Você está na página 1de 450
Charles Melman A neurose obsessiva no diva de Lacan UM ESTUDO PSICANALITICO in tamente por Lacan, Charles Mel man foi um de seus alunos e co: ORR Oem cost ity RMON ent earns desdobramentos institucionais de seu ensino e sido por ele escolhido diretor de ensino de sua institui- Pee en eerste enter tated PREM W a] ram Yo Tea Ey morte de Lacan, fundou uma das mais importantes instituigdes da Peter mre tess COT nr tato ir) ar Wea eects ats Peta nce trv mettre ciation Lacanienne International). No Meer Unrate Weare CetCer Onc ae Co SOMME C TEN Continent TOM rotate COMMU ALCO CO cc TTC co MACOS tLe cados em varios paises, dos quais alguns se tornaram classicos da li- Pore ote ie sen ee at SECO RUMORS CULL A neurose obsessiva no diva de Lacan retoma dois anos de seu se- PTT CU CeCe EOC Henri Rousselle - Sainte-Anne, de Paris, Debrugando-se sobre 0 fa- moso caso do “Homem dos ratos’, CHARLES MELMAN A Neurose Obsessiva no Diva de Lacan Um Estupo PsIcaNaLiTICco SEMINARIO 1987-1988 e 1988-1989 Hospital Henri Rousselle Centro Hospitalar Sainte-Anne Paris ‘Titulo Origina La névrose obsessionnelle: seminaire 1987-1988 et 1988-1989 Copyright © Association freudienne internationale — Paris, 1999 Capaz Jilio Morciva Editora Tempo Freudiano Diretor: Antonio Carlos Rocha Editor: Ana Cristina Manfroni Editor Executive: Fernando Tenério ‘Tradugio: Juliana Castro Arantes, Lufza Ribeiro, Marcia Pietroluongo, Paula Glenadel e Sylvia Morard Revisio da Tradugao: Sérgio Rezende Revisio Técnica: Fernando Tenério CIP-BRASIL. CATALOGAGAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS. RJ M484n ‘Melman, Charles, 1931- ‘A neurose obsessiva no diva de Lacan: um estudo psicanalttico, semindrio 1987-1988 ¢ 1988-1989 / Charles Melman; {tradugio Juliana Castro Arantes ... etal = Rio de Janciro: Imago: Tempo Freudiano, 2011. 472ps 23 em ‘Tradugio de: La névrose obsessionnelle: séminaire 1987-1988 et 1988-1989 ISBN 978-85-312-1082-2 1. Transtorno obsessivo-compulsivo ~ Congressos. I. Titulo, 11-3070. CDD: 616.85227 CDU: 616.8917 Reservados todos os direitos. Nenhuma parte desta obra poderd ser reproduzida por forocépia, fotomecinico ou elettdnico sem permissio expressa da Editora, Os direitos morais do autor foram assegurados, 2011 IMAGO EDITORA Rua da Quitanda, 52/82 andar — Centro 2001 1-030 — Rio de Janeiro — RJ Tel: (21) 2242-0627 — Fax: (21) 2224-8359 E-mail: imago@imagoeditora.com.br wwwimagoedivora.com.br crofilme, processo Impresso no Brasil Printed in Brazil Sumario Aviso ao leitor. Nota sobre a tradugio das citagées de Freud ¢ Lacan... A neurose obsessiva — Primeira parte — 1987-1988 Liggo I — 8 de outubro de 1987... Ligéo II — 15 de outubro de 1987 Liggo III — 12 de novembro de 1987 Lido IV — 19 de novembro de 1987... Ligdo V - 10 de dezembro de 1987 Ligio VI - 17 de dezembro de 1987, Ligéo VII - 14 de janeiro de 1988 Ligo VIII - 21 de janeiro de 1988. Ligdo IX — 18 de fevereiro de 1988. Ligdo X - 10 de margo de 1988 Ligdo XI — 17 de marco de 1988 Ligao XII - 14 de abril de 1988. Ligdo XIII = 21 de abril de 1988 Ligao XIV — 18 de maio de 1988. Ligo XV — 9 de junho de 1988 .. Ligio XVI = 16 de junho de 198 A neurose obsessiva — Segunda parte -1988-1989 Ligio 1 - 13 de outubro de 1988 2233 Ligio IT — 20 de outubro de 1988... -- 247 Liao II = 10 de novembro de 1988..... Ligéo IV - 17 de novembro de 1988 Ligiio V - 8 de dezembro de 1988. Ligio VI - 15 de dezembro de 1988. Ligio VII - 12 de janeiro de 1989. Ligdo VIII = 19 de janeiro de 1989 Ligo IX - 9 de feverciro de 198 Ligdo X = 16 de fevereiro de 1989. Lido XI — 9 de margo de 1989. Ligo XII — 16 de marco de 1989 Ligdo XIII — 20 de abril de 1989 Lig&o XIV — 11 de maio de 1989. Ligéo XV - 18 de maio de 1989 Ligao XVI —8 de junho de 1989 Anexo A neurose obsessiva — VII Congresso da EFP — Roma, 1974 Aviso ao leitor Como responsivel pelas publicagées da Association frenlienne internationale, fago questo de prestar aqui uma homenagem & nossa colega Denise Sainte Fare Garnot pelo considerivel trabalho que efetuou, estabelecendo o texto deste semi- natio de Charles Melman em algumas semanas, sem que a qualidade do resultado tenha sido afetada por isso, De fato, como foi o caso para Lacan, Charles Melman no tem mais tempo dispontvel para escrever as ligées que regularmente profere duas vezes a0 més, desde 1982. E com seu acordo ¢ com a preocupagio de conservar ao maximo no texto 0 estilo oral muito vivo de seu ensino que foi apagado apenas aquilo que Charles Melman chama de escérias da linguagem. ‘Anexo, reproduzimos a apresentagio, sobre esse mesmo tema, que ele havia feito em Roma, em 1974, vinte e cinco anos antes, portanto. Aparecem jé af as importantes referéncias em torno das quais sc organiza o desenvolvimento deste semindrio, que no entanto permaneceram em grande parte desconhecidas. Claude Dorgeuille Nota sobre a tradugao das citagées de Freud e Lacan Ao citar Freud, 0 autor o faz, naturalmente, a partir da tradugio francesa. Disso resultam, evenrualmente, diferengas de forma em relagio a tradugio bra- sileira, Além disso, por se tratar de um seminario falado, as citagdes sio lidas por Melman, ¢ nao reproduzidas por escrito, o que as vezes também introduz nuances. Uma vez quc 0 autor trabalha as passagens de Freud em sua dimen- so propriamente significante, para além do significado, discu utilizados, cotejando com o alemao, explorando ressonancias ¢ desdobramentos, optamos por traduzir as citaaes diretamente do modo como constam do original em francés. Na referéncia bibliogréfica, em nota, informamos a pagina da edigio brasileira, para que o leitor possa se referir a ela, se dese} No caso de Lacan, acontece de Melman citar os textos em verses que nio aquelas publicadas comercialmente, muitas vezes anteriores 4 prépria publica- do comercial: edigGes nao comerciais dos Seminsrios, publicadas pela Association lacanienne internationale, textos s6 agora reunidos nos Outros escritos, lig6es de seminarios s6 recentemente publicados na integra ¢ que antes foram publicadas ‘indo os termos Ir ages tal como aparecem no semi- ¢ pagina da edigao comercial, em Ornicar?... Analogamente, traduzimos as nario de Melman e indicamos em nota a referénc ra, quando houver. preferindo sempre a edigao brasil Os editores A Neurose Obsessiva Primeira parte 1987-1988 Ligdo I 8 de outubro de 1987 O que sustentou a obstinagao de Lacan? Por que é que ele se desgastou as- sim? O que é que o impelia? Talvez pudéssemos adiantar, entre as razdes que 0 arrastaram assim, 0 fato de que podemos dizer dele que, indiscutivelmente, era um amante da verdade. E isso nfo é tio habitual, jé que, fazemos a experiéncia cotidiana disso, esse amor a verdade € ordinariamente estancado pelo amor & mulher, pelo amor que podemos dirigir 2 uma mulher, mesmo que seja, alids, denegrindo-a — sabemos que ¢ também uma das formas do amor -, ou seja, denunciando seu semblant. E nesse contexto, em que o amor pela mulher estanca toda tentativa de enca~ minhamento em diregio i verdade, que 0 perverso nos di arrepios ao revelar que, para servir ao gozo, qualquer objeto pode afinal resolver 0 assunto; uma roupa de baixo, ainda que tenha alguma relacdo de contiguidade com uma mulher, mas pode ser, jé muito mais a distincia, um olhar furtivo, um chicote bem aplicado, um téxico qualquer... Nao vou citar ainda mais. O que di o valor, 0 caréter que torna adequados ao gozo circunstincias ou objetos tio disparatados, é sua conexi- dade, sua proximidade com um objeto que chamaremos X, Mas é em vio que o perverso, a esse respeito, nos dé arrepios, sabemos que ele se detém angustiado com a ideia de que esse X — que nao é forgosamente cons- ciente para ele e do qual o objeto que o faz gozar € metonimico — que esse X possa nao ser o bom — é bem por isso que ele em geral é prosélito —, ou seja, que esse objeto que serve a seu goz0 nio seja aquele que garante 0 gozo do Outro. E por isso que o perverso sempre tem necessidade do gozo de Deus. Essa introdugio, a propésito do que péde levar Lacan com essa obstinagio, pode, talvez, servir-nos para, neste inicio de ano, fazer com que nos interrogue- mos: por que, afinal, virlamos retomar sua obstinacio, até mesmo prossegui-la? Serd que ele estava tio Fundamentado assim, ja qui, afinal de contas, ficar um pouquiaho quietos nfo estaria do lado da sabedoria? Vemos, com essa introdugio que lhes proponho, que o obsticulo ao encaminhamento em diregio a verdade é, de fato, 0 gozo, na medida em que ele faz limice a0 saber ¢ tem essa propriedade de substituir o impossivel pela imporénci B ele que faz barreita, que recusa de algum modo o poder, que faz obsticulo ao poder de it mais além, pois para 1 A Neurose Obsessiva além do semblant todo sentido se perde. Ou scja, essa impoténcia conserva os arcada pelo gozo, pela preocupagio em preservar 0 gozo, = marca, 1 + 20 Passo que Ede ordem puramente ldgica. Como voces vem, eles nae f . oun. o impossivel, el cionam no mesmo registro. se impossivel € também, permito-me lembrar-lhes neste inicio de ano, que constitu o indietvel. Qual & de fato 0 objeto que poderia mesmo the dar embrigo de significincia? Pois © que o caracteriza¢, de fato, efetivamente, op nossa apreensio, que... que o qué? Veremos um pouquinho mais adiante, Em todo caso, se é do indiaivel que se rata aqui, s6 nos esta, em nosis she doria, cali-lo ¢ alimentarmo-nos com 0 sentido, E justamente por isso, lembrp a voe's, pois tudo isso constitui um lembrete do que aparece mais ou menos em toda parte nos rextos de Lacan, é justamente por isso que a verdade se apreseny a.nds como quimera, um meio corpo de mulher, um meio dizer, portant, pi querer dizer essa verdade inteira s6 seria possivel numa fala psicética Entio, eu recoloco a questo para nds, ou cu me recoloco a questio, como vocés preferirem, entio, as vésperas do esforco eveuicual deste ano, por que entio embaragar-se com a verdade? Que valor afinal de contas isso teria para que, numa imitago histérica de Lacan, nés nos fizéssemos seus amantes? Por que ndo nos determos no gozo, quanto ao qual, como neurdticos, sé podemos nos regozijar por alcangar mais ou menos sua assungio? Se chegamos li, esti bom, no é mau, Basta conviver com isso. E por que entio querer forgar o limite? ‘A questo surge para nés a propésito de Lacan: se Lacan é um amante da verdade, o que é que poderia de fato servir de suporte a um amor assim? Com efeito, nao podemos de modo algum, com ela, encontrar os critérios habituas do amor, isto é, amor pela fraqueza, pois em geral & a fraqueza que susciae desperta nosso amor. Amor pela fraqueza? A verdade nao ¢ nem fraca, nem ao narcisismo, é bem evidente forte. Quero dizer, nio é desse registro. Quanto que a verdade como tal, a verdade nua ¢ crua, s6 pode af constiuir initia A verdade se suporta no nada ¢ nio oferece rosto humano, a no ser esse melo corpo, é claro, mas com a condigio de ficar no meio dizer, ow seja, 9 amulet enquanto semblant dessa verdade. Ou seja, ela nao nos propde nada que Po ser investido, Entio, se a verdade resiste a tal ponto as formas habieusis 3 0 suporte habitual do amor, seré que seria mais pelo lado do goro que ela nos i i «gerd que seria por faria alguma promessa, algum piscar de olhos, ou seja, serd que se POE ‘i : = a limite, em proveito de um gozo que s lado que valeria a pena forgar es um grau superior? Acho que se poderia suspeitar disso se, ac ele nos diz que a verdade é sempre irma sorone, irma do gow. ¢ 4 sobre Minna Bernays, a irma de Martha, com quem parec ria que F Porque, nos diz Lacan, se Freud tinha suas pequenas ou grandes hist cunhada, é porque, nos diz ele, Freud amava a verdade. Yemos 4 ompanhando Lacan... Vem a ruc cle disc Treud ete rias om Ligdo I - 8 de outubro de 1987 15 No ponto em que estamos, poderfamos ser tentados por um instante a dei- xar em suspenso essa vantagem, que justificaria a obstinagio, a suspender essa vantagem enquanto possibilidade de gozo, para fazer observar que, afinal, Minna Bernays ou nio, é evidentemente a ética propria a andlise que basta para justificar esse investimento. Seo desejo do sujcito € cativo do desejo do Outro, os empreendimentos habicuais que visam, para um parceiro qualquer, vir a ocupar esse lugar do Outro, em particular fazer acreditar no fito de que esse lugar € habitado, vir habicar esse lugar para melhor agitar 0 desejo que Id se encontra resguardado, ¢ manter 0 sujeito assim preso, manté-lo cativo, pois bem, essa posigo constitu o que Lacan chama propriamente de canalhice. Hii nele uma definigio da canalhice ~ que é distinta do lacanismo —, que consiste entio em cultivar no Outro as figuras do desejo capazes de se sustentar af para, de alguma maneita, iludir ou ludibriar ow