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O ANALFABETISMO FUNCIONAL E LETRAMENTO

Davi Lima de Freitas1

Campo Maior – PI
2022

1 Advogado, acadêmico de psicologia e filosofia. Foi procurador autárquico do município de Campo


Maior, PI. Pós graduação em direito civil, previdenciário com habilitação em docência, direito
internacional com habilitação em docência.
1
2
DEDICATÓRIA

A Deus, por ser extremamente paciente e piedoso comigo;


a meu pai, José Lucas de Freitas, que nunca estudou em
escolas oficiais, mas aprendeu muito e muito ensinou-me,
inclusive a pensar; à minha mãe, Maria Lima de Freitas, que
foi professora e nunca deixou-me perder um ano escolar nas
andanças com meu pai por esse imenso Brasil. Às minhas
filhas, Julia (Graça de Deus), Elisabeth (presente de Deus),
Sara (Princesa) e Sofia (Sabedoria), razões do meu viver.

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AGRADECIMENTOS

A minha família, pela confiança e motivação.


Aos amigos e colegas, pela força e pela vibração em relação a esta jornada.
A todos que, com boa intenção, colaboraram para a realização e finalização deste
trabalho e em especial a Deus, o grande arquiteto de nossas vidas.

4
“Impavidum ferient ruinae”

Os corajosos nunca temem a derrota

Odes, III, 3 e 8
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RESUMO

Trata este trabalho do papel da linguagem escrita na sociedade e dos principais


problemas e soluções que podem levar a uma melhora do sistema educacional
brasileiro. Mas essa não é a principal abordagem do trabalho. A verdadeira intenção
é demonstrar a importância da linguagem, seu sur durante a pré-história e da
linguagem escrita para o surgimento da história propriamente dita.
Com o surgimento da linguagem escrita, um novo problema surgiu: na conversa
com o seu interlocutor, o autor da linguagem tinha, para, para ajudá-lo na
conversação, na linguagem falada, sua presença física, o que garanti ao interlocutor
a resposta ou esclarecimentos de pontos mal-entendidos, as expressões faciais, a
gesticulação e a entonação de voz.
Durante a leitura de um texto, o que fazer para se ter a mesma compreensão
que se tem quando usamos a linguagem oral diretamente com o interlocutor? Esse
problema se resolve com os sinais de pontuação, estabelecidos ou estandardizados
para suprir a ausência do autor da mensagem.
Palavras chaves: linguagem. Escrita. Sinais de pontuação.

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ABSTRACT

This paper deals with the role of written language in society and the main problems
and solutions that can lead to an improvement of the Brazilian educational system. But
that is not the main approach to work. The real intention is to demonstrate the
importance of language during prehistory and written language for the emergence of
history itself.
With the emergence of written language, a new problem arose: in the conversation
with his interlocutor, the author of the language had, in order to help him in the
conversation, in the spoken language, his physical presence, which assured the
interlocutor the answer or clarification of misunderstandings, facial expressions,
gesticulation and voice intonation.
When reading a text, what do we do to have the same understanding that we have
when we use oral language directly with the interlocutor? This problem is solved with
punctuation marks, established or standardized to cover the absence of the author of
the message.
Key words: language. Writing. Punctuation marks.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...............................................................................................09
2. REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................... 14
2.1. Linguagem .........................................................................................14
2.2. A língua ..............................................................................................18
3. A ESCRITA ....................................................................................................26
3.1. O surgimento da escrita ............................................................................27
3.2. A abordagem da escrita como sistema de representação .....................31
3.3. Da ortografia e dos sinais de pontuação como substitutos de
mecanismos da linguagem oral .................................................................35
4. DO ANALFABETISMO, DA ALFABETIZAÇÃO E DO LETRAMENTO ........42
4.1. Dos conceitos de alfabetização e letramento ..........................................43
4.2. Uma voz dissonante? .................................................................................51
5. CONCLUSÃO ......................................................................................................55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 56

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1. INTRODUÇÃO

Na década de 1980, havia na TV brasileira um apresentador de auditório


famosíssimo (com certeza o mais famoso do brasil, mesmo agora, anos depois do
seu falecimento) que costumava repetir, por várias vezes, em um mesmo programa
de TV: “Quem não se comunica, se trumbica!”.
Segundo o dicionário informal, Trumbicar é:

Grafia incorreta do vocábulo trompicar, um provincianismo português que


significar enganar voluntariamente, tramar, lixar. Usa-se mais na forma
reflexa. Também significa tropeçar, no Algarve e no Alentejo. Não confundir
com trombicar, que significa igualmente burlar e é plebeísmo beirão
sinónimo de fornicar.

Significa ainda, segundo o mesmo dicionário, “Se dar mal ou se frustrar”; e dá


como exemplo a frase do nosso inesquecível apresentador in memorian “Quem não
se comunica se trumbica”.
O presente trabalho tem por finalidade de demonstrar o papel da linguagem
como ferramenta transformadora da realidade humana e levantar o assunto do
chamado “analfabetismo funcional”, que afeta uma grande parte, senão que a maioria
das pessoas ditas ou que se consideram alfabetizadas. O problema é tão grave que
afeta até mesmo pessoas portadoras de curso superior. O fenômeno se desdobra em
duas facetas: na escrita, quando a pessoa não consegue elaborar um texto
compreensível, mesmo que curto; e na leitura, quando as pessoas não conseguem
interpretar um texto, mesmo que curto. Evidentemente, na maioria absoluta das vezes
a mesma pessoa se enquadra nos dois casos.
O motivo que levou à abordagem do tema foi a constatação direta com
pessoas com quem temos contato no dia-a-dia: amigos, colegas, conhecidos, enfim,
pessoas com quem nos relacionamos todos os dias, inclusive em repartições
públicas. Muitas dessas pessoas não conseguem sequer entabular uma conversa,
digamos assim, culta, sobre assuntos e acontecimentos importantes que interessam
diretamente aos brasileiros nos campos da política, da economia, ou sobre temas
sociais e teorias sobre sistemas de governo, políticas de governo e políticas de
estado, demonstrando sua incapacidade de lidar com a linguagem e que está muito
aquém do letramento.
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Opinam constantemente sobre temas políticos, mas não sabem diferenciar,
nem do ponto de vista histórico, nem do ponto de vista epistemológico ou científico,
as diversas correntes que conduzem as forças políticas, econômicas e sociais. Não
sabem sequer explicar ou conceituar o que eles próprios defendem nessas áreas do
conhecimento humano.
O objetivo geral deste trabalho é demonstrar esse problema e apresentar
algumas soluções já postas por diversos professores, linguísticas, pedagogos e
outros estudiosos do tema.
Especificamente, pretende conceituar o que é analfabetismo, alfabetização,
analfabetismo funcional e letramento, apresentando dados que comprovam os
problemas, particularmente no Brasil; apontar a sua origem para assim poder
demonstrar como pode e deve ser corrigido; apresentar a diferença entre letramento
e alfabetização; demonstrar como surgiu, simultaneamente em partes diferentes do
mundo e no Brasil o conceito de letramento; e, por fim, como o letramento pode ser
utilizado para se contrapor ao chamado analfabetismo funcional.
A problemática está posta, como dito acima (e como se verá em dados atuais),
pela observação de que pessoas, até mesmo com curso superior de estudo muitas
vezes não sabem confeccionar um texto simples para justificar suas ideias ou até
mesmo produzir informações sobre o seu dia-a-dia em casa ou no trabalho.
Quem não viu, a título de exemplo, nos programas de televisão e nos muitos
“blogs” na internet a figura de uma senhora que, em visita ao Congresso Nacional,
em um dia em que se comemorava os cem anos de interatividade entre Brasil e
Japão, diante de uma bandeira do Japão, que é branca com um círculo vermelho ao
centro, dizer que aquela bandeira seria uma tentativa de modificar a bandeira do
Brasil, transformando-a em uma bandeira vermelha e, portanto, comunista,
encerrando as suas palavras dizendo que nossa bandeira nunca seria vermelha.
Outras provas da problemática posta neste trabalho, é o renascimento de
ideias que se resolveram na Idade Média, tais como “a terra é plana”; “a terra é o
centro do universo e o sol gira em torno dela”; etc. Ou outras que negam tecnologias,
como “o homem nunca foi à lua” ou que dão crédito a toda “teoria da conspiração”,
mesmo as mais absurdas, como a de treze navios trazendo 1,8 milhões de imigrantes
africanos para o Brasil (sem sequer parar para pensar que, caso isso fosse verdade,
seriam quase 135.500 pessoas por navio; não há navios com essa capacidade em

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todo o mundo), ou que negam realidades incontestáveis, como que houve uma
ditadura militar no Brasil entre 1964 e 1985 e que matou, torturou e fez desaparecer
milhares de brasileiros, deles que nunca pegaram em armas contra o regime, como
escritores e jornalistas, sendo emblemático o caso do jornalista Wladimir Herzog.
E por trás dessas ideias há pessoas que se consideram cultas – e até
deveriam sê-lo, tendo em vista que muitas delas possuem curso superior nas mais
diversas áreas do conhecimento humano (história, filosofia). No entanto não só
endossam essas ideias como as propagam, havendo na internet até sites sobre esses
temas.
Temos visto em vários blogs da internet e até mesmo sites pessoas que se
dizem (ou se acham) cultas afirmando com toda categoria que o nazismo e o fascismo
foram ou são ideologias de esquerda e muitas delas tão somente porque no nome do
partido nazista - Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães – como
se vê, constam as palavras “socialista” e “trabalhadores”, o que é suficiente para
atrelar o nazismo ao Partido dos Trabalhadores no Brasil.
Tudo isso prova o déficit cognitivo e o pensam-no simplório próprio de quem é
incapaz de fazer uma leitura com interpretação correta e com crítica, resultante da
pouca leitura que se traduz com maior perfeição nos termos analfabetismo funcional.
Fica claro, pelos dados que apresentaremos neste trabalho, que muitas vezes
o perfil ideológico de algumas pessoas que se enquadram na condição de analfabeto
funcional é essência para que as pessoas adotem tais ideias através de uma leitura
superficial e a associação artificial, forçada, de oposição a outros perfis ideológicos.
Mas cabe observar que não é o perfil ideológico que fabrica o analfabeto
funcional. O problema transcende qualquer coisa nesse sentido. É o simples fato de
escrever ou falar para defender seus pontos de vistas que denuncia o analfabeto
funcional, seja deste ou daquele perfil ideológico. Citamos esses casos concretos
apenas para dar a ideia de até onde pode chegar o analfabetismo funcional.
Há que se observar que não é o perfil ideológico que leva essas pessoas a
esse grau de erro, mas o analfabetismo funcional. E aqui cabe o ressalto sobre um
dos aspectos cruciais que levam as pessoas a proferirem absurdos em público sem
o mínimo rubor, sem pensarem ou raciocinarem sobre o que estão falando baseado
numa leitura malfeita. Trata-se de interpretação de texto: o analfabeto funcional não
sabe interpretar o que lê e não raras vezes entende o contrário do que o autor quer

11
dizer no texto.
Como remédio para esse diagnóstico, surge, em meados da década de 1980,
concomitantemente mas com vieses diferentes entre países desenvolvidos e países
em desenvolvimento – Magda Soares, in “Letramento e alfabetização: as muitas
facetas” ousa até mesmo referir-se a pessoas iletradas do 4º mundo (conceito que
não existe em geografia política, até mesmo porque os termos 1º, 2º e 3º mundo, em
geopolítica política, foram substituídos por países “desenvolvidos”, “em
desenvolvimento” e “subdesenvolvidos”.2
A metodologia, portando, foi a observação direta e o trato social com essas
pessoas, assim como a pesquisa na literatura disponível, em livros que tratam do
assunto, em artigos de revista e jornais, em artigos científicos.
O trabalho trata, de início, sobre o surgimento da linguagem e da escrita, para
depois tanger à língua culta e ao bom uso dela através da ortografia e dos sinais de
pontuação, que interferem diretamente na compreensão, na interpretação do texto e,
por fim, fechar com um capítulo sobre o letramento.

