. Franzi o cenho, confusa,
me virando novamente para ele. Derek sorriu largamente e o medo vibrou
pelas minhas veias. Seu perfume me enjoou profundamente.
— Mas foi bom que te encontrei, não acha?
— Não, não acho.
— Fico feliz em discordar.
— O que pensa que está fazendo?
— Andei pensando no modo como me tratou no outro dia, Carlson. —
Derek aproximou a boca da minha e eu levei a mão ao seu peito, tentando
empurrá-lo. Meyers quase nem se mexeu, sorrindo ainda mais. — E ainda
acho que a gente precisa conversar, princesa.
Calma. Calma, Naomi. Calma.
— Eu vou gritar se você não se afastar, Meyers. Eu vou fazer um
escândalo.
— Vai? Oh, só quero conversar, Carlson! Não tem por que ser tão
venenosa — ele soprou a palavra. Meyers riu nasalado, esquadrinhando o
meu rosto, e eu o forcei a ficar o mais impassível possível. — Oh, princesa,
se soubesse como sei ler seu olhar, você nem tentaria disfarçar. Não tem por
que ficar nervosa, Naomi, eu sempre amei a sua letalidade. — Ele acariciou
a minha bochecha. Um arrepio me percorreu e eu senti o pânico crescer,
ainda estática.
— Não sei do que está falando — respondi, entredentes.
— Jura? Acho que sabe... — Sua mão firmou em minha cintura e ele
aplicou pressão na região. Senti dor com seu polegar pressionando o meu
abdômen, por conta da cólica, mas também senti repulsa. Uma repulsa que
percorreu meu sangue como eletricidade, me ordenando para agir. Mas era
como se eu estivesse lutando contra a minha própria mente... até que venci.
— Não ouse me tocar, Meyers. — Segurei seu pulso ao afastá-lo de mim,
mas Derek se desvencilhou do meu toque e me cercou contra a porta
novamente. — Derek, eu juro para você que eu vou...
— Gritar? Não. Não vai gritar, porque tem medo do que eu posso fazer se
gritar. Você me teme, sabe por quê? Porque não me entendeu ainda, Carlson.
— Jura? Não te entendi? Depois de anos vivendo com você, eu não te
entendi?
— Não. Porque está fugindo, achando que quero foder com tudo, mas eu
só quero conversar. Eu preciso conversar com você. Se você me ouvir, vai
me entender e…
— Derek, eu não quero. E você precisa respeitar isso. — Torci para que
minha voz estivesse firme o suficiente e a máscara de estabilidade sobre o
meu rosto fosse minimamente crível.
— Não consigo, Carlson, não posso dormir sabendo que me odeia.
— Não é problema meu.
— Por favor, não me faça fazer isso...
— Isso o quê?
— Te forçar a conversar comigo.
Ali estava. Seu teatro caindo aos pedaços. Ele queria me forçar a fazer
algo.
Cogitei empurrá-lo, mas a loucura em seus olhos me fez travar. Ele tinha
percebido também. Que seu fingimento não fazia sentido. Que se, em algum
momento, ele realmente se tratou, todos seus avanços sumiram quando
colocou os olhos sobre mim.
Meyers disse que havia mudado, mas isso era claramente mentira. E cada
respiração que contei, perto dele, me deixava em alerta, esperando por um
surto. Que veio:
— Como eu disse, Naomi, sempre gostei do seu veneno.
O tom sombrio naquele castanho imersivo era sufocante. Eu ri, apesar do
nervosismo.
— Eu vejo o que está fazendo aqui.
— É?
— Acha que sou a Poison.
— Porque é — ele praticamente grunhiu as palavras, elas mal escaparam
de seus dentes trincados. — Você refez sua imagem com a Poison, cresceu
nesse inferno de escola, é tão, tão óbvio.
— Você está alucinando.
— Eu te conheço, princesinha. — Derek acariciou o meu rosto com o nó
de seus dedos. Apertei seu pulso, exigindo distância. — Sei como escreve,
sei como age... Se não é a Poison e não tem nada a temer, então por que não
faz o que disse? Por que não grita?
— Porque você pode falar do aborto.
Meyers esquadrinhou o meu rosto com a minha resposta. Depois se
afastou minimamente e sorriu de canto. Aproveitei a deixa para respirar
fundo e vi o brilho estranho em seus olhos. Derek parecia ponderar sobre o
que eu tinha dito. Pensei que estava livre das suas desconfianças, até que ele
começou a estalar a língua.
— Não, não, não... você é a Poison.
— Está alucinando — repeti, firme.
— Estou? — Meyers me trouxe para si pela cintura novamente e eu apoiei
as mãos no seu peito, tentando me afastar. — Eu disse que te conheço,
Naomi. Como as linhas na palma da minha mão. Eu conheço o seu jeito... —
Meus olhos se tornaram marejados, porque de repente eu não conseguia mais
me mexer ou respirar direito. Toda vez que eu inspirava e encontrava o seu
perfume, eu desejava sumir. — Sei como você é quando é má, Carlson. Além
do mais… Já provei o seu veneno. Na sua boca..
— Cale-se... — Ele se aproximou ainda mais, me fazendo sentir tão, tão
menor.
— Ou entre as suas pernas...
Realmente não sei como consegui fazer isso. Quando vi, tinha cerrado o
punho contra o seu rosto. O som reverberou por todo o corredor, justamente
quando o treinador saiu da sua sala.
Meyers virou a face, passando a mão pela região da sua pele em que a
vermelhidão perfeita tinha sido causada pelo meu soco. Senti a dor em
minhas articulações e grunhi, vendo-as vermelhas e feridas. Derek, por sua
vez, parecia inabalável mesmo quando cuspiu sangue no chão, limpando o
líquido escarlate da sua boca e mostrando os dentes sujos de vermelho.
Senti minha mão latejando e eu nunca, nunca tinha socado alguém antes. A
adrenalina me deixava elétrica e eu inspirava e expirava com força, como se
a minha vida dependesse disso. Eu me sentia tão bem. E sabia dar um soco
excelente, obrigada.
Meus dedos doíam, queimavam, vermelhos como nunca, mas eu realmente
não me importava. O treinador Sanders perguntou o que estava acontecendo
e eu poderia ter parado, mas eu empurrei Meyers. Com força.
O sangue no chão e no rosto do meu ex-namorado diziam claramente o que
tinha acontecido. E Derek parecia amar isso. Ele riu em deboche quando a
treinadora saiu da sala, me pedindo para ter calma. Mas eu estava
enfurecida, empurrando Meyers e o assistindo cambalear levemente na
minha frente.
— QUE PORRA ESTÁ ACONTECENDO AQUI? — O treinador Sanders
abandonou qualquer noção de onde estava ao gritar e xingar, caminhando
rapidamente até nós dois.
— Não sei, treinador — Meyers se fez de bobo, sangue ainda escapando
da sua boca. Ele passou o dorso da mão nos lábios, deixou um grunhido
forçado escapar. — Ela está descontrolada!
Avancei nele e estapeei o seu peito uma, duas, três vezes, até que ele
segurasse os meus pulsos e o treinador tentasse se colocar entre nós dois.
— Não ouse me chamar de descontrolada, Meyers, porque se eu sou assim
a porra da culpa é SUA! — Apontei para o seu peito com força, furiosa.
Meyers riu.
— Se você gosta da violência, não me culpe, princesa! — Derek parecia
se deliciar com as palavras. Eu via pelo seu olhar o que Meyers sempre
repetia: "você gosta, princesa, gosta da agressividade tanto quanto eu".
E isso me fez avançar contra ele novamente, mas senti as mãos da
treinadora das líderes me segurarem com força pelos braços, antes que eu
arrancasse cada pedacinho da pele de Derek Meyers com as minhas unhas.
Naquele dia, Meyers conquistou alguns minutos num pronto-socorro e eu
uma bela suspensão de três dias. O que finalmente sentenciou a guerra entre
nós dois e me deu a certeza de que não só meu pai gastaria sua pouca energia
para recriar um inferno dentro da minha casa, como Derek me sufocaria
naquele colégio assim que eu voltasse e sempre que possível. Só restaria me
trancar no quarto e chorar até a madrugada.
Tive a sensação de que algo estava fora do lugar quando observei as
líderes de torcida e percebi que o ensaio não estava acontecendo.
Carlson não estava ali, nem a treinadora.
Amarrei os cadarços da chuteira contra a arquibancada. Oliver e Mike
correram em minha direção, após uma conversa breve com o treinador
visivelmente ansioso. Graham quase tropeçou em cima de mim após frear
bruscamente, segurando meus ombros e me fazendo franzir o cenho.
— Cacete, o que houve? Parece que viram um fantasma. — Ri, mas
nenhum dos dois sequer sorriram.
— Certo, Damian, precisamos que você não surte — Oliver pediu e senti
meu coração apertar. Levei meus olhos para as grades da quadra de futebol e
vi que, na outra quadra, as líderes de torcida estavam agitadas. Brandon
conversava com Melissa e ela parecia pura raiva quando o seu olhar
encontrou o meu. Voltei o rosto para Oliver e então Mike, cerrando os
punhos. Minha pulsação acelerou.
― Onde está a Naomi? — praticamente rosnei as palavras e Oliver
segurou o meu braço. ― Algo aconteceu com ela, certo? Derek fez alguma
coisa com ela, não foi? Ele fez?! Eu vou matar esse filho da puta.
― Calma! Calma! — Vi Wayne tentando escapar para longe de Ramsey e
não consegui ficar calmo. Ela estava fora de si. Algo tinha acontecido. —
Aparentemente, eles se envolveram numa briga e a Naomi foi suspensa ―
Ollie contou.
Em poucos momentos me vi tão sedento por sangue quanto naquele
segundo.
― Vou matar esse filho da puta, Zhang! ― Afastei Mike e Ollie de mim e
avancei para longe. Oliver me seguiu, tentando ficar na minha frente. Melissa
também disparava na mesma direção que eu e apontei o dedo contra ela. ―
Nem tente me parar!
― Parar?! ― a sua voz saiu estridente e ela riu, furiosa. ― Eu vou
esmagar Meyers!
― Melissa! ― Mike gritou em repreensão, mas Wayne e eu já tínhamos
invadido o prédio da escola a passos firmes.
― O que ele fez? — perguntei.
― Ele? ― Brandon nos alcançou, rindo. ― Cara, a Naomi socou o
Derek. ― A surpresa me fez erguer as sobrancelhas. Algo grave devia ter
acontecido para Naomi chegar a esse ponto.
Oliver parou à minha frente. Mike alcançou Melissa e tentava, em vão,
acalmá-la. Passei as mãos pelo meu cabelo.
― Na boa, Zhang, não tenta parar a gente, beleza? Seja lá quão forte o
soco de Carlson realmente foi, ele merece mais.
― Então vai todo mundo ser suspenso?! ― Oliver quem perguntou.
― É a minha namorada, Ollie! ― rosnei. ― Se o cara fez alguma coisa
contra a Naomi, eu estou pouco me fodendo para qualquer consequência.
― Mas deveria. Porque você ser suspenso não vai adiantar porra
nenhuma, Bale! ― Tentei me desvencilhar dele, mas Oliver apertou o meu
braço, estreitando os olhos para mim. ― Sua namorada precisa de você
nesse momento, Damian. Agir por impulso, com o sangue quente, não vai
adiantar nada. Lide com o Derek depois! ― O ar saiu pesado pelas minhas
narinas enquanto eu esquadrinhava o rosto dele. Percebendo que eu ainda via
tudo em vermelho, sedento por sangue, Zhang apertou o meu braço ainda
mais. Virei o rosto para Brandon. ― Você não é exatamente o exemplo de
aluno e seus históricos anteriores não são os melhores, certo? Isso vai foder
tudo para você, tanto quanto fodeu para a Naomi. Acha que é isso o que ela
quer?
Perdi meus argumentos por um momento, inspirando e expirando com
pesar. Busquei por apoio em Ramsey, que suspirou.
― Merda ― o loiro disse. ― Ollie está certo.
― Brandon! ― exclamei, sem acreditar.
― Cara, vai por mim, a Naomi é a minha melhor amiga, tá legal? ― ele
disse, se aproximando. ― Acha que eu nunca senti ódio de Meyers?! Que eu
sinto ódio dele agora? Eu quero esmagar o crânio daquele bastardo, Bale.
Mas fazer isso aqui não é uma boa, a Naomi provavelmente está precisando
dos amigos para tranquilizá-la.... e a gente pode bater no Derek fora da
escola. ― Ramsey ergueu uma sobrancelha e me deu seu pior sorriso.
Bufando, encontrei o olhar de Melissa, que não parecia muito mais calma.
Garanti que não faria merda alguma, mas queria ver a minha namorada.
Todos assentiram, mas afirmaram que me seguiriam, como se desconfiassem
do meu autocontrole. Mel suspirou e levou o celular ao ouvido, ligando para
Naomi, mas caía na caixa postal. Presumimos que Carlson estava na sala da
treinadora e seguimos para lá.
Quando nos aproximamos do local, a minha garota saía por uma das
portas sem nenhum resquício de choro, com um saco de gelo sobre os dedos.
Naomi caminhava pelo corredor um tanto quanto perdida. Avancei em sua
direção imediatamente.
A minha namorada parecia anestesiada quando tirei o gelo de seus dedos
avermelhados para ver o estrago. Uma explosão de perguntas carregadas de
preocupação veio dos nossos amigos, principalmente de Melissa, que
alisava as costas da melhor amiga e xingava Meyers na velocidade da luz.
Contudo, Naomi apenas ergueu os orbes azuis em minha direção quando meu
polegar se arrastou levemente por um dos nós machucados. Ela mordeu o
canto do lábio em dor.
― Está doendo muito?
― Sim e não. ― Todos se calaram quando ela me respondeu, sua voz
baixa e rouca. ― Quer dizer, está doendo para cacete, mas menos do que eu
esperava.
― Consegue abrir e fechar os dedos?
― Sim, mas dói, então não quero.
Ela se virou para Wayne e a entregou a mão saudável, entrelaçando-a a
dela. Algo no olhar que Naomi lançou para Melissa a fez se acalmar. Só
então a minha namorada observou os outros amigos.
― Voltem para o treino — ela ordenou e alguns protestos se iniciaram.
Carlson revirou os olhos, dramaticamente.
― Fechou a mão direito durante o soco? ― Brandon se aproximou,
preocupado e ignorando a ordem. Ela sorriu fraco.
― Claro, um amigo me dizia tanto qual era o jeito certo de socar uma
pessoa, que foi instintivo. Nenhum osso quebrado, prometo! ― Naomi
piscou e Ramsey riu. Carlson apertou a mão de Melissa e se virou para ela.
― Sabe que vou te contar tudo mais tarde. Seja a capitã hoje. E voltem para
os treinos.
― Naomi... ― Mel estranhava a firmeza da amiga e eu também. Até
porque a mão machucada de Carlson, sobre a minha, estava levemente
trêmula.
― Olha, sei que odeia bancar a capitã, então tenta só mais essa vez? Juro
que vou ficar bem. Faz isso por mim, agora, por favor? ― minha namorada
pediu e Wayne bufou, cedendo. Elas se abraçaram brevemente e Naomi
deixou um beijo estalado na bochecha da amiga antes de acenar com a
cabeça para ela, mas com seus olhos cravados em Graham. Seja lá o que
isso significou, Mike seguiu Melissa para fora do corredor e arrastou os
meninos consigo.
― Você sabe dar um soco ― forjei orgulho e fingi estar menos tenso.
Naomi não esboçou sorriso algum. ― Quer conversar?
— Não. — Ela desviou o olhar para as marcas em suas articulações. —
Vou para casa.
― Vou com você.
― Não...
― Então me deixe pelo menos fazer um curativo bom nisso aqui. Por que
não foi para a enfermaria?
― Derek está na enfermaria. ― Ela passou o polegar entre as minhas
sobrancelhas antes de tomar o gelo de volta da minha mão e colocá-lo em
seu ferimento. ― Desfaça essa ruga, eu estou bem, a treinadora cuidou de
mim.
― Foi mesmo suspensa?
― Sim, três dias. Hawkins deve ligar para os meus pais em breve.
― Me deixe cuidar disso ― pedi e ela balançou a cabeça. ― Naomi!
― Volte para o treino, novato.
― Não. Vem comigo. ― Carlson cedeu com um suspiro quando viu que eu
não descansaria tão cedo.
Nos guiamos até a enfermaria e eu bati duas vezes na porta. Tive que me
segurar ao pouco autocontrole que eu tinha quando uma pequena brecha se
abriu e o treinador apareceu, me deixando ver Derek Meyers sobre a maca.
Ao menos era bom saber que minha namorada tinha deixado seu rosto
vermelho. Provavelmente Carlson acertou sua mandíbula, perto do seu
queixo, o que forçou Meyers a fechar a boca com o impacto, mordendo o
lábio com força. Isso explicava a quantidade de sangue.
Sim, Naomi sabia dar um soco.
― O que quer, Bale? ― treinador Sanders perguntou e viu a minha
namorada a dois ou três passos de mim.
― Preciso de um kit de primeiros socorros, senhor. Juro que vamos
devolver, não queremos nenhuma confusão. ― O treinador estreitou os
olhos, mas assentiu, fechou a porta e só a abriu novamente quando me
entregou a pequena maleta branca. ― Prometo fazer três gols no próximo
jogo se não tratar os ferimentos dele tão bem assim...
― Saia daqui, Bale! ― Terrance pediu, mas eu jurava que ele queria rir.
Logo, Carlson e eu estávamos no seu carro. Fiz o curativo lentamente e
com muito cuidado. Ter uma mãe enfermeira tem suas vantagens e, no fim, a
mão de Naomi ficou muito bem enfaixada.
― Sei que dói, mas se não quebrou os dedos como disse, preciso que
tente abrir e fechar a mão minimamente, não quero atrapalhar muito sua
mobilidade ― pedi. Carlson obedeceu e um gemido escapou da sua boca.
Sorri fraco, sentindo um pouco da sua dor apenas pelo som e pela visão do
seu lábio levemente retorcido, suas sobrancelhas unidas. ― Não é o tipo de
gemido que gosto de ouvir de você, sweetheart.
Eu esperava um rolar de olhos, um sorriso. Nada veio.
A instruí a colocar gelo por cima das ataduras que cobriam a gaze e a
ligar para minha mãe mais tarde. Implorei para que esperasse pelo fim dos
treinos para ir embora, porque dirigir com a mão machucada não era uma
boa, mas Naomi era teimosa e eu não insistiria numa discussão. Era estranho
o quanto sua feição estava impassível, como se não conseguisse sentir nada,
ou empurrasse os sentimentos para o fundo do peito a todo custo. Ela
segurou o meu braço.
— Me prometa que não vai fazer nada em relação à Derek durante a minha
suspensão — sua voz saiu baixa demais e eu praguejei mentalmente, virando
o rosto em sua direção. Seus dedos estavam gelados sobre mim, por segurar
o gelo por tanto tempo. Não quis prometer e Carlson suspirou. Eu não
esperava por isso. ― Me prometa, Damian. Agora. É sério.
― Naomi...
― Me prometa ― ela suplicou, entredentes, e eu finalmente vi o medo e a
tristeza em sua voz. Quase quebrei ao perceber o quanto Meyers ainda a
feria.
― Eu quero matar esse filho da puta. Por favor, não me peça para
prometer o que não posso cumprir...
― Se me ama, vai fazer isso por mim.
― Não, isso não faz o menor sentido, não pode dizer isso.
― Posso, Bale, é a minha luta, é o meu problema.
― Não precisa fazer isso sozinha.
― Não, eu preciso. ― Carlson engoliu em seco. ― Digo, eu amo ter o
apoio de vocês, eu preciso do apoio de vocês. Mas não assim. Eu não quero
nenhum amigo ou namorado salvador que acha que vai me proteger dando
alguns socos no meu ex-namorado, não. Eu não preciso disso. Não sou uma
mocinha esperando por um herói, Damie. Se Meyers quiser trazer o inferno,
essa guerra será minha e eu estarei na linha de frente.
― Não precisa "ficar na linha de frente" sozinha. — Ela desviou o olhar,
claramente discordando. — Não precisa lutar sozinha, Naomi ― repeti,
pausadamente. Carlson balançou a cabeça em negação.
― Não quero lutar sozinha, mas isso não significa que eu quero você
defendendo a minha honra ou algo do tipo, principalmente se pensar que
precisa agredir fisicamente alguém para isso. Não, Damian. Se quiser me
apoiar de alguma forma, basta ficar do meu lado, como sempre. Só me
prometa que não vai usar da violência como eu usei, amor, não vai bater em
ninguém. ― Seus olhos caíram sobre mim novamente com carinho e
preocupação. ― Damian...
― Naomi, honestamente...
― Eu vou ficar muito, muito preocupada se não me prometer. Vou ficar
profundamente chateada. Sabe que estou pedindo algo razoável, não quero
que você se ferre dentro dessa escola, nem quero que se machuque. ― Amor
gritava através dos seus olhos.
Era algo que eu não queria prometer, mas Carlson me olhava com uma
melancolia tão intensa, suplicando silenciosamente... Acabei assentindo. Ela
forçou um sorriso fraco e apertou seus lábios nos meus delicadamente. Meu
coração estava subitamente pesado e dolorido, tomado pela impotência.
― O que ele te disse? ― sussurrei.
― Nada que valha a pena lembrar ― ela devolveu. Abri a boca para
repetir a pergunta, mas Carlson me beijou de novo. O cara tinha machucado
a minha garota, que nem queria me dizer como. Naomi me deu um último
selinho. ― Amo você. Te ligo quando chegar em casa.
― Promete?
― Prometo.
Murmurei que a amava, saí do carro e fechei a porta, disposto a tentar
cumprir a minha promessa. Naomi, contudo, não cumpriu a sua.
Ela passou dois dias sem responder ninguém.
Ficar sem notícias da minha namorada fez alguns medos ressurgirem. Por
exemplo, fazia muito tempo desde o meu último pesadelo com Megan.
Daquela vez, ele voltou bem pior.
Segui Megan escada acima e fui parar no mesmo banheiro em que ela teve
a overdose, mas quando abri a porta, era Naomi ali. Ela estava chorando ao
chão. Haviam marcas roxas e avermelhadas pelos seus braços, por seu rosto,
ela parecia destruída. Ao lado dela, Derek Meyers alisava a sua pele,
secava as suas lágrimas, com seus dedos machucados.
Não consigo lembrar o que exatamente eu gritei para ele ou o que ele me
disse em retorno, porque me vi completamente tomado por uma sensação de
pânico e impotência — já que desejava destruí-lo com as minhas próprias
mãos e Carlson me fez prometer que eu não faria isso. E ela repetia,
baixinho, algo como "não o machuque". Eu simplesmente não sabia dizer se
Naomi pedia isso para Meyers ou para mim.
Os soluços da morena preenchiam o banheiro e a música no andar debaixo
conseguia ser ouvida, mesmo que levemente distante. Senti nojo quando os
nós vermelhos dos dedos de Meyers alisaram o rosto dela.
— Ela é tão linda... — ele sussurrou, audível mesmo com os soluços da
garota. — E tão minha. Sabe disso, não sabe? Ela é minha e isso está fora do
seu controle, Bale.
Era como se ácido corresse por minhas veias, no lugar do sangue. Como
ter todo o meu interior corroído. Era como fúria, angústia, dor e alguma
melancolia enlouquecedora que sou incapaz de explicar. Como uma droga
que entorpecia a minha mente, transformava-a numa névoa vermelha e de
repente tudo o que eu queria era sangue. Dele. Então me descontrolei.
E quando vi, eu deferia socos e socos contra Derek. Ele só gargalhava,
insano, mais alto toda vez que sua cabeça se chocava contra a parede. E a
cada soco, Naomi gritava e tentava me afastar. Até que eu comecei a sentir
tudo aquilo que todo pesadelo relacionado a Megan Hunter me fazia sentir:
falta de ar, dor no corpo inteiro, coração acelerado...
Consegui me sentar contra a parede do banheiro, no exato momento em
que Meyers se colocou de pé, cambaleando. Ele cuspiu o sangue no chão e o
limpou do rosto, dando as mãos sujas de vermelho para Carlson. E Naomi o
aceitou, me lançando um olhar que clamava por socorro, mas ainda assim,
indo embora com ele sem me dizer uma única palavra.
A falta de ar cresceu e cresceu... Senti um líquido se acumular em minha
boca e quando eu vi, eu espumava. Olhava para a porta na esperança de ter
Carlson de volta, mas não. Uma loira apareceu ali e se ajoelhou à minha
frente. Megan sorriu com doçura e secou as lágrimas nos meus olhos.
— Dói, certo? — ela sussurrou e doeu cada sílaba que ouvi. Depois riu,
se deliciando com o meu sofrimento enquanto eu tossia e buscava por ar. —
E você também não vai salvá-la.
Fiz força para recuperar o fôlego e acordei suando em frio, chorando
silenciosamente. Não entendi nada quando percebi que Ryan segurava meus
braços, sentado à beira da cama, seus olhos cinzas como os meus tão
arregalados.
— Damian, você estava gritando! — Meu pai estava trêmulo e ofegante
como eu. Olhei para a porta do quarto e Katy estava em seu roupão, com uma
ruga de preocupação nítida entre as suas sobrancelhas.
Não sei o que deu em mim e jamais pensaria que faria isso, mas quando
vi, estava desabando. Meu choro preencheu todo o quarto e eu deitei a
cabeça sobre o ombro do meu pai, que aos poucos deixou de perguntar o que
tinha acontecido para me consolar, mesmo sem saber o motivo.
— Não posso perdê-la também, não posso...
— Shhhh... — A mão quente de Ryan alisou as minhas costas. A porta do
quarto se fechou e ficamos ali pelo tempo necessário para que eu me
acalmasse. Não sei ao certo quando o choro consumiu todas as minhas
energias e eu adormeci.
Só acordei quando a cama afundou, assustado, até focar no rosto à minha
frente. Miley levou a mão pequena à minha bochecha.
— O que está fazendo aqui? — sussurrei, prestes a mandá-la ao quarto,
porque estava tarde.
— Você teve um pesadelo e acordou a casa toda, ué. — Uni as
sobrancelhas. — Quando eu tenho um pesadelo, a mamãe me protege a noite
inteira.
— E?
— A tia Meredith não tá aqui. E ela me disse pra cuidar de você. — Abri
a boca e Miley levou o indicador para os meus lábios. — Shhh! Não! Nem
adianta me mandar ir embora! Vou cuidar de você!
A pequena Bale me empurrou sobre a cama e colocou a cabeça no meu
peito, me abraçando. Seu perfume infantil me acalmou e eu resolvi aceitar o
carinho, porque... Quem eu queria enganar? Eu precisava daquilo.
— Nenhum monstro vai te pegar, Damie. Eu prometo.
Me permiti acariciar as suas costas e os seus cabelos até o sono me tomar
novamente. E com um anjo entre os meus braços, nenhum demônio voltou a
me perseguir. Ao menos naquela noite.
Carlson tremia e eu percebia isso, mesmo que ainda tonto. O uber não fez
perguntas quando Oliver me colocou no carro e, assim como Brandon, nos
acompanhou. Meu corpo inteiro doía e Naomi pediu para que me levassem
ao hospital, mas implorei para que não fizessem isso. Na verdade, gemi e
grunhi algumas palavras, mas Ollie as compreendeu e traduziu. Ramsey
convenceu Naomi a me levar para casa, disse que não tinha necessidade.
Se eu aparecesse daquele jeito na frente de um médico, talvez
envolvessem a polícia. Talvez tudo fosse pior.
Quando a porta de casa se abriu, eu não esperava encontrar Katy
acordada.
— Puta que pariu, o que aconteceu? — Eu nunca a tinha escutado xingar.
Apoiando os braços nos meus amigos, tentei caminhar. Náusea, calor, tontura
e dor atravessavam todo o meu corpo. Mal conseguia pensar. — Damian!
Naomi! Alguém me responde que porra aconteceu?
— Meu ex, foi o meu ex — Carlson estava claramente em pânico, trêmula.
Era terror em sua voz. — Foi minha culpa.
— Não foi sua culpa — Ramsey disse, me colocando ao sofá. Eu tossi.
— Não deixem o Ryan me ver assim — pedi. Meu pai ficaria uma fera.
Estive fora de problemas por tanto tempo.
— Ele vai te ver assim em algum momento — Ollie lembrou. Carlson
xingou, levando as mãos ao rosto.
— Não precisa ser hoje — Katy respondeu. — Subam. O levem para
cima. Tem um kit de primeiros socorros em cada quarto. Amanhã resolvemos
isso melhor. Houve alguma concussão? Alguém sabe como avaliar se teve
uma concussão? — Naomi estava nervosa demais para responder e Brandon
e Zhang provavelmente nunca saberiam o que era uma concussão. —
Damian?! Você bateu a cabeça?
— Eu tô legal — garanti. Ninguém pareceu concordar. — Eu tô legal...
Acho que repeti isso até ir para a cama. Eu estava tão cansado que perdi a
consciência. Acordei contra a cabeceira, com Naomi ajoelhada à minha
frente, a minha pele queimando toda vez que um algodão manchado de
vermelho e embebido de álcool tocava a minha boca. Gemi de dor e ela
murmurou um pedido de desculpas, mas seu rosto estava impassível. Seus
dedos, contudo, tremiam.
Ajeitei a minha postura, o que a fez se afastar. Minha costela doeu e eu
percebi que estava sem camisa. Havia uma mancha feia em meu abdômen.
Meus dedos também não estavam nada legais.
— Nunca mais faça isso — Carlson ordenou. Preocupação vibrava por
sua voz, mas algo a mais: raiva. Não consegui olhar em seus olhos, mas ela
me forçou a fazer isso. — Está tonto? Quer vomitar? Quer uma água? Precisa
me dizer, porque tenho que continuar...
— Não. — Toquei o seu pulso. — Posso fazer isso sozinho.
— Não, não pode.
— Sweetheart.
— Cala a porra da boca por um segundo — Carlson rosnou, baixo. — Me
deixe ajudar. Já fez besteiras o suficiente por hoje, Bale.
Fiquei em silêncio.
Naomi tratou cada ferimento do meu rosto, devagar, sem dizer uma só
palavra. Carlson tinha colocado uma lixeira ao lado da cama. Os algodões
sujos de sangue se acumulavam nela.
— Brandon?
— Katy pediu para que ele fosse embora. — Ela guardou as coisas do kit
de primeiros socorros. Seus dedos tremiam e ela arfava, como se estivesse
correndo uma maratona. Carlson estava tendo uma crise de ansiedade
perante os meus olhos. — Isso foi minha culpa...
— Naomi... Não foi sua culpa.
— Foi. Foi minha culpa. Porque eu deveria ter me afastado de você
quando esse filho da puta voltou. Porque acreditei que você cumpriria a
porra da sua promessa. Acreditei que você se manteria fora de problemas.
Foi minha culpa porque eu fui burra para cacete de acreditar nisso.
— Espera, está brava comigo?
— Não sei se com você, mas estou PUTA, Damian. — Naomi riu,
elevando a voz. — Eu estou exausta! Exausta de achar que tudo vai ficar bem
e não conseguir encontrar paz em lugar nenhum. Exausta de ver pessoas que
eu amo se machucarem, exausta de me machucar. Pensei que você entenderia
isso, pensei que ficaria fora de problemas, e Derek é problema, Bale. Eu
pensei que cumpriria a porra da sua promessa. Estou cansada dessa porra.
Estou cansada desse inferno!
— Espera, o quê?! Carlson, me escuta, tá legal? — Segurei os seus
pulsos. — Tá deixando sua ansiedade falar, linda. Eu não tive culpa,
sweetheart. Não tive...
— Vai me dizer que não foi você quem bateu nele primeiro? Porque foi o
que eu ouvi. Foi o que eu ouvi naquela porra de festa!
— Eu bati nele primeiro porque ele estava falando coisas sobre você.
— Coisas como...?
— Ele estava falando sobre você como se você fosse um objeto, Naomi!
— elevei a voz. — Derek estava falando sobre você como se você fosse
apenas sexo, como se fosse um objeto sexual dele. Sobre como você goza,
geme, grita. Sobre...
— Então você achou que tinha que me defender com violência?
Justamente o que eu te pedi para não fazer?! — Ela riu, enfurecida.
— O que era pra eu fazer? Deixar ele falar de você?
— Sim! Era exatamente isso que ele queria, Bale!
— Onde você estava, afinal?!
— Gianna tinha bebido demais, ela passou mal, então eu estava segurando
o cabelo dela para ela vomitar, Damian. E depois me assegurando de que ela
estava confortável no carro da mãe dela. Enquanto você estava brincando de
luta com o meu ex-namorado, eu estava ajudando uma garota a voltar para
casa.
Fiquei em silêncio novamente. Carlson respirou fundo.
— Sabe como fiquei preocupada?! — Vi seus olhos se encherem de água.
— Sabe o quanto eu fiquei apavorada em te ver machucado?!
— Sweetheart.
— Eu não terminei de falar, Bale! — Engoli em seco, desviando o olhar.
Percebi que ainda segurava seus pulsos. Naomi olhou para os nós em meus
dedos por longos segundos. Depois ergueu minhas mãos e me fez ver os
ferimentos. — Era isso o que eu queria evitar, Damian! Eu queria evitar que
você se permitisse ser manipulado por Derek, ser violento, ser... Ser isso.
Porque eu não precisava que você espancasse alguém para defender a minha
honra, eu não preciso que seja violento, Damian.
— As coisas que ele falava...
— Você está sequer me ouvindo? — Ela riu, mas quando ergui os meus
olhos para os seus, eu a encontrei quebrada. — Você sequer me ouve? Eu
disse: não preciso que defenda a minha honra, muito menos com violência.
Quantas vezes vou precisar repetir?
— Você não me entende. Eu me senti incapaz de ficar calado enquanto ele
dizia aquelas coisas, Carlson.
— Não, Damian, você foi incapaz de se controlar por um segundo quando
isso era tudo o que você precisava fazer. Você quebrou a porra da sua
promessa por impulsividade. Você deu para Meyers tudo o que ele queria e
isso foi a chance dele de te machucar, de nos atingir!
— Oh, vamos lá, você quer falar de impulsividade?! Você? — Carlson se
afastou da cama. De pé, secou as lágrimas no seu rosto. — Quer falar de
quebrar promessas? Você disse que me ligaria!
— Está comparando o fato de eu ter me isolado, porque eu precisava de
um tempo para mim mesma, com o fato de você ter saído socando alguém?
— Alguém que falava de você!
— NÃO IMPORTA, DAMIAN!
— O INFERNO QUE NÃO IMPORTA, NAOMI, VOCÊ ME IMPORTA!
— gritei de volta.
Minha voz dentro daquele quarto não só a estremeceu, como me
estremeceu de volta. O silêncio não foi completo, porque ouvimos uma porta
da casa se abrir, e porque, ao menos dentro da minha cabeça, os argumentos
se repetiam. Eu respirava como se precisasse colocar o ódio para fora com
cada expiração, mesmo que minhas costelas doessem.
— Você diz que eu não te ouço, mas não está olhando para o meu lado —
falei, baixo.
— Você só pode estar brincando...
— Não, Naomi, você realmente não está olhando para o meu lado. Você
está brigando comigo agora, sério? Eu te defendi, tá legal? Não é hora para
briga.
— Então eu deveria te agradecer por ter se machucado? — sua voz saiu
estrangulada e eu bufei, me arrependendo das minhas próprias palavras.
Vozes se aproximaram do quarto e a porta se abriu. Katy estava logo atrás
do meu pai, tentando segurá-lo pelo braço, para que nos desse privacidade.
A tentativa de fazer Ryan não perceber o meu estado naquela madrugada foi
para o inferno. O olhar dele foi da minha namorada para mim. Ele analisou
cada machucado e Carlson fungou, secando as lágrimas em seu rosto.
— Tem razão, não é hora para brigar. Conversamos depois. — Naomi não
me olhou ao caminhar para a saída, passando por Ryan e ignorando o
chamado de Katy ao pisar firme para longe. A porta da casa bateu com força
e estremeci, sentindo uma agonia irritante no peito.
Carlson era difícil de lidar. O problema é que... honestamente? Eu era
pior.
Quando abri a porta da sala de música, todos estavam posicionados no
semicírculo de cadeiras. A única vazia era longe de Bale, perto da Mel. Ela
ergueu os olhos castanhos para mim, mas eu desviei os meus para os
cinzentos do outro lado.
Damian Bale olhava para mim.
Havia uma marca feia e roxa em sua bochecha esquerda, outro hematoma
na mandíbula direita e uma leve cicatriz em sua boca.
Um nó se formou em minha garganta e eu me vi em um dilema: parte de
mim queria atravessar a sala e tocar o seu rosto, perguntar como estava,
beijar cada pedacinho dele e dizer que tudo ficaria bem (o que faria Bale rir
e me chamar de louca); enquanto a outra parte lembrava de cada soco que
recebeu, do meu desespero, da discussão... O meu orgulho me travava.
Pedi desculpas pelo atraso, mas, na verdade, nem tinha me atrasado tanto
assim. Talvez um minuto ou dois além do inicio das aulas. O professor só
sorriu para mim e eu me sentei ao lado de Mel. A aula foi iniciada
normalmente e eu levei a mão ao colo, implorando para meu coração se
acalmar. Uma crise naquele momento não era o que eu precisava.
Wayne perguntou como eu estava e não consegui responder. Meu olhar
estava cravado em Damian. Os olhos cinzas e frios dele desviaram para
longe de mim, novamente, até seus dedos feridos.
O professor avisou que discutiríamos os números musicais da peça. Bale
e eu, os protagonistas, não conseguíamos sequer olhar para ele. Todos ali
falaram por nós dois. O silêncio nos consumiu junto com o nosso orgulho.
Isso não melhorou no dia seguinte. Nem depois disso. Por uma semana
inteira, parecíamos ter retrocedido por completo. Parecíamos completos
desconhecidos.
— Não vai mesmo falar sobre a festa? — Mel questionou enquanto eu lhe
dava uma carona do último ensaio daquela semana até a sua casa.
— Vai me falar sobre a sua primeira vez? — devolvi, fingindo bom
humor.
— Só quando conversar comigo.
Eu ri nasalado. Tinha conversado com Maddie, Lise e a psicóloga sobre o
que eu sentia. E sabia que poderia confiar em Mel. O problema é que
Melissa me diria exatamente o que eu sabia que precisava fazer, mas não
queria: "converse com Damian, de verdade, frente a frente".
De qualquer modo, cedi e desabafei com Wayne. O que foi bom já que,
por alguns momentos, meus próprios sentimentos soaram tolos. Consegui me
autoanalisar só por falar em voz alta.
— Vocês dois estavam tão bem, não? Se alguma coisa os incomodava,
vocês conversavam. Por que não fazem isso agora?
— Não sei — respondi, bufando. Girei o volante para entrar na próxima
rua. — Acho que... Caramba, Mel, falei tanta merda. Ele estava bêbado e
machucado, eu não estava sóbria e fui insensível. Era a hora errada para
discutirmos. Mas ele me fez sentir... — Mordi a boca. — Porra, Batman, ele
me fez sentir fraca. Como se eu precisasse de alguém para bater num
valentão irritante...
— Eu sei, já ouvi isso tudo. Mas agora você está sóbria — Wayne ergueu
o dedo — e ele está sóbrio. E vocês precisam discutir isso tudo sem álcool
envolvido e de cabeça fria. Porque são namorados, certo?! Ou isso é um
tempo? Estão terminando?
Minha mente deu um nó com a mera ideia de um término.
— O quê?! — Tirei o olhar da rua por um segundo para fitá-la, abismada.
Voltei a atenção ao transito, com o meu coração acelerado e angustiado. —
Não, claro que não. Não. Por quê? Ele te disse algo? Ele disse algo para o
Mike?
— Carlson, respire! — Wayne achou graça. — Foi só uma pergunta.
Enfim, de novo: precisam conversar. E é isso que tenho a dizer.
Encostei as costas no banco, tentando relaxar. Era normal que Bale e eu
discutíssemos, precisássemos de espaço de vez em quando ou tivéssemos
alguma DR. Afinal, um relacionamento não era um mar de rosas sempre.
Ficaríamos bem e, até se infelizmente não ficássemos, eu ficaria bem. Essa
precisava ser a minha prioridade. Uma crise no meu namoro não precisava
ser o fim do mundo, certo? Certo.
Respirando fundo, decidi mudar de assunto antes que eu afundasse contra
a cadeira daquele carro:
— Certo, agora vamos falar sobre mini Mike, mini Mel... Principalmente,
quão mini Mike é exatamente? Quantos centímetros...?
— Naomi!
— Vamos, Wayne... Sou sua melhor amiga aqui. — Ri, porque nem
precisava observar Melissa para saber que ela estava envergonhada. —
Joguei as minhas cartas na mesa, agora é a sua vez.
Um silêncio nos seguiu enquanto Wayne buscava pelas palavras certas e
eu quis sorrir, porque sentia a felicidade invadir o carro.
— Foi... estranho. Foi nossa primeira vez, minha e dele. Então foi um
pouco atrapalhado — Wayne riu. Mas seu riso foi tão diferente que precisei
encará-la. Mel tinha um sorriso bobo nos lábios, um brilho discreto no olhar.
Meu coração se aqueceu instantaneamente. — E doeu no início.
— Ele não parou? — Fiquei preocupada.
— Ele quis parar, mas eu não deixei. Eu pedi para que não parasse.
Ergui as sobrancelhas, surpresa. Wayne riu do meu espanto. Melissa
Wayne pedindo para não parar? Essa era a minha garota.
— Ele foi cuidadoso! Ele me perguntou se eu queria ficar por cima... Me
beijou… lá embaixo… — Wayne pigarreou. O conforto de Melissa para
falar de sexo não era o mesmo que o meu, mas me deixava feliz que
estivesse fazendo isso do mesmo jeito e como podia. Era incomum, então
claramente um avanço. Pode soar bobo, mas para mim, Wayne estava
rompendo algumas barreiras que ela mesma tinha criado. — Eu pedi pra ele
ficar por cima, tentei relaxar... Mike reduziu a velocidade e ficamos rindo de
como éramos inexperientes... Até que ficou bom.
— Bom...?
— A dor ainda estava ali. E me senti meio estranha até segunda-feira,
para ser sincera... Mas senti prazer no sexo também. Ele foi incrível, sério!
E foi bem fofo...
Eu queria explodir de felicidade. Wayne teve a boa primeira vez que eu
não tive. Digo, nem sempre primeiras vezes serão maravilhosas, mas o bom
é quando as duas pessoas tentam fazer com que sejam. Quando as coisas
fluem. Aparentemente isso aconteceu entre ela e Graham.
— Foi bom?
— Foi maravilhoso — ela admitiu e eu fingi uma comemoração, tirando
as mãos do volante e tudo. Melissa gargalhou alto. — Não, Naomi, céus!
Pare com isso! — Eu ri quando ela literalmente colocou minha mão sobre o
volante. — Mas pode ficar melhor, não pode? Digo... As coisas ficam
melhores aos poucos, na medida que conhecemos nosso parceiro, certo? E
eu preciso me conhecer melhor primeiro, honestamente.
— Ugh, você é dez mil vezes mais madura do que metade das pessoas que
eu conheço — reclamei e Wayne gargalhou.
Chegamos à casa dela e eu não queria deixá-la ir. Mel também não
parecia querer sair do carro. Às vezes era como se Wayne fosse parte do
meu coração, literalmente. Parte que eu precisava ter para funcionar por
completo. Longe de Melissa Wayne, Naomi Carlson simplesmente não era
Naomi Carlson.
Não estou falando em uma dependência aqui. Acho que éramos boas o
suficiente separadas, mas melhores juntas. Eu honestamente não conseguia
me imaginar sem ela.
Wayne percebeu algo diferente em meu olhar enquanto eu esquadrinhava o
seu rosto.
— O que foi?
— Sabe quando você sempre diz para uma pessoa que a ama, porque é
sincero, mas em algum momento se torna tão repetitivo que você deixa de
prestar atenção no significado das palavras, na força delas? — Wayne uniu
as sobrancelhas para a minha pergunta. — É como se, depois de tanto
falarmos que amamos alguém, mesmo que de verdade, isso soe como um
"bom dia". Até que olhamos para a pessoa e... sentimos.
— Você foi possuída por Aristóteles ou algo assim?