fazer penar seu semelhante, no nivel, é claro, em que ficamos retidos no pri gio, esse limite ao saber que 0 gozo impée, se ficamos tocados por essa impoténcia A qual cle nos condena. Eu tinha escrito aqui algumas linhas que afinal posso ler, fazendo com que observem que esse empreendimento qualificado por Lacan de canalhice, 0 fato de jo cativo, canalhice v i onde o sujeito tem seu de para, esse descjo, cultivé-lo ¢ de algum modo valorizar essa captura, € constitui hoje — nao penso de modo algum estar sendo excessive fazendo com que vocés observem isso — constitui hoje um empreendimento generalizado ¢, para dizer a verdade, celebrado, quero dizer conservado como fazendo parte das ambém nao preciso mais Ihes ensinar que € perfeitamente fiiteis; é essa difusio se colocar no lugar do grande Outro, regras habituais de nosso jogo socia a difusio em escala mundial de objetos que que é capaz de tornar povos inteiros servos ¢ cativos, essa injegio, essa inoculagao de um desejo, essa manipulagio de um desejo apresentado como sendo o bom, como sendo 0 verdadeiro. Na medida em que o analista se acha avisado da estructura, de que manipula- Gio participaria ele ao deixar o sujeito com o qual lida nessa servida taco ao Outro? Essa aproximagio nos permite evocar o fato de >a um desejo enquanto empr gue, nessa sicuagio, que pode se produzir, vocés observam a interrogacio ética, eu insisto, que pode af atingir o analista. E ¢ justamente por isso que set desejo, dele analista, esse desejo que ji tive a oportunidade de evocar com voets, esse desejo stentar na fantasia, Ee justamente po » pode se a fancasia tem por propriedade um impas so que ele ¢ tao bizarro, pois E claro que utilizo esse termo sublinhando-o: a fantasia tem por proprieda- de um impasse, constivuido precisamente pelo gozo que a organiza. O que foi chamado de travessia da fantasia, sobre a qual se discutiu enormemente, no é evidentemente a de um aro de circo, m gozo ¢ verdade, 4s, mais simplesmente, a disjungio entre 16 A Neurose Obsessiva Nessa hipstese, esse amor pela verdade que continuo tentando explicar para 0 que, parece, constitufa seu deménio, ¢ que podemos estar ¢ deménio, retomi-lo ou nos nés em Lacan, mais ou menos bem fundamentados 0 querer, ¢ ‘ uporte, seu hospedeiro, nessa hipdtese fazermos, na medida de nossos meios, seu ; «hips © amor pela verdade teria a ver assim simplesmente com um imperativo ético, © que nio torna esse amor especialmente, forgosamente, regozijante. Seria evi- ‘mos imaginar que esse amor pela verdade nos dentemente preferivel que pud d desse acesso a um gozo Outro. Mas terei a oportunidade, daqui a pouquinho, de retomar essa questo. Em todo caso, que esse amor pela verdade faga carga contra o pai, isso nfo diva diivida, e sabemos que 0 gozo como limite tem por propriedade proteger o pai, 0 pai morto, pois o gozo que nos ¢ ofertado sera, em praticamente todos os casos, ¢ 0 paradoxo esta justamente af, nos serd proposto como sendo, de algum modo, o efeito de seu voto ao pai. Voces talvez tenham ficado surpreendidos, por cxemplo, ao conscatar que os homossexuais tenham podido reclamar o acesso a comunhio do casamento, ao sacramento do casamento, ¢ que tedlogos tenham podido sustentar seu anscio, Se fago esse lembrete, essa evocagio, ¢ simplesmente para sublinhar bem que, afinal, ¢ de algum modo natural, esta na yertente nor- mal, a vertente normalmente inclinada, dar grasas ao pai por qualquer gozo. E é justamente ele que sua barteira também defende, protege. Chegamos entio ao ponto que — nfo sei quanto a vocés — continua embara- Goso, € que ¢ que a verdade nao é em absoluto forcosamente terapéutica, jd que ainda estamos nos perguntando para que isso pode mesmo servir, O terapeuta, por definiglo, & aquele que dt sentido, de preferéncia o bom, jé que ele ¢ tera- peura, o sentido para as coisas, 0 sentido para a vida. Ora, a verdade tem como Propriedade desfazer esse sentido, e ainda estamos nos perguntando com que beneficio. Por que, afinal de contas, seu apelo nao viria nos tentar do lado do suicidio? Vocés sabem que essa objecto péde ser feita, Assim, chegamos 20 ponto de lembrar que se, na verdade, o Outro, 0 grande Outro, € um corpo sem cabega, mesmo se sempre Ihe attibuimos uma, se Outro € um corpo sem cabega, temos ai a validacao, como La rialista, a dos filésofos do século XVIIL, isto & senio a matéria, ‘can lembra, da tese mate- nao hd causal, em tiltima instancia, Poder : « Poderiamos, no entanto, gostar de pensar que o que sustenta, o que sustentou essa paixao pela verdade em Lacan, nfo era essa carga contra o pai que, afinal, sé ficaria, de algum modo, no registro de uma tepreslia, n3o indo muito além de uma represdlia sadian a Gostarfamos entio de pensar que no & essa car assim espetar os flancos de Lacan, mas a tent a barreita que 0 gozo Filico opie & rel: falico, mas em todo caso para nia nos aga Ss carga contra o pai que pode neativa de reduzir a i npoténcia, isto sao Sexual, nao para anular esse goz0 Frarmos mais af como muralha contraa Ligdo 1-8 de outubro de 1987 17 verdade, ou seja, sermos menos cativos no culto da castragio. Isso em que estamos normalmente engajados, pois ¢ ele, esse gozo, que permite, afinal de contas, nem que seja um pouco de goz0, mas em todo caso esse gozo que nos é autorizado, € que permite o encontro com uma mulher, ot um objeto, pouco importa, mas em todo caso permite esse encontro. Levantar essa imporéncia é um empreendimento particularmente dificil para 0s psicanalistas, quero dizer para cles mesmos, pois seu exerclcio parece constran- gé-los, ensinar-lhes que vale muito mais, de alguma mancira, sustentar 0 gozo do que ir cutucar a verdade. Permito-me, de fato, fx los observar que 0 préprio do gozo que se despren- de no espago do consultério do analista nao € precisamente goz0 do semblant, mas 0 que podemos muito hem chamar de gozo do préprio objeto, pois o que se produz como gozo, 0 que € proposte como gozo no consultério do analista, entre o analista c sew analisante, é 0 qué? Eo inconsciente. E justamente de suas manifestagdes, de suas produgées que se propae gozar, Ou seja, encontra realizado, se no me perco demais ¢ se eu nfo quiser me desmentir, encontra-se realizado 0 que nesse espaco se pode chamar de gozo do Outro, 0 “do” devendo ser romado aqui em seu sentido objetivo. E ¢ ai Esse gozo que, de alguma maneira, se prope como intermediirio, amboceptivo entre o analisante ¢ o analista. E, alids, sem dtivida por isso que — talvez mais do que as promessas de uma hipotética cura -, talvez seja por isso que a pratica analitica, tal como pode ser observada por seus efeitos em tal ou tal analisante, é capaz de provocar em seu entorne um certo efeito de fascinagao; como se cle tivesse cfeti entio impedido ou velado. am nte 0 acesso a um gozo até por outro lado, ¢ cambém o que pode expor esse gozo ao faro de ser um gozo mendlich, nem que seja por ele set gozo do Outro, € o Outro como tal ¢ infinito. E entao ¢ inteiramente 6 proprio gozo em si dizer, proposta pelo protocolo do trarament dequado, conveniente que se proponha como infinito, Vejam essa vantagem, por assim : gozo possivel de seu Outro ¢ isso sem meios medicamentasos (medica-mentais) especiais, sem téxicos ¢ ainda por cima pelo hom motivo Creio que essa observagio, que nio estou seguro de que seja feita com frequéncia, mas certamente ji o foi — 0 que contamos em geral sempre jd foi mais ou menos percebido -, mas, em todo caso, acho que essa situagio especial do gozo no tratamento, que, para dizer a verdade, ¢ transparente em certos relatos de tratamento, realmente se esté af numa atmosfera inteiramente, inteiramente fasci- ante, pois bem, essa situagio nos permite compreender 0 que foi a condugio do tratamento por Lacan. Isto é, esse lembrete de que nao se tratava unicamente de se esbaldar ai, Nao unicamente de se esbaldar ai, isto , ele nao era evidentemente masoquista a ponto de recusar todo goz0 no tratamento. Mas, em todo caso, ve- mos bem o efeito que cle pode ter, de adormecimento, de instalagio, de habitos, de familiaridade. E, envio, a condugio do t mento por Lacan s¢ ilustrava por 18 A Neurose Obsessiva trabalhem na andlise, ou seja, esbaldem-se, é cla- simplesmente manter essa farra, um preceito que certamente ¢ ‘ ro, mas com uma outta finalidade que nao a de i Talvez esse ponto merecesse uma consideragio sobre a apatite tal Nos quatro discursos hi esse lugar que ¢ o da produgio, que temos o habito de homologar sem muita discussio, Mas 0 que ¢ 0 trabalho? E traca-se da produgdo de qué? E um ponto bastante importante para que sejamos levados a precisé-lo, © que € que produzimos na andlise? O que quer dizer trabalhar em sua analis. Qual 0 gozo produzido af pelo trabalho? ; Entio, esse outro fim, que Lacan nos lembrava por sua maneira de conduzit 6 tratamento, essa forma eventualmente de aparente secura ou brutalidade, esse inicio de ano igualmente sublinhar ou retomar para nds ou para vocés. Esse fim, se o sujeito chega ai em sua anilise, vai sempre deixar desarmado diante do fato de que ele pode deixé-lo solitario, deixa- outro fim nos lembra algo que desejo nest lo isolado, fazer dele um animal & parte, ja que toda palavra ¢ regulada pela rel ao semelhante e ao grande Outro, ao Outro ao qual um e outro dos interlocutore sho levados a se referit. O que Lacan, no comeco de seu percurso, chamava de intersubjetividade, 0 faro de que nio havia subjetividade que fosse separivel da intersubjetividade, ¢ isso Ou seja, nao adianta vocés eventualmente terem chegado a um fim vélido, resta, no cnranto, que a psicose social se impée a qualquer um, por mais analisado que se. Por isso que me permito mais uma vez fazé-los observar, evocar o sintoma social, isto é os discursos que nos regem, jé que é deles que se trata, evocat, por- tanto, o sintoma social nio pode deixar de concernir ao psicanalista, Nao esse aivoms pata watélo, cle nao est em posigio de terapeuta a esse respeito mais do fue com relagio 2 seu analisante, mas, pelo contrétio, para fazer valet seu brilho, britho que s6 pode, ele mesmo, de algum modo, tomar todo seq esplendor coma condiséo, justamente, de ser aproximado da verdacte No ano passado eu passei rapidamen da indiferenga em matétia de eligi indiferenga em matétia de politica, és podemos dizer por qué. Nés tambéim pode, indiferenga em matéria de religifio; ha, & refravérias & transferéncia, nio ¢ ir mai A indiferenga em matéria de politica tem uma outra consequénci lve: Soe, mais inveressante, Nos a compreendemos perfeitaner Meee ee ial gue, para cada um denés,o dranasubjetiv we deo ee ongaa a to efrculo constitutdo pela familie ‘ Ha organize nesse restr- Eat Fo distri decide a parti, éaf que os ganhos eng ae So gat utdas as carta, & aque se 7 as perdas so ma mancira,s¢introduzem unia nostalgia, uma teivindie no © € 8 Aue de alguma S icaga sentimentos, laxos que t8m a propriedade da claro, estruturas que sao inteiramente » apelos, interpretagies, Permanecer intactos em seu fres- Ligdo 1-8 de outubro de 1987 19 cor original, durante toda a vida; com o risco de se verem transpostos a todas as relagées que virio, como se todos os dramas possiveis da vida sé pudessem vir se inscrever nesse drama original que, enquanto edipico, se desenrolou no cfrculo familiar. Compreende-se, entio, que a organizacao inconsciente se ache perfeita- mente desinteressada, se veja perfeitamente desinvestir tudo 0 que possa ser do registro do politico, se desinteressar, nao se sentir tocado. Acontece que ha outros casos, que si mais raros ¢ que em geral sio muito mais circunstanciados historicamente, nos quiais, para 0 stijeito, nao é 0 drama familiar que tem a primazia, mas esse fato de que ele atribua suas consequéncias ao drama social, na medida em que cle venha de algum modo se impor, esse drama social, 4 existéncia da familia. Para dizé-lo em termos inteiramente banais, entendamos que o drama social seria 0 que viria desnaturar a vida familiar, e que seria ele que se veria como responsdvel pela castragao. A partir desse momento, entende-se muito bem que a reivindicagio do sujeito, que a organizagio de seus sentimentos, de suas penas, de suas emogies, de sua interpretagio de seu destino Ihe pareca ter a ver com uma ordem patolégica que, legitimamente, pode condu- zi-lo a ser o que chamamos um militante, a familia entao nao tendo mais af senao um lugar absolutamente secundatio. Se o psicanalista pode estar interessado por esas questées, éa partir da obser- vagio de que essa alternativa, quero dizer, ou o Edipo, ou entio... — nao achei um nome de mito, mas enfim, acabarei por achar um que possamos atribuir as consequéncias do drama social — ou 0 om: Edipo, ou o drama social, essa