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O Livre-arbítrio em Agos nho A vontade humana é “livre” nada lhe contradiz no mundo a querer ou não algo.

O
problema que imediatamente surge aqui é o de conciliar a ação humana livre com a existência
por Guilherme Celes no de um Deus infinitamente poderoso e criador da realidade do homem e do qual o homem está
inserido. Agos nho se dá conta desse problema e busca abordá-lo em diversos textos como
no já mencionado Do Livre-arbítrio. No texto o tratamento da questão se dá na forma de
Agos nho de Hipona é um dos nomes centrais em qualquer história do pensamento diálogo, no qual Agos nho é um dos personagens e ocupa o papel de professor e dialoga com
ocidental que leve em conta a An guidade e Idade Média, tanto no papel teológico e Evódio, amigo de Agos nho, que assume o papel de aluno, e é ele que coloca as principais
organizador das doutrinas da fé cristã, como no de filósofo que sinte za a herança Greco- questões do texto.
romana e determina o legado decisivo da tradição medieval. Sua noção de “livre-arbítrio” é
Para um entendimento mais acertado na noção agos niana de livre-arbítrio, pode-se
uma dessas contribuições que reafirmam seu papel de destaque. Neste texto busca-se
destacar a elaboração à três questões: como existe o mal em um mundo criado por um Deus
delinear tal noção, em especial tal como aparece na obra Do Livre-arbítrio, tendo em vista
todo poderoso? Por que Deus permi u o homem pecar? E como é possível que haja liberdade
como seu conceito filosófico aparece implicado na busca pela salvação, isso não sem
humana diante da presencia divina? Nas respostas que Agos nho vai dando a essas perguntas
contribuir decisivamente para o debate pleno na história da filosofia acerca da liberdade
vai ficando mais claro em que consiste o livre-arbítrio humano, e para isso, chega a
humana.
demonstrar a existência de Deus a par r do argumento do cogito percorrendo a via da
Agos nho retoma em muitos pontos a tradição platônica, porém trará a contribuição interioridade da alma humana.
original ao harmonizá-la com a do cris anismo, o que provoca um novo entendimento do que
A questão do mal, sobre seu estatuto ontológico (isto é, rela vo ao “Ser”), sobre se Deus
seja a liberdade humana, que con nua até hoje nos fazendo pensar e refle r sobre nossas
é o seu autor, esse é o po de questão que atormenta Agos nho desde a juventude. Para
vidas e escolhas.
responder essa questão ele retoma a narra va de fatos de sua trajetória pessoal no texto. Ele
Em primeiro lugar, é bom ter em mente de que modo a Filosofia se relaciona com a recorda que fora atraído no passado para as doutrinas dos maniqueístas que acreditavam que
religião Cristã. A Filosofia em Agos nho é chamada muitas vezes de sabedoria, e diz respeito o mundo fosse regido por dois princípios: O Bem, oriundo de Deus, e o mal oriundo do Diabo.
ao conhecimento que o homem é capaz de fazer para conhecer as coisas e aquilo que deve Porém essa doutrina é incongruente com o fato da existência de um todo poderoso Deus,
ser feito ou pra cado para se ter uma boa vida. A filosofia busca conhecer o Bem, porém só criador do mundo, pois não pode haver outro princípio além do que emana do Criador. Esse
conhecê-lo não basta é preciso também vivenciá-lo e para isso, somente a fé verdadeira pode doutrinário dos maniqueístas, se revelou para Agos nho, pouco consistente e isso o fez
dar conta disso de modo apropriado. A filosofia é um exercício de inteligência, mas sem o fim abandonar essa doutrina e se converter ao cris anismo. Ainda assim, é em Platão que
úl mo, falta ainda a presença do bem verdadeiro que só é consumado pelo ato de amor que encontrará a resposta: Não há princípio do mal se não em nada. E desse modo conseguem
ocorre quando se busca Deus, não pela razão, mas pela fé. A Sabedoria tem essa em função da uma das explicações para o mal natural – no mundo natural há corrupção e morte não porque
Bea tude (Vida Plena) e por isso a filosofia é um instrumento que auxilia aquele que busca atua um princípio do mal, mas porque o princípio do Bem deixa de atuar – o mal é ausência de
Deus pela fé, algo que, por sua vez depende da graça. Esse é contexto em que Agos nho Bem (e não um princípio contrário). Entretanto quanto ao mal moral Agos nho tem de dar um
discute a liberdade humana e define seu conceito de livre-arbítrio. passo além dos neoplatônicos ao supor que tenha havido um erro original – o pecado original
– que levou a humanidade a condição de cometer erros e pecados. E por outro lado sendo o
O homem é um ser racional e isso lhe faz ter uma dignidade maior dentro os outros
bem em si, Deus, o homem só pode se libertar do pecado se reconciliando com Ele.
seres vivos, porque não é apenas um corpo que se move, mas é também capaz de pensar, e
refle r sobre as coisas que ocorrem no mundo e não apenas vivenciá-las. Além disso, o O mal não deve sua existência a Deus, e o mal humano tem como responsabilidade o
homem é dotado de vontade, o que significa que detém em si um princípio que lhe permite próprio humano que pode e deve escolher evitá-lo. O pecado existe porque o homem evitá-lo.
buscar ou evitar as coisas do mundo segundo seu poder. O homem é capaz de desejar como O pecado existe porque o homem é livre. Mas por que Deus permite isso? Por que o pai
todos os seres viventes, mas graças a sua vontade é capaz de seguir ou não um impulso de Criador legou ao homem essa condição tão ruim? A resposta a essa questão define o homem
desejo em conformidade ao que sua própria razão determina. na ordem de criação, para Agos nho o fato do homem ter de escolher entre o bem e o mal

