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Notas de Pesquisa: Testamentos para o Estudo da Elite do Rio de Janeiro na Primeira Metade do

Século XVII
Bruna Milheiro Silva

Notas de Pesquisa:

Testamentos para o Estudo da Elite do Rio de Janeiro


na Primeira Metade do Século XVII

Bruna Milheiro Silva


Mestranda do programa de pós-graduação em História Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, bolsista Capes
bru.milheiro@gmail.com

Resumo: A apresentação proposta se insere na pesquisa que venho realizando,


no que se refere à formação da elite local na cidade do Rio de Janeiro no
final do século XVI e início do XVII. Para tal, busco analisar as características
do povoamento da região, através da distribuição de terras e da formação
de alianças políticas por parte desta elite. Desta forma, em conjunto com os
documentos de sesmarias distribuídas ao longo do período, utilizo os registros
paroquiais de óbito da Sé do Rio de Janeiro, freguesia urbana mais importante
da cidade à época, para o levantamento de dados. Através deste conjunto
documental é possível levantar informações importantes sobre esse grupo, entre
elas: O local de moradia, o parentesco, as alianças políticas e a posse de vários
bens móveis e imóveis, além da passagem geracional dos últimos, fatores que
irão caracterizar esta “nobreza da terra” enquanto tal.

Palavras-chave: Nobreza da terra. Rio de Janeiro. Bens.

Abstract: The  proposed presentation  is part of the  research that  I have


accomplished, in relation to the formation of the local elite in the city of Rio de
Janeiro in the late sixteenth and early seventeenth centuries. To this end, I seek to
analyze the characteristics of thesettlement of the region through the distribution of
land and the formation of political alliances on the part of this elite. Thus, together
with the documents of land grants distributed over the period, use the parish
records  of death  of the Sé  of Rio de Janeiro,  urban  parish  to the  city’s most
important time to survey data. Through this set of documents is possible to obtain
information  about this  important  group,  including:  The  place of residence,
kinship, political alliances and ownership of several goods and property, and the
passage of the last generation, situations that will characterize this “nobreza da
terra “as such.

Keywords: Noblity of the land. Rio de Janeiro. Property.

Caminhos da História, Vassouras, v. 7, Edição Especial, p. 31-40, 2011


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Introdução
O presente artigo procura discutir a construção da cidade do Rio de Janeiro ocorrida
nos anos finais do século XVI e nos primeiros anos do século XVII, lançadas as bases a
partir das iniciativas da Coroa portuguesa em meio a conflitos travados contra franceses e
indígenas. No entanto, a proposta deste estudo é a de pesquisar aqueles que efetivamente
construíram a cidade no seu cotidiano, porque a ocupação efetiva do território era algo
fundamental a manutenção do domínio sobre ele. Dentro de todo esse processo, pretendo
descortinar os grupos sociais que deram origem à cidade nos seus mais diversos âmbitos.
Dito isto e tendo em vista a necessidade de compreensão destas relações sociais, lanço mão
do conceito de fronteira étnica de Fredrick Barth1. Ele explica que é através do contato
entre indivíduos que se pode encarar a formação de grupos sociais distintos, partindo das
diferenças entre eles. Ou seja, cada indivíduo em particular se insere em um determinado
grupo a partir de características que possui em comum com outros componentes deste
grupo, mas isso só pode ser percebido quando ambos os grupos estão em contato, na
fronteira.
Partindo deste aporte, chamei de “capitães” da conquista àqueles que a custa de suas
vidas e de suas parentelas tornaram a empreitada de construção da cidade possível e que
procederam à concretização desta ocupação, através da organização da República2 na
cidade.
Dizendo de outra forma, dentro das concepções que esse grupo compartilhava, a atividade
conquistadora (a ocupação de terras e domínio de povos) lhes fornecia status e autoridade
para sobrepor-se ao restante da comunidade, ou seja, todos compartilhavam deste mesmo
princípio, inclusive outros grupos que faziam parte desta sociedade. Os demais habitantes
lhes davam essa legitimidade. Por esta razão, torna-se tão importante estudar esses
primeiros capitães e suas parentelas e ao mesmo tempo fazer um esforço de reflexão sobre
os princípios que davam sentido e coesão às ações desses principais e consequentemente
à ordenação desta sociedade.
Dito isto, enfatizo a estreita relação entre as guerras de conquista e a construção da
cidade, já que sua formação foi marcada por diversos embates, momentos em que não
se podia saber ao certo quem deteria em definitivo o domínio sobre a região. De todas as
formas, o esforço de povoamento cotidiano, a resistência às intempéries da natureza e a
todos os demais problemas oriundos da ocupação, inclusive os constantes conflitos com
populações autóctones, são provas da importância destes “capitães” para a consolidação
da presença portuguesa na região.
Por outro lado, a escolha de estudar a “nobreza da terra” está atrelada também a outros