2 Eduardo de Freitas, graduado em geografia e membro da equipe Brasil Escola escreveu em artigo
sobrea denominação das regionalizações mundiais sob o ponto de vista geopolíticas intitulado
“Primeiro, segundo e terceiro mundo”: O mundo recebeu e recebe diferentes regionalizações, isso para
facilitar o estudo do mesmo em diferentes abordagens, evitando generalizações nas informações, isto
é, tornando a análise mais específica. Uma das formas de regionalizar o mundo é a partir do critério de
nível de desenvolvimento. No período da Guerra Fria, por exemplo, o mundo foi dividido em: Primeiro,
Segundo e Terceiro Mundo.
Primeiro Mundo: são considerados desse grupo os países que possuem características comuns, como
economias fortalecidas, altos índices de industrialização, elevado nível tecnológico, além de suas
populações apresentarem indicadores sociais elevados, tais como boa qualidade de vida, bons
rendimentos, baixos níveis de analfabetismo, boa expectativa de vida, entre outros. Os países que
compõem esse grupo são: Canadá, Estados Unidos, Europa Ocidental, Japão e Austrália. Atualmente
esse grupo é conhecido como “desenvolvido”.
Segundo Mundo: é constituído por um grupo de países ex-socialistas, como a União Soviética, que
possuíam economia planificada. Essa designação não é mais usada atualmente. Muitos cientistas
classificam como de Segundo Mundo os países detentores de economias emergentes, como China,
Rússia, Brasil, Argentina, México e Índia. Esses países são chamados atualmente de “países em
desenvolvimento”.
Terceiro Mundo: fazem parte desse grupo os países que possuem economia subdesenvolvida ou
em desenvolvimento, geralmente nações localizadas na América Latina, África e Ásia. O criador da
expressão foi o economista francês Alfred Sauvy, a mesma foi emitida pela primeira vez no ano de
1952. A expressão foi criada a partir da observação que o economista realizou acerca dos países
do mundo, ele constatou que existia uma enorme disparidade política, econômica e social entre
as nações, deixando muitas delas marginalizadas no cenário mundial. Fazem parte desse grupo:
a maioria dos países latinos, e muitos países da África e Ásia.
As denominações apresentadas, bem como as suas características, estão de acordo com a
Teoria dos Mundos, esse método de análise foi usado entre os anos de 1945 e 1990. Apesar
dessas expressões não serem mais usadas, a configuração do mundo praticamente não mudou, com
exceção de alguns países que conseguiram evoluir um pouco. (grifamos). Disponível em:
<https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/primeiro-segundo-terceiro-mundo.htm>. Acessado
em 28/02/2019.
12
Ao tratarmos da língua (sempre que nos referirmos à língua aqui, estaremos
falando da norma culta, seja quanto a língua portuguesa, ou quanto uma língua
estrangeira), que é aquilo que mais implica na questão da interpretação e do
letramento, abordamos o aprendizado escolar, as diversas metodologias de ensino
nas escolas brasileiras, as deficiências e outros problemas pertinentes à sala de aula.
Mas essa abordagem, a despeito dos problemas inerentes à educação, que agora,
como se não bastassem os que já existem, se vê ameaçado por tentativas de
introduzir guerras de ideologias à direita e à esquerda, como a tal Lei Escola Sem
Partido, que vem acompanhada de fatos que já aconteceram e das ameaças de
fiscalização por políticos de viés conservador, é uma abordagem positiva.
Ela é positiva por apresentar não só os problemas, mas também soluções para
diversos dos problemas que afligem as salas de aula, os professores, diretores de
escola, os alunos e os pais de alunos.
A educação brasileira, apesar de ter progredido durante os últimos anos, se vê
ameaçada de retroceder e até medidas anticonstitucionais e ilegais, que ferem
inclusive a Lei de Diretrizes e Base da educação, correm o risco de serem impostas
em sala de aula.
Os tempos que atravessamos são tão sombrios para a educação, que pseudos
filósofos, que sequer concluíram o ensino básico, querem definir o que constará nos
planos de aula nos ensinos fundamental e médio das escolas brasileiras, o que é um
absurdo.
É de conhecimento público e notório, apresentado inclusive nos telejornais
brasileiros e nos diversos sites da internet, a visitado que o ator pornô Alexandre
Frota fez ao ministro da educação do governo Temer, com o intuito de influenciar de
alguma forma na condução da educação brasileira, confrontando, inclusive, a
metodologia daquele que dedicou toda a sua vida a serviço da educação brasileira,
Gilberto Freyre. Outros grupos ditos conservadores e de extrema direita,
aproveitando da visibilidade da nova tecnologia das redes sociais, têm passado falsas
informações, os famosos fake knews, seja propositalmente, seja por não acreditarem
mesmo nos fatos científicos, seja por pura ignorância, sobre descobertas científicas,
como a que informa que a Terra não é redonda e não gira em torno do Sol. Mas
teorias da conspiração e as famosas “fake knews” não por pessoas aliadas à direita,
a esquerda tem colaborado bastante.

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Mas duas coisas são certas: alfabetização é diferente de letramento que vai
muito além daquele; e letramento não envolve apenas saber ler e escrever, mas
envolve a obtenção do que chamamos cultura, conhecimento do mundo e das coisas,
de tal forma a compreender o que ler e saber expressar o que adquire ou passa a
dominar o assunto sobre o que ler.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. A linguagem

Não há dúvida de que, sem linguagem, sem a “invenção” da linguagem, não


haveria civilização como a conhecemos. Não haveria a História, pois as civilizações
não se teriam desenvolvido sem ela e o grande marco da história humana começa
com o estabelecimento da escrita. De fato, a divisão entre pré-história e história é
marcada pelo surgimento da escrita. A formação de grupos durante a pré-história para
segurança desse mesmo grupo, somente evoluiu com o surgimento da linguagem.
Os animais que vivem em grupos, em bandos, desenvolvem alguns sinais para
manter a interação do grupo, mas isso não pode ser chamado de linguagem, trata-se
de puro instinto. Marilena Chauí (2005, p. 147,148), citando Aristóteles, afirma:

A importância da linguagem
Na abertura da sua obra Política, Aristóteles afirma que somente o homem á
um “animal político”, isto é, social e cívico, porque somente ele é dotado de
linguagem. Os outros animais, escreve Aristóteles, possuem vos (phoné) e,
com ela, exprimem dor e prazer, mas o homem possui a palavra (logos) e,
com ela, exprime o bom e o mau, o justo e o injusto. Exprimir e possuir em
comum esses valores é o que torna possível a vida social e política e dela,
somente os homens são capazes.

Ela demonstra o que alguns filósofos exprimiram sobre a linguagem (p. 148):

Na mesma linha é o racional Rousseau, no primeiro capítulo do Ensaio sobre


a origem das línguas:
A palavra distingue o homem e os animais; a linguagem distinguem as nações
entre si. Não se sabe de onde é um homem antes que ele tenha falado.
Escrevendo sobre a teoria da linguagem, o linguista Hjelmslev afirma que “a
linguagem é inseparável do homem, segue-o em todos os seus atos”, sendo
“o instrumento graças ao qual o homem molda seu pensamento, seus
sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o

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instrumento graças ao qual ele influencia e a base mais profunda da
sociedade humana”.
Prosseguindo em sua apreciação sobre a importância da linguagem,
Rousseau considera que a linguagem nasce de uma profunda necessidade
de comunicação:
Desde que um homem foi reconhecido por outro como um ser sensível,
pensante e semelhante a si próprio, o desejo e a necessidade de comunicar-
lhe seus sentimentos pensamentos fizeram-no buscar meios para isso.
Gestos e vozes, na busca da expressão e da comunicação, fizeram surgir a
linguagem.
Por seu turno, Hjelmslev afirma que a linguagem é
O recurso último e indispensável do homem, seu refúgio nas horas solitárias
em que o espírito luta contra a existência, e quando o conflito se resolve no
monólogo do poeta na meditação do pensador.

Por fim, a própria Marilena Chauí (2005, p.149/150) conclui:

Para referir-se à palavra e à linguagem, os gregos possuíam duas palavras:


mythos e lógos. Diferentemente do mythos, lógos é uma síntese de três
ideias: fala/palavra, pensamento/ideia e realidade/ser. lógos é a palavra
racional em que se exprime o pensamento que conhece o real. É discurso
(ou seja, argumento e prova), pensamento (ou seja, raciocínio e
demonstração) e realidade (ou seja, as coisas e o nexo e as ligações
universais e necessárias entre os seres.
Lógos é a palavra-pensamento compartilhada: diálogo; é a palavra-
pensamento verdadeira: lógica; o “logia” que colocamos no final de palavras
como cosmologia, mitologia, teologia, ontologia, biologia, psicologia,
sociologia, antropologia, tecnologia, filologia farmacologia, etc.
Se, como vimos, do lado do mythos desenvolve-se a palavra mágica e
encantatória, do lado do logos desenvolve-se a linguagem como poder de
conhecimento racional.
Agora, as palavras são conceitos ou ideias, estando referidas ao
pensamento, à razão, à verdade. (Os grifos constam do original)

Mas o que é linguagem? Marilena Chauí nos diz o que é:

A linguagem é um sistema de signos ou sinais usados para indicar coisas,


para a comunicação entre as pessoas e para expressão de ideias, valores e
sentimentos. Embora tão simples, essa definição da linguagem esconde
problemas complicados com os quais os filósofos têm-se ocupados desde há
muito tempo.

ARANHA E MARTINS (2013, p. 43) assim definem a linguagem: “A linguagem


é um instrumento que nos permite pensar e comunicar o pensamento, estabelecer
diálogos com nossos semelhantes e dar sentido à realidade que nos cerca”.
Elas também informam que:

Toda linguagem é um sistema de signos, O signo, segundo definição do


filósofo Charles Sanders Peirce, é uma coisa que está no lugar de outra sobre
algum aspecto.

