Você está na página 1de 9

O Papel do Adulto

Capítulo 52 do livro Creative Development in the Child – Tradução para Estudo por Gabriel Salomão

A preparação do espírito da professora é uma parte vital de nosso método, muito


mais importante do que a explicação sobre o nosso material. Nas nossas escolas, a
professora deve ter uma atitude diferente daquela da professora da escola convencional.
Na escola convencional, a professora ensina, e os alunos se sentam juntos, em silêncio,
e escutam. A professora só dá tarefas que sejam comuns a todos. Então os alunos estão
passivos enquanto a professora está ativa, ou então estão ativos de acordo com a vontade
da professora. A professora na escola convencional é, ela mesma, uma autoridade, a
autoridade imediata na hierarquia de autoridades que pesam sobre a criança. Essa
autoridade tem um certo poder. A professora sente que é alguém, porque uma vez que
a porta da escola é fechada e ela está sozinha com os alunos da escola, eles devem
obedecê-la.
Algumas vezes, quando a professora não tem em si mesma a autoridade
necessária, há meios para ajudá-la. É permitido que ela puna as crianças. Com
frequência, as punições são dadas de acordo com um senso de justiça - para um erro
específico, a criança recebe uma punição específica. Essas são inumeráveis. As punições
não têm limites, então a professora pode até mesmo punir a classe inteira. Algumas
vezes, prêmios são dados às crianças. Entretanto, os prêmios são dados somente uma
ou duas vezes por ano. Eles constituem algo como uma visão distante, enquanto as
punições são a ração diária. Disso surgem o que nós poderíamos chamar de sentimentos
ruins – a competição, a vaidade daqueles que ganham os prêmios, subterfúgios e falar
mentiras para escapar de punições, e uma falta de disposição para ajudar uns aos outros.
Essa visão das coisas sugeria a um escritor inglês - e talvez isso seja um exagero - que a
vida escolar é um inferno.
Se nós quisermos nos tornar professores de sucesso nesse novo método,
precisaremos reconsiderar a nossa tarefa e a nossa personalidade como professoras.
Precisamos tomar para nós a missão de melhorar a condição da educação. A tarefa
principal não é aprender o método, mas abrir um novo e melhor caminho de vida para as
crianças. Portanto, é necessário à professora ter uma preparação interior.
O poeta inglês que ofereceu a definição da escola convencional era cristão. Ele
tinha, portanto, a ideia cristã de uma vida após a morte. O inferno é um ponto de chegada
do qual ninguém pode escapar. Existe um outro lugar, um plano temporário, chamado
purgatório. Esse purgatório é um lugar de dor em consolação. Um lugar em que se pode
tornar-se mais perfeito, e alcançar a elevação para um nível superior, por esforço
contínuo e autopurificação. Entre aqueles que se purificam, está um espírito superior cuja
única tarefa é apontar um dedo para o céu, a perfeição mais alta, aonde ainda se deve
chegar. É por isso que o poeta chamou nossas escolas de purgatório, e não de céu. O
mais alto espírito no purgatório é a professora que aponta o caminho.
A professora é, assim, a consolação e o guia da criança que está tentando se
elevar. Para cumprir a tarefa dada a ela, a professora se descobre em um lugar mais
elevado, um lugar bastante difícil de estar. É sábio que a professora que deseja embarcar
nesta nova tarefa, de conduzir a criança a uma vida superior, perceba as dificuldades que
ela deverá encontrar. Algumas vezes, a professora em nossas escolas tem sucesso muito
rápido e muito fácil. Muito frequentemente, ela tem sucesso na prática somente após uma
longa experiência. Isso depende da natureza de seu espírito. Ela pode precisar de um
longo período de formação para mudar seu espírito e dar a ele uma outra forma. Isso vem
com a prática, contato com as crianças e experiência. Afinal, a professora precisa
conhecer as coisas por si mesma.