1 BARTH, Fredrick. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: O guru,o iniciador . E outras variações antropológicas.
Tradução de John Cunha Comerford. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000.
2 O conceito de República pode ser entendido como: Bens e serviços que se relacionam ao bem comum da localidade
e que eram entregues a grupos privilegiados, lhes dando a possibilidade de apropriação de parte dos rendimentos
da produção social. Cf. FRAGOSO, João L. Ribeiro. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de
sua primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII). In: _________; GOUVEA, Fátima & BICALHO, Fernanda
(orgs.) O Antigo regimes nos trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro, ed.
Civilização brasileira, 2001. p.48.

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fatores. Em primeiro lugar, por ser a grande maioria das fontes escritas por grupos que
estavam numa posição de mando, que encabeçavam a administração da República de
alguma forma, impossibilitando com isso chegar às fontes que falassem da população em
geral. Até mesmo no que se refere a esta elite local, a maioria das fontes é de caráter oficial,
como registros camarários em geral e registros paroquiais. Não restando infelizmente
correspondências, apenas relatos dos cronistas, que são em sua maioria religiosos. Por
todas essas razões, este estudo tende a privilegiar o papel da elite no espaço de atuação
da cidade.
Procurei definir então quem poderia ser chamado de elite nestes primeiros anos e percebi
que as guerras de conquista tiveram um papel fundamental nesta definição. Uma análise
detalhada permite observar que, após a prestação de serviços, principalmente através
do combate contra índios e franceses, muitos destes que chamei de conquistadores irão
cair nas graças de sua Majestade e angariar postos de importância na administração da
República3. E não só isso: Irão, ao mesmo tempo conquistar um espaço de domínio na
cidade, angariando com isso outros atributos para o enobrecimento, como a aquisição
de bens de várias naturezas. Ou seja, além de ligarem-se ao mando na cidade, eles
serão caracterizados pelos bens que passam a possuir, diferenciando-se assim dos
demais habitantes. Isso pode dizer muito, até porque ambas as coisas não podem ser
dissociadas.
Partindo deste arcabouço teórico, cabe falar um pouco das fontes utilizadas na pesquisa4. O
principal conjunto documental utilizado para a elaboração do trabalho foram os registros
de sesmarias da cidade, nos anos finais do século XVI e nos primeiros anos do XVII. A
partir deles, pude levantar um grande número de informações sobre a composição social
da cidade. Porém, neste momento da pesquisa tenho lançado mão dos registros paroquiais
com a seguinte finalidade: Encontrar informações complementares sobre a vida destas
pessoas, principalmente no que se refere a suas relações sociais. Porque, a partir dos
registros de batismo, é possível saber quais famílias faziam alianças entre si, através de
casamentos e apadrinhamentos. Nestas circunstâncias, dou especial ênfase aqueles que
chamo de conquistadores principais, ou capitães da conquista e seus descendentes.
A ideia inicial de estudar a primeira geração não pode ser concretizada, em especial
devido à falta de informação sobre os mesmos. Mesmo ao realizar o cruzamento das
fontes, os nomes aparecem e desaparecem com rapidez, impedindo que se possa elaborar
uma história de vida desta geração. Por essa razão, optei por chamar de conquistadores
a todos que chegaram até o início do século XVII, até porque os conflitos armados se
estendem até mais ou menos este período.
A pesquisa tem uma preocupação com as estratégias em relação à passagem de bens,
especialmente a terra, ocupação de cargos na governança e a reiteração familiar. Esses
itens eram utilizados no Rio de Janeiro como forma de manutenção de status, fazendo
com que existissem determinados grupos predominantes, que tinham em suas mãos não

