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All content following this page was uploaded by Gustavo Ferreira da Costa Lima on 11 August 2016.
INTRODUÇÃO
Nas décadas recentes muito se tem falado, praticado e escrito sobre a relação
entre a crise ambiental e a educação. Pergunta-se e problematiza-se, crescentemente,
que contribuição o processo educativo pode representar na busca de respostas aos
múltiplos e, cada vez mais, frequentes problemas socioambientais.
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Referência bibliográfica: LIMA, Gustavo Ferreira da Costa. “Crise ambiental, educação e cidadania: os
desafios da sustentabilidade emancipatória”. In: LAYRARGUES, P. P.; Castro, R. S; LOUREIRO, C. F. B.
(orgs.) Educação ambiental: repensando o espaço da cidadania, São Paulo: Cortez, 2002.
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É, entretanto, a partir das décadas de 60 e 70, deste século, que se tornaram mais
evidentes e generalizados os sinais de uma crise socioambiental de amplas proporções e
dotada de novas características.
Trata-se, em primeiro lugar, de uma crise global que incorpora e atinge, embora
diferenciadamente, todos os continentes, sociedades e ecossistemas planetários,
indiferente à fronteiras geográficas, políticas e sociais. Ressalte-se, entretanto, que a
emergência dos novos problemas ambientais globais, embora tenda à generalizar seus
efeitos mundialmente, atinge diferentemente as diversas nações e grupos sociais que,
devido aos seus diferenciados níveis de riqueza, educação e organização política
puderam desenvolver uma maior ou menor capacidade de defesa aos impactos
socioambientais e aos danos deles decorrentes. A constatação dessa realidade tem
levado alguns analistas à diferenciar uma poluição da miséria – subnutrição, ausência
de água potável e esgotos, falta de tratamento do lixo e falta de cuidados médicos e
consumo de álcool e drogas entre outros - contraposta a uma poluição da riqueza que se
caracteriza pela presença de usinas nucleares, chuva ácida, consumo suntuário e
doenças relativas ao excesso de alimentos, álcool, drogas e medicamentos (LEIS &
VIOLA,1991). Contudo devemos ter o cuidado de não alinhar mecanicamente esses
dois blocos de problemas em categorias maniqueístas do tipo norte e sul, desenvolvidos
e subdesenvolvidos já que a realidade mundial é algo mais complexa. Ou seja, embora
possamos falar em países com maioria rica e países com maioria pobre, como o faz
Buarque que, portanto, sofreriam mais os efeitos de uma poluição de riqueza ou de uma
poluição de pobreza, seríamos simplistas apenas dividindo o mundo entre países ricos e
pobres que vivem separadamente problemas de riqueza e de miséria. Na verdade,
testemunhamos um contexto internacional “socialmente mestiço” onde o norte,
predominantemente rico, abriga setores sócio-econômicos que vivem realidades
parecidas com a das populações pobres do sul e, inversamente, o sul, majoritariamente
pobre, contém segmentos sociais vivendo um estilo de vida assemelhado aos países
ricos do norte. Afinal, nada tão parecido com um rico do norte como um rico do sul
(BUARQUE, 1995; CASTELLS, 1999; GUIVANT, 2000). Buarque vai um pouco mais
além referindo-se à tendência a um apartheid transnacional onde a
“desigualdade não se dá mais por classes e países. Não se trata mais de opor “países ricos” contra
“países pobres”, ou proletariado contra burguesia. Os países e as classes estão tão divididos quanto o
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planeta .Trata-se de opor excluídos do progresso contra aqueles que são incluídos graças à exclusão” .
(BUARQUE, 1993: 70-71).
públicas de debate e decisão, onde peritos e leigos possam numa relação dialógica
negociar soluções que incorporem o interesse da maioria da população (BECK, 1992).
Giddens tem uma posição convergente nesse sentido quando afirma que:
“ A ciência e a tecnologia costumavam ser vistas como alheias à política, mas essa visão se tornou
obsoleta...A tomada de decisão nesses contextos não pode ser deixada aos “especialistas”, mas tem de
envolver políticos e cidadãos. Em suma, ciência e tecnologia não podem ficar alheias ao processo
democrático. Não se pode esperar que os especialistas saibam automaticamente o que é bom para nós,
tampouco podem eles sempre nos fornecer verdades inquestionáveis; eles deveriam ser convocados para
justificar suas conclusões e planos de ação diante do escrutínio público” ( GIDDENS, 1999: 68-69)
Fechando esse elenco de propriedades dos novos riscos, que atribuem especificidade
à presente crise socioambiental, figura a questão da dificuldade ou impossibilidade, em
certos casos, de imputar responsabilidades pelos impactos gerados, devido a grande
complexidade dos sistemas produtivos atuais que faz com que as causas singulares de
um acidente qualquer sejam dificilmente identificadas, isoladas e apontadas. Ou seja,
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“ “Modernização reflexiva” significa a possibilidade de uma (auto)destruição criativa para toda uma
era: aquela da sociedade industrial. O “sujeito” dessa destruição criativa não é a revolução, não é a
crise, mas a vitória da modernização ocidental” ( BECK, 1997:12)
Essa singular constatação de um projeto social que destrói e ameaça as suas próprias
bases de sustentação e sobrevivência revela-nos um processo que transcende os
contornos de mera crise ecológica, e aponta para uma crise civilizatória de mais amplas
dimensões. É nesse contexto de uma modernidade avançada, incerta e complexa,
contraditória e insustentável que sugerimos compreender a questão ambiental e a
inserção da educação nessa questão.