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(...)
Os números e as palavras também são signos, isto é, estão no lugar das
quantidades reais de objetos ou do próprio objeto

FARACO e MOURA (2002, p. 15-16), de maneira bem didática, também


apresentam sua definição de linguagem:

Linguagem é um conjunto articulado de sinais que podem ser de dois tipos:


a. signos verbais – são palavras de uma língua. Qualquer palavra é um signo
verbal; b. signos não-verbais - quaisquer outros signos que não sejam a
palavra falada ou escrita. Esses signos se compõem de desenhos, sons,
cores, gestos, expressões fisionômicas, etc.

E também: “Linguagem é todo sistema organizado de sinais que serve como


meio de comunicação entre os indivíduos”.
BERGAMIN et al (2013, p.188) definem assim:

Dá-se o nome de linguagem a forma de interação entre os seres humanos


que se utilizam sistemas organizados de representações. Esses sistemas
são compostos de recursos gráficos, sonoros, gestuais, etc. São exemplos
de linguagem a música, a pintura, a dança, as línguas, a fotografia, a
arquitetura, a moda, a culinária.

Mas há que se ter um objetivo na compreensão do surgimento e


desenvolvimento da linguagem: foi somente através dela que se tornou possível o
mundo atual, até mesmo a globalização. Ela é essencial no surgimento das
civilizações quase que concomitantemente no oriente e no ocidente, até mesmo
naquelas que sucederam umas às outras, como a Egípcia, a Assíria, a Babilônica, a
Medo-persa, a Grego-macedônica e a Romana. Foi, aliás, através desta última que
as informações chegaram até nós pela imposição do latim, embora grande parte da
cultura passada pelos romanos tenha vindo diretamente do grego ou de adequações
ou assimilações da cultura grega pela romana.
Daí a importância da compreensão do fenômeno do surgimento da linguagem
e do seu bom uso para estabelecer comunicação inter e intra-civilizações, mormente
em um mundo civilizado.
Nesse sentido, no que diz respeito ao domínio da linguagem – ler e escrever
com eficiência, introduzindo já o conceito de letramento – o PCN Língua Portuguesa
de 1998 informa:

16
O domínio da linguagem, como a atividade discursiva e cognitiva, e o domínio
da língua, como sistema simbólico utilizado para uma comunidade linguística,
são conclusões de possibilidade de plena participação social. Pela linguagem
os homens e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação,
expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de
mundo, produzem cultura. Assim, um projeto educativo comprometido com a
democratização social e cultural atribui à escola a função e a
responsabilidade de contribuir para garantira todos os alunos o acesso aos
saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania.
Essa responsabilidade é tanto maior quanto menor for o grau de letramento 3
das comunidades em que vivem os alunos. Considerando os diferentes níveis
de conhecimento prévio, cabe à escola sua ampliação de forma que,
progressivamente, durante os oito anos do ensino fundamental, cada aluno
se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de
assumir a palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais
variadas situações.

Para complementar e ampliar a compreensão sobre o entendimento sobre o


conceito de linguagem, se faz necessário transcrever o trecho a seguir, da mesma
obra ARANHA e MARTINS (2013, p.60):

A linguagem é um sistema simbólico. O ser humano cria símbolos. Isto é,


signos arbitrários em relação ao objeto que representam, e que são
convencionais: para serem usados precisam serem aceitos por todos os
membros da sociedade. (...) Só a partir dessa aceitação podemos nos
comunicar, sabendo que, ao usarmos a palavra “casa”, nosso interlocutor
entenderá o que queremos dizer. A linguagem, portanto, é um sistema de
representação aceito por um grupo social que possibilita a comunicação entre
os integrantes do grupo.

E só para atestar que a visão das duas autoras se reflete dentro do universo
filosófico, ao qual elas se dirigem, arrematam dizendo:

Porque o aço entre representação e objeto representado é arbitrário podemos


dizer que ele é necessariamente uma construção da razão, isto é, uma
invenção do sujeito para poder se aproximar da realidade. A linguagem,
portanto, é produto da razão e só pode existir onde há racionalidade.

Essa é, sem dúvida uma abordagem filosófica da linguagem e de seu uso pelos
únicos seres portadores de razão no planeta terra, os homens.

3 Letramento, aqui, é entendido como produto da participação em práticas sociais que usam a escrita
como sistema simbólico e tecnologia. São práticas discursivas que precisam da escrita para torna-las
significativas, ainda que às vezes não envolvam as atividades específicas de ler e escrever. Dessa
concepção decorre o entendimento de que, nas sociedades urbanas modernas, não existe grau zero
de letramento, pois nelas é impossível não participar, de alguma forma, de algumas dessas práticas.
(Nota do original).
17
Corroborando o entendimento acima, no verbete “Linguagem” da Enciclopédia
Mirador Internacional (1995, p. 6849/6850), temos o seguinte:

A ‘linguagem animal’. Por vezes usa-se a expressão ‘linguagem animal’. O


que ocorre com os animais (principalmente as abelhas, e os chimpanzés e
gibões) é um fenômeno que difere fundamentalmente do que se passa com
o homem, tanto no que respeita a linguagem verbal como a não verbal. Na
‘linguagem animal’, cada ato de manifestação constitui um todo não
analisável, não divisíveis em unidades passíveis de ocorrer em outros atos,
conservando seu valor. Outra diferença característica é que o homem normal
nasce com o aparelho neural e condições fisiopsicológicas que lhe permitem
adquirir e fazer uso da linguagem. Os animais, ao contrário, herdam as
formas de comportamento que se pretende serem de ‘linguagem’, como
herdam as condições e impulsos que conduzem à auto conservação e à
reprodução.
Por outro lado, a linguagem humana é um fenômeno universal e uno na
essência, mas diverso em sua realização concreta. Cada grupo social se
utiliza de um instrumento particular de comunicação, com características e
combinatórias próprias – a ‘língua’ -, que por sua vez apresenta variações de
indivíduo para indivíduo – o ‘idioleto’. As formas de comportamento de
manifestação animal são as mesmas para todos os indivíduos da mesma
espécie. Por último, assinale-se que os comportamentos animais ditos de
‘linguagem’ são muito reduzidos para cada espécie, pois são condicionados
pelos instintos e por necessidades elementares: alimentação, defesa e
acasalamento. Em resumo, a linguagem verbal do homem é um
comportamento cujos atos conscientes, intencionais e finalísticos são
realizados através de sinais convencionalmente aceitos pelos integrantes de
seu grupo social. A ‘linguagem animal’ está condicionada pela estrutura
biológica do indivíduo na espécie, produzindo no outro indivíduo uma reação
meramente física e imediata; os sinais emitidos são naturais e espontâneos,
agindo no receptor como estímulos para ação/reação.

Por essa razão se pode afirmar categoricamente que um papagaio não fala.
Apenas é portador de um aparelho fonético que lhe dá a capacidade de imitar a voz
humana e que lhe daria a capacidade de falar caso dispusesse o seu cérebro dos
elementos comuns aos seres humanos, aos quais nos referimos acima.
A linguagem, portanto, é não só um fator desenvolvido e característico do ser
humano, como determina a sua realidade, bem como a modifica, a constrói, a destrói,
a transforma. Ao mesmo tempo constrói, forma, modifica, transforma o ser humano.
Daí poder-se dizer que o homem não seria o homem sem a linguagem.

2.2. A língua

Segundo a Enciclopédia Mirador Internacional (1995, p. 6812) o português


língua (de 1152) para designar o “órgão da fala”, vem do latim lĭngŭa (português
arcaico lengua [talvez também lenga] até o século XVI). Segundo a enciclopédia, “a
18
palavra refere-se também a ‘faixa de terra’, ‘ponta da alavanca’, ‘bisel de flauta’ e a
diversas plantas pela semelhança com a forma da língua.
Do mesmo étimo latim lĭngŭa origina-se o espanhol lengua, o francês langue, o
italiano lingua, amplamente documentado no século XII.
É ainda a Enciclopédia Mirador Internacional que no verbete sobre “Língua”,
através de Ferdinand de Saussure, no seu livro póstumo “Cours de linguístique
générale”, de 1916 (Curso de linguística geral, numa tradução livre), se propõe a
conceituar língua partindo de dois aspectos complementares da linguagem, de base
oral: a língua e a fala. Esta compreenderia os fatos linguísticos de qualquer ordem
efetivamente realizados pelos falantes, e não é senão a manifestação, a concretização
do verdadeiro objeto da linguística, que é a língua. A última é o tomar posse da língua
pelo indivíduo, ou o uso que cada indivíduo faz da língua.
“Pode-se, a rigor, conservar o nome de linguística para uma dessas duas
disciplinas, e falar de uma linguística da fala. Mas não se deverá confundi-la como
linguística propriamente dita, aquela para a qual a língua é o único objeto”. (Cours, p.
38,39, citado pela Enciclopédia Mirador Internacional)
Esses conceitos ou pré-conceitos (no sentido lato do termo) sobre língua e fala,
não compartilhados ou aceitos sem críticas por alguns filólogos, linguistas e outros
estudantes da língua, são a base para o conceito de linguagem que vimos no tópico
acima.
O homem é um ser social. Vive, desde os mais primórdios tempos, em
sociedade, que se originou da família, evoluiu para o clã, a tribo e, finalmente a nação4.
É nesse sentido que Aristóteles o chama de animal político.
É impossível a vida em sociedade sem a comunicação entre os indivíduos
dessa sociedade. Isso ocorre mesmo entre os animais que vivem em bando. Entre
eles, sinais linguísticos, embora não possam ser considerados como linguagem, como
veremos mais adiante, são transmitidos para manter o grupo coeso ou para a
dispersão, quando for o caso de um ataque de predadores, dentre outras funções.
O homem é ainda o único animal que desenvolveu uma série de signos ou
sinais bem inteligíveis para se comunicar, que constituem, nos termos que apontamos
acima, a língua e/ou a fala, compreendendo alguns, como Saussure, que a fala é o

4Para um maior esclarecimento sobre a origem da família e das formações grupais que se seguiram
até a formação do estado, ver ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade privada e do
Estado. 3 ed. São Paulo: Escala, 2009.
19
uso da língua pelo indivíduo, ou a forma particular do uso da língua. É o
desenvolvimento da linguagem em suas diversas formas.
A Enciclopédia Mirador Internacional (1995, p. 6849) é categórica ao afirmar
que “é essa faculdade humana, intra ou interindividual, através da qual o homem se
manifesta ou manifesta algo a outros integrantes de seu grupo, que se chama
linguagem”.
Claro está que a língua ou a fala não são as únicas linguagens utilizadas pelo
ser humano para comunicar-se. O desenho, ou a pintura, particularmente nas paredes
das cavernas em que habitava o homem primitivo foi uma das primeiras formas de
linguagem surgidas. A música, a escultura, a pintura, a música, são linguagens
utilizadas pelo homem.
ARANHA e MARTINS (2013, p. 55) observam que, obviamente, a linguagem
verbal, oral ou escrita, não são as primeiras que utilizamos para os comunicar, ou,
para usar os termos que elas usam, “para dar significado ao mundo”. Isso porque,
desde bebês, usamos várias outras linguagens para nos comunicarmos, como o olhar,
o choro, os gestos e balbucios.
A linguagem é um sistema de signos. Essas autoras informam que o signo,
segundo o filósofo Charles Sanders Peirce “é uma coisa que está no lugar de outra
sob algum aspecto”. Obviamente, os números e as palavras também são signos, ou
seja, estão no lugar das quantidades dos objetos ou deles próprios. Dessa forma, o
signo é a representação do objeto.
Tratando de outros elementos da linguagem e da imensa quantidade desses
elementos, ARANHA e MARTINS (2013, p. 57) informam que o repertório das
linguagens verbais é bastante amplo, in litteris:

