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Boécio foi um filósofo romano dos sécs.

V e VI, cuja história ficou marcada


pelo triste episódio de sua condenação à morte pelo rei italiano Teodorico que,
outrora lhe tendo em grande estima a ponto de nomeá-lo espécie de ministro, o
submeteu à julgamento e consequente execução face a suspeitas de traição por
parte da aristocracia romana, da qual o pensador era parte. Conta a história que
as suspeitas quanto à Boécio começaram quando o estudioso advogou em
defesa de Albino, senador romano condenado à morte em razão de delações
que sugeriam que o mesmo mantinha correspondência secreta com Justino e
Bizâncio, tramando a queda de Teodorico. O rei, já velho, imaginou ser alvo de
uma conspiração da aristocracia romana, o que lhe levou a condenar ambos,
Albino e Boécio. O primeiro fora logo executado, enquanto o segundo fora ainda
submetido a um período de cárcere e torturas, onde conseguiu, ainda assim,
redigir sua obra, A Consolação da Filosofia.1

Na referida obra, o autor, que se faz personagem, relata que, acostumado


com as bonanças da fortuna, advindas de uma vida repleta de bens materiais
por sua origem aristocrata, ele, agora encarcerado, via-se em completo
desolamento, imaginando ter perdido tudo o que tinha. É neste instante, porém,
que o personagem é visitado por sua “musa consoladora”, a Filosofia, que busca,
sobretudo, demonstrar, ao mesmo, o quão ele não tem reais razões para estar
sofrendo e/ou sentindo-se triste.

Em tal missão, e observando que o autor/personagem sofria por uma


“sensação de exílio”, a filosofia conclui, inicialmente, que esta sensação só
estava presente em seu “coração” em razão de o mesmo não estar
reconhecendo os “verdadeiros bens”, dado que, se assim estivesse, não se
sentiria exilado dos mesmos.2 Para tanto, a musa inicia questionando Boécio se
ele ainda se recordava que era um homem, e sobre o que, afinal, significava,
para ele, ser homem, ao que o mesmo lhe responde apontando para sua
natureza animal, racional e mortal. A partir desta reposta, a Filosofia então

1BOÉCIO, A Consolação da Filosofia, Tradução de Willian Li, 2ª ed., 4ª tiragem, São Paulo:
Martins Fontes, 2016, p. 14 a 22.
2COELHO, Cleber Duarte. O homem, o bem e a felicidade na Consolação de Boécio. 1 ed.

Curitiba, PR: CRV, 2014, p. 25.


conclui que a razão de toda dor vivenciada pelo filósofo, advinha, senão, de seu
esquecimento da própria natureza.3 Explica-se.

O homem, segundo o raciocínio firmado no livro, foi criado à imagem e


semelhança de Deus, dotado, assim, de razão e de alma.4 Assim, conforme a
obra de Boécio, o homem, ainda que não perceba, possui em si uma face mortal
e outra imortal, sendo esta última a sua verdadeira. A faceta mundana, atenta
somente aos bens deste mundo, os “bens da fortuna”, está sempre a ela
submisso, o que, dada a inconstância desta, estará sempre fadada às suas
constantes modificações, jamais podendo, portanto, dizer-se plena e
duradouramente feliz.5 Eis, inclusive, o próprio autor a servir como exemplo do
quão temerário é pautar-se pela fortuna para instituir seu status psicológico entre
feliz ou triste. Assim, conclui a musa que, se de uma parte, o homem é dotado
de razão, capaz de acender ao que é duradouro e imutável, e de alma que,
diferentemente da corporeidade, é imortal, e se de outra parte, a fortuna não é
capaz de garantir a verdadeira felicidade, mas apenas, quando muito, alguns
bens ou prazeres transitórios, os “bens da fortuna”6, o homem, deve, senão,
recordar-se de sua natureza e assim valer-se daquilo que justamente o difere
dos demais seres, ou seja, a razão e a alma para ser feliz.

3COELHO, loc. Cit.


4Ibid., p. 27.
5Ibid. Passim.
6Ibid. p. 65.
REFERÊNCIAS

BOÉCIO, A Consolação da Filosofia, Tradução de Willian Li, 2ª ed., 4ª


tiragem, São Paulo: Martins Fontes, 2016;

COELHO, Cleber Duarte. O homem, o bem e a felicidade na Consolação de


Boécio. 1 ed. Curitiba, PR: CRV, 2014.

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