alternativa é altamente falsa ¢ condu a conchusies que sio erradas tanto por um lado quanto por outro. Por um lado ¢ pelo outro, ja que atribuir & familia a castragéo leva precisamente a jamais ultrapassar, a se constranger a ndo poder ultrapassar 0 gozo como limite, isto é a imporéncia, pois € justamente do gozo que ela é fiadora. E, por outro lado, vir, de algum modo, se envalver no drama social, sé pode, af também, reforgar o ds mento do que esti em jogo no que, como psica- nalistas, enoda o destino do falasser. Pois a tinica coisa que temos, nés, a dizer a conhee respeito, a tentar fazer valer, é que essa alternativa, nao tendo jamais conduzido senfo as errincias que sabemos, das quais faremos a experiéncia, nés podemos, nés, fazer reconhecer 0 poder tinico ¢ determinante do simbolo, determinante tanto da vida privada quanto da vida social, reconhecer seu poder tinico e deter- minante, mesmo se os mitos que dio conta do real, num e€ noutro caso, sio bem evidentemente diferentes. Nao se reconhece jamais que, afinal, é do mesmo real que se trata, porque sio radicalmente diferentes, porque de alguma maneira nada permite fazer com que se juntem, Apresso-me a dizer que, fazer reconhecer esse poder determinante do simbolo, apesar dos esforcos que sabemos ¢ que tentamos, com nossos meios fracos, levar adiante, estamos muito longe disso, ¢ 0 que prossegue ¢ essa clivagem de cujas inconsequéncias sabemos, s mitos que dio conta desse real sio fundamentalmente, A Neurose Obsessiva 20 As jornadas em Marselha, com as quais pudemot nos benfcia, eas = esforgo feito por alguns de vocés, ¢ em particular Marcel one au i Dor. geuille, essas jornadas de Marselha lembraram algo aueé nossa so traconal com 0 texto. Isto é, nossa facilidadé com o que cu chamarei I exegese, Creio aque gostamos bastante da exegese. A exegese gosta da multiplicidade dos sentidos possvcs, sem que nunca se possa concluir intciramente, nem penetrar no que teria sido a intuigo Grima do autor E justamente por isso que © préprio de voda exegese de um texto & se oferecer, la também, a um gozo sem fim, Pode sempre haver um a mais, tao astucioso ou ainda mais astucioso que os precedentes No entanto, ocorre que, se € preciso lembré-lo, Lacan era um racionalista; ou scja, 0 que le nos ensinava ¢ que, justamente, nosso amor plo sentido, até bem 0 caso de dizé-lo ~ ¢ justamente porque eles fazem mesmo pelos sentidos — limite, E isso a tal ponto, jé lembrei is algum lugar o anseio de que os textos, os semindrios de Lacan, fossem transcritos sem pontuagio. Sem a pontuago que Ihes damos ou que Ihes supomos ou que ses nos permitem eventualmente melhor colocar. Vemos bem como os (© ¢ 0 que foi um texto « so aqui uma ver, que cu pude ver escrito em as gra textos sem pontuaga sencial sem pontuagio, realmente entdo, que mina! Ai ha do que se tirar proveito durante alguns milénios, Se a verdade iiltima é que o grande Outro, sua verdade ¢ que ele nao tem nenhum sencido, isso no quer dizer que em consequiéncia Lacan os abriga todos, esses sentidos, isto ¢, que cada um possa Ihe dar o seu, Eu faria ainda uma reserva a esse respeito; enfim, nesse ponto, eu avangava assim, De fato, a interpretagio dos textos de Lacan tem um fim, como a anilise: 60 fim que Lacan colocou, porque era um racionalista, Fé esse firm que se trata para nés de ressuscitar. Como vocés sabem, minha fala deste ano concerne — nao é 0 que se esperaria com essa introducio ~ a neurose obsessiva, Eu Passado, cu sentia, me vinha mais facilmente quando eu estava em outros lugares Gus nfo este aqui, entio cu tratei disso sobretudo na Belgica, ou em Montpellier, ou-em outro lugar, nfo sei mais muito bem, ¢ procedi a uma disposigao que, acho, era bastante ava ; ‘Angad, € que quero retomar neste ano. Que eu queira recomas, se le algum modo isso se veri ea mos, nés mesmos, de a alertados em relagio a0 M assunto que comecci no ano : care. Porque convém, é claro, que ¢ guma manei; i Cuma mancira desprendidos, ou em todo caso um pouco We : poder contar cal Alte € 0 go70 do obsessivo, Para nao digerirmos o que vou Ios mesmes baat 80 com 0 mesmo sparelho de gore seja, fazé-lo pi esmos beneficios. E por ig da neurose ob E por isso es de fixci nessa escolha er, ne He ast antes de falar da neurose obsessiva, eu me a ¢ decidi hoje a e i- nro, como fiz hoje, falando a vocds oh nee IME 68 de comegar este semi is0 nlo tha forgovamene cee SOP 88 enignas de Lacan; jd que -embor de ler tds gue padi sido dito, mas enfim, nao tenho certeza, estou longe q * Pelo contratio, nfo lei firtlosobserar que hs pariraos, pansge I © bastante ~ acho que pos? 'rafos, passagens que Lacan escreveu explicitamente ssa pe Ligdo I - 8 de outubro de 1987 21 como enigmas. E podemos confiar nele para saber que isso no é sem intengao, ainda mais quando, de passagem, cle nos convida a refletir sobre o que é um enig- ma, isto é uma enunciagio, uma enunciagio na medida em que ela se propde, em que ela se oferece ao sentido que quisermos dar-lhe. Edipo respondeu de uma cer- ta maneira, dew um certo sentido ao da Esfinge, o que teve certas consequéncias. Como ele observa humoristicamente en passant, ele teria podido, eventualmente, Para o mesmo enigma, dar outros sentidos. E isso teria tido outras consequéncias. Ha em Lacan, ¢ em particular, ¢ claro, em seus textos dos Escrites,' passagens que valem por terem para nds essa estrutura de enigma, isto ¢, de se proporem a0 sentido no qual quisermos nos fixar. O que nao quer dizer que, por isso, nao haja, como evoquei hd pouco, esse termo que ele, Lacan, colocou af, Arriscando talver desagradar ou contrariar alguns de vocés que preferir que cu oferecesse de saida uma consideracio sobre a neurose obsessiva, eu lhes proponho entio para a proxima vez, a titulo, se quiserem, propedéutico, nao sei bem como dizer, que na préxima vez, na préxima quinta-feira, tomemos um m desses enigmas, entre outros. Eu escolhi que me pareceu oportuno, tempestivo. Esté em “Radiofonia” ? isto é, 0 que ele fez no prdprio ano do semindrio sobre O avesse da psicandlise, a questo 7, a tiltima, que se encontra nas paginas 96, 97 ¢ 98 de Scilicet 2-3.' Proponho entéo que, a titulo de exercicio coletivo, voces aceitem reler essas trés paginas, h4 crés paginas que sio evidentemente extremamente cerradas, que juntos procuremos resolver seu enigma ¢ que — ao fazé-lo, ¢ antes de abordar um tema como o desse ano ~ tratemos de ver se estamos prontos para abordar essas questdes, essas questoes clinicas. Isto é, se estamos prontos a fazé-las, essas questGes, entrar nos discursos, entrar num discurso que scja homogéneo com o alcance do que é aqui visado, Ou seja: qual sera o sentido que escolheremos dar proxima vez a esse enigma de Lacan, que aparece nessas trés paginas? Esse sera 0 exercicio que Ihes proponho e veremos se nos saimos melhor ou pior do que... do que o rei de Tebas. Af esta o que Ihes proponho de inicio para a préxima semana. Sobre 0 que eu thes disse aqui, alguma obser Gio? Jean Périn — propésito da exegese, 0 senhor di ser uma multiplicidade de sentidos indo até o infinito, Ora, hé textos, que so se que a exegese podia os textos da Biblia, que foram precisamente interpretados. Ora, quando lemos Exatamente, o Talmud, vemos que afinal isso se resume a qué? A duas escol entdo, por exemplo, como entre os Romanos os textos de lei. im Rom Sabinianos ¢ 0s, nao sei mais, os Proculianos, duas escolas. havia os "LACAN, J. Escrtos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 2 LACAN, J."Radiofonia”. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. 7 LACAN, J. 0 semindrio, livro 17 — O avesso da psicandlise, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. 4 NE. Na edicio brasileira: Id,,"Radiofonia”, Op. cit, pp. 443-7. ae ‘A Neurose Obsessivat certamente também um conflito, um : mesmo assim ismo ¢ é&hi assim um dual ambém nos textos. 1 muito célebres em nossa cultura, ¢ i menos, se eles s6 tivessem tido um rio. Quero dizer que uma lei que sé eu queria dizer a propésito de. m azo, a nao ser talvez por conflito do pensamento, um conllito tar se esses textos, gpte ficaram ais Ou E, no entanto, entre os quiais alguns ainda nos governam mais ou sentido, terfamos a impressio de viver sob 0 arbitré tivesse um sentido nio seria mais uma lei. E isso qu 5 hor te Ch. Meluran = Sim, ew acho que 0 se 1 no ser tendéncia a fazer e que € que, no proprio interior dessas mar de jutzos, opiniées, sio essa restricao que cu teri ; escolas, no entanto, as opinides, o que podemos chai pints Hi muito diversificadas. Entio, seguramente, pode haver aproximagoes de algu modo, que se isolam como tas, mas vemos bem de que maneira, no interior des- sas aprosimagGes, os comentirios de algum modo podem se suceder de maneita bastante divertida, bastante agradiivel ou fastidiosa, como quisermos, isso nao tem importincia, Eu acho também, como o senhor diz, que podemos, eventual- mente, afinal de contas, tomar essa diversidade, essa multiplicidade, como uma 10 conta o que seria o sentido tinico, por que nao? Mas podemos, eu creio, proces’ to cntanto, ficar com 0 sentimento, cu insisto, de impasse no qual isso se conclui. A esse propésito hi, no interior da prdpria andlise, uma objecao que € normal € que € inevitdvel — € devo dizer que durante muito tempo estive muito, muito, embaragado com ela — que é que, afinal, na medida cm que precisamente nao ha opiniao no Outro, sentido que seria 0 bom, conscquentemente as opinides se equivalem © a de um vale a do outro, E af chegamos, eu direi, ao que seremos levados a evocar na préxima semana, 4 fungio do autor — 0 que Lacan aponta de mancira muito bonita sobre a propriedade do discurso universitatio, ¢ como inevitavelmente cla faz passat 0 $, cla transfere o $ para o lado do $1; como a po- sisao universiciria no pode deixar, de algum modo, de fazer valer o autor. Bem. Como, como responder a isso que eu penso que, intuitiva ¢ experimental mente, estamos em condicao de experimentar que do é satisfatério ¢ que é preci- so colocar a questio de outra forma, ¢ de outta forma responder a cla Fentaremos também fazé-lo, isto & embora nto haja no Outre cabega que seja levads, de alguma forma, a fandar algum dogma, e embora nao possamos, de alguma forma, querer apoiar a Psicandlise em afirmacées que 6 valeriam por serem dogmaticas, isto & por serem as de um ears 1 do: 5 , a ™ sujeito que as proporia do alto de sua autoridad z » NO entanto, nZo se podem fazer equivaler todos os ents, E, sebretudo —€ por ing gute eu comece! evo ‘ ; u ci evo- cando a verdade -,¢ preciso encontrar o meio de, dismee do sentido, nao ficarmos impotentes, de nio permanecermos na impotérc ee helo que tad ; een rencia 10 que todo + isold ; Tessa, gue temos que solo como tal, mesmo que nfoseiea dhe lavras ner fa tiltima palavra, nem mes- mo a palavra justa, nem mesmo a palavea verdadeira; no enta ha, si todo texto um fim, aquele mesmo.que esteve em sence net hi sit, para omeso, apesar dessa caréncia, vemos bem que, Ligdo I - 8 de outubro de 1987 23 Jean Périn — Sim, entéo & numa temporalidade completamente diferente... Ch. Melman — ii cfetivamente numa temporalidade que nao se fundaria mais na eternidade. Isso com certeza, E que efetivamente viria lembrar 0 cardter finito, nem que seja no registro temporal, o cariter finito disso em quee pelo que somos tomados. Gricelda Sarmiento — Eu gostaria de Ihe fazer uma pergunta em relagio ao que o senhor caracterizou, com relagio a0 analista, como indiferenca politica. Eu queria perguntar se é uma constatagio parisiense ¢ nascida aqui, agora, ou se 0 senhor 0 caracteriza como fendmeno universal ¢ eterno. Porque em 1933, por exemplo, em Berlim, quando os analistas foram tocados por uma politica, quan- do foram concernidos, nfo houve indiferenga, Da mesma forma, na América Latina, sob o terror organizado, € impossivel ficar indiferente Ch. Melman — Eu acredito, se a senhora concordar, que esse fato, 0 que incidiria af, segundo meu juizo, € um juizo que s6 pode validamente incidir sobre setores limitados, aqueles que posso conhecer, acho que esse fato € 0 que chamarei de uma deformacao profissional. Quero dizer que € na medida em que o analista encontra de mancira relativamente tara, no inconsciente de seus pacientes, de algum modo, incidéncias, tragos que teriam sido decisivamente organizados por telacdes, a relacdo ao campo social, e que — com uma regula ridade impressionante, eu direi — 0 que ele encontra sio, na maioria das vezes, organizacées subjetivas que foram instauradas pela constelagio familiar, que entio o analista pode ser levado — digo mesmo de maneira que pode Ihe pare- cer experimental ~ a concluir que, afinal, a politica, o politico nao tem muito aver com o de que se trata no inconsciente ¢ na organizacio da subjetividade. E que se trata af de um campo diferente, cujas relagdes sao de circunstincias — quero dizer que todo sujeito é também um sujeito social, mas nada de especial = € que, ento, em todo caso, 0 que se desenrola num campo nao tem 0 que zmente, valer no outro campo. Podemos compreender intervir, nao pode, ef bem isso, ja que, para dizer a verdade, s6 passando por consideragies sobre a estrutura, sobre, por isso mesmo, aquilo que Lacan desde 0 comeso vem situar como intersubjetividade, que o sujeito & primeiramente aquele que fala, mas ele nao fala nunca s6; mesmo quando esté inteiramente s6, ele nao fala nunca 56, E por isso que Lacan reprovaya 0 termo “autismo”, porque ele dizia que uum sujeito falante no esta nunca s6, porque hi pelo menos com ele o grande Outro, pelo fato de que ele fala, ¢ eventualmente todos os outros imaginarios paco, mesmo se esto fisicamente ausentes, que sao capazes de vir povoar o es ¢ que uma palavra tem a particularidade de se enderegar sempre a alguém, ¢ portanto de partir de um lugar ete. / tras coisas, se niio tivéssemos essas referéncias a estrurura, _ Quanto a mim, o que ew adoro & que “os discursos”, os quatro dis- s disso. Ele «lia: “O lago social, & E entio, entre ou que vio muito longe, niio € mesmo? Lacan pode avangar coisas tio fabulosas como cursos, sem que os analistas tirem consequénc essiva A Neurose Obsess! 