A professora deve ter diante de sua mente um retrato daquilo que está
acontecendo no ambiente. Ela precisa saber que ela não deve fazer tudo, que a
caminhada da criança na direção da perfeição não depende de sua ação direta, mas da
interação da criança com o ambiente. Neste ambiente existem certos conjuntos de
materiais que são usados para certos exercícios. A professora deve pensar: “Minha tarefa
é colocar a criança em uma relação muito próxima com esses objetos. Quando eu tiver
feito isso, entrego a criança aos cuidados desses objetos, que servirão como uma
academia mental e espiritual, por cujo uso a criança caminhará na direção da perfeição”.
A professora, embora seja um mestre do ambiente, é como um rei cujo ideal mais
alto é abdicar do trono. Sua glória está em poder dizer: “as crianças não precisam de
mim”. A professora é uma energia que guia e direciona, ela tem uma missão muito clara
- ser a salvadora de almas. Em uma escola convencional, frequentemente um inspetor
questiona as crianças, que respondem as questões correta e rapidamente. Normalmente,
no final do interrogatório, o inspetor (provavelmente sem nem olhar para as crianças)
vira-se para a professora e diz: “Parabéns. Você fez um bom trabalho.”. Esse elogio
agrada as professoras nas escolas convencionais. No entanto, geralmente é recusado
pelas professoras em nossas escolas. Quando visitantes vêm e veem o bom trabalho das
crianças, eles dizem: “Puxa, como são capazes essas pequenas crianças!”. Nossas
professoras precisam ser humildes. Sua mais alta ambição deve ser poder dizer: “Veja,
elas fazem tudo sozinhas, e eu não faço nada”.
A professora deve alcançar este objetivo, sem prêmios nem castigos, despertando
o interesse da criança. É o interesse que impele o espírito adiante, não punições ou
prêmios. É uma mudança total de método. Até alguns anos atrás, carruagens puxadas
por cavalos ou bois eram usadas como meios de transporte. Quanto mais forte os animais
puxavam, mais rápido iam as carruagens. Não era possível, naquela época, conceber
carruagens sem animais para puxá-las. Ainda que a carruagem tivesse rodas, não podia
se mover sozinha. Mais tarde, compreendemos que se houver um motor dentro da
carruagem, não são necessários cavalos ou bois. Pode ser difícil colocar esse motor
dentro da carruagem, pode custar bastante, mas quando os tempos mudaram, isso se
tornou possível. Da mesma maneira, os tempos trouxeram uma mudança na forma da
criança avançar nos caminhos da cultura e do desenvolvimento intelectual. Afinal, o
automóvel pode correr muito mais rápido do que é uma carruagem puxada por dez
cavalos. É preciso que haja um progresso rápido assim no campo intelectual também. A
professora deve então chegar ao ponto em que ela diga: “Eu não puxo mais este carro
mental”. Ela precisa renunciar a ser o meio pelo qual o intelecto da criança se move.
Assim, a criança pode alcançar um nível muito mais alto de progresso, para o qual a
professora deve cooperar. Para que a carruagem vá sem os cavalos, não podemos tirar
os cavalos e deixar a carruagem por si só. A carruagem não vai assim. A professora não
pode esquecer disso. Antes de soltar os cavalos, o motor deve ser colocado dentro da
carruagem. Antes de renunciar à sua posição de realeza, a professora deve acender o
interesse da criança. Assim, os interesses da classe estão sempre vivos na professora,
que sente uma responsabilidade muito profunda por cada criança.
Certa vez encontrei uma pessoa que alguns diziam que era capaz de ler
pensamentos. Me pediram que pensasse alguma coisa para ele fazer e o seguir
lentamente para ver se ele faria. Eu não acreditei. Eu segui o homem, mas o que ele fez
foi completamente diferente daquilo que eu pensei. De repente, eu pensei para mim
mesma que iria realmente desejar que ele fizesse aquilo que eu queria. Quando eu
realmente desejei, meu ceticismo se foi. O homem foi direto como uma flecha para o
lugar onde eu desejei que ele fosse! As crianças são muito sensíveis ao espírito da
professora. A professora pode ser uma pessoa muito boa que nunca dá bronca nas
crianças. No entanto, se um dia ela estiver nervosa, nós veremos a sala inteira ficar
nervosa! Isso não quer dizer que a professora deve ser uma força motriz, hipnotizando
as crianças com sua vontade. Em vez disso, as crianças devem sentir uma força
direcionadora em seu meio. Essa é a primeira coroa, digamos, do imperador, a vontade
da professora de guiar a criança a este objetivo, com a convicção de que para a criança
isso será maravilhoso. A determinação da professora deve ser: “Eu nunca abandonarei
esta criança, nem por um minuto. Eu só a deixarei quando ela tiver adentrado o caminho
que possa seguir por conta própria”.