A partir de 1980, em âmbito internacional, e por volta dos anos 90, nacionalmente, a
chamada “educação ambiental”(EA)2 inicia o seu processo de maioridade, conquistando
reconhecimento público e difundindo-se numa multiplicidade de reflexões e ações
promovidas por organismos internacionais, organizações governamentais e não-
governamentais, comunidade científica, entidades empresariais e religiosas. Transita-se,
assim, de um cenário onde o campo da EA, ainda incipiente, carente de definições
teóricas e metodológicas, de posições e apoio político, de experiências e quadros
especializados para um novo cenário excessivamente farto de iniciativas, experiências,
associações, definições teóricas, concepções pedagógicas e político-ideológicas, ainda
que pobre de consensos sobre seu objeto, fundamentos e objetivos. Que avaliação é
possível ser feita sobre essa pluralidade de ações e representações? A primeira vista é
satisfatório constatar tamanha diversidade de posições e de iniciativas que, sem dúvida,
expressam sinais de vitalidade, democracia e liberdade. Necessário reconhecer que a
institucionalização da questão ambiental – que se manifestou culturalmente através de
uma expansão da consciência social sobre os problemas ambientais e politicamente pela
criação de agências governamentais voltadas ao meio ambiente, pela multiplicação de
organizações não-governamentais ambientalistas e pela influência das forças
ambientalistas sobre as políticas públicas e legislação ambiental – representou um
significativo avanço na promoção da causa ambiental.
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Daqui em diante usaremos a abreviação EA para designar o termo educação ambiental que por ser a
principal palavra chave do texto se repete em demasia.
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O cenário atual da EA, conforme vimos acima, caracteriza-se por uma ampla
diversidade de ações e leituras teóricas fundamentadas numa ampla variedade de
posturas políticas e visões de mundo.
Para começar do começo faz-se necessário lembrar que o processo educativo não é
um processo neutro e objetivo, destituído de valores, interesses e ideologias. Ao
contrário, a educação é uma construção social repleta de subjetividade, de escolhas
valorativas e de vontades políticas dotado de uma especial singularidade que reside em
sua capacidade reprodutiva dentro da sociedade. Significa, portanto, uma construção
social estratégica por estar diretamente envolvida na socialização e formação dos
indivíduos e de sua identidade social e cultural. A educação, nesse sentido, pode
assumir tanto um papel de conservação da ordem social, reproduzindo os valores,
ideologias e interesses dominantes socialmente, como um papel emancipatório
comprometido com a renovação cultural, política e ética da sociedade e com o pleno
desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos que a compõe. Abro aqui um
parêntesis para inserir, resumidamente, um debate clássico do campo pedagógico sobre
as possibilidades transformadoras da escola e da educação entre os teóricos da Escola
nova, os pensadores crítico-reprodutivistas e os representantes da pedagogia
progressista. A corrente da Escola nova surgida em fins do século 19, no contexto do
processo de industrialização do ocidente e de consolidação da sociedade democrático-
burguesa, se nutria de uma inspiração liberal preocupada em renovar a educação
tradicional e em adaptar o ensino às exigências de um mundo que se transformava.
Expressava uma concepção otimista que via a educação como um instrumento de
democratização, de progresso e mobilidade social. Caberia à escola promover a
igualdade de oportunidades e reparando as injustiças sociais. Para os teóricos crítico-
reprodutivistas, as esperanças em uma escola democrática e democratizadora não se
cumpriram. Entendem, ao contrário, que ao invés de favorecer a igualdade a escola
reproduz as desigualdades sociais, conserva a ordem estabelecida, discrimina, aliena e
reafirma os privilégios existentes. Para eles a escola não possui autonomia nem
neutralidade, ela é subordinada a um contexto social mais amplo, numa relação de total
dependência às forças e ideologias dominantes socialmente, funcionando, no dizer de
Althusser, como um “aparelho ideológico do estado”. Apesar da importância da crítica
dos reprodutivistas, e de sua procedência, na maioria dos casos, a radicalidade de suas
colocações gerou um impasse que se traduziu em desesperança e imobilismo. Isto
porque se a escola é apenas um aparelho de reprodução da ordem dominante, as
possibilidades de uma educação igualitária, livre e criativa ficariam postergadas para
um momento pós-revolucionário de superação das contradições de classe. A posição e
contribuição dos teóricos progressistas, defendida entre outros por educadores como
George Snyders, Paulo Freire, Giroux e Gadotti, articula uma síntese dessas leituras
conflitantes, acima citadas, argumentando que, embora a escola realmente funcione
como um sistema de reprodução da ordem dominante esse processo não é linear e isento
de contradições. Ao contrário, ele apresenta rupturas por onde é possível exercer
práticas críticas e trabalhar a resistência à reprodução e dominação ideológicas. Para os
defensores dessa posição, que nos parece a mais sensata e realista a educação e a escola
são um espaço possível e importante de luta contra-hegemônica, ainda que
limitado(ARANHA,1989; GADOTTI,1996).
