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PESQUISA EM EDUCAÇÃO E A ABORDAGEM QUALITATIVA

Wellington Soares de Lima

Discutir como se realiza pesquisa em educação ainda se faz


extremamente necessário, principalmente em programas de pós-graduação e
em cursos de futuros profissionais que atuem nesta área. Um dos principais
aspectos a serem trazidos a estes meios é quanto aos procedimentos
metodológicos, os quais são diversos dentro de uma abordagem qualitativa.
Abordagem qualitativa que cresceu muito com as pesquisas desta área,
mas que possui sua origem das Ciências Humanas, em especial na filosofia e
sociologia. Exatamente por pertenceram a este ramo da Ciência, por vezes
podem não receber tal denominação, em especial, por aquelas/es que acreditam
em uma Ciência neutra, de comprovação de fatos e infalível. Gatti (2003) nos
apresenta um pouco destes embates existentes principalmente entre as Ciências
da Natureza e as Ciências Humanas.
Segundo a autora, no âmbito qualitativo possuímos uma variedade ampla
referente a qualidade metodológica e que pode de certa forma contrariar uma
Ciência objetiva que busca descrever a realidade de forma universal e
verdadeira, mas se engana quem acredita que se dispensa o rigor e a
consistência nestas pesquisas (GATTI, 2003).
Entretanto em uma análise à trabalhos até o início dos anos 2000, Gatti
(2003) constatou falhas e dificuldades no desenvolvimento das metodologias e
procedimentos utilizados pelas/os pesquisadoras/es. Acreditamos que tais
problemáticas possam ter se reduzido diante da ampliação dos grupos de
pesquisa e programas de pós-graduação que surgiram nas últimas décadas,
uma vez que aumentar estas organizações, contribuem para o crescimento das
discussões sobre as formas de pesquisa e uma perspectiva crítica das/os
autoras/es.
Para a autora (GATTI, 2003), essa perspectiva crítica das/os autoras/es é
alcançada e/ou construída quando se consideram as relações da/o
pesquisadora/or quanto a sua temática de pesquisa, sua vivência e seu trabalho,
ou seja, se considera a/ao pesquisadora/or enquanto sujeito que realiza a
pesquisa e não um ser neutro deste processo.
Concordamos com a autora que quanto mais “fortes” forem os estudos no
aspecto metodológico, mais duradouros eles serão devido suas consistências
nos resultados e suas relações com a prática. Os trabalhos fundamentados
metodologicamente contribuem até mesmo para as divergências e críticas que
possam surgir mediante as discussões que a pesquisa possibilitar.
Outra problemática é apontada por Leite (2000) quanto aos conceitos de
teoria e sua relação com a prática, na qual esta primeira, por vezes é percebida
por educadores como algo distante da realidade e por vezes como uma
concretização da prática, mas sempre sendo questionável o real seja em ruma
relação teoria-prática ou teoria-ideologia:

[...] o real é enquadrado e desnaturado, fazendo com que a


pesquisa seja sufocada, uma vez que a educação, enquanto
prática social, que se constitui em objeto de investigação, não
cabe dentro dos limites do real estabelecidos por uma
determinada ideia de “teoria” (LEITE, 2000, p. 126-127).