Até agora, examinamos a professora como uma força diretriz. Para manter a
criança dentro de certos limites, ela deve oferecer o material para a criança seguindo
uma certa técnica. Então a professora deve ter uma comunicação direta com esse
material, e usá-lo com a exatidão necessária. Ela deve praticar repetidamente, para
descobrir dentro de si a diferença entre usar o material de forma incorreta, e usá-lo com
exatidão. Repetir esses exercícios é um sacrifício, porque a professora não tem nenhum
interesse em repetí-los com exatidão, tantas vezes quanto a criança faz. Talvez a
professora não tenha paciência suficiente para repetir um exercício 30 vezes! No entanto,
se a professora fizer o sacrifício pelo experimento psicológico, ela pode medir a força da
criança. Uma vez que ela concentre sua atenção no material, pelos pensamentos que
surgem em sua própria consciência, ela poderá perceber em algum grau que tipo de
desenvolvimento ocorre na personalidade da criança pelo uso do material.
Muitos desses exercícios são testes mentais. Os blocos de cilindros e a torre rosa
são usados em alguns testes em escolas de orientação profissional e direcionamento
vocacional. No entanto, os instrumentos que nós oferecemos para crianças são mais
perfeitos, mais científicos, do que aqueles usados nestas escolas. Por exemplo, em
cidades como Londres e Paris, onde o tráfego é enorme, nenhuma licença para direção
é dada aos motoristas de ônibus e táxis, a não ser que eles tenham passado por exames
dessas instituições. O objetivo de usar esses exercícios em instituições profissionais é
testar a construção da mão da pessoa e a sua coordenação do movimento.
Assim a professora deve fazer esse sacrifício e fazer os exercícios como testes
auto aplicados, repetindo-os com paciência, como a criança faz. No entanto, seu objetivo
não pode ser ver quão boa ela é no exercício, mas ver quão longe ela consegue chegar.
Ela deve tentar penetrar no espírito da criança e tentar sentir o que a criança sentiria. A
professora deve fazer esses exercícios como se ela estivesse subindo uma Escada e
tentar imaginar a cada degrau o que a criança experiencia a cada estágio do exercício.
Ela não pode ser um rei sem ter paciência.
Além da preparação do ambiente e do material, e a sucessiva apresentação do
material, a preparação interior, espiritual, da professora é essencial. Essa preparação não
é algo vago nem abstrato, mas é a forma como a professora se sente quando aborda a
criança. Essa preparação é longa de descrever, e ainda mais longa de alcançar, porque
para alcançá-la, é preciso que a professora se exercite. Por exemplo, a professora deve
ser capaz de distinguir entre as atividades da criança que são formadoras e atividades
motoras desordenadas. Ela deve ser capaz de distinguir a criança que está inerte porque
está desencorajada e a criança que só está observando o que os outros estão fazendo,
que pode estar inerte por fora, mas internamente está ativa por sua observação.