24 assergio que ¢ infinitamente Jece.” Af esté, eu acho, uma asserg20 4 : 20 He tee pee que cento cimsidamente, de minha pare, i isas q) ante que as poucas co} : aarmiemchen avangar aqui, E alguma coisa problema, fazer questio. . . ladelquestéin a v oe te por i vt mmceino, ereio que temos aqui uma ane we tema ve ——2 i mostra bem que a experimenta- experimentagio, 0 que i ‘i com o que chamamos de experit aye moses Dem uc @ apartment hi ied tudo, ¢ que a pritica deve ser distinguida da exper AGHO; se ficar. von a ‘ ‘tic: ‘atamento € uma ex] \- mos nisso, se dizemos simplesmente que a pritica do tr: per taco, c possam validamente recusar o sintoma a ende-se que 0s analistas entagio, compreende-se que os ana aro social d ‘0 veem qual 0 acesso que sua pratica Ihes dé social de seu campo, ¢ julgar que r ual 0 K a esse respeito, se nfo for intervir como um cidadao ao mesmo titulo que outros, E € preciso algo diferente da experimentagio, isto é © que Lacan chama de uma pritica, isto é, no registro da andlise, uma referéncia 4 estrutura, para, nese momento, colocar-se as questées de outro modo. , Entio, o que a senhora dizia nfo impede evidentemente que analistas, em tal ou tal momento, tenham podido se emocionar com a situagio politica, até mes- mo, como alguns, se engajar até o pescogo em combates politicos. Mas 0 que eu centava mostrar, a propésito dessa alternativa que eu evocava, é que o descaminho ¢ prometido tanto num caso quanto no outro, ¢ ¢ justamente Por isso que € uma outra abordagem, se houver interesse, que deve ser inaugurada © pensada, O que, eu ditei, nao garante em absoluto que, desse modo, sera evitado algum descaminho, mas que, em todo caso eu acredito, teria o mérito de colocar 08 problemas de uma maneira que seja mais homogénea, mais congruente com as referéncias que sio as nossas. Ou seja, para responder-lhe ainda mais diretamente, nao basta também engajar-se no campo da politica para comportar-se de maneira analitica. Jé que nao poderia ser qu tio de outra coisa, Pode ser questao de outra coisa, mas neste momento isso no tem interesse due, para nds, nos diga respeito especialmente. Neste momento isso diz respeito 20 due pode ser © humanismo, a generosidade, a anilise dos fatos eve. Mas, em todo caso, nfo ¢ isso que constitui, eu s6 fazia essa incidéncix exe minha fala -é apenas uma observagio lateral ~ simplesmente par os a lembrar de que maneira 0 gozo faz limi 4 nosso saber, & esse o problema, E, na medida em que isso se mostra em operago em nos texto de Lacan, € af que de algum modo a coisa se toon Por suas consequ a relago com 0 ag para nés mais precisa ncias. Talvez, tenhamos We prestar um pouquinho de atengio, um pouquinho, para que o gozo que obtemos no exame, no studo dos textos de Lacan, ndo venha, de algum modo, noe impedit de ouvir o fim, 0 temo, a verdade que estd incluida nesses textos, e, ‘rdade, essa enunciagdo, chegar a Ihe dero sentido que consém. Era eso ixo de mint sn aoe CHEB fala, essa vi Se voeés estio de acordo, até a préxima quinta-fein: Ligao II 15 de outubro de 1987 Voeés se perguntam frequentemente o que é 0 discurso do mestre. Mas vocés tém um & disposigao, & disposigio de um certo mimero de vocés; vocés tem um exemplo que ¢ muito préximo ¢ que vocés conhecem, que & a alocugo médica. A alocugao médica é exemplar do discurso do mestre, de forma algunia por razdes, como diria?, de técnica, de prética, mas por razdes que evidentemente ultrapassam 0 corpo médico, que sao razdes de estructura, Por qué? Sé tomo esse lh ficante que a alocucio médica reivindica, ele adquire auroridade em qué? Adquire exemplo para tornar-lhes sensivel o que é um discurso de mestre. Porque o signi- autoridade nesse objeto ao qual, em sua ética, em sua filosofia, a alocucio médica submete, pelo qual ela ordena nossas existéncias, esse objeto a respeito do qual ela estima que nés x6 temos que obedecer, que somos seus servidores, que 86 temos que realizar 0 que ele espera, o que ele exige de nés, se, entre parénteses, almeja- idivel e harmon 0 de nosso corpo. E, esse mos garantir um funcionamento ag objeto, voces ja o reconheceram, € 0 falo. E, portanto, na medida em que a alocugio médica adquire sua autoridade, adquire sua forca nesse objeto e, inclusive, como acabo de dizer agora, sua ética, exigindo que tenhamos que submeter af nossas vontades, tendo como recompen- sa.a harmonia, o bem estar fisico cte., é nessa medida, ¢ pelo tato desse dispositive que a alocugio médica é exemplar como discurso de mestre. apre tiverari, evidente- E por isso mesmo, também, que os psicanalist mente, dificuldades, dificuldades normais com a alocugio médica, ¢ também por isso Freud soube muito rapidamente separé-las, dissocis-las. Depois de thes ter dado esse exemplo para tornar-lhes sensfvel e, por assim di- io dos discursos que nos concernem, entremos imediatamente tiraram, nesse meio zer, clinica, a ques as, das quais eu estou persuadide que voc’ " acho que voc nessas trés pagin: seu melhor proveito. Entéo, a pergunt ale tempo, T Questio 7 de""Radiofonia" (Op. cit. pp. 443-7). A Neurose Obsessiva 26 srés desafios impossiveis de sustentar, No de odo discurso, © em especial do seu, é oe. Ele se ancora nium saber ~ 0 saber alist se anert mo é que o senior resolve — OU NO — Te comes et O immpossivel &0 real?® Governar,educar psicanalsar st entanto, essa contestagio perpen mesmo preciso que 0 psica analttico, que par delinigio el gao? Estatuto do impossivel essa contra-dicgiio? Est : 1estdo que vale o que vale, ¢ nao vamos nos demorar an responde. E evidentemente uma qu que maneira pela qual Lacs ai, para imediatamente ver a 0 Entio, ele diz. o seguinte: 20 dizé-los impos- 5 isar sfio desafios, de fato, ma mo sendo re Governar, educar, af, € psican siveis, 6 faremos garantilos prematuramente co porque ele fz entrar a educagao no quadro do governo, tudo bem; “psicanalisar” ele separa dos outros. Mas ele nos introduz imediatamente no vivo que nos interessa: dizé-los impossiveis € avangar um pouco sio reais, De fato, ressalto isso imediatamente para vocés, por erivariam, em seu fracasso, da impoténcia? E nao seriam Ah! “educar, af” é, evidentemente, rapidamente que el que € que afinal eles nao di : reais, mas por isso mesmo imagindrios em sua dificuldade. O minimo que se pode- ria impor 2 eles, diz ele, ¢ fazer a prova disso, de que eles so impossiveis; que é im- possivel governar, educar ¢ psicanalisar. Antes de dizer, imediatamente, que é real, que ha impossivel, que ¢ impossfvel porque ¢ real, temos que fazer a prova disso. can, nao & de forma alguma contestar seus discursos. Fazer a prova disso, nos diz L: E no € por fracassarem que os contestamos. Nio contestamos nem a arte de governar, nem a arte de educar, nem tampouco 2 de um impossivel. Por que é que, de fato, diz Lacan, o psicanalista teria o privilégio de contesté- las, quando ele se vé, o psicanalista, agenciando esses discursos, ordenando-os, € isso pelo mesmo néo (passo)* que ele, o psicanalista, recebe do real, a partir do momento em que, 38 passo (no), ele avanga 0 seu? Ou seja, & justamente por que é 0 discurso psicanalitico que encontra o real como tel sivel, que, sem contestar de forma alguma esses discursoe, disso, pelo mesma nio (passo) que o seu, sso) em sua ambiguidude semintica habitual, 6 so da caminhads psicanilise, por elas derivarem , 0 real como impos- ele os agencia. E, além © nao (paso) devendo af ser ouvido asso (no) também como 0 progres a negatividade que discursos idemtemente pois 0 proprio de cada um desses nesse passo (no). Nao ¢ isso, par nunca é isso. O que ele cons ele introduz e que vale al, ; se ilustra justamente por seu fracasso ‘a nenhum desses discursos ¢ i we atingir, nunca é isso, A difere 0; 0 que ele faz, ‘Nga, No entanto, ? LACAN, J."Radiofonia". Op. cit, pp. 443-4, > Ibid, p.444, “NT. Em "Radiofonia”, Lacan jo etna! : "B20 tem, pacpsso" nie” o gue Mee todo com o duplo significado da palavra francesa Ligdo Il ~ 15 de outubro de 1987 a7 do ciscuso avalon Para os outros & que esse passo (néo) cle o estabelece pelo , prio ato pelo ual ee avanga, pelo qual ele o avanga. Ou seja, nao se trata, para anata, simplesmenc de um dito, mas trata-se — ¢ é isso que o especifica em a sere ee wt que justamente constitui o passo (no) pelo qual ago aos outros, em relagio Aqueles com os quiais gi Discurso do mestre Discurso universitirio ot 8 Impoténcia Discurso analttico Impossibilidade aw 1. @ s yao Impoténcia Discurso da histérica | Entao, cis aqui uma frase que eu suponho que tenha Ihes provocado, Ihes propiciado algum tormento: E que é a0 real, do qual esse nio (passo) faz Fangio, que ele submete os discursos que cle poe no passo? (nao) da sincronia do dito. E ao real, do qual esse nfo (passo) faz. fungio, do qual ele, o discurso psica- nalitico, faz. funsao, o real do qual ele faz fungao, ¢ S, no lugar da verdade (de- signagio, no quadro, da férmula do discurso analitico/D.A.), verdade, isto é a estrutura como verdade. E entio “ao real do qual esse no (passo) faz fungio", & estrutura como verdade, “que ele submete os discursos que ele poe no passo (nio) da sincronia do dito”. Essa sincronia do dito deve ser ouvida aqui como a discri- buigao sincrénica desses diversos lugares que, vocés sabem, esses quatro lugares, o do agente, 0s do gouo, do mais-gozar e da verdade. ogee o agente (outro) a verdade Essa sincronia nao rem origem sendo em sua emergér Ea partir da estrutura em posigio de verdade que se distinguem, que se ins- cauram esses quatro lugares. E, ento, essa sincronia: ——_——_ TNAL.— No original, met au pas, literalmente, S LACAN, J."Radiofonia”. Op. cit. p.444. TIbid., p. 444. .Se no passo”,no sentido de “enquadra”. Seu progresso quanto cm sua regres A Neurose Obsessiva linsta 6 niimero dos discursos que ela assujeta, com fizy da manera mais curt, estraturando-os em niimero de quatro, por uina revolugio nfo Perna tiva de sua posigio [voces sabem que naa se pode modificar a posiga0, se desses terinos entre si, estruturando-os em quatro termos, © 140 ps ‘el auc af se sustenta send, cntio, univoco [designago, wo quadro, de S. no DA: tanto em seu progress quanto em sua regeess + real aqui 0, tanto ei Por qué? © que quer dizer que 0 nio (passo) de real é aqui univoc: cm 1? A frase seguinte explica isso para vocés: que nao vale aqui senéo ariter operatsrio desse nao (pass) [..]-” Esse ve aul como nao (passo), seu carter operatério é o de funcionar af como disjungio que rompe a sincronia entre os termos, justamente pelo fato de que essa disjungao seja Jo sincrénicos, mas disjuntos; é 0 real que faz sa. Ou seja, esses quiatro termos com que nio tenhamos aqui um cfreulo. para vocés o real na escrita, E bem 0 modo que Lac: Hi em seguida uma frase que joga com o termo... justamente, que introduz.af n tem de proceder. Na verdade, li nio hi lise’ a fazer de seu nome aquilo que, no aforismo que o senhor relembra de acordlo com Freud, chama-se curar" e que faa rir alegremente demais."" E justamente pelo fato de que hd esse real, esse impossivel, que a andlise nao pode fazer lise de seu nome, fazer o que se chama curat, pois o sintoma, como af somos remetidos, ¢ de estrutura, Entio, esse quarto discurso: Governar, diz ele, educar, curar, entio, quem sabe? Pela anilise... Curar 0 qué? Pois bem, o quarto discurso a abdicar af de fazer figura de Lisette ~ af esté, a lise que se tornou Lisette é 0 discurso, esse quarto diseurso que se trataria de curar—é 0 discurso da histética,"2 Masa impossibilidade dos dois tiltimos, desses dois tiltimos discursos, isto é © analitico ¢ o histerco, essa impossibilidade, néo se proporia ela A mancina de alibi dos primeiros? De governar e de educar, do discurso do mestre ¢ do diseur, so universitério? Ou seja, nao langariamos num acidente, 0 discurso histérico, "Ibid. p. 444, * NIT. ~ Jogo de palavras de Lacan: no original," Vonalyse (“a anélise") "® NUT. ~ Jogo de palavras intraduzivel com a como “gai rire” ("riso alegre" 10.110 bse", expressio que faz homofonia com Palnvra “guérie" (“curar”), que pode ser ouvida "LACAN, J. Op. cit. p. 444, "Ibid, p. 444 (NT.