3 FRAGOSO, João. A nobreza da República: Notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro
(séculos XVI e XVII). In: Topoi. Rio de Janeiro, nº1, Jan./Dez. 2000.
4 Cf: ABREU, Maurício de Almeida. A formação da sociedade colonial fluminense. IN: ________ Geografia
histórica do Rio de Janeiro (1502-1700). Vol. 1, Rio de Janeiro, Andrea Jakobsson, 2010.

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só as melhores terras da cidade, como também o mando da República e os principais e


mais eficazes meios de barganha para com a Coroa portuguesa.
Com a análise dos registros de sesmarias doadas ainda no século XVI, pode-se chegar a
alguns dados importantes. Nos pedidos de terras, alguns destes requerentes dizem qual a
sua ocupação e descobre-se que já eram praticados vários ofícios mecânicos. Por exemplo,
o de sapateiro, alfaiate, vaqueiro entre outros, denotando a existência de diferentes grupos
que logo tão cedo já habitavam a cidade. Isso parece ir um pouco contra a historiografia
tradicional que enfatiza a construção dos engenhos como a primeira atividade econômica
praticada em território colonial. É claro que uma pesquisa para as demais regiões da
América deve ser feita antes de afirmar-se qualquer coisa, no entanto, no Rio de Janeiro
já existia uma vida citadina antes da construção de engenhos. Até porque, de acordo com
João Fragoso, eles só terão lugar no Rio de Janeiro a partir do século XVII.5
Desta forma, estudos sobre o século XVI ainda devem ser feitos para preencher determinadas
lacunas e possibilitar novas abordagens sobre os primeiros tempos da ocupação europeia
na América, especialmente a ocupação portuguesa.

Registros de óbito e a “nobreza da terra”


Passemos agora à análise dos registros de óbito, assunto principal deste artigo. Ao fazer
a utilização deste tipo de registro deve-se ter em mente algumas questões importantes.
Em primeiro lugar,0 deve-se ter em mente que os registros eram feitos por uma pessoa da
Igreja, em geral, o próprio padre, ou seja, havia uma intervenção entre o que as pessoas
alegavam e o que era realmente registrado no papel. Além disso, não se pode deixar
de observar que, a procura pelo registro também está relacionada a uma aceitação da
posição ideológica da Igreja. Desta forma, observa-se que quase 100% das pessoas que se
enquadravam no que chamei de “nobreza da terra” deixaram uma parcela significativa de
seus bens às ordens religiosas ou Igrejas, visando garantir seu post mortem.
Partindo destas considerações, vamos à análise da documentação. Como os registros
de óbito da Sé da cidade do Rio de Janeiro somente se iniciam no século XVII, mais
especificamente no ano de 1616. Desta forma, e possível encontrar os óbitos/testamentos
de alguns dos conquistadores aos quais me referi na primeira parte do texto. No entanto,
através da elaboração das genealogias dos mesmos, estendendo-as até a 3ª geração (netos),
foi possível para além disso, fazer uma análise de como se dava a transmissão geracional
de bens, isso levando-se em conta bens móveis e imóveis.
O testamento de Miguel Aires Maldonado traz algumas informações importantes:
“Em os 18 dias do mês de maio [1650] faleceu o capitão Miguel Aires
Maldonado e fez testamento. Nele destacou que seu corpo fosse enterrado na
Igreja de Nossa Senhora do Carmo e na sua Sepultura deixou que seu corpo
fosse amortalhado no hábito de Nossa Senhora do Carmo, acompanhados de
seus religiosos... Declarou por seus testamenteiros a sua mulher Barbara Pinta,