O repertório das linguagens verbais (ou línguas, como são chamadas), ao


contrário do fototropismo, é bastante amplo e costuma ser relacionado em
dicionários. A linguagem musical tonal, para compor seu repertório, dentre
todos os sons possíveis, seleciona alguns, denominados dó, ré, mi, fá, sol, lá,
si, acrescidos de sustenidos e bemóis, que são semitons.
Além do repertório, também é precisam que se estabeleçam as regras de
combinação dos signos. Quais podemos usar juntos, quais não podemos?
Na linguagem do desenho, plano, linha e ponto podem ser usados como o
desenhista quiser. Na linguagem verbal, do ponto de vista semântico, não
podemos combinar signos que tenham sentidos opostos: subir/;descer,
nascer/morrer, etc. Não podemos dizer “Ele subiu descendo as escadas”,
mas podemos dizer “Ele subiu correndo as escadas”
Como último passo, a linguagem deve estabelecer as regras de uso dos
signos. Em que ocasiões usar o pronome tu e o vós? Devemos vestir as
crianças de preto, em ocasiões de luto? (itálicos no original).
20
Para complementar e ampliar a compreensão sobre o entendimento dessas
autoras sobre o conceito de linguagem, se faz necessário transcrever o trecho a
seguir, da mesma obra (2013, p.60):

A linguagem é um sistema simbólico. O ser humano cria símbolos. Isto é,


signos arbitrários em relação ao objeto que representam, e que são
convencionais: para serem usados precisam serem aceitos por todos os
membros da sociedade. (...) Só a partir dessa aceitação podemos nos
comunicar, sabendo que, ao usarmos a palavra “casa”, nosso interlocutor
entenderá o que queremos dizer. A linguagem, portanto, é um sistema de
representação aceito por um grupo social que possibilita a comunicação entre
os integrantes do grupo.

E só para atestar que a visão das duas autoras se reflete dentro do universo
filosófico, ao qual elas se dirigem, arrematam dizendo:

Porque o aço entre representação e objeto representado é arbitrário podemos


dizer que ele é necessariamente uma construção da razão, isto é, uma
invenção do sujeito para poder se aproximar da realidade. A linguagem,
portanto, é produto da razão e só pode existir onde há racionalidade.

Essa é, sem dúvida uma abordagem filosófica da linguagem e de seu uso pelos
únicos seres portadores de razão no planeta terra, os homens.
Corroborando o entendimento acima, no verbete “Linguagem” da Enciclopédia
Mirador Internacional (1995, p. 6849/6850), temos o seguinte:

A ‘linguagem animal’. Por vezes usa-se a expressão ‘linguagem animal’. O


que ocorre com os animais (principalmente as abelhas, e os chimpanzés e
gibões) é um fenômeno que difere fundamentalmente do que se passa com
o homem, tanto no que respeita a linguagem verbal como a não verbal. Na
‘linguagem animal’, cada ato de manifestação constitui um todo não
analisável, não divisíveis em unidades passíveis de ocorrer em outros atos,
conservando seu valor. Outra diferença característica é que o homem normal
nasce com o aparelho neural e condições fisiopsicológicas que lhe permitem
adquirir e fazer uso da linguagem. Os animais, ao contrário, herdam as
formas de comportamento que se pretende serem de ‘linguagem’, como
herdam as condições e impulsos que conduzem à auto conservação e à
reprodução.
Por outro lado, a linguagem humana é um fenômeno universal e uno na
essência, mas diverso em sua realização concreta. Cada grupo social se
utiliza de um instrumento particular de comunicação, com características e
combinatórias próprias – a ‘língua’ -, que por sua vez apresenta variações de
indivíduo para indivíduo – o ‘idioleto’. As formas de comportamento de
manifestação animal são as mesmas para todos os indivíduos da mesma
espécie. Por último, assinale-se que os comportamentos animais ditos de
‘linguagem’ são muito reduzidos para cada espécie, pois são condicionados
pelos instintos e por necessidades elementares: alimentação, defesa e
21
acasalamento. Em resumo, a linguagem verbal do homem é um
comportamento cujos atos conscientes, intencionais e finalísticos são
realizados através de sinais convencionalmente aceitos pelos integrantes de
seu grupo social. A ‘linguagem animal’ está condicionada pela estrutura
biológica do indivíduo na espécie, produzindo no outro indivíduo uma reação
meramente física e imediata; os sinais emitidos são naturais e espontâneos,
agindo no receptor como estímulos para ação/reação.

É por essa razão que se pode afirmar categoricamente que um papagaio não
fala. Apenas é portador de um aparelho fonético que lhe daria a capacidade de falar
caso dispusesse o seu cérebro dos elementos comuns aos seres humanos, aos quais
nos referimos acima.
A linguagem, portanto, é não só um fator desenvolvido e característico do ser
humano, como determina a sua realidade, bem como a modifica, a constrói, a destrói,
a transforma. Ao mesmo tempo constrói, forma, modifica, transforma o ser humano.
Daí poder-se dizer que o homem não seria o homem sem a linguagem.
Não à toa o evangelho de João, no seus primeiros versículos, personifica, de
maneira mística, Jesus Cristo como o logos: Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν
πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος.
CHAMPLIN E BENTES (1997, vol. 3, p. 897) informam que:

1. A doutrina do Logos tem desempenhado um importante papel na


história da filosofia e da teologia. Tem atuado como uma espécie de ponte
entre a filosofia e a teologia, no tocante a especulações acerca de como o
poder divino manifesta-se no cosmo e no mundo dos homens.
(...)
2. A Palavra. Definições. O termo grego Logos tem o sentido primário de
“razão”, “palavra”, “fala”, “discurso”, “definição”, “princípio”. Visto que Deus
aparece como a mente divina, seus atos podem ser concebidos como
atos que se manifestam através da razão. A mente divina controla tudo
através do seu poder e manifesta-se por meio de outras mentes. A mente é
distinta da matéria, mas, de alguma maneira, é responsável por sua
existência e modo de manifestação. A mente é uma força criativa, controlando
aquilo que ela cria ou que dela emana. O Logos, pois, entra na filosofia
como um poder modelador, tal como a mente humana modela suas
condições neste mundo. Na filosofia grega, a nous (mente) era uma espécie
de maneira alternativa de falar sobre o Logos. De fato, com base nos
escritos de Anaxágoras, passando por Aristóteles, esse termo substitui
o termo Logos como o princípio motivador do universo.
3. Com o Sentido de Palavra. Visto que o termo grego logos pode
significar “palavra”, era apenas natural que o evangelho de João tivesse
usado o termo com o significado de “revelação” (ver Jo 1.18). O Grande
Desconhecido, jamais visto por olhos mortais, tornou-se conhecido por meio
do Logos. Mas, para João, o Logos é também o poder criativo, a
inteligência divina por trás de todas as coisas que vemos. (Grifamos.
Itálicos no original).

22
Apesar de a abordagem acima pertencer mais ao campo teológico do que
filosófico ou literário, não é desconhecido nem de teólogos nem de filósofos o que os
gregos pensavam quando vinha à sua mente a palavra logos, que significava, para
eles, exatamente “palavra” ou “verbo”, que é a palavra em ação. Mais abaixo veremos
o entendimento pleno dos gregos sobre o lógos – a palavra, ou o verbo
CHAMPLIM E BENTES (1997, vol. 3, p. 897) informam que essa palavra já
havia passado, através da filosofia grega, principalmente pelos neoplatônicos e judeus
helenistas, por modificações que fundamentaram e fundamentam o uso cristão do
termo até hoje por todo o todo o cristianismo: Romano, Ortodoxo e Protestante.
MARILENA CHAUI (2005, p. 60/61) trata da razão exposta pela e através da
linguagem:

Por identificar razão e certeza, a filosofia afirma que a verdade é racional; por
identificar razão e lucidez (não ficar ou não estar louco), a filosofia chama a
nossa razão de luz e luz natural (pois a palavra lucidez vem de luz); por
identificar razão e motivo, por considerar que sempre agimos e falamos
movidos por motivos, a Filosofia afirma que somos seres racionais e que
nossa vontade é racional; por identificar razão e causa e por julgar que a
realidade opera de acordo com as relações causais, a Filosofia afirma que a
realidade é racional.

E mais adiante ela complementa:

Origem da palavra razão


Na cultura da chamada sociedade ocidental, a palavra razão origina-se de
duas fontes: a palavra latina ratio e a palavra grega logos. Essas duas
palavras são substantivos derivadas de dois verbos que têm u sentido muito
parecido em latim e grego.
Logos vem do verbo legein, que quer dizer contar, reunir, juntar, calcular.
Ratio vem do verbo reor, que quer dizer contar, reunir, medir, juntar, separar,
calcular.
Que fazemos quando medimos, juntamos, separamos, contamos e
calculamos? Pensamos de modo ordenado. E que meios usamos para falar
sobre essas ações? Usamos palavras (mesmo quando usamos números
estamos usando palavras, sobretudo os gregos e os romanos, que usavam
letras para indicar números).
Por isso, logos, ratio ou razão significam pensar e falar ordenadamente, com
medida e proporção, com clareza e de modo compreensível para os outros.
Assim, na origem, razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-se
correta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são. A razão é
uma maneira de organizar a realidade (medir, reunir, juntar, separar, contar,
calcular) pela qual esta se torna compreensível. É, também, a confiança que
podemos ordenar e organizar as coisas porque são organizáveis, ordenáveis,
compreensíveis nelas mesmas e por elas mesmas, isto é, as próprias coisas
são racionais ou estão ordenadas e organizadas, estão articuladas e
conectadas, são semelhantes ou diferentes, possuem identidade, etc.,
podendo por isso ser reunidas ou separadas, medidas e calculadas.

23
É simplesmente revelador o que a filosofia grega, já a partir de Anaxágoras,
passando por Sócrates (criador da dialética), Platão e Aristóteles, criou, com a ideia
da linguagem representada por uma única palavra, o Logos, a filosofia da qual se
apoderaram os Neoplatônicos, influenciando os primeiros cristãos, mormente dos que
já possuíam uma mente com preparo filosófico – como São Paulo, nascido na cidade
de Tarso, cidade altamente influenciada pela cultura helênica (ZIBORDI, 2017, P. 82):

O apóstolo Paulo sabia utilizar-se, também, de estratégias adequadas para


cada realidade.
(...)
Nascido em Tarso, uma das principais cidades do Império Romano, pertencia
a uma família judaica e cresceu sob a influência da cultura helênica, o que
dava mobilidade para transitar livremente entre as fronteiras da época.