~ Lisette 6 6 nome eom que, da criada “intrigante e esperta” ou d: : na literatura, : era designad: in moga “alegre e leviana” ignada a personagem brats de"Racofonin em Outs exert p44 © Povo [Cota 17 da edie Ligdo Il - 15 de outubro de 1987 29 € até mesmo no discurso psicanalitico, o imposstvel que pareceratingit governo, mestria ¢ educagi > a ' a : uicagio? Ou, mais ainda, sera que esses dois tiltimos discursos, psica- nalisar ¢ o discurso da histérica, ser4 que eles 1 ( vitiam principalmente resolver 0 impossivel dos dois outros como impoténcia? Rapidamente vamos ver isso se esclarecer, Portanto, por enquanto, sigamo-lo, pois eu fiquei absolutamente maravilha- do, ao retomar esse texto para esta noite, ao constatar que o que Lacan tinha feito era uma pura parafrase do que eu thes contei na tiltima semana... (risos). Estamos nessa questio: serd que o discurso da histérica ¢ 0 discurso analitico nao sao os que contornam de algum modo 0 impossivel préprio aos dois primeiros, para thes dar 0 alibi da impoténcia? Para resolyé-los como impoténcia? A anilise, pela andlise, nio pode ser “lisado” 0 qué? © que pode ser “lisado” pela andlise sé pode ser “a impossibilidade de governar 0 que nao se domina”. O que, ao ser traduzido na sincronia de nossos termos, equivale a dizer “comandar o saber”. “Para a histérica, éa impoténcia do saber que seu discurso provoca ao se animar pelo desejo”, € nos explica por que “educar fracassa’."3 Vé-se bem como o discurso psicanalitico vem transformar 0 impossivel do discurso do mestre em impoténcia, pois ele 0 reduz de algum modo ao fato de que nao se pode comandar 0 saber, nao se pode nio como imposstvel, nao se pode por catisa do gozo, pois ¢ deixando seu livre jogo ao saber que 0 gozo ¢ permi Para a histérica, a impossibilidade propria aquele discurso, cla a transforma igualmente em impoténcia, pois seu saber, animado pelo desejo, sustentado pelo desejo, pelo objeto pequeno a, detém-se diante do que poderia ser seu surgimen- to, Ea mesma coisa que evocava 0 quanto a histérica est presa & insatisfagio de seu desejo, ¢ inclusive também ao desejo de saber. Em outras palavras, sabes, tudo bem! Mas nao ir longe demais. E vocés sabem como na clinica isso é tio facil- mente verificavel; o sentimento frequente no trabalho de que, a0 se aproximar de perto demais do que poderia queimar, melhor sair um pouco para famar um an de que, nesse dispositivo, cigarro! Portanto, essa observacio por parte de La o discurso psicanalitico vem, a cada ver, desses dois discursos ~ 9 do mestte € 0 da histérica -, de algum modo reduzir efetivamente, fazer alibi para o impossivel, fazer-lhe Alibi com a impoténci O que, diz Lacan, € um: de onde as Quiasma marcante por nao ser © bom, a nao ser para denuncia id impossibilidades encontiam facilidade para se proferit como dlibis., Como obrigi-las a demonstrar seu real, pela propria relagso ques so estat ali, 4 Fungo 4 dele como impossivel? ao estar ali, faz fungio dele como imposstvel” remete, “prépria relagio que, ae vrs lugar da verdade, ou também 0 do a cada ver, a0 que nesses discursos ocupa © —______— "Ibid. p. 445. " Ibid. p. 445. 30 A Neurose Obsessiva ar esses discur- real, Ora —€ isso nio ¢ evidente quando nos contentamos em olhar sos —, Lacan nos diz. o seguinte: Ora, a estrutura de cada diseurso necessita af uma imporéncia, definida pela bareira do goro, se diferenciar af como disjungo, sempre a mes ene a producio [designagio no quadro do lugar da producto, em baixo & direital ¢ su verdade [designacio do lugar da verdade, embaixo & esquerda)- Vemos, entio, como cada discurso ~ ¢ podia-se desconfiar disso, ¢ podia-se prevé-lo ~ se organiza, por assim dizer, por uma impoténcia definida pela barreira que 0 gozo vem inscrever af, a se diferenciar af essa barreira como disjunsao, sem- prea mesma, entre a produgio do gozo e sua verdade. No discurso do mestre, é 0 mais-gozar [que faz, portanto, a impoténcia desse discurso] que nao satisfaz 0 sujeito, senfo ao sustentar a realidade unicamente pela fantasia [o pequeno @ em sua relagio com 8]. No discurso universitério [o que faz barreira, nesse lugar, nessa produgao, nesse lugar de produgao, bem:] ¢ “a hiancia” o que faz barreira] em que ¢ tragado 0 sujeito que ele produz, por ter que supor um autor ao saber." Isso é um ponto que mereceria, que é desenvolvido em O avesso det psicanlise,” essa propriedade que o discurso universitirio tem de nao poder de algum modo suportar a emissio de um saber sem lhe emprestar 0 suporte de um auton, 5. E & bem desse S,, de algum modo, desse autor suposto, que esse saber toma sua autoridade, Entdo, 0 que estamos vendo € 0 que em cada um desses dois discursos — 0 discurso do mestre ¢ 0 discurso universitério — transforma seu impossivel, impossivel préprio a todo discurso, em impoténcia, pelo fato da producao desse mais-gozar que, como vocés veem, se distingue num ¢ noutro caso. Estamos familiarizados com aquele ali [designacio do discurso do mestre]. Sem diivida por razbes que nos concernem, temos tendéncia a negligenciar o discurso uni- versitério; quer dizer, temos certamente tendéncia entre nds a respeitar a fungio do autor; “a fungio do autor": supor, eu retomo, eu repito, supor que a emissio de uum saber nfo pode ser suportada senfo pelo qué? Pois bem, nao pela falha, pelo corte representativo de um sujcito ~ ou seja, esse saber nfo set nunca senda organizado pelo de que se trata num desejo inconsciente, do qual esse saber mais 0 =, mas sempre su fi ae supor entio que esse saber tem tum autor, que hd ali um Um que veio forjan, que veio or af ue veio emitir esse saber, ganizar, q ou menos felizmente constitui um avant "Ibid. p. 445, ™ LACAN, J."Radiofonia". Op. cit, p. 445, "LACAN, J.0 seminérl, lio 17 — 0 avesso da prcandise. Op. ct Ligdo H - 15 de outubro de 1987 31 : Nio vou retomar isso uma enesima vez. E, em todo caso, a explicagio do ano- nimaro almejado de Scilicet,"* ou seja, a tentativa justamente de renovar com uma tradicio que nao era rara, em particular no século XVII, mas também no século XVIIL Surgiam livros escritos por pessoas inteiramente honordveis ¢ conhe que, sem ter de forma alguma a intengio de se dissimular, nao se tratava de forma alguma de evitar a policia, mas parecia inteiramente normal que se escrevesse sem nome de autor. Hi textos de Diderot, no poderia mais lhes dizer essa noite, no pesquisei, ha textos de Diderot que ele publicou, mas sem nenhum nome, textos que no corriam nenhum risco. Nao se watava de mancira alguma de um anonimato para se defender da censura, Tratava-se do fato de que,o que ali era adiantado no era feito para vir, de algum modo, nem se apoiar na autoridade de idas um nome, nem vir servir 4 sua celebridade. O que era ali adiantado valia eventual- mente pelo interesse do que era proposto, ponto final. E, em todo caso, nao havia referéncia nesse caso, referénci ndo © autor. feita aquele que se propde como s io trati Resta, € claro, que no discurso universi ¢ de uma impoténcia em (0, pois, como vocés sabem, por mais que se faga referencia a0 autor — 20 autor com um A maitisculo, por que nao? ~, a obra, contudo, realizar essa muta permanecerd 0 ma frequentemente, nio sera senao excepcionalmente a tiltima obra, a obra derradeira, a obra efetivamente produzida pelo autor que se pode- ria almejar. Enfim, poder-se-iam também, nessa ocasifo, se q car todos os problemas de pligio, quanto aos quais sabemos como em certos ermos nos divertir, evo- casos eles podem ser atormentadores, que clinicamente se ordenam em torno desse tipo de questio. Quero dizer da dificuldade em reconhecer que aquele que reivindica ser 0 autor yeio forgosamente tomar emprestado no jardim de todos aqueles que até entéo puderam contribuir para essa mesma fungio, ¢ a “em esses casos que partir dese momento, evidentemente... Enfim, vocés conhi foram relatados na clinica, de tormento a propésito da questo do falso... desse paciente que softia por se supor plagiirio, e podemos compreender sua dificul- dade com a ajuda desses esquemas. Entio, estamos no seguinte: a estructura de cada discurso necessita uma impoténcia definida pela barreira do goz0 [pois cla vem, essa barreira] para diferenciar-se ai come disjungio, sempre a mesma, entre sua produgio [do gozo] e sua verdade.”” amos de ver de que maneira isso se distribui no discurso do mestre € no Ea discurso universitrio. Sao, diz Lacan, NE ~ Revista editada por Lacan, na qual, por decisio dele, os textos eram publicados ano- nimamente, sem identificagie do autor. "Ibid. p. 445. A Neurose Obsessiva 32 ig se Ie ainda que sto armadilhas para fixd-los no meio do Sao que estd em questo. Porque clas no sio senio cm a0 4 a dle provém verdades, mas nas caminho de onile 0 real ¥ consequéncias do discurso que 9 discurso, um discurso que nfo propusesse 0 £070 comg limite, como dote = 2 paves € uilizada em algumé, PATS “> cone mura mite, tra a verdade, no se sustentaria... Mas, ele nos diz, entao, por enquanto, ontra a verdade, 14 . t a ‘9 vale como verdade, mas dizer tudo isso nos detém 9 real vem a0 que esté em questdo”, Mas esses 6 discurso universitdrio, esses discursos, de esses discursos surgiram -lo Fungo, esse discurso, O préprio de tod evidentemente, tudo is “no meio do caminho de onde discursos - 0 discurso do mestre, onde eles surgiram? Pois bem, nos diz ele, 0 discurso, da biscula em que o inconsciente faz. dindmica ao fa em “progresso” ~ ele 0s fue girar na diresio do discurso suposto constituir um progresso em relagio ao precedente, “progresso” esté aqui entre aspas —, ou seja hos diz Lacan, para o pior, em progresso, sobre o discurso que 0 precede num certo sentido roratério. Entio expliquemos isso pelo que segue: 6 discurso do mestre encontra sua razio no discurso da histérica. Porque 0 mestre, ao se fazer 0 agente do tado-poderoso, [...] Voces veem o que eu evocava ha pouco por acasiéo da alocugio médica; 0 mestre, “ao se fazer 0 agente do todo-poderoso”, aqui — designagao de $,-, na me- dida em que ele reivindica o Um supremo, o proprio cetro, pois bem, 0 mestre: Fenuncia a responder como homem quando, ao solicitar-lhe ser, a histérica s6 obtém saber: 0 aawi, no di wo . i mestre, aqui, no discurso histérico [designago de $, no discurso histérico] a0 se fazer agente do todo-podel ir aqui ‘40 de S, no discurso "FOSo, 20 vir aqui [desi i qui [designagao de S, no di do renuncia a responder como I homem qui ici icnisica [e mulhet}séubvem akan quando, a0 solicitar-lhe ser, a histérica [ser capaz de produzir nesse responder como | homem a essa solici a essa solicit todo-poderoso que o mestre on mos porque o discurso da histér ‘citagao da histérica ¢ ao se fazer o agente do ani panies de algum modo seu discurso, do qual ve- @€A razAo, Ou seja, & po: jad Ba sl itado ® Ibid.,p. 445, ‘Ja € porque o mestre solici Ibid, p. 445, » Ibid. p. 445, Ligdo II ~ 15 de outubro de 1987 33 no discurso da histética nfo pode the responder como homem, que ele inaugura 0 discurso do mestre. Tido 0 que cla obtinha af, ao solicitar-he, era saber. Entio vocés me ditto, mas por qué Serin apens um arbitré- rio dessa escrita? © arbitrario, para Lacan, dessa escrita bastaria para explicé-lo, S6 que nés sabemos também, clinicamente, como o sujeito 20 solicitar o mestre s6 obtém como resposta o qué? Ele s6 obtém o recalque. Isto é, a produgio efeti- vamente, no inconsciente, de um saber. E entio esse discurso do mestre, pois bem, esse mestre, um efeito de E a0 saber do escravo que ele entio recorre [ele recorre a ele para qué? Ben para produzir o mais-gozar com o q al a partir do seu [do sew saber], ele obtinha que a mulher fosse causa de seu desejo. Entre parénteses, Lacan dit Iher fosse objeto de seu desejo; “eu nao digo objeto...", que nio obtinha que a mu- nao obtinha que a mulher fosse causa de seu desejo. Entio por que é que ele nao obtinha que a mulher fosse causa de seu desejo? Por