5 Fragoso, op. Cit. Passim.

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seu irmão Jorge Fernão e a João Fagundes Paris.... Declarou que depois de seus
legados cumpridos deixa sua terça a sua mulher Barbara Pinta, declara que
na dita terça em sua ilha ... e suas casas na rua direita em que mora. Declarou
que deixa a um menino que criou em sua casa duzentos mil reis de sua terça
o qual se ?. Um moleque chamado João de sua mesma com seu poder até ser
da idade para responder governar. Falecendo antes disso, ficava a dita quantia
para sua mulher. Falecida a sua mulher antes do menino chegar a idade ficava
o dinheiro nas mãos de seus herdeiros. Nomeou a de sua ? seu genro João de
Castilho Pinto e Aleixo Pinto. Declarou que de sua fazenda somente entregue
a sua mulher para que dela disponha...”6

Apesar de não ser possível ler o testamento na íntegra, devido ao desgaste do papel,
pode-se chegar a algumas informações importantes. A primeira delas é a de que os bens
são deixados para membros de sua família e especialmente para sua mulher, Barbara
Pinta. Além disso, Maldonado cita alguns herdeiros, apesar de não ser possível saber
quantos são e nem o que foi deixado para cada um deles. O fato é que, para sua mulher,
ele deixa sua terça, casas na rua direita e sua fazenda, que neste caso não se pode afirmar
se ele faz referência a um bem fundiário ou aos bens em geral. O fato é que, até elaborar
seu testamento, ele acumulou uma quantidade de bens variados, tendo a necessidade de
dividi-los entre seus entes familiares.
Vale destacar também que, esse casamento prova a aliança entre famílias desta “nobreza
da terra”, como já me referi anteriormente. Barbara Pinta é irmã de João de Castilho Pinto
e ambos são filhos de Manoel de Castilho Pinto, que chegou ao Rio nos anos finais do
século XVI.
Outro testamento que pode ilustrar o tema aqui tratado é o de Francisco de Mariz
Loureiro:

“Em os 6 dias do mês de junho [1650] faleceu Francisco de Mariz Loureiro


fez testamento. Que eles deixem que seu corpo seja enterrado na Igreja do
colégio de Jesus. Pede que se diga por sua alma 50 missas parte... Declarou que
dessem de esmola ao hospital da Misericórdia... Declarou que sua mulata por
nome Paula por morte de sua mulher fique forra para fazer de si o que quiser.
A seu filho Manuel e sua filha Francisca casas de ... recebidas... doze mil réis.
As terras que tem no campo grande deixa a sua neta Maria. Deixa por seus
testamenteiros a sua mulher Angela dos Banhos.”7

Neste testamento, percebe-se alguns detalhes em comum com o testamento acima


apresentado. Ambos fazem referência a uma preocupação dos testadores com o local onde
seu corpo deveria ser enterrado e em qual mortalha gostariam de ser “amortalhados”, duas
referências que não podem passar despercebidas. Isso porque o local de sepultamento,
assim como a mortalha escolhida por eles podem ser considerados símbolos de prestígio

6 Testamento de Miguel Aires Maldonado. In: Registros de óbitos da Sé da cidade do Rio de Janeiro (1639-1653),
folha 129.
7 Testamento de Francisco de Mariz Loureiro. In: Registros de óbitos da Sé da cidade do Rio de Janeiro (1639-
1653), folha 132.

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social. Até porque nem todas as pessoas faziam testamento e nem todos podiam pagar
pelo enterro em determinada Igreja ou ordem. Além disso, não se pode deixar de levar
em conta o pagamento pelas missas a serem rezadas para suas almas e em alguns casos
pela alma de outros que não podiam pagar por suas próprias missas. Também era comum
que se deixassem esmolas para algumas ordens, entre elas a Misericórdia, já que uma boa
parte desta elite local era de irmãs ou irmãos desta ordem. De resto se repete a questão
da passagem

E por fim o testamento de Dona Isabel de Almeida:

“Aos 2? Dias do mês de julho de mil setecentos e seis annos faleceu D.