Grunhi e rolei os olhos.
— Meu ponto é que... eu te amo, Batman.
Mel sorriu largamente. Depois, tirou seu cinto e deixou um beijo estalado
na minha bochecha.
— Eu sei. — Seus olhos brilharam ainda mais. — E eu também te amo,
Robin.
Isso era tudo o que eu precisava ouvir naquele momento.
— Me liga depois, senhora transante, preciso saber de detalhes dessa
primeira vez — cobrei. Mel balançou a cabeça, rindo, mas concordou.
Voltei para casa, exausta. Começou a chover em algum ponto do trajeto. E
assim continuou depois que entrei no quarto, no banheiro e voltei para a
cama. O relaxamento após um bom banho quente num dia chuvoso durou
pouco. Minha mente estava inquieta demais.
Me levantei, saindo do quarto e caminhando pelo corredor. Bati duas
vezes na porta de Madison, que me deixou entrar. Me encostei no batente da
porta e a vi num vestido tubinho vermelho, seus fios loiros caindo por suas
costas em cascatas e uma maquiagem leve pelo seu rosto, o que me fez sorrir
largamente.
— Madison Brie Carlson... Para onde está indo no meio da semana?
— Naomi Rose Carlson — ela imitou meu tom curioso, caçoando da
minha cara. Odiando meu nome do meio, fingi que vomitaria. — É coisa da
universidade! — ela disse, um sorriso contido em sua fala. — Finn vai me
buscar e nós dois vamos explorar um pouco o que a Universidade de
Brightgate tem a oferecer.
— Já estava na hora. — Entrei de vez no quarto, me jogando sobre a sua
cama. — Desde que você voltou, por causa da história do papai, não foi a
uma festa sequer.
— Não é bem uma festa... — Maddie virou-se para a penteadeira,
tentando ajeitar um dos brincos em sua orelha. — Um pessoal sempre se
encontra no bar para beber e Finneas Wayne acha que pode quebrar o meu
gelo com a galera da universidade. Ele disse que estou enferrujada.
— Os Waynes estão sempre certos — cantarolei e ela riu, concordando.
— Inclusive, voltei da casa da Mel agora. Ela não parecia saber que o irmão
sairia contigo.
— É porque nós, mais velhos, não damos satisfação a vocês, pirralhas —
Maddie me provocou e eu ri, me apoiando em meus cotovelos. — Contudo...
Eu adoraria te informar que não tenho hora para voltar.
— O papai e a mamãe sabem disso?
— Não estão aqui — Madison contou. — Houve algum problema na nossa
sede em Sydney. Alguma coisa em cerca de seis ou sete carros que estavam
prestes a ser vendidos. O papai surtou e quis ir resolver. Honestamente,
Naomi, eu não entendo nada de carros antigos, não entendo nada disso e nem
sei como vamos lidar com esse negócio depois que ele...
Morrer. Madison engoliu a palavra.
— Então o papai viajou de última hora? — desconversei, incomodada
com a ideia da morte. — Ele está em condições pra fazer isso?
— Não, e é por isso que mamãe foi com ele. Até porque eles não
conseguiram vôo, então estão indo de carro. Lia está dirigindo e torcendo
para Vincent não vomitar no veículo todo. — Um silêncio nos incomodou. —
Enfim, Lis não está em casa, nossos pais não estão em casa e eu
provavelmente voltarei durante a madrugada, bêbada demais para me
importar com sons peculiares que possam sair da sua boca ou da boca do seu
namorado. Só uma dica.
— Maddie, Damian e eu... — Eu nem sabia explicar o que estava
acontecendo.
— Ainda brigados? — Confirmei, sem jeito. — Aproveite que a casa será
sua e chame-o para conversar! Lembre-se: sexo de reconciliação é sempre
bom.
— Ugh, às vezes eu esqueço de como você é pervertida.
— Olha quem fala. Me poupe. Sério, liga para ele. — O celular da minha
irmã tocou e logo em seguida uma buzina estridente ecoou do lado de fora.
Finneas Wayne e sua paciência.
— VAMOS LOGO, GAROTA! — Maddie e eu rimos do grito de Finn.
Assisti Madison ir embora, correndo com seu guarda-chuva, e depois
voltei para o meu quarto. Conversei com Mel por alguns minutos pelo
telefone, mas me senti uma péssima amiga, porque minha mente estava em
outro lugar. Então, assim que Wayne desligou o celular, travei uma batalha
contra mim mesma, digitando e apagando mensagens para Damian.
Até que eu decidi ligar para ele.
— Alô? — Senti vontade de desligar e engoli em seco.
— Oi.
O silêncio foi imediato. Conseguia ouvir sua respiração tranquila do outro
lado enquanto eu fincava meus dentes no lábio inferior, ansiosa.
— Pode vir aqui? A gente precisa conversar.
Não demorou tanto para Bale estar na porta da minha casa. Estava frio e
ele tinha alguns pingos de chuva marcados em seu casaco.
Haviam marcas roxas em seus dedos, alguns hematomas ainda estavam no
seu rosto e uma cicatriz em sua boca. Ver Derek batendo nele me deixou em
pânico. A mísera ideia de perder Damie me angustiava. A visão dos seus
ferimentos doía no meu peito.
Segurei sua mão, acariciando os nós machucados dos seus dedos e lutei
contra a necessidade de abraçá-lo e cuidar dele enquanto o guiava escada
acima.
— Então... Aqui estou — Damian disse assim que fechei a porta atrás
dele. Mordi o interior da bochecha, nervosa. — Por onde começamos?
— Acho que admitindo que nós dois erramos um com o outro. E tentando
mudar a partir daí? — arrisquei. Confesso que não esperava receber o riso
carregado de escárnio que Damian me deu. — Bale...
— Sério, vai continuar dizendo que eu errei em bater no Derek?
— Porque errou!
— Por causa daquela maldita promessa?
— Por causa da maldita promessa e porque você não parou pra pensar por
um segundo em tudo que eu te disse, Damie! — exclamei. — Porque não
parou pra pensar no que eu te falei, em como me sentia frágil e incapacitada
toda vez que alguém tentava lutar por mim.
— Lembra que eu te disse que não precisava lutar sozinha?
— Não é sobre isso, Bale, é sobre... — grunhi, frustrada. — Sobre eu não
querer que ninguém se machuque por minha causa, sobre me sentir impotente
quando as pessoas que eu amo constantemente esquecem que a principal
pessoa nessa guerra contra Meyers sou eu. Eu, Damian!
— Impotência?! — Ele riu. — Você quer falar sobre impotência? Sério,
Naomi, como acha que eu me sinto sabendo que ele fodeu a sua mente por
completo e ainda fode? — Damian ergueu a voz levemente. — Como acha
que eu me sinto sabendo que minha capacidade de te ajudar é limitada? —
Bale se aproximou. — Acha que é só raiva o que eu sinto? Acha que é
apenas uma vontade bizarra de me vingar pelo que ele fez contigo antes de
nos conhecermos? Não, Naomi, não é! Eu entendo que esses demônios que
Derek trouxe são principalmente seus, mas o que eu posso fazer se tenho
medo toda vez que aquele filho da puta chega PERTO de você, Carlson!
— Sim, Damian, eu quero falar de impotência. Porque eu fico pensando
no que teria acontecido se eu tivesse demorado um pouco mais para chegar
naquela cozinha. O que teria acontecido se Derek tivesse te batido com um
pouco mais de força. Se você estaria aqui. Fico pensando em como eu
explicaria para Meredith que o filho dela, do outro lado do mundo, foi
socado para caralho por minha causa. Não... Espera... — Eu ri. — EU FIZ
ISSO. Eu expliquei para a sua mãe que meu ex-namorado te espancou, sabia
disso?!
Meus olhos se encheram de água e Bale engoliu em seco, respirando com
pesar. Ele não sabia disso. E eu continuei:
— Você quer falar de impotência? Vamos falar sobre o fato de olhar nos
olhos do Ryan e saber que eu deixei o filho dele destroçado em casa! Sobre
Katy ter me dito nos últimos dias como você estava, porque VOCÊ não me
dizia!
— Bom, disso você não pode reclamar.
— Ah não? Quando eu te deixei sem notícias, Damian, foi porque eu fui
espancada numa festa qualquer? — Me aproximei ainda mais e o meu nariz
ficou a centímetros do seu. Damian inspirou fundo e eu fiz o mesmo, soltando
o ar com pesar. Eu segurava a vontade de chorar com tanta força que meus
pulmões pareciam queimar.
— Você poderia ter me ligado e eu teria te dito como eu estava, Carlson.
Mas você é orgulhosa para cacete.
— Oh, e você não poderia ter ligado também? Caramba, você é um anjo,
Bale, perdão por ter esquecido! Dá para voltar para o início dessa conversa,
quando eu disse que NÓS dois erramos e que NÓS dois devíamos nos
desculpar por isso? — Respirei fundo, cansada. — Cacete, Damian, estou
tentando aqui, eu realmente estou tentando aqui. Custa para você admitir que
brigar com Meyers como dois brutamontes não foi nem um pouco
inteligente? Que você errou comigo? Que nós dois somos orgulhosos e
idiotas por evitarmos conversar um com o outro? Porque estou pedindo
perdão aqui, mas não sou a única que precisa fazer isso, tá legal? E sei que
fui grossa, mas estou tentando...
A minha voz falhou e eu não consegui mais falar nada, cansada. Desabei
em lágrimas e me surpreendi quando Bale me abraçou rapidamente,
afundando a boca em meu ombro num beijo suave.
— Não chora, por favor? Desculpa — ele sussurrou, cedendo, por fim.
Me desmanchei com cada beijo que recebia no ombro. — Tenho muito medo
de perder você, Carlson. Derek me disse coisas terríveis. Ele ativou o pior
em mim. E achei que estava fazendo certo em te defender, nunca faria nada
pra te magoar ou te preocupar. Amo você, Carlson. — O alívio que me
percorreu ao ouvir isso me fez suspirar. — E de todas as verdades ditas e
não ditas, essa é a maior e a mais importante: eu amo você.
— Você não vai me perder, não precisa ter medo — garanti, tentando
parar de chorar.
Damian me apertou mais contra si, mas senti que ele ainda temia por nós
dois. A angústia apertou o meu peito, porque não demorei tanto para
entender o que acontecia naquele abraço silencioso.
— Amor, lembra de quando você me disse que você não era o Derek? —
Senti a cabeça de Bale se mexer em uma confirmação e mordi o lábio,
ponderando sobre como falar aquilo. — Não me entenda errado, ok? Mas...
eu não sou a Megan.
Ele tirou uma mecha do meu rosto e a moveu para trás da minha orelha,
sorrindo fraco.
— Eu sei disso. — O modo como me assegurou aquilo me fez sentir que
nosso relacionamento era incomparável e que eu nunca seria como Megan.
A ponta dos seus dedos desceu da curva da minha orelha até desenhar o
caminho do pescoço. Seu polegar voltou a acariciar a minha bochecha e eu
senti que estávamos um pouco mais firmes. Aquele era o casal que eu
gostava que fôssemos. Aquele que transbordava sentimentos em toques e
detalhes tão simples.
— Olha, eu sei que quer me proteger, entendo isso — falei. — Entendo
porque também quero te proteger de qualquer mal do mundo, porque também
te amo — minha voz saiu como um sussurro. — Mas preciso te lembrar que
eu não subestimo sua força, Damian, preciso que não faça isso comigo.
Ele uniu as sobrancelhas ao máximo.
— Nunca, nunca subestimo sua força, sweetheart — garantiu, rindo
nasalado. Bale uniu sua testa a minha, mantendo a mão em meu pescoço,
acariciando o contorno da minha mandíbula. — Não sou louco de fazer isso,
Carlson. Você é a pessoa mais forte que conheço.
Ele encostou seus lábios nos meus. Isso me passou um pouco mais de
confiança.
— Desculpa. Não queria que pensasse isso. Não quero que se sinta
incapaz de se manter firme sozinha, linda, você sempre foi uma guerreira,
muito antes de mim. Isso me orgulha pra caralho. É um dos motivos para eu
ter me apaixonado por você.
Seus olhos brilharam como nunca. Tranquilidade me tomou.
— Fiquei tão preocupada quando te vi ferido. Nunca mais faça isso
novamente, está me ouvindo? — Ele riu e eu não achei graça, segurando seu
queixo com firmeza. Meu polegar contornou a marca levemente arroxeada
que ainda estava em sua bochecha. — É sério, amor. Nunca mais.
— Sei que quebrei a promessa e fui violento com o Derek. Mas não me
peça para não me arriscar por você. É mais forte do que eu.
— Você é tão cabeça dura — gemi frustrada.
Damian achou graça e eu me senti furiosa comigo mesma por não
conseguir mais ficar brava com ele.
— Você também é. Não vou agredir ninguém, prometo. E você é forte,
sweetheart, não duvide disso. Só quero que lembre que pode ser ainda mais
forte ao meu lado.
Senti cócegas em minha pele quando Bale beijou o meu pescoço algumas
vezes, rapidamente, e seu nariz roçou contra a pele sensível.
— Não gosto de brigar com você.
— Oh, tem um lado bom nisso — sussurrei. — Minha irmã estava me
lembrando… que sexo de reconciliação é sempre bom. — A gargalhada que
recebi me fez sorrir de orelha a orelha.
O envolvi pelo pescoço, beijando seu peito. Damian me abraçou por
algum tempo. Apoiei a testa em seu queixo e suspirei, em paz, apreciando
seu calor, seus braços firmes em torno de mim e seu perfume. Eu poderia
morar ali, protegida por ele. Só depois o lembrei que a casa era só nossa e
nós nos sentamos para conversar um pouco.
Ao início, eu ainda senti alguma tensão entre nós dois, mesmo que bem
leve. Contudo, Damian e eu nos deitamos e ficamos juntos por tempo o
suficiente para todas as preocupações desaparecerem um pouco a cada
beijo, a cada cafuné, a cada carinho, a cada segundo. O problema era que
sempre que eu encontrava aquela marca roxa em sua bochecha, meu coração
apertava.
— Odeio ver você machucado — deslizei o polegar pelo machucado.
Bale beijou a minha mão e sorriu fraco.
— Não pense nisso — ele soprou, o que não me deixou menos angustiada.
Preguiçosamente, Bale se posicionou entre as minhas pernas, sorrindo com
tranquilidade. Uma pequena parte de mim se incendiou. Acho que ele
percebeu, porque seu sorriso cresceu para um dos lados e, no segundo
seguinte, suas más intenções o guiaram. — As marcas nas nossas peles não
importam — Damian garantiu. Depois, subiu a mão por minha coxa, a
segurou ao lado do seu quadril e deslizou os dedos até infiltrar a palma em
meu short.
Deixei a boca se entreabrir quando ele apertou a minha bunda com
firmeza. Seus dedos encontraram relevos suaves das estrias que eu sabia que
existiam, mas tentava não dar atenção. Damian nunca me fez pensar nelas
como algo negativo. Eu nem lembrava que existiam ao seu lado. Até aquele
momento, em que seu polegar raspou pela minha pele, sentindo cada
pedacinho dela, e seu olhar foi de pura adoração.
— São as cicatrizes de dentro que importam.
— Elas também me preocupam — confessei. Damian roçou os lábios aos
meus e eu fechei os olhos, me deliciando com a fricção do seu corpo entre as
minhas pernas; as nossas bocas uma contra a outra tornaram minha mente
turva.
— Elas nos tornam o que somos, sweetheart. As suas te tornam forte. —
Ele puxou o lóbulo da minha orelha e eu quase derreti ali mesmo, com o
arrepio profundo que percorreu a minha coluna. — E essa é uma das razões
pelas quais te amo.
Abri os olhos, que se cravaram primeiro em sua boca, porque eu estava
sedenta por ele. Contudo, os forcei para o olhar cinzento que me devorava
antecipadamente.
Damian Bale tinha os tons mais frios do mundo naquelas írises. Por vezes,
eu me esquecia que o gélido também queimava. Damian fazia questão de me
lembrar disso.
— Uma das razões? — perguntei baixo e Damian confirmou. O envolvi
com a outra perna. Minhas unhas arranharam a sua nuca, depois caminharam
por seus ombros, até que segurei o seu rosto. — Quais são as outras?
— Posso te dizer. Depois.
A curva maliciosa na sua boca era perigosa e apaixonante. Damian fez seu
sorriso encontrar o meu lascivamente, me beijando como se quisesse que seu
sangue tivesse o meu gosto. E, por Deus, do modo que nos tornávamos um só
com um simples beijo, eu tinha certeza de que ele conseguiria.
Bale conquistava a minha alma, ele a puxava para si a cada deslizar de
lábios e tocar de línguas. Gemi e afundei os dedos em seu cabelo,
percebendo que rebolava contra o meio das suas pernas. Damian quebrou o
beijo para segurar o meu pescoço e mordiscar meu lábio inferior.
— Mas posso te mostrar algumas razões para te amar tanto.
— É?
Ele murmurou uma confirmação, descendo os beijos pelo meu pescoço. Eu
me perdi naquele segundo.
Saudade. Sério, eu tinha sentido saudade.
E bem certo de que ficamos brigados por tão pouco, mas pareceu uma
eternidade e eu tinha essa eternidade de saudade para matar. Minha
respiração descompassada provava isso.
— Uma razão pela qual te amo, sweetheart... — Damian desfez o nó dos
meus shorts. Ele se afastou o suficiente para fazê-lo deslizar pelas minhas
pernas, beijando todo o caminho de volta por uma delas, até chegar à minha
calcinha, e deixou um beijo sobre o meu centro protegido pelo tecido suave.
Eu já estava molhada. Mordi o lábio para segurar um gemido. — É que você
sempre está queimando tanto quanto eu. — Ele deslizou minha calcinha por
entre minhas pernas. Eu poderia ouvir seu sotaque, naquela cama, a noite
toda.
— O que posso fazer? — cantarolei. — Você fica meio sexy bravo.
A risada arrastada que eu recebi arrepiou o meu corpo por inteiro. E então
o silêncio tomou o quarto. Não queríamos usar palavras para conversar.
Seus dedos foram à barra da minha camisa e ele a tirou, jogando-a em um
canto qualquer. Depois, Bale tirou a sua e eu deslizei as mãos por seu corpo,
contornando o hematoma leve em sua pele com a unha.
— Não importam — ele lembrou.
— Importam. Eu vou te punir por isso — provoquei. Damian ergueu a
sobrancelha.
— Punir?
Inverti as posições, o tomando de surpresa. Eu também queria provar que
o amava. Talvez essa fosse a nossa maior guerra: mostrar quem mais era
louco um pelo outro, do modo mais intenso que conseguíamos. E eu usaria de
toda a minha pele, dedos e boca para isso. Bale apreciou a visão do meu
corpo nu sobre ele e levou as mãos aos meus seios, fazendo os polegares
brincarem com os mamilos. Meu corpo respondia a ele tão, tão rápido...
Seu sorriso sacana fez um igual surgir no meu rosto e eu me inclinei sobre
ele. Aproximei a boca do lóbulo da sua orelha, o sugando e mordendo.
Depois desci a língua pelo contorno do seu pescoço e deixei uma leve
mordida em seu queixo.
— Sou ciumenta, amor. Só gosto das marcas no seu corpo quando eu as
faço. — A minha brincadeira o fez rir. Arranhei o seu peito, abdômen, até
deslizar o seu zíper. Tirei suas calças junto com a cueca, jogando as peças
de roupa em algum canto do quarto.
Damian ainda não estava tão duro quanto eu desejava, mas eu sabia como
resolver isso. Beijei o interior da sua coxa, depois acima... E quando ele
achava que a minha boca o teria onde ele desejava, levei os lábios para a
sua barriga novamente. Deixei uma trilha de mordidas e beijos até a sua
mandíbula.
Minhas unhas arranharam o interior das suas coxas e Damian as abriu
levemente. Umedeci o lábio inferior, sedenta por ele em minha boca. Ele se
inclinou em seus cotovelos. Porra, eu amava como ele gostava de me
assistir.
Minha língua percorreu toda a sua extensão. Damian mordeu o canto do
lábio inferior ao encaixar a mão em minha nuca, seus dedos longos entre
minhas mechas castanhas, seu polegar contornando os meus lábios antes que
sentisse meu beijo no seu topo. Damian deixou o queixo cair levemente e eu
sorri, movendo a mão por seu pau lentamente, antes de sugar a cabeça
levemente para dentro da minha boca.
O beijei novamente, depois o chupei de novo, um pouco mais fundo a cada
vez. Bale tentava segurar os gemidos e, a cada grunhido, eu o provocava
mais.
Seus dedos se prenderam em meu cabelo com força, mas ele jamais me
empurrava. Porque eu gostava do controle e ele sabia. Além do mais, Bale
amava manter o contato com os meus olhos, a cada vez que eu o chupava, o
beijava, lambia, tocava entre meus dedos. Ele amava como eu admirava o
seu rosto carregado de prazer, seu peito subindo e descendo toda vez que o
sentia pulsar contra a minha palma ou a minha língua.
Eu conseguia sentir minha pulsação entre as pernas, cada vez mais
inchada, mais excitada. A cada gemido do meu namorado, meu sangue fervia
mais e mais. Me sentia absurdamente febril. Eu precisava de algum alívio,
então deixei a minha mão livre trilhar o caminho até a minha boceta, meus
dedos explorarem os grandes lábios, pequenos, o clitóris. Levei algum
tempo friccionando o último ponto, devagar, gemendo contra o pau de
Damian e o ouvindo retribuir o som.
Sabia que Bale estava cada vez mais incontrolável, porque ele começava
a se impulsionar contra a minha garganta, devagar.
— Naomi... — ele gemeu meu nome e eu ergui a cabeça, deixando minha
mão fazer o trabalho. Bale se sentou, deixando-me continuar os movimentos
de vai e vem ao encaixar sua palma em minha nuca e levar minha cabeça em
direção a sua, num beijo violento. Eventualmente eu não conseguia manter
qualquer linha de raciocínio sobre o que fazer.
Damian, do contrário, tinha muitas ideias.
Ele inverteu as posições subitamente e me deitou sobre a cama. Seus
beijos se arrastaram por meu pescoço, acompanhados de mordidas e
chupões que me faziam ofegar. E quando sua boca estava em meus seios
novamente, eu já bagunçava o seu cabelo e pedia por ele.
Ele buscou pela calça no chão e eu poderia rir de quão rápido ele
encontrou a camisinha, a abriu e vestiu, se eu não estivesse tão desesperada
quanto ele. Damian abriu as minhas pernas, umedeceu os lábios e sorriu. Seu
olhar para a minha boceta era de fome, como se quisesse se debruçar sobre
ela imediatamente e me provar até que eu estivesse gritando o seu nome para
a cidade inteira ouvir. Mas não foi o que ele fez.
Damian me virou de lado, colando minhas costas ao seu peito. Depois
prendeu meu cabelo em sua mão e deixou a outra livre me guiar a dobrar o
joelho. Seu beijo no meu pescoço me desmontou por completo e ele fez seu
pau deslizar por mim algumas vezes, por fora, massageando o meu clitóris e
me torturando na minha abertura.
— Amor... — supliquei, frustrada.
Bale riu, sacana, contra o meu ouvido.
— Tudo o que eu queria ouvir...
E ele me penetrou, tirando um som arrastado e extremamente sujo da
minha boca.
Fundo, Damian foi fundo, arfando contra o meu pescoço. Minhas
sobrancelhas estavam unidas ao máximo e eu sentia o meu peito em brasa,
tentando me lembrar de respirar. Ele nem tinha feito nenhuma preliminar
comigo e eu já me sentia a beira do precipício. Era uma necessidade.
Veja bem, para mim, sexo é uma das melhores coisas da vida. Mas transar
com a pessoa que você ama e encontrar beleza em cada gesto completamente
carregado de luxúria e paixão, por mais sujo que seja, por mais brutal que,
por vezes, seja... é indescritível. E fazer amor com Damian Bale era
indescritível.
— Eu te amo porque você geme assim... — Ele saiu devagar e estocou
fundo novamente, com força. Seus dedos estavam firmes contra a minha
cintura e eu rebolei instintivamente contra ele, deixando um som rouco
escapar do fundo da minha garganta, extremamente devagar. — E quando se
mexe assim... Porra, isso, sweetheart. Me fode bem assim. — Ele beijou o
meu pescoço e mordeu a minha orelha — Me mostra que você é a mulher
mais gostosa da porra desse planeta. — Ele se mexia tão, tão devagar...
— Damian... — gemi quando ele desceu a mão até o meu centro, me
tocando devagar. Uni as costas ao seu peito, levando a mão a sua nuca e
deixando os sons escaparem. Damian não usava muita pressão nos
movimentos circulares dos seus dedos, me torturando, e eu sentia prazer me
inundar cada vez mais. Ele me abriu com dois dedos, observando por cima
do ombro como entrava dentro de mim, como eu estava cada vez mais e mais
úmida.
— Se toca para mim, linda — sua voz saiu rouca e eu arranhei sua nuca,
levando a mão livre para o meio das minhas pernas. Eu já estava
dolorosamente excitada. — Quero te ver gozar, Naomi. Porque eu amo como
você é linda gozando.
Meu coração disparou. Aumentei a intensidade e velocidade dos
movimentos em meu clitóris. Damian gemia em meu ouvido, me invadindo
cada vez mais rápido. Os lençóis da cama estavam um caos e eu não
conseguia me controlar, rebolando cada vez mais, implorando por mais e por
ele. Até que minha visão se tornou turva, o breu me tomou e o prazer se
tornou tão, tão absurdo, que por um segundo foi como se o meu coração
tivesse parado, apenas para disparar logo em seguida. Os espasmos me
tomaram e eu me agarrei ao lençol da cama e a nuca do meu namorado, que
me beijou com força, falhando em silenciar por completo os meus gemidos.
Forte, fundo, rápido... Eu nunca me cansaria de nós dois.
Amoleci, mas Damian não parou.
Ele continuou.
E continuou...
Eu me mantive ali, entregue a ele, sentindo o prazer crescer novamente…
Até que Bale finalmente gozou; estremeceu contra as minhas costas, parando
o beijo e xingando, pressionando o meu quadril com força, fazendo a minha
pele doer. Eu estava excitada novamente. Ele saiu de dentro de mim após
alguns segundos tentando se recompor e me virou para si, abrindo as minhas
pernas.
E então eu entendi o porquê.
Bale queria terminar o sexo com meu gosto em sua boca.
Já sensível pelo orgasmo anterior e um tanto quanto necessitada por mais,
me deixei levar por sua língua, mordidas, suspiros, gemidos, o observando
me devorar. Ele brincava com todos os meus sentidos, nervos, células…
tudo. Damian me tinha nas mãos. E seu olhar me dizia que sabia disso
quando me chupava ou me penetrava com a sua língua. Quando seu maldito
dedo estava no meu ponto novamente inchado. Ou quando invertia, chupando
o meu clitóris e me fodendo com seus dedos longos.
Rebolei contra os seus lábios, segurando-me aos lençóis da cama e
chamando por ele em alto e bom som.
O desgraçado sabia que me tinha. Ele amava me estudar milimetricamente,
descobrir como me deixar agir do modo mais selvagem possível. E enquanto
tudo isso acontecia, de algum modo, Damian Bale usava dos seus toques
para provar que me amava. A cada segundo.
As cores se tornaram confusas, o breu me tomou novamente e eu ofegava,
queimando em busca de oxigênio. Meu coração explodia em meu peito e
Bale sorria, provando o meu segundo orgasmo em seus lábios. Só depois que
todo o meu torpor lhe pareceu acabar, ele se afastou.
Por um momento, pareceu como morrer e renascer de novo. Pareceu um
outro mundo. Eu não tinha uma palavra sequer para descrever aquilo. E
mesmo se eu tivesse, estava perdida demais para conseguir falar.
Minhas pálpebras estavam pesadas quando o vi limpar o queixo e usar da
língua para limpar os meus resquícios em sua boca. Aparentemente um
inimigo da minha sanidade, Damian chupou o que havia de mim em seus
dedos e transferiu para os meus lábios num beijo tão doce quanto o gosto da
sua língua.
— Outra razão para amar você? Eu amo o seu gosto — ele sussurrou. Eu
ri, extasiada, o envolvendo pelo pescoço. Damie alisou o meu rosto com os
nós dos seus dedos e esquadrinhou cada detalhe, deixando um beijo no meu
pescoço, mandíbula, bochecha e ponta do nariz. Meu coração estava cansado
de tanto esforço e ainda assim o senti acelerar um pouquinho a cada gesto.
— Eu amo o seu sorriso, os seus olhos, as suas bochechas vermelhas depois
do sexo, o seu corpo contra o meu. — Não entendi porque ele falava tanta
coisa, mas eu gostava disso. — Amo seu beijo e como sei que está sorrindo
por ele, amo a sua pele e o seu perfume, amo como você é louca e a sua
loucura completa a minha como um quebra-cabeça complicado para cacete.
— Um sorriso bobo não saía do meu rosto. — E amo que você me irrite
tanto apenas em ficar longe. Eu te amo por tantos motivos que poderia ficar
aqui para sempre... Oh, eu amo o seu sotaque!
— Meu sotaque?! Como assim?
— Você fala do sotaque inglês, Carlson, mas eu odiava o sotaque
australiano até conhecer você. Ou talvez seja a sua voz, linda, porque eu só
amo isso em você.
Meu coração estava prestes a explodir.
— Você me ama bastante, huh?
— Sim. Eu te amo por tudo que falei, que ainda não falei e vou falar, por
tudo que nem sei explicar e por motivos que provavelmente ainda
desconheço. Eu... — Ele deslizou o polegar por uma marca de nascença em
meu quadril, depois guiou a ponta do indicador dali até uma pinta no espaço
entre os meus seios, descendo o dedo até onde o meu coração estava. — Não
sei explicar, só amo você.
— E por que tudo isso?
— Porque me perguntou os motivos para eu te amar tanto. — Gargalhei,
voltando à realidade — Nossa, foda como te faço esquecer do mundo com
sexo, não é mesmo? Eu sou foda na cama assim? Seja honesta!
— Cale a boca... — pedi, rindo, afundando os dedos em seu cabelo e o
trazendo para perto. Uni a boca a sua. Aproveitei cada segundo do contato
entre nossos lábios, o abraçando. Damian conseguia fazer meu coração virar
um tornado na cama e depois deixá-lo estranhamente calmo. — Amo você de
volta. Ainda mais.
Ele riu.
— Nos seus sonhos, sweetheart.
Bale foi descartar a camisinha e eu, preguiçosa, lutei para sair da cama
assim que ele voltou para ela. Quando retornei do banheiro, reparei no seu
cabelo bagunçado e nas marcas das minhas unhas, tão mais bonitas que as
cicatrizes daquela maldita brigas; tive que sorrir. Exausta, me aconcheguei
sobre seu peito. Estava quase adormecendo sobre meu travesseiro humano,
mesmo com seu toque perigoso se aproximando da lateral de um dos meus
seios, devagar.
— Interessante nosso sexo de reconciliação. — Sua voz rouca e carregada
de cansaço me fez sorrir. — Agora dá até para fingir que não tem mundo lá
fora. Não temos problemas, babacas irritantes enchendo nosso saco,
provas...
— Ugh, não me fala de prova — pedi, grunhindo. — Aposto que a de
amanhã vai ser difícil.
— Oh, para mim com certeza. — Analisei o seu rosto. — Até porque eu
não estudei nada de química — ele murmurou baixo, como se fosse
bobagem, e isso forçou a energia para dentro do meu corpo novamente.
— Puta que pariu, Damian! — Sentei-me.
— O quê?
— A prova de química! Você não estudou? — Ele tentou me fazer deitar
de novo, mas o empurrei.
— Estudei a... química... entre... nós dois?
Damian tentou me enrolar. Muito mal.
— Cacete, Bale! Qual foi a sua última nota?
— Sweetheart...
— Damian, a sua nota?
— Eu tirei um D. E antes disso um F.
— Puta que pariu, garoto.
— Agora está meio tarde.
— Tarde?! — Me coloquei de pé, decidida a salvar o meu namorado de
falhar em química. — Ok, Damian Bale, você acaba de ser introduzido à
Madrugada de Estudos de Naomi Carlson. E isso quer dizer que vou te
ensinar uma coisa ou outra, organizaremos algum tipo de cola e vamos torcer
por pelo menos um C. Só vai embora quando souber ao menos o que um
ácido faz.
— Linda...
— Um banho frio. Para despertar. E um café, você vai precisar de um
café.
— Naomi, não precisa disso.
— Você vai tirar um C naquela prova, Damian Bale, isso é uma ordem! —
Ele engoliu em seco. — Não quero ser a culpada por uma recuperação em
inferno.
— Não é culpa su...
— Vem! — Ofereci a minha mão e me mantive firme até que ele aceitasse.
Damian se levantou e obedeceu, rindo. Bati em sua bunda quando passou
por mim e me juntei a ele no banho. O deixei se vestir e liguei o computador,
o colocando sobre a mesa de estudos. Abri os meus resumos e disse que
voltava já, descendo em busca de café, deixando um Damian Bale
extremamente cansado e emburrado sobre a cama.
Quando voltei, com duas xícaras, vi Damian com meu celular na mão.
Meu coração disparou e eu me xinguei de todas as formas possíveis por tê-lo
esquecido. Seu queixo estava caído e suas sobrancelhas unidas.
Coloquei as xícaras sobre a mesa. Bale não dizia uma só palavra.
— Amor?
O silêncio me deixou em pânico. Merda.
— É você.
Abri a boca para tentar falar, mas nada saiu. Várias notificações
explodiam na tela do celular.
— Damian...
Bale ergueu o rosto, atônito, esperando por uma explicação. Fechei os
olhos, me xingando mentalmente.
— Você é a Poison.
E fácil assim meu segredo estava caindo por terra.
"A beleza machuca. Evidenciamos o que temos de pior. A perfeição é a doença da nação.
Evidenciamos o que temos de pior. Tenta reparar algo, mas você não pode reparar o que não
consegue ver... É a alma que precisa de cirurgia"
Pretty Hurts - Beyoncé
Jason me olhou de cima abaixo uma ou duas vezes, com o beck em seus
lábios. Alto, magro para cacete, branquelo, cerca de vinte e cinco anos e
com uma barba rala que mal poderia ser chamada de barba. Arqueei a
sobrancelha, esperando que me deixasse entrar.
Após alguma piada sem graça, o idiota me deu passagem para dentro. Não
demorou muito para que eu explicasse a situação para Jason Crowe e ele me
levasse para o seu quarto.
A casa de Crowe era minúscula e ficava em um dos bairros mais violentos
de Brightgate. Os boatos eram de que a área era governada pelo tráfico. E eu
sabia que Jason usava algumas coisas, o que foi confirmado pelo saco com
dois medicamentos duvidosos e a caixa de papel seda completamente aberta,
acompanhada de erva suficiente para satisfazer toda a minha escola.
Namorar com Derek Meyers me trouxe alguns contatos. Daqueles que
negarei até a morte que já possui em algum ponto da minha vida.
— Quanto? — fui direta.
— Pelo que me explicou, gata? — Ele mordeu o lábio e ponderou. Depois
assinou um valor numa folha de papel e me entregou. Arregalei os olhos.
— Tá brincando, Jason? É o dobro do que pediu para o Derek daquela
vez. E o trabalho era mais difícil. — Ele se jogou na cadeira em frente ao
computador e abriu um sorriso dissimulado.
Um ano antes, Meyers resolveu chapar no meio de uma semana, sem
esperar por uma prova surpresa, e isso resultou em uma nota baixa em física.
Muito baixa. E para ser honesta, com toda a inteligência que Derek possuía,
por algum motivo, física era a sua pior matéria. Ele poderia estudar e
recuperar os pontos perdidos, mas obviamente festas e bebidas eram mais
atraentes, então Meyers pagou Jason para invadir e alterar os registros da
escola. Um ajuste em uma nota e outra e Derek magicamente não tinha
problema algum na escola.
— Meu valor subiu, gata. E você definitivamente não sabe me dizer se
hackear uma conta de Instagram é mais fácil ou difícil do que o sistema da
sua escola, boneca. — Torci o nariz, contrariada. — Pegar ou largar.
Não era como se eu tivesse uma opção. Pedir ajuda para o meu pai não
parecia inteligente.
— Certo, faça isso de uma vez.
Me sentei na cama de Jason e esperei que ele fizesse a sua mágica. Foram
bons minutos esperando-o mexer no computador, mas o maldito realmente
conseguiu. Algum tempo depois e ele tinha trocado a senha da Poison. Logou
a conta no celular para me mostrar seu sucesso e eu fiz a transferência
bancária, mostrando o comprovante.
— Tem como descobrir quem era a dona da conta?
— Bom, a pessoa foi inteligente a ponto de criar um e-mail especialmente
para fazer fofoca. Mas... Por um dinheiro a mais é sempre possível, linda. Eu
consigo o IP da Poison, talvez em algumas horas o endereço e...
— Quanto?
— O triplo do que me pagou?
— Ugh, vai se foder! — ele riu. — De jeito nenhum.
— Ok, se liga: o email dessa conta do Instagram foi trocado para a dona
antiga não conseguir o acesso de volta. Se quiser, eu deleto o Instagram
agora mesmo. Se não, a senha da Poison é a mesma que a do email e já foi
enviada para o seu celular. E aí, qual vai ser?
Eu apagaria a conta naquele mesmo instante, se não fosse por um mero
detalhe: os boatos sobre mim e Derek precisavam ser desmentidos. Apagar a
conta sem tentar reverter a situação poderia não resolver o meu problema.
— Como vou saber que, se eu ficar com a Poison, não vai usar essa
informação contra mim? Para conseguir mais dinheiro, por exemplo, você
faria isso? — O analisei, confusa.
— Gata, para eu conseguir clientes novos, eu preciso que os clientes
antigos estejam felizes com o meu serviço e me indiquem para seus amigos.
Vou te deixar feliz te ameaçando? — Ele ergueu uma sobrancelha e eu
suspirei, resolvendo acreditar em sua palavra. — Me pagou para hackear
essa conta. — O assisti mexer no seu celular e logo depois o vi deslogar da
Poison. Ele me mostrou a tela, sorrindo. — Eu hackeei, é sua. Você faz o que
quiser. Sem pegadinhas.
Jason não me acompanhou até a saída quando agradeci pelo serviço e fiz o
meu caminho para fora. Meus dedos rapidamente digitaram login e senha da
Poison no meu celular e eu quase ri quando percebi que eu estava no
controle. Pedi um Uber e gastei todo o caminho até a minha casa escrevendo
uma nota, desmentindo o post sobre mim e Derek. Apertei enviar antes de
entrar em casa.
Assim que pisei dentro do lar dos Carlsons, meus ombros ficaram ainda
mais tensos. O cansaço no meu corpo triplicou e eu voltei a sentir cólica, o
que me fez lembrar que não tinha tomado o remédio mais cedo.
— Acha que pode sair de casa sem nos dar satisfações? — Me virei para
o dono da voz. Vincent tinha os braços cruzados, sentado sobre a poltrona da
sala. Engoli em seco, guardando o celular no bolso. — Eu fiz uma pergunta,
Naomi.
— Bom, eu acho que estou cansada de responder as suas perguntas. Na
verdade, estou apenas... cansada, pai. Então vou subir. — Indiquei as
escadas com a cabeça e ele riu nasalado. Fiz menção de caminhar, repetindo
mentalmente para manter a calma.
— Você ainda vive sob o meu teto, Naomi. Obedece as minhas regras. —
Meu corpo travou. E então foi a minha vez de rir.
— E se eu não quiser seguir suas regras, papai?
— Então pode ir embora.
Quase ri de novo, sem acreditar.
— Se eu fizesse o aborto, eu não seria expulsa de casa. Daí eu faço o
aborto e agora você ameaça me mandar embora do mesmo jeito.
— Naomi...
— Não, pai. Sinceramente. Se quiser me mandar embora, então mande!
Me expulse, dê outra cena para os vizinhos admirarem e então explique para
a alta sociedade porque fez isso. Mas com certeza os jornais vão amar saber
que o grande Vincent Carlson fez a filha de dezesseis anos abortar e depois a
chutou para fora da sua vida. Talvez eles consigam até uns depoimentos dos
Meyers, o que acha?
— Olha bem como fala comigo, garota! — Ele se pôs de pé, caminhando
com firmeza em minha direção. — Você está precisando de uns bons tapas!
— Pois então faça. — Dei de ombros, mas estava tremendo. Ele
provavelmente percebia. — É o que está faltando fazer, não é, pai? — Meus
olhos se encheram de água e Vincent grunhiu baixinho. Quando sequer
cogitei me afastar, sua mão segurou o meu pulso com firmeza. Ele cerrou os
olhos para mim.
— Veja bem, Naomi. Você fodeu a sua vida uma vez. VOCÊ foi
responsável pelo aborto, você foi estúpida por ter engravidado. Quase nos
arrastou para a lama junto, quase nos afundou... — Tentei me afastar, mas ele
apertou ainda mais o meu braço. — Agora vai me escutar — Vincent
praticamente rosnou as palavras e eu vi mamãe descer as escadas
rapidamente, seguida por Madison.
— Para com isso, pai — Maddie pediu.
— Quer morar debaixo desse teto? — Vincent continuou e eu senti o
desespero fechar a minha garganta. — Pois bem, só não tente foder a nossa
vida novamente. Eu estou desistindo de você, Naomi. Se quiser ser a puta
que foi quando abriu as pernas para aquele moleque maldito, então seja. Se
quiser ser a porra de uma vadia e foder a cidade inteira, então seja. Mas seja
discreta e não foda o meu sobrenome junto, está me ouvindo? — Madison
tentou afastá-lo. — Saia daqui, Madison, pelo amor de Deus — ele disse em
alto e bom tom, ainda mantendo o toque firme contra o meu pulso. E depois
virou a cabeça de volta para mim, me lançando o seu pior olhar de desprezo.
— Faça que porra você quiser. Mas você é uma Carlson. Pelo menos para a
cidade. Então se você manchar o meu nome, se foder o seu futuro novamente
com outro bebê e não cumprir com suas responsabilidades naquela droga de
escola, eu juro, Naomi, eu prometo que você vai se arrepender amargamente
de cada merda que tiver feito. Estou sendo claro?
Não o respondi.
— Estou. Sendo. Claro? — ele repetiu, devagar. Ofeguei ao tentar sufocar
o choro, mas assenti. — Diga!
— Está, está sendo claro. — E ele me soltou. Ouvi a minha mãe me
chamar enquanto corri escada acima, desesperada, como se tivesse acabado
de ver um monstro. Porque eu tinha. Olhei nos fundos dos olhos do meu pai e
vi terror a cada segundo.
Quando bati a porta do meu quarto e a tranquei, a vontade de vomitar me
fez correr para o banheiro e colocar tudo para fora. Ouvi meus pais brigarem
no andar debaixo e Madison bater na porta, gritando para que eu a abrisse.
Me sentei contra a parede do banheiro, desabando por completo. Minha
barriga doía, me lembrando do que eu tinha feito dias antes. Meus pulmões
ardiam porque eu mal conseguia respirar.
Não sei ao certo quanto tempo depois eu parei de chorar. Lembro que
Maddie já tinha parado de me chamar quando me deitei na cama, com o rosto
completamente molhado e o coração destroçado. Era muita coisa para a
minha cabeça. E meu corpo doía, eu não estava nada bem fisicamente, mas
achava que merecia isso.
Adormeci de tanto chorar.
Quando acordei, já pela noite, percebi que havia perdido o almoço. Não
era como se eu sentisse fome também. Abri o celular e a Poison estava ali. A
conta era minha. Eu pensei em apagá-la, realmente considerei isso. Mas
parte de mim, por algum motivo, não queria isso. Então eu a desativei até ter
certeza do que faria. E isso durou... horas.
Porque no dia seguinte eu abri novamente o celular e percebi que Derek e
eu ainda éramos o principal assunto do colégio Brightgate. Desativar a
Poison tinha feito tudo piorar. Além disso, Derek tinha ido para o hospital
psiquiátrico. Talvez porque, para seus pais, era possivelmente melhor ter um
filho internado e declarar que ele possuía problemas psicológicos, do que
fazê-lo enfrentar a denúncia que meu pai tinha feito. Meu ex-namorado
precisava de ajuda. Ou poderia ter surtos piores. Surtos que manchariam o
nome dos Meyers. Eu precisava garantir que os boatos estivessem sob
controle.