Muitas vezes, no começo, a pobre professora, embora esteja cheia de boas
intenções e boa vontade, não entende nada. Às vezes, esta professora vai permitir ações
desordenadas livremente, a partir das quais uma revolução pode começar na sala. Essa
professora sente a humilhação de seu fracasso. Ela pode até, talvez, se sentir humilhada,
quando, um dia, vê uma criança que não fez nada por muitos e muitos dias, que foi
deixada em paz, de repente levantar e começar a fazer coisas! A professora não ensinou
a criança, e então isso chega como uma surpresa para ela. Isso acontece por sua falta
de compreensão daquilo que está acontecendo na alma da criança. Como a professora
representa o rei, esses eventos em seu pequeno reino a chateiam porque ela não sabe a
razão deles ocorrerem. A pobre professora se sente inadequada; ela sente que não sabe
ensinar neste método. O impulso natural da professora é correr para ajudar a criança. No
entanto, por recomendações muito fortes, e a declaração de uma verdade muito clara, é
dito a ela para fazer a coisa mais difícil - abster-se de dar a ajuda errada. Se ela interferir
de forma inútil, ela apaga uma luz. Então, assumindo a tarefa de professora, ela se
encontra num amálgama de dificuldades e responsabilidades. Em escolas convencionais
é muito mais fácil, porque a professora pode dizer às crianças o que fazer, e usar sua
energia para fazer com que as crianças sigam suas instruções. Todas as portas estão
fechadas. Se, ao final do ano, ela cometeu um erro, o inspetor que vem, olha e faz vista
grossa. No nosso método, no entanto, há uma responsabilidade, que a consciência de
uma professora desperta sente. A professora deve ter vontade de aprender, e de se
sacrificar, para que possa ter sucesso. Ela deve sentir: “Ah, eu rezo para que possa me
abster de interferir de maneira inútil. Rezo para que não apague a chama na alma da
criança. Estou pronta, se necessário, a me amarrar na cadeira, para me impedir de
interferir inutilmente”.
Para uma professora que vem da escola convencional, a primeira coisa que nós
dizemos é: “A maneira como você trata as crianças está absolutamente errada”. Isso
retira qualquer confiança que ela tenha nela mesma. Se a professora tiver vontade de
aprender, e for mostrado a ela que ela realmente não sabe nada sobre crianças, ela não
pode ser ativa ou passiva, e ela desesperadamente pergunta: “Você não pode nos dar
uma técnica que nos ajude a respeitar e educar a personalidade com um senso de
responsabilidade?”. Se a professora tiver boas atenções, e não tiver consciência de que
está errando, é necessário oferecer encorajamento a ela.
Uma vez, para oferecer a algumas professoras esta preparação, decidimos que
alguns de nós iam fingir ser crianças, e aqueles que continuassem adultos iriam tratar os
que eram crianças como os adultos normalmente tratam as crianças.
Na vida normal, na casa, quando a criança faz alguma coisa, nós dizemos: “Pare
de fazer isso, não seja boba!”. Algumas vezes perguntamos: “Quantas mentiras você
disse desde ontem?”. Quando gostamos muito de uma criança, mesmo que sejamos
estranhos para ela, nós dizemos: “Ah, que menino bom ele é!”. Nós até mostramos a
nossa afeição colocando um dedo em sua cabeça e fazendo carinho em seu cabelo.
Vamos imaginar que um marido e uma esposa estão na rua caminhando. O marido
encontra um amigo que não conhece sua esposa. O amigo pergunta: “Essa é sua
esposa?”. O marido responde: “Ah, minha esposa! É uma pessoa tão cheia de caprichos!
O tempo todo ela faz todo tipo de escândalos. Tão mal-criada. Ela come muito e reclama
que a barriga está doendo, e eu tenho que dar remédio para ela!”. Nós consideraríamos
as palavras do marido inapropriadas, e, no entanto, falamos assim das crianças, até
mesmo das nossas crianças! Quando alguém socialmente superior vem à nossa casa,
algumas vezes apresentamos as crianças e dizemos: “Veja, esse menino tem um peito
muito estreito. É predisposto a ter tuberculose. Os olhos dele não são bons, está com as
amígdalas inchadas, vai ter que arrancar. Não é muito inteligente, na verdade, é um pouco
estúpido!”. É assim que apresentamos a criança a um total estranho.
Se levarmos adiante esse fingimento por uma semana, vai ser uma semana bem
difícil, tanto para o adulto tratado como criança, quanto para o adulto que continua adulto.
Precisamos perceber, no entanto, que, se no fingimento esse tratamento errado é difícil
de aceitar, dura só uma semana. Para a criança, não é só uma semana, um mês, ou um
ano, ela é tratada desta maneira por toda a sua vida como criança.