É interessante, já que tangemos a teologia, não esquecer que os grandes


desenvolvedores do cristianismo foram aqueles de cultura e fala mais desenvolvida,
como o próprio apóstolo Paulo (autor nada menos do que de 13, das 20 epístolas do
Novo Testamento); Agostinho de Hipona, autor de “Confissões”, livro de teor
altamente filosófico em que compara o mundo filosófico no qual vivia, o maniqueísmo
e o neoplatonismo, com o cristianismo que florescia no seu tempo, e de outros livros
de importância tanto teológica como filosófica, como “A cidade de Deus” e “A cidade
dos homens”. Impossível esquecer de São Tomás de Aquino, chamado (ou ordenado)
pela Igreja Católica como "Doctor Angelicus", "Doctor Communis" e "Doctor
Universalis", doutor da Igreja, e sua “Suma Teológica”, que lastreou a chamada
Escolástica, mistura de teologia com filosofia que dominou toda uma época e que
serviu de base para os principais dogmas católicos, dogmas estes aos quais se
opuseram os iluministas, mas que perduraram por boa parte da Idade Média.
A importância da linguagem e da língua, bem como da perfeita compreensão
e do domínio da escrita – o domínio da língua se dá pela perfeita compreensão da
palavra escrita, embora isso não seja essencial para a comunicação - para o
desenvolvimento de todas as áreas saber humano é atestada pela história. CAMPOS
e MIRANDA (2013, p.19), sobre a linguagem, cultura e sobrevivência do ser humano,
discorrem, in litteris:

Além disso, o homem do Paleolítico desenvolveu a linguagem oral, o que o


distinguiu ainda mais dos outros animais. A fala não teve início único, bem
demarcado no tempo. Foi produto de uma série de processos, separados uns

24
dos outros às vezes por muitos milhões de anos, que veio a se combinar no
ser humano. Ela permitiu ao homem partilhar com seus semelhantes
conhecimentos, experiências e sentimentos. Foi, assim, o fator decisivo no
desenvolvimento da cultura. Por meio da linguagem, os pais podiam explicar
aos filhos como fazer instrumentos e acender o fogo e ensinar-lhes as regras
de comportamento e as crenças religiosas. Com isso, asseguravam a
transmissão para as futuras gerações de conhecimentos que garantiriam a
sobrevivência da espécie.

Resta claro que todo o incremento das diversas civilizações que surgiram pelo
mundo no período Paleolítico e que se aperfeiçoaram-se ainda o Neolítico, deu-se
devido ao desenvolvimento da linguagem falada. Chegou um momento, porém, que a
simples emissão de sons, de palavras, não bastaram mais aos homens que se
agrupavam em sociedades, em civilizações. Além do grande número de pessoas,
havia, também, em consequência, o grande número de transações legais sociais,
políticas e econômicas entre os indivíduos e os grupos étnicos que surgiam e
transacionavam ou mercadejavam entre si. E foi aí que surgiu a necessidade da
escrita.
Sobre isso, assim se manifestam CAMPOS e MIRANDA (2005, p.19), in litteris:

A escrita a ferro e fogo


Entre 4.000 e 3.000 a.C. importantes desenvolvimentos técnicos começaram
a transformar as cidades neolíticas. Era preciso controlar as quantidades de
grãos produzidos e trocados, ou seja, o que era comprado e vendido. Ficava
cada vez mais difícil guardar tudo na memória. Tornou-se necessário criar
marcas para diferentes unidades: um, cinco e dez, por exemplo. Depois, uma
marca que significasse fruta, outra que significasse grão, e assim por diante.
As pessoas aprenderam a fazer essas marcas e a interpretá-las. Foi o
nascimento da escrita e dos documentos. E da História.
Tal invenção, associada à utilização de metais, que ampliou o controle
humano sobre o meio-ambiente e seus recursos, modificou mais uma vez as
relações humanas. Antes do ano 4.000 a.C., os artesãos já haviam
descobertos que as rochas portadoras de metais podiam ser aquecidas e
derretidas. Dessa forma, era possível extrair delas o metal e moldá-lo para
fabricar ferramentas e armas de maior utilidade que os instrumentos de
pedra.

Esse texto serve a nos mostrar duas coisas importantes: 1. Que as grandes
descobertas ou invenções dos seres humanos não se deram isoladamente – no
sentido de que surgiram em uma única civilização-, mas, na maioria das vezes
concomitantemente, isoladamente ou para suprir a necessidade de outra descoberta
ou invenção; 2. E o mais importante para nós: sem linguagem não há civilização; foi
exatamente o surgimento da linguagem falada, articulada, que marca o ajuntamento

25
de comunidades humanas no planeta em civilizações, e a linguagem escrita que
marca o início da História.
Mas eis que se nos apresentam os males discutidos no capítulo anterior,
aqueles que dizem respeito às peculiaridades da linguagem escrita, e que, por já
terem sido amplamente abordadas ali, apenas os mencionaremos aqui.
Na linguagem falada, a entonação da voz, as expressões faciais, as
gesticulações e outros meios de que se apodera o agente que transmite a mensagem,
fazem com que esta seja transmitida com clareza, e, mesmo se diante de tudo isso,
surgir alguma dúvida, uma pergunta, uma indagação imediata, com uma resposta
também imediata, resolvem o problema.
Na linguagem escrita, além, na maioria da vezes, da ausência do autor do texto,
que não está ali para responder indagações sobre o sentido de uma palavra, de uma
frase, de uma oração ou período, sobre a semântica ou sintaxe textual, não há, por
isso mesmo, e também, expressões faciais, gestos, entonações e outros meios
utilizados pelo receptor da mensagem para que possa bem compreender o texto. Daí
a necessidade dos sinais de pontuação.

3. A ESCRITA

Mas eis que se nos apresentam os males discutidos no capítulo anterior,


aqueles que dizem respeito às peculiaridades da linguagem escrita, e que, por já
terem sido amplamente abordadas ali, apenas os mencionaremos aqui.
Na linguagem falada, a entonação da voz, as expressões faciais, as
gesticulações e outros meios de que se apodera o agente que transmite a mensagem,
fazem com que esta seja transmitida com clareza, e, mesmo se diante de tudo isso,
surgir alguma dúvida, uma pergunta, uma indagação imediata, com uma resposta
também imediata, resolvem o problema.
Na linguagem escrita, além, na maioria da vezes, da ausência do autor do texto,
que não está ali para responder indagações sobre o sentido de uma palavra, de uma
frase, de uma oração ou período, sobre a semântica ou sintaxe textual, não há, por
isso mesmo, e também, expressões faciais, gestos, entonações e outros meios

26
utilizados pelo receptor da mensagem para que possa bem compreender o texto. Daí
a necessidade dos sinais de pontuação.

3.1. O surgimento da escrita

Toda linguagem é composta, como se pode ver dos enunciados gramaticais e


até filosóficos acima, de signos. Portanto, é interessante que aqui apresentemos o
conceito de signos, acrescentando ao conceito de ARANHA E MARTINS (2013, p.
43). Apresentemos também os conceitos de signo e de tipos de signos formulados e
apresentados por BERGAMIN et al (2013, p.189):

O signo é a unidade de representação de uma linguagem. Ele se caracteriza


por ser um elemento que aparece no lugar do outro. Todo signo tem um
suporte material, o significante, e um conceito, o significado. A palavra bar, a
fotografia ou a maquete de um bar são signos, pois a noção de “bar” é
transmitida por algo material (sons, traços, cores, etc.)
Toda produção humana que possui sentido é um signo. Ele é a forma de as
pessoas aprenderem a realidade.

Tudo o que foi apresentado até aqui se propõe a demonstrar que a linguagem
é uma criação humana; que ela é composta por signos ou símbolos que devem ser
compreendido por quem emite o símbolo e por quem o percebe.
BERGAMIM et al (2013, p. 189) Tratam dos tipos de signos e sua relação com
a linguagem. A compreensão disso é essencial para que possamos entender a
comunicação entre as pessoas que os usam. Quanto ao tipo de signos, assim se
pronunciam:

Há muitos modos de pensar os tipos de signos. O filósofo e matemático


estadunidense Pierce (1839-1934), por exemplo, propõe classificá-los em
ícones, índices ou símbolos.
Para Pierce, um signo que representa um objeto com base na semelhança
física que tem com ele seria um ícone. É o caso, por exemplo, de uma
fotografia ou de um desenho.
Um signo que representa algo por meio de uma relação lógica, aprendida
na experiência humana, seria um índice. (...) É o (...) tipo de relação presente
no dito popular: “onde há fumaça há fogo” (a fumaça é o índice do fogo).
Um terceiro tipo de signo, que representa um conceito em função de um
acordo social, seria o símbolo. No código de trânsito a cor verde significa
“Siga!”. O significado atribuído a essa cor não resulta de uma ligação natural
entre a representação e o elemento representado; ele é fruto de uma regra
estabelecida socialmente.

27
Já quanto a língua, BERGAMIM et al (2013, p.189), falam que, no cotidiano
língua e linguagem são usadas com sentidos próximos. Porém informam que “Para a
Linguística, ciência que estuda a linguagem verbal, tratam-se de dois conceitos
diferentes. A língua é a maneira particular como a linguagem verbal se realiza nas
interações de um grupo social específico”. (os grifos constam do original)
BERGAMIN et al (2013, p.189) também apresenta o seu conceito de
linguagem:

Linguagem é uma forma de interação humana eu utiliza um sistema


organizado de representações. O signo é a unidade de representação de
uma linguagem. Ele é formado pela união de um significante (suporte
matéria), e um significado (conceito). A linguagem verbal conta com signos
linguísticos. A forma como ela se realiza nas diferentes constitui as línguas.

Deixaremos de minuciar aqui o significado de fala, que é a apropriação


individual da língua pelo falante, é claro, por fugir ao objetivo deste trabalho. Mas, e
quanto à escrita, ao modo de representar o que fala o ser humano? O assunto é tão
importante que assim se manifestam CHAMPLIM e BENTES (1997, p. 464):

O pensamento humano, reduzido a seus aspectos moleculares, começa com


trocas eletroquímicas de energia, dentro e fora das células neurais do
cérebro. Porém, é fato bem conhecido que, através da repetição constante, o
corpo humano pode reagir a percepções visuais e auditivas, sem que forme,
aparentemente, essas sensações em palavras.