Não acho que fiz a escolha certa em manter a Poison "viva" e não vou
justificar isso. Foi o que fiz. Foi o que senti que precisava fazer. Foi um ato
egoísta. E foi o início de uma Naomi Carlson que, honestamente, não me dá o
menor orgulho.
O fato é que eu acordei apaixonada pelo cara que abusou da minha mente
por sabe-se lá quanto tempo; estava vivendo debaixo do mesmo teto que um
pai tóxico, tendo que ver minha irmã sem saber o que fazer para me ajudar,
minha mãe completamente inerte e minha escola inteira usar do meu nome
para alimentar boatos. E essa última parte eu poderia resolver sozinha, não?
Mas tudo tem consequências. Ter o controle da Poison me fez ser viciada
por estar no controle.
Os boatos que passaram a surgir envolvendo Meyers, com o tempo, já não
me envolviam como uma vilã ou uma pobre coitada. E eu tinha acesso a tudo
o que acontecia em Brightgate.
De início, ainda me tratavam como a ex de Derek Meyers. Mas depois de
algumas semanas, graças à Poison, Brightgate passou a me ver como uma
garota forte e indiferente a Derek — mesmo que isso não fosse
necessariamente verdade. Então eu passei de ex-namorada dele para apenas
Naomi Carlson. E isso passou a ter grande significado.
De algum modo, era como se eu tivesse a escola em mãos. Tudo o que a
Poison dizia era fato.
Eu não sei ao certo quando comecei a caminhar por aqueles corredores de
queixo erguido, recebendo todos os olhares, convencendo a todos de que eu
realmente estava bem. Mas é o que dizem: quando repetimos tanto e tanto
uma mentira, ela parece se tornar verdade. Então a farsa que criei estava
dando certo, aquela máscara de que tudo estava perfeitamente normal estava
me caindo super bem.
Ninguém imaginava o que eu vivia.
Ninguém imaginava que eu ainda estava apaixonada e sentindo falta de
Derek.
Ninguém imaginava que eu saía das festas para um lar abusivo.
Ninguém imaginava que eu tinha ficado tão obcecada pela minha imagem e
tão machucada pelo que ouvia meu pai dizer em casa, que eu mal cuidava do
meu corpo. Para ser honesta, só a Mel percebeu quando os distúrbios
alimentares começaram.
Porque todo mundo naquela escola via o meu corpo e o achava
extremamente maravilhoso.
Ninguém percebia que, naquela época, eu estava muito longe de ser
saudável.
Ou melhor, ninguém realmente se importava com o que eu tinha por dentro,
só por fora.
Mas com a Poison? Todo mundo se importava.
— Você é a Poison — Damian repetiu.
Bale piscou algumas vezes, esperando que eu negasse sua afirmação. E eu
não podia.
Para ser honesta, considerei inventar qualquer mentira, mas... Para quê?
Seria mais um retrocesso sem sentido, porque cedo ou tarde eu teria que
contá-lo sobre isso.
Ele esperava por uma resposta, completamente paralisado. E eu, do outro
lado, de mãos vazias e coração carregado de adrenalina, também não sabia
como reagir. Então eu engoli em seco dolorosamente e decidi começar pela
confissão, nua e crua, sem brincadeiras ou tentativas de fuga:
— Eu sou.
Meus olhos ardiam, mas eu não chorava.
Mal acomodada na poltrona no canto do meu quarto, fitando o chão,
busquei coragem para erguer os olhos para Damian, mesmo que ele não
estivesse me olhando. Sentado sobre a minha cama, ele fitava os próprios
pés. Quando consegui, analisei seu rosto de lado, suas mãos entrelaçadas
entre suas pernas, seu silêncio absoluto.
Eu o contei tudo. Absolutamente tudo que tinha para contar. E de repente
não haviam quaisquer segredos entre nós dois, só aquele silêncio. As xícaras
na bancada da minha mesa deixaram o meu quarto com um leve aroma de
café, mas a bebida em ambos os recipientes já deveria estar fria. Ou gélida.
— Bom, acho que a minha nota de química foi por água abaixo — ele
brincou, baixo, mas não havia humor em sua voz. E eu não conseguiria rir.
— Acho que sim — foi o que consegui responder. Um arrepio fraco,
porém horrível, me percorreu. Como um aviso de que eu precisava fazer ou
dizer qualquer coisa ou iria perdê-lo. — Eu sei que a Poison... Que eu fui
escrota com o lance da gonorreia e tudo mais, nunca pedi desculpas e... E a
Poison não é exatamente algo maravilhoso, mas... Por favor, não me odeie.
— Odiar você? Por que eu odiaria? — Damian riu, balançando a cabeça
em negação. — Eu não consigo odiar você, Carlson.
Ficamos em silêncio por mais alguns instantes.
Bale afundou as mãos nos cabelos e depois escondeu seu rosto nelas. Fitei
meus próprios dedos, sentindo o meu coração cada vez mais apertado.
— E-eu não sei nem o que dizer. — Bale finalmente buscou pelo meu
olhar e eu retribuí o gesto. — O que aconteceu depois? Depois que tomou o
controle da Poison?
— Eu me viciei em tudo isso — minha voz falhou e eu limpei a garganta.
— No meio das minhas crises, Damian, manter a minha imagem naquela
escola era a única coisa que eu me sentia boa em fazer, que me mantinha
firme, sabe? Eu só... Sei lá! Eu chegava em casa e...
Engoli em seco, sendo atingida por todas as lembranças. Todo o inferno
que me acompanhava como uma sombra, constantemente. Senti o olhar de
Damian sobre mim e suspirei.
— Você não entenderia — falei, baixo.
— Vamos, Carlson, não sabe disso. Estou aqui, não? Estou te ouvindo. —
Bale se moveu para outro ponto da cama de novo, dessa vez com seu corpo
virado em minha direção. Da poltrona, levei as mãos ao rosto tentando me
acalmar. — O que aconteceu?
— No início, eu chegava em casa e... me olhava no espelho e via apenas a
garota que ganhou peso pela gravidez interrompida, eu... Eu me via de uma
forma distorcida e os comentários do meu pai pela casa... — Suspirei,
tentando me acalmar. — Meu pai falava do meu corpo, do meu peso, da
possibilidade da gravidez se repetir. — Ri sem humor. — Eu tinha medo que
ele surtasse pensando que eu estava grávida novamente e passei a surtar com
cada grama que ganhava... Então veio a bulimia. A visão deturpada do meu
corpo, as autopunições quando eu comia mais do que tinha planejado e...
Quanto mais magra, eu pensava, melhor, porque eu não queria ganhar uma
grama sequer e não me via magra o suficiente.
Mordi o lábio inferior, tentando me acalmar.
— E para não engordar, eu... Eu vomitava ou... — Levei as mãos ao rosto,
praguejando algumas vezes. — Evitava comer demais ou me sentia culpada
quando... quando comia e...
— Então foi quando a bulimia começou. — Confirmei e ele suspirou. —
Como superou?
— Elise percebeu rápido o que acontecia, falou com a minha mãe e eu
consegui alguma ajuda psicológica. Novamente, psicólogos que meu pai
aprovava e tudo mais... Foi difícil seguir com qualquer tratamento porque eu
não confiava em ninguém. Para ser sincera, eu nem sei como... Como fui
resgatada disso. Minhas chances eram pequenas. Talvez, se não fosse pela
Elise e pela Maddie, pela Mel... Eu não estaria aqui. E acabei fugindo da
terapia em algum ponto. Não gostava que meu pai soubesse que eu estava
encontrando uma psicóloga, porque eu sentia que ele surtaria se eu contasse
até mesmo pra ela sobre o aborto. Eu também não gostava de sentir que
precisava de ajuda... Eu desisti das sessões quando achei que estava tudo
bem. Mas, na verdade, na medida em que eu me afastava de um problema, da
bulimia, eu me aproximava de outros. Porque eu descontava tudo na Poison.
Eu me viciava na Poison, nas festas e em manter a pose de inalcançável.
Como um... instinto de sobrevivência, Damian. Porque, se qualquer um me
alcançasse facilmente, eu poderia quebrar. — Engoli o choro, tentando me
manter firme. — Eu não quero quebrar de novo.
Respirei fundo, deitando a cabeça no encosto da poltrona e observando o
teto do meu quarto. Damian ainda me analisava, eu sabia.
— Talvez, Bale, se não fosse pelo meu vício pela Poison... Talvez eu
tivesse me afundado num poço ainda mais fundo. Não era o certo a se fazer,
a Poison é o meu lado mais egoísta... Ao mesmo tempo, foi o que me
manteve firme. E ainda que eu não esteja usando ela agora, significa algo pra
mim. — Abaixei o olhar lentamente até encontrar o seu. — Eu não quero
abrir mão dela até as aulas acabarem.
— Carlson...
Ali estava. O julgamento. E eu o merecia, certo?
— Eu disse que você não entenderia.
— Você não precisa da Poison, Naomi.
Sorri, triste. Porque eu sentia que sim. Mordi o interior da bochecha e
repassei os momentos que tive com Damian. Eu só queria voltar a minutos
antes, em que seus beijos criavam rotas pelo meu corpo, nossas almas se
entrelaçavam e tudo parecia certo.
— Eu sou a Poison, Damian. É parte de mim, me deixa mais segura nessa
cidade. Não quero me desfazer dela enquanto estiver em Brightgate. É como
uma armadura de alto valor sentimental ou algo assim...
— Naomi… — Damian espalmou as mãos contra o ar e repetiu mais uma
vez: — Você não precisa da Poison.
Eu deveria ter escutado Damian... Eu realmente deveria. Teria me
poupado de tanto, tanto caos. Mas fui sincera, não? A Poison era o meu lado
mais egoísta. Um lado que ainda estava vivo.
Sentindo meu coração partir a cada passo, andei até ele. Ergui o seu
queixo, analisei o seu rosto e o acariciei, deixando que meus dedos se
arrastassem pelo seu cabelo, até o fim da sua nuca. E aproveitei cada
segundo do toque, enquanto Damian esquadrinhava o meu rosto.
Tão lindo... Tão verdadeiramente bom. E ele nem percebia.
— Eu amo você — sussurrei. — Mesmo que não me entenda quanto a
isso.
— Estou tentando.
— Eu sei — garanti. Vi seus olhos se tornarem vermelhos. Piorei tudo, eu
realmente piorei tudo com as palavras seguintes: — Preciso que não conte
nada para ninguém, Damian.
O brilho no olhar do meu namorado se perdeu por um instante. Continuei a
acariciar a sua nuca, num pedido silencioso para que fizesse isso por mim.
Damian balançou a cabeça em negação e se pôs de pé, unindo os lábios aos
meus uma última vez.
— Bale...
— Eu não acho que tem mais clima pra estudar — ele sussurrou. — E eu
não vou sair do seu lado, linda, mas minha cabeça está pesada com tanta
revelação. — Meu coração estava quebrando, mas eu trinquei os dentes e
tentei me manter impassível. — Preciso de um tempo para pensar nisso tudo.
Ele beijou minha testa e eu não ousei olhar para trás quando passou por
mim. Nem quando a porta bateu.
Do quarto, parada, ouvi quando Damian arrancou com a moto para longe.
Ele estava certo. Eu não precisava da Poison. É por isso que às vezes
penso... Penso que fui a nossa maior inimiga.
As líderes fizeram uma pausa no ensaio da coreografia da semana. Wayne
estava focada em um resumo de química sobre a arquibancada, a treinadora
falava ao celular e o time de futebol praticava algum exercício de percurso,
obstáculos e velocidade. Eu não sabia o que aquilo era, e assistir Bale
gerava um nó em minha garganta. Meus olhos estavam presos em duas
figuras que escapavam do campo: Derek estava em seu uniforme da escola,
Garreth com a roupa do time. Ambos seguiam pros vestiários. Pareciam
tensos, prestes a fazerem algo errado.
Peguei o celular discretamente caminhando pelas arquibancadas e
fotografei os dois. Procurei pela minha lista de contatos, desbloqueei um
deles e respirei fundo. A Naomi impulsiva estava agindo e aquilo não era
nada bom. Enviei a imagem pro Garreth. Ele parou de andar antes de sumir
pelo corredor dos vestiários.
Eu: Meyers não voltou pro time. Ele não deveria ir aos vestiários.
Os ombros de Garreth se retificaram e Derek parou de caminhar também.
Eu: avise para Meyers que se isso vai parar na Poison, aposto que vão querer saber o que
estão fazendo. E o que estão fazendo? Drogas? Vão foder a vida de alguém aí dentro? Talvez a
escola goste de tentar adivinhar.
Garreth se virou e olhou para mim.
Eu: sério, o que ele vai te dar, Parker? Cocaina? Remédio? Pra onde Meyers vai te levar?
Está disposto a ir ao inferno por ele?
Garreth: não é da sua conta.
Eu: pode não ser. Se entregar o telefone para Meyers. Agora.
Parker bufou, visivelmente irritado, e entregou o telefone para Derek, que
analisou as mensagens. Liguei para o número do ex da Melissa, me afastei
para que não me ouvissem e sinalizei para a treinadora que era uma chamada
importante.
— Sentindo minha falta, princesinha?
Trinquei os dentes, mas forcei um sorriso irônico para ele logo em
seguida.
— Fique tranquilo, Derek. Se você fosse oxigênio, eu preferiria morrer
asfixiada.
Ele perdeu o sorriso debochado em dois segundos. Eu faria aquilo ser
rápido, ou minha ansiedade destruiria cada uma de minhas veias, porque
respirar já era difícil. Porque só ouvir sua voz já era pesadelo suficiente.
Mas eu precisava fazer aquilo acabar. Eu não queria que machucasse
ninguém. Nem eu, nem qualquer pessoa que eu amava. Principalmente
Damie. Eu precisava fazer algo.
— Vou dizer apenas uma vez, Derek — quase rosnei as palavras. — Essa
é a última conversa que vamos ter. E estamos a o quê? Dez metros de
distância? — Meyers uniu as sobrancelhas. Garreth, ao seu lado, parecia
pilhado. Ótimo.
— Naomi... — Meyers falou como uma súplica e eu senti meus olhos
arderem. Odiava o meu nome na sua boca, odiava a sua existência, odiava
que tinha machucado o garoto que eu amava. Eu o odiava tanto que doía.
Mas engoli a repulsa e me mantive firme.
— Essa é a distância mínima para que eu me sinta segura para conversar
com você. — Meyers pareceu ter levado um soco, mas eu não me importei.
— Eu não tenho que ouvir você. Eu não acredito que você tenha mudado. E
mesmo se tivesse, você ativa minhas piores lembranças. Se fosse uma
pessoa boa e saudável, entenderia isso e fingiria que eu não existo. Mas
você não sabe ser bom, não é? Você ama ser um filho da puta. Então pediu
uma última conversa? Aqui está a porra da nossa conversa, Derek. E ela vai
funcionar assim: eu falo, você ouve.
Wayne me alcançou. Ela franziu o cenho para mim ao segurar meu braço,
perguntando o que eu fazia ao perceber que eu encarava Derek, ambos ao
telefone. Melissa tentou tirar o celular da minha mão, eu girei e não permiti.
Ela me chamava, preocupada, mas nem minha Batman me pararia naquele
momento. Nada pararia minha impulsividade. Não quando perdia meu sono
pensando em Damie sendo socado. Não quando me sentia tão impotente.
— Não soa como uma conversa para mim.
— Não soava como uma conversa para mim, quando era você quem
berrava e eu escutava — devolvi. Meyers riu, seus ombros balançando
enquanto segurava a ponte do nariz. — Quando eu desligar essa chamada,
Derek, você nunca, nunca vai quebrar essa distância entre a gente. Nunca.
Sempre vai se manter o mais longe possível. — Analisei o seu rosto, tendo
certeza que ele entendia bem cada palavra. — Não quero conversar com
você depois disso, não quero que me procure, não quero seus joguinhos, mas
principalmente, Meyers... Não quero que toque num fio de cabelo do meu
namorado, e se eu souber que você o provocou minimamente, Derek, eu juro
por Deus, você vai se arrepender de ter nascido.
O filho da puta riu de novo, sem acreditar.
— Uau... Fala como a minha ex ou como a Poison? — Sua tentativa de
me desequilibrar era sempre tão precisa.
— Falo como a garota cansada de ser perseguida pelo mesmo babaca de
sempre. O que vai fazer nesse vestiário? Mexer em algo que não é seu? Usar
algo que a escola não permitiria? — Meu ex ajeitou a postura, percebendo
que eu não era a garota boba do passado. Jamais seria. — Estou te avisando,
Meyers. Não se aproxime de mim, não se aproxime de nenhum dos meus
amigos e, principalmente, não se aproxime do Damian. Porque se eu decidir
que não tenho nada a perder, se eu perceber que vai ferrar minha vida do
mesmo jeito, eu vou contar para todo mundo cada pedacinho podre da nossa
história, e se você acha que o aborto vai me segurar de dizer qualquer coisa,
Meyers, saiba que vai ser um prazer... — as palavras rasgavam pela minha
garganta — um prazer, cair e te arrastar junto. Para o inferno. Estou sendo
clara?
Cerrei os olhos. Meyers não me respondeu.
— Estou sendo clara, Derek?!
Ele mal parecia respirar e eu também não sabia dizer se eu estava
respirando normalmente. Por puro ódio.
— Quando eu voltei, Carlson, eu só queria conversar com você e dar
um fim a isso tudo. Mas então vi você... Com ele... — Derek sorriu. Sorriu
como fazia quando dizia ser apaixonado por mim. E eu senti nojo.
Nojo pelo modo como me culpava por seus problemas, disfarçando os
seus golpes com palavras bonitas e declarações cortantes.
Derek era como um excelente predador, que parece calcular rapidamente
— quase instintivamente — como destroçar a sua vítima. Só que eu estava
cansada, exausta. Eu não seria mais a sua presa.
— Espero ter sido clara, Meyers — falei praticamente entredentes. As
lágrimas se acumularam nos meus olhos, por puro, puro ódio. — Não ligue
pro meu número. Não fale comigo. Mal olhe para mim. E fique ainda mais
longe dos meus amigos. Fique longe do Damian. Do contrário, te vejo no
inferno.
Desliguei a chamada. Bloqueei o número de imediato. Derek puxou Parker
pros vestiários, cada piso firme e carregado de fúria. Wayne deixou o queixo
cair quando a mostrei a chamada.
— Desculpa fazer isso. Eu precisava — minha voz falhou.
Esperei que gritasse. Esperei que xingasse. Mas seus olhos castanhos
claros só esquadrinharam o telefone, sua mandíbula tensionou e no segundo
seguinte seus braços estavam em torno do meu pescoço do modo mais
protetor possível. Melissa me abraçou forte.
— Nunca mais faça isso. Não chegue perto deles — ela pediu, trêmula.
Por um momento eu esqueci do quanto meu passado preocupava as pessoas à
minha volta.
— Não vou.
— Prometa, Naomi. Prometa mesmo.
— Eu prometo. — Beijei seu ombro e a apertei firme, sendo sincera.
Ela suspirou, xingando baixo como quase nunca fazia. Imaginei que odiava
minha impulsividade e me odiei por preocupá-la, mas sentia que realmente
tinha precisado daquela conversa. A uma distância segura, mas olhando nos
olhos daquele filho da puta. E a minha firmeza quase me fez acreditar que
aquilo era um ponto final... Mas Meyers não desistia tão fácil, desistia?
Voltei para casa apenas para tomar um banho e trocar de roupa. Havia
mais um lugar para ir naquela noite. Eu estava tão cansada que não usei
nenhuma maquiagem, apenas vesti uma blusa branca e uma saia de cintura
alta, com um par de coturnos. Busquei por uma jaqueta e só percebi que era
a de Damian quando voltei para o carro, mas joguei a informação para algum
canto no fundo da minha mente.
Quando tudo o que você quer fazer é esquecer alguém — mesmo que por
pouco tempo —, parece que esse alguém está por todo o lugar.
Cheguei à pequena lanchonete, a poucas quadras de distância da escola,
estacionando ao lado da caminhonete de Mike. Era onde nosso time
comemoraria a vitória da noite. Assim que saí do meu Corvette, vi Gianna
Olsen do lado de dentro do estabelecimento pelas janelas longas e largas.
Brandon, Mike e Ollie estavam sobre a caçamba do carro de Graham. Já
Wayne estava a alguns passos do carro, segurando o celular. Aparentemente
prestes a me ligar.
— Nervosos? — perguntei em alto e bom tom.
Quase ri alto ao ver Brandon estremecer. Prendi o riso também, pela
roupa que ele vestia em plena noite de inverno. Era um terno azul claro e
folgado sobre uma camisa colorida. Os garotos estavam em roupas mais
comuns, camisetas e calças.
Ramsey gastou dinheiro para parecer brega o suficiente para uma
declaração romântica e divertida. Gianna era uma garota de sorte. E
provavelmente riria a semana toda lembrando disso.
A ideia de Ramsey era se declarar usando o cantor favorito de Olsen:
Bruno Mars.
— Como estou? — Brandon pulou da caçamba e eu ri, me aproximando
dele. Seus olhos brilhavam em antecipação.
— Perfeito, Brandon Mars. — Segurei os seus ombros. — Trouxe a
caixinha de som? — Ele assentiu. — Preparado? — O vi inspirar e expirar.
— P-preparado.
— Não senti firmeza, Ramsey. Pronto? — Melissa perguntou. Arqueei
uma sobrancelha. Brandon confirmou.
— Pronto!
Mel e eu nos entreolhamos. Pisquei para ela e acenei com a cabeça para o
estabelecimento, sendo seguida pela minha melhor amiga.
— Alguma vez pensou que o veria chegar a esse nível por alguém? — ela
sussurrou. — Brandon Ramsey foi completamente fisgado, Carlson!
— Isso vai ser muito bom de assistir — cantarolei.
Segui ao meu alvo, que conversava com a equipe de futebol dos Green
Snakes animadamente. Gianna esperava pelo namorado, sem ter ideia do que
veria. Mel a surpreendeu com um abraço pela cintura e bastou que nos
sentássemos e conversássemos com ela por dois minutos, para que Ramsey
fizesse a porta da lanchonete se abrir com Treasure tocando o mais alto
possível. Gianna estremeceu em nossa mesa, deixando o queixo cair.
Gargalhei alto de imediato, porque Brandon sabia ser teatral e tentava
imitar Bruno Mars a cada passo, mas, principalmente, porque Mike Graham
fazia umas dancinhas realmente — realmente — horríveis. Oliver, por sua
vez, parecia ter um talento nato para balançar os quadris, por mais
vergonhoso que continuasse sendo.
De qualquer modo, Melissa estava tão vermelha quanto Olsen. Já eu? Eu
queria ver Damian assim.
— Eu vou morrer — Gianna disse, rindo de nervoso, completamente
chocada. De repente, Brandon estava apontando para ela e rebolando. Quase
engasguei tentando segurar a risada e falhei quando a lanchonete passou a
bater palmas, incentivando um Ramsey cada vez mais confiante.
Brega.
Era como uma cena extremamente vergonhosa e ainda assim divertida de
um musical. Eu acho que existem níveis de breguice, sabe? Brandon Ramsey
definitivamente estava no topo. Suando, rebolando e fazendo questão de
apontar para a sua garota, seu pequeno tesouro.
Quando Ramsey pegou um recipiente de mostarda de uma mesa qualquer e
fez de microfone, Gianna gargalhou alto. No meio de toda aquela loucura,
parecia que Brandon vivia em um mundo em que apenas ele e Olsen
existiam. E pelo modo como os olhos de Gianna brilhavam, eu soube que era
recíproco.
Algum tempo depois, Ramsey terminou a performance do século, se
ajoelhando perante Olsen. Suor escorria por sua testa e ele não parecia se
importar. Brandon provavelmente dançaria a discografia inteira de Bruno
Mars para fazer a namorada feliz.
— Pelo amor de Deus, o que foi isso? — Gianna perguntou, rindo. E ao
mesmo tempo em que havia um nervosismo naquele riso, a garota tinha
claramente adorado cada segundo. Brandon abriu o seu maior sorriso.
Mel e eu trocamos um olhar. Poderíamos derreter ali mesmo.
— Isso foi seu namorado te fazendo sorrir — Ramsey respondeu,
ofegante. Todos os observavam. Era muita pressão, mas Brandon tinha
coragem o suficiente. — Sabe aquela sua música favorita? A que o Bruno
canta "quando você sorri, o mundo todo para e encara por um tempo"? —
Brandon cantarolou Just the Way You Are do modo mais desafinado possível,
mas sua namorada o admirava como se ele fosse o melhor cantor do mundo.
Havia amor em todos os mínimos detalhes daqueles dois. — Gata, se olhar
ao redor, vai ver que a letra foi feita para você. — Olsen realmente olhou ao
redor. — Todo mundo aqui está te vendo sorrir, Gi, e possivelmente se
apaixonando tanto quanto eu.
— Amor... — a voz de Gianna falhou e ela franziu o cenho,
completamente confusa. — O que está fazendo?
— Estou aqui para te pedir... Pedir não, Gi, para te implorar... Implorar
que aceite ir ao baile da minha escola comigo. E me deixe te acompanhar no
seu depois. E em tudo o que quiser sempre. Absolutamente tudo. Em
qualquer loucura, gata. Por favor... — Ele estava ofegante. — Por toda a
vergonha que aconteceu aqui... — Ele riu de nervoso e eu quis rir junto.
Gianna segurou o rosto do loiro com as duas mãos trêmulas. Mordi o
lábio inferior com força, meu coração acelerando com a sua demora para dar
uma resposta.
É só dizer sim.
É só dizer sim...
— Você é insano, Brandon, insano. — E de perto eu consegui ouvi-la
dizer "sim e sim" repetidas vezes, antes de beijá-lo e levar todo o lugar à
loucura.
Eu me contive para não gritar, mas Mike comemorou como se estivesse
presenciando um gol, Oliver berrou dezenas de xingamentos e Wayne estava
assobiando e aplaudindo como uma louca. Quase me senti completa. Até que
instintivamente busquei por alguém. Mas ele não estava lá.
A noite poderia ter sido mais divertida, mas eu estava exausta e voltei
cedo para casa. Alívio me tomava enquanto eu tirava a jaqueta, andando
escada acima, ansiosa pela minha cama. Cantarolava Treasure baixinho,
sorrindo boba ao lembrar da animação de Ramsey em se declarar para
Gianna. É algo impossível de se esquecer.
Eu não esperava encontrar ninguém no meu quarto quando o abri, mas ali
estava: minha mãe, abrindo um álbum de fotos minhas, de quando eu era bem
pequena, perdida em memórias e mais memórias.
Lia parecia tão concentrada em uma imagem de uma Naomi Carlson de
seis anos, após uma aula qualquer de ballet, tomando sorvete e expondo um
sorriso com um dente faltando logo na frente. Ela vestia um suéter vinho
comprido por cima de calças cinzas de algodão, leves.
Paralisei por completo quando vi que meu caderno de croquis também
estava sobre a cama, aberto em uma pintura de um vestido preto qualquer;
não era um dos melhores. Ao menos as colagens ao redor eram interessantes.
— Quando eu te via dançar, tão pequena... — sua voz me fez engolir em
seco. — Nossa, Naomi, meu mundo parecia parar. Eu quis estar lá por você
hoje, mas acho que estragaria tudo, não?
O nó na minha garganta se formou de imediato e eu fechei a porta atrás de
mim.
— Onde o papai está?
— Dormindo. Madison está estudando. E eu senti sua falta. Quer dizer...
— Lia riu, sem humor. — Sempre sinto. Mesmo quando está perto.
Eu não estava esperando por aquela sinceridade, naquele dia, àquela hora.
Talvez nunca.
— Como foi? A apresentação, digo.
— Foi muito boa.
— Comemorou com os seus amigos? — Lia passou a página do álbum e
eu tomei coragem para me aproximar. A foto era nossa. Eu deveria ter quatro
anos e estava em seus braços, sujando seu rosto com tinta guache azul.
Parecia outra vida.
— Um pouco — respondi, quase em um sussurro. Ela ergueu os olhos aos
meus e eu desejei que não tivesse feito isso, porque me senti vulnerável de
imediato. — Tudo bem, o álbum, tudo bem mexer nele. Mas o meu
caderno...
— Desculpe. Maddie me disse que você começou a trabalhar no seu
vestido da formatura. E fazia tanto tempo desde que eu via algo seu, nem
pensei que... Céus... Isso foi invasivo, não? Me perdoe. Ao mesmo tempo,
ainda bem que fiz isso. Porque... Caramba, filha, você tem tanto talento!
Filha. Uau, a palavra me pareceu tão estranha…
Aproveitei o silêncio por algum tempo, pensando em qual razão eu
conseguia chamá-la de mãe e — ainda assim — estranhar ser chamada de
filha. Só depois perguntei:
— O que faz aqui?
O silêncio nos acompanhou novamente, até que Lia bateu na cama,
sinalizando para que eu me sentasse. E assim fiz.
— Já disse: saudades — ela respondeu. Algo no meu rosto deve ter
denunciado meu estranhamento, porque ela logo acrescentou: — E
necessidade de lutar contra seja lá que inferno está na minha mente e esperar
a minha filha para uma conversa. Para implorar por qualquer chance de
recomeço.
Recomeço?
— Do nada? — a fala me escapou antes que eu me desse conta de quão
insensível ela soava.
— Tenho que começar por algum lugar.
Ela passou mais uma página do álbum. E ali estava: Maddie e eu,
fantasiadas para o Halloween, abraçando Lia pelo pescoço. Éramos
pequenas, tão pequenas. Meus olhos arderam e eu me senti pesada sobre a
cama.
— Me pergunto o que aconteceu para a nossa família se quebrar. Acho
que a culpa foi toda minha.
— Mãe... — tentei interrompê-la, porque não queria ter aquela conversa.
Não naquele dia.
— Seu pai se tornou tão... volátil. Eu não consigo entender! Mas eu
deveria ter defendido vocês, eu deveria cuidar de vocês — era raiva na sua
voz. Raiva de si mesma, a cada página que ela passava.
— É melhor conversarmos amanhã, mãe, eu...
— Por favor, Naomi... Por favor... — Ela fechou os olhos e tocou a minha
mão com seus dedos trêmulos, a apertando com força. Meus ombros pesaram
três vezes mais. — Não sei vou conseguir dormir mais uma noite com o peso
de ser odiada por você...
— Eu não...
— Você me odeia mais do que me ama — ela disse, abrindo os olhos.
Um peso caiu sobre os meus ombros. Porque eu sabia muito bem por que
Lia dizia aquilo. Eu tinha lhe dito. Algumas poucas vezes. E apesar de
sempre me sentir horrível no instante seguinte a essas palavras, eu insistia
em deixá-las escapar vez ou outra.
— Quando você nasceu, meu amor… — Lia umedeceu os lábios,
parecendo buscar pelas palavras certas —, seu pai já tinha começado a
deixar a máscara cair. — Seus dedos ainda tremiam sobre mim. — Mas ele
ainda fingia que pretendia mudar, então... No segundo em que te peguei nos
braços e o vi olhar para você, acreditei de verdade que você poderia ser a
luz que nossa família precisava — ela falava devagar e eu não sabia para
onde aquilo iria. — Madison estava radiante com uma irmãzinha, Vincent
mais calmo e eu completamente apaixonada por cada detalhe seu...
Meus olhos arderam ainda mais e eu engoli em seco. Ela costumava ser
apaixonada por mim. Ela costumava me amar, do jeito certo. Aquilo parecia
outra vida. Parecia tão, tão distante do que vivíamos.
— Sempre houve esse monstro dentro do seu pai. O que me agride com
palavras, me humilha e... Enquanto vocês eram crianças, Vin tentava se
controlar. Em algum momento, ele apenas... — sua fala se perdeu por um
segundo. — Ele assumiu o monstro com orgulho. Cada vez mais rígido,
vendo vocês, as minhas filhas, apenas como Carlsons, como sucessoras...
Ele deixou de sorrir para vocês, de ser pai. Mas eu...
Mamãe inspirou fundo, analisando a minha palma, deixando seu polegar
acariciar a minha pele. E eu permiti isso, mesmo que não tão confortável.
— Ugh... Eu amo Vincent — ela continuou. — Me apaixonei por um cara
que queria que você conhecesse, um diferente. E devo estar doente, porque
me prendo aos resquícios do homem que conheci. Não sei distinguir o lado
ruim dele do bom e... amo os dois. É uma doença. Eu sei que é. E, caramba,
me desesperou quando vi você doente assim por outro garoto. — Eu engoli a
vontade de chorar. Nunca realmente tinha parado pra pensar no que Lia
sentia quando me via perto de Meyers. Nem passou pela minha cabeça que
ela pudesse comparar o meu antigo namoro com seu casamento. — Porém,
ainda assim… O meu casamento… — Lia suspirou. — Nossa, eu sempre dei
a minha alma por qualquer mínima chance que encontrava de recuperá-lo, de
manter nossa família unida, de tentar fazê-lo ser bom para mim e para
vocês...
Eu odiava a parte de mim que a julgava, porque eu não deveria. Eu tinha
passado por algo parecido e sentia que era hipocrisia da minha parte. Ao
mesmo tempo eu estava ali, ouvindo que ela tinha me colocado em segundo
plano o tempo inteiro. Digo, sempre soube, mas ouvir era doloroso para
cacete.
Evitei em guiar meu olhar para o seu rosto a todo curso, fitando a cama e
tentando me concentrar em cada inspiração e expiração minha, para me
manter calma.
— Mesmo quando percebi que Vincent era exatamente o que quebrava a
nossa família, esse amor... Essa doença já não me permitia largar esse
casamento e eu ainda não consigo, meu amor, eu realmente não consigo.
Mesmo me perdendo no processo, perdendo Madison, mas, principalmente,
perdendo você.
Fechei os olhos, tentando respirar fundo. Foi quando as primeiras
lágrimas vieram.
— Eu errei mais com você do que qualquer pessoa no mundo. Meu amor...
Vou viver te implorando por perdão. Eu deveria ter te protegido tantas vezes.
Mas a quebrei. Eu te machuquei, Naomi...
— M-mãe... Olha...
— Mas isso vai ter um basta, meu amor, realmente vai, sim?
O modo como falou, tão doce, me fez estremecer. Era a Lia Carlson que eu
não sentia há anos. Me fez erguer os olhos aos seus e eu quis morrer por
isso. Porque olhar para Lia, para seu rosto vermelho, suas lágrimas e toda a
sua dor... Foi como me olhar no espelho.
— Seu pai... Seu pai não está suportando, Naomi, essa é a verdade. Esse
câncer é uma guerra perdida. — Seus lábios estavam trêmulos e eu senti meu
coração quebrar um pouquinho mais a cada segundo. — Eu prometi amá-lo
até o último segundo da sua vida e eu odeio não conseguir quebrar essa
promessa, ok?
Ela acariciou o meu rosto, seu polegar tentando secar as lágrimas que
corriam por minhas bochechas.
— Mas eu quero que saiba, minha menina, que eu amo você. Sempre amei.
Sinto muito se fiz isso errado.
Ouvir que a minha mãe me amava era agridoce. Por um lado, me aliviava.
Por outro, era uma sensação tão forte e indescritível que parecia capaz de
me corroer.
— Eu tenho orgulho da garota que você é, apesar de me odiar por ter sido
uma das razões para que precisasse construir tantas fortalezas ao redor de si
— ela continuou, com a voz embargada e a fala arrastada e rouca. — Tenho
orgulho e sinto alívio por ter uma filha tão forte. Mas quero que saiba, amor,
principalmente... — Lia apertou minha mão, enquanto as lágrimas
deslizavam pelos nossos rostos. Havia tanto nela que lembrava de mim,
naquele segundo. Não apenas os traços delicados, mas a dor nos seus olhos.
— Quero que saiba que assim que seu pai se for, farei de tudo para que siga
todos os seus sonhos e seja ainda mais firme do que sempre foi.
— Mãe...
Minha cabeça era um caos, de repente. Aquela conversa era nitidamente
um ponto de virada em minha vida, em nosso relacionamento, mas eu não
sabia o que esperar depois daquilo. Eu não sabia o que pensar. Era como se
meus neurônios fossem impossibilitados de funcionar corretamente, um
amarrado ao outro, e todo o mundo fosse processado mais devagar.
Minha mãe me amava. Ela faria de tudo por mim. Aquilo era uma
promessa. Eu poderia mesmo confiar nisso?
— Verdades sejam ditas, Naomi, seu pai é o nosso maior pesadelo... —
Ela pegou o meu caderno de croquis e o deixou sobre o meu colo. — Mas
esse pesadelo vai acabar logo. Talvez muito mais rápido do que esperamos.
Odiei me sentir mal em ouvir isso. Odiei saber que Lia e eu amávamos
alguém tão podre.
— Então você não pode deixar que, mesmo depois que ele tenha partido,
Vincent ainda tenha tanto controle sobre o seu futuro.
Ela respirou fundo, falando com mais firmeza:
— Preciso que busque os seus sonhos. Ao menos isso, meu amor, para que
você tenha a felicidade que te roubamos por tanto tempo. E sua felicidade
não vai estar numa universidade de Economia, trancafiada numa empresa que
nunca quis gerir. Sua felicidade está nos seus amigos, está naquele garoto
que veio aqui e me fez perceber que lutaria por você sempre com unhas e
dentes, está no seu talento...
— Mãe, o que está dizendo...
— Estou dizendo para que deixe, por favor, deixe que o mundo veja o seu
talento. — Ela colocou a minha mão sobre uma das páginas abertas. — Veja
a luz que eu sempre vi em você, mesmo quando todo o resto era escuridão.
Ainda dá tempo... Você sabe que sim. Então sabe o que fazer. — Ela secou
uma lágrima pelo meu rosto mais uma vez e eu estremeci, me permitindo
chorar em silêncio. — Busque as universidades que quiser buscar, procure
os caminhos que quiser traçar, garanta que seu futuro seja seu e não dos
outros.
Quando Lia colou a boca em minha testa, eu me permiti relaxar um pouco.
Tinha esperado tanto tempo por algo assim, ao mesmo tempo me fechado
para qualquer chance de tê-la ao meu lado daquela forma. Ela fez menção de
se levantar e eu segurei sua mão, a mantendo por perto por um segundo.
— Eu nunca — comecei —, nunca, mãe... Nunca vou te odiar mais do que
te amo.
Lia sorriu, mas as lágrimas já se acumulavam nos seus olhos novamente.
Acho que ela sabia que, em algum momento, eu realmente tentei.
— Desculpa por isso — ela apontou para a bagunça na cama — e por
tudo.
Assenti, mas nós duas sabíamos que desculpar ou perdoar seriam
processos lentos demais para mim. Depois a deixei ir.
Fiquei completamente parada até que a porta se fechasse. Quando isso
aconteceu, levei as mãos ao rosto, tentando entender e absorver o que tinha
acabado de acontecer.
O primeiro pensamento que me atingiu foi terrível. Porque me perguntei se
teria me tornado Lia Carlson se tivesse continuado com Derek Meyers. E eu
tive medo, terror da resposta.
Frozen passava na televisão, enquanto Miley cantava Let it Go pela sala e
Ryan, ao meu lado no sofá, morria de tédio. Eu observava o pingente da
corrente, que Naomi havia me dado de aniversário, entre meus dedos. O
número oito marcado num pequeno retângulo, o meu sobrenome logo abaixo.
Eu queria entrar em campo com qualquer coisa que me fizesse sentir
melhor. Quando acordei naquela manhã e vi a corrente ao lado da cama,
decidi usar durante o jogo, sob a camisa, como um amuleto da sorte. E deu
certo. No segundo em que pisei no gramado e vi Carlson, percebi que me
sentia mais seguro porque, mesmo distantes, era como se eu tivesse um
pedacinho dela comigo o jogo inteiro.
Não queria ficar longe da Naomi, ao mesmo tempo precisava de um tempo
para digerir a Poison. O fato de ter usado de boatos para alimentar o seu
status, mas, principalmente, o fato de ela pensar que eu não a
compreenderia... E isso ser verdade.
Eu não compreendia porque Naomi simplesmente não apagava a Poison e
seguia em frente. Mas eu queria compreender, porque a amava. Por
completo. Logo, provavelmente amava até a parte que controlava a conta
mais venenosa de Brightgate.
Eu sabia que havia uma comemoração acontecendo numa lanchonete a
poucos blocos da escola, mas preferi ficar com a minha família.
Principalmente porque Miley estava tão feliz depois do jogo, eu não queria
deixá-la para ver o pessoal, por mais que ele fosse importante.
Nunca pensei que precisaria tanto dos Bale, mas naqueles últimos dias, eu
tinha me aproximado mais deles. Katy, Miley e até mesmo Ryan. Ryan me
pediu por tantas chances e eventualmente acabei me abrindo um pouquinho,
só um pouco, para o lance de pai e filho. Era um começo.
O cheiro de pipoca me chamou a atenção e Katy voltou, em seus pijamas,
deixando o balde sobre a mesa de centro. Ela se sentou ao outro lado de
Ryan, deitando a cabeça no ombro dele. Eles pareciam bem, como se a
discussão da semana anterior — quando Katy tentou me acobertar após a luta
com Derek — nunca tivesse existido.
Afundei a cabeça no encosto do sofá, tentando me concentrar no filme,
mas minha mente realmente não estava na Elsa, na Anna ou no Olaf. Bufei e
isso chamou a atenção do casal ao meu lado. Vi o momento em que Katy
cutucou meu pai, no que parecia ser um silencioso "algo aconteceu, vamos,
pergunte o que houve".
— Foi um jogo e tanto hoje, hmm? — Ryan me perguntou e eu assenti. —
Fez um belo lançamento para o seu amigo.
— E agora é um campeão tanto quanto o papai orgulhoso aqui — Katy
brincou. Virei o rosto para os dois, confuso. Ela alcançou o balde de pipoca
e o levou ao colo. — Seu pai foi um Green Snake, não sabia?
— É sério?!
— Fui um reserva no meu primeiro ano na escola, nós ganhamos o
campeonato. Mas eu era um péssimo jogador — Ryan disse, dando de
ombros, mas seus olhos brilharam, possivelmente pela nostalgia. Ergui as
sobrancelhas, surpreso. — Foi um jogo e tanto, Damie. Te ver erguer aquela
taça... Foi muito bom, de verdade. — Meus lábios se curvaram levemente e
os dele também. Um sentimento bom aqueceu o meu peito e eu mordi o
sorriso. — Naomi também parecia bem feliz...
E o meu sorriso sumiu.
— É... Ela foi muito bem hoje também, não? — falei, lembrando da cada
movimento de Carlson. Eu poderia vê-la dançar para sempre. — O nome
dela vai ficar marcado pela escola enquanto ela existir.
— E Carlson merece — Katy disse, orgulho por cada palavra. — Ela é
incrível!
— Ela é — concordei, sincero, mas minha voz saiu mais fraca do que eu
esperava. Apertei minha corrente entre os dedos.
— Brigaram de novo? — a voz de Katy soou doce e preocupada.
Confirmei silenciosamente. — Oh, querido... Eu sinto muito. Foi por causa
daquele ex-namorado maldito? Ela está bem?
— Vamos ficar bem... Só estamos dando um tempo. É só isso, um tempo.
— Você e a Naomi terminaram? — Miley perguntou, correndo até mim.
Ela pulou no meu colo antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. Neguei. —
Mas você disse "tempo" e tempo é o que os adultos dizem quando querem
terminar. É por isso que ela não está aqui com a gente? Eu sinto falta dela.
Amaldiçoei Miley por toda a sua energia e perguntas, mas respirei fundo.
Não adiantava ficar bravo com ela. Ela dizia que Naomi era a sua irmã mais
velha, então sentir saudades era normal. Era só uma criança.
— Naomi e Damian não terminaram, meu amor — Katy disse. — É só
uma má fase, ok?
— Então ela está numa má fase comigo também? — Miley perguntou,
cruzando os braços.
— Claro que não! — respondi. — O meu relacionamento com a Naomi é
entre nós dois. Ela nunca vai te deixar de lado. Carlson é completamente
louca por você. — Os olhos de Miley brilharam como nunca. — Ela pararia
tudo a qualquer momento por sua causa.
Minha irmã sorriu ainda mais e olhou para Katy.
— Então posso falar com ela agora?