que que cle recorre ao eseravo? Tudo que podemos constatar quanto a isso, tudo que podemos comentat, é que aqui [discurso do mestre] 0 objeto a se propoe como mais-gozar, ¢ 0 objeto como tal. O que vemos aqui [dliscurso histérico), & gue 0 que se isola no lugar do mais-gozar é 0 saber, Portanro, ficamos nisso de que, por um movimento de algum modo regres- sivo, nao mais de progresso, mas de regressio, & no discurso da histérica que © mestre encontra sua razo, Nao se trata, evidentemente, nesse tipo de dispositi- vo, de uma explicagio, de uma antecedéncia hist6rica, mas o que podemos con- siderar apenas como sendo uma antecedéneia logica, que s6 pode nos lembrar 0 que repetimos tantas veres, oUt seja, que o discurso da histérica nio produ nenhuma subversio; e quem vem de algum modo Ihe responder, no lugar onde 9 mestre ¢ solicitado ser um homem? E 0 discurso do mestre, onde o mestre, onde o homem impossivel, é 0 caso de dizé-lo, reveste-se das insignias do mes- te, insignias que Ihe conferem, como vocés sabem... A forma que Lacan tem de dizer também que o mestre, o mestre & sem desejo. Na medida definir 0 mestre em que cle Um, em que se apresenta, se propde como Um, por isso me nada; ¢ entio ele € estranho ao desejo. por a histérica ten 0 mesmo ao mestre, por definicgéo, nao fale isso que Lacan frequentemente insite no fara de que cabe : & meamo o papel que ele atibui a introdugio da filosofia~ fazer o mestre desejar. Fuser assim brilhar 0 que the falraria, 0 saber, por exemplo, do qual no restaria seniio operar essa transfusio, que faria com que o mestre Foss ro mais, em seguid! ansf : evleeentor de um saber que Ihe permitiria gozar como o escravo, enfim melhor que ele, ja qu a mais perfeita que 0 escravo. vigo vow retomar diance de voces tudo o que essa situagio pode produzir, eanto romanescas quanto solicitar como rentativa histérica ou refle- ¢ ele € um mestre; gozar de mane’ essa como situag6e xdes etc. Deixo isso de lado. A Neurose Obsessiva tentando ver de onde a impossibilidade propria a cada Portanto, estivamos lo ser suspensa para que o real, para que o ; ‘ade algum mod j res ‘ uum dos discursos podia de a8 * discutindo a propésito desses dois mposs . el cmergisse daf como tal; ¢ estavamos a0 di ‘ stérica na medida em que Cle dé a razao do disci . di is, o discurso da his acan, é daf que “se assegura que a impossibilidade de Pots bem, tos di. L . eee’ mestre. Pois bem, 08 eo ae comandar o saber, que é a tentativa do dis govern — essa impossil i" ae “54 " essa imp Mteesa impossibilidade de governar “s6 seré curso do mestre, © saber do escravo — i oe ircunscr bathando regressivamente [..”. circunscrita em seu real traba regres ; Porque haf esas echas, para tr nfo no sentido de um progresso, mas no sentido regressivo; trabalhando regressivamente “o rigor de um desenvolvimento ' i 24 Gque necessita a fala a gozar em seu inicio [. Y. - —— Ou cj, logicamenc, & preciso a fara a gozar no inicio, aquela da histérica confrontads a0 mestre, para quc se destaque a impossibilidade propria a todo govern, Por que impossiblidade? Pois bem, por que ht af como produio, no Ingar da producio, esse objeto, 0 mais-gorar, na medida em que, evidentemente cle escapa por isso mesmo a esse saber, nfo vou voltar a isso mais uma vez. Estavamos no cardter regressivo do discurso do mestre em relagio ao discur- so da histérica, a0 passo que, 20 contrétio, era em progresso em relagio ao dis- curso universitario, por vir depois dele, nao por estar antes, mas por estar depois dele nessa rotagio, é entao, por estar em progresso em relagio ao discurso universitirio, que o discurso do analista Ihe permitiria circunscrever 0 real do qual a impossibilidade faz fungio {do discurso universitério, o real do qual ele faz fungao, isto é, $,] ou seja, se ele aceita submeter & questo do mais-gozar, que jé tem num saber sua verdade, a passagem do sujeito ao significante do mestre.”5 O que ¢ que isso quer dizer? Isso quer dizer uma coisa extremamente simples; maamed ida em que o discurso do analista nos mostra que aquilo de que se sustenta © Outer gone Ouo, um ajo 0 aj ao maga, poder iscurso universitério ao querer, de algum modo, substi tuir aquilo que 4 6 Sur aaullo que no Outro esté para nds em fungio de autor por cada um de nés~ evidentemente desconhecido por aqui le que é di éprio autor, querer substitui a iele que € seu produto, esse prop! lucrer substituir por um significante mestre esse objeto. Entio, essa frase que parece dificil, que est4 no alto da objeto. Entio, ¢ disso, Quer dizer, entdo, que &o dew 446, essa frase nao diz nada além - ‘UNSC i . ay Fano [para eeieeaMSEEVr 9 ta do qual sua impossbi se ele aceita submeter & questi0 Ligdo II - 15 de outubro de 1987 35 do mais-gozar, que j tem num saber sua verdade, a passagem do sujcito ao sig- nificante do mestre.”* Vamos chegar agora muito rapidamente ao fim desse exercicio que, espero, nfo thes tenha parecido érduo demais: “Trata-se de supor o saber da estrutura que, no discurso do analista, tem lugar de verdade."” O que é 0 saber da estrutura? Pois bem, é evidentemente ater-se a esse fato de que a linguagem é a condigio do inconsciente; que nfo ha nada além dessa cadeia sonora. Portanto, 0 que permite de algum modo circunscrever o real do discurso universitério € entio 0 saber da estrutura que no analista tem lugar de verdade. Nenhum mestre que se sustente na linguagem, mestre é um efeito da linguagem gracas ao qual tentamos ter algum tonus, alguma postura, © que vocés quiserem, Trata-se entio de dizer, por isso mesmo, com que suspeigio 0 discurso analitico deve sustentar tudo que se apresenta nesse lugar. Tudo isso que justamente nao é da ordem desse saber € que, de algum modo, pretenda responder & questao da verdade. Pois, diz Lacan, e chego ao fim: A impoténcia nao é a aparéncia da qual o impossivel seria a verdade, mas também o contrario: [...] A imporéncia nao € 0 disfarce, se quiserem, 2 maneira pela qual o impossivel seria a verdade; mas nao é 0 contrério tampouco; “a impoténcia, valeria a pena fixar o olhar nela”, hé ali ao menos alguma coisa da qual poderfamos nos regozijar com o que se oferece a0 gozo “se a verdade nfo se visse af a ponto de ir... pelos ares” 223° Em outras palavras, precipitemo-nos nos bracos do que se oferece a0 goz0, disso que cada um dos discursos permite a0 gozo, para evitar que a verdade de cada discurso possa, de algum modo, surgir. E, como vocés vem, o lugar, a fun- ¢40 do gozo — como eu dizia da tltima vez — como muralha, como defesa? etc. Entio, diz Lacan: E preciso parar com esses jogos cujos custos derrisérios a verdade paga. Sé acuando 0 impossivel em seu tiltimo reduto é que a impoténcia adquire 0 poder de fazer o paciente virar-se em agente." [designagio do discurso do analista] % Ibid. p.446. » Ibid. p. 446. % Ibid. p. 446. » Ibid. p. 446. No original,"s‘envoyer...en lait", expressiio que equivale aproximadamente aentrar em ON érbita", usada, em francés, para signficar 0 gozo sexual, o orgasmo, o éxtase, mas aqui também com o sentido literal de “desaparecer”,"se perder”. 1 LACAN, J."Radiofonia”. Op. cit, p.446, A Neurose Obsessive « adquite 0 poder de fazer © pacienye imnporéncia evaca CETTRIENTE 0 8070, ma, ih gjustamente essa falta a gozar propria wile fazer 0 paciente’”, 8, “Virar-se gry o comanda. “E assim”, diz Lacan a impoténcia qu i que é Por que sera que i ‘ 2 Pois bem, porque ql ar. E, nos diz. Lac é capaz entio ate, naquilo que virar-se em agent também a falta a 80% esses discursos qUE cada um d raquilo que € se a6CH agente”, 1 Ha estrutura tenh Jae vem em ato em cada revolugio pela qual ha deg a Ae a verdade vem em 3 d |] [mude de goo]. queave Fimpaténcia rude de modo [..] [mude de g ]. Assim, (ovo) a farer, para que a ve cla revela do gozo e fa surgir a fantasia que 9 pelo qu fo fos discursos podem girar in do discurso que Fedu a linguagem faz. inovasi ela realiza por um temp' [a Tinguagem} na medi céleulo. Ja sé aborda o real ndo furo em seu }. [Mas] o dito fa Eis entio a questo, esse isolamento do real como impossivel endo mais sim. plesmente, eu dire, defendido pela imporéncia. oe “Taig discursos", termina Lacan, “nesse momento nao ha muitos’ subl- nhando, evidentemente, o lugar original que o seu ocupa af. Nao estou certo de que, se vocés mesmos nao arrancaram alguns cabelos com esse texto, nao estou certo de que esse comentario que tento fazer sobre ele seja inteiramente eloquente. Mas jd que, da tiltima vez eu propus esse texto para nés como um enigma... Que enigma? Pois cle ¢ escrito, como vocés veer, de mancira a... Além disso, é um texto transmitido pelo radio, Eu nao o escutei. Acho que foi transmitido pelo rédio. Mas devia ser muito engracado! (risos) Sim, certamente, eu digo isso... Mas em que ele seria enigmtico? Pois bem, justamente a maneita pela qual ele foi respondido por esse Edipo, de quem encontramos mais ou me- nos, no inconsciente de cada um, os encaminhamentos que seu pensamento pode seguir. E isso que € divertido. Como vocés podem fazer a constatagio na prova da andlise, nao é preciso ter lido os mitos gregos nem Séfocles para descobrir em seu inconsciente que, sim!, que surpresa!, oh!, ha Edipo! Mas 0 que poderiamos agora evocar sobre deu a Esfinge? a mancira pela qual Edipo respon- Podemos evoca a esse fato de que, certamente, em seu tipo de resposta, quet dizer, também si “eh, situando esse do esse percurso do homem do nascimento & maturidade €® morte, , diz Lacan em al 1, diz La algum lugar, isto é yt, ISCO EO retory ‘ itar- s= como una bala no vente de sua mic" @ hen: sea Sum mode, “precip iat sua mie, a mie como goro, a titulo de ni on €ssa_a questo; Edipo escolhew le niuralha rs tamente; essa verdade de que A mulher na hevconera qué? Contra verdad, c- Edipo enc her nao exi = = ipo encontrou sua mie xiste, de que nao ha relago sexual 0 mérito de nos lem, ts Mas no era A mnlher tt saa mie! © que em aro que? Pois be: » ra sua mie! pode encontrar no inconsci eM, que esse movi i se consi ¢, + lovimen: jano que nsciente,., num, 'consciente bem-fc to, edipiane Oe ‘m-formado, nds Pp" ” Ibid. p. 446, "Ibid, p. 446, Ligdo I — 15 de outubro de 1987 37 mos também sustenti-lo justamente como defesa; isto é, a instauragio de uma impoténcia. Nao se deve ir af porque... porque, parece, hé alguém que no quer. Niio ficaria bem se... Etc, Mas, constituigo de uma impoténcia nisso que ela vem radicalmente defender contra o impossivel, esse fato de que nao ha relagio sexual, esse fato de que A mulher nao existe. E ¢ por isso que Edipo, por mais que seja trdgico, eta, ainda assim, de uma certa manera — acho que nao se pode dizer outra coisa — um belo cagio! Pois, detendo-se de algum modo nessa posicio, ele € evidentemente condenado a nunca ver, a permanecer cego efetivamente ao de que se trata na verdade. Vocés vem, eu Ihes dou aqui uma interpretagio desse enigma que Lacan nos propée, ¢ do qual alids ele diz, também falando de Edipo, que afinal, se Edi- po tivesse respondido & Esfinge no momento em que cla the falava dos quatro pés, se ele the tivesse preferido responder com os tetrdpodes de Lacan, isso teria sido... teria talvez sido menos lamentivel. Creio que € preciso, de todo modo, que tomemos a medida do que esse tipo de mito, que se vé assim organizador, to comumente organizador da vida psiquica, ¢ a0 qual, além disso, atribuimos evidentemente um certo ntimero de méritos na organizagio da subjetividade, na constituigio da realidade, esse mito edipiano que tao habitualmente vai sustentar téncia, devemos nessa circunsténcia avaliar seu lugar, sua incidéncia, até mesmo sua fungio na medida em que esse mito vem nos cegar em relagio ao de que se trata na verdade. Certamente, alguns de vocés ficaram um pouco tocados por eu evocar esse termo de mancira tio repetida e puderam objetar que Lacan disse, em numerosas passagens, 0 quanto afinal a verdade — ¢ eu também evoque’ isso da diltima vez — © que fazer com ela? O que vocés querem fazer com ela? F justamente a questi muito conveniente, eu acho, que nos € proposta, que se oferece a nds, € que, entre outras coisas, terei oportunidade de comentar a propésito do que eu darei sequén- cia como prometi, isto é, sobre a neurose obsessiva. E que eu tenha entio intro- duzido essa neurose com esse tipo de precaugio, pela razio que eu penso que thes ésensivel — em todo caso, assim espero —, é porque a clinica, 0 problema essencial E saber que uso nés fazemos dela, Se a fazernos entrar num discutso de mestre, o que pelo fato da fascinagio exercida pelo discurso, pela alocugto médica, é muito frequence, nesse caso 0 esforgo que podemos fazer s6 poderia contribuir para favorecer precisamente aquilo contra o que, aquilo em que nds tentamos nfo nos deter, Nés tentamos nio nos derer nesses limites. E eu me sinto encorajado na oportunidade por ter em mente ~ quando fazemos clinica ~, por ter em mente que cla 56 vale com a condigio de tomar lugar num discurso em que, rodo 0 rem mos nds mesmos que estamos na berlinda. Néo se trata, sobretudo nao para nés— creio nao cer faltado demais af no que fi 10 se trata, cer tamente nio para nds, de nos propormos como os verdacdeiros mestres, visto que os psiquiatras nao teriam sido bem-sucedidos nessa matéria, de nos propormos nossa ex! po, sor com a histeria -, ni ANeurose Obsessiva 38 mo saber do mestre. O que ncerne ao funcionamento de cada um, seja sera subjetividade. E eu me esforsarei do percurso; a proxima vex é, se sessiva, terial 1e, sobre a neurose obsessiva, © e dizer a respeito 0! nizagio, no decorrer como aqueles qu somos capazes d vo ou no em sua organiza lo valer para voc’s, pao me enganoy 12 de MOVEMB: gs embrut Voces tém perguntas sobre isso tudo? Serd q) Entio? 