É um retrato profundo demais para este trabalho, que não se propõe a tratar ou
conceituar a linguagem ou a língua, nem tratar do seu surgimento a partir das reações
químicas ou biológicas que ocorrem dentro do ser humano, particularmente do
cérebro, quando vai expressar-se.
No entanto, esses autores buscam expressar com a maior precisão possível o
surgimento da linguagem, da língua, da fala e da escrita, sendo esta última o que
estamos tratando neste capítulo como eles mesmos afirmam: “Isso posto, definir com
exatidão a natureza da expressão e da comunicação parece ser uma atividade mais
metafísica do que científica”. Bem, é certo que uma abordagem metafísica ou
ontológica do surgimento da linguagem não nos interessa aqui, apesar de muitos dos
conceitos que apresentamos aqui tenham sido formulados por filósofos. Mas esse
grau de abstração aqui não nos interessa. Interessa-nos, porém, é da precisão e a

28
profundidade dos conceitos e formulações que lastreiam este trabalho que surge o
nosso interesse pelos seus conceitos.
Os próprios autores acabam por admitir ou informar que os seus conceitos
foram buscados na História ou no processo histórico:

Portanto, estuda-se melhor o tema da escrita como um processo histórico


[portanto, material] da invenção de um dos mais úteis instrumentos do
homem, baseado em uma das mais cêntricas de suas faculdades, a da
expressão. O homem pode exprimir seus pensamentos individuais quase
através de cada função e função do seu corpo. No entanto, os seres humanos
de qualquer época histórica têm dependido da visão e da audição como as
principais vias de recolhimento e transmissão de dados. Visto que não se
pode conceber um homem que não pensa, assim também não se pode
imaginar um homem que não se expresse ou comunique,

Para não nos alongarmos mais do que fizemos e também por não fazer parte
do escopo deste trabalho, deixaremos de falar dos tipos de linguagens e suas funções,
tratando especificamente da origem da e da escrita, já que tratamos da origem ou do
surgimento da linguagem.
Como já foi dito acima e pela análise da história, a linguagem verbal surgiu e
foi relegando os gestos e sinais instintivos a segundo plano com o desenvolvimento
da fala a partir dos sons guturais que se transformavam aos poucos em palavras e
sons eram associados a objetos, desejos, objeções, ideias.
A linguagem, porém, não surgiu de plano entre os seres humanos, como se um
homem primitivo acordasse um dia e começasse a dar ordens, ou a pedir coisas, ou
a explicar os fenômenos da natureza. CHAMPLIM e BENTES informam que:

A antiga Àsia ocidental não foi apenas o berço da civilização ocidental, mas,
também dos primeiros dos sistemas de escrita, onde surgiram todos os
estágios dos sistemas semasiográficos e fonográficos. Sempre que houve
necessidade de registros escritos, a escrita foi inventada.

CHAMPLIN e BENTES t(1995), tecem comentários ontológicos sobre o


surgimento da escrita e os sistemas pré-históricos:

Sistemas pré-históricos de escrita – para chegarmos a eles, precisamos


extrapolar dos sistemas posteriores mais conhecidos, retrocedendo para
esses sistemas pré-históricos. Os mais antigos documentos escritos que se
conhecem foram escavados no local da cidade de Uraque (na Bíblia,
Ereque...). Inscritos em cerca de 3000 A. C. São tabletes sumérios, com
textos sumérios. O sumério era uma língua não semita, não indo-europeia.
Todavia, tem-se descoberto ultimamente que esse sistema, bem como todos

29
os textos sumérios posteriores, provavelmente não foram criados pelos
sumérios, embora eles possam ter modificado e expandido os mesmos,
ajustando-os ao seu idioma monossilábico.

Outros pesquisadores concordam com o surgimento da escrita primeiros entre


os sumérios, afirmando que o fenômeno do surgimento da linguagem se deu em
lugares separados e incomunicáveis através do mundo. A Enciclopédia Mirador
Internacional (1995, vol. 8, p. 4053) trata do assunto conforme se vê abaixo:

Os sistemas logográficos (a escrita strictu sensu) aparecem tardiamente na


história da humanidade: situam-se há 6 mil anos, no IV milênio a.C., os
primeiros sistemas de escrita que representam diretamente a linguagem oral.
A invenção da escrita, ao que tudo indica produziu-se várias vezes, em ponto
diversos do mundo, em sociedades dotadas de ‘indústria’ relativamente
desenvolvidas, um comércio ativo e um Estado organizado, respondendo
sempre às necessidades da civilização urbana. São os sistemas
morfemográficos os primeiros a surgirem e a serem inventados em momentos
diversos por civilizações distintas; já o sistema fonográfico alfabético, que
veio a ter a difusão conhecida, parece ter sido inventado apenas uma vez na
história.
A história externa do sistema de escrita apresenta lacunas de documentação
e é difícil de ser seguida. Afirma-se, no entanto, que é uma pictografia. A
invenção da escrita é basicamente um acordo sobre os significados que deem
ser atribuídos aos símbolos gráficos pela sociedade que dele se se utiliza
para seus objetivos comuns. Em geral, é uma finalidade pragmática e
imediatista que que dá origem às primitivas escritas de dominante
morfemográfica. Foram, por exemplo, os sacerdotes sumerianos da
Mesopotâmia, administradores de templos, que, devendo prestar contas de
sua incumbência às corporações que pertenciam, tiveram necessidade de
estabelecer um sistema convencional de registrar os recebimentos e gastos
por intermédios de signos escritos que podiam ser entendidos por seus
colegas e sucessores; também no Egito, foram os funcionários das
divindades, ocupados em receber e administrar rendas enormes, que
necessitaram de uma escrita que registrassem receitas e despesas, criando,
assim, símbolos gráficos convencionais e duráveis, transmissíveis de
geração a geração.
Por necessidades equivalentes às grandes civilizações urbanas da idade do
bronze é que surgirá, muito posteriormente, a escrita maia da América
Central, cuja civilização já se patenteia no séc. IV de nossa era, e a escrita
asteca do México, civilização florescente a partir do século IX. Em todos
esses contextos históricos e socioeconômicos, vê-se o instrumento da escrita
substituir o instrumento da memória, e observa-se que a escrita e sua leitura
são muito certamente especialidade de um grupo limitado da sociedade,
educado para isso e a essa tarefa dedicando-se por toda a vida.

O que se pode ver é que o fenômeno da escrita aconteceu em vários pontos


do planeta, sem maiores ligações entre si diferentemente do surgimento da linguagem
que parece ter surgido com os seres humanos mais primitivos e daí se espalhado,
seja pelas migrações, seja pelas guerras, quando os vencedores impunham a sua
língua aos vencidos.

30
3.2. Abordagens sobre a escrita como sistema de representação

A sociedade atual tem reservado para a escola o importante papel de


promover aos alunos o acesso aos estilos formais da língua, os quais representam
um modo de ascensão e mobilidade social que poderão refletir na integração do
indivíduo na sociedade de forma mais privilegiada. No entanto, são muitas as críticas
de que a escola não vem desempenhando adequadamente esse papel, pois os alunos
chegam ao final do Ensino Fundamental e, às vezes, até do Ensino Médio sem
dominar a tão almejada “variedade padrão”.
Maria Angélica, no seu artigo “Analfabeto funcional: conceitos e 6 alternativas
para reduzir o analfabetismo”, informa que:

No Brasil, de acordo com dados do IBOPE (2005) há cerca de 14 milhões de


Analfabetos absolutos e mais de 35 milhões de Analfabetos funcionais.
Os dados do CENSO de 2010 demonstram que o número maior de
analfabetos funcionais estão na região nordeste do país (30,8%) e que 1 em
cada 4 pessoas são analfabetas funcionais.
O cenário é ainda mais assustador quando se analisa os relatórios do
Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF), que faz a classificação
considerando os níveis de proficiência, de acordo com este índice,
atualmente no Brasil apenas 8% da população de 15 a 64 anos são
considerados plenamente alfabetizados. (Grifos no original).

E completa:

Atualmente muitos jovens e adultos ainda não conseguem ler e escrever e


muitas crianças não conseguem adquirir habilidades básicas de
alfabetização.
Isso acaba resultando na exclusão de jovens e adultos com baixo nível de
alfabetização e de baixa qualificação, na participação plena no mercado de
trabalho e também na sociedade em geral.
Quando se fala em alfabetização ainda se tem o conceito errôneo de que se
a pessoa sabe ler e escrever ela é alfabetizada, mas a questão é muito mais
profunda, é preciso entender os conceitos de alfabetização absoluta e o
considerado analfabeto funcional, aquele que tem pouca habilidade de leitura.

Para Martins (1986), aprender a escrever não é só uma das maiores


experiências da vida escolar. É uma vivência única para todo ser humano. Ao dominar
a escrita, abrimos a possibilidade de adquirir conhecimentos, desenvolver raciocínio,
participar ativamente da vida social, alargar a visão de mundo, do outro e de si mesmo.
Assim, sabendo da importância que assumem a oralidade e a escrita em uma
sociedade letrada como a nossa, compreendemos que a Prática Pedagógica do

31
professor de Língua Portuguesa precisa considerar, em suas atividades diárias,
aspectos de ordem técnica, econômica, social, cultural, afetiva e cognitiva, que
possibilitem a ampliação da competência comunicativa dos alunos, para que a escola
possa estar realmente desempenhando seu papel junto à sociedade, no que diz
respeito ao ensino de língua. Habilitar os alunos a desempenhar o uso da língua,
tanto na modalidade oral quanto escrita, com fluência e segurança, exige uma Prática
Pedagógica comprometida não somente com o desenvolvimento de atividades
relacionadas com a leitura e a escrita, mas com o exercício do falar, ouvir, ler e
escrever, e, além disso, que considere os aspectos relacionados às condições
socioculturais dos alunos e da comunidade em que vivem.
A preocupação dos estudiosos com a educação, especialmente dos sócio
linguistas da corrente etnográfica, tem contribuído significativamente nos últimos anos
para o desenvolvimento dessa área, principalmente em relação ao ensino de língua
materna. Muitos problemas afetam o ensino brasileiro e estão ligados a diversos
fatores, desde ordens estruturais a problemas de cunho didático – pedagógico. Uma
questão bastante discutida está relacionada à leitura e à escrita de nossas crianças e
jovens. Os dados de avaliações externas como Prova Brasil, ANA - Avaliação
Nacional da Alfabetização (2015) e outras revelam que a maioria dos discentes do
ensino fundamental e médio não domina a leitura e a escrita. O trabalho com a escrita
no Ensino Fundamental vem sendo motivo de discussão no Brasil, de forma mais
intensificada, desde a década de 80, por ser indicado como um dos responsáveis pelo
fracasso escolar dos alunos, constituindo um sério problema educacional. Voltamos
aqui aos dados presentes no artigo da professora Maria Angélica:

Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf)


O INAF é uma pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e a ONG
Ação Educativa, recebe também o apoio do IBOPE Inteligência.
A pesquisa é feita no Brasil e avalia o índice de alfabetização da população
entre 15 e 64 anos, população considerada economicamente ativa, e avalia
as habilidades e práticas de leitura, de escrita e de matemática aplicadas ao
dia a dia.
Em 2016, o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa divulgaram
o Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF) no relatório “Alfabetismo e o
Mundo do Trabalho”, em 5 níveis de alfabetismo funcional avaliando o grau
de domínio das habilidades de leitura, escrita e matemática, confira os
resultados:
• Analfabeto (4%)
• Rudimentar (23%)
• Elementar (42%)
• Intermediário (23%)

32
• Proficiente (8%).
Segundo a escala INAF a soma do grupo de analfabeto mais o de
rudimentar são considerados analfabetos funcionais, ou seja 27% da
população de 15 a 64 anos são analfabetos funcionais.