Podemos também nos impor o desafio, que podemos chamar de dia de penitência,
representando o dia da criança na escola. Nos organizamos para que alguém venha até
a escola pela manhã, e que, numa língua completamente incompreensível para nós, fale
por cerca de três horas. Durante essas três horas, nós não podemos nos mexer, devemos
prestar toda atenção que pudermos ao que a pessoa diz. Nossos dedos e braços não
podem se mover. Nós devemos simplesmente sentar quietos e ouvir. Se, por um
momento, nossos olhos ficarem anuviados e revelarem que nossa mente está em algum
outro lugar, a pessoa falando pergunta: “O que foi que eu disse? Repita o que eu disse!”.
Se nós não conseguirmos repetir, enfrentamos consequências duras. Depois das
refeições, embora estejamos cansados, voltamos, e o mesmo tratamento continua por
mais de três horas. É difícil para nós suportarmos esse tipo de tratamento por um dia.
Pense na criança que passa por isso a cada dia de sua vida; não só enquanto é criança,
não só como menino, mas como um jovem também.
Esse fingimento é uma técnica de preparação espiritual para a professora, uma
preparação na qual ela é um material. Conforme age como criança, a professora se sente
mais ou menos humilhada, porque ela não sabe como lidar com as coisas. Durante esta
preparação difícil, ela também percebe, pela experiência, os danos causados à criança
pelo tratamento errado.
A professora deve ter fé - de que a criança vai se tornar calma, de que a criança é
boa, e não má, de que a criança um dia fará coisas maravilhosas. Se a professora não
tiver fé, ela deve fazer um esforço de repetir a si mesma: “Sim, aqui está a verdade. Eu
Acredito nisso!”. Então, chegará o abençoado dia - a criança abandonará esses desvios,
deixará seus defeitos, suas ações desordenadas e sua apatia, e revelará seu amor por
seu trabalho. Talvez nem todas as crianças sejam transformadas. Talvez, seja só uma,
como uma luz para guiar a professora e dar fé a ela. Seus olhos penetraram a alma da
criança e serão consolados. Aí começa uma nova vida. A professora, quando se percebe
tentando ajudar a criança, volta para trás pensando: “Não devo interferir. Não devo dar a
uma ajuda inútil a criança! Cheguei a este ponto depois de tanto sofrimento. Devo ser
como alguém que não existe.” Se a criança precisa de alguma coisa, a professora lembra:
“Sim, este é o momento de oferecer este item de conhecimento. Devo oferecê-lo com
exatidão”. Ela também se lembra em que idade os exercícios paralelos devem ser
oferecidos à criança. Se ela não se lembrar, buscará em seu livro de materiais, com
ansiedade e preocupação, para lembrar aquilo que esqueceu.
Conforme a professora segue o seu caminho tempestuoso, ela verá que a criança
desenvolve seu trabalho, repetindo as mesmas coisas de novo e de novo com a mesma
exatidão, na mesma velocidade, até que ela se sinta como quem diz: “eu gostaria que ele
seguisse e fizesse outra coisa!”. No entanto, gradualmente, a professora percebe algo
novo, uma cintilante esperança, e sente: “Devo ter a paciência da qual a criança é capaz.
Eu devo esperar!”.
A professora começa a ver que as crianças fazem coisas que lhe causam surpresa,
que estão muito além daquilo que ela imagina, talvez de uma maneira diferente daquela
que ela espera. Esta é uma experiência válida, uma experiência conduzida pela
consciência da própria professora. O progresso da criança não se deve ao mérito da
professora, mas ao resultado do desenvolvimento interior da criança. A professora pode
ter ouvido essa verdade e até a aprendido de cor. Mas é diferente ouvir isso dito sobre
um fenômeno e ver isso acontecer diante de seus olhos. É talvez como ouvir algo sobre
o mar azul - um lençol de água que se move continuamente, e que dá muito prazer
quando nele mergulhamos ao nascer do sol! Nós podemos ter ouvido falar dele e visto
retratos dele, e escutado o que nossos amigos sentiram quando se banharam nele. Ainda
assim, é diferente quando o vemos pela primeira vez e entramos em suas águas.