2 Deve set dificil... Entéo? ; “soa wha 1 Fol evidencemence também ~ mas eu anuncicl Iss0 claramente io Foi evid a com 08 textos de Lacan ¢ com o ensino de Lacan que ¢ a Por em questio, vroma nds todos conhecemos ¢ como nds mesmos podemos ide fazer de seus textos — cut disse isso da tiltima ieee de fazer de seus textos, como eu ditia, ocasio de gozo. E, Por que ni ? Nao vejo por que motivo eu viria bancar 0 bicho papio ¢ dizer: ude So sla munca gozar com isso, Cada um goza com 0 que quiser, isso diz respeito a ele E ce azo of textos de Lacan, muito bem, nao é pior do que outra coisa qualquer. © problema sendo simplesmente que esse gozo no deveria, para nés, funcionar como limite. Isto é, como sendo, finalmente, 0 que seria a ocasiéo de reuniao dos diversos grupos de trabalho, ali, o sentido de nosso interesse, nao € mesmo? Por- tanto, goz0, tanto melhor! Nao vamos nos condenar, nos obrigar a uma espécie de ascetismo... Mesmo a lembranga, a esse respeito, dos detalhes bastante obscenos, obses entio, para faz eci completamen- para nos lembrar que, ter essa tendéncia, tao facilmente, devo dizer a mancira como eram utilizadas na época gloriosa do seminario as gravagbes de Lacan, por ocasiao de festas privadas, creio que é bastante exemplar de para que isso pode servi. Alids, ele sabia disso! Evidentemente, Sendo nao teria tido interesse... Pois bem, ha maneiras de trabalhar. Eu vejo isso na leitura de trabalhos, que alids nao vém essencialmente de nosso grupo. Mas eu percebo bem essa espécie de degustacio... E de muito bom gosto ¢ esta muito bem. Mas hd esse “mas”, Quero dizer... vamos até o fim disso a que nos convida ¢ssa degustagao; ou seja, considerando o que cu acabei de desenvolver. E que cla nao € 0..., mesmo se ela é suculenta, nao € 0 fim do fim. Ha ainda outra coisa € eine que nos intoduz todo esse ensino. Quando ele dizia em seu seminati pod amos dein oe pelo fs O que é que isso quer dizer “estar aqui”? Que nao wdifcaldadets ace ero dizer tudo isso a que podia nos introduzit, ali, E se o viam de articulagées etc,, mas ele estava voz. Portanto, podiam nos introduzit suas longe, porque havia mi isso que fisicamente, de de suporte, sem duivida necessatio também ~ como ele dizia — como efeito de buttice, Sim? E Aroukh =|...) Lac: an [...] em posic cle estava em que posigig? Posisdo de analisante fazia seus semindrios, jrta gente, mesmo assim havia st ® & algum modo, vinha ali suportar, seit 20 i i nteresse ¢ A possibilidade de ouvi-lo. Mas © que isso podia ; b : Me isso podia introduzir, de sua parte, indwzit Ligdo II - 15 de outubro de 1987 39 _ Ch. Melman — stava na posigio que ele sempre disse. Isto é, uma posigio histérica, E, alids, cle colocava seu auditério em posigio de... ele colocava seu auditério em posigio de patrao, nao é mesmo? E. Aroukh —E de analista? Ch. Melman —Também de analista, O auditério... E, alids, muito notavel, eu acho, ver como nesses casos 0 auditério ouve... E um efeito que eu acho sempre bem surpreendente. Isto é, de que modo 0 auditério nesses casos se coloca em posicao de escuta muito... muito sutil ¢ muito precisa. Como todos os lapsos so imediatamente e finamente apontados (risos), os atos falhos, os deslizes, os esque- cimentos etc. E um efeito que é sempre bem curioso. R. Chemama — Entio, eu gostaria apenas de voltar a0 que 0 senhor falava; ou seja, no fundo, dessa degustacao infinita de textos de Lacan. E eu me per- guntava se nfo se podia compreender isso a partir de uma passagem, mas que precisamente 1 lo compreendido exatamente como o senhor; enfim, em todo caso, 20 menos num dado momento fiquei um pouco perdido. E preciso dizer que Lacan fala da vertigem a propésito desses quatro discursos e que é verdade que af se... heim? Um texto como este é bem feito para dar essa impressio. Entio, talvez simplesmente cu nao tenha compreendido bem. Mas no fundo o que cu via enfatizado no alto da pagina 445, quando ele fala da impossibilidade de governar, é que me parece entio que cle dizia que isso se traduzia como impoténcia de comandar o saber. Mas, entio, talvez seja isso que ‘9 senhor disse? Mas cu via mais entéo como uma passagem da fecha S, + S; no alto no discurso do mestre, para a flecha, mas torcida, S,, S; no discurso do analista (S, = S,). Veja. Quer dizer que af essa flecha entao [...]. No fundo, © que é impossivel no discurso do mestre se traduz como imporéncia no discurso do analista? O senhor torceu um dos dois ramos do quiasma para ver em seguida com... Eentio, se 0 senhor concorda, isso me parecia uma questo, porque isso ressalta uma impoténcia no préprio discurso do analista. Isto é que nos habi- tuamos bem frequentemente a contrapor 0 impossivel, que seria “melhor”, ¢-a impoténcia, que seria “pior” etc, Mas hé uma impoténcia especifica ao préprio discurso do analista. E. uma “imporéncia’, diz ele, para comandar o saber. Ele diz: “Com o inconsciente, é dureza’, hein?, comandar o saber; entao, ali embaixo a direita. E efetivamente no proprio tratamento vé-se bem... O que € que pode- ria ser da crenga que se pode comandar o saber? Que, alias, vem de preferéncia do lado do analisante. Enfim, no que se refere ao discurso do analista, S, esté principalmente do lado do analisante. Mas eu me perguntava eno se nio era eega como dizer? — essa flecha torcida ali entre S, € S» portanto essa impocéncia especifica do discurso aqui? Essa impoténcia espectfica do discurso, portanto, do nalista, enfim, que aparece no discurso do analista, que ¢ antes de cudo alguma coisa que vale para o tratamento, mas que, de algum modo, transposta para o ‘viel de nossa reflexio, de nossa elaboragio etc., daria finalmente nessa propen- 10 estou certo de t A Neurose Obsessiva 40 re, nunca se terminou de fazer a exegese, como amente, nunca o a acredicar gue, fet a da wiltima ver. Fun estou senhor di Ch, Melman — Je fazer entrar no ¢ andar 0 8 i a orind. E um deslize de minha parte, uma fala soralmente de acordo, Absolutamente, Voce tem "be. anc . Frcurso do analista a impoténci, voce tem today Wher, voce tem toda a rao de fazé-la entra toda a razio d poténcia dle com razao, a 1m] tamente de acordo, R aqui. Absolut de {inaudivel]. R. Chemama - Nio, ¢ essas questoes sobre a impoténci Ch. Mehnan - Exatament’ m mm fim, sem termo. Exatamente: Absolutamente. er voltas sucessivas, ni gira mas que, ereio, esclarece amplamente em nossa Icitura de Lacan. ia, 0 que € a aspiracao em um detalhe, também como vocé o di diregio a exegese se © que nos diferencia & que nossa exegeses a0 fa i cm clreulo, Pois nessas volta, gragas a essas voltas, cla é suposta vir englobar 0 gue faz causa, Fé af, ento, que vet se inserever um termo, que vem se insrever tim fim que, evidentemente, por isso mesmo ~ como eu diria? ~ no é a tlkima palavta, nfo é a palavra dertadeira; pois, precisamente, tata-se principalmente de marcar que nio ha iltima palavra, Mas essa exegese, que Roland Chemama evocava hi um instante, joga com isso. Ela joga af com uma espécie de equi- voco, supondo que, ou todas as opinides se valem, ou se acabaria por chegar, confrontando-as, por uma especie de habilidade suprema, chegariamos & tltima palavra, mesmo que ela fosse impronuncivel. Mas © que aprendemos com isso é que justamente o termo de tudo isso € que, nfo havendo tiltima palavra, havendo apenas falha, a tiltima palavra sé podendo escapar, isso nto quer dizer, consequen- temente, que todas as opinides se equivalem. Pois elas s6 valem com a condigio de articular essa falta de palavra; ao mesmo tempo, por assim dizer, elas adquirem um sabor completamente diferente! E ao mesmo tempo um prego, que podemos recone como sendo tal ow tal opgio de gozo na existéncia. + Lacan € um dogmitico, Mas se vé bem - ne que seja pela maneira com a qual ele era ca na qual cle tinha o cope! poate qi era capaz, com a qual cl o falar no We © que cle nos propunha imestres. O que ele nos propunha era, para nnho mais longe do que simpl ¢ sous possibilidade, P “ilidade, posbildade de centar © que? Pildade,posibilidad a. © qué? be ities €a¥ que da dima vex eu ! bre isso. E evidente que a qui algum, eu nto digo de mod condigio? Com a condi verdadel justamente nao eram significances quem quisesse ir procurar um pouqu mente hav! fente seus embaragos de gozo na existéncia, havi# tio da aan no quis ser eloquente dems Fea xian dA mtr 36 pode ence! — fo de que esse . » mas algum progresso, co™ qu Go € outra coisa ~ seins oo HO» & titulo de verdade — pois & #™ J@ teconhecide como tal, Ora, nossa organizagie Nossos roteiros coy n “io hama de vida amorosa ¢ inteiramente 5" como impoténci nae . Como impoténcia. Ou Ligdo I = 15 de outubro de 1987 41 pela reivindicacio ¢ pela insatisfagio definitiva que vai colar um homem ¢ uma be, © que mente explorados em mulher juntos, com os roteitos que se diversos palcos. amp Um dia, na Association frewdienne, organizamos uma noite com homens de teatro ¢ de cinema, mulheres também, colocando para cles a questio: “Serd que vocés vio continuar a nos contar as mesmas histérias?”. Pois, enfim, o que Eimpressionante, ser que esse fato de que A mulher niio existe, e que se pode repetir, se troduza o real como impossivel em relagio a essa impoténcia que constitui o fundamento, o organizador da vida conjugal com ipicidad ro? Vocés. que o fato de que isso i sua ser que o fato entio de repetir isso introduziu algum outro rotei- cho que ficariamos am isso em algum lugar? Se houver um ou uma, todos muito interessados, Pois o que € impressionante ¢ que, com essa verdade posta, no entanto o que se impée como tipicidade, como dislogo, como culto, justamente a i npoténcia. Quando mpoténcia como o que vem soldar o casal. A i poderiamos evidentemente nos interrogar, ew insisto, sobre 0 que poderia ser uma existéncia conjugal que de algum modo se encontraria fundada num gutro reconhecimento que nao esse. Mas, como ser escrito. O que poderia ser isso para aqueles que tivessem algum talento ¢ que se destacariam? Evidentemente isso faria sucesso! Eu os aconselho vivamente a buscarem isso, porque seria imediatamente ouvide como inov: evoquei diante de vocés, mereceria 10 més! To, com esses encorajamentos, até o préxii » N.E.