— Está tarde — Ryan avisou. — É melhor não...
— Por favor... — Miley murchou os lábios e deu seu famoso olhar de
cachorrinho, fazendo Ryan entregar o celular no segundo seguinte. A dona da
casa, pensei. Miley correu para longe, gritando que sabia o número da minha
namorada antes que eu sequer começasse a dizê-lo. E me surpreendi quando
percebi que ela realmente sabia.
Afundei no sofá, cansado. Meu celular tocou. Era a minha mãe. Vi o
número na tela e considerei falar com ela no dia seguinte, mas Ryan
percebeu de quem se tratava. Seu olhar foi como um pedido para que eu
atendesse e eu bufei, fazendo isso.
— Oi mãe.
— Uau, você atendeu! Que horas são por aí?
— Vinte e duas e alguma coisa. E aí?
— São treze e alguma coisa. Como está?
— Bem, você?
— Bem. Estou ligando para avisar que duas correspondências
chegaram aqui e eu só abri uma. São de universidades que você aplicou.
— Olhei para o lado, torcendo para Ryan não ter escutado nada, e fui para a
cozinha, passando por Miley. Ela ainda falava com a Naomi. — Quer que eu
leia os conteúdos delas?
— Pode me mandar foto amanhã. Eu posso ter recebido algum e-mail
também, vou dar uma olhada depois. — Nervoso, toquei a nuca, respirando
fundo.
— E as universidades daí? Recebeu resposta de alguma?
— Ainda não. Nem de Melbourne, Sydney ou da Universidade de
Brightgate. Com as notas que eu tenho, vou ter sorte se for admitido para
qualquer curso da Inglaterra ou da Austrália.
— Não diga isso, Damie! Suas notas melhoraram esse ano, não? Além
disso, esses cursos de música se preocupam com mais do que nota, eles
buscam talento e isso você tem de sobra! Vai ficar tudo bem. — Houve um
longo momento em que repeti suas palavras mentalmente, tentando confiar
nelas. — Se for admitido por aí e por aqui, já pensou em qual caminho
seguir?
Meu coração pesou por um segundo, porque sim, eu tinha a minha escolha
feita.
— Talvez.
Ela suspirou audivelmente. Meredith sempre sabia o que se passava pela
minha mente sem que eu nem precisasse dizer. Mesmo de tão longe.
— Certo — ela pareceu dizer para si mesma. — Como está por aí? A sua
irmã, a Katy, o Ryan? A Naomi, ela está bem? Para ser honesta, amor, não
liguei pelas correspondências, liguei porque pensei nela.
— Sério?! — Me apoiei na parede da sala, curioso.
— Sim... Tive uma sensação ruim. — E de repente eu estava preocupado.
— Está tudo bem entre vocês? — Hesitei em responder. — Damian?
— Estamos dando um tempo, mãe. Nada demais. Precisamos pensar um
pouco separados.
— Certo. — Mais uma vez, parecia dizer para si mesma. — Vou ligar
para ela amanhã, deve ser só uma sensação. Espero que se resolvam, meu
amor. Naomi é uma boa menina, Damie. E você também é bom. Só
precisam de um pouco mais de calma um com o outro...
— Mãe... Não quero falar sobre isso.
— Certo, certo! Espero que se resolvam — Meredith disse, por fim. —
Amo você. Manda um beijo para todo mundo, ok?
— Ok. Também te amo.
Nos despedimos e eu voltei para a sala. Miley parecia aflita, agora
sentada sobre o colo do meu pai.
— Falou com a Naomi? — perguntei e ela assentiu, balançando as pernas.
— Está tudo bem?
— Eu acho que ela estava triste. — Franzi o cenho, sentindo o meu
coração doer. Triste?
Desbloqueei o celular de imediato, finalmente enviando uma mensagem
para Carlson. Um simples "Tudo bem?". Naomi não me respondeu e eu me
sentei sobre o sofá. Miley engatinhou até o meu colo e virou meu rosto para
si.
— Fica com ela, Damie — minha irmã pediu, baixinho. — Não deixa a
Naomi ir embora. — A tristeza na sua voz quebrou meu coração e eu vi que
seus olhos estavam marejados. Miley me abraçou forte pelo pescoço,
aproximando a boca do meu ouvido. — É a Anna para a minha Elsa. Eu a
amo também.
Foi ali que eu soube que, se as coisas acabassem mal entre mim e Naomi,
nossos corações não seriam os únicos a serem partidos.
Quis conversar com Carlson naquela manhã, mas achei que ela não tinha
ido para escola, porque estava tão cansado que adormeci nos primeiros dez
minutos de aula e não a vi. Dormi a aula de matemática inteira e acordei com
uma mão em minhas costas. A voz de Mike era distante, mas quando abri os
olhos, foi Melissa quem vi.
— Bale, a aula acabou. É intervalo — Mel sussurrou.
— Hmm? — Cocei os olhos, odiando a claridade. Vi Mike de braços
cruzados atrás dela. Eu não poderia me dar ao luxo de dormir na aula, mas
tinha passado a noite inteira compondo. — Valeu por avisar.
— De nada. Mas não foi só por isso que te acordei. — Wayne sorriu. —
Sei que você e a Naomi estão meio chateados um com o outro. Porém, ela
está te esperando na sala de música. É muito importante.
— Sala de música? — Passei a mão no rosto, tentando espantar o sono.
Ainda estávamos dando um tempo, então algo sério deveria ter acontecido
para que me chamasse, certo?
— Só vai, cara — Mike disse, quase em uma ordem.
E eu obedeci.
Quando abri a porta da sala, lá estava ela. Linda como sempre.
Naomi Carlson afinava um ukulele. Suas pernas estavam cruzadas na única
cadeira em meio a um semicírculo de tantas outras. O pequeno violão
havaiano era envolvido pelos dedos delicados e ela olhava para o celular,
apoiado em uma de suas coxas. Com algumas mechas lhe cobrindo o rosto
conforme olhava para baixo, Naomi parecia presa em seu próprio mundo.
Analisei as espirais pretas que seguiam pela madeira clara do ukulele, em
ramos e ramos de flores pintadas à mão. O talento de Naomi Carlson para
arte nunca deixaria de me impressionar. Acho que sua alma era feita disso:
arte. E por isso ela conseguia fazer absolutamente qualquer coisa e
simplesmente alcançar a perfeição.
— É meu, caso esteja se perguntando — ela disse, em alto e bom tom. Ri
nasalado, guardando as mãos nos bolsos do uniforme.
— Imaginei, pelos desenhos. E nunca vi um desses por aqui.
— Pois é... Comprei esse fim de semana. — Ela deslizou os dedos pelas
cordas e sorriu, satisfeita. O som foi doce e calmo. E então ergueu o queixo,
fitando os meus olhos. Porra, todo aquele azul fez o meu coração errar
algumas batidas.
— Então... Aqui estou eu — falei, hesitante em me aproximar.
— Aí está você — ela devolveu. Depois suspirou, tentando relaxar. —
Obrigada por ter vindo, Damian, de verdade. Prometo ser breve. E se não
quiser mais nada comigo... Seja lá qual for a sua decisão depois disso, tudo
bem. Mas obrigada por ter vindo.
Assenti, sentindo um peso sobre os meus ombros. E então ela acenou com
a cabeça para uma das cadeiras. A arrastei até que ficasse à frente da sua e
me sentei, nervoso e curioso.
Sorrindo fraco, Naomi me entregou o celular, me deixando confuso. Agora
a tela estava bloqueada, pela inatividade.
— A senha é o aniversário da Maddie, três dias antes do meu. Por favor,
acerte e não me decepcione. — Sua brincadeira foi uma tentativa de
descontrair. Quase deu certo.
Carlson fazia aniversário em oito de janeiro, então Madison no dia cinco.
Não era algo que eu esqueceria facilmente. Não esqueceria nada de Naomi
Carlson.
— Sem segredos, Bale. Não tenho mais o que esconder.
E ali estava... A confiança. Essa foi a primeira coisa que me ofereceu.
Era a primeira vez que ela me deixava mexer no seu celular. Eu nunca
tentei e jamais tentaria mexer nele sem sua autorização, mas Carlson não me
deixava tirar uma foto, por exemplo, ou ligar para alguém se minha bateria
descarregasse, se ela não estivesse por perto. Colada, ao meu lado, atenta a
cada movimentação. Agora fazia sentido.
Digitei a senha e desbloqueei a tela.
Os aplicativos surgiram e ela me deu a próxima instrução, antes que eu a
perguntasse o que fazer:
— Álbum de fotos. Vai saber onde apertar assim que abrir.
E eu obedeci. Abri o álbum de fotos e vi a pasta mais recente.
"Sweetheart". Um único arquivo de vídeo. Quando dei o play, não saiu som
algum.
— Eu realmente acredito, amor, que sua alma é feita de música e que não
há nada no mundo que você ame mais do que isso. É como oxigênio para
você, certo? Então... Resolvi conversar contigo na sua melhor linguagem —
ela disse baixo. Percebi o nervosismo na sua voz. — Me desculpe se eu
estiver enferrujada, faz muito tempo desde o meu último instrumento. E se o
vídeo acabar, só olhe para mim.
Os primeiros acordes fizeram o meu coração parar por um instante. Die
for You do The Weeknd, na sua voz, me fez querer chorar para cacete, mas
me mantive firme.
Voltei os olhos para a tela com um vídeo nosso, na minha cama. Naomi
tentava gravar o meu rosto enquanto eu usava o celular, fingia que morderia
o meu queixo. Naquele dia, eu estava de mau humor. Só ela me fez sorrir.
E na outra parte, no nosso primeiro encontro, na saída daquele bar, logo
antes do primeiro "eu te amo" que ela me disse. Aguardávamos pelo uber
para voltarmos para casa e Carlson me gravou fingindo que roubaria uma
Harley-Davidson na rua.
Seus dedos se mexiam com delicadeza, sua voz tão suave e calma quanto a
melodia lenta e meiga do seu instrumento. Ergui os olhos para ela, entre uma
foto e outra na tela, admirando como se concentrava, olhando para o ukulele,
não errando uma só nota. Aquela era a nossa música, a primeira que
cantamos juntos, na minha moto. Cacete, se naquela época eu soubesse que
aquela letra nos definiria tanto...
Voltei a ver o vídeo, sorrindo. O dia em que fomos para a praia juntos
pela primeira vez. A invasão ao campo dos adversários. O meu aniversário.
A vez que me fez dançar Shakira com a Miley e eu não conseguia acertar
nem um passo. A primeira foto que tiraram da gente, juntos, minutos depois
do nosso primeiro beijo. Minutos depois que a senti pela primeira vez.
Carlson tinha tudo no seu celular.
Ergui os olhos para ela de coração apertado. Agora Naomi tinha o olhar
cravado no meu rosto, mas não errava uma nota sequer. Era como se a
música fluísse de dentro dela para todo lugar. Sua alma falando a cada sílaba
cantada. Para mim.
Ela pulou a linha seguinte porque sua voz simplesmente falhou. Ela pulou
a frase que dizia que sentia medo de me perder o tempo todo. Carlson queria
chorar. E eu a compreendia, porque eu também sentia o mesmo. Porque a
letra nos resumia. Falava sobre o medo constante de perder alguém e ali
estávamos: tentando nos agarrar a tudo do nosso relacionamento com força,
mas sendo nossos maiores inimigos ao mesmo tempo.
A ardência em meus olhos, a agonia em minha garganta, o nó em meu
peito... Aquela era toda a nossa história em fotos e mais fotos. O modo como
o meu sorriso combinava com o seu e o brilho nos nossos olhares dizia tudo
por nós dois. Cada beijo gravado ou fotografado. Ou os abraços, as selfies,
os vídeos engraçados, os momentos em que eu cochilava em seu colo... O
lado bom. Naomi me mostrava o lado que precisava falar mais alto.
As lágrimas se acumulavam em seus cílios, conforme olhava para as
cordas do ukulele e desabafava da forma mais pura, honesta e linda possível.
Isso significou o mundo. Eu não conseguia tirar os olhos dela. Nem por um
segundo. Não mais.
Seu.
Completamente seu.
Tanto quanto ela era minha.
Não num sentido possessivo, não, longe disso... É que... só não sei
explicar de uma forma diferente o quanto nos pertencíamos.
A cada frase que ela cantou em seguida, a cada acorde, a cada
respiração... A sua coragem em se expor estava ali. A Naomi que foi ferida
tantas vezes e não se importava mais em mostrar as cicatrizes, em falar tudo
o que o coração guardava. A que aprendia a ser honesta consigo mesma e
por si mesma, antes de tudo, e então por mim. Por nós dois. Toda a
maturidade que lhe tomava com delicadeza enquanto cantava que me amava,
que sentia muito.
Porra, eu só queria interrompê-la e dizê-la que tudo era recíproco, mas eu
não ousaria pará-la. Não a impediria de ser a Naomi que eu sabia que ela
era. Não a Poison, não qualquer outra máscara. A minha garota, minha
sweetheart.
Quando ela dedilhou o ukulele pela última vez, um suspiro frágil lhe
escapou dos lábios e eu ofereci seu celular de volta. Carlson o colocou
sobre o colo e secou as lágrimas no rosto com o dorso de uma das mãos,
tomando um segundo para organizar seus pensamentos. Depois, disse:
— Eu compreendi, com o tempo, que existem diferentes tipos de amor no
mundo. O mais importante, por mais egoísta que soe, é o amor próprio.
Naomi me analisou por um momento. Só então continuou:
— Cheguei a pensar que sustentar as minhas mentiras, Damian, que manter
a minha máscara por essa escola ou em casa ou seja lá onde fosse... Que isso
era amor próprio. Mas eu não amava muita coisa sobre mim, coisas que eu
escondia lá no fundo do peito. Só me orgulhava de ser essa pessoa que você
conheceu quando eu estava com um grupo pequeno de pessoas. Como a Mel,
o Brandon, a Elise, a Madison... Mas então veio você. E eu te odiei tanto,
Bale. Acho que era porque você debochava da máscara que eu tinha
demorado tanto para criar. Só que, de repente, amor, você... Você, Damian,
conseguiu fazer parte desse pequeno grupo de pessoas. E a minha máscara
caiu, realmente caiu. Passei a parar de esconder quem sou ao seu lado e,
quando isso aconteceu, eu já não conseguia te odiar. Porque ser eu mesma,
ser a Naomi, é muito mais fácil do seu lado. Então acho que preciso de você.
Engoli em seco, sentindo a ardência nos meus olhos se intensificar. E ela
continuou:
— Veja bem, eu não acho que você seja uma necessidade como oxigênio,
comida, água... Longe disso, Damian, eu prometi a mim mesma que nunca me
permitiria ficar abaixo de ninguém. O que significa que, se você resolver
sair por aquela porta — ela acenou com a cabeça para a saída —, vai doer
para cacete. Eu vou chorar, vou tentar te odiar e possivelmente, amor, não
vou conseguir. Provavelmente vou maratonar minhas series favoritas do
inicio ao fim, assistir todas as comédias românticas do mundo e me isolar
por uma semana ou duas... Mas eu vou te superar, um dia. Esquecer, jamais.
Eu sou totalmente capaz de não precisar de você. Assim como você é
totalmente capaz de não precisar de mim. Mas não é isso o que eu quero,
Damian. Nunca. Bale, eu...
Seus lábios tremeram e Carlson cerrou o punho em frente ao peito. Minha
visão estava muito mais embaçada do que eu gostaria.
— Eu amo você, Bale. — Ela tomou um segundo para que eu absorvesse
as palavras. — Eu te amo. Mesmo. Tanto quanto a Miley gosta de dormir no
meu colo quando assistimos a um filme da Disney. — Quando Carlson riu,
entre lágrimas, eu fiz o mesmo. — Tanto quanto a sua mãe gosta daquele
emoji da lua e usa para absolutamente tudo. Ou quanto o Ryan ama a Katy,
Mike e Mel amam Star Wars, Ollie ama as piadas de pinto, o Brandon ama o
surf e você ama a música. Eu te amo tanto que... Nem sei explicar! Porque
você me fez lembrar que há coisas boas em mim. Me ajudou sem nem
perceber, amor. Me fez lembrar que preciso lutar por mim mesma. Que sou
forte o suficiente para vencer meus próprios demônios e que preciso fazer
isso. E quando acho que não sou forte, Damian, você está ali para me dar um
pouquinho da sua força. Tudo isso me fez querer buscar ajuda e ser apenas
eu, sabe? Porque isso basta. Então o motivo para eu te amar tanto, é que...
Antes de ser meu namorado, Bale, você é o melhor amigo que eu poderia ter.
Meu coração se apertou com tanta força que segurar as lágrimas foi
impossível.
— Você, Damian, você... Você. Completamente oposto a mim e ao mesmo
tempo tão, tão parecido. Meu amigo antes de tudo. Se infiltrou na minha vida
tão devagar, que num segundo eu te odiava e, de repente, do nada, eu
procurava por você quando alguém contava uma piada, porque sabia que
riria comigo. É quem eu procuro quando descubro uma música boa, quando
algo hilário acontece, quando quero um bom travesseiro humano para
abraçar e só ficar por perto. Você me deixa tão confortável para falar o que
penso, ser o que sou... Em algum momento, isso me fez entender melhor o
significado de amor próprio. E hoje eu estou tentando me amar mais do que
qualquer pessoa, Damian, mas do jeito certo. Mas logo depois de mim, está
você.
Ela respirou fundo e sorriu, mesmo chorando. Mais do que amor por
Naomi Carlson, escutando tudo aquilo, sabendo de quão forte ela era... Eu
sentia orgulho. E honra por ser seu.
— Eu preciso de você — ela continuou. — Mas posso muito bem, um dia,
não precisar. Só que não é o que quero. Eu quero você. E todas as suas
manias, seus defeitos, seu mau humor, seu sarcasmo... Eu quero tudo isso. Do
meu amigo, do meu namorado. Eu quero você! E doeu muito, muito ver todos
os convites para o baile acontecendo e não ter você me chamando, até que...
Eu decidi fazer isso, Damian.
Aquela era a maior declaração de todos os tempos. Eu queria gritar para
todo mundo ouvir que era para mim.
— Então isso tudo é um convite para o baile? — finalmente falei, com a
voz falha. Carlson riu.
— Sim, mas não só isso e você sabe. — Seu sorriso fraco me fez sorrir de
volta. — Brandon vai ao baile com a Gianna, Mike com a Mel, a Riley com
a Kie. E o Oliver disse que, se você se negasse, ele iria comigo. Como
amigos. Provavelmente beberíamos juntos e ririamos do Mike tentando
dançar, sabe? Mas eu neguei. Porque vou para a festa, Damian, e vou curtir
cada segundo da despedida dessa escola. Porque sei que mereço isso. Mas,
ou eu irei somente com a pessoa que mais amo no mundo, que nesse caso,
sou eu mesma... Ou eu irei com a melhor coisa que me aconteceu esse ano. E
isso é você. Não há nenhuma outra opção.
Ela parecia esperar por uma resposta. Meu coração começou a bater como
nunca dentro do peito.
Inclinei meu corpo, aproximando o meu rosto do seu.
Carlson ficou em silêncio, enquanto eu esquadrinhava cada detalhe seu.
Meu polegar tracejou o caminho de uma das lágrimas. Senti tanta falta de
tocá-la e saber o que isso provocava nela, que pareceu a primeira vez.
Quando ela fechou os olhos com o meu toque, um arrepio me percorreu.
Acho que me apaixonei mais por Naomi Carlson naquele segundo.
— Eu ia te chamar de qualquer forma — sussurrei. — Mesmo com todo
esse caos, linda, eu te chamaria. Porque amo você. Mais do que amo a
música. Tanto quanto você me ama. Como amiga, antes de tudo... E então
como a minha sweetheart.
— Então isso é um sim? — ela sussurrou e eu confirmei. Carlson
suspirou, aliviada.
— Com toda a certeza do mundo. Eu quero ir ao baile com você. E me
sentar ao seu lado na formatura. Quero aproveitar cada segundo até que você
vá para a universidade de economia, em Sydney. Quero que se vista de Anna
no aniversário da Miley e eu serei o seu Kristoff. Depois, se tudo der certo...
— limpei a garganta, quando a voz falhou. — Eu vou para a universidade de
Brightgate — seus olhos se arregalaram levemente — e pegarei a estrada
quase todo fim de semana para ver a minha melhor amiga e a melhor
namorada de todos os tempos.
— Você aplicou para Brightgate? — Ela era a primeira a saber. Assenti,
movendo uma mecha castanha para trás da sua orelha. — Damian...
— Minha família está aqui, meus amigos estão aqui. Você. A Inglaterra
não me faz o menor sentido há um bom tempo, Carlson. Porque lá eu não vou
poder cantar com você no chuveiro depois do melhor sexo da minha vida! —
Ela gargalhou e eu fiquei feliz por isso. — Nem te ensinar a andar de
bicicleta como prometi. Ou compor a milésima música sobre nós dois e
finalmente ter coragem para cantá-la num palco, olhando para você. Eu ia te
chamar de qualquer forma, Naomi, porque o que eu realmente queria era um
tempo, não um fim. Porque eu também desejo ter seus olhos azuis, seu
sorriso e suas manias chatas pra cacete. Não só numa festa de fim de ano,
mas em todo o meu futuro.
Ela suspirou, aliviada. Depois beijou a minha bochecha, molhada pelas
lágrimas que deixei escapar. Seu nariz roçou a minha pele e eu inspirei o seu
perfume. Naquele segundo, Naomi Carlson era a minha casa.
— Só tem uma correção nesse futuro todo, amor — ela soprou e eu
estremeci com a última palavra. — Vou cursar Moda e não Economia. —
Afastei-me em choque. — Ok! Respira! Eu estava resolvendo tudo semana
passada, por isso andei tão ocupada: estava correndo para montar um
portfólio, juntar meus históricos escolares, entender toda a papelada e
aplicar para cursos de moda. Não sei se vou ser aceita em algum lugar
porque está um pouco em cima da hora, e se não der certo... posso cursar
economia por algum tempo, como um plano B. Mas vou acabar tentando
moda novamente, sabe? É o meu sonho...
— E você vai atrás dele — falei, soando super orgulhoso.
— E eu vou atrás dele.
Seu sorriso aqueceu o meu peito. Essa era a garota forte que eu amava. A
que conquistaria a porra do mundo todo.
— Quanto à Poison, vou apagar a conta. Assim que as aulas acabarem...
Sei que não faz sentido para você, mas ela foi importante para mim. Mesmo
que tenha sido mais uma máscara falsa, uma farsa... Ela foi importante,
Damian. Me ajudou a não cair. Só saber que ela existe, mesmo sem realizar
nenhuma postagem... De algum jeito torto, isso me dá confiança. Inclusive,
falei sobre isso na terapia e...
Uni meus lábios sobre os seus, porque não queria que aquela conversa
estragasse tudo. Discordava de Carlson e de sua decisão. Iria para casa com
uma pequena agonia no peito por esconder a identidade da Poison, mas tudo
bem. Talvez eu pudesse engolir isso por um momento e tudo ficaria bem
depois.
O sinal da escola indicou que o intervalo tinha acabado. Foi quando
afastei a boca da sua, admirando seus olhos e amando cada pedacinho deles
ainda mais.
— Tudo o que eu disse aqui foi tão sincero quanto tudo o que eu ouvi,
sweetheart. Mas é melhor irmos com calma — sussurrei, receoso. — Vamos
continuar a pensar um pouco em tudo que falamos aqui e já vivemos, nos
reaproximando devagar enquanto isso... pode ser?
Carlson percebeu meu pequeno retrocesso e um sorriso triste surgiu nos
seus lábios. Não era o que ela esperava. Eu queria muito prometer que
seríamos Damian e Naomi como antes, e de imediato, mas apenas o tempo
poderia dizer. Ela então me roubou um último e breve beijo, deixando seu
sorriso crescer antes de sussurrar:
— Pode ser.
Os dias até o baile não se arrastaram tanto assim. Foram três semanas
mais leves do que eu esperava.
Na primeira semana, Carlson e eu ensaiávamos juntos, assistíamos às
aulas na mesma sala e estávamos um tanto quanto próximos, mas ainda
parecíamos estranhos. O que foi por água abaixo quando, no último ensaio,
tivemos que realizar um passo importante e acabamos por cair no chão.
Enquanto Wayne e Graham estavam preocupados conosco, Carlson e eu só
sabíamos gargalhar. Parecíamos ainda menos estranhos quando Miley ligou
para ela pelo facetime e a fez me assistir dançando no Just Dance.
Na segunda semana, ficamos um pouco mais próximos. Conversávamos
mais, ríamos mais juntos, trocamos algumas mensagens. Foi a semana em que
realmente conseguimos conversar sobre o futuro dela. Naomi me explicou
que a sua mãe teve uma conversa franca com ela sobre o estado de saúde de
Vincent Carlson e sobre a necessidade de seguir seus sonhos. Isso a fez
tomar coragem para tentar buscar o caminho que sempre quis e para falar
comigo também. Eu contei sobre minhas buscas por cursos de música e
composição, minha vontade de ser produtor musical no futuro.
Tentei questionar Naomi sobre o que ela achava que aconteceria com o
pai dela, se de fato não havia qualquer esperança de recuperação, mas ela
nunca me respondeu muita coisa sobre o assunto. Na verdade, Naomi
preferia fingir — na maior parte do tempo — que ele não existia no mesmo
universo que eu. Tanto que ainda fazia de tudo para que eu nunca o
encontrasse. Carlson ainda tinha medo de que sua família fosse um problema
para nós dois, isso era nítido. Era bom que me mantivesse longe dele, de
qualquer forma. Eu não conseguiria ser educado.
A terceira semana, e última, foi um pouco mais divertida. Ela passou
rápido. De fato, resistir à Naomi era impossível, porque trocamos um beijo
ou outro, nos abraçávamos mais quando nos víamos e checávamos um ao
outro com maior frequência. Sempre trocando carinhos inocentes, breves e
leves. Foi a semana em que fiz os últimos ajustes no terno que Katy havia
conseguido para mim. Eu não enviei fotos para Carlson, porque ela me disse
que seria legal se mantivéssemos a surpresa. Ela só torcia para que eu não
aparecesse com um terno super brega. Pensamos que a maioria das bebidas
do baile estariam batizadas com bebida e que voltaríamos da festa um tanto
quanto bêbados, então pedi que Ryan nos levasse para a festa e garanti que
voltaríamos de uber e em segurança.
— Pronto? — meu pai perguntou, me analisando. Ryan tinha a mão sobre
o volante e um sorriso largo em minha direção. Respirei fundo, nervoso, mas
assenti, tentando fechar um dos botões do terno preto. Uma mecha do meu
cabelo caiu sobre a testa enquanto meus dedos trêmulos lutavam contra o
feche. — Talvez Katy estivesse certa sobre o gel.
— Eu não usaria gel nem fodendo. Desculpa pelo xingamento. — Ele riu.
— Acha que estou feio?
— Está tão bonito quanto eu.
— Devo me preocupar então — brinquei e ele gargalhou mais. — Aqui
vou eu.
Abri a porta do carro e olhei ao redor. Me identifiquei no portão da casa
da Naomi, ouvindo Elise gritar um "Bravinha, pelo amor de Deus" quando
Carlson aparentemente quis ajeitar o cabelo pela milésima vez. Lis me
deixou entrar e logo eu estava de frente para a porta dos Carlson.
A porta se abriu e eu engoli em seco. Antes que eu sequer pudesse falar
qualquer coisa, Lis me garantiu que os pais da Naomi não estavam ali,
porque Vincent estava no hospital fazendo algum procedimento. Ouvi passos
vindos da escada e quase infartei, mas era Madison. Minha cunhada tinha os
cabelos loiros num coque desajeitado e abriu o maior sorriso do mundo.
— Uau! Caramba, nunca pensei que você cairia tão bem num terno!
— Obrigado. — Eu sorri, um pouco desconcertado.
— A Naomi já está descendo, ela só decidiu de última hora que o cabelo
não está bom o suficiente e... NAOMI, PELO AMOR DE DEUS, SEU
NAMORADO ESTÁ ESPERANDO! — Madison quase me deixou surdo. —
Conhece a peça, o nome do meio dela é "Atraso".
— Caramba, Madison — Naomi reclamou, começando a descer as
escadas. Os saltos ecoavam num ritmo frequente e eu vi primeiro as suas
pernas.
Haviam duas fendas no vestido branco, mas, ainda assim, elas não
revelavam tanto. A cada passo de Carlson, a saia do vestido se movimentava
com leveza. Eu subi o olhar por sua cintura, onde a roupa se tornava
extremamente justa, até os seios, o decote ombro a ombro e o único colar
discreto no colo da minha namorada. Os braços eram cobertos por mangas
da mesma cor do vestido, mas um pouco transparentes. O cabelo estava
parcialmente preso, parcialmente solto. Mais simples do que eu esperava e,
mesmo assim, completamente surreal. Acho que perdi a capacidade de
respirar por um segundo.
— Precisa mesmo gritar assim? — Naomi abriu um sorriso duro para a
irmã e demorou em guiar os orbes azulados para mim.
Inspirei fundo uma vez, duas, me forçando a fechar a boca e engolir em
seco.
Como poderia ser tão linda?
Seus brincos pareciam de brilhantes, longos e elegantes. A maquiagem
não era muito pesada. O batom era num tom discreto, quase cor de boca.
Seus olhos estavam pintados num tom marrom claro — bege, talvez — o que
permitia que o lápis de olho (talvez delineador?) se destacasse. Beleza, eu
não sei descrever maquiagem. Meu ponto é: Carlson realmente roubaria a
cena por completo.
A garota parecia algum tipo de divindade quente para cacete,
completamente inexplicável. Com traços tão angelicais que a faziam parecer
o que havia de mais puro; ao mesmo tempo, possuía um olhar felino que a
tornava extremamente fatal.
Sim, fatal é a palavra certa.
Naomi parecia fatal.
Seus olhos brilharam em minha direção. Ela me analisava de volta, como
se eu fosse a única pessoa do mundo. Senti-me o cara mais sortudo do
universo. Fiz um esforço para não xingar e pigarreei, sendo o primeiro a
falar:
— É insano o quanto está... está perfeita, sweetheart. Você é perfeita. —
Ela sorriu.
— Você também não está nada mal, novato.
Sorri de volta.
— Estamos em novembro e ainda me chama de novato? — Caminhei em
sua direção e seus lábios se curvaram ainda mais.
— Sempre vai ser o meu novato, Damian Bale.
Completamente entregue, esqueci de qualquer coisa do mundo que não
fosse o nosso pequeno nós.
Para sempre o seu novato. E ela seria para sempre minha sweetheart.
— Vamos? — perguntei, lhe oferecendo a mão.
Carlson me analisou de cima a baixo mais uma vez. Eu daria o mundo
pelo pensamento que deixou seu olhar ainda mais vivo, mas ela o guardou
para si, deixando a ponta dos seus dedos tocarem minha palma. Entrelacei
nossas mãos, observando a união delas. Parecíamos um só. Foi quando ela
sussurrou:
— Vamos.
E eu admirei a sua letalidade uma última vez, completamente apaixonado
por cada detalhe que eu odiaria, realmente odiaria amar ao fim da noite.
Damian me ajudou a entrar no carro e fez menção de se sentar no banco do
carona, mas Ryan trancou a porta da frente e abaixou a janela.
— Damian Bale, quantos neurônios você tem? Dois? Fique com a sua
namorada nos fundos. — Ryan me fez gargalhar alto. — Está linda, Naomi!
— Obrigada, Ryan. Seu filho também está lindo! Culpa dos seus genes,
certo? — devolvi. Damian riu, possivelmente do sorriso e bochechas
vermelhas do seu pai.
Meu namorado ocupou seu lugar ao meu lado mas, enquanto eu estava ao
extremo lado esquerdo, Bale se sentou ao direito, deixando um espaço entre
nós. Quis que se aproximasse, mas guardei o pensamento.
— Desculpa — sussurrou para mim quando Ryan arrancou com o carro.
— Eu achei que ele preferiria que eu ficasse na frente, porque viemos juntos
e... — O analisei, cada detalhe. Os olhos cinzentos, a mecha de cabelo que
teimou em lhe cair pela testa, o terno escuro... Fodidamente sexy. Bale bufou.
— E eu estou nervoso pra cacete.
Sorri, balançando a cabeça em negação.
— O quê?
— Está nervoso por minha causa? — Minha pergunta o deixou
desconcertado. Damian ficou mais vermelho do que nunca. — Isso é fofo,
lindo.
Bale sorriu tanto quanto eu. Percebemos que Ryan nos assistia pelo
retrovisor e Damian pigarreou. Seu pai fez o mesmo, voltando a focar na
direção.
— Esqueçam que estou aqui, crianças! Hoje é sobre vocês! Não vou
prestar atenção em nada, prometo.
— Aham, sei — Damian murmurou, claramente duvidando. Eu ri.
Tamborilei a bolsa em meu colo, sentindo o olhar do meu namorado sobre
mim. Cerrei os olhos e devolvi a pergunta que ele tinha feito mais cedo:
— O quê?
— Está linda, sweetheart. — Eu poderia derreter ali mesmo. — Sou
sortudo, só isso.
Mordi um sorriso. Vi Ryan guiar os olhos entre mim e o filho repetidas
vezes, incentivando-o a tomar atitude e, graças a Deus, Damian fez isso. Ele
se aproximou e entrelaçou os dedos aos meus. Um arrepio me percorreu, o
tipo de eletricidade da qual tinha sentido falta, que só ele causava.
— Está lindo também. E cheiroso para caramba... — Minha honestidade o
fez rir. — Tenho vontade de afundar o nariz no seu pescoço para sempre.
— Pode fazer isso, sabe?
— Posso? — Ergui uma sobrancelha.
— Podemos fazer qualquer coisa hoje.
Abri e fechei a boca, buscando o que dizer. Meu coração acelerou e ele
achou graça da minha reação, seus olhos brilhando para mim. Apoiei o
queixo no seu ombro, torcendo para a maquiagem me impedir de corar tanto.
— O que mudou? Não está bravo comigo? — sussurrei. Bale franziu o
cenho.
— Bravo?! — Assenti, ainda com o queixo no seu ombro. Alisei o dorso
da sua mão com o polegar. — Não estava bravo... Não exatamente. — Fiquei
confusa. Damie lançou um olhar rápido para Ryan. O som estava ligado e o
seu pai cantava Nirvana baixinho. Percebendo que estávamos seguros, meu
namorado voltou a me encarar. — O lance da... — Ele pigarreou. Falava da
Poison. — Não foi raiva o que eu senti, foi medo.
Quê?
— Medo?
— Uhum...
Abracei o seu braço instintivamente.
— Medo do quê?
Sua garganta oscilou.
— Naomi... Você me disse que não queria se quebrar de novo, que
precisava de você sabe quem, porque ela te dava confiança. Temi te ver mal,
apavorado de nunca compreender esse lance e você me odiar por isso. E
com medo de...
Eu o conhecia. Sabia quando não estava sendo totalmente honesto. Apertei
seu braço, segurei o seu queixo e mantive seu rosto virado em direção ao
meu.
— Damian, seja sincero. — Ele soltou o ar pelo nariz, tenso. Deixei a
primeira hipótese que surgiu na minha mente escapar: — Medo de me
perder? — Ele sabia o que eu queria dizer. Não estava falando de um
término, ia muito além disso. Seu silêncio foi uma confirmação dolorosa. —
Damie...
— Sabe que sim. Como vamos saber o que vai ser depois da escola?
— Corta essa, Bale. — Suspirei. — Você tem medo de me perder como
perdeu a Megan?
Ele desviou o olhar. E, novamente, isso foi resposta o suficiente. Me senti
mal, genuinamente mal. Não queria preocupá-lo.
— Eu te disse que não sou ela. — Ri, me odiando por tê-lo preocupado
assim. — Deve ter pensado "Uau, ela é quebrada desse jeito?".
— Nunca disse que era.
— Eu sei, mas foi nisso que pensou, não foi? Teve medo de me perder. De
me perder mesmo, a sete palmos da terra.
Bale respirou fundo. Ficamos em silêncio por alguns segundos,
observando as ruas passarem. Então lembrei do pesadelo que ele me contou,
certa vez. Aparentemente Derek me levava para longe dele, na mesma casa
em que sua ex tinha morrido. O seu primeiro amor. Um nó tomou a minha
garganta. Deveria ser difícil para ele carregar esse medo.
Aquele deveria ser um dia bom para nós dois. Era uma noite para
comemorar tudo o que tínhamos vivido. Acho que Bale pensou o mesmo.
— Desculpa. Sou um babaca do caralho. — Sua fala me pegou de
surpresa. — Fugi por uma insegurança boba.
— O quê? Não é um babaca e não é insegurança boba, tá legal? Só não
precisa ter esse medo! — O observei e ele me analisou de volta. — Você
poderia ter me dito isso. Não deveria ter partido sem me dizer isso. Só isso.
— Ficou com raiva?
— Depois que me deixou sozinha, um pouco. Mas é como me disse, Bale:
impossível odiar você.
Impossível, eu disse. Mas tudo virou do avesso em uma só noite.
Bale fitou a janela, um pouco mais distante. Fiquei mal, porque isso não
era o que eu queria. Lentamente, envolvi a sua cintura.
— Veja... Escondi a Poison de você — sussurrei. — E você escondeu o
seu medo. Erramos. E tá tudo bem. Vamos aprender com isso e seguir em
frente. Damian e Naomi, lembra? Somos Naomi e Damian hoje, você sabe o
que isso significa.
Um beijo em seu pescoço e Damian mordeu o lábio, relaxando e virando o
rosto para mim. Entrelacei meus dedos aos seus, apertando a sua mão com
força.
— Se somos Naomi e Damian... — ele começou, baixo. — Preciso que
me chame daquele jeito, sabe?
— Qual? — me fiz de desentendida, vendo-o se divertir com isso. —
Amor?
Damie fechou os olhos, levou a mão ao peito e fingiu ser atingido.
Precisei rir e isso o fez sorrir ainda mais. Era tão, tão bom estar com ele
daquele jeito. Fodidamente perfeito.
— Não há modo melhor de te chamar, Damian, do que amor.
Ele me olhou como se eu tivesse lhe oferecido todo o universo.
— Nem novato?
— Nada te define tão bem para mim quanto amor.
Só me dei conta do peso das minhas palavras quando ele colidiu a boca
com a minha, devagar. Levei a mão à sua nuca, aproveitando o beijo breve e
suave, mas intenso, como sempre éramos. Nos afastamos devagar. Quando
olhei nos seus olhos, soube que aquele caos estranhamente bom acelerava
seu coração. Eu simplesmente soube. Nosso amor era recíproco.
O cinza nos seus olhos, como o céu de uma tempestade intensa, me atraiu
como nunca. E eu pensei que não me importaria se essa tempestade me
atingisse.
Segui pelos corredores dos vestiários, busquei por qualquer coisa que
indicasse que Melissa tinha passado por ali. Procurei por todos os cantos da
escola. Nada. Recebi uma mensagem de Brandon, que disse que também não
tinha a encontrado. Enviei uma mensagem a Finn, irmão de Wayne, voltando
a procurá-la.
Não fazia sentido, fazia? Não. Não fazia sentido ela terminar com Mike do
nada. Mike estava apaixonado por Melissa, ele a tratava bem, ela parecia
feliz... Os olhos dela brilhavam quando ela falava dele, certo? Não fazia
sentido. Xinguei e xinguei, torcendo para Melissa estar bem. Porém, era
apenas o primeiro par de corações partidos daquela maldita festa.
Meu celular vibrou dentro da bolsa e eu dei graças a Deus, acreditando
que seria Melissa. Mas então ele simplesmente não parou mais.
Brandon: Carlson, que porra é essa? Cadê você?
Brandon: Precisa dar um jeito nisso rápido.
Oliver: ???? Olha o Instagram.
Oliver: Naomi, pelo amor de Deus.
Brandon: Naomi, o Damian está surtando.
As notificações apareciam na tela bloqueada. Digitei a minha senha,
nervosa, caminhando para dentro da escola. Meu coração estava contra a
garganta e eu não conseguia tirar os olhos da tela, meus saltos firmes contra
o piso da escola, os olhares sobre mim conforme eu andava.
Gianna: Naomi, PELO AMOR DE DEUS, cadê você?? A Poison atacou o Bale.
Eu não tinha postado nada.
Eu não tinha feito nada.
Nada.
A ansiedade me atingiu como um soco e meus dedos tremiam enquanto eu
tentava entrar no Instagram. E quando tentei mudar para a conta da Poison, o
aviso na tela me deixou fora de mim.
"A senha foi alterada. Você não pode acessar essa conta".
Não, não, não...
Andei rapidamente, tentando digitar a senha da Poison de maneiras
diferentes e nenhuma era aceita. Quando cheguei no corredor em que tinha
deixado o pessoal, finalmente consegui abrir a minha conta pessoal e ver a
postagem na fonte de fofocas mais suja de Brightgate.
Meus olhos varreram cada palavra daquele post e eu quis morrer. Porque
Damian não merecia aquilo. Aquilo não era verdade.
Ergui os olhos, vendo Ollie e Gianna andando de um lado para o outro. E
logo atrás deles, Damian estava sentado na escada, com as mãos na cabeça
enquanto Brandon e Mike pediam para que ele respirasse...
— Eu não fiz isso, Brandon, eu não fiz... — Damian repetia, nervoso.
Aproximei-me devagar, tremendo a cada passo, apavorada e sem saber como
reagir. Algo tomava conta de toda a minha alma e se espalhava para o meu
corpo, meus ossos, fazendo tudo, tudo doer. — Eu não fiz isso, eu não sou
isso, eu n-não sou...
Damian afrouxou o nó da gravata quando finalmente guiou os olhos
vermelhos para mim, completamente marejados. Jamais o tinha visto tão
machucado e era desesperador, sufocante para caralho. Ele olhou para o
celular na minha mão: a imagem dele com Megan, sorrindo um para o outro,
completamente apaixonados. Eu nunca tinha visto uma foto dela sequer, mas
sabia que era Megan Hunter ali. A legenda não me deixava dúvidas.
O maior pesadelo, a maior perda, a maior dor que tinha passado por
Damian Bale, foi exposta numa mentira para Brightgate inteira.
A acusação implícita nos seus olhos era uma arma mirada em minha
direção.
— Damian... — o chamei baixo prestes a me explicar. Ele deixou um
suspiro entrecortado escapar, entre soluços, suas mãos tremendo sobre os
seus joelhos.
— Eu disse... Eu avisei... Avisei que não gostava da Poison, eu pedi para
que apagasse...
— Damian — repeti, me aproximando. Cada passo pareceu demorar uma
eternidade, até que eu conseguisse colocar o celular e a bolsa ao seu lado,
minhas mãos no seu rosto.
Bale tocou o meu pulso, como se o meu toque o enojasse, me afastando
devagar.
Você sabe... O pior jeito de quebrar o seu coração é causando um outro
coração partido, um que você ama. É esmagador. Traz um nó ao seu peito
que sobe até a sua garganta e fica ali, te sufocando, como o pagamento por te
fazer machucar alguém. Te rasga de dentro para fora. E esse é só o prenúncio
de tudo o que está por vir. Porque piora.
— Você disse... — Bale começou — disse que logo depois de você,
estava eu. — Sua voz tremia por nervosismo, tristeza e fúria. Eu conseguia
sentir a vibração me atingir, me machucar. — Mas depois de você, Naomi,
está ninguém, não é?
Aquela foi a primeira facada. Meus olhos arderam, minha garganta fechou
por completo e eu senti o meu coração quebrar.
Aquele era o início do fim. E o que Damian Bale queria dizer era que a
culpa era toda minha.
Assisti ao enterro de longe.
Jogaram a terra sobre o caixão da Megan e eu fiquei ali, paralisado, em
um terno preto e amassado, tentando assimilar que aquilo estava realmente
acontecendo.
Mas não parecia real.
Era estranho para caramba. Eu chorei, gritei, amaldiçoei o mundo de
inúmeras maneiras e então… Tudo se tornou vazio e bizarro. Como se a
morte da Megan tivesse sido apenas um pesadelo. Mesmo ali, vendo-a seguir
para sete palmos abaixo do chão, ainda não parecia real.
Alguns familiares, alguns colegas da escola que não realmente se
importavam com ela… Seus pais. A mãe de Hunter estava tremendo de tanto
chorar e o pai dela a consolava em silêncio, olhando para a pá que jogava
terra sobre a filha.