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“ é possivel hoje, mais do que nunca, ocultar sob a fachada de um saber “técnico” uma decisão na
verdade política. Da mesma forma, o universo da locução técnica serve para reproduzir e legitimar o
status quo e repelir outras alternativas que porventura se coloquem contra ele” (BRUGGER,
1994:80)
respeito à sociedade, mas apenas à biologia ou à “ecologia stritu senso” esvazio sua
representação de suas dimensões políticas, sociais, culturais e éticas. É nesse sentido
que adquire importância o debate levantado pela sociologia ambiental sobre o
construtivismo social relativo à temática ambiental, ou seja, a investigação de como os
problemas ambientais são construídos socialmente e de como a construção ou
representação dos problemas ambientais condicionam fortemente a forma como os
indivíduos reagem a esses problemas. Assim se percebo os problemas ambientais como
problemas técnicos ou políticos, naturais ou sociais, públicos ou privados, individuais
ou coletivos tendo a assumir comportamentos e a orientar minhas ações de acordo com
essas percepções (HANNIGAN, 1995; DICKENS, 1996). Portanto, um entendimento
reducionista da crise ambiental não favorece a tomada de iniciativas em defesa da
qualidade de vida, a responsabilização dos verdadeiros agentes da degradação e a luta
por direitos ambientais enquanto direitos de cidadania. Por outro lado, politizar o debate
e a educação ambientais pode significar, justamente, um estímulo à compreensão dos
riscos presentes nas agressões ambientais, à identificação e responsabilização dos reais
agentes da degradação, ao reconhecimento do acesso a um ambiente limpo como uma
conquista cidadã e à participação organizada na resolução dos problemas comunitários.
A conjunção desses processos pode abrir caminhos profícuos para a construção de uma
sustentabilidade emancipatória apoiada na defesa da vida em largo sentido, da liberdade
e da justiça social.
“os economistas buscaram eliminar os juízos de valor nas explicações do processo econômico, o que
corresponde a assumir um novo juízo de valor: o de que a ciência econômica não deve ter juízo de
valor, nem, portanto, ética própria” (BUARQUE, 1990:22) ... A ética da liberdade de cada agente
econômico construiu-se através da abolição de toda ética na economia. O ponto de vista da
economia passa a ser exercido dentro de um arcabouço onde a ética é incorporada sob a forma de
ausência de ética” (idem,1990:24).
Naturalmente que a resposta a essa pergunta não é simples nem singular, mas
comporta múltiplos elementos interrelacionados.
““qualidade de vida” seja definida como a soma das condições econômicas, ambientais, científico-
culturais e políticas coletivamente construídas e postas à disposição dos indivíduos para que estes
possam realizar suas potencialidades: inclui a acessibilidade à produção e ao consumo, aos meios
para produzir cultura, ciência e arte, bem como pressupõe a existência de mecanismos de
comunicação, de informação, de participação e de influência nos destinos coletivos, através da
gestão territorial que assegure água e ar limpos, higidez ambiental, equipamentos coletivos urbanos,
alimentos saudáveis e a disponibilidade de espaços naturais amenos urbanos, bem como da
preservação de ecossistemas naturais” ( HERCULANO, 2000:237)
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Carvalho define o discurso ecológico oficial como aquele produzido pelos organismos governamentais
nacionais ou internacionais, que institucionalizam uma fala sobre o meio ambiente, apresentando-a como
consenso mundial sobre o assunto.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
“quanto mais tentamos colonizar o futuro, maior a probabilidade de ele nos causar
surpresas....a modernidade tornou-se experimental. Queiramos ou não, estamos todos presos
em uma grande experiência, que está ocorrendo no momento da nossa ação- como agentes
humanos-, mas fora do nosso controle, em um grau imponderável”(GIDDENS, 1997: 76)
“a crise, a verdadeira crise, é continuar tudo como está” (BENJAMIN APUD SANTOS,1995:
45)
Esse o motivo que nos leva a qualificar e defender uma sustentabilidade
e educação emancipatórias, que nos imunize das propostas neoconservadoras,
impostas pelo império do mercado e da mercadoria e pela instrumentalidade da
razão, e sirva como instrumento de resistência e invenção de novas formas de
vida mais justas, solidárias e sustentáveis.
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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GIDDENS, A.. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro
da social-democracia. Rio de Janeiro: Record, 1999.
GUIVANT, J.S.. The theory of world risk society: between diagnosis and
prophecy. Trabalho apresentado no Symposium “Sociological Reflections on
Sustainability”, Rio de Janeiro: IRSA, agosto, 2000.
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