— Atual Association lacanienne internationale. Licao II 12 de novembro de 1987 Ha algum tempo, ouvi uma pessoa, falando em piiblico, ser levada a evocar seu pai —era um homem de uns cinquenta anos —, evocar seu pai na televisio, ¢ dizer a seguinte coisa: “Meu pai, que tem oitenta ¢ cinco anos, € sélido como uma rocha, gragas a Deus.” E sobre esse “agradecimento” enderecado a Deus que eu queria chamar a atencio de vocés, para comesar. Com efeito, claro que, destacando-o do que é simplesmente usual, 56 se pode ouvir isso como a resposta explicita a um voto de morte implicito. Se esse voto nao estivesse ali, naquele momento, presentificado, essa férmula teria parecido supérflua. Comegar 0 exame da neurose obsessiva por esse pequeno exemplo inteira- mente banal tem o interesse de mostrar 0 qué? De mostrar, por esse pequeno exemplo extraido da vida cotidiana, que, por um lado, essa fSrmula era esperada por sua audiéncia; se ele tivesse ficado em “meu pai, oitenta ¢ cinco anos, sdlido como uma rocha”, ponto, isso teria deixado pairar um certo mal-estar. Quero dizer com isso que, tanto para seus ouvintes quanto para ele mesmo, esse gragas a Deus era esperado; ou seja, af nao se vé, af nfo se olive nenhum voro de morte. A segunda observagio, talvez igualmente valida para nés, € a seguinte: ali se dava a entender, por esse “gracas a Deus"; 0 que se expressava pelo sujeito do inconsciente, pelo inconsciente. Ora, esse inconsciente nio esti, de forma algu- ma, ao nosso alcance fazé-lo falar; ele fala quando quer, ele fala quando Ihe dé na telha, ele nos surpreende, ele nos transborda, ele nos “lapsus”, mas néo hd como, evidentemente, fazé-lo se exprimir do nosso jeito, a nosso bel-prazer, exceto, pa- rece, ¢ é sobre isso que cu queria ainda chamar a atengio de voeés para comegar, exceto, parece, numa circunstincia desse tipo; esse tipo de circunstincia que, de um modo ou de outro, gira em torno do que ¢ devido ao pai, e jé thes fiz notar 0 quanto 05 lapsos séo frequentes por ocasiio de diversas ceriménias que podem, ir a ele, a0 pai, quer se trate de luro, claro, mas também de justamente, conce! t ‘casamentos, de nascimentos, tudo que vocés quiserem, 0 quanto é af uma ocasiio em que fervilham os contrassensos, até mesmo os contra-humores. Esperamos risos, aparecem lagrimas, esperamos ligrimas, aparecem tisos etc a A Neurose Obsessive Portanto, imediatamente, essa observagio de que, se somos bem desprepa- rados para fazer fila esse sujeito do inconsciente, no entanco uma circunsténcia parece de algum modo desencades-lo, provor juele que Kou faz uma fala de circunstncia esse {-lo com uma relativa constincia, 9 temor da gafe cometida por ‘ circunstincias; portanco, cis af a circunstincia em que esse sujerto do inconsciente Jo; primeira questo, entdo, que nos colocaremos por Ede algum modo cut ao desse fato inteiramente menor, Mas que tem & vantagem de ser social, de Tait eventtialmente & neurose obsessiva, ao que € 0 funcionamento io, essa manifestagio provocada cocasi nos recond quase fisioldgico do pensamenco, essa provoct do sujeito do inconsciente, seré um dos pontos que teremos a oportunidade de retomar, de levar adiante a propésito desse semindrio. Como é que vamos trabalhar neste ano? Vamos trabalhat nos apoiando sobre 0 que Freud nos trouxe a respeito, isto 6 0 caso d'O homer dos ratos, que, como voces sabem, se apresentay ¢ construido de uma forma quc logo nos salta 0s olhos, nos inceressa, pois nenhum dos outres casos foi construido dessa forma. De fato, diz. Freud, eu Thes apresento a histéria d'O omen dos ratos, que vai comportar duas partes: sto fragmentério da hist6ria de um caso de neurose obses- de uma parte, um indo lugar algumas nog breves sobre a gene: siva, € em s ¢ & os mecanismos dos fendmenos, dos processos compulsivos." “Temos um breve fragmento elinico, depois, em seguida, © que podemos cha- mar menos uma tcorizagdo do que generalizagdes — eu me permito apresenti-lo assim a voces —, porque, no percurso, vocés verdio, ou vocés viram, que Freud nos dird que o processo da generalizagio é justamente tipico do procedimento obsessive. Chamo sua atengio para isso porque serd igualmente um ponto que teremos que tratar, que abordar, 0 de saber se, a exemplo dos outros casos, come por exemplo, Dora, Freud dizia isto: “Tenho medo de que isso seja lido como um romance”,? ou mesmo | : am O pequeno Hans, voces verso que a parte cedrica se limita a algumas conclusdes. Esse procedimento € reservado ao caso dessa neurose obsessiva, ¢ isso vale ainda para nos Fazer perceber 0 quanto o processo natu de nosso pensamento esti, a também, preso 20s crilhos sobre os quais a neurose obsessiva vem habitualmente circular. Isso no quer dizer, de forma alguma, qi vamos, nem uM pouco, nds mesmos, evitar essa generalizagio, mas rencaremos tirar proveito do que estudamos, para situ: d para melhor compreendé-ka, ¢ uma mancira que, esperamos, nao sera, ela mesma, obsessiva demais. ' FREUD, S. Notas sobre um caso de net u fe um ca turose obsessiva, Ediga das OW Psclégess ‘Completas (ESB), Vol. X. Rio de Janeiro: ieee Briel or Frogments da ondlise de um caso de histeria. ESB,Vol.VII. 2, ed, Rio de Janeiro: Images 1988. ¢ de ua fobla em um mening de cinco anos. ESB,Vel. X, Rio de Janeiro: Imago. 976 Ligdo Ill ~ 12 de novembro de 1987 45 Portanto, vamos nos apoiar’no caso d'O homem dos ratos, voces poderio entao, a cada vez, segui-lo, preparar sua leitura, com, fiuma primeira parte, 0 caso como foi exposto nas Cinco psicandlires.4 Farei como se ignorissemos totalmente essas notas tomadas por Freuid, quic temos a felicidade de ter ¢ que foram publica- das numa excelente edigio bilfngue;> ¢ num segundo tempo, apds ter discorrido como se ignorissemos essas notas, nds as tomaremos para aprcender melhor a maneira pela qual Freud operou a filtragem, o tipo de filtragem que ele operou em suas préprias notas, € as ligdes que, nés mesmos, eventualmente, devemos tirar delas. Entio, esse caso de neurose obsessiva publicado em 1909, no qual Freud nos diz, no inicio, o seguinte: Fui obrigado a resumir, de um Indo por razées de discrigao que voces com- preendem, mas é preciso reconhecer também que uma neurose obsessiva nao é nada facil de compreender, ¢ 0 é bem menos ainda que um caso de histeria, No fundo, teria sido preciso esperar encontrar o contririo, Os meios de que se serve a neurose obsessiva para exprimir scus pensamentos mais secretos, a linguagem eto da linguagem histérica (ein é um dialeto no qual deverfamos penetrar dessa neurose € apenas, de algum modo, um di Dialeke der bysterieschen Sprache), mais facilmente, considerando que ele ¢ mais aparentado a expresso de nosso pensamento consciente do que o da histeria. Pois falta A linguagem das obsessdes esse salto do psiquico no somitico, a converséo histérica que nunca podemos conceituar (degreifen] por nosso entendimento® Portanto, deverfamos compreendé-lo mais facil mente que a histeria. Por ou- tro lado, a neurose obsessiva é mais proxima do procedimento normal de nosso pensamento €, no entanto, a neurose obsessiva é muito diffcil, embora seja um dialeto da lingua histérica, ¢ a esse respeito teremos também que tentar ver se essa . e como; ¢ de que maneira devemos, a exemplo de proposicio pode se sustents Freud, situar a neurose obsessiva nesse tipo de par de oposisto com a histeria, Ele diré um pouco mais & frente ainda o seguinte, € no iiltimo tergo de seu texto: Niio empreenderei aqui um estudo psicoldgica do pensamento obsessive ~ seme- remamente preciosos ¢ contribuiria Ihante investigagio forneceria resultados s para a elucidagio de nossos conhecimentos sobve a eséncia do consciente € dos fendmenos hipnéticos. Seria ma inte do que o estudo da histe edo inconsci nuito dese}ivel que 0s fldsofos € os psicélagos que claboram, por ouvir dizer ow TNE O autor se refere & tradugio francesa dos cinco casos princeps de Freud (os trés ja citados, mais O caso Schreber e O homem dos lobes), reunidos em Les cing psychanalyses (Paris: PUF, 2008) S NLE,— Refere-se as anotagées clinicas originals de Freud, que na Franga no constam de Les cing psychanalyes, eendo sido publicadas em separado, Na edigio brasileira da Imago Editora, esto publicadas junto com 0 caso, como apéndice ("Registro Original do Caso”, pp. 252-317). © FREUD, S. Notas sobre um caso de neurose obsessiva. Op. cit. pp. 160-1. 46 A Neurose Obsessiva com a ajuda das definigées convencionais, engenhosas doutrinas sobre o incons- ciente fizessem primeiramente observagées conclusivas estudando os fendmenos do pensamento obsessive. Paderfamos quase cx! ‘i-lo, se isso ndo fosse muito mais penoso do que seus métodos habituais de trabalho. Mencionarei aqui apenas que, na neurose obsessiva, os fendmenos psiquicos inconscientes as vezes fazem irrupgio na consciéncia sob sua forma mais pura, menos deformada, ¢ aque essa iupgio na conscigncia pode ter como ponto de partida os estidios mais diversos dos processos do pensamento inconsciente, Podemos ver, por outro lado, que as obsess6es, no momento dessa irrupgao, s4o, em sua maioria, formacées existentes hé longo tempo. Essa é a razo desse fendmeno tao curioso que observamos quando buscamos com um obsessivo a primeira aparigio de uma obsessio; ele é 0 tempo todo obrigado, esse obsessivo, a recuar sua origem, encontrando sempre novas causas ocasionais.” Dai a dizer que a obsessio estava ali desde sempre, vocés veem, nao hé muita distancia. Entao, vamos ver se estamos ou néo em condigées de abordar, de maneira talvez mais satisfatéria, essa questo que concerne aos processos do pensamento por ocasiao da neurose obsessiva. O inicio dessa situagio, os fragmentos da histéria do individuo comegam de maneira totalmente notdvel para nds: é 0 inicio de uma tragédia escrita por um autor que gostarfamos de conhecer, porque Freud, ai, de algum modo sé fax traniscrever a sua maneira o que lhe foi dito. Eis 0 que nos diz Freud: Um homem jovem, de formagio universitéria, vem a meu consultério e me conta que desde sua infincia, ¢ sobretudo desde os quatro anos, sofre de obses- ses. Sua doenga consiste principalmente em apreensdes [isto é, Befirchrungen em alemio], cemores mais exatamente, mais do que apreensdes, Ele teme que acontega alguma coisa a duas pessoas que lhe so caras: seu pai e uma dama & qual (diz a tradugio] ele dedicou um amor respeitoso.* Em alemio uma dama verebren — uma dama que cle honra, que ele adors €no sentido de um amor respeitoso, é um termo muito interessante que ¢ aqui utilizado, pela razao de que, algumas linhas mais frente, vocés vio encontrar Um outro termo, que é verkehren, que quer dizer trepar, ter relagGes sexuais, verkehret Essa dama, em todo caso, ele tem por ela esse tipo de amor respeitoso, é uma palavra interessante verehren, honrar, jeden etwas verebren, isso quer dizer dar um presente a alguém — nerheiraten — que estd muito longe, quer dizer se casa Em todo caso, ressaltamos que, essa dama, ele tem por ela um amor respeit” $0. Ele tem medo de que acontega alguma coisa a duas pessoas que Ihe so Caras " Ibid, pp. 229-30. "Ibid, p. 163, Ligdo II - 12 de novembro de 1987 47 Papai ca dama—e depois ele tem zwangsimpulse — impulsos compulsivos — como, Por exemplo, cortar-se a garganta com uma navalha; ¢ depois formam-se nele interditos — verbore ~ relacionados a coisas quaisquer. Entio, ele perdeu seu tempo lutando contra esse género de situagdes, ¢ a tinica ocasiao em que se sentiu melhor foi numa temporada numa estagio balnedria em que, ali, justamente, ele pode, cle teve relagdes sexuais com uma mulher que havia conhecido. £ af que logo em seguida se vé a palavra — verkebren —, mas essas relagées, ele sé as tem de mancira irregular, as prostitutas o enojam, sua vida sexual foi pobre etc. Eis af, portanto, o que se relata a Freud. O doente, diz Freud, dé a impres- séo de um homem inteligente, de espitito claro. Por que, pergunta-lhe Freud, vocé me fala imediatamente do sexo? Bem, porque ele conhece, diz Freud, meine Lehren, minhas ligdes — ¢ nio minha doutrina como € uaduzido. Esse paciente leu Freud? Nao, ele nao leu nada de meus escritos, mas, outrora, flheando um de meus livros, ele teria encontrado a explicagéo de encadeamentos de palavras bizar- 10s ~ Wortverkntipfiengen, de articulagées de palavras, exatamente, em alemio -, a explicagao de enodamentos de palavras que lhe evocaram tanto seus Denkarbeiten — seus processos, seu trabalho de pensamento, ¢ nao suas clucubragées cogitativas, como € traduzido ~ que ele resolveu, entéo, procurar Freud.’ Ele apenas folheara, provavelmente, A psicopatologia da vida cotidiana,” ele foi tocado por esses enodamentos de palavras presentes no texto que Ihe evocam seu préprio trabalho do pensamento. E eis, portanto, a primeira sessio. Ele relarou quatro delas. E comega assim (eu dou para voces sob esta forma pessoal): Oh! Eu tenho um amigo que estimo enormemente ¢, alids, a cada vez que um impulso criminoso me toma, ¢ cle que cu procuro ¢ pergunto se cle me despreza e se me acha criminoso. E esse amigo Ihe diz: de forma alguma, que ele € alguém de bem e que, verdadeiramente, nao vé por que se poderia recriminé-lo. E, diz ele, um outro homem teve uma influéncia semelhante sobre mim, consti- tuiu-se naquele que eu podia assim ir consultar. Era um estudante de dezenove anos, quando cu tinha quinze, que tinha muita afeiggo por mim e que exaltou meu narcisismo, 0 sentimento de meu proprio valor. Mais tarde, este estudante tornou-se preceptor — eu nfio anotei af a palavra, é uma palavra muito interessante também em alemio, nao vou procurd-la agora —, ele tornou-se preceptor ¢ eu me dei conta nesse momento de que nao era cu, de forma alguma, que lhe interessa- va, mas cra minha irma. “Esse foi”, diz Freud, “o primeiro grande choque de sua vida’.'' Por que isso ¢ interessante para nds? Porque esse frewnd, porque esse amigo ¢ seu freund — mais tarde, o paciente dir que seu pai, do paciente, tinha sido seu maior amigo, seu maior freund -, porque ele vem contar isso ao doutor Freud, * Ibid., pp. 163-4 "© [d,, Sobre a psicopatologia da vida cotidiana. ESB,Vol.VI. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987. "| FREUD, S. Notas sobre um caso de neurose obsessiva. Op. cit, p. | 65.

Você também pode gostar