Ele ergueu os olhos, olhos que pareciam com os da filha, e me viu.
Foi quando finalmente se tornou real.
A ira. A decepção. O ódio cruel e vívido. A dor no seu formato mais
nítido.
Ele se afastou da esposa, seguindo em minha direção enquanto todo mundo
o assistia. Cada passo. Cada segundo. Até que ele segurou a minha camisa
pela gola.
Eu esperei por um soco.
Esperei mesmo.
Na verdade, quando a dor emocional me atingiu sem piedade, a física me
pareceu mais misericordiosa e eu quis que o senhor Hunter me batesse. Mas
ele só ralhou três palavras: “Cai fora daqui”.
Para eles, eu era o culpado. Para eles, jamais seria culpa da garotinha que
eles tinham criado. Para eles, tinha sido Damian Bale. E para mim, eles
estavam certos.
Então eu não os enfrentei quando falaram de mim para a cidade toda. Eu
me contentei em chorar em segredo quando tinha que ir aos estabelecimentos
com um capuz, torcendo para que não me reconhecessem e me xingassem.
Porque estava pelos noticiários, não? E os pais da Megan amavam me xingar
por todas as redes. E claro que eles conseguiram apoiadores.
Pelas ruas de Bradford, eu não sabia dizer quantos olhares eram comuns e
quantos me olhavam com pena ou ódio. E isso era torturante.
Eu precisava aliviar aqueles sentimentos conflituosos de qualquer outra
forma que não fosse com a minha guitarra e meu caderno de composições,
porque estava me consumindo. A tristeza e o luto se transformavam numa
fúria fervente. Então eu saía pela cidade… Sem rumo. Eu, minha moto e
minhas dores. Madrugada após madrugada.
Em algum momento, comecei a escrever minhas composições onde não
deveria. Becos, casas, prédios abandonados… Carro da polícia. Se eu fosse
pego — e parte de mim queria isso —, punição alguma pareceria suficiente.
E eu fui pego. Uma… Duas… Três vezes… Os meses se passavam e eu só
piorava.
Ninguém compreende como a culpa é consumidora nesses casos. Estou
falando de quando você acha que alguém morreu por sua causa. E, de certa
forma, às vezes, ainda penso isso. Aprendi a viver e seguir em frente de
algum modo, mas se eu não tivesse apresentado alguns amigos para Megan,
se eu mesmo não tivesse experimentado algumas coisas, ela ainda estaria
viva. Na verdade, se eu tivesse apenas admirado aquela garota loira e
sorridente no corredor da escola, de longe, sem qualquer aproximação, ela
poderia estar por aí. Bem.
Pensar nisso constantemente, como eu fazia no passado, me destroçava de
dentro para fora. Principalmente quando quase todo mundo contribuía para
que eu me afogasse em culpa.
Meu pai, de longe, tentava saber como ajudar e eu o mandava se foder
todas as vezes. Minha mãe já não sabia o que fazer quando fui expulso da
escola no último ano por bater demais num filho da puta que me chamou de
assassino no intervalo. E se eu ficasse mais um segundo, apenas um, em
Bradford, eu provavelmente teria me tornado algo ruim. Aquela dor me
arrastaria pro fundo do poço.
Então minha mãe pediu pro meu pai me deixar morar na Austrália. Ele
queria uma nova chance, aceitou num piscar de olhos. Eu fui obrigado, para
ser sincero. Odiei cada segundo da viagem para Brightgate. Mas fui.
Eu senti que aquele era o inferno, mas era a minha salvação, de algum
modo.
De início, era insuportável. Eu ainda pesquisava sobre os Hunters, sobre a
Megan… Sobre tudo aquilo. A mãe dela, inclusive, tentou contatar a minha.
Acho que os pais da minha ex-namorada perceberam que eu não era um
monstro. Tarde demais, já que fizeram a cidade toda crer que sim.
Tarde demais, porque meu lar jamais seria Bradford novamente.
Porque a Austrália me traria o tipo de caos que era estranhamente bom. O
tipo de caos que é diversão pura, porque vem das pessoas certas. Ela me
traria isso em Graham, Ollie, Brandon… Mas principalmente em Carlson.
Ao menos por um tempo.
Ao menos até o inferno voltar a bater à minha porta.
Até aquele maldito baile.
E então eu ruiria. De novo. E de novo.
“@BRIGHTGATEPOISON: novato, Inglesinho... Brightgate tem uma lista de nomes para
você, Damian Bale. Mas me pergunto o que a Inglaterra teria a dizer. Como acha que ela
preferia te chamar? Assassino ou culpado?"
Depois que Finn Wayne me confirmou que Melissa estava em casa e bem,
eu parei de me importar com aquela festa.
Damian saiu da escola naquela noite sem querer conversar com o diretor
Hawkins, ouvindo-o dizer que ele seria suspenso. Como se Bale ligasse.
Derek foi cuidado por sabe-se lá quem; eu dei as costas a tudo aquilo
assim que vi Damian me deixar. E não, não fui atrás dele. Eu não iria mais.
Fiz uma promessa a mim mesma. Não brinquei quanto a isso.
Meus pés descalços se arrastaram pela grama quando busquei uma garrafa
de vodca sob a arquibancada, voltando para onde as minhas coisas deveriam
estar. Pouco me importei com as chances de ser flagrada com uma grande
garrafa de bebida. Se eu fosse suspensa, foda-se. Se eu levasse uma
advertência, foda-se. Eu precisava daquilo.
Encontrei a escada, os meus saltos e o maldito celular, intactos. Abri a
garrafa e me sentei, a apoiando entre as pernas. Olhei para a tela do telefone,
ignorando todas as mensagens.
Egoísta, Damian sugeriu. Então eu seria, naquela noite. O mundo seria
Naomi Carlson e suas dores e que todo o resto explodisse. Eu não dava a
mínima.
Bebi e bebi e bebi... Virei a garrafa várias vezes, apesar do gosto forte e
amargo do álcool, apoiando os braços no degrau atrás de mim.
Colégio Brightgate... Tão lindo, com aquelas luzes azuis e tantos alunos
bem-vestidos. O futuro da elite. Que belo inferno. Por mim, poderia queimar.
Fechei os olhos, apreciando o álcool em minhas veias. Cacete, eu nem
sabia como voltaria para casa. Damian me levaria de volta. Eu ri nasalado,
pensando que isso certamente não aconteceria. Isso me fez virar outro gole.
Cansado de mim.
Que amável...
Quanto tempo levaria para que eu fosse flagrada ali por algum professor
ou pelo diretor, apoiando os cotovelos nos degraus e observando a maldita
escola como o diabo vistoria o inferno? Que fossem à merda, honestamente,
todos aqueles que julgavam Bale ou pensavam no que deveria ter acontecido
entre nós, todos aqueles que citariam o meu nome pela noite...
Pelo amor de Deus...
Todo mundo tinha o que esconder ali e comigo não era diferente, então por
que diabos se importavam tanto com isso?
"Porque a Poison postou aquilo, Naomi", pensei. E virei outro gole.
Bem, Damian estava certo, não? Minha culpa. Esse pensamento me fez
beber ainda mais. Se eu realmente não dava a mínima, por que todos os meus
pensamentos voltavam para ele?
Damian Bale.
Como definir Damian Bale?
A primeira palavra que pensei foi karma. E depois Meu-Inferno-Pessoal.
Essa foi a minha preferida por alguns segundos.
A tontura me atingiu, um prazer correu pelo meu sangue quente e eu
estiquei as pernas, respirando fundo.
Inglesinho. Novato. Damie. Amor. Grunhi com a última palavra. Não
pretendia dizê-la tão cedo.
— Acho que nós dois não prevíamos isso, huh? — Meyers estava ali, seu
paletó sobre o ombro, a gravata desfeita, um pano com gelo em sua boca.
Estava a minha esquerda, a alguns passos.
O inferno estava cheio de gente, mas aquele demônio queria conversar
comigo.
Filho da puta.
— Naomi Carlson e Derek Meyers, os reis dos corações partidos —
cantarolou, se aproximando.
— Você não tem um coração partido, Derek. — Virei outro gole da
bebida. — Provavelmente nem tem coração.
— Sabe que isso não é verdade, princesinha. — Senti-me
verdadeiramente enjoada. — Meu coração parte em te ver triste.
— Parte mesmo? — minha voz saiu esganiçada e eu ergui uma
sobrancelha, o analisando. — Você fez isso, Derek.
Ele não respondeu por um momento, provavelmente se perguntando se
valeria a pena mentir para mim. Quando demorou tempo demais para
responder, eu precisei rir. De ódio.
— Você é um merda.
— Só peguei o que era meu de volta.
Eu processei suas palavras, pensando que ele falava de mim no primeiro
momento. Até que o mundo parou. Eu senti que não estava respirando
direito. Meus olhos se encheram de lágrimas de incredulidade, mas eu
segurei a vontade de desabar. Não na frente dele. Nunca mais.
Ele era a Poison. Antes de mim. Era o Derek.
— Agora você entende, certo? Você entende que somos iguais, Naomi.
Tanto quanto você, eu roubei a Poison quando foi conveniente. Eu usava ela
para mandar nessa porra de escola, eu fiz a minha imagem ser a melhor
possível, princesinha, eu fiz desse colégio a porra de um reino.
Por isso ele tinha voltado? Pela Poison, por mim, por sua obsessão por
controle, pela falsa sensação de poder que era controlar uma escola?
Minha respiração saía entrecortada e eu sabia que provavelmente ele
percebia que eu estava tremendo.
— Você anunciou seu próprio surto?
— Foi a primeira e única coisa que consegui fazer quando tive acesso ao
meu celular. Depois meus pais confiscaram tudo. Depois eu fui pra aquela
porra de clínica e então eles tentaram me enfiar na porra de um internato no
fim do mundo e, nossa, princesa, eu tentei te odiar. Eu tentei mesmo. Tentei
tanto. Mas então eu consegui acessar a internet de novo, eu vi que a Poison
estava viva, eu reconheci seu sarcasmo, seu modo de digitar… Eu soube que
era você e que não podia te odiar. Porque somos iguais, não somos? Somos,
princesinha, você sabe que somos.
Não. Eu não poderia ser igual a ele. Aquilo não poderia ser verdade. Não
poderia ser real. Eu não suportaria ser igual a ele.
— Você fodeu a minha vida — murmurei e ele negou.
Eu não era igual a Derek Meyers. E, se fosse, eu não queria mais ser. Eu
não queria ser como ele. Não queria magoar as pessoas, não queria ser
incapaz de amar do jeito certo e saudável por ser incapaz de amar a mim
mesma. Eu não queria ser um monstro.
— Você fodeu a minha vida TANTAS vezes, Meyers. Você não se cansa
disso. Você anunciava traição atrás de traição, se vangloriava e faz todo
sentido, não é? Porque queria que eu sentisse que você poderia ter tudo, mas
eu só poderia ter você. Porque eu era a porra do seu troféu, da sua obsessão,
da merda que você precisava ter sob seu domínio para se sentir amado e
conseguir dormir, porque você sabe que ninguém te amaria como o
MONSTRO que você é. A única pessoa que te amaria é alguém que você fez
adoecer. Alguém que você quebrou até se sentir dependente de você…
— Naomi…
— Eu nunca fiz isso com outra pessoa. Eu nunca usei a Poison pra
provocar a dependência de alguém. Eu não usei a Poison nem mesmo pra me
vingar de você…
— Carlson… Princesa, você não está entendendo.
— Você é doente. Não se tratou de verdade, não é? Você só fingiu que
tudo estava bem para voltar e foder com a minha vida — acusei.
— Não. Não, eu tentei ser melhor por você! Não está vendo, princesa?
Estou te protegendo dele, eu mudei e eu fiz o que precisava ser feito. — Ele
parecia tentar se convencer disso.
— Precisava por quê? — ergui o tom de voz, erguendo também a cabeça.
Segurei a vodca com força. — Achava que eu não sabia sobre a Megan?
Achava que eu não estava do lado do meu namorado mesmo assim? De
verdade, foi burro assim? Damian não é como você, Derek. Ele não gosta de
segredos. Ele me disse a verdade.
— Disse mesmo? — Derek se aproximou, rindo. Ele tirou o pano do
rosto, revelando a vermelhidão ao redor da sua boca, o corte no extremo
lado direito. — Como pode ter certeza?
— Porque com ele eu sei que ouço a verdade, não importa o que aconteça.
O que eu tenho com ele é diferente — devolvi de imediato. E então fui
atingida por um pensamento. — Tinha.
Derek sorriu pela correção. Eu quis matá-lo por isso.
— Damian é um monstro. As pessoas diziam isso e elas tinham um
motivo, princesa. Viu os prints? Os pais da garota dizem que foi o Damian
que fez ela se drogar. Ela estaria viva se...
— Pare, Meyers — implorei, num misto de tédio e puro desgosto. — Pelo
amor de Deus, cala a porra da boca por um momento. Só diz merda. Cacete,
não consegue perceber? Se Damian fosse um monstro, tudo o que isso
provaria é que eu tenho uma tendência a me apaixonar por pessoas como
você. Mas ele não é. Ele não matou a Megan. Ela fez as escolhas dela.
Damian não a fez afundar, ele não a levou para festas e lhe apresentou
drogas, ele não a fodeu como nada e depois fodeu o coração dela. Ele não a
engravidaria e a abandonaria, por exemplo. Não a acusaria de ser uma
assassina após um aborto. Ele não é você. Pare de tentar fazer parecer o
contrário. O monstro aqui sempre foi você.
Derek engoliu em seco, parecendo verdadeiramente atingido após muito
tempo. Depois pigarreou, ajeitou a gravata e se aproximou ainda mais.
Meyers deixou o pano e os gelos, quase derretidos, ao meu lado sobre a
escada. Ele se inclinou com o rosto a centímetros do meu. Quis chutá-lo
entre as pernas, principalmente quando tocou o meu joelho. Mas travei. Só
fitei os olhos castanhos que já amei tanto e vi o meu reflexo por eles. Tudo o
que aparecia neles era uma garota cansada, frágil, furiosa e morrendo de
nojo dele.
— Fiz o que precisava ser feito para te ter de volta.
Sim... Pois é... Ele teve a coragem de dizer isso.
— Não. Não vai acontecer! — garanti, forçando um sorriso. A
proximidade realmente me enjoava. Me arrependo agora. Vomitar em Meyers
teria sido épico.
— Um dia, vai ver que sou tudo o que precisa, princesinha. Porque, se sou
um monstro, você é igual. Se você é um veneno, eu posso ser muito pior.
Somos iguais.
— Pare de usar suas frases de efeito insuportáveis — rosnei baixo. —
Pare de me tocar. — Segurei os seus pulsos e o afastei de mim. — Pare de
se aproximar de mim e de inferir que há a menor chance de eu sentir
qualquer coisa por você, senão desgosto. Você me afastar do Damian não
significa que vou correr para os seus braços, Meyers. — Olhei no fundo dos
seus olhos, garantindo-me de que ele entenderia cada sílaba que rasgava
pela minha boca. — Nunca vai acontecer. Porque posso odiar Damian Bale
por ter me deixado, eu posso odiar qualquer pessoa na porra desse planeta,
mas nunca vou odiar ninguém... mais... do que... você.
Fiz questão de falar devagar antes de empurrá-lo. Meyers piscou algumas
vezes, cambaleando para trás.
— Preciso desenhar? — acrescentei. Vi seus olhos se tornarem marejados
rapidamente, Derek se tornar extremamente desconcertado por ter falhado
em reconquistar e eu soube: eu o teria aos meus joelhos se quisesse. Mas o
desprezava tanto que não queria. Porque ele não me amava. Ele era
obcecado por mim. Eu nunca seria como ele porque eu não era obcecada por
destruir cada um à minha volta. E eu queria distância de Meyers. Quis ainda
mais quando ele tentou me conquistar pela última vez naquela noite:
— Eu amo você, princesinha.
Eu ri, virando um gole da vodka quente e amarga.
— Se quiser, te digo onde enfiar esse amor.
Isso bastou para que Derek assentisse e me deixasse por um momento.
Mas assim como eu, Derek quis beber e afogar todas as suas mágoas por ter
recebido um grande e belo fora. E, assim como Damian, Meyers quis me
ferir de volta.
Então minutos depois de ser deixada sozinha, meu celular piscou mais
uma vez. E ali estava o último post da Poison. Ele dizia duas coisas:
Um: Naomi Carlson também era uma assassina. "Ela matou um bebê". É...
Meyers usou essas palavras. Ele era doente desse jeito.
Dois: Naomi Carlson foi a Poison nos últimos anos. O que, honestamente,
me fez rir. Eu deveria esperar por isso. Claro.
Bem, Damian Bale não poderia dizer que só ele tinha se fodido, não é
mesmo? Agora estávamos quites, olha que lindo! Dois idiotas de corações
partidos e fodidos por conta daquela maldita conta e daquele maldito doente.
Xinguei Meyers por isso. E logo depois xinguei Damian, por me chamar de
egoísta, quando eu claramente terminaria a noite me ferrando tanto quanto
ele. Porque era sempre assim.
Olhei o post por longos segundos, parando de rir. Porque aquele era o
fundo do poço.
Analisei todas as postagens da Poison, indo até a primeira em que ele
aparecia.
Inglesinho. Ou novato. Damian Bale... Bem, eu o chamaria de filho da
puta.
Com isso em mente, deixei o celular de lado, murmurando para que o
mundo se fodesse uma última vez, antes de virar o último gole de vodca da
noite. E, por Deus, eu realmente quis dizer isso.
Cheguei em casa exausto. Tirei a gravata assim que pisei na sala. Ryan e
Katy olharam para mim, ambos confusos. Estavam abraçados no sofá e eu
realmente escolhi ignorar o filme que passava na televisão. Era Cinquenta
Tons de Cinza. Se eu estivesse bem, com certeza riria. Deduzi que Miley
deveria estar dormindo, então.
— O que houve? — Ryan perguntou, preocupado. Dei um ou dois passos
antes de vê-lo se colocar de pé. Balancei a cabeça em negação porque não
queria conversar sobre nada daquilo. — Damian?
— Não quero falar sobre. — Tentei soar firme quanto a isso, mas não
funcionou.
— Achei que traria a Naomi — ele comentou e eu ri.
— Não quero falar sobre isso também.
— A deixou em casa? — Katy perguntou como uma mãe preocupada.
Droga. Deixei Carlson sozinha na escola. Me senti péssimo.
Meus olhos se encheram de água assim que lembrei do olhar dela quando
a deixei. Tentei inspirar fundo, porque o oxigênio nos meus pulmões pareceu
insuficiente. Mas não consegui.
Todo mundo sabia sobre Megan.
Carlson me odiava.
Estávamos terminados.
Era a pior noite do ano.
Ryan se aproximou, incerto. Seu olhar carregado de angústia me quebrou
ainda mais. Eu teria que contar aos meus pais que todo mundo na cidade
sabia sobre Megan Hunter.
Meus lábios tremeram. E quando Ryan ergueu o meu rosto para questionar
pela última vez o que estava acontecendo, eu deitei a testa em seu ombro e
desabei por completo, com soluços e tudo, deixando-o em choque. Eu tinha
prendido aquele choro por muito, muito tempo.
Pensei em Megan, sua boca espumando, seus olhos virados em suas
órbitas, a ambulância... E, logo depois, Naomi Carlson e seus olhos tão
lindos e de repente tão sombrios, seu rosto quando falei que a odiava.
Odiar Naomi Carlson era impossível.
Impossível para cacete.
E, porra, aquilo doía. Aquela ideia de que o amor não era para mim e de
que eu estava me fodendo mais uma vez. De que eu sairia daquela casa e
seria visto como o culpado por ter tirado a vida de uma garota. Megan, todo
mundo sabia sobre Megan.
Lembro de Katy me guiando até o sofá. E que cada palavra que eu dizia,
tentando explicar o que havia acontecido para Ryan, me fazia estremecer. A
cidade parecia muito mais fria do que de fato era. Fazia tudo doer.
Ryan tentou conversar com a minha mãe e Meredith, ao telefone, me pediu
para respirar fundo. E cacete, eu não conseguia.
Megan. Culpado. Naomi. Poison. Assassino. Isso se repetia por minha
mente.
A última vez que me senti tão, tão mal, foi quando Megan morreu e seus
pais não me deixaram ir ao seu enterro. Naquela noite, minha mãe chegou até
a me oferecer um calmante. Eu demorei muito para dormir. Me surpreende
que eu tenha conseguido.
Mas então eu estava ali. Damian Bale. No sofá da sala, estremecendo,
com o coração na garganta e o sangue queimando em fúria e angústia...
Completamente fodido.
Tudo piorou quando me deixaram sozinho. Katy foi buscar outro copo de
água na cozinha, Ryan se afastou para perguntar à minha mãe o que fazer. E
nesse meio tempo, meus dedos trêmulos buscaram o meu celular no bolso da
calça. Porém, não foi a postagem sobre a Megan o que eu vi. Era uma foto da
Naomi com o Derek, juntos. As palavras "aborto" e "Poison" me fizeram
travar. Os segredos dela estavam expostos para todo mundo.
Não, não, não...
Eu tinha dito que seus segredos não estavam jogados para todo mundo ver,
mas nunca desejaria que isso acontecesse, e ali estava, acontecendo.
Desespero me tomou de imediato e eu deixei de lado tudo o que havia
acontecido na festa.
Naomi me disse que não queria se quebrar novamente, e em uma noite ela
teve seu coração estraçalhado novamente. Por Derek e por mim.
A história do aborto não deveria ser divulgada. Aquilo era seu para contar
para quem quisesse e quando quisesse. Meyers havia roubado aquele
direito.
Enviei mensagens para Mike. Katy apareceu com um copo de água e
sugeriu que eu deixasse o celular de lado por um segundo, mas eu esperei
Graham responder. Pelas suas mensagens curtas e constantes, eu sabia que
ele estava ocupado.
Mike: voltamos para o baile.
Mike: Brandon não achou Melissa, ligamos para o irmão dela, ela foi para casa.
Mike: Naomi está bêbada.
Mike: Nada bem. Melhor do que eu imaginava, considerando tudo.
Respirei fundo, passando a mão pelo cabelo. Tentei repetir para mim
mesmo que tudo ficaria bem.
Mike: estou sóbrio e com o carro.
Mike: Vou levar Carlson para casa. Ela vai ficar bem.
Eu: Derek postou sobre ela.
Ryan estava prestes a tomar o celular da minha mão quando Graham
finalmente respondeu:
Mike: Ela vai ficar bem. Cuide de si agora, Bale, por favor.
Não lembro de muita coisa depois disso. Lembro que adormeci no sofá.
Quando acordei, havia um cobertor sobre mim. Era da Barbie. Um desenho
estava sobre a mesa. Miley me fez ao lado dela. A letra no papel, contudo,
era da Katy, e dizia que tudo ficaria bem.
Torci para que ficasse.
Meu pai tossiu e pediu por água. Eu estava quase dormindo na poltrona do
quarto frio, mas me levantei, andando até a bancada do outro lado do
cômodo. Enchi um copo e levei até ele.
Quatro dias ali, apenas. Ele estava um pouco melhor. Ao menos por ora.
Vincent franziu o cenho ao me identificar e eu ajeitei seu travesseiro atrás
do corpo. Ele estava levemente sentado, então era possível que bebesse
água. Haviam tubos finos e verdes em seu nariz, o que o ajudava a respirar
um pouquinho melhor.
O grande e imponente Vincent Carlson, dono de uma das empresas de
carros mais conhecida da cidade, do estado; famoso pelos clássicos veículos
potentes dos Carlsons, desejo de qualquer um de Brightgate. Um negócio
sempre tão perfeitamente administrado por um pai tão rígido e bondoso,
presente em todas as festas de caridade... Que agora estava ali, fraco. Sem
conseguir beber água sozinho.
O que seus sócios diriam disso? Eles sabiam, certo? Onde estavam eles?
Não eram seus amigos?
— Vá com calma — falei, baixinho, aproximando o copo da sua boca. Ele
ergueu a cabeça levemente e eu cerrei os olhos involuntariamente, porque
tinha medo que se engasgasse ou sei lá. Ele voltou a colar as costas na cama
logo depois.
— Mais — ordenou quase inaudível. Não obedeci. Seus lábios estavam
secos novamente.
— Não sei quanta água pode beber. — Seu olhar pareceu dizer "Está
brincando?". Arqueei uma sobrancelha e continuei firme. Ele bufou,
desistindo de me contestar. Não é como se pudesse. — São dezessete horas,
caso esteja se perguntando. Está escurecendo lá fora. Mamãe e Maddie
foram em casa rapidinho e já voltam. Está preso comigo.
— Ótimo.
— Pois é, quem diria? — ironizei. — Está confortável? — Ele se recusou
a responder. Não insisti em perguntar mais. — Melhorou bastante hoje, está
até falando, sem sedação. Enfim... Vou sentar ali. Se precisar, avisa de algum
modo. Tosse, sei lá. — Meu humor ácido era tudo o que tinha me restado
naquela semana. Voltei a me sentar sobre a poltrona.
— Por que está aqui? — sua pergunta foi arrastada. Ele lutou por cada
palavra.
Por que eu estava ali?
Eu queria dizer que estava ali pela minha mãe e pela minha irmã. Que
jamais seria como ele. Que tinha seu DNA, mas não tinha seu coração e
muito menos sua maldade. Quer dizer, nunca fui um exemplo de ser humano,
mas eu nunca seria horrível como Vincent Carlson.
Eu até desejei dizer que queria que ficasse bem para me ver entrar numa
universidade em Sydney, para Design de Moda, mesmo contra a vontade
dele. Para que eu fosse uma profissional tão, tão boa — a melhor —, que ele
me exibiria como um troféu e eu teria o prazer de dizer que nenhuma
conquista havia sido por causa dele. Que, na verdade, ele nunca me apoiou.
Mas que o provei ser boa da mesma forma.
Mas tudo isso seria uma meia verdade.
Meus olhos arderam. Porque eu não diria a verdade completa. Não
mesmo. Porque, mesmo numa maca, eu temi que ele me destruiria.
Eu não diria que estava ali porque ainda o amava. Eu não poderia dizer
que não desejava a sua morte e que uma grande parte idiota de mim torcia
para que ele magicamente se tornasse um pai de verdade. Eu não poderia
dizer que estava ali porque mamãe e Maddie sofriam pelo estado dele,
mesmo cansadas como eu por amar alguém que não as merecia, e eu as
compreendia e preferia que descansassem desse peso só um pouco. Eu não
podia dizer que estava triste porque ele estava doente, mesmo que a maioria
das pessoas no meu lugar pudessem se sentir aliviadas — e, porra, eu as
compreenderia por isso.
Então apenas dei de ombros e me agarrei ao cobertor que joguei sobre
meu corpo.
Me limitei em dizer uma única frase e Vincent que se contentasse com ela:
— Ótima pergunta.
Se eu soubesse o que viria nos próximos dias, teria dito mais coisas.
Virei um gole do líquido quente. Gin. Me fez grunhir. Mel riu e eu passei a
garrafa para ela sobre a cama. Sua mãe jantava com uma amiga, seu pai
estava viajando e seu irmão nos contrabandeou a bebida para nossa noite das
garotas ficar completa. Com as máscaras de argila em nossos rostos,
assistíamos ao segundo filme de Ryan Gosling na televisão.
— Amanhã diremos adeus ao Colégio Brightgate para sempre — recordei,
me checando em frente ao espelho do seu quarto. A minha língua embolava
um pouco. — Finalmente!
A formatura era no dia seguinte. Eu tinha ido para a psicóloga mais cedo e
depois segui para a casa da Mel, onde ficaria pelos próximos dois dias. Era
o que nossas mães tinham concordado para que eu "me distraísse um pouco
de tantos problemas".
— Ugh, bizarro. Esperamos por isso desde o início do ensino médio e
ainda assim... Parece que não esperávamos que isso, de fato, acontecesse.
Eu quase ri.
— Bem, do jeito que as coisas acontecem por aqui, capaz de cair um
cometa na cidade amanhã e essa formatura não acontecer. Talvez Derek o
arremesse.
— Pelo menos ele não vai ter a conta da Poison para noticiar o cometa —
ela brincou e eu ri. Não sei se foi o advogado da minha família ou as líderes
de torcida que convenceram a escola inteira a denunciar a conta da Poison,
mas o post sobre o aborto e sobre a Megan foram derrubados. E logo depois,
a Poison por inteira. Não tinha voltado.
Damian estava certo, sabe? Eu não precisava daquela maldita conta. Mas
isso era algo que eu evitava pensar, ou seria atingida por um sentimento
sufocante de culpa.
— Mesmo se a Poison ainda existisse, Derek não a usaria para noticiar
um desastre como esse — falei. — Ele amaria ver Brightgate ser pega de
surpresa e queimar. Provavelmente assaria marshmellows nas chamas. E se
eu sobrevivesse, enfiaria os espetos bem no...
— Naomi Carlson! — Melissa explodiu em risadas. — Ugh, pare de fazer
piadas com as nossas desgraças. — Wayne ergueu a cabeça ao máximo e
fechou os olhos, respirando fundo. — Ok, realmente consigo imaginar Mike
rezando para esse cometa cair na minha cabeça... — Ela gemeu, frustrada.
— Seria compreensível. Qual é?! O cara se declara e você diz que é
"melhor parar por ali"? E depois do ato, Wayne! Eu imagino o pau de
Graham retrocedendo de vergonha... — Peguei o controle da televisão sobre
a bancada. Melissa me xingou quando fiz o filme votar algumas cenas,
combinando com o que eu estava narrando. — E o grande Mike se
escondendo dentro da toca.
— Pare com isso! — Ela queria rir, eu sabia. Aproximei-me de Wayne,
pegando a garrafa em sua mão. Ergui o seu queixo com um dedo. — Ele deve
me odiar agora.
Ela se sentia mal, era visível. Segundo Wayne, quando Graham disse as
três palavrinhas, ela sentiu algo extremamente forte e apavorante. Pensou que
tinha inseguranças demais nas costas e Mike merecia mais. Não era o
momento dos dois. Mas talvez pudesse ter esperado o baile acabar, certo?
Melissa se jogou sobre a cama, fechou os olhos e respirou fundo com
força. Relacionamentos são complicados. Mike esteve ali, se entregando
para ela. Wayne terminou tudo. Nem eu entendia por completo, e eu a
conhecia desde sempre. Graham tinha todo o direito de se sentir enganado,
porque... Bem, eles estavam grudados nas últimas semanas. Todo mundo
achava que dariam certo.
— Não quero falar sobre isso — ela disse, finalmente.
Grunhi ao rolar os olhos e deixar a garrafa sobre uma mesa do quarto.
— Então é isso — falei, me jogando sobre a cama de Wayne. — O clube
dos corações partidos! — Fingi uma empolgação. — Duas integrantes.
Ficamos em silêncio por alguns instantes.
— Ou quatro, se parar para pensar — acrescentei. A piada foi pesada,
mas percebi que Mel mordia um sorriso como eu. Acabamos por rir. Xinguei
quando a máscara de argila fez o meu rosto doer. Estava secando. Eu
precisava tirá-la.
— Inferno, Carlson, tem que fazer piada com isso? — Ela secou as
lágrimas, rindo. Eu tentei parar, respirando fundo. Bem, melhor rir do que
chorar.
— Agora seremos Batman e Robin contra o mundo, aparentemente.
Mel olhou para mim e eu a analisei de volta. Seus dedos encontraram os
meus e ela arqueou uma sobrancelha.
— Sempre foi assim, não?
Eu sorri, assentindo. Wayne se aproximou e acomodou a cabeça na curva
do meu pescoço. Acariciei a sua mão, observando o teto, como se ele
subitamente fosse se transformar num céu estrelado ou qualquer coisa
maravilhosa de se assistir.
— Vamos fazer uma promessa, sim? — falei baixo. Melissa me observou
e eu me virei para ela. — Independentemente de quão promissor ou
esmagador o futuro for, isso aqui... — apontei para ela e para mim — isso
aqui precisa ser protegido com unhas e dentes. Sempre. Nada de "eterno
enquanto durar", apenas... eterno. Sem quaisquer chances de fim.
— É uma promessa e tanto.
— Uma que duas irmãs conseguem cumprir — garanti. Mel sorriu. — Eu
não consigo me ver sem você, Melissa Wayne. E você? — Ergui o mindinho.
Mel fingiu pensar por um segundo, batendo o indicador contra o meu dedo.
— Oh... Por Deus, quão entediante seria a minha vida sem Naomi Carlson
para me tirar do sério?
Eu ri. Unimos os mindinhos. A tristeza no meu coração não foi embora, eu
sabia que no seu também não. Éramos duas garotas de corações partidos por
nossas escolhas um tanto quanto duvidosas, mas eu sabia que ficaríamos
bem. Desde que tivéssemos uma a outra.
Batman e Robin contra o mundo.
Apesar de que, naqueles momentos, parecíamos mais as filhas do Shrek.
Morri de rir com esse pensamento, bêbada, e Wayne olhou para mim como
se eu fosse doida, gargalhando pela minha risada.
— Você é louca — ela disse, tentando parar de rir.
— Melhor rir do que chorar, Wayne — comentei, sem ar. — Melhor rir do
que chorar...
Eu dividia a cama com Wayne, que dormia. Minha cabeça estava para o
lado oposto à cabeceira, meus pés sobre ela, meus cabelos corriam da cama
até o chão e eu pensava nele.
Damian.
Não consegui beber até a ultima gota de gin, o que era bom. Eu não
passaria mal como passei após o baile, quando Mike segurou meu cabelo
para que eu colocasse tudo para fora. Contudo, gastei até a última gota de
humor ácido naquela noite. E agora estava bêbada e vazia, novamente.
Liguei meu celular e abri as mensagens que eu tinha com Damian.
Coincidentemente o vi digitar alguma mensagem. E ele digitou, digitou e
digitou...
Aquilo era real. Eu conferi. Várias vezes.
Um desconforto na minha nuca me fez mexer o pescoço, ansiosa. Mordi o
interior da bochecha e comecei a digitar também, desabafando para o
telefone porque senti que ele faria o mesmo. Talvez o real motivo fosse
alguma necessidade de me defender previamente de qualquer palavra que ele
quisesse me mandar, ou apenas o álcool.
"Antes de mais nada, achei que ninguém nunca quebraria meu coração
como Derek", comecei "Mais do que isso, Bale, eu achei que você nunca
faria isso. E você o quebrou. Você o apertou com tanta e tanta força que a
dor ficou gravada na minha memória e — se eu fechar os olhos — consigo
lembrar do gosto amargo de ter sido desmembrada em cacos."
Damian continuava a digitar. Parava vez ou outra, mas continuava.
Considerei apertar o "enter" e desisti. Só continuei, devagar, torcendo para
não errar nenhuma palavra.
"Eu deveria ter escutado a voz no fundo da minha mente que dizia que
nunca daríamos certo. Porque... Olha onde estamos agora? Destroçados
porque insistimos em algo sem a menor chance de futuro."
Um nó tomou a minha garganta. Eu estava sendo honesta com Damian,
torcendo para que lesse cada palavra e me compreendesse. Usando de toda a
coragem líquida que o gin tinha me dado.
"Mas acho que a culpa é minha, Damie. Criei expectativas demais
quando pensei que finalmente tinha encontrado a pessoa que me
entenderia e me amaria como sou. Agora vejo que isso nunca vai existir."
Minha visão se tornou embaçada.
"Só que eu ainda amo você", escrevi. "E provavelmente vou amar por
muito tempo. Mas não sinto só raiva de mim por isso, porque nem só de
arrependimentos nosso relacionamento foi feito. Sinto essa dor porque eu
queria que me perdoasse por tudo o que te fiz, te perdoar de volta e
consertar tudo, mas acho que nós nos quebramos demais, certo?"
Engoli o choro.
"Não há mais chances para nós dois, não é?"
Ele disse que se formaria comigo. Que estaria ao meu lado. Como meu
amigo, antes de tudo. Que seguraria a minha mão. Que me ensinaria a andar
de bicicleta e iria para Sydney toda semana, porque tínhamos um futuro
juntos.
Tudo foi transformado em cinzas. Não havia mais nada.
"Ainda assim, queria deixar claro que realmente não te odeio, Damie.
Você me machucou, mas que sei que também te machuquei de volta e que
sinto muito, realmente sinto. Porque você não é ruim como aquela
postagem disse. Você pode não me compreender, Damian Bale, mas
definitivamente continua sendo uma das melhores pessoas que conheci. E
me arrependo de ter deixado meu coração nas suas mãos, mas me
arrependo ainda mais de não ter cuidado tão bem do seu".
Qualquer chance sólida de um futuro parecia ter se tornado pó.
"Porque tanto quanto eu merecia mais do que sua incompreensão, você
merecia mais do que uma garota quebrada."
Não havia mais nada.
"É uma pena. Estou perdendo um amigo, antes de tudo. Realmente só te
desejo coisas boas. Espero que todas as dores que te causei se curem de
alguma forma. Espero que encontre alguém que te ame de verdade, como
eu amei, mas que dê verdadeiramente certo. E que viva tudo o que
traçamos juntos com uma pessoa tão boa quanto você."
"Independente de qualquer coisa, Damie, será para sempre o meu
novato."
"Espero que me perdoe um dia. Espero te perdoar de volta."
"Da sua sweetheart..."
E então percebi que, seja lá o que Damian havia pensado em me mandar,
ele tinha desistido. O "online" abaixo do seu nome sumiu. Respirei fundo e
percebi a merda que estava prester a fazer.
Apaguei tudo o que escrevi.
Já tínhamos decretado o nosso fim. Duas vezes. Por que fazer isso de
novo?
Deixei o celular sobre a cama, sentindo o mundo girar rápido demais.
Lutei para não chorar, não queria mais chorar por nós dois.
Honestamente, eu não fazia ideia do que Damian queria me escrever.
Achei que nunca saberia. Mas entendi no dia seguinte, e imaginei quais
teriam sido suas palavras, por dias e dias...
— Bom dia, bom dia, bom dia, bom dia! — Finn Wayne desceu as escadas
com uma animação contagiante, se unindo à senhora Wayne, Mel e eu no
café.
Quentin Wayne, pai da Melissa, estava viajando. Já Helena, mãe da Mel,
estava ali, em uma das extremidades da mesa, sempre tão leve e sorridente.
Seus fios eram castanhos, cacheados e longos, como os da Mel eram sem as
tranças. Seus olhos eram âmbar e vivos. A pele negra, um pouco mais clara
do que a da filha. O rosto suavizado por procedimentos estéticos a fazia
parecer mais jovem, mas só um pouco. Helena teve seus filhos aos vinte e
pouco anos, ela não era nem um pouco velha.
Quentin teve uma grande emergência no trabalho e Mel estava
decepcionada, mas sua mãe passara a manhã inteira garantindo que ele veria
tudo por FaceTime.
— Bom dia, mulher da minha vida. — Finn abraçou a mãe por trás, pelo
pescoço.
— Puxa-saco — Melissa acusou, baixo.
— Ciumenta! Sabe que sou o filho preferido — Finn provocou, piscando.
Melissa realmente era ciumenta com os pais, então não me surpreendi pelo
grunhido baixo.
— Crianças... Se comportem — a senhora Wayne pediu, me fazendo rir.
— Naomi, meu amor, está tudo bem? Quer visitar o seu pai hoje, antes da
formatura? Posso te levar ao hospital em uma hora, talvez duas.
— Oh, pelo amor de Deus, não — falei. Mel pigarreou e bateu o joelho no
meu, me fazendo perceber o que tinha dito. Minhas bochechas queimaram. —
Digo, hoje precisa ser um dia leve, não? Formaturas, diplomas... Yay! —
Tentei disfarçar e Mel reprimiu o riso. Finn fez o mesmo.
— Não posso crer que as minhas bebês vão se formar!
— Mãe — Melissa choramingou, envergonhada. Eu ri, me servindo de um
pouco de suco. Eu iria morrer de sede e dor de cabeça pelo maldito gin.
— Parece que foi ontem que a Melissa quebrou a perna porque vocês
cismaram de subir naquela árvore no quintal — Helena disse. Ri de como a
minha melhor amiga estava ficando roxa de vergonha. Virei um gole do suco.
— Ou que a Naomi menstruou pela primeira vez! — Engasguei.
Menstruei pela primeira vez na casa dos Wayne, aos treze anos. Era festa
do pijama e Melissa gritou de susto quando viu o sangue na cama. Enfim, eu
amaria apagar isso da memória. Minha melhor amiga batia nas minhas costas
e Finneas não conseguia parar de gargalhar. Assim que consegui respirar
fundo, pigarreei, me acalmando.
— Tia Ellie? — a chamei pelo apelido. — Pensando bem... Eu... Eu acho
que seria legal visitar o meu pai depois da formatura — confessei, incerta.
— Só para checar se a minha mãe precisa de algo. Prometo não demorar
muito.
Helena sorriu para mim com doçura enquanto Mel acariciou o meu joelho
sob a mesa.
— Claro, meu amor. Podemos te esperar o quanto quiser — a senhora
Wayne respondeu, seus olhos brilhando com compaixão. Sorriu largamente
para mim e para a sua filha e prosseguiu: — Estou tão orgulhosa das minhas
garotas! Se tornaram tão lindas por dentro quanto por fora. Se tornaram
mulheres verdadeiramente boas.
O orgulho na sua voz me fez derreter.
— O discurso está vindo — Finn provocou e a senhora Wayne rolou os
olhos.
Ellie segurou a mão da filha sobre a mesa com força e sorriu para mim.
Nem sei quantas vezes fui parar no quarto de Melissa Wayne após brigar
com os meus pais. Tia Ellie não era idiota. E, pelo seu olhar, eu sabia que
me levaria a ver Vincent por consideração à minha mãe e a mim. Porque,
mesmo extremamente bondosa, nem ela teria visitado Vincent no meu lugar,
se fosse o seu pai.
Wayne iria cursar Cinema. Ela tomou coragem para isso e contou para a
família, que lhe deu toda a força do mundo. Os Waynes também nunca foram
contra Finneas quando ele começou a cursar Dança. E ali eu estava,
pensando no meu pai doente e que ele provavelmente infartaria novamente se
soubesse que eu estava decidida a cursar Design de Moda.
Naquela mesa de café, entre uma família unida e adorável, eu pensei em
como eu ainda não tinha algo assim. Uma família que me fortalecia. Só
experimentei algo parecido com os Waynes e a família do Damian... ou Elise
e Maddie, vez ou outra.
Virei mais um gole do suco, enquanto Ellie de fato começava a lembrar de
cada momento de vida da sua filha, vez ou outra meu também. Fingi prestar
atenção em cada palavra. Mas não senti que eu encaixava ali.
Mel percebeu que eu estava desanimada e colocou Taylor Swift para tocar
no seu quarto quando começamos a nos arrumar. Admirando seu esforço para
me deixar bem, me esforcei para fazer aquele dia ser verdadeiramente bom.
Honestamente, ela era a minha alma gêmea. Ainda é. Creio que há algum
tipo de ponte entre nossas almas, um fio de ligação que nos permite parecer
uma só de vez em quando.
Em algum lugar, pelos seus olhos, eu conseguia perceber que estava triste
por estar longe do seu pai e nervosa por ter que ver o Mike mais tarde. E ela
conseguia me ler com perfeição, então sabia que eu sentia falta do Damian e
que minha mente voltava para a minha mãe e Madison naquele hospital frio,
a cada dois segundos. Mas fortalecíamos uma a outra.
Nos arrumamos juntas e ouvimos toda a sua playlist. Escutamos Finn
gritar uma vez quando cantamos alto demais... Por isso cantamos ainda mais
alto.
Não sabíamos como a vida seria em algumas semanas. Wayne esperava
pela confirmação de Melbourne ou Sydney e eu também. Não diziamos nada,
mas torcíamos para sermos aceitas juntas em Sydney. A pior das hipóteses
seria se Wayne ficasse em Melbourne e eu em Sydney — ou o inverso —,
porque significaria nove horas de distância de carro. Obviamente de avião o
tempo seria bem mais curto, mas a Mel tinha medo de altura e... Sendo
realista, sabíamos que isso não era prático e nos veríamos muito menos se
isso acontecesse. Não era como se qualquer distância pudesse nos separar,
mas saudade é o pior veneno que existe.