Sentimos algo que não podemos descrever, algo que não aprendemos por descrições. É
nossa própria experiência, nossa própria alegria. Quando a professora vê a criança de
repente abandonar suas ações desordenadas, perceber sua própria inteligência, e se
tornar um pequeno e sério ser humano, ela sente uma grande emoção, que ninguém que
não tenha tido essa experiência pode sentir. Muitos toques delicados, que ela nem
suspeitava que existiam, brotam da alma da criança e são revelados por suas ações.
De repente, a professora que morria de medo de ir para a escola pela manhã,
agora corre para chegar mais rápido, para estar lá quando as crianças chegarem, para
ver que novos fenômenos terão lugar aquele dia. Talvez agora as crianças também se
apressem para ir à escola, para chegar cedo e começar a trabalhar, ou para esperar pela
professora. Assim, há um novo amor, uma nova sensação no trabalho, um espírito
amoroso, conforme o interesse da professora e das crianças é elevado. Com frequência,
quando fecham a escola, as professoras continuam lá por horas juntas, sem pagamento,
somente sendo reprimidas pelo governo1, só para pensar no que preparar pelo dia
seguinte, para encontrar novas ligações, nova comida para a alma da criança. Não
sabemos se a professora faz isso para a nova criança que ela vê se revelar diante de seus
olhos, ou se faz isso para si mesma. Para a professora, essa experiência é refrescante
como uma caminhada por um lugar agradável, ou como o ar fresco no topo de uma
Montanha, ou a solidam pacífica da Floresta. De fato, ela sentia elevação de sua alma, se
sente mais perto de Deus. A professora descobriu um lugar Divino, que antes era coberto
por um lençol de escuridão e erro.
Para descobrir a alma da criança é necessário a professora primeiro curar a
criança de seus desvios. Ela deve então conduzir a criança em um caminho de
desenvolvimento com uma ajuda positiva oferecendo a criança o aparato necessário.
Ainda mais interessante é o que acontece é essa professora. A professora, tão cheia de
importância pessoal, tão ignorante, violenta, rude, que por ignorância apaga as Chamas
da Vida na criança, acreditando que oferecia a ela conhecimento, de repente adquire
uma alma bondosa e desapegada do eu. Ela até mesmo executa exercícios em busca de
sua fé. Está pronta para fazer sacrifícios para acreditar na criança. Se torna humilde no
espírito. Fazendo os exercícios com paciência, ela se torna uma criatura da selva, das
florestas, uma parte da alma que deve trazer à tona uma nova forma de vida.
Assim, a nova vida não é limitada somente à criança. A professora também deverá
possuir uma vida nova. Então, a grande descoberta é que a professora também é capaz
de passar por uma transformação com a ajuda da criança. Essas mudanças nas almas da
professora frequentemente levaram a grandes mudanças em sua vida. Muitas
professoras abandonaram coisas que pareciam importantes para elas. Muitas choraram
e disseram: “É impossível para nós voltarmos aos métodos antigos. Nós não

1
No manuscrito original, Maria Montessori menciona como o governo italiano insistia que as
horas de trabalho estipuladas fossem respeitadas, e que a escola fosse fechada na hora certa.
De fato, mesmo hoje, existem relatos similares de certos países que, para protegerem os
direitos tanto das crianças quanto dos professores, pedem que as escolas Montessori diminuam
suas horas de trabalho.
conseguiríamos mais ensinar da forma antiga. Não podemos nem pensar na criança da
forma antiga, nunca mais!”.
Isso é realmente a cooperação entre a alma da criança e a alma da professora. Às
duas almas agora estão livres, as duas atingiram o mesmo pico. A criança é grata à
professora. A professora olha para si mesma e reconhece o novo ser que se tornou, e se
pergunta: “A quem eu devo isso? Eu não devo ser grata à criança? Afinal, qual de nós é
a professora?”. Então, a palavra professora, se eleva ainda mais, para se tornar uma
unidade, que é mestre e professor de todos nós.

Você também pode gostar