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ainda que faça escolhas erradas, é um bem. O livre-arbítrio humano é um bem na medida que necessário, que só pode ser Deus. Logo, Deus existe. Se reconheço algo de divino em mim, e
provém do Bem em si. O Criador não pode criar senão coisas boas, porém o pecado é o mau sou corrup vel, somente um ser divino, que existe antes de mim, pode ter criado isso e
uso que se faz dele. A liberdade é um bem, o mal nasce do seu abuso que o homem comete inserido na minha existência.
no uso desse bem.
Deste modo Agos nho não oferece apenas uma demonstração racional de sua
Deus deu ao homem um livre-arbítrio que lhe permite escolher livremente entre o Bem Meta sica, mas aponta para o sen do próprio da espiritualidade, tal como ele concebe e
e o Mal, ao ser dotado de razão, cabe ao homem uma par cipação especial no ato de criação, orienta seus múl plos pensamentos: “do exterior para o interior; do interior para o Superior”.
sendo também responsável por ela no que seja rela vo as escolhas que estão no seu próprio É pela interioridade que o espírito que busca compreender o que lhe transcende, e pode daí
alcance. Por fim, pode surgir a dúvida, como sugere Evódio no livro, sobre como a liberdade tentar se unir a ele.
do homem pode estar assegurada, se Deus tudo sabe antes mesmo de ocorrer, como eu posso
O pecado nasce no homem quando ele busca o que lhe parece um bem nas coisas do
dizer que um ato futuro é livre se ele já sabe o que vai ocorrer?
corpo, mas ele pode se libertar disso e encontrar a sa sfação plena de um bem eterno.
Essa é uma questão sobre como conciliar a “ciência” divina e a livre decisão do homem. Entretanto não depende apenas da vontade humana o encontro com o bem soberano, sem a
A solução Agos nho está em mostrar como o saber não interfere necessariamente no agir, de vontade do próprio Criador, que se manifesta pela graça, isso não é possível.
modo que ao longo da nossa vida, a memória não interfere nas nossas ações passadas
Por fim, pode-se destacar que liberdade não é sinônimo de livre arbítrio em Agos nho.
enquanto as lembramos. A presciência divina antecipa nossas ações e intenções em
Livre arbítrio é a capacidade humana de escolher o bem ou o mal, o caminho da virtude ou o
pensamento sem interferência no princípio que as move, como uma espécia de “memória do
do pecado, liberdade é quando o homem escolhe o bem, faz bom uso do livre arbítrio.
futuro” ou “lembrança atemporal”.
Agos nho consegue com isso enfa zar o papel da escolha individual nos processos da vida
Nesse contexto Agos nho considera importante retomar um tema que reaparece em humana, retomando conceitos gregos, trazendo também uma bagagem da religião cristã e
outras obras suas e que estará presente em pra camente todos os momentos da filosofia apontando para interioridade, o que prenuncia em partes significa vas o debate sobre
medieval: a prova da existência de Deus. A prova de caráter estritamente filosófico não serve subje vidade que se devolve na modernidade. O homem assim se encontra no contexto
para convencer os gen os (isto é, aqueles que não possuem a fé cristã). Com efeito, a prova meta sico de um homem criado, e em uma situação dramá ca em busca da reconciliação com
serve para aquele que já tem fé entender melhor isso em que ele deposita sua crença – o Criador, sendo o único responsável pelo mal que faz e dependendo da graça para fruir do
“Acredite senão não entenderás”. A fé determina um campo pelo qual a inteligência verdadeiro bem.
trabalhará produzindo entendimento e discernimento melhor das coisas sobre as quais a fé se
debruçara. A prova de Agos nho começa por dis nguir o homem entre os seres – ele é único
que “é”, “vive” e “pensa”. E da sua própria realidade, vida e pensamento, o homem encontra
a prova da sua própria existência, e daí concluí a existência de que há também um criador
divino.

A própria dúvida é uma evidência do pensamento humano desde seu “interior”.


Descartes muitos séculos após Agos nho explora esse argumento. Daí Agos nho parte para
inves gar o pensamento e ver de que maneira pode encontrar as marcas do Criador. Ele as
encontra nas verdades acessíveis à alma humana que par lham o aspecto de permanência e
necessidade, e que não podem se originar das coisas naturais, que nascem e morrem, que
sempre mudam, que podem ser de jeito ou de outro (não são permanentes, nem necessárias).
Especificamente a ideia de número, e os valores é cos que norteiam as virtudes morais são
casos de verdades incorrup veis e necessárias e que por isso não podem ter do sua origem
no mundo, nem no homem. Deduz-se daí que ele só pode proibir de algo Uno, inevitável e

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