Quando nos sentamos juntas, as duas lado a lado em uma das cadeiras da
quadra do Colégio Brightgate, Wayne apertou a minha mão com força.
Esquadrinhei o seu rosto, percebendo o seu olhar marejado voltado para o
palco.
Os pais e amigos dos alunos estavam nas arquibancadas, bem como alguns
professores. As duas turmas de formandos estavam distribuídas em cadeiras
ao longo da quadra, o céu da tarde estava limpo.
Era primavera, não fazia frio, mas também não fazia tanto calor assim.
Todos os alunos vestiam becas pretas, os cintos eram verdes e os chapéus
também. Por baixo da beca, a maioria vestia branco.
Mike estava na fileira à minha frente e eu aproveitei que Brandon, ao lado
de Mel, puxou algum assunto com ela. Chutei a cadeira de Graham e ele
estremeceu, olhando para trás. Eu esperava um sorriso, mas Mike parecia ter
visto um fantasma. Me inclinei até a sua cadeira, ainda segurando a mão de
Wayne. Mike não a lançou um olhar sequer.
— Espero que não caia quando for chamado. — O meu jeito de dar boa
sorte o fez rolar os olhos.
— Naomi Carlson, tão carinhosa! — Ele me fez rir. Vimos Derek Meyers
chegar, do outro lado. O ignorei com muito esforço e Mike bufou, tão furioso
quanto eu. Esperava que Derek não fizesse gracinha alguma naquele dia. Eu
já não tinha nada para perder e poderia muito bem gastar minhas unhas pelo
seu rosto. — Está linda.
— Você não está nada mal. — Tive a impressão de que Wayne terminava a
conversa com Ramsey, então fui rápida em me despedir. — Independente de
qualquer coisa, Graham, adorei te conhecer melhor.
— Igualmente.
Ia me afastar, mas não resisti em perguntar. Não tinha visto Ryan ou Katy
por ali, muito menos Miley. E se Miley tivesse me visto, ela teria me gritado.
— Onde está o Damian?
Mike abriu a boca mas não respondeu. Voltou a me dar o olhar estranho de
segundos antes e se virou para a frente.
Algo estava errado.
Inclinei o corpo por cima de Wayne, ainda segurando a sua mão.
— Brandon — chamei. Meu amigo parou de falar com Oliver por um
instante. Os dois me olharam. — Onde está o Damian?
Ramsey olhou no fundo dos meus olhos e não me respondeu. Movi o olhar
para Oliver e ele xingou baixinho, olhando para a frente.
Algo estava definitivamente errado.
O diretor subiu no palco, os pais bateram palmas, os alunos se tornaram
mais ansiosos e eu só consegui procurar pelos Bales. Miley e Katy
prometeram que iriam, o Damian também estava se formando e aquilo não
fazia o menor sentido.
Inclinei-me até Mike novamente.
— Graham...
— Naomi, é melhor não...
— Graham, aconteceu alguma coisa? Aconteceu, não é? Precisa me dizer.
— Vocês terminaram.
— Ele te pediu para não me dizer algo? — perguntei. Mike suspirou. —
Graham, o que houve?! Onde está ele? Mike, por favor, se não me disser...
Pediram por silêncio à minha volta.
— Naomi... — Melissa me chamou.
— Eles estão me escondendo algo, Mel!
Tentei me conter, realmente tentei me conter. Tentei não pegar o meu
celular e mandar mensagens para Katy e para o próprio Mike na minha
frente. Tentei prestar atenção no discurso do diretor e do aluno que ele
chamou para o palco, tentei, realmente tentei. Mas havia uma cadeira vazia,
no canto esquerdo da primeira fileira.
E todo mundo estava ali, menos uma pessoa.
Chamaram as pessoas com a letra A, depois B, C...
— Mike... — Sussurrei.
Mike segurou a ponte do nariz, respirando fundo. Meus amigos me
escondiam alguma coisa, eu sabia que sim. Eu conseguia sentir.
Letra D. Damian não foi chamado.
O que queria dizer que o diretor sabia que algo havia acontecido, certo?
Os pais do Damian avisariam a escola se ele faltasse à maldita formatura.
— Ele não foi chamado — sussurrei.
Mel apertou a minha mão com força e eu percebi que ela também o
procurava discretamente. Percebi também que Brandon e Oliver não queriam
olhar em minha direção e Mike continuava imóvel.
— Graham... — implorei uma última vez.
Mike balançou a cabeça em negação. Parecia estar em conflito consigo
mesmo e não se virou ao dizer:
— O Damian foi embora, Naomi.
Se Melissa não apertasse a minha mão com força, eu teria a certeza de que
estava despencando, porque não parecia haver cadeira nem chão sobre mim.
— Ele deve estar embarcando para a Inglaterra agora mesmo.
Paralisada, não consegui acreditar. Meu olhar caiu sobre uma única
cadeira vazia.
Ele prometeu que estaria ali. Ele disse que a Austrália era a sua casa. Que
escreveria músicas sobre mim e as cantaria num palco, que viajaria para me
ver enquanto eu cursasse Moda em Sydney, que me ensinaria a andar de
bicicleta e veria todos os filmes da Disney com a Miley… Mas não era só
sobre isso. Damian deveria estar ali. Ele merecia pegar aquele diploma, se
formar com a turma e comemorar que finalmente tinha concluído a escola.
Sua família deveria estar ali assistindo-o se formar como seus amigos
estavam. Mas o lugar de Bale seguia vazio.
Tentei respirar fundo e não consegui, porque tudo doeu. As minhas
palavras no hospital me atingiram com força. O jeito com que o mandei ir
embora, a fúria que falei sentir por amá-lo, o modo como seus olhos cinzas
se encheram de lágrimas e ainda assim eu não me calei por um mísero
segundo.
E então aquela maldita, estúpida mensagem de texto que eu nunca enviei.
A que poderia deixar claro que eu não o odiaria mesmo que tentasse, que
desejava o seu bem e que ainda o amava e sempre amaria. Talvez, se lesse
aquela mensagem, Bale ficasse. Talvez Bale tentasse lutar por nós mais um
pouco, certo? Talvez, se eu não o tivesse mandado ir embora, tudo fosse
diferente. Talvez eu devesse ter lutado mais por ele. Não só pelo meu
namorado, mas pelo meu amigo.
Sabe, quando você faz algo na vida, você abre milhares de possibilidades
pro seu futuro. Mas eu entendi, naquele momento, que quando você deixa de
fazer algo — como enviar uma mera mensagem —, você também cria
trocentos possíveis caminhos para si mesma. Eu não conseguia imaginar
como aprender a gostar de algum deles, se nenhum envolvesse Bale.
Porque eu menti naquele hospital. Eu não queria não ter ele na minha vida.
E, mesmo se assim fosse, eu não queria que ele fosse embora da cidade.
Eu mal percebi o mundo à minha volta quando a chamada de nomes
continuou e as pessoas seguiram até seus diplomas. Quando chamaram o meu
nome, eu nem sei como consegui me levantar.
— Naomi! — Mike tentou me alcançar pelo estacionamento. Mel estava
logo atrás dele, Brandon e Oliver também.
Enviei cinco mensagens perguntando para Katy onde ela estava, em
negação. Não, aquilo não poderia estar acontecendo. Ela disse que iria.
Miley disse que iria. Damian não poderia ter faltado, ele não poderia ter
viajado justo naquele dia.
Foi quando vi o carro da Katy estacionado. Foi quando a vi. Ela digitava
ao celular com uma mão, Miley estava segurando a sua outra. Meu celular
vibrou assim que o olhar da pequena Bale caiu sobre mim. E ela estava
chorando.
— Não... Ele não pode ter sido tão idiota — eu disse, me virando para
Graham. — A porra da vida dele fica aqui, Mike. Ele tem os amigos, a
família! E ok, ok, Meredith é muito importante! A mãe dele é importante!
Mas a Inglaterra não fazia bem para ele e ele sabe disso, a Meredith sabia, o
Damian sabe... — Levei as mãos ao rosto. — Isso não faz sentido!
Graham se aproximou. Seus olhos se tornaram marejados e eu soube que
ele também não achava aquilo certo.
Mike me abraçou com força pela primeira vez.
Algumas pessoas passaram por nós, talvez me julgando por ter sido a
Poison, talvez achando que eu chorava por isso. Eu não me importava.
Cacete, aquilo doía.
O maldito término ficava mais real a cada segundo. gora haveria uma
distância enorme entre mim e Damian. Não havia sentido nisso.
— Foi por minha causa?
— Não, não... Ele precisava de um tempo longe dessa cidade — Mike
sussurrou, mas não consegui crer nele. — Se precisar de mim, em qualquer
momento... Eu vou estar aqui. Não importa o que houve entre vocês dois, eu
sei que tudo ficou confuso nesse final de ano... Mas gosto muito de você, tá?
Assenti. Permiti que Graham me abraçasse por um bom tempo,
completamente perdida.
Quando braços pequenos me envolveram pela cintura, Mike se afastou,
secou as minhas lágrimas com cuidado para não borrar ainda mais a
maquiagem e beijou a minha testa. Depois seguiu até os seus pais, em algum
ponto do estacionamento, e não olhou para Wayne.
Tive que me esforçar para conseguir me agachar e abraçar a Miley direito.
A garota me apertou com força pelo pescoço e eu afundei o rosto em seu
ombro, sentindo o seu perfume doce e leve de criança. Mas eu consegui
sentir algo a mais.
Eu senti o perfume de Damian. Como se ele tivesse a abraçado por muito
e muito tempo antes de ir embora.
— A gente disse que viria — ela choramingou. Senti o seu coração contra
o meu, os dois se partindo.
Olhei para Katy e ela reprimiu os lábios, desviando o olhar cheio de
lágrimas. Não perguntei onde Ryan estava, ele provavelmente não estava
bem. Provavelmente ninguém estava.
Aquilo era loucura. Em uma semana, em cima da hora, Damian conseguiu
uma passagem para o outro lado do mundo. Não fazia sentido. Não fazia o
menor sentido.
— Ele disse que só quer um tempo para pensar, mas... — Katy deixou a
frase morrer. Entendi o que queria dizer: não achava que Damian voltaria, e
Katy era uma das pessoas mais otimistas que eu conhecia.
Bale estava mais perdido do que eu pensava. Provavelmente estava muito
mal se queria ir para longe de Brightgate. Eu deveria tê-lo escutado naquele
hospital. E ele provavelmente era cabeça-dura demais para voltar atrás.
Provavelmente tinha desistido das universidades australianas,
provavelmente ele estava se despedindo na mensagem que apagou... E
provavelmente era tarde demais.
Observei as nuvens pela janela do avião, angustiado para cacete.
O primeiro vôo foi do aeroporto de Brightgate para o de Sydney. Foi
rápido. Depois disso, eu iria de Sydney para Londres num vôo de mais de
um dia, com mais duas paradas. A viagem não acabaria aí, porque minha
mãe estaria lá para nos dirigir para Bradford.
Pensar nisso — em quão longe estava indo e quanto tempo de vôo levaria
—, me fez perceber ainda mais o impacto do que eu estava fazendo.
No início daquele mesmo ano, fiz todo o trajeto inverso — da Inglaterra
para a Austrália — emburrado por ter que conviver com o meu pai em uma
cidade do outro lado do mundo. De repente, eu estava ali, perdido, pensando
em como Brightgate tinha me conquistado mais do que eu esperava e que ir
embora era tão... estranho.
Estalei o pescoço, desconfortável, retirando o celular do bolso do
moletom. Uma garota na outra fileira estava usando um notebook, então já
era seguro usar eletrônicos.
Abri minha playlist e coloquei uma música qualquer de Bring Me The
Horizon, abrindo as mensagens do celular. Brandon mandou algumas fotos e
áudios. Eu sabia que teria alguma festa após a formatura, então imaginei que
as mídias envolvessem ex-alunos bêbados. Obviamente estava certo.
Abri as mensagens do grupo que Ryan tinha criado com Katy e avisei que
estava tudo bem. Depois, ignorei as demais mensagens — incluindo um
"Ainda estou bravo com você" do Mike, por eu ter ido embora no dia da
formatura —, e abri o Instagram.
Ali estavam: Melissa Wayne e sua família; Mike e sua mãe; Brandon e um
print de uma chamada de vídeo com Gianna — em que os dois, em ambientes
distintos, usavam becas e sorriam com seus diplomas –; e Naomi Carlson.
Naomi postou uma foto da formatura, apenas beijando o diploma, sozinha.
Meu coração doeu quando lembrei da promessa que eu havia feito. De que
estaria ao seu lado.
As coisas realmente não foram como o esperado. Eu não via a menor
graça na formatura depois daquele baile, e saber que havia sobrevivido o
ensino médio era "bom" o suficiente. Antes de tudo, eu já pensava em viajar
para a Inglaterra, passar algum tempo com a minha mãe e decidir se ficaria
por Bradford em definitivo ou voltaria para Brightgate. Mas depois que
Carlson me pediu — ou melhor, ordenou — para ficar longe, eu
simplesmente senti uma necessidade absurda de adiantar a viagem.
Então eu comprei, sozinho, minha passagem só de ida. Muito, muito cara.
Ryan ficou tão decepcionado quando soube. Miley se trancou no quarto por
um dia inteiro. Katy fingiu sorrisos e sorrisos, mas eu sabia que estava
infeliz também. O que me surpreendeu, principalmente, foi a reação da minha
mãe: Meredith deixou claro que não achava que eu estava fazendo certo.
Foi um ato impulsivo, mas necessário, quando paro para pensar. Bradford
não parecia a minha casa, mas Brightgate também não parecia mais o lar que
deveria ser. Com os meus segredos jogados ao ventilador e a garota que eu
amava tão machucada e tendo me machucado de volta, eu precisava desse
tempo.
Abri um dos stories. Brandon e Gianna estavam juntos em alguma balada.
No outro, Oliver postou Mike e uma taça de alguma bebida colorida. Depois
havia uma foto da Melissa no espelho com Carlson e Olsen. As três
pareciam tão felizes quanto bêbadas num primeiro olhar. Mas o sorriso da
Naomi era o mais frágil. Praguejei baixinho.
Havia um vídeo de Carlson cantando um remix de Back to Black a plenos
pulmões, como algum desabafo, porém dançando com Melissa. Em outro,
ela, Ollie e Brandon estavam loucos, num palco, berrando Locked Out of
Heaven. O pensamento de que eu deveria estar naquele palco, transformando
o meu sangue em álcool e cantando junto com os meus amigos... Essa ideia
me machucou.
Saudade.
E eu mal tinha saído da Austrália. O que provava que Brightgate ainda
era o meu lar, mesmo quebrado. A cidade havia se tornado parte de mim,
portanto, talvez não adiantasse tentar escapar.
Quando desembarquei no aeroporto de Londres, exausto, minha mãe
estava ali. Meredith DeLuca perguntou, em um sussurro, se eu estava bem, e
eu menti que sim, recebendo um abraço apertado. Aproveitei cada segundo
dele, como um pequeno garoto precisando desesperadamente de colo.
Porque, naquele momento, ela era tudo o que eu tinha por perto. Odiei a
sensação de que isso não bastava.
Quando tateei o teto do segundo andar e puxei a escada de acesso para o
meu quarto — que ficava no nosso antigo sótão —, senti o cheiro de
produtos de limpeza e algum perfume doce e suave. Troquei um sorriso fraco
com a minha mãe ao subir, a ouvindo reclamar veementemente das malas
pesadas enquanto tentava me entregar, uma por uma. Ri da sua irritação,
tinha sentido falta das suas falas rápidas e afiadas.
Quando a terceira e última mala estava no sótão, Meredith me disse que
tomaria um banho e prepararia o jantar. Agradeci e me pus de pé, respirando
fundo. Ali estava, o meu quarto.
Os mesmos pôsteres de filmes antigos e bandas indies, a minha antiga
guitarra e o violão de madeira clara, os porta-retratos, a mesinha de estudos,
o tapete azul... Tudo estava ali, do jeito que eu havia deixado. Um pouco
mais arrumado, graças à minha mãe.
Dei um passo, me sentindo estranho no lugar que costumava ser o meu
mundo. A sensação de não pertencimento me fez buscar por qualquer detalhe
que me aquecesse o peito minimamente. Não havia Miley ou Katy pelas fotos
daquela casa. Havia uma única foto do Ryan comigo, na qual eu tinha apenas
três anos.
Tirei o celular do bolso e liguei para a Austrália. Assim que o meu pai
atendeu, avisei que tinha chegado em Bradford. Recebi uma voz distante e
cansada. Perguntei onde Miley e Katy estavam e a minha madrasta estava
trabalhando, enquanto ouvi minha irmã responder, de longe, que não queria
falar comigo. O que doeu. Senti que deveria tê-la abraçado mais forte antes
de ir embora, beijado cada uma de suas lágrimas e cantado cada música da
Disney que eu conseguisse lembrar... Talvez por isso tenha me apressado em
desligar a chamada.
Me joguei sobre a cama, fitando o teto de madeira, tentando respirar fundo
e colocar os pensamentos em ordem. Parecia cedo demais para conseguir
fazer isso.
Minha moto ainda estava em Brightgate. O que sobrou na garagem da casa
da minha mãe foi a minha bicicleta antiga, e foi o que eu usei para dar uma
volta pelo bairro.
Meredith ainda dormia quando deixei um post-it na geladeira explicando o
que eu faria, acrescentando que voltaria logo e não iria longe. Isso porque
era o fim da madrugada. Eu ainda estava tendo dificuldades para me
acostumar com o fuso horário completamente diferente.
Era inverno na Inglaterra, o que explicava o moletom grosso sobre um
suéter e as calças igualmente espessas. Mesmo assim eu congelaria.
Pedalei de cinco da manhã até às seis, parando em uma praça perto da
minha casa. Fiquei ali, sentado, observando o nada, com Arctic Monkeys
tocando no máximo pelos meus fones de ouvido.
Eu precisava ficar sozinho, completamente sozinho. Só eu e alguma
música num ambiente vazio, tentando controlar o caos em minha mente.
Eu costumava ir com Megan até ali. Nós só andávamos pela região,
dividindo fones de ouvido e rindo de qualquer merda que falávamos. E foi
naquela praça também que aprendi a andar de bicicleta; minha mãe me
ensinou.
Quando eu tinha cinco anos, meu pai passou o ano inteiro prometendo que,
quando o verão inglês chegasse, ele me ensinaria a pedalar. Foi uma das
primeiras fortes decepções que tive com Ryan quando ele não apareceu.
Afastei esse pensamento.
Ryan era diferente. Pessoas mudavam quando queriam. Eu o tinha
perdoado pelo passado.
Sei lá... Eu não sou bom com metáforas. Não sou nenhum intelectual e
minhas redações na escola provariam a qualquer um que eu era péssimo em
organizar as minhas ideias. Ainda sou. Eu sou confuso para cacete. Mas meu
ponto é: vivemos a vida inteira com a mesma essência, mas ainda assim
mudamos. O que parece confuso e de certo bem paradoxal, mas é a verdade.
Sou o mesmo Damian Bale de quando nasci e, ainda assim, sou diferente.
Tenho a mesma alma daquele garoto de Bradford que amava aquela praça,
aquele bairro, aquela cidade. Mesmo assim estou completamente distante
dele.
Nós mudamos porque a vida muda. Ela não é constante. E sentado,
naquele banco, naquela praça, eu só conseguia pensar que mudei muito em
Brightgate. E, apesar de tudo, eu tinha deixado boa parte de mim por lá. Uma
parte boa.
É quando perdemos algo, parte da nossa alma, que percebemos o quanto o
amamos. Como diria a minha mãe, "é perdendo que se valoriza". E foi
sentindo o amargo gosto da saudade de Brightgate, absorvendo-o com calma
e — de certa forma — aproveitando cada segundo de dor, que eu
compreendi o real significado de casa.
A minha casa não era Bradford. Não mais. Nunca mais seria.
Dois dias desde o enterro e eu ainda não tinha contado sobre a vaga em
Sydney. Não parecia ter clima para isso.
Optamos por nos isolar, as três Carlsons. Quis que Lis ainda estivesse lá,
mas não estava. Minha mãe preferiu que ficássemos a sós por aquela
semana, longe dos noticiários e mensagens que nos chegavam, tentando nos
unir como família.
Por todas as paredes daquela casa estavam memórias e mais memórias de
Vincent. A maioria não era boa. Ainda assim, parte minha preferia tê-lo ali,
do que morto.
Era algo que eu precisava discutir nas sessões com a psicóloga. Eu sabia
que tinha de superar aquele processo de luto e aprender a lidar com o fato de
que passei boa parte da minha vida amando alguém que não me amou de
volta, e não amaria — porque essa pessoa tinha partido.
Tudo sobre aquele luto ainda era estranho, bagunçava a minha mente e me
machucava.
Não era apenas sobre amar um monstro. Era a morte também da esperança
de vê-lo mudar. Era a percepção da dolorosa realidade: muitas pessoas não
querem e nem conseguem mudar para melhor. Me corroía saber que não
consegui ter uma boa relação com o meu pai enquanto ele esteve vivo. Eu
ainda sofria por Vincent. A diferença é que, daquela vez, eu estava
começando a entender que aquilo não poderia me machucar para sempre. Eu
não tentaria ignorar meus sentimentos nunca mais. Aquilo doía, mas eu
trataria meus problemas, enfrentaria cada um deles e faria de tudo para parar
de doer.
De todo modo, acho que, no fundo, nós três Carlsons sentíamos o mesmo.
Não estávamos na fase de raiva do luto, muito menos na barganha. Eu nem
sei, de fato, qual fase era aquela. Apenas tentávamos entender onde colocar
aquela perda na nossa vida, o que aquela dor significava e que a morte de
Vincent precisava ser um recomeço de inúmeras formas.
Minha mãe continuava desolada, mas não queria ficar parada e sofrendo.
Lia voltou a cozinhar, o que ela não fazia há muito, muito tempo. Maddie e
eu ajudamos. Vez ou outra chegávamos a rir com a nossa bagunça na cozinha.
Pouco a pouco o luto permitia alguma felicidade doce e breve.
Minha avó, quando viva — a paterna, acredite se quiser —, costumava me
pegar no colo e dizer: "Naomi, algumas vezes a esperança vai parecer
impossível de ser conquistada, mas pense em uma flor surgindo de um
espaço qualquer do asfalto. Parece irracional, mas é possível de acontecer.
É a natureza lutando contra o que lhe foi imposto e vencendo de toda forma".
Meu pai sempre dizia que vovó Maeve era um pouco louca. Talvez fosse.
Mas quando eu encontrava uma flor ou uma mísera folha crescendo do
asfalto, eu pensava nisso e ficava mais leve. Perdi esse costume em algum
momento.
Me peguei lembrando dela naquele dia. Talvez porque fui invadida por
uma onda de nostalgia enorme, vendo fotos e mais fotos da minha infância.
Me perguntei se teria orgulho de mim. Acho que sim, assim como a minha
avó materna. Se estivesse viva, vovó Charlotte me aplaudiria por ir contra
os desejos do meu pai e conquistar uma vaga no curso de Moda. Ela o
detestava.
Uma flor surgindo no asfalto.
Pensar nisso me fez sorrir. Me deu forças para finalmente contar sobre
Sydney após o jantar. Toda a tensão se esvaiu por um momento, quando
Madison ergueu as sobrancelhas e disse que aquilo era uma notícia
maravilhosa. Mamãe deixou os talheres sobre o prato para me abraçar; seu
olhar não era opaco e triste como na maior parte daqueles dois dias, não.
Era vivo, carregado de esperança. Lembramos ali que a tristeza não vence
sempre.
De qualquer forma, não esperava que o fim do jantar fosse se tornar
aquilo. E por "aquilo", eu quero dizer que Maddie buscou uma garrafa de
vinho tinto e colocou ao centro da mesa, junto com três taças. No meio da
dor, brindamos um único sucesso. E quando víamos, transformávamos o luto
em álcool.
— Tenho uma filha sendo a melhor da turma de Direito e a outra prestes a
ser a melhor estilista da Austrália, o que mais posso querer? — Lia disse e
Maddie olhou para mim. Talvez fosse o álcool, mas o brilho nos seus olhos
me deixou emotiva. Minha irmã estendeu a mão para mim e eu a apertei.
— Garotas Carlson conquistando o mundo — Madison cantarolou,
virando o rosto para a nossa mãe. — Você está inclusa nisso.
— Oh, querida, talvez esteja tarde demais para tanto.
— De jeito algum — retruquei. — Não pense assim, mãe. Por favor! —
Ela bufou, virando mais um gole de vinho. — Vai ficar bem se eu for para
Sydney?
— Nem ouse — Lia começou. — Nem ouse desistir de seu sonho por
minha causa.
— Fui aprovada em Brightgate também, posso ficar...
— O curso de Moda de Brightgate não é renomado. O melhor do melhor
quer você, Naomi, e você merece isso — Lia respondeu. Deixei um sorriso
genuíno surgir, porque era incrivelmente bom receber aquele tipo de bronca
dela. Parecia uma mãe de verdade. A minha mãe.
— Estarei aqui todo fim de semana! — decidi.
— Não pare sua vida por mim — ela pediu.
— Não! Não é negociável — garanti. — Visitarei toda semana até que
tenha certeza de que você está tão bem quanto precisa estar. Não vou
abandonar a minha família quando estamos nos reerguendo! — Olhei para a
minha irmã. — E, pensando por um lado, posso manter minhas sessões com a
psicóloga daqui dessa forma. Ela atende aos sábados. E você... — olhei para
a mamãe — pode vir comigo.
Lia sorriu fraco.
— É um bom primeiro passo — respondeu, para a minha surpresa. —
Mas vai me garantir que se isso te atrapalhar nos estudos...
— Oh, cale a boca — falei, revirando os olhos. Lia deixou o queixo cair,
fingindo ultraje. Ri e nós olhamos para Maddie ao mesmo tempo. Havia um
sorriso bobo nos lábios da minha irmã. Lágrimas se acumulavam nos seus
olhos.
— Se soubessem como é bom ver vocês duas assim... Ugh, caramba, eu
amo tanto vocês! — ela choramingou, secando as lágrimas.
— Chorona — cantarolei e recebi um dedo do meio em resposta. Amável.
Minha mãe murmurou por modos e eu amei isso. Era como ser criança de
novo. Quando tudo era perfeito.
Um silêncio nos seguiu e eu virei outro gole do meu vinho.
— Eu amo vocês também — sussurrei. Mas elas ouviram. Eu sabia que
sim. O cansaço me atingiu, me fazendo me espreguiçar, mas meu único
neurônio sobrevivente e não alcoolizado resolveu funcionar: — O que
faremos com a empresa?
— Papai me passou alguns ensinamentos — Maddie disse. E as reuniões
secretas estavam explicadas. — O testamento vai ser lido em alguns dias,
mas basicamente: Vincent passou as ações da empresa para nós três.
Principalmente para a mamãe.
— Ele me pediu para te ensinar tudo, se quisesse — Lia disse. — Eu sei
um pouco de negócios, sabe? Participei da empresa nos últimos anos.
Vincent sempre fez questão disso, tentando se preparar para o caso de algo
acontecer, e Maddie fez algumas aulas de Administração na universidade,
ele não quis te deixar de fora.
— Estou bem, gente — respondi. — Não entendo nada de negócios ainda,
mas estou disposta a aprender. Vou precisar disso no futuro. — Minha
resposta as tranquilizou. — Enfim, a empresa não importa agora! O que...
O celular de Maddie tocou e ela bufou, me interrompendo.
— Finn. Wayne não vai me deixar em paz se eu não disser que estou bem,
já volto — ela disse e saiu.
Fiz uma nota mental para ligar para Melissa mais tarde. Estava sem
conversar com ela desde o enterro. Ela deveria estar preocupada.
— Então... Vi os pais do Damian no velório — minha mãe puxou assunto
da pior forma possível e eu torci o nariz.
— Não são os pais. A Katy é madrasta dele. Mas sim, os Bales estavam
lá. — "Não todos", quase adicionei. Respirei fundo, girando a minha taça.
— Eles sempre estiveram aqui por mim — pensei em voz alta.
— Hmm...
A analisei. Ela trocou o que iria falar por um gole de vinho.
— "Hmm" o quê? — perguntei, curiosa. Ela deu de ombros. — O quê?
— Pensando em outra pessoa que também sempre esteve aqui por você.
Ri, porque minha mãe realmente era péssima tentando tocar em um
assunto. Ela riu junto.
— Desculpa, estou tentando mostrar que pode desabafar comigo se quiser.
Principalmente sobre seu coraçãozinho partido.
— Eu sei. E um dia eu vou desabafar com você sobre tudo isso. Quero
muito fazer isso. Só não sei se hoje, quando estou ignorando Bale, sem saber
o que fazer com as mensagens no meu celular. — O vinho me fazia falar mais
do que eu pretendia sem nem perceber.
— Por que o ignora? — Não a respondi por um instante. Depois me
lembrei que ela estava tentando, do seu jeito torto, se aproximar.
— Porque não sei se vou ser capaz de respondê-lo — fui honesta. —
Porque...
— Sente falta dele — minha mãe observou e eu franzi o nariz, me
inclinando sobre a mesa para me servir de um pouco mais de vinho. —
Ainda o ama, não ama?
Quem diria que eu comemoraria algo bebendo com Lia Carlson?
Correção: quem diria que eu beberia com a minha mãe, como duas amigas?
— Amor nem sempre é suficiente — respondi. Voltei a me largar sobre a
cadeira, a observando se servir também. Madison ainda estava no celular na
outra sala. Mordi o lábio ao perceber que havia dito aquilo para alguém que
sabia disso muito bem. — E Damian está longe, de qualquer modo.
— Bom... Está — ela concordou. — Mas se eu pagasse uma passagem
para a Inglaterra agora mesmo e você tivesse certeza absoluta de que ele
estaria lá te esperando para ser trazido de volta...
— Isso não aconteceria, mãe.
— Estou falando hipoteticamente.
Finquei os dentes no lábio inferior, tentando prender a verdade em minha
boca. Lia riu. Ela tinha a sua resposta.
— Estamos reiniciando nossa relação, como mãe e filha? — perguntou.
— Acho que sim.
— Então vou te dar um conselho que você não quer ouvir, mas precisa —
Lia disse. — Leia as palavras de conforto que ele te enviou. Bale te fez bem,
certo? Aposto que agora não vai ser diferente. — Ela olhou no fundo dos
meus olhos. — E se adiar para sempre essa conversa, vai deixar algo
inacabado que vai ser desgastante para ambos por muito tempo.
— Tenho medo de ler...
— Oh, vamos, uma mulher tão forte como você, já passou por tanto... —
Ela se inclinou sobre a mesa, apoiando a cabeça sobre a mão. — Tem medo
de uma mensagem?
Suspirei, refletindo sobre
— Leia do meu lado, se quiser — Lia sugeriu. — Não vou sair do seu
lado. Nunca mais.
Hesitante, busquei o celular no bolso da minha calça e o desbloqueei.
Meu coração pulou algumas batidas enquanto eu tentava abrir a caixa de
mensagens, mas ali estava:
"Eu sinto muito", a primeira coisa que Damian me escreveu. Precisei de
um segundo antes de prosseguir. Minha mãe sussurrou que eu conseguia fazer
isso, então continuei:
Damian: Antes de mais nada, eu sei que fui idiota de partir sem me
despedir. Ao mesmo tempo, dizer "adeus" parecia doloroso demais e eu
não queria te machucar e me machucar, sweetheart. Eu não conseguiria
lidar com o seu rostinho vermelho e inchado, suas lágrimas... Eu não
conseguiria te ver sofrer novamente.
"Eu sinto muito. Por uma série de razões, mas principalmente por não
termos dado certo. Cheguei a escrever todo um texto de despedida que fui
covarde demais para enviar. Talvez por medo de te ter na minha porta,
puxando a minha orelha. Talvez por medo de simplesmente não ver isso
acontecendo. Honestamente, Naomi, não sei o que me assustava mais.
Porque na primeira ideia você me pediria para ficar, quando eu não sabia
se conseguiria. Já a segunda, linda, seria como ser silenciosamente
mandado para longe da sua vida."
Senti o peso de cada palavra. Eu conseguia imaginá-lo escrevendo, uma
por uma.
"Eu deveria ter me despedido. Perdão por isso. Mas esse não é o meu
ponto, não agora. O meu ponto é que amo você. Eu amo mesmo. E isso não
vai mudar, Carlson. Porque, mais do que seu namorado, linda, eu era seu
amigo. Eu era seu. E ainda quero ser seu amigo, principalmente agora,
que pode precisar de mim. Um ombro a mais para chorar nunca é ruim."
"Sinto muito pela dor que está sentindo e odeio que sofra, Naomi, eu
odeio muito. Transferiria cada maldita dor sua para o meu coração agora
mesmo, se eu pudesse. Te daria a minha alma, sweetheart, enquanto a sua
estiver se curando. E se houver qualquer coisa que eu possa fazer, mesmo
de longe, por favor me deixe saber."
"Desculpa por ter sido covarde em não dizer adeus. Desculpa por cada
palavra que falei naquele maldito baile. Perdão, linda, de verdade. Fui
escroto e menti feio, porque te odiar é impossível. E se sentir que ninguém
vai te entender, sweetheart, quero que tente acreditar que ainda posso ser
a pessoa a compreender cada palavrinha que quiser colocar para fora.
Mesmo de longe. Estou aqui por você, Naomi, não importa o que
aconteça."
"Porque Damian e Naomi significava mais do que um casal, mais do que
posso colocar em palavras. Não consigo dormir direito sabendo que está
mal. É minha amiga, sweetheart. Mesmo que não pense o mesmo, sempre
vou te ter assim. Pelo menos assim."
"Enfim, linda, fica bem. Se precisar me liga. Em qualquer momento do
dia, mesmo com todo esses fusos horários entre a gente, não importa.
Ainda quero consertar as coisas, de algum modo. Estou aqui por você."
"Espero que pense com carinho."
"Damie".
Fechei os olhos, lembrando de cada beijo, cada sorriso... Mas,
principalmente, cada abraço, gargalhada e lágrimas que secamos um do
outro.
Apoiei as costas na cadeira, respirando fundo, o mais fundo que eu
conseguia.
— E então? — Lia quis saber.
— Eu ainda preciso dele. Pelo menos por uma última vez.
Senti um beijo doce ser depositado em minha testa quando Lia se
levantou, dando o tipo de conselho que apenas uma pessoa bêbada daria
para outra:
— Aproveite a coragem líquida e o responda logo.
Parecia uma péssima ideia. Mas fiz exatamente isso.
— Diga algo, Wayne — pedi em frente à ela. Mel estava cabisbaixa sobre
a minha cama.
— Não sei o que dizer. Sempre nos planejamos para estudarmos juntas.
"Naomi e Mel contra o mundo".
— Sempre vai ser Naomi e Melissa contra o mundo — contra-argumentei.
Ela ergueu os olhos para mim e eu odiei ver tristeza por eles. — Não fico
feliz pelas nove horas de distância entre a gente, Mel. Mas... Vamos! Você
vai conseguir estudar Cinema em Melbourne, eu vou para Sydney realizar o
meu sonho. Vamos para duas das cidades mais importantes da Austrália, para
universidades realmente boas, fazer o que sempre quisemos. Isso é insano,
não? Nossa amizade sobreviveu anos e anos de tanta coisa, o que são horas
de distância?!
Ela suspirou, ainda triste.
— Você está certa. Mas só de pensar em arrumar as malas, me despedir de
todo mundo aqui, incluindo você... Você é a minha irmã, Carlson!
Apoiei as mãos nos seus ombros.
— E você é a minha. Nada vai mudar isso. Nunca. Vamos conversar
sempre que pudermos, todo dia de preferência. E quando nos encontrarmos
pessoalmente, faremos cada segundo ser insano. Batman e Robin.
— Batman e Robin — ela repetiu, tentando se convencer disso. Mel me
abraçou pela cintura e eu acariciei as suas costas.
Banquei a madura, o que era seu papel, geralmente. Estava fingindo. Eu
queria gritar até que o mundo se reorganizasse e pudéssemos ir juntas para
uma mesma cidade, virá-la do avesso. Mas isso não aconteceria.
Fui aceita apenas em Sydney e Brightgate, ela apenas em Melbourne e
Brightgate, e sabíamos que ficar na nossa cidade natal não era a melhor
escolha.
Queria muito levá-la comigo, sabia que Mel também. Não queria que se
culpasse por não ter sido aprovada en Sydney, assim como ela não queria
que eu me sentisse mal por não ter sido aceita em Melbourne. Isso doía. Às
vezes, eu precisava me lembrar que tínhamos dois corações diferentes e não
o mesmo, tamanho era o nosso vínculo.
— Novamente, sobre Damian... — ela começou. — Pronta para isso?
Damian disse que estava muito feliz por eu ter pedido para conversar com
ele. Tipo, cinco minutos depois que enviei uma mensagem completamente
bêbada, dizendo "ok, quero conversar com você".
Eu sei que não foi uma frase complexa, nem doce ou precisa, apenas um
"quero conversar com você", mas antes isso do que nada.
— Não sei — confessei, me sentando ao seu lado. — Imaginei que se
tivéssemos uma conversa, seria cara a cara e pessoalmente. Não por uma
tela. — Bufei. — Por que ele tinha que ir para o outro lado do mundo,
Wayne? Eu entendo que ele precisava de um tempo pra si, mas do outro lado
do mundo?
— Vai poder perguntar isso para ele mais tarde.
Era um bom ponto.
Nos largamos sobre a cama ao mesmo tempo. Deitei minha cabeça em seu
ombro, tentando controlar o turbilhão de pensamentos que não cessava.
Wayne suspirou e entrelaçou os dedos aos meus.
— Eu tenho muito orgulho de você — ela sussurrou. — Digo isso menos
do que deveria.
Esquadrinhei o seu rosto. A pele negra, as feições delicadas, os olhos
alongados e doces...
Cresci ao lado de Melissa Wayne. A vi chorar, sorrir, gritar e gargalhar
milhares de vezes. Contamos uma para outra todas as nossas primeiras
vezes: primeiro coração partido, beijo, transa... E agora iniciaríamos uma
nova fase. Em outras cidades. Distantes uma da outra.
Melissa estava dando um grande passo, o curso de Cinema não era fácil.
Eu não sabia o que o futuro guardava para ela, mas naquele segundo, eu a
analisava e pensava em como me surpreendia vê-la se arriscando tanto.
Orgulho era uma palavra rasa demais para o que eu sentia.
Linda por dentro e por fora, dona de uma bondade realmente
impressionante e fiel às amigas como poucas pessoas são hoje em dia. Não
menti quando respondi:
— E você é uma das minhas maiores inspirações, Wayne.
Mel balançou a cabeça, discordando. Eu a abracei com força, para que
sentisse aquela verdade do meu coração batendo o mais perto possível do
dela.
Madison insistia que queria seguir com o negócio da família por si mesma
e nenhum outro motivo, então mamãe e eu paramos de questionar. Maddie
continuava firme, um pouco reclusa, e eu sabia que seria um caminho difícil
admitir que precisava de ajuda, mas um dia ela faria isso e eu estava ali por
ela. Nenhuma das três comentou sobre a noite da lareira por um bom tempo.
Foi um grande passo para mim. Ainda mais importante foi ter as duas do
meu lado naquele momento. Acho que precisávamos de tempo para
processar aquilo e muita coisa. Faríamos isso juntas.
Além do mais, eu tinha mais do que minha família biológica para pensar.
Minha família de Green Snakes estava evoluindo. Foram duas semanas
agridoces para nosso grupo, mas acho que sol, energia positiva e água
salgada eram o que a gente precisava. Era o que marcava a nossa amizade,
de certo modo. Eu sentiria falta dos fins de semana de frente para o mar,
ouvindo música e tomando sol com Wayne, vendo Ramsey surfar, Ollie jogar
bola... Mas as semanas acabaram. E chegamos à primeira despedida.
— Vai me ligar assim que chegar lá — pedi. Mel revirou os olhos pela
minha preocupação, caminhando pelo aeroporto de Brightgate. Eu envolvi o
seu braço, sabendo que estava tensa porque teria que ficar milhares de
metros acima do chão. Brandon e Ollie estavam do outro lado e os Waynes
logo atrás de nós.
— Vou te ligar, como prometi mil vezes — ela disse e paramos em frente
à fila da sala de embarque. Meus olhos arderam e eu vi os seus se tornarem
mais brilhantes. Wayne apontou para mim. — Não ouse chorar!
— Chorar por quê? Porque minha bebê está indo estudar a nove horas de
distância de mim? — choraminguei. Brandon riu.
— Sensíveis — Oliver acusou. Wayne o ignorou, me abraçando com
força.
Tentei memorizar a sensação dos seus braços ao redor do meu pescoço,
seu cheiro. Não sabia ao certo quando nos veríamos de novo pessoalmente e
precisava aproveitar cada segundo.
— Batman e Robin — ela sussurrou, uma promessa só nossa.
— Para sempre — devolvi. Nos afastamos apenas para fazermos uma
promessa de mindinho. — Me faça mais uma promessa, sim? — Enganchei
ainda mais o meu dedo ao seu. — Sei que se prende bastante a algumas
coisas, eu compreendo. Mas vai aproveitar de verdade a vida em
Melbourne, Wayne.
— E você vai curtir Sydney.
— Oh, amor, aquela cidade vai ter overdose de Naomi Carlson — garanti,
a puxando para outro abraço. Beijei o seu ombro algumas vezes, com o
coração destruído.
— Eu queria ter overdose de Naomi Carlson — ela lamentou.
— Chega de drama, ok? — Me afastei, lutando para não chorar. — Temos
uma vida inteira juntas, Wayne, são só nove horas de distância! — Mel riu e
eu sequei suas lágrimas. — Se liberarem o uso do celular no avião e você
estiver com medo, me liga ou manda mensagem. Te amo mesmo, ok?
Ela devolveu a declaração. Depois se virou e repetiu a despedida
demorada com Oliver e Brandon, que estava claramente bem perto de
chorar. Logo depois, Wayne estava falando com seus pais. Quentin e Helena
fizeram milhares de perguntas e a encheram de abraços. Finn estava
chorando e tentando se fingir de durão ao mesmo tempo, era engraçado.
E então chamaram o seu vôo. Mel se virou para nós e tinha um brilho
diferente no olhar dessa vez. A esperança de finalmente trilhar o seu
caminho.
— Eu amo vocês — ela disse. Deitei a cabeça no ombro de Brandon e
Wayne fez questão de dar o nosso último abraço em grupo.
— Agora vá, ok? Vai perder seu vôo — Ollie lembrou.
Foi doloroso para cacete ver Mel andar para longe. Sem dúvida alguma,
Melissa Wayne é a minha alma gêmea. Precisaríamos aprender a lidar com a
distância.
Brandon passou o braço ao redor do meu ombro enquanto assistíamos
Melissa caminhar até a fila de embarque.
— EU AMO VOCÊ! — gritei e a vi se virar, arrastando os carrinhos com
as malas, vermelha de tanta vergonha.
— NOSSO ORGULHO! — Ollie berrou.
— NOSSO DOCINHO! — Ramsey adicionou, me fazendo rir contra o
ombro dele. Wayne deu as costas e ergueu a mão, até expor lindamente seu
dedo médio.
Ouvi Helena pedir por modos. O pai de Melissa só sabia rir, Ollie
assobiou e Finn estava passando mal de tanto gargalhar. Brandon me puxou
para um abraço, rindo e chorando ao mesmo tempo.
Aquele dedo do meio era a prova de que Melissa Wayne definitivamente
tinha passado muito tempo comigo.
"Pode conversar comigo sempre que quiser", foi o que Damian prometeu.
E ele cumpriu.
Tínhamos começado um jogo após aquele dia em que conversei com
Derek. Sempre puxávamos assunto com títulos ou trechos de música. Nem
sempre dava certo, o que era engraçado. Uma vez ele me mandou Suck it and
see do Arctic Monkeys. Por mais que o título signifique "prove para ver",
numa visão mais literal seria como "chupe e veja". E nossa — falta de —
maturidade gerou uma crise de risos.
No dia antes da minha viagem para Sydney, eu tinha me despedido de
Gianna, Ollie, Brandon e Mike em um jantar. Alguns drinks depois, liguei
para Damian e ele ficou rindo das coisas sem sentido que eu dizia bêbada.
No dia seguinte, a claridade me dizia que eu teria que usar óculos escuros.
Bale me mandou piadas sobre ressaca. Eu enviei uma música chamada Fuck
You do Cee Lo Green. Damian respondeu o meu "vai se foder" com um
coração. Pouco tempo depois, atendi uma chamada de vídeo dele.
O vi sem camisa, o que me deixou confusa. Não mostrava muito do seu
corpo, só um pouco abaixo do pescoço. Havia uma corrente nele e eu me
perguntei se era a que eu tinha lhe dado. Estava escuro por lá.
— Oi, oi! — falei e ele sorriu.
— Só queria te desejar boa viagem, dizer para que dirija com segurança e
tudo isso.
Meu sorriso continuou bem ali, firme e forte. Analisei seu semblante de
sono, seu cabelo bagunçado. Damian se jogou sobre a cama e eu percebi que
deveria estar quase indo dormir na Inglaterra.
— Só isso? Tem algo a mais que queira me falar? — questionei. Ele
mordeu a curva nos lábios.
— Estou orgulhoso pra cacete de você.
Meu coração derreteu e eu amaldiçoei cada arrepio. Ouvir isso significou
o mundo.
— Obrigada, Damie. De verdade. — Seu sorriso não vacilou. — Uhh,
antes que eu esqueça! Descobri essa banda nova ontem, esqueci o nome. Vou
te mandar assim que chegar em Sydney.
— Ok, mal posso esperar! — Percebi que estava bêbado de sono. Era
fofo que estivesse acordado, mesmo cansado, só para me desejar uma boa
viagem.
— Durma bem, novato.
— Dirija com segurança, sweetheart.
E meu coração doeu mais uma vez ao desligar.
O resto da manhã passou rapidamente. A ansiedade era grande para todo
mundo lá em casa. Em pouco tempo, verificava se todos os meus documentos
estavam na minha bolsa, buscava a chave do carro, colocava os óculos
escuros sobre a cabeça e me olhava no espelho, animada, sorrindo para a
figura de calças jeans e top ombro a ombro branco. Elise, Maddie e Lia me
acompanharam para fora de casa.
Abri a porta do carona, colocando a minha bolsa sobre ele. A claridade
me fez franzir o nariz; a ressaca ainda estava ali, mesmo que leve. Virei o
corpo para Elise e ela desfez a ruguinha em meu nariz com o polegar. A
abracei com força.
— Ligo assim que chegar! Não se preocupe — prometi, recuando. Devia
muito de quem tinha me tornado a ela, e vê-la chorar me partiu o coração. —
Lis, estarei aqui no próximo fim de semana!
— Eu sei! — Ela me puxou para outro abraço e eu gargalhei.
Maddie foi a próxima, perguntando se eu não preferia que ela fosse junto,
em cima da hora. Ri e neguei. Levei as mãos ao seu rosto, comprimindo suas
bochechas ao prometer que ficaria bem. Ela não chorou, mas eu sabia que
queria.
Respirei fundo ao olhar para Lia. Ela ainda estava usando um roupão
sobre o seu pijama. Seu nariz estava completamente vermelho, porque já
chorava.
— Estou orgulhosa de você — Lia sussurrou, parando logo à minha frente.
Nem soube o que responder. Não era a primeira vez que ouvia isso, mas
significava muito. Mamãe pigarreou, seus olhos vermelhos e marejados, os
braços cruzados... Não sabia o que fazer também. Perceber isso me fez
morder um sorriso. Era fofo.
— Estou orgulhosa de você também, mãe — respondi. Ela tombou a
cabeça para o lado, unindo as sobrancelhas, como se buscasse um motivo
para isso. — Você é mais forte do que imagina — expliquei. Lia riu,
discordando.
E então a surpreendi ao me aproximar devagar. Passei meus braços ao
redor do seu pescoço, inspirando o seu perfume e tentando gravá-lo ao
máximo.
Eu voltaria em uma semana, não era uma despedida, mas parecia uma.
Talvez porque era estranho partir quando finalmente havíamos decidido
recomeçar nossa relação de mãe e filha.
Lia me envolveu pela cintura. O abraço ficou mais confortável a cada
segundo. Eu poderia criar uma casa entre seus braços um dia.
Definitivamente. Sim, isso aconteceria.
— Sydney vai ser pequena para você, Naomi — ela disse baixo, mas
firme. Senti sua mão em minha cabeça, me mantendo por perto. — O mundo
pode ser seu, se quiser. Sua força conquista tudo.
— Acho que puxei de você — brinquei. Ela não riu. — Vai ficar bem? —
Me afastei e ela segurou o meu rosto com as duas mãos.
— Vou sim. E logo terei você debaixo das minhas asas de novo, certo?
Não vai voar para tão longe.
— Mãe...
Lia abriu um sorriso ao me ouvir chamá-la assim. Um sorriso fraco, mas
carregado de significados. Ela apertou a minha mão. Meus olhos se
encheram de água e eu sorri de volta. Me afastei devagar, minha mão
soltando a sua aos poucos.
— Amo você, ok? — falei e ela assentiu, fungando e secando as suas
lágrimas.
— Te amo mais. — Desci os óculos escuros sobre a cabeça até a ponta do
meu nariz, estalando a língua, como se isso fosse impossível.
— Se cuidem, volto em sete dias. — Voltei o olhar para Madison,
apontando para Lia e Elise. — Cuida bem dessas duas. Não faça muitas
loucuras sem mim.
— Também te amo, insuportável — a loira respondeu e eu dei a língua,
sorrindo para as três depois.
Entrei no Corvette e coloquei as duas mãos sobre o volante. Respirei
fundo, olhei para as três mulheres pelo retrovisor e absorvi o que estava
prestes a fazer.
— Para Sydney — murmurei. E então liguei o rádio, ouvindo Locked Out
Of Heaven tocar. Quase ri. Parecia que Damian Bale estava comigo.
Liguei o carro, cantarolei um trecho qualquer e tracei a primeira rota para
o recomeço da minha vida.
Enquanto eu dirigia, com o sol forte iluminando o caminho e os carros
passando ao meu lado, pensei em como finalmente estava feliz, apesar de
todas as mudanças que haviam acontecido nos últimos dias.
Genuinamente feliz.
— Então ela esteve aí? — perguntei para Ryan, o telefone em meu ombro
enquanto ajudava minha mãe na cozinha. Meredith cuidava da carne e eu
cortava tomates para a salada.
— Sim — Ryan disse. — Naomi veio aqui uns dois dias antes de viajar.
Conversou comigo e com a Katy, brincou com a Miley por meia hora e,
quando voltamos, Miley estava chorando nos braços de Carlson. Mas Naomi
parecia... em paz.
— Em paz?
— Sim! Talvez porque não seja realmente uma despedida.
Brandon disse o mesmo. Disse que Carlson foi para a casa dele numa
tarde e conversou com ele, Ollie e Gianna por uma hora ou duas. Que não
pareceu como uma despedida.
— Ela agradeceu por tudo que fizemos por ela, fez algumas piadas e
depois teve um daqueles debates sobre moda com a Katy — Ryan contou. —
Foi como... Como se voltasse no dia seguinte. Não sei explicar.
Carlson não estava saindo de sua cidade natal em definitivo. Voltaria
sempre por sua família, mas todo mundo à sua volta agia como se ela
estivesse partindo, se despedindo... Talvez porque era fodidamente fácil
sentir falta dela.
Ao menos, o pessoal da Austrália teve a chance de dizer um "até logo",
enquanto eu tinha partido em segredo. Mas isso era culpa minha.
— Tomou uma decisão quanto à Brightgate? — meu pai perguntou e eu
parei de cortar os tomates, respirando fundo.
Nenhum dos meus amigos da Austrália sabiam da minha aprovação em
Brightgate, porque eu não sabia como contar. Não queria criar esperanças
sobre voltar sem ter certeza disso.
— Ainda não — respondi. Ouvi o meu pai suspirar do outro lado. Olhei
para a minha mãe, entretida em dourar a carne nas panelas. Pensei em quanto
a amava, e pensei em quanto aprendi a amar Ryan quase tanto quanto.
Percebi que amava estar perto de Meredith, mas odiava estar longe de
Ryan.
— Sinto sua falta — meu pai confessou.
— É, pai, também sinto a sua.
Naomi: sabe, Damie, eu estava andando pela rua quando vi, de canto de olho, uma coisinha
linda se aproximando.
Sobre a cama, parei de tocar a minha guitarra.
Eu: "ela disse: nunca vi um homem tão sozinho, quer companhia?"
Naomi: drooooooga.
Eu ri. Dias antes, zoei Carlson usando uma das músicas da sua playlist.
Era alguma do Lauv. Joguei as letras na conversa e ela perguntou "Damian,
precisa de ajuda?", claramente preocupada. Depois que percebeu que era
uma música, Carlson passou a tentar me zoar de volta dia após dia, jogando
letras de música na nossa conversa. Não funcionou.
Eu: achou mesmo que eu não reconheceria Cage The Elephant? E justo essa música?
Naomi: tive que tentar. Gostei dessa, inclusive. Meio viciante.
“Meio viciante". Ain't No Rest For The Wicked é uma obra de arte. Ainda
assim, sorri de canto, deixando a guitarra de lado e me sentando sobre a
cama. Era a mesma que ela tinha me dado. Sua letra ainda estava por todo o
instrumento.
Eu: Como foi a primeira semana em Sydney?
Naomi: Muita coisa rolou. Quer mesmo saber?
Eu: Claro que sim?
Ela me ligou no instante seguinte. Carlson me contou que ainda não tinha
conseguido um apartamento apenas para si, então estava vivendo em um no
campus, com duas outras garotas. Uma delas, Eve, estudaria Moda também,
junto com ela. A outra, Olivia, já estudava Economia há um ano.
Assim foram os primeiros dias da Naomi em Sydney. Cara, eu falava tanto
com Carlson quanto com Mike. Ou mais. E Graham era meu melhor amigo.
Minha mãe já não conseguia guardar as piadinhas quando Naomi e eu nos
falávamos. Lia também não, porque em um dos fins de semana da Naomi em
Brightgate, ouvi sua mãe dizer "Damian de novo?".
Não estávamos conseguindo nos afastar, mesmo em países diferentes. Pelo
amor de Deus, nem ao menos parecíamos ex-namorados! E eu odiava pensar
que eventualmente ela poderia beijar outros caras e eu outras garotas. Tanto
que não demorou muito para o ciúmes bater na minha porta.
Por exemplo, teve esse dia em que eu estava mexendo no feed do
Instagram e apareceu a porra de um cara forte e bonito para caralho, socando
um saco de areia. Christopher Cooper ou algo assim. Naomi tinha curtido as
últimas fotos dele. Era algum lutador escocês, sei lá. E, porra, parei para
pensar em alguma vez que Carlson havia me dito que gostava de luta livre e
não achei umavez sequer, porque... Ela não gostava! A garota estava
claramente apreciando os braços do cara ou talvez o abdômen claramente
trincado que ele deveria ter debaixo daquela camisa.
Posso ou não ter me checado no espelho algumas vezes. E feito alguns
abdominais. Posso ou não. E, beleza, eu não era forte como ele, mas... Por
favor?! Eu era muito mais bonito!
Pelo menos ele estava mais longe dela do que eu. Ou não. Não entendo
realmente de geografia.
Mas o pior começou em um dia em que acordei achando tudo tão vazio e
sem graça. O que me fazia pensar demais, me sentir sozinho ou fora do lugar.
Geralmente quando isso acontecia, eu chamava o Ollie, o Mike ou o
Brandon. Mas naquele dia os garotos não me responderam.
Odiava a ideia de conversar com Carlson sobre minhas dúvidas quanto à
Inglaterra ou algo assim. Então pensei em só perguntar como ela estava,
puxar algum assunto ou sei lá.
Eu estava na cozinha, após assaltar a geladeira pela milésima vez, quando
perguntei se poderia conversar.
Naomi: mw aremandi mas pose
Eu: ???????
Naomi me ligou. Era uma chamada de vídeo. Aceitei e quase dei para trás
quando vi Naomi Carlson com um vestido ombro a ombro azul, florido, justo
ao corpo. Os cabelos estavam em ondas largas que caíam por seus ombros.
Carlson estava passando rímel — eu acho que era rímel — em seus cílios.
Deveria ter um espelho ao lado do celular, porque ela não olhava para ele.
Seus lábios estavam pintados de uma cor que parecia tom de boca, mas um
pouco mais escuro. O resto da maquiagem era leve.
Era noite por Sydney, manhã em Bradford.
— O que aquela mensagem quis dizer? — perguntei e ela se deu conta de
que eu tinha aceito a ligação, rindo.
— "Estou me arrumando, mas pode". Quis dizer que poderia me ligar.
— Ela se afastou um passo e piscou algumas vezes. Mordi o lábio,
apreciando a visão. Estava estonteante. Como se isso fosse novidade.
Ouvi uma voz masculina ao fundo da ligação e franzi o cenho, confuso.
Carlson, contudo, não disse nada. Só começou a passar o rímel no outro
olho. Achei que tivesse sido impressão minha.
— Sobre o que quer falar? — ela perguntou.
— Ah, sei lá... Só entediado.
Ela se afastou mais uma vez, olhando-se no espelho. E então fechou o
rímel e olhou para mim.
— Certeza? Só isso? — perguntou, parecendo preocupada. Me preparei
para responder, quando reparei no cenário atrás dela. Era uma sala de estar
bem simples, minúscula. Havia um sofá azul e uma mesa de centro... e um
cara sem camisa passando logo atrás.
Engoli em seco. O quê?!
— Aham... Só isso — respondi e apertei os olhos levemente, tentando ver
melhor. Naomi passou as mãos pelo raiz do cabelo, até as pontas, fazendo as
ondas se tornarem um pouco mais naturais. Dessa vez estava fazendo o
celular de espelho. — Vai sair é?
— Vou jantar com um pessoal que conheci. Tem um restaurante
mexicano pequeno aqui perto.
Hmm...
— Pessoal é? As suas amigas de alojamento?
— Uma delas vai comigo, a Eve. A outra não quer sair, vai pegar
estrada amanhã cedo. — Era sexta. No dia seguinte, Naomi também viajaria
para Brightgate. Contive esse pensamento, contudo. — E você? Saindo por
aí nesses últimos dias?
— Tô saindo sozinho. Mas não para jantar ou beber... Pensando em fazer
isso. — respondi. A voz masculina ecoou na chamada, distante, algo
incompreensível. Vi Naomi morder um sorriso e deixar um riso nasalado
escapar, desatenta a mim.
Que ótimo...
— Estou atrapalhando, sweetheart?
— Hmm?! Não! De jeito al... — O cara sem camisa caminhou para frente
do celular e deu um beijo extremamente estalado na bochecha de Carlson.
Ela gargalhou da demonstração de afeto exagerado. — Oh, oi, Leo! Tudo
bom com você? — Parecia ironia.
Esqueça o maldito Cooper. A beleza desse cara me deixava
preocupado. Parecia a porra de um modelo da Calvin Klein.
O tal Leo tinha a pele branca levemente bronzeada. Seus cabelos eram
escuros e bem curtos. Uma pessoa que socasse seu abdômen provavelmente
perderia os dedos. Naomi não tinha me falado dele.
Porra, quis rir de nervoso. Muito. Rir muito.
Eles trocaram um olhar e falaram algo baixo. Quase colei meu ouvido no
telefone para ouvir. Sentia meu sangue ferver pela interrupção do Senhor
Músculos, tentado a desligar a chamada. Quem era ele?
— Não sei, não vi a sua camisa — Carlson disse e eu engoli com mais
força o riso de nervoso. — Mas a sua jaqueta tá no meu quarto, não
esquece de buscar lá depois.
Ele deu outro beijo. Outro. Para quê?!
Pigarreei, mas o maldito não me percebeu e entrou no que parecia ser o
quarto dela. Por que a jaqueta dele estaria no quarto dela? Por que ele estava
sem camisa? E por que ela deveria saber onde a camisa dele estava?
— Quem é ele? — perguntei, foi mais forte do que eu.
Naomi deixou o queixo cair por um segundo e sorriu.
— É um amigo! Leo. Ele é da Espanha, acredita?! — Carlson respondeu,
sorridente. Senti meu coração queimar como brasa no peito. Não gostava de
me sentir assim.
— Não sabia que permitiam garotos nos dormitórios femininos.
— Ah, não permitem! Mas quem se importa com isso, sabe? — ela disse,
rindo e dando de ombros. Oh, eu me importei. A vi pegar o celular,
praticamente me guiando pela casa, mesmo de longe. — Garotos entram nos
quartos das garotas e vice-versa. O tempo todo.
O tempo todo!
Forcei um sorriso por um mísero segundo, desviando o olhar da tela para
fitar meus próprios pés.
— Tudo bem? — A ouvi perguntar.
— Tudo sim, Naomi. Eu só... Vou ligar mais tarde. Sei lá. Curta a sua
noite, tá legal? Me liga qualquer coisa e...
— Espera, está tudo bem mesmo? — Ela uniu as sobrancelhas, confusa.
— Sim, sim... Não quero atrapalhar. Até mais, sweetheart — concluí
quando a ouvi se despedir e desliguei a chamada.
Havia uma tristeza irritante no meu peito, mas ela começou a perder a
batalha para uma raiva absurda, pouco a pouco. Vi as mensagens de Naomi
chegarem, uma a uma. Tentei ignorar todas, voltando para o meu quarto.
O grande espelho estava logo na parede oposta à cama e eu parei na frente
dele. Me senti ridículo quando ergui a camisa, flexionei os braços... Até que
me dei conta do que estava fazendo. O pior era ter a consciência de que,
mesmo se aquele maldito cara fosse feio para caralho, eu estaria da mesma
forma. Porra, eu estava morrendo de ciúmes de Naomi Carlson. Morrendo.
Percebi que a ideia da minha sweetheart seguindo em frente com outro
cara era corrosiva. Eu não estava preparado para isso.
Olhei para o celular quando me joguei sobre a cama, me sentindo na
merda. "Difícil de superar", ela me disse que era. Parecia impossível.
O maldito Leo curtia todas as fotos de Carlson. E ela comentava nas dele.
Estavam juntos o tempo todo. Não que Naomi postasse isso... O cara
postava.
É... Olhei um pouquinho a vida do rapaz, só para saber se ele namorava
ou algo assim. Mas não. Aparentemente solteiro. Estava sempre postando
stories com a minha ex ou com as colegas de quarto dela, Eve e Olivia. Me
perguntei se ele não teria algo melhor para fazer, tipo conhecer outras
pessoas.
Ciúmes, sim. Eu estava ardendo de ciúmes. O que começou a ficar difícil
de esconder sempre que eu e Naomi conversávamos.
Enfim, o Natal se aproximava e Carlson queria comprar um presente para
a minha irmã; eu também planejava fazer o mesmo. Não sabíamos o que dar
para Miley, contudo. Passamos um dia fazendo uma lista de ideias, até que
recebi uma ligação, em uma sexta-feira.
Atendi a chamada, sonolento, já deitado na cama. Era meia-noite para
mim.
— Damian Bale — falei.
— Oi, novato — Carlson disse e eu sorri de canto. — Se liga, estou
passando em um shopping de Sydney pela primeira vez e encontrei
algumas coisas para dar para a Miley. Olha as fotos. — Coloquei o celular
no viva-voz e abri as mensagens.
Havia vários tipos de fotos de brinquedos, mas a pelúcia do Olaf parecia
a melhor opção.
— Acho o Olaf legal.
— Jura? — ela perguntou e sua voz se tornou mais distante: — Ele disse
que acha a pelúcia do Olaf legal.
— Ahá! Eu falei! — Ouvi, ainda mais longe. Carlson riu.
— Quem está aí? — perguntei, incomodado.
— Oh, Leo veio comigo para o shopping. Vamos encontrar a Eve mais
tarde. Ela quer comprar uns biquinis. Planejamos passar a tarde inteira
aqui.
— A tarde inteira, huh? Uau, Leo está sempre por perto... — deixei
escapar. Respirei fundo em seguida, tentando me controlar.
— Alguém precisa proteger essa garota numa cidade tão desconhecida!
— Ouvi Leo responder por Carlson e ela gargalhou, o xingando baixo.
Pareciam próximos. Bem próximos para quem pouco se conhecia.
— Enfim... — Naomi disse e parecia rir por cada sílaba. — Vou comprar
o Olaf e uma Elsa de pelúcia. Daí digo que um presente foi seu, o outro
meu.
— Te transfiro o dinheiro.
— Não precisa, novato. Sério — ela respondeu e eu rolei os olhos.
Transferiria do mesmo jeito. — Ok, preciso desligar, o Leo encontrou uma
sunga e parece ter gostado.
— Espera, uma o quê?!
— Acha que ficaria legal em mim? — o maldito disse, ao fundo.
— Veste e a gente vê — Naomi respondeu e eu deixei o queixo cair. Ele
vestiria uma sunga para ela ver?! — Beijos, Damie, até mais.
E antes que eu pudesse responder, ouvi Carlson dizer que a sunga era
muito pequena e me levantei da cama, perdendo completamente o sono. Ela
passaria a tarde vendo o maldito Leo de sunga. Ele e aquele corpo esculpido
por um perfeccionista filho da puta.
Imaginei Naomi Carlson. Naomi Carlson sentada em uma poltrona, dando
notas para um desfile de moda praia masculina.
Eu precisava de um cigarro.
Era véspera de Natal. Decorações estavam por todo o lugar. Neve cobria
levemente o asfalto e alguns telhados. Eu pedalava, bem agasalhado, mas
ainda morria de frio.
As ruas estavam um pouco vazias naquela manhã. O fim de semana havia
chegado e eu estava ansioso pela ceia e um pouco de chocolate quente. Era a
única parte do feriado que me animava: comer. Minha única família na
Inglaterra era a minha mãe e eu não estava exatamente bem humorado
naqueles dias. Ao contrário de mim, Meredith DeLuca estava enfeitando toda
a casa, pesquisando todo tipo de tradição possível, cantando músicas
natalinas e colando fotos de um Damian Bale de cinco anos vestido de Papai
Noel pela casa. Aquele Damian amava o Natal. Esse, que estava em
Bradford pedalando pelas ruas vazias, com a cabeça a mil? Nem tanto.
Eu pegaria meu violão, sorriria para Meredith e cantaria o que quisesse
em frente à lareira se isso a fizesse sorrir. Ela merecia isso por tentar me
animar nos últimos dias, com as sessões de filmes, maratonas de Breaking
Bad e nossas refeições descontraídas na bancada da cozinha. Mas o clima
natalino estava longe de mim.
Para piorar, Naomi e eu ainda estávamos um tanto distantes depois dos
meus ciúmes. Havia passado uma semana e não tínhamos trocado uma
mensagem sequer. Claro que isso me incomodava. Provavelmente a
incomodava de volta. Mas, por algum motivo, deixamos desse jeito.
Aquele Leo poderia ter amigos e apresentá-los a ela. Carlson com certeza
aproveitaria Sydney ao máximo e estaria certa em fazer isso. Uma mulher
como ela conseguiria outra pessoa facilmente, se quisesse. Eventualmente,
pensei, ela iria querer isso. Bem como eu também deveria querer. Isso doía.
Então ali estava eu, pedalando pela rua o mais rápido possível, como se a
endorfina fosse impedir os pensamentos de me atormentarem.
Era desconfortável conversar com a minha mãe, porque ela ainda tentava
falar sobre minha aprovação em Brightgate, sutilmente me convencer a
voltar. Eu recusava as ligações de Ryan, porque sua voz me fazia lembrar
que ele simplesmente pagara todo um período para garantir minha vaga.
Dinheiro para cacete. Não senti que merecia isso.
Meu celular tocou, interrompendo alguma música do Arctic Monkeys.
Parei de pedalar, observando o nome na tela.
Mike Graham.
Atendi com um sorriso, prestes a fazer qualquer piada, mas desisti assim
que o ouvi.
— Cara, pode conversar? — ele perguntou, soluçando. Meu coração
parou, pesado de preocupação.
— O que houve, Mike?
— Hmm... — Ele riu baixo e eu senti o seu desespero mesmo de longe.
Era desespero puro. — O meu pai... Cacete... Ele tá... Tá doente.
Doeu para caralho ouvir isso. Mike nunca tinha conversado muito sobre o
pai dele. Tudo o que eu sabia era que, enquanto sua mãe era urologista, o Sr.
Graham era sócio de alguma empresa farmacêutica e significava o mundo
para ele.
— Acho que não posso mais ir para Sydney, sabe? O tratamento
provavelmente vai ser caro e... Minha mãe vai precisar de ajuda. Porra,
Damian, eu ia viajar amanhã e ele passou mal e agora teve essa porra de
diagnóstico! Eu não sei o que pensar! E minha mãe precisa de mim, ele
precisa de mim...
— Calma, ok? Respira, Mike!
Meus ombros se tornaram tensos e eu fiz a única pergunta que passou pela
minha cabeça:
— O que ele tem?
— Esclerose.
Cacete. Isso não era bom.
Respirei fundo, olhando ao redor. Precisava voltar para casa e conversar
com ele melhor.
— Se liga, Graham, tô fora de casa agora. Onde está?
— Estou sozinho em casa, minha mãe tá no hospital — sua voz continuava
trêmula, carregada de nervosismo.
— Vou mandar alguém para ficar contigo.
— Não...
— Não pode ficar sozinho. Dez minutos e eu te ligo, beleza? — perguntei
e desliguei apenas quando ele confirmou.
Mandei mensagem para Brandon e Oliver, mas eles estavam em alguma
festa, vi pelos stories do Instagram. Era noite na Austrália. Não me
atenderam de imediato. Tentei ligar para Riley. Ela atendeu, mas quando
perguntei se poderia ir pessoalmente até Mike, ela disse que estava numa
viagem com a namorada.
Então liguei para Naomi. Era fim de semana, ela deveria estar em
Brightgate e sua mãe era vizinha dele. Carlson atendeu de imediato.
— Naomi Carlson falando — ela soava sonolenta.
— Está bem? Pode falar?
— Damie? Posso sim. — Voltei a pedalar, guardando o celular no bolso
do casaco e deixando-a na chamada. — O que houve?
— Preciso que faça um favor para mim. Algo rolou com Mike e ele vai
precisar de apoio. Emocional. Urgente.
— O que houve?
— O pai dele tá meio doente. — Aquilo era eufemismo. — Mike parece
desesperado e eu tô preocupado. Está em Brightgate?
— Sim.
— Pode passar na casa dele tipo... agora?
— Damian... O que houve?
— Graham te explica se quiser — respondi, fazendo uma curva em uma
esquina. — Só não deixa ele sozinho. Vou ligar para lá em dez minutos, por
favor, faz isso por mim?
— Ok. Pode ficar tranquilo.
Desliguei a chamada. Fiz todo o caminho de volta para casa na velocidade
da luz. Subi as escadas tão rápido que minha mãe mal conseguiu dizer duas
palavras direito. E quando liguei para Graham, Carlson atendeu.
— Consegui fazê-lo respirar um pouco e ele foi pro banho. Vou fazer um
chá ou algo assim — ela disse. — Vou passar a noite aqui também.
Cacete, Bale... Nunca vi o Mike assim!
— É, eu sei.
Um silêncio nos seguiu. A ouvi suspirar.
— Você é um ótimo amigo, sabe? Apoiando quem ama, mesmo de longe.
— É o mínimo — respondi. E então um clima estranho se pôs entre nós
dois. Respirei fundo. — Desculpa por ocupar o seu tempo e obrigada por
isso.
— É o mínimo — ela devolveu. Eu conseguia ouvir a sua respiração,
saber que ainda estava ali. — Te ligo mais tarde, pode ser?
— Pode... Claro... Ei, sweetheart... Tudo bem?
— Tudo sim, novato. — Houve uma pausa. — E contigo?
— Tudo ótimo — respondi, incerto. Eu não queria desligar a chamada e
aquilo me parecia egoísta. Ela precisava ajudar Mike, mas ali estava,
Damian Bale, se agarrando a uma chance de conversar com Naomi Carlson.
— Está chateada comigo?
— Pelo quê? — seu tom de voz mudou. Parecia um pouco tensa.
— Pelo lance do Leo. As mensagens que mandei bêbado...
— Não. Não fiquei chateada. Só não soube como reagir.
Ficamos em silêncio por algum tempo.
— Sinto sua falta...
Ela suspirou.
— Também sinto sua falta.
Porra...
— Ei, Carlson — quebrei o silêncio, tentando afastar qualquer clima
tenso entre a gente. — Escuta aquela quando puder. Thank You, do MKTO.
— Odeia essa música — ela disse, rindo. Eu ri junto.
— Estou tentando agradecer aqui.
— Ohhhh, entendi. Porque significa "obrigado".
— Está explicando a piada. De novo.
Rimos juntos novamente.
— Sempre que precisar, Damian Bale — ela prometeu.
— Sempre que precisar, Naomi Carlson — devolvi. — Peça para Mike
me ligar quando sair do banho, ok? — Ela confirmou e encerramos a
ligação.
Me sentei sobre a cama, cansado. Respirei fundo, todos aqueles
pensamentos voltando à minha cabeça com força.
Surreal como a vida se inverte em questão de segundos. Estamos bem e,
de repente, longe disso. Eu tentava me reencontrar, mas outra pessoa que eu
amava estava tendo um encontro doloroso com o caos e eu não sabia ficar
em paz com isso. Deveria estar lá pessoalmente por Mike, mas não estava.
Eu estava sozinho do outro lado do mundo, sentindo falta das pessoas que
me fizeram viver meus melhores momentos, me ajudaram a redescobrir quem
eu sou e me tornaram infinitamente melhor.
Eu estava isolado, sem conseguir abraçar meu melhor amigo quando ele
precisava, sem poder abraçar a minha irmã, sem ver meus Green Snakes
favoritos e longe da garota que eu gostava.
Estava triste e vazio, num quarto, numa cidade que não mais me
representava e finalmente me perguntando que porra eu estava fazendo.
Era a primeira vez que eu procurava uma psicóloga e não era levado até
uma.
Não era o dia em que havia marcado minha próxima sessão, mas pedi por
uma consulta, o próximo horário que ela tivesse.
Então ali eu estava.
Sentado, de frente para a doutora de pele negra, cabelos cacheados e
escuros, sorriso doce e olhos cor de mel.
Minha preocupação com Mike tomou a semana subsequente ao Natal. Mal
consegui aproveitar o feriado com a minha mãe ou conversar direito com
Katy, Ryan e Miley. Brandon e Oliver estavam lá por Graham e me mantendo
informado. O que eu sabia era que Graham tinha realmente desistido de
Sydney por Brightgate. E que estava na merda.
Conversávamos sempre e Mike era monossilábico. Carlson me disse que
ele ficou apático na manhã seguinte, quando ela dormiu na casa dele. Naomi
teve que deixá-lo porque viajaria para Sydney, mas assim que saiu da casa
de Graham, Oliver estava na porta.
Naomi percebeu que eu estava preocupado e me enviou uma playlist para
me deixar mais leve, o que funcionou. Pouco, mas funcionou. Essa foi a
única coisa boa daqueles dias, sabe? Naomi e eu nos aproximamos
minimamente. Até mesmo nos mandamos mensagens de "Feliz Ano novo",
apesar de que eu não conseguiria conversar muito com ela nem se tentasse.
Minha mãe estava tentando regular meu tempo no celular e ameaçou jogar
ele na minha testa se eu não bebesse vinho com ela esperando pela virada.
A única coisa que eu ainda conseguia fazer era compor. Eu precisava fazer
isso para me manter firme e são. Escrevia sobre o que sentia em relação à
Brightgate, Carlson, Bradford e tudo mais. Inventava uma melodia atrás da
outra, deixando meu caderninho cada vez mais preenchido e o aplicativo de
gravações do meu celular cada vez mais lotado.
Enfim... Meu corpo estava na Inglaterra, mas meu coração e mente em
Brightgate. Era insuportável. Eu precisava me entender logo ou explodiria.
— Quando quiser começar, senhor Bale — a psicóloga disse.
— É que não sei por onde começar. Da última vez, me perguntou o que
tinha me trazido, me fez algumas perguntas... Não pode fazer isso de novo?
Ajudou bastante.
Tive a impressão de que a psicóloga já tinha feito isso, mas ela não
comentou sobre.
— Certo, querido — ela disse, tranquilamente. — O que te trouxe aqui
hoje?
Eu não sabia por onde começar. Respirei fundo, tentando não tamborilar a
poltrona, não bater demais o pé no chão.
— Hmm... Tô meio ansioso essa semana. Queria conversar, sei lá. Da
última vez não falei muito, certo? Mas agora quero conversar. Porque ajuda,
né? — Ela assentiu, a sombra de um sorriso compreensivo por seus lábios.
— Esse aqui é um espaço para que fale o que quiser. O que sentir que
precisa. — Não me senti mais tranquilo e acho que ela percebeu. A
psicóloga sorriu e deixou o bloco de anotações de lado, cruzando as pernas.
— Veja, Damian... Posso te chamar de Damian?
— Pode.
— Ok. Pode me chamar de Cheryl, se quiser. — Assenti. — Veja, não
quero que pense em mim como alguém superior ou alguém que vai te julgar
de alguma forma. Estou aqui, a princípio, para te ouvir e te ajudar a refletir.
Por que não começamos assim: que tal repetir o que me contou sobre você
na nossa última consulta e acrescentar o que achar necessário? Depois você
me fala sobre a sua semana, o que te trouxe aqui. Sem pressa, conte apenas o
que quiser contar.
Respirei fundo. E então comecei.
Falei um pouco sobre a história dos meus pais, sobre ter nascido ali. Ela
fez uma pergunta ou outra enquanto eu falava da minha infância. Me senti
tenso quando comecei a falar sobre a Megan. Muito tenso. Esperei ser
julgado de alguma forma, mas isso não aconteceu.
— Nunca passou por uma psicóloga antes, certo? — ela perguntou e eu
neguei. Já tinha dito isso na última consulta. — Costumava desabafar sobre a
Megan com alguém?
Mordi o lábio, me ajeitando sobre a poltrona.
— Com a minha mãe. No início, sabe? Mas era bem pouco. E então com a
minha namorada. Ex-namorada. A Naomi. Em Brightgate.
— Na Austrália. Onde passou os últimos meses, certo?
— Isso. Conversei sobre o lance da Megan com uns amigos também.
Depois de um tempo. Falei que minha ex tinha morrido de overdose e eles
me apoiaram, sabe? Mas não contei muito para eles. Só para Naomi.
— O que contou para eles?
— Só sobre como ela morreu — respondi. Respirei fundo, tentando
relaxar. — Não contei sobre como me sentia de verdade. Sobre... A culpa.
— Culpa... — ela repetiu. Assenti, silenciosamente. — Sabe me dizer a
razão para essa culpa que você sente, Damian? — questionou.
Dizer apenas o que eu me sentia confortável em dizer, ela pediu. Eu
conseguia fazer isso.
— Sinto que arrastei a Megan para isso. Que ela caiu no mundo das
drogas depois de mim — confessei. E então mordi o lábio inferior, deixando
escapar um pouquinho mais: — Visitei a casa dela essa semana. De longe.
A psicóloga não disse nada e eu tomei como incentivo para continuar.
Algo comprimia o meu peito. Não o suficiente para doer, apenas para
incomodar. Ao mesmo tempo, a sensação parecia reduzir um pouco a cada
segundo.
— Foi meio involuntário. Quando vi, eu estava na frente da casa dela. A
minha mãe ficou preocupada com isso. Eu entendo, é... bizarro. Ela acha que
não superei a Megan.
— E o que você acha?
Era uma pergunta forte. Uma que eu nunca tinha pensado em responder, até
ali. Que se fodesse o mundo, pensei. Desabafei:
— Acho que o problema é que... Megan convulsionou na minha frente —
contei, pigarreando em seguida para conter a falha na minha voz. — Eu
penso se poderia ter feito mais, não sei... A assisti definhar nos meus braços.
Não consegui impedir...
— Acha que teria conseguido?
Meus olhos se encheram de lágrimas. Afundei um pouco na cadeira,
quando confessei pela primeira vez que não. Balancei a cabeça em negação,
silenciosamente.
Salvar Megan estava fora do meu alcance. Lembro de quando percebi
isso. De quando joguei as malditas drogas na sua privada e a vi implorar
para que eu fingisse que nada tinha acontecido. Quando me ofereceu suas
drogas.
E mesmo assim tentei.
Eu tentei. Tentei salvá-la.
— Não — confessei após uma pequena luta interna. — Não é por isso que
estou aqui... Caramba...
— Leve o tempo que quiser, Damian. Não se prenda apenas ao que veio
me dizer. O que lembrar, sentir, pensar... Pode colocar para fora. E se quiser
terminar a sessão, a qualquer momento, faça isso. No seu tempo.
Era uma sensação conflituosa de angústia por lembrar de tudo e alívio por
colocar para fora. Como acessar a dor e odiá-la, mas ser o único modo de
colocá-la longe da minha alma, de pouco em pouco.
— O que sente quando pensa na Megan, além da culpa?
Ponderei por algum tempo.
— Raiva. Muita.
— Dela?
— Não. De mim mesmo.
— Relacionada à culpa? — ela perguntou. Confirmei. E então decidi que
não falaria sobre mais, ficando em silêncio. A psicóloga escreveu algo em
seu caderno. — Novamente: diga o que quiser, quanto e quando quiser.
Apoiei o rosto na mão, a analisando. Parecia calma, inabalável, apesar de
passar alguma solidariedade por seu semblante.
— Estou me sentindo ansioso nos últimos dias. Porque sinto que preciso
tomar uma decisão sobre onde ficar. Sinto falta do pessoal da Austrália e
que eles precisam de mim. Enquanto que aqui...
Megan. Além da minha mãe, a Inglaterra me fazia pensar apenas em
Megan. Como se ela estivesse comigo. Talvez porque eu não tivesse mais
ninguém em Bradford além daquelas lembranças e... Bem, Meredith.
— Aqui você lembra da Megan — a psicóloga afirmou, mas havia algum
tom de pergunta. Confirmei e ela sorriu fraco. — Veja, Damian... Não sei se
lembra do que eu te disse na nossa primeira consulta, mas estou aqui para te
ajudar a lidar com algumas questões. Talvez algumas delas sejam facilmente
resolvidas. E outras ficarão... mais suaves, entende? Por exemplo, o luto.
Perder alguém importante é algo que te marca. O que pode mudar é o quanto
isso te afeta. E, na maioria dos casos, precisa mudar. Para que siga em
frente.
Absorvi suas palavras por um longo momento.
— Sente que as memórias da Megan ficam mais dolorosas quando está
aqui? — Cheryl perguntou um pouco mais direta. Confirmei, não mais tão
sem jeito. — E na Austrália, como era?
A Austrália. O sol, a praia, o futebol, as merdas que eu fazia por lá...
Merdas que eu fazia com as pessoas certas.
Mike e suas falas rápidas, seu humor peculiar.
Brandon e sua mania de colocar a palavra "maconha" em toda frase
possível ou quase isso. Ok... Estou exagerando.
Oliver e suas piadas fora de hora.
Riley e seus sermões passivo-agressivos...
Miley. Miley e os filmes da Disney. Como me irritava quando roubava a
pipoca que a Katy fazia e o Ryan não me defendia, só ria das nossas "brigas"
e dava de ombros, como se as julgasse divertidas.
E, então, todas as vezes que Naomi esteve ali por perto, me pedindo para
pegar leve com a minha irmã, antes de cantar Let It Go a plenos pulmões ou
me obrigar a dançar Shakira no meio da sala.
Naomi. Naomi e seus conselhos, sua capacidade de me ouvir, de me fazer
sorrir...
— Na Austrália era um pouco mais fácil. Ainda pensava em Megan e
doía. Ainda tinha... alguns problemas de mau comportamento. Mas eu tinha
pessoas que conseguiam me distrair. Eu tinha... Uma família.
— Tinha?
— Ainda tenho — respondi de imediato. Mordi um sorriso, sentindo meus
olhos arderem. — Talvez eu sempre tenha.
Cheryl anotou algo. Me senti mais leve. Falar das coisas boas na Austrália
era incrivelmente fácil.
— E como se sente, voltando à Bradford? Por que voltou?
— Não quero falar sobre por que voltei — confessei e ela assentiu,
compreensiva. Não queria falar sobre o baile ainda. Me sentia envergonhado
e doía muito. — Não sei mais como me sinto em relação à Bradford. Porque
antes, voltar parecia o certo a se fazer, para que eu pudesse pensar...
— E agora?
— Agora sinto que já pensei demais. Estou cansado disso, eu só... Quero
tomar uma decisão, sabe? Quero... Quero saber o que fazer! Não quero ficar
aqui pensando na Megan, não quero ficar parado enquanto o tempo passa...
Pensei em Mike, em quanto precisava de mim. Pensei em Brandon e
Oliver e como daria tudo para vê-los jogando profissionalmente. Em como
sentia falta de conversar com Riley, saber dos seus planos. Na minha irmã
mais nova, minha madrasta, meu pai... E Naomi. Porra, eu pensei na Naomi.
— Então... Tentando pensar um pouco nos prós e os contras de estar aqui
e começando pelos prós... O que você tem?
— A minha mãe e...
Minha frase morreu.
— A minha mãe — concluí. Apenas Meredith estava ali por mim.
— Na Austrália, como era a sua relação com a sua mãe?
Eu ri ao parar para pensar.
— Talvez até melhor. Voltamos a zoar um ao outro, a conversar mais...
Mesmo que por telefone.
— Então, você diria que isso seria algo bom, algo que a experiência na
Austrália te trouxe?
Meu peito doeu. Doeu porque eu me senti mais perto de confessar o que
eu realmente já sentia. Que minha mãe estava certa. Que eu a amava para
caralho, mas meu coração não morava com ela. Não mais.
A psicóloga me deixou com o meu silêncio por algum tempo, talvez
esperando que eu respondesse ou só que pensasse sozinho.
Me senti bobo.
Sabe quando faz algo com toda a certeza de que não poderia estar mais
certo e então todo o sentido nisso some?
— Quais são os prós da Austrália, Damian? Por que voltaria?
— Porque me fez muito bem... Porque... Caramba. — Levei as mãos ao
rosto. — Me fez crescer para caralho. Merda, desculpa por isso. — Ela riu
baixinho do meu xingamento, como se fosse bobagem.
Eu estava basicamente dizendo em voz alta tudo o que todo mundo já tinha
me dito. Mas era diferente. Era diferente ser a pessoa a falar tudo em voz
alta.
— E acha que sente falta da Austrália pelas pessoas que deixou lá... As
pessoas que ama... Ou...
— Ou?
— Ou por você mesmo?
Uau... Aquela era uma pergunta forte. Para caralho. Difícil de responder
no primeiro instante, mas então... Então eu lembrei da adrenalina das
partidas como um Green Snake. Da sensação de correr com a moto pelas
ruas de Brightgate. De tocar violão para a minha irmã e me sentir finalmente
grato por ter ela por perto. Ou como foi incrivelmente fácil criar amizades
por lá, como pude respirar, não ser constantemente consumido pela raiva.
Como eu conseguia compor mais, me divertir mais e simplesmente viver por
lá.
Eu tinha saído da Austrália porque algo ruim tinha acontecido, de fato.
Porém, algo de ruim também tinha acontecido na Inglaterra. Algo ruim, muito
ruim, poderia acontecer em qualquer lugar. Mas, ao menos na Austrália, eu
tinha uma casa. Um lar.
O Damian que fui por Brightgate era o Damian que eu queria continuar a
ser. O cara que Bradford fez questão de aprisionar bem, bem no fundo do
meu peito, para colocar algo pior no lugar. Algo que eu não queria voltar a
ser.
Eu voltaria por mim ou pelas pessoas que eu amo?
— Por mim — respondi. Quando a frase que passou pela minha cabeça
me pareceu extremamente irônica, eu ri. — Mas logo depois de mim, elas.
Brightgate foi mais do que um lugar que me permitiu respirar de novo. Foi
um ensinamento. Um que não tinha acabado. Uma casa. E enquanto assim
fosse, eu não poderia deixar isso de lado.
Fugi da Austrália porque precisava pensar. Foi bom pensar. Mas eu não
poderia continuar fugindo.
Quanto à Megan... Conversar minimamente sobre ela foi incômodo. Mas
no momento depois, eu me senti mais... leve. Enfrentar o passado, no meu
próprio tempo, foi interessante. Era algo que eu precisava fazer. Mas não
ali.
— Logo depois de mim, elas — repeti, ao pensar em voz alta, baixinho.
E então sorri. Porque minha decisão já estava tomada.
Quando contei para Meredith a minha escolha, esperei que ficasse mais
triste. Recebi um sorriso de orelha a orelha acompanhado de lágrimas,
enquanto ela segurava meu rosto e garantia que estava orgulhosa por me ver
agir com maturidade e escolher meu futuro. Um que era melhor para mim.
Mesmo que isso significasse que estivessemos em continentes distintos.
Não sabia como dizer tudo o que sentia na nossa despedida e como
sentiria sua falta para caralho, então deixei um pen-drive com músicas
antigas para ela, escondido, para que achasse apenas depois que eu
embarcasse. Havia uma pequena carta, dizendo que a amava, e que a
Austrália ser melhor para mim nunca mudaria isso. Ela sabia disso, mas era
bom repetir.
Tentei comprar a passagem o mais rápido possível, para voltar antes do
aniversário da Naomi. Mas era oito de Janeiro, no mesmo dia em que eu
entrava no maldito avião. Logo, ela já estava fazendo dezenove anos, se
minhas contas de fuso horário estivessem certas. Deveria ser manhã para
Carlson quando enviei uma mensagem. Cogitei fazer uma chamada de vídeo,
mas estragaria a surpresa.
Damian: espero que tenha recebido as minhas flores.
Surgiu apenas uma foto dela segurando as flores rosas, sorrindo como
nunca.
Naomi: São lindas, sério! Obrigada por isso.
Damian: Não achei girassóis a tempo.
Naomi: Não precisava. São perfeitas! Obrigada, Damian. Sério mesmo! Nem sei o que dizer.
Sorri para a tela e nem mesmo liguei quando a aeromoça me disse para
guardar o celular, má humorada. Porque aquelas flores eram nada. Eu
entregaria o verdadeiro presente pessoalmente. Assim que possível.
Agradeci para caralho por Ryan ter adiado enviar minha moto de volta
para Bradford, porque consegui viajar nela para Sydney, pouco tempo
depois de devolver tudo para o meu quarto em Brightgate.
Mike, Oliver, Riley e Brandon ficaram em choque quando mandei uma
foto para eles diretamente do aeroporto da cidade. Pedi para que não
contassem nada para Naomi e tomei um susto quando eles apareceram na
minha casa na manhã seguinte, me enchendo de perguntas.
Abracei Mike por uns cinco minutos. Não só por sentir sua falta, mas
porque senti que ele precisava. Eu faria questão de virar a cidade do avesso
para fazê-lo sorrir.
Eu estava de volta. E era incrível!
Aproveitei cada segundo daquela viagem de duas horas de moto sem
reclamar, respirando melhor com o vento se chocando no meu corpo, a
adrenalina me lembrando de como era bom estar vivo.
Ryan achou loucura que eu viajasse de moto. Katy disse que era
romântico. Miley estava muito ocupada me abraçando com força pelo
pescoço para opinar.
O vento contra o meu rosto, o céu azul e limpo, o sol da manhã me
lembrando que eu estava livre do maldito inverno europeu, o solo
australiano... Aquilo era casa. Pareceu menos casa quando finalmente
cheguei em Sydney e me perdi, perguntando para todo mundo onde ficava a
maldita Universidade da Naomi. Mas finalmente cheguei.
Brandon tinha me passado o endereço dela para que eu mandasse as flores
e eu gravei o número do alojamento. O procurei por alguns minutos, nervoso
para cacete.
E então travei a moto, porque vi Naomi Carlson sair de um dos prédios,
com fones de ouvido, meio dia. Ela estava ali. Em suas calças jeans claras;
seu cabelo solto e liso; sua camisa branca, de mangas compridas e justa ao
corpo; e seus coturnos.
Nada mais importava.
Não enquanto eu analisava a garota que descia as escadas do pequeno
prédio de tijolos marrons.
Meu coração disparou, eu apertava a moto com força, sem conseguir me
mexer.
— EI — gritei, ignorando quando algumas pessoas me olharam estranho.
— SWEETHEART!
Ela parou por completo.
Naomi ergueu os olhos para mim.
Aqueles olhos.
Os mais lindos que já vi.
O olhar de Naomi Carlson é aquele tipo de olhar, sabe? Azul vivo e
intenso, como o céu num dia limpo. Te faz sentir que está nas nuvens e é o
motivo perfeito para cair. E eu cairia por aquela garota milhares de vezes.
Me senti na porra do paraíso. Eu literalmente ri de felicidade. Era a
maior loucura que eu já tinha feito. Duas horas de viagem apenas para vê-la
o mais rápido possível. Mas valeu muito a pena.
Tirei o capacete com as minhas mãos trêmulas. Naomi ergueu as
sobrancelhas, estática. Seus passos foram cautelosos e lentos, atravessando a
rua vazia. Parecia não crer no que via e eu a entendia, mesmo.
Dispensei o capacete sobre a moto e caminhei até a morena. Naomi parou
a um ou dois passos de mim.
Seu olhar esquadrinhou todo o meu rosto, descendo à minha camiseta do
Queen, a blusa quadriculada por cima, as calças jeans e os tênis... Até que
finalmente algo naqueles universos azuis mudou. Ela percebeu que era eu
mesmo ali. Damian Bale.
Seu.
Seu inglesinho.
Seu novato.
Completamente seu.
Senti que meu coração explodiria quando deu um último passo em minha
direção, ainda segurando o celular, como se fosse tudo o que a provava que
aquilo acontecia. Seu olhar tão perto do meu, sua boca levemente
entreaberta... Porra, seu perfume. Percebi que aquilo era real quando senti
seu perfume. Tão perto.
Eu poderia chorar de alívio. Porque parecia uma eternidade desde que a
tinha visto tão próxima de mim.
E tudo o que consegui dizer foi:
— Oi, sweetheart.
Paralisada.
Era como eu me encontrava.
Completamente paralisada.
Estática.
Petrificada.
"Oi, sweetheart".
Meu coração parou por completo. Depois disparou com força contra as
minhas costelas. Meu sangue corria por minhas veias tal como um tornado
avassala uma cidade. Por aquele garoto.
Damian. Damian Bale. Na minha frente.
Sorrindo para mim, com os olhos cinzentos brilhando mais do que nunca
e... Meu Deus, Damian Bale.
Vestido tal como quando o vi pela primeira vez. A camiseta do Queen sob
uma camisa quadriculada, as calças jeans, os tênis gastos...
Ele se aproximou ainda mais, colocando uma mecha para trás da minha
orelha. Um gesto simples e delicado, mas... por Deus, senti cada mísero
átomo do seu dedo roçando contra cada pedacinho da minha bochecha
quando ele a alisou.
Real.
Muito real.
— Estava... Estava na Inglaterra. — Franzi o cenho. Segurei o seu pulso,
subindo a mão até a sua, ainda contra o meu rosto.
Real.
— E agora estou aqui, sweetheart — ele soprou. Meus olhos não
conseguiam crer no que viam, meu coração continuava mais insano do que
nunca. — Estou aqui, linda. — Ele apertou a minha mão e eu admirei cada
mísero detalhe seu.
Um arrepio percorreu o meu corpo. Eletricidade traçando um caminho
pela minha coluna, como fogo consumindo pólvora. Subitamente, fui tomada
por algum tipo de impulso surreal.
Nem sequer pensei. Não havia racionalidade. Eu simplesmente o abracei
com toda a força que eu possuía. Passei meus braços ao redor do seu
pescoço, fechando os olhos e me aproveitando do contato, do seu cheiro, da
sua pele. Damian me puxou para si pela cintura, rindo baixinho perto do meu
ouvido.
Seu perfume, seu calor, seu corpo... Ele e apenas ele, me envolvendo. Meu
coração batia com força perto do dele. Aquela conexão entre os dois se
forjando cada vez mais forte, para impedi-lo de sumir novamente.
— Também senti sua falta, Naomi. Para caralho. — Ele beijou o meu
ombro, me mantendo perto de si. Segurando a vontade de chorar, nem
consegui respondê-lo.
Damian tirou meus pés do chão, rindo, e eu só o abracei. O abracei até ter
certeza de que aquilo era real. E era.
Katy e Ryan fizeram comentários sobre termos juízo quando nos viram
subir as escadas. Não estávamos bêbados, mas parecíamos. Carlson
segurava a garrafa de tequila, gargalhando alto quando a peguei nos meus
braços, dentro do quarto, e a joguei sobre a cama. Tranquei a porta.
— Qual a sua surpresa?
Por mais que soubesse da sua expectativa quanto à tequila que havíamos
trazido, eu a peguei das suas mãos e deixei sobre a bancada, ao lado da
cama.
— Da próxima vez que vier aqui — prometi, olhando nos seus olhos —,
vamos beber dessa tequila. E sabe como.
Carlson ergueu uma das sobrancelhas, sorrindo.
— Pensei que seria hoje — ela disse.
Tirei a camisa, porque estava calor. Me virei e senti seu olhar em minhas
costas. Amei isso.
— Quero que implore — lembrei.
Joguei a roupa para trás, para Naomi, que riu assobiando. Caminhei para
um caderno na minha bancada. Naomi ainda sorria para mim.
Me pus entre suas pernas, balançando o caderno. Ela se sentou. Fiz um
esforço absurdo para não beijá-la contra a cama e jogar a calma na puta que
pariu. Mas eu ainda pensava na aposta.
— Quero que leve com você pra Sydney. Isso é seu — falei e a entreguei
o caderno. — E é praticamente a minha alma, então cuide bem dela. —
Naomi franziu o cenho.
— Como assim? — Ela abriu o caderno, o folheando. Admirei a sua
confusão, até que sua boca se entreabriu levemente.
Carlson começou a passar cada página devagar, seus dedos tocando os
papéis como se absorvesse o impacto de cada folha.
— Quantas? — Sua voz falhou.
— Hm?
— Quantas páginas, Damie? — ela perguntou. E porra, meu coração
parou. Porque Naomi Carlson, em minha cama, daquele jeito, era o retrato
fiel do amor que sentia por mim. Suas lágrimas acumuladas nos olhos, suas
pupilas dilatadas, seus lábios trêmulos. Era o quanto me amava. Consegui
sentir isso com força.
— Duzentas.
— Duzentas músicas?
— Não! Enlouqueceu? Menos! Muito menos! Tem melodias, textos
grandes, algumas coisas que escrevo quando não consigo compor, outras que
anoto antes de compor, antes de organizar tudo em versos. E nem tudo é
sobre você, mas... Enfim, sempre quis ler tudo isso, certo? Está aí!
— Sua alma — ela repetiu e voltou a olhar o caderno, sorrindo
genuinamente. — E quanto da "sua alma" é minha?
Me agachei entre as suas pernas, apoiando as mãos em sua cintura. Naomi
estava encantada pelo que lia, completamente entretida.
— Leia e descubra — sussurrei. Ela riu. Seja lá o que pensou, guardou
para si. — Está vendo as cifras? Pode tocar no seu ukulele. Ele está em
Sydney? — Ela negou.
— Dei o meu para a minha mãe, sugeri que aprendesse a tocar para se
distrair — contou. — Caramba, amor, isso é surreal...
— E seu. Quero que fique com isso. Leia tudo. Me devolva apenas quando
eu te perguntar se me perdoou, quando me perguntar se te perdoei, e as duas
respostas forem sim. Quando formos Damian e Naomi, por completo.
Ela deixou o caderno de lado para me envolver pelo pescoço e eu a
abracei pela cintura. Teria que aprender a implorar para que não voltasse
para Sydney. A ideia de tê-la longe doía.
— Sabe — ela começou, apoiando a testa na minha —, o que os últimos
meses me fizeram lembrar... é que nada é perfeito, nunca vai ser.
Principalmente nós, Damian. Nós dois não somos nada perfeitos. Mas nossas
imperfeições combinam. Isso é o que nos torna insuperáveis.
Esquadrinhei seu rosto em silêncio.
Era um daqueles momentos em que mergulhava no mar azul dos seus olhos
e aproveitava cada onda de sentimentos que me atingia. Todo oceano
invejaria aquela cor, aquela vivacidade e rebeldia. Só Naomi Carlson
carregaria tanta, tanta beleza.
Era como se apaixonar — pela milésima vez — pela mesma pessoa. Um
sentimento tão fodidamente bom, que precisei respirar fundo e tentar afastá-
lo por um segundo, porque me fazia querer chorar. De felicidade.
Pois é, Naomi Carlson me tornou um bebê chorão.
É bom quando uma pessoa importante na sua vida te faz sentir tanto,
refletir tanto... Isso te incentiva a buscar o melhor de si mesmo. Brightgate
significou aprendizado para mim. Porque estava repleta de pessoas que me
faziam querer ser melhor a cada dia. Como ela.
E jamais pensei que Naomi Carlson e todo seu mau comportamento me
ensinariam tanto. Que a minha sweetheart me permitiria aprender com ela.
Gosto de pensar que também a ensinei uma coisa ou outra, sempre que
admiro um sorriso seu.
Devagar, levei a mão a sua nuca e uni os lábios aos seus. Naquele
momento, prometi a mim mesmo que, em alguns anos, me ajoelharia daquele
mesmo jeito, entregando a minha alma para ela com um anel e tudo. Nós
daríamos certo.
Porque ela estava certa, sabe? A vida é imperfeita. E eu sou grato pela
minha vida imperfeita. Pela minha namorada imperfeita. Serei sortudo para
cacete se passar todos os dias imperfeitos restantes ao seu lado. Por favor,
que isso aconteça.
—"É incrível que eu seja tão péssimo com as palavras, mas consiga
organizá-las tão perfeitamente em poesia quando penso em você." — Naomi
leu e eu afundei a cabeça em seu peito, praguejando.
Meu rosto esquentava de vergonha, meu corpo estava arrepiado por
completo. Ela só continuou, afundando os dedos em meus cabelos, em um
carinho lento:
— "Talvez porque você seja a arte em pessoa, tão surreal e inalcançável
quanto verdadeira e relacionável". Caramba... Eu sou a arte em pessoa?!
— Sweetheart! — minha voz saiu abafada e ela riu, descendo os carinhos
por minha nuca, depois costas nuas, devagar. Seus dedos faziam círculos por
minha pele, me deixando ainda mais preguiçoso e confortável naquela cama.
Lutei para não dormir antes que ela terminasse de ler.
— "Dos seus traçados saem os desenhos mais deslumbrantes, do seu
corpo os movimentos mais cativantes, da sua garganta as obras-primas mais
incríveis." — ela continuou. E então pigarreou, desconcertada. — "Viajo
incansavelmente por cada relevo, depressão, paraíso que te compõe;
deixando-a me transformar em arte também". Eu sou gostosa desse jeito,
huh?
Gostosa daquele jeito? Não. Ela era mais.
— Por favor, pare, isso está horrível.
— Horrível?! Estou amando — Naomi garantiu e eu ergui os olhos para
ela. Carlson ainda segurava o caderno com uma mão, os olhos brilhantes
vidrados em cada letra. Vestia apenas uma camiseta minha, os fios em um
coque alto e mal feito. — "O instrumento que mais quero tocar é você,
apreciando seus melhores sons, cada mísera melodia..."
Consegui ver o momento em que engoliu em seco e dobrou uma das
pernas, inquieta. Precisei sorrir. Aquela era uma reação interessante.
— "Até que meus dedos não consigam mais dedilhar e meu canto não
possa mais ser escutado."
— Dramático, não?
— Demais. Combina com você — ela provocou e eu grunhi, a abraçando
pela cintura. — "Contudo, ultimamente, sweetheart, estou tendo dificuldade
para escrever músicas felizes. Estou organizando as palavras e a poesia que
se forma é saudade. Estou cansado de criar melodias que te pertencem e não
poder te fazer ouvi-las". Amor... — Naomi choramingou, me deixando ainda
mais envergonhado. — Eu me senti mal desse jeito sem você, juro!
— Sentiu?
— Sim. Não sei escrever nem compor, mas se eu pudesse desenhar o que
eu senti sem você, seria uma chuva de cacos do meu coração partido, por
todo o lugar. — Acomodei meu rosto na curva do seu pescoço e Carlson me
envolveu com suas pernas, me mantendo colado a si como um coala. —
"Preciso de inspiração novamente. Preciso da boa dose de mau
comportamento que só você pode me dar. Então comporte-se mal comigo."
— "Fora dos meus sonhos." — falei, ao mesmo tempo que ela.
Rocei o nariz em sua garganta. A morena mordeu o lábio inferior. Passei
meus dedos por baixo da camisa, roçando na pele que protegia as suas
costelas, logo abaixo do seu sutiã. O toque, contudo, não tinha nada de
pecaminoso. E poderia dormir assim, cada vez mais preguiçoso.
Vagarosamente, a minha namorada levou os olhos aos meus.
— Escrevi em Bradford.
— Imaginei — ela sussurrou.
E então passou outra página, para o meu desespero. Era uma letra de
música inspirada no texto que ela tinha acabado de ler.
— "Misbehave". Parece legal.
Eu sorri. E então beijei o seu maxilar, bochecha, canto dos seus lábios,
retomando a sua atenção. Por fim, capturei a sua boca brevemente. Não
queria que lesse mais uma página, me deixava envergonhado.
— Combina com a gente — falei baixinho. E Carlson deixou o caderno de
lado, segurando o meu queixo e unindo os lábios aos meus.
— Não sabia que eu poderia ser inspiração para alguém assim..
— Está brincando? — perguntei, sonolento. — Você é incrível. Não mais
que eu, mas ainda assim. — Ela beliscou as minhas costas em resposta e eu
ri. — Sério, você é incrível. Tem algo a mais, não sei explicar. — Minhas
pálpebras pesaram quando os dedos de Carlson subiram e desceram pela
minha nuca. Tão bom. — Tanto que eu escrevi sobre você antes mesmo de
namorarmos. Bem antes.
Ela ficou em silêncio. Senti seus olhos sobre mim e não consegui parar a
minha língua.
— Escrevi sobre você tantas vezes, até perceber que estava apaixonado.
Antes eu pensava que não saía da minha cabeça por ser tão gostosa, mas não.
— Damie! — ela disse, achando graça.
— Você me inspira. — Bocejei. — Você me desafia a ser melhor. Você é
o melhor desafio que já conheci.
Um silêncio nos seguiu e eu não consegui mais lutar contra as pálpebras
pesadas. Minhas frases se arrastaram para fora:
— Como ousa se perguntar como pode ser inspiração para alguém? Poetas
se matariam por uma inspiração como você. Cabeças rolariam e toda essa
porra.
Ouvi um risinho baixo.
— Está delirando, amor. Durma — ela sussurrou, acariciando as minhas
costas. Eu não estava mentindo, era a verdade. — Obrigada por me mostrar
uma parte da sua alma, Damian Bale.
— Obrigado por ter conquistado cada pedacinho dela, sweetheart —
devolvi, como um segredo sujo. Eu conseguia imaginar seu sorriso.
— Eu amo você, novato — ela sussurrou, roçando os lábios contra a
minha orelha. — Você também me inspira... Se quer saber. — Senti um beijo
em minha têmpora. E essa foi a última coisa que lembro de ter ouvido antes
de dormir.
Vestia apenas um vestido preto de cetim, de alças finas e que ia até o meio
das coxas. Além da minha bolsa, eu não segurava nada. Prendi o cabelo num
rabo de cavalo alto, após dez mil anos tentando decidir o que faria com ele.
Pelos saltos finos, eu precisaria de ajuda do Damian para sair da moto,
porque nervosa como eu estava, provavelmente cairia de cara no asfalto se
fizesse isso sozinha.
Meu celular vibrou.
— Damian chegou — avisei, descendo as escadas
— Ai, ai... Damian chegou! — Madison cantarolou, correndo para apertar
a minha bunda.
— Louca! — provoquei.
— Gostosa!
Minha mãe provavelmente imaginava onde tinha errado com nós duas,
quando perguntou:
— Volta para casa?
— Não hoje — respondi alto. Madison gritou algo sobre camisinha e eu
saí pela porta.
Perdi o ar quando vi Damian Bale contra a moto.
Tinha um blazer escuro sobre uma camisa social. Caía bem em seu corpo.
Ele vestia calças jeans, sapatos escuros e tinha um sorriso incrível mirado
em minha direção. Se eu pegasse uma câmera, aquilo poderia virar um
photoshoot.
— O que é você e o que fez com meu namorado? — perguntei ao me
aproximar.
— Preciso estar à altura da minha garota hoje — Damian respondeu,
erguendo o queixo. Uma mão alcançou a minha cintura. — Está linda. Acho
que nunca te vi mais linda. — A outra mão envolveu a minha nuca.
— Sempre diz isso.
— Porque sempre é a verdade — ele soprou e sua boca tocou a minha. —
Pronta para a melhor aventura da sua vida?
— Com você? — O envolvi pelo pescoço. — Sempre.
Bale me beijou antes de me ajudar a sentar sobre a moto. Ele lançou um
olhar preocupado pelo vestido e eu percebi que, de fato, não era a melhor
opção para aquele tipo de transporte. Sorri torto e ele riu baixo, balançando
a cabeça. Ele se sentou à minha frente, eu o envolvi pela cintura.
— Nada como nós dois e adrenalina, huh? — ele brincou e meu estômago
revirou.
Quando Bale deu partida e olhou para mim por cima do meu ombro, meu
sorriso o respondia. Não havia nada como nós dois e a adrenalina só tornava
tudo melhor.
A corrida não foi tão longa assim e não conversamos muito durante o
percurso, preferindo aproveitar nossa proximidade e aquele momento em
silêncio. Até porque, bem, todas minhas tentativas de tentar descobrir para
onde estávamos realmente indo foram para o ralo. Bale cismou que aquilo
seria uma surpresa até o último instante, me deixando mais curiosa do que
nunca. Então eu engoli o nervosismo e contei cada segundo até chegarmos no
nosso destino.
Paramos em um dos restaurantes mais caros da cidade, o Wavewood.
Ficava no litoral, permitia a vista perfeita do mar. Tinha dois andares, uma
aparência um tanto quanto rústica e ainda assim elegante. Parte das mesas
ficavam do lado externo, sem cobertura. A não ser, claro, pelas pequenas
lâmpadas presas em cordas.
Conseguia ouvir os sons das risadas, as taças de vinho se tocando, as
conversas... Não estava fazendo muito frio naquela noite, a brisa era leve e
agradável. Era perfeito.
— Damian Bale, sabe quanto custa uma refeição aqui?
— Meu rim esquerdo por um salmão, o direito por uma lagosta. Meu
fígado pagaria facilmente por qualquer prato envolvendo carne.
— Bale... Não tem graça!
— Não se preocupe, eu não daria o meu coração por nenhuma comida
aqui, apenas por você. — Ele apertou o meu queixo.
— Vamos dividir a conta, você sabe — avisei.
— Não. Me deixe pagar dessa vez. Prometo que dividiremos a próxima,
pode ser? — Tombei a cabeça para o lado. Damian imitou o gesto. —
Sweetheart, quero te dar a noite perfeita.
— Também quero te dar a noite perfeita.
— Qualquer noite é perfeita ao seu lado.
— Oh, sem cantadas por um segundo, Damian, eu... — Ele me beijou e eu
relaxei os ombros, inconformada comigo mesma por ser calada tão
facilmente.
— Não foi uma cantada, fui sincero — Damian sussurrou, me envolvendo
pela cintura. — Agora, temos uma reserva, senhorita Carlson. — Ele me
ofereceu o braço, enlaçando-o ao meu.
O maitre disse que havíamos chegado exatamente na hora. Pontualidade
britânica, pensei. Primeira vez que eu não me atrasava, possivelmente. Nos
sentamos em uma das melhores mesas e eu mordi o lábio inferior, porque
Bale realmente tinha pensado em tudo.
Demoramos em escolher nossos pedidos. Bale fez um muxoxo assim que o
garçom se retirou e tirou algo do bolso interno do blazer.
— Comprei para você. — Ele me entregou um pirulito oval e achatado,
vermelho. Ergui as sobrancelhas. — Nunca mais te vi com um.
— Uau, quem diria que Damian Bale é o mais romântico da cidade?
— Você diria. Eu até me vesti super bem hoje.
— Doeu?
— Arrancou o meu coração — ele exagerou.
— Lembre que você só o daria para mim — rebati, me inclinando sobre a
mesa. Damian abriu um sorriso de orelha a orelha.
— Só para você. — Ele se largou sobre a cadeira, esquadrinhando meu
rosto. Admirei o seu olhar, um pouco mais escuro naquela noite, mesmo
refletindo as luzes do restaurante.
Bale estendeu a mão. Deixei meu indicador contornar as linhas da sua
palma e desenhar abstratamente por ela. Só depois entrelacei meus dedos
aos seus.
— Sinto sua falta sempre — ele disse. — Quem mais vai explodir um
béquer comigo ou me pagar um boquete no vestiário?
— Damian Bale, senhoras e senhores — cantarolei para ninguém, só para
ele. Damian riu nasalado. — Ninguém. Ninguém vai colocar a boca em você,
só eu. E não tem béquer em uma universidade de Música! Não estuda
Química.
— Se tivesse, não explodiria com ninguém. Em respeito à nossa história.
— Ele levou a mão ao peito, fingindo uma dor física. Eu ri. Bale riu junto,
me deliciando com o som da sua risada arrastada e rouca.
Sentia que ele ria tão pouco e para poucas pessoas. Por mais honrada que
me sentisse em ser privilegiada e em ouvi-lo gargalhar, pensei que aquele
som poderia fazer os dias de muitas pessoas serem melhores. Seu riso era
tão gostoso quanto sua voz, entoando qualquer canção.
— Brincadeiras à parte? Primeira semana de aula do meu curso — ele
começou a contar —, olhei para as cadeiras, sentindo falta de uma única
garota. Morena, sabe? Em um uniforme pequeno, azul escuro e branco.
Obviamente com um pirulito na boca. Não desse tipo, ela prefere aqueles de
bolinha, redondos. Enfim, foi uma onda de nostalgia do caralho.
— Eu entendo. Acredite.
Se ele soubesse como doía ficar longe dele... Damian era meu amigo,
antes de tudo. Às vezes, eu só queria poder deitar a cabeça em seu peito em
um dia ruim. Sinto falta o tempo todo de tentar ouvir seu coração, mesmo
com músculos e ossos no caminho. E como se conseguisse sentir tudo o que
eu havia pensado — ou melhor, sentido —, Damian puxou a cadeira para a
lateral da mesa, ficando ao meu lado.
Precisávamos aproveitar cada segundo juntos, o mais perto possível.
— Sabe — ele sussurrou —, pedi para a Katy me ajudar a encontrar
algum lugar perto da praia, porque você ama isso. E porque percebi que
nunca tinha parado para procurar a beleza na praia durante a noite; me
perguntei se havia alguma graça em ficar perto do oceano, sob as estrelas, no
escuro.
— E qual é a sua conclusão? — Acariciei o seu rosto, valorizando tê-lo
perto, poder tocá-lo.
— A minha conclusão é que precisarei voltar aqui em outra noite,
sweetheart. Sem você. Porque mal consigo pensar no mar ou olhar para ele.
— Seus olhos acinzentados se arrastaram por cada pedacinho da minha face,
parando em minha boca. — Só vejo você.
Meu coração poderia explodir ali mesmo. Eu apertei a sua mão, deixando
um beijo sobre o dorso.
— Poético, até! Isso daria uma boa música — sugeri. Damian riu. A
risada mais melodiosa e incrível de todos os tempos.
— Você está certa, linda. Isso daria a melhor música.
Me perguntei se algum dia eu conseguiria explicitar o quanto o amava. O
quanto o amo. Provavelmente nunca.
Pedalando o mais rápido possível, escuto Bale gritar um palavrão que faz
algumas pessoas da rua nos olharem estranho. Gargalho, feliz por ultrapassá-
lo e desviando de outro ciclista na orla. Segurando o guidão com força, eu
ergo só um pouco o corpo, respirando ar puro sob o sol da costa australiana,
cada energia que ele emana dourando a minha pele coberta apenas pelo
biquíni e shorts. Sorrindo para cacete.
A sensação é de liberdade.
Eu sei, eu sei… Liberdade com algo tão simples quanto andar de
bicicleta, certo? Mas é o que é: eu me sinto livre. Sorrindo como uma
criança, consciente de que meus olhos provavelmente brilham mais do que o
sol apenas por poder pedalar.
Às vezes, só percebemos a beleza nas coisas simples quando nos
privamos delas por tanto tempo.
Eu demorei quase vinte anos para aprender a andar de bicicleta. Assisti
pais ensinando filhos a fazerem isso, tentei sozinha e perdi pro meu próprio
medo, acabei por desistir; mas o inglesinho — esse lutando para me
alcançar — conseguiu o improvável. Ele me ensinou isso. E eu descobri que
há algo tão gratificante depois de tantas quedas, corpo ralado, suor e
lágrimas: o vento soprando meus cabelos, a vontade de rir enquanto as
pessoas se tornam borrões pela velocidade, perceber que eu fui capaz de
aprender isso e sou capaz de fazer isso sozinha. Sem ninguém para me
segurar, sem temer.
Parece um pouco com a minha vida. A luta, a dor e a recompensa. Nessa
ordem.
Ok, Naomi, pare de viajar pensando em bicicletas e metáforas!
Talvez todos aqueles livros que Melissa Wayne me indica estejam
mexendo com meus neurônios mais do que deveriam.
Bale me alcança — porque eu permito — e reduzo a velocidade, ficando
ao seu lado. Exibido, ele vê um skate abandonado na rua e não desvia.
Admiro suas costas nuas quando me ultrapassa, o suor brilhando pela sua
pele, tornando a visão quase indecente. Damian pula o obstáculo com a
bicicleta antes de virarmos para acompanharmos a rua do litoral de
Brightgate.
Damie abre o tipo de sorriso de orelha a orelha que faz as borboletas na
minha barriga derreterem. Meu coração se enche de felicidade e eu mordo a
curva na minha boca. Ainda pareço a mesma garota apaixonada de pouco
mais de dois anos atrás.
Estacionamos as bicicletas no píer e as prendemos com as demais. Tiro a
minha bolsa de praia do guidão e Bale me envolve por trás. Ele beija o meu
pescoço quando pisamos na areia quente e fofa. É nosso último dia em
Brightgate. Viemos para cá depois do nosso primeiro Natal morando juntos,
para uma ceia com nossas famílias. Foi a oportunidade perfeita para
Meredith apresentar melhor o seu noivo, Andrew, e para ver Damian Bale
dançando Shakira na frente de todo mundo. Agora estamos aproveitando as
nossas últimas vinte e quatro horas na minha cidade natal antes de voltarmos
para Sydney. Aproveitando como podemos.
Admiro o mar quando escolhemos um lugar na praia relativamente cheia.
Eu gosto das praias de Sydney, mas nada chega perto desse lugar. É
paradisíaco. O mar azul-esverdeado é claro, a água cristalina. A cada
segundo que as ondas tocam a areia, eu me sinto em casa. Acho que posso
sair de Brightgate, mas Brightgate nunca sairá de mim.
— Está cada vez melhor — Bale me tira do transe com um elogio,
jogando minha toalha de praia no chão. Tombo a cabeça pro lado e dou meu
melhor sorriso, o que geralmente o faz corar e perder a pose de falso bad
boy. — Pensei que explodiria meus pulmões tentando te passar.
— Não explodiu? — debocho, murchando os lábios. Bale rola os olhos e
se joga na toalha antes de mim. Eu me sento ao seu lado, ajeitando a
tornozeleira que ele me deu no Natal do ano passado, ainda pensando no
presente que não recebi esse ano, e então tiro os shorts. Sim, amor, sinto
muito bem seu olhar devorando minhas pernas, obrigada. — Agora que sei
andar de bicicleta, você sempre vai ter que lutar para me alcançar, novato.
— Adoro uma boa competição, sweetheart. — Ele pisca. —
Principalmente se for com você.
Não consigo resistir e seguro seu rosto, as bochechas amassadas contra
meu polegar e indicador e o bico em seus lábios rosados me propiciando um
selinho doce e outro e outro… Damian Bale é meu. E eu me permito ser
melosa por um segundo ou dois, porque sou sortuda para caralho por ter ele.
Ele me faz sentir que isso — nós — é para sempre. Porque… Quer saber?
É para sempre. Foda-se se somos novos e muitos nos dirão que não sabemos
porra nenhuma sobre a vida. Damian Bale e Naomi Carlson tem todo um
caminho para seguirem juntos até a linha final e para trás dela. Porque se
houver outras vidas, outras realidades, outras chance de sermos sweetheart e
novato; nós seremos eternos em cada oportunidade. Juntos.
Só ele me faz ter esses pensamentos. Super melosos e dignos dos filmes
que minha Batman assiste ou os livros que ela me faz engolir. Só Bale me faz
sentir que ensinarei nossos filhos (e netos, se eu for do tipo de velhinha
conservada, plastificada e cheia de energia) a andarem de bicicleta.
Damian Bale me faz sonhar com uma família feliz nossa e apenas nossa.
— Protetor! — aviso e ele se senta imediatamente.
Sorrio, porque Bale não reclama mais depois de todas as insolações e
vezes que eu tive que colocar cremes, água gelada ou soprar sua pele
branquela, sensível e vermelha como fogo (tão quente quanto). Damian sabe
muito bem que não se bronzeia como eu e, nada secretamente, ama quando
cuido dele e minhas mãos tocam seu corpo.
Depois de proteger suas costas, ombros, braços, peito e o tanquinho que
me faz sorrir com maldade, me ajoelho com as pernas ao lado do seu corpo e
aplico o creme em seu rosto. As bochechas já estão um pouco rosadas e eu
acho ridiculamente fofo como apoia as mãos na toalha e tomba a cabeça para
trás, me admirando em uma tarefa tão simples.
— O quê? — pergunto, tentando soar indiferente. Seu sorriso só cresce.
— Seus olhos são da cor do mar no momento. Só estou decidindo em qual
eu prefiro mergulhar.
— Uhhhh… Dá uma letra perfeita, clichê e sensacional! Deveria anotar
isso. — Espalho o creme em sua testa. — Para não esquecer.
— Não vou esquecer enquanto me olhar desse jeito. — Borboletas
explodindo. Na minha barriga. Parece que Bale as cria e as derrete como
açúcar no mesmo segundo. Constantemente.
— Não precisa me cantar, lindo. Já namoro você. — Torço para não estar
corando muito.
— Te cantar é o que eu faço de melhor, linda.
— Você e suas cantadas baratas.
— Você e seu sorriso bobo para todas elas! — Bale segura meus pulsos e
os passa por cima dos seus ombros, para suas costas. Eu cruzo meus
calcanhares atrás do seu corpo, confortável demais contra ele.
É sua vez de passar protetor e bronzeador em mim, mas ele adia um pouco
isso ao roçar o nariz no meu e acariciar a minha cintura. Movo uma mecha
de cabelo para trás da sua orelha, o admirando melhor. Ele tomba a cabeça
para o lado, ridiculamente fofo e sexy ao mesmo tempo.
— Me diga algo real — me pede e eu franzo o cenho, confusa. Bale toca
o símbolo do infinito no meu colar, o desenho como o oito no seu. Seu dedo
roça perigosamente no vale entre meus seios e então ergue o meu queixo. —
Ou me diga sua melhor cantada barata. Me diga qualquer coisa, Naomi
Carlson!
Meu coração dispara e eu cerro os olhos, me perguntando onde ele quer ir
com isso.
— É que você no meu colo parece uma obra de arte que preciso pintar em
palavras e cantar pro mundo — ele explica. — Mas quero algo que tenha
saído de você para isso.
— Sou sua co-compositora agora? — entro em sua brincadeira,
acariciando o cabelo no fim da sua nuca e ele ri, confirmando. Me sento
mais próxima de seu torso, o abraçando pelo pescoço. — Eu não sou boa
com palavras, Damie. Gastei tudo o que eu tinha com aquele “depois de
mim, está você” — cantarolo, rindo, mas ele não acha graça. Seus olhos
carregam uma intensidade impressionante e eu perco a respiração por um
momento.
— Então diga.
O modo como seus olhos parecem uma tempestade, mas não me assusta…
O tom cinzento tão discretamente azulado que é quase imperceptível, mas tão
vivo e gostoso de analisar. As bordas levemente mais escuras, as pupilas
dilatadas porque ama me ver, o brilho que qualquer estrela invejaria… Os
olhos de Damian Bale são uma obra de arte.
— Depois de mim, está você.
Ele me beija. Seus lábios alcançam os meus com uma delicadeza e doçura
que só nossas almas conhecem. Uma mistura leve que veio de um casal que
viveu o inferno para construir um paraíso imperfeito e único, junto.
— Depois de você, ninguém — acrescento, porque não consigo me ver me
apaixonando por qualquer outra pessoa. Porque Bale parece a linha de
chegada para o meu coração cansado. E talvez sentindo isso, ele me beija só
mais uma vez, brevemente.
— Minha, huh?
— Oh, sim! Naomi Carlson é sua, Damian Bale.
Damie sorri contra a minha boca. Seu riso reverbera contra os meus
lábios, felicidade genuína ecoando, tornando os sons das ondas não tão bons
como eu sempre pensei que fossem.
— E ainda me fala que não sabe o que dizer. Mentirosa!
— Talvez você me inspire também.
— Talvez?
— Um pouquinho — confesso e franzo o nariz, provocando. — Só um
pouco!
Ele me joga na toalha e eu gargalho, pelo movimento e seus beijos e
cócegas. Por toda a alegria que finalmente conquistamos.
Esse é nosso paraíso imperfeito. Real. Nosso. E ainda parece apenas o
começo.
Com o pirulito no canto da boca, ela prende os fios num coque, jogada
sobre o sofá do grande estúdio, enquanto Danny, meu agente, conversa algo
com a banda e eu testo alguns acordes na guitarra.
Minha concentração some um pouquinho quando minha pele queima e eu
ergo os olhos para as írises azuis carregadas de luxúria, percorrendo os
dedos que se movem na minha guitarra. E então os braços, por onde as
mangas estão arregaçadas… Até mirarem no meu rosto sem piedade. Eu
sorrio, porque gosto de ser admirado assim. E porque há uma pontinha de
orgulho nessa malícia toda que me deixa em êxtase.
Ainda com o doce na boca, Carlson curva os lábios levemente pro lado
quando canto Misbehave, consciente de cada um de seus pensamentos
maldosos e sabendo exatamente onde imagina esses dedos. Ela sorri. Porque
esse é meu efeito sobre ela. Paro pra rir baixinho, desconcertado. Porque
esse é seu efeito sobre mim.
Acabamos por jantar tarde demais. Isso porque o ensaio se tornou mais
intenso e divertido, com a banda e eu convencendo minha garota a cantar
alguns covers ou minhas imitações de Jake Bugg entre músicas.
Não reclamo do quanto Carlson me faz pagar essa noite. Ela realmente
estava com fome. Eu não estava muito atrás. Como sempre, ela tentou pela
milésima fazer com que eu me entendesse com os hashis, mas eles ainda são
meus inimigos! Acabei por comer com talheres ou quando ela levantava a
comida para ele. Como um bebê, Naomi disse. E como um bebê, eu fingi
estar emburrado. Secretamente? Eu amo quando ela cuida de mim.
Foi um jantar tranquilo e comum. Conversamos muito sobre trabalho, por
conta do ensaio. Ela quis saber melhor sobre os meus planos e o que tinha
conversado com Danny Travis, meu agente, mais cedo. Mudei o assunto para
seus croquis e a nova coleção da sua loja, a MBH; porque amo ouvi-la falar
como a empresária que é. Ela me mostrou seus novos desenhos no celular e
eu ainda não entendo tanto sobre cortes ou estilos, mas fiquei impressionado.
Devo ter a elogiado mil vezes na mesa, até que rolasse os olhos e deixasse
aquele sorriso envergonhado escapar.
Fomos os últimos a sair do restaurante. Ela deixou bem claro que só
pensava em ir para casa, manter nosso gato longe do quarto e aproveitar um
bom vinho na cama. Até que roupas estivessem fora de cena. Mas propus
algo diferente.
Então aqui estamos, na praia. Seu corpo está entre minhas pernas, estamos
sentados sobre minha jaqueta e eu a protejo contra o leve frio da noite. Não
há ninguém à nossa volta e podemos aproveitar o cheiro do mar, as estrelas,
a lua e um ao outro. Seu perfume, seu calor, seu abraço... É quase como um
pedaço do paraíso me mantendo firme e completo. Vou morrer de saudades
disso quando a turnê começar.
— Sabe por que eu quis te trazer aqui? — questiono e ela nega, buscando
pelo meu rosto. As sombras da noite predominam no ambiente, mas consigo
ver alguns detalhes dela por conta da lua e dos poucos postes pela orla. Os
olhos azuis refletem muitas das estrelas de hoje. — Eu precisava disso. De
um momento de calmaria só nosso.
Vejo um pouco de melancolia em seu sorriso de canto. A ideia de uma
turnê e de nos mantermos longe às vezes incomoda. Beijo sua testa em
consolo. Ela se acomoda mais entre meus braços, os acariciando em torno da
sua cintura.
— E também senti essa necessidade absurda de te trazer para a praia. Te
sinto cansada às vezes, precisa desacelerar.
Outro dia a busquei no trabalho, porque sua funcionária achava que ela
estava cansada demais para dirigir. Era verdade. Porque Carlson dormiu no
elevador do nosso prédio, antes que chegássemos ao apartamento.
— Você realmente me conhece — confessou em um sussurro. Ela está
sempre virando noites com a sócia, Eve. A vejo esfregando as têmporas,
frustrada com o acúmulo de esboços de roupas nas lixeiras de casa ou com
os prazos para confeccionarem peças sob encomenda.
Ela me diz “Damie, a moda só é super fabulosa para quem assiste as
passarelas, sabe? Por trás dos panos, há muito trabalho duro e pesquisa”. Eu
vejo isso. Morro de orgulho da mulher trabalhadora e apaixonada que ela é.
Mas às vezes precisa de um puxão de orelha para reduzir a velocidade, não
exagerar.
— Sei como ama a areia, o mar... Até mesmo de noite. Senti que precisava
disso. É tipo um presente meu para você, esse momento.
Ela sorri e me beija. E de novo. E de novo.
— Você é o meu presente, Damian — garante. E então franze o nariz,
grunhindo. — Ugh... Você me transformou num clichê ambulante.
Uno meus lábios ao seus, a abraçando firme para que lembre que é seguro
e nada vergonhoso ser esse clichê comigo. Depois distribuo beijos rápidos
pelo seu ombro, pescoço, bochecha. Apoio o queixo na sua cabeça e ela
brinca com os nós dos meus dedos em torno do seu corpo. Quando seu
polegar roça no meu anelar, um pensamento me escapa com um sorriso:
— Vai ter um dia — começo, abaixando o rosto até sua boca roçar contra
o lóbulo da minha orelha —, muito em breve... Que o meu presente vai ser
um anel.
Ela retesa em meus braços e eu aperto delicadamente seu pulso, sentindo
o sangue fluindo em disparada por suas veias. Seu olhar se prende no meu,
sua respiração um pouco mais fora de controle. Ergo seu rosto lindo,
convicto de minhas palavras.
— Talvez da próxima vez, Naomi Carlson, meu presente vai ser me
entregar para você. Por completo.
— Não brinque com isso.
— Da próxima vez, Naomi, eu vou te fazer a minha mulher.
— Damian.
— Vou ficar de joelhos e te pedir para ser minha esposa.
Seus lábios se entreabrem em choque.
Sim, sweetheart, estou falando bem sério.
— Você é a mulher da minha vida. Logo depois de mim, está você.
Ninguém me apoia mais do que você, eu não me vejo lutando tanto por
nenhuma outra pessoa. E vai ser assim pra sempre, linda.
Seus olhos lacrimejam, seus lábios tremem e eu sinto seu amor por mim
sem que diga nada. Eu consigo imaginar seus pensamentos “ugh, te amo tanto
que me irrita”, “você é impossível, Damian Bale”. Ela apenas me beija.
Ofega contra minha boca, atordoada pelo que ouviu.
— Vai ter que ser um anel incrível — resmunga. Minha resposta é uma
risada alta ecoando por toda a praia.