Isabel de Almeida ... Fez testamento na forma seguinte. Pedia a seu irmão
?e Francisco Sampaio Homem testamenteiros. Mandou que seu corpo fosse
sepultado em Santo Antonio na sua capella do Bom Jesus, amortalhado nos
hábitos dos religiosos, levada na tumba da misericórdia de que era irmã por
seus pais e seu marido: Os acompanhamentos pelos religiosos do Carmo seu
reverendo com mais vinte clérigos, com ? cruzes de que se pagaria a esmola
costumada. Mandou que por sua alma se dissessem 500 missas, cem que
fossem de corpo, mas se entregaria metade a seu ? cem se diria em S. Antonio,
50 no Carmo e 50 em São Bento. Deixou mais 50 mil réis para os enfermeiros
da Misericordia ? como de Santo Antonio... um mulatinho por nome Francisco,
filho de sua escrava Brizida com q servia? sepultura e ? assim deixou um preto
por nome ... convento de S. Antonio. Deixou as filhas e Antonio de Sampaio,
a saber: Francisca, Anna e Maria cem mil reis. Deixou mais a Francisca de
Almeida já do defunto Manuel Vaz Coelho. Deixa Andresa de Almeida, irmã
do pe Bernardo de Almeida mil cruzados. Deixou a Maria de Marins, filha de
Miguel de Sampaio e Almeida e de sua mulher Barbara de Marins 70? mil
cruzados. Deixou cento e cinquenta mil reis ? afilhado? de Miguel de Sampaio
deixou mais a seu irmão Antonio de Zuzarte e Almeida mil cruzados. Deixou
mais a seu afilhado por nome ? de Almeida, filho de Francisco Vaz seis mil
reis. Deixou mais a sua (filha) por nome Isabel de Sampaio ? cruzados como
também deixava a sua ? forra que acompanhava por nome Leonor de Almeida
sua neta ? com sua filha por nome ?. Deixou a Francisco de Sampaio que criou
como filho e sempre lhe ? as casas de sobrado na quadra que corre de Santo
Antonio por patrimonio... Declarou que tinha comprado o ? do Bom Jesus e
nele fez benfeitorias e como queria que permanecesse sua ? de seu marido
Francisco de Sampaio. Deixou de sua fazenda depois de morta se entregassem
logo dez mil ? ao ? do convento de S. Antonio. Disse ao marido ? mil reis.
Deixou a seu irmão Francisco ? trabalho de ser seu testamenteiro. Declarou
que a fazenda que possuia por morte de seu marido Francisco de Sampaio era
a seu - de sua fazenda que seu marido vendera a Manuel de ? mil cruzados.
um prato de prata com ses jarros de agoas ... Declarou que não devia nada
a ninguém. deixou forro e liberto a seu escravo ?, deixou forro a Ignacio de
Sampaio, deixou forro a ? do gentio da Guiné, dando cinquenta mil reis a a
sua ? Maria forra . Deixou forra a suas ... Declarou que era nª filha do Capitão
Antonio Zuzarte e de sua mulher Beatriz da Siqueira que iam defuntos e que
fora casada com o capitão Francisco de Sampaio”8

8 Testamento de Dona Isabel de Almeida. In: Registros de óbitos da Sé da cidade do Rio de Janeiro (século XVIII),
folha 12. Disponível em: www.familysearch.com.