Leite (2000) nos apresenta diferentes conceitos de teoria e os que mais


nos chama atenção talvez sejam as definições em que a teoria seja considerada
como uma busca pela verdade e pelo real, como uma aproximação e uma
possibilidade de podermos ver o que de fato acontece. Temos a ciência de que
nunca uma teoria pode ser generalizada, mas é por meio dela que conseguimos
explicações e avançamos no conhecimento.
Também concordamos com os aspectos subjetivos que existem em uma
teoria, afinal de contas, ela é realizada por seres humanos imersos em relações
sociais e pertencentes a contextos que o influenciam mesmo que indiretamente,
fazendo da teoria uma produção histórica e social. Na educação se faz
necessário observarmos a teoria como possibilidades e como fundamentos que
podem nos auxiliar nas construções das relações educacionais e não como
verdades impositivas, pois como citamos anteriormente, o real pode não caber
em teorias, embora elas contribuem na compreensão dele.
Diante dessas considerações podemos partir ao trabalho de Zanten
(2004) que trabalha com pessoas marginalizadas socialmente. Segundo ela, os
métodos qualitativos são diferenciais nestes contextos e possibilita que as/os
pesquisadoras/res visualizem os sujeitos/atores da pesquisa enquanto pessoas
críticas, ativas, conscientes e reflexivas de suas vivências.
Outras problemáticas também são trazidas por ela principalmente sobre
como os atores de uma pesquisa visualizam o pesquisador e a pesquisa e suas
posições de poder, o que também pode influenciar na obtenção dos dados. A
pesquisa pode ser vista como uma avaliação, como uma mediatização, o
pesquisador por ser visto como alguém superior em relação ao conhecimento ou
ainda como alguém externo ao local da pesquisa, não possuindo propriedade
para falar sobre tal local (ZANTEN, 2004).
Concordamos com a autora que os atores de uma pesquisa estão cada
vez mais reflexivos e consideram suas realidades. Eles não são apenas sujeitos
das situações, mas conseguem observar suas imersões e por vezes, sabem
como a sociedade de fora os vê. Reconhecendo a existência dessa imensa
variabilidade de realidades e relações existentes compactuamos com a
problemática da generalização decorrente da pesquisa qualitativa (ZANTEN,
2004).
Zanten (2004, p. 33) nos cita: “[...] as pessoas se consideram expert em
educação.”, independente de suas formações ou experiência com o campo
educacional. Reconhecemos tal afirmação, entretanto, não podemos deixar de
considerar a detenção de poder que os profissionais desta área devem ou
deveriam ter e se apropriar de seus locais de fala. Os profissionais da educação
devem compreender de onde falam tentar demonstrar a propriedade do quê e
porquê falam.
Não é possível que tratemos de igual forma a “opinião” sobre educação
de um barista e de um doutor educacional. Não é desmerecer de forma alguma
as profissões, mas reconhecer o lugar que são emitidos os discursos, da mesma
forma que um doutor em educação não teria propriedade em fazer drinks e
bebidas. Como Zanten (2004) nos lembra, reflexões mais profundas, mais
trabalhosas e de maior tempo denotam maior validade aos textos e argumentos.
Sobre o tempo Zanten (2004) ainda nos faz refletir sobre o tempo de
contato com os dados de uma pesquisa. É apenas a/o pesquisadora/or que teve
acesso a 100% das falas e atitudes. Nos trabalhos, constam apenas fragmentos
e recortes que são delimitados de acordo com os objetivos de cada trabalho
escrito. Concordamos com todo esse olhar que autora nos apresenta, mas vale
refletir também sobre a saturação dos dados, quando estes passam a repetir
informações e não trazer novas informações, a qual o intuito de toda pesquisa,
embora esse novo, de certa forma e por vezes, precisa se manter as tradições
já aceitas (ZANTEN, 2004). Ainda corroboramos com a ideia de que os dados
devem ser disponibilizados, pois assim se possibilita que diferentes
pesquisadores possam olhar para os dados e tecer discussões e apontamentos
para o objeto estudado.
Um apontamento interessante que Zanten (2004) faz é que em nosso
campo de conhecimento, talvez nosso papel seja de produzir teorias de médio
alcance e não teorias globais. Isso permite as comparações com que já se
estuda e já se produziu e de mesma forma não nos faz tratar o que já existe
como verdade para o que se observa. Tal consideração é essencial uma vez que
os indivíduos são diferentes e suas relações interpessoais e ambientes são
diversas. Reconhece que são generalizações com limites.

REFERÊNCIAS
VAN ZANTEN, Agnès. Pesquisa Qualitativa em Educação: pertinência, validez
e generalização. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, n. 01, p. 25-45, jan./jun.
2004.

GATTI, Bernadete A. A Pesquisa em educação: Pontuando algumas questões


metodológicas. Nas Redes da Educação: revista eletrônica do
LITE/FE/Unicamp, Campinas, outubro 2003.

LEITE, Siomara B. Teoria: desafio e perspectiva na pesquisa em educação.


Perspectiva. Florianópolis, v.18, n.33, p. 125-134, jan./jun., 2000.

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