A partir da década de 90, essa discussão ganha ênfase em função do avanço


da reflexão crítica no ensino de Língua Portuguesa, com a distribuição em âmbito
nacional dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), com a aplicação da Prova
Brasil (antigo SAEB), com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), com as mudanças
sociais, com o debate acerca da formação docente, entre outros.
Mas voltemos ao artigo muito importante da professora Maria Angélica sobre
o analfabetismo cultural, desta vez para demonstrar como o INAF classifica os níveis
de proficiência da população brasileira quanto à alfabetização:

Confira abaixo como o INAF classifica os níveis de proficiência:


Analfabetos Funcionais
Analfabeto
Corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que
envolvem a leitura de palavras e frases ainda que uma parcela destes consiga
ler números familiares (números de telefone, preços etc.);
Rudimentar
Corresponde à capacidade de localizar uma informação explícita em textos
curtos e familiares (como um anúncio ou um bilhete), ler e escrever números
usuais e realizar operações simples, como manusear dinheiro para o
pagamento de pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando
a fita métrica;

Funcionalmente Alfabetizados
Elementar
As pessoas classificadas neste nível podem ser consideradas funcionalmente
alfabetizadas, pois já leem e compreendem textos de média extensão,
localizam informações mesmo que seja necessário realizar pequenas
inferências, resolvem problemas envolvendo operações na ordem dos
milhares, resolvem problemas envolvendo uma sequência simples de
operações e compreendem gráficos ou tabelas simples, em contextos usuais.
Mostram, no entanto, limitações quando as operações requeridas envolvem
maior número de elementos, etapas ou relações;
Intermediário
Localizam informações em diversos tipos de texto, resolvem problemas
envolvendo percentagem ou proporções ou que requerem critérios de
seleção de informações, elaboração e controle de etapas sucessivas para
sua solução. As pessoas classificadas nesse nível interpretam e elaboram
sínteses de textos diversos e reconhecem figuras de linguagem; no entanto,
têm dificuldades para perceber e opinar sobre o posicionamento do autor de
um texto.
Proficientes
Classificadas neste nível estão as pessoas cujas habilidades não mais
impõem restrições para compreender e interpretar textos em situações
usuais: leem textos de maior complexidade, analisando e relacionando suas
partes, comparam e avaliam informações e distinguem fato de opinião.
Quanto à matemática, interpretam tabelas e gráficos com mais de duas
variáveis, compreendendo elementos como escala, tendências e projeções.
33
3.3. Da ortografia e dos sinais de pontuação como substitutos de mecanismos
da linguagem oral

Estamos acostumados a ler e a escrever e, portanto, os sinais de pontuação


nos são familiares. Mas nem sempre foi assim, antigamente, quando surgiu a escritura
alfabética, os textos eram compostos por letras que formavam uma aglomeração
consecutiva e compacta, os textos eram escritos de tal forma, que não havia espaço
e nem pontuação entre as palavras, cabia ao leitor a responsabilidade de distinguir
cada palavra, cada frase e onde terminava uma e começava outra. Isto tornava sua
leitura tão difícil, que era indispensável lê-los em voz alta, para ir demarcando com o
tom da voz as palavras e frases.
Abaurre (2013) esclarece que, quando escrevemos, não mantemos com o
nosso interlocutor uma relação direta. Por esse motivo, desenvolveram-se, nos
sistemas de escrita de base alfabética, os sinais de pontuação, que desempenham a
função de demarcadores de unidades e de sinalizadores de limites de estruturas
sintáticas nos textos escritos.
Portanto, é de suma importância valorizar os sinais de pontuação de forma
precisa dentro dos textos escritos, com a finalidade de proporcionar melhorias aos
aprendizados dos alunos diante do uso da língua escrita.
Inserir a criança no mundo letrado é permitir que ela seja a construtora de seu
próprio conhecimento, tendo em vista sua forma de conhecer e compreender o mundo
que a cerca. Nesse sentido, a escrita é uma linguagem representada, onde as
palavras sobrevivem a todo tempo guardadas pela memória da humanidade e
transmite, por meios de ensinamentos valiosos, todo o seu potencial através do
processo ensino aprendizagem. A escrita surgiu na vida do homem a partir da
necessidade social de se comunicar em um sistema pictográfico e inicialmente não
apresentava uma relação com a fala.
O processo de desenvolvimento da escrita da criança não resulta de uma
simples cópia realizada de forma mecânica e tradicional, mas é um processo de
construção pessoal. Portanto, entende-se que a evolução da escrita alfabética dar-se-
á de forma processual, onde a criança passará por diferentes etapas até chegar ao
domínio satisfatório da própria língua. Durante o desenvolvimento construtivo da

34
leitura e escrita, a criança passa por fases de grande significação no seu processo de
desenvolvimento cognitivo.
Quando falamos de pontuação, logo nos vem à mente um conjunto de sinais
que compõem um texto escrito. O Sistema de Pesquisa traz uma definição,

Por pontuação entendemos que é a parte da ortografia que trata dos sinais
ortográficos ou sinais de pontuação, destinados a indicar a pausa e flexões
de voz, para descriminar: elementos sintáticos da frase, com vistas à clareza
e às modulações da leitura. (SISTEMA DE PESQUISA 2003, P.38)

Os sinais de pontuação podem ser divididos em dois grupos, de acordo com


a função que mais frequentemente exercem na escrita. Como já é bem sabido, existem
várias normas para o devido uso desses sinais. A má pontuação constitui sério erro
de estilo contra a clareza dos textos escritos.
Nesse sentido Abaurre (2013, p.310), nos esclarece o seguinte:

1] Sinais de pontuação que indicam pausas correspondentes ao término de


unidades de forma e de sentido: o ponto, a vírgula, e o ponto e vírgula.
2] Sinais de pontuação que delimitam, na escrita, unidades que, na fala,
costumam vir associadas a entonações específicas: os dois-pontos, o ponto
de interrogação, o ponto de exclamação, as reticências, as aspas, os
parênteses, o travessão.

Em outras palavras, os sinais de pontuação servem para ajudar a


compreensão do leitor diante dos textos escritos. Na fala, o ouvinte escuta, percebe
pausas e modulações na voz, capta expressões faciais. Já diante da leitura, o leitor
tem apenas o texto escrito, sem a presença do autor. É trabalho do autor se valer de
recursos para que sua mensagem seja percebida com clareza. Entre esses recursos
estão os sinais de pontuação.
A importância dos sinais de pontuação no texto escrito é atestada por Cohen
et al. (2001), ao mostrar que a ausência ou a alteração da pontuação compromete a
compreensão de textos e reconhecimento de palavras, que permite afirmar que a
presença desses marcadores vai além de uma questão de estilo. No ponto de vista
do teórico, a pontuação é essencial na construção do sentido do texto escrito levando
o leitor a identificar o que ele está querendo repassar diante do texto escrito.
Para Azeredo (2008), um texto bem pontuado há de ser, é claro, aquele em
que a pontuação constitui uma pista segura para a apreensão do sentido pretendido
por seu autor. Ou seja, um texto em que a pontuação é correta, faz com que o leitor

35
chegue muito mais próximo das intenções pretendidas pelo autor em sua obra, além
de fazer com que o mesmo soe melhor também aos ouvidos de quem o lê. Diante
desse contexto, a utilização dos sinais de pontuação bem definido revelara uma
clareza precisa para o leitor, tendo em vista que permitirá ao longo do texto, uma
melhor compreensão do que está sendo retratado pelo o autor. Se atentarmos bem
para os usos dos sinais, uma vírgula ou qualquer outro tipo de sinal pode causar uma
mudança no sentido de um texto.
Assim como num trânsito em uma grande cidade precisa das placas de
sinalização para orientar, advertir, informar, regular e controlar os veículos, pedestres
e dentre outros. Por outro lado, os sinais de pontuação da língua portuguesa da
necessidade de facilitar, regular, controlar e colaborar para ajudar os leitores a
compreenderem os textos escritos. Da mesma forma que acontecem vários acidentes,
infrações e desrespeitos no trânsito por falta de sinalização, os sinais de pontuação
obedecem ao mesmo ponto de vista, sendo que, sem os sinais os textos ficam sem
sentido, sem coerência e coesão, não têm fluidez e, por conseguinte, prejudicarão a
compreensão do leitor.
Os sinais de pontuação são de extrema importância para a compreensão da
língua escrita, pois, sem eles seria praticamente impossível a construção de qualquer
frase com sentido real, ou seja, um texto capaz de alcançar o seu objetivo, que é
transmitir uma informação, um sentimento; um texto precisa ser bem pontuado,
pausado, expressado e de sentido completo.
Para Bernardes, “o texto pontuado cria uma leitura e a inserção da marca de
pontuação produz efeitos”, (...) “a interpretação permite que a pontuação ressignifique
e assuma novos valores ao texto”. (BERNARDES, 2005, p.116). Na visão do autor,
um texto bem pontuado, mais do que tudo, é extremamente necessário para que haja
concordância textual, seja ela verbal ou nominal.
Dessa forma, os sinais de pontuação são importantes para os textos escritos,
visto que nos ajudam na compreensão e no entendimento, sem eles não saberíamos
identificar o sentido dos textos escritos. Diante de tudo isso, a pontuação é o oxigênio
do texto escrito.
Vale ressaltar, que foram necessários pelo menos quinze séculos para que se
produzisse a separação gradual das letras dos textos em palavras e frases. No
começo da idade média adotou-se o costume de pôr as frases em linhas separadas,

36
logo apareceram à vírgula e o ponto, posteriormente, adotaram as maiúsculas iniciais,
os parêntesis, a separação entre parágrafos, até chegar a diversidade de sinais que
temos hoje. Este desenvolvimento da pontuação fez possível a aparição da leitura
silenciosa a que agora estamos habituados.
Em sentido amplo, pontuação é um conjunto de sinais gráficos, usados para
indicar a produção de uma pausa na oração, ou para indicar o modo em que a mesma
deve ser entendida. Assim, para escrever corretamente é necessário empregar
adequadamente os sinais de pontuação, que segundo Nina Catach (1996, p. 79), “é
um sistema de reforço da escrita, constituído de sinais sintáticos que participam de
todas as funções da sintaxe, gramaticais, entonacionais e semânticas”. Almeida
(2002) compreende a pontuação como a arte de dividir as partes do discurso; por sua
vez, Azeredo (2010), na GHLP, considera a pontuação como sinais gráficos,
entendendo-os como uma das partes do sistema gráfico. Tournier (1980: 36) propõe
ainda a seguinte definição: A pontuação é o conjunto dos grafemas puramente
plerêmicos, não decomponíveis em unidades de ordem inferior e de natureza discreta.
Com base nas definições desses autores, é possível entender porque a
pontuação é importante, pois seu uso adequado permite evitar a ambiguidade em
textos que, sem o uso dos sinais de pontuação, poderiam ter interpretações diferentes.
Não obstante, os sinais de pontuação são, em muitos casos, de uso flexível e,
portanto, seu uso está subordinado ao estilo ou forma particular de escrever de cada
autor ou indivíduo que escreve, da apropriação que cada autor faz da língua, da
linguagem, da fala. Por que motivo, poderia se dar o caso em que um mesmo texto
possa ser corretamente pontuado por duas pessoas. Entretanto, sua interpretação e
suas nuances ou intenções poderiam ser diferentes. A linguagem escrita é cheia de
nuances e tonalidades. Às vezes, um simples sinal como uma vírgula, pode fazer
muita diferença em relação à sua interpretação. No exemplo abaixo encontraremos
uma diferença; uma vírgula muda tudo.
Conforme falamos anteriormente, os sinais de pontuação são uma parte
importante para a total compreensão e correta expressão do texto escrito. Com os
diversos sinais de pontuação se pretende reproduzir a entonação que se utiliza na
língua oral, ou seja, quando falamos. De acordo com Bernardes (2005) o texto
pontuado cria uma leitura e a inserção da marca de pontuação produz efeitos, ou seja,

37
a interpretação permite que a pontuação ressignifique e assume novos valores ao
texto.
Segundo Brandão:

A emoção de escrever está em materializar os sentimentos em palavras de


tal forma que, quando lidas, possam retornar ao estado imaterial que as
gerou: a pura fonte da emoção (BRANDÃO, 2010, p. 8).

Tudo isso ocorre porque, ao se comunicar, as entonações são feitas com


certas pausas e nuances integrando o diálogo para tornar a conversa expressiva e
compreensível. No momento da escrita é feito da mesma forma, com pausas,
entonações e expressões capazes de levar o leitor ao mesmo entusiasmo como se
ele estivesse falando pessoalmente e, por isso, o uso correto de sinais de pontuação
é necessário. As marcas de pontuação são importantes na linguagem escrita, porque
através delas permitimos que pessoas que nos leem, interpretem o que expressamos
como desejamos.
Escrever é uma forma de comunicação que envolve uma construção linear;
uma vez que é impossível escrever tudo ao mesmo tempo, é necessário separar as
ideias, hierarquizá-las e colocá-las em ordem. Neste trabalho, os sinais de pontuação
servem para:
➢ Estruturar o texto,
➢ Delimitar frases e parágrafos;
➢ Enfatiza as principais ideias;
➢ Classificar ideias secundárias;
➢ Eliminar ambiguidades.
Uma vez que, uma boa pontuação assegura a adequada articulação de
unidades de significado que integram uma frase ou um parágrafo. Por isso, os sinais
de pontuação requerem um emprego muito preciso; se eles são colocados no lugar
errado, as palavras e as frases deixam de dizer o que o autor queria dizer. Smith
(1982:156) enfatiza a relação da pontuação com a significação e a gramática,
desconsiderando os sons da fala. Para ele, a pontuação marca como o sentido evolui
no texto, permitindo conectar e encaixar significados. Ao lado da pontuação que
representa significados, ele considera a pontuação que representa convenções da
escrita necessárias para manter sua consistência (a da escrita).

38
Quanto mais os sinais enfatizam a estruturação do conteúdo (tema central,
subtema, ideia, detalhe), mais coerente e preciso se torna o texto, contribuindo assim
para uma melhor compreensão dos leitores. Ao falar, a entonação e gerenciamento
de voz fornecem informações muito importantes para o interlocutor. Além de dar pistas
sobre o humor do falante e sua relação com o que ele está falando, a entonação e o
gerenciamento de voz ajudam o interlocutor na decodificação da mensagem porque
eles lhe dão diretrizes para organizar a informação e interpretar a o que disse. Ao
escrever, são as marcas de pontuação que compõem uma boa parte deste trabalho e
é por isso que eles constituem um recurso valioso tanto para aqueles que escrevem
um texto como para aqueles que o leem.
Como mencionado anteriormente, a organização dos componentes de frases
e parágrafos é o que cria diferentes "produtos". Deste ponto de vista, os sinais de
pontuação de uma escrita são um dos mecanismos de coesão e coerência de um
texto. Um escritor sabe como usá-los a seu favor para facilitar a leitura de seu texto.
Em suma, é impossível negar a importância da pontuação como elemento
central nos processos de reproduzir a entonação da linguagem oral (pausas, nuances
de voz, gestos, mudanças de tom, etc.) para interpretar e entender corretamente a
mensagem escrita. Tendo em vista, que as marcas de pontuação, por conseguinte,
permitem expressarmos claramente e evitar diferentes interpretações do mesmo
texto.
Sob o mesmo ponto de vista, os sinais de pontuação são símbolos gráficos
encarregados de marcar pausas, dar sentido, transmitir as emoções dos diferentes,
pois a função é dar sentido e significado ao organizar as ideias que o autor deseja
capturar no texto. Essas e outras funções de pontuação demonstram como elas
podem modificar o significado de um texto e, consequentemente, a importância de
usá-los com precisão. Assim, a organização correta do conteúdo através da
pontuação será fundamental para que os textos possam ser lidos e entendidos de
maneira fluida e clara.
Na visão de Pacheco (2006), a presença de um sinal de pontuação em texto
escrito leva o leitor a ter padrões prosódicos particularizados. Essas realizações
prosódicas particulares realizados pelo leitor são percebidos pelos ouvintes que
associam certos padrões prosódicos prototípicos a sinais de pontuação específicos

39
(PACHECO 2006). Isso significa que há certa correspondência entre o que se realiza
durante uma leitura em voz e o que se ouve nesta leitura.
Há uma preocupação por parte dos educadores, principalmente, nas escolas
do ensino fundamental, em incentivar a criança a escrever e a ler, fazendo com que a
sala de aula se torne um berço de futuros escritores. Nas escolas, deve-se haver um
cantinho especial para a leitura, uma biblioteca, e as crianças devem ter muitas
oportunidades de folhear os livros, e lê-los individualmente e em grupos; as histórias
lidas por alguns devem ser socializadas com os demais, e este é um trabalho que
deve ser organizado pelo docente. “A escrita assim como a leitura, como prática social,
é sempre um meio, nunca um fim.” (PCN, Língua Portuguesa, v.2, p.57).
Ensinar a escrever continua sendo uma das tarefas mais especificamente
escolares; muitas crianças fracassam já nos primeiros passos da alfabetização. Frente
a essa problemática e em busca de caminhos que minimizassem, e, até mesmo,
erradicassem este entrave do processo ensino-aprendizagem, através de pesquisas,
ANA TEBEROSKY e EMÍLIA FERREIRO, desde 1974, travaram uma intensa
pesquisa com o objetivo de mostrar que existe uma nova maneira de encarar esse
problema, que atinge tanto o educando quanto o educador. As dificuldades
encontradas no processo de aquisição da escrita são fatores que interferem na
aprendizagem do aluno. As pesquisadoras ainda asseguram que a aprendizagem da
escrita, entendida como questionamento a respeito de sua natureza e de sua função
se propõem a resolver problemas e tratam de solucioná-los, seguindo sua própria
metodologia. Para isso deslocou-se a questão central da alfabetização do ensino para
a aprendizagem. Partindo de como se deve ensinar e como, de fato, se aprende.
(FERREIRO E. e TEBEROSKY, p. 72; 1985.)
As crianças aprendem a escrever participando de atividades de uso da escrita
junto com pessoas que dominam esse conhecimento. Aprendem a ler quando acham
que podem fazer isso. É difícil uma criança aprender a ler quando se espera dela o
fracasso. É difícil também a criança aprender a ler se ela não achar finalidade na
leitura. No entanto, os novos estudos a respeito da educação dizem que, quanto mais
próximas às práticas pedagógicas estiverem das práticas sociais, mais as crianças
verão sentido no que estudam, e escrevem, poderão estabelecer relações,

desenvolverão sua imaginação e se tornarão produtoras culturais .

40
Segundo FERREIRO (2002, p.10), a escrita pode ser concebida como um
sistema de código e de representação. Como código, os elementos já vêm prontos e
como representação, a aprendizagem se constitui em uma construção pela criança.
Ao trabalhar a escrita como código, o ensino privilegia os aspectos preceptivos e

motor, relação, grafia e som, e o significado é desconsiderado. Ferreiro (2002) afirma

que a criança precisa entender que a escrita, é um sistema simbólico, de


representação da realidade, que não tem significado em si, mas representa um outro
contexto. De acordo com BARBOSA (1990, p.30), de modo geral, os métodos
tradicionais de alfabetização são caracterizados por um sistema fechado e o processo
de aquisição da linguagem escrita é visto como algo exterior ao indivíduo. A partir de
então, esses métodos fazem uma análise racional dos seus elementos, partindo de
aspectos simples para os complexos, ou seja, primeiro aprendem-se as letras e depois
as sílabas, palavras e frases.
A linguagem escrita é constituída por um sistema de signos que designam os
sons e as palavras da linguagem falada, os quais por sua vez, são signos das relações
e entidades reais. Nessa perspectiva, a linguagem falada desaparece e a linguagem
escrita converte-se num sistema de signos que simboliza diretamente as entidades
reais e as relações entre elas (VIGOTSKI, 2003, p.70). O ensino da língua escrita
pode partir da pré-escola, conforme propõe Vigotski (2003), pois crianças mais novas
são capazes de descobrir a função simbólica da escrita. Entre 3 e 6 anos de idade as
crianças têm domínio de signos arbitrários e progresso na atenção e na memória. O
ensino tem que ser organizado de forma que a leitura e a escrita se tornem
necessárias às crianças e que tenha significado para elas. Nessa concepção, o
professor tem um papel de mediador, ou seja, a escrita deve ser ensinada
naturalmente e não de forma mecânica.
O desenvolvimento da escrita para Luria (2010) prossegue ao longo de um
caminho que podemos descrever como a transformação de um rabisco não-
diferenciado para um signo diferenciado. Linhas e rabiscos são substituídos por
figuras e imagens, e estas dão lugar a signos. Para ele, a escrita é uma dessas
técnicas auxiliares usadas para fins psicológicos; a escrita constitui o uso funcional de
linhas, pontos e outros signos para recordar e transmitir ideias e conceitos.
Assim, Luria (2010) identifica 5 estágios para o desenvolvimento da escrita: o
estágio dos rabiscos ou fase dos atos imitativos, primitivos, pré-culturais e pré-
41
instrumentais, no qual a criança ainda não aprendeu o sentido e a função da escrita.
Ela tenta reproduzir a escrita adulta com a qual está familiarizada; o estágio da escrita
não-diferenciada, fase em que a criança utiliza os rabiscos não para ler, mas para
lembrar-se do que lhe foi dito; a fase de diferenciação dos signos primários pelas
crianças, na qual é representada por uma mistura de símbolos, desenhos, ou letras,
esta é a fase simbólica. Nessa fase, a criança começa a representar a sua escrita
através de uma série de repetições de letras que já conhece; a fase do estágio da
escrita por imagens é quando a criança chega à ideia de usar o desenho como meio
de recordar e o fator quantidade e forma distinta levam a criança à pictografia e, por
fim o estágio da escrita simbólica: Nesse estágio a relação