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O testamento de Dona Isabel de Almeida é um dos maiores que pude encontrar nas fontes,
são ao todo quase quatro páginas. Ela é aparentada com duas das principais famílias da
terra: Os Homem da Costa e com a família Sampaio. Em comparação com os outros
dois testamentos apresentados anteriormente, ela demonstra possuir maior riqueza. No
entanto, seu testamento é de 1706, sendo o único que encontrei para o século XVIII e que
fazia referência a algum membro da família Sampaio ainda na 3ª geração. Posso lançar
a hipótese de que, no adentrar do século seguinte, essas famílias oriundas da conquista e
do século XVII tenham acumulado mais bens e que por isso o testamento de Dona Isabel
seja o mais rico em informações e o mais rico na passagem do patrimônio.
Entretanto partindo desta ideia, a pergunta a se fazer é a seguinte: Qual será a o nível de
riqueza a que se pode atribuir o status de “nobreza da terra” no século XVII? E no século
XVIII? A análise foi feita a princípio por comparação com os testamentos das demais
pessoas do período. Para o século XVII, os testamentos de Miguel Aires Maldonado e
Francisco de Mariz Loureiro parecem sinalizar uma família com certo status social.
No entanto, é provável que no século XVIII, o nível de riqueza tendesse a variar, até
porque essa elite já teria tido mais tempo para acumular bens e fazer alianças neste sentido.
Para confirmar essa hipótese teria que levantar a genealogia desta família e das outras que
fazem parte da pesquisa até pelo menos a 5ª geração, para poder desta forma analisar os
bens destas famílias em comparação com os das demais famílias, e com o restante dos
testamentos.
Por hora, o que se pode afirmar com convicção é que ela segue o mesmo modelo dos
testamentos de Miguel Aires Maldonado e de Francisco de Mariz Loureiro: A mesma
rotina, começando o testamento pelo sepultamento, pelas missas a sua alma, pelos bens
deixados às Igrejas ou as ordens e finalmente os bens deixados aos aparentados.
O que se pode dizer com certeza é que os três testamentos mostram em comum a existência
de bens circulando entre as várias gerações destas famílias de principais. E esses bens
incluíam os tipos mais variados, inclusive bens em forma de escravaria, mais comuns
quanto mais próximo do século XVIII se está.

Conclusão
A partir dos levantamentos feitos, pode-se avaliar a importância de se utilizar os registros
de óbito/testamentos na análise da colocação social da “nobreza da terra” no Rio de
Janeiro. Primeiro, deve-se ter em conta outras fatores, que tentei destacar na primeira parte
do texto, dentre eles a delimitação deste grupo enquanto tal. Destaquei alguns aspectos
que poderiam caracterizá-los, reservando a segunda parte a análise dos documentos
selecionados.
Percebe-se que os testamentos trazem por trás de si um discurso, ou melhor dizendo, uma
espécie de ritual, que caracterizaria a maneira como este grupo deveria se comportar na
hora da morte. Esse grupo compartilhava de um código social, que pode ser de uma certa
forma, recontado a partir destas escolhas apresentadas nos testamentos.
Para além disso, ao buscar entender a relação entre a posse de bens e o prestígio social,
poderia afirmar com segurança que parece ser uma via de mão-dupla: Quem tem prestígio,

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consegue ter bens com mais facilidade, até porque os “capitães” são os mesmos homens
que governam a cidade, ocupando cargos régios, a Câmara e organizando a República. E
por consequência, possuir bens é um símbolo de prestígio social.

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Referências
ABREU, Maurício de Almeida. A formação da sociedade colonial fluminense. IN:
________ Geografia histórica do Rio de Janeiro (1502-1700). Vol. 1, Rio de Janeiro,
Andrea Jakobsson, 2010.
BARTH, Fredrick. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: O guru,o iniciador . E outras
variações antropológicas. Tradução de John Cunha Comerford. Rio de Janeiro: Contra
Capa Livraria, 2000.
FRAGOSO, João L. Ribeiro. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de
sua primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII). In: _________; GOUVEA, Fátima
& BICALHO, Fernanda (orgs.) O Antigo regimes nos trópicos. A dinâmica imperial
portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro, ed. Civilização brasileira, 2001.
__________________. A nobreza da República: Notas sobre a formação da primeira elite
senhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII). In: Topoi. Rio de Janeiro, nº1, Jan./
Dez. 2000.

Fontes
Arquivo Geral da cidade do Rio de Janeiro. Microfilme do século XVI/ rolo 2/ códice
3.4.27, 3.4.28, 2.4.29, 3.4.30. Microfilme do Século XVII/ rolo 3/códice 3.4.31.
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Registros de óbitos de Santíssimo
Sacramento da Antiga Sé (1639- 1700). Disponível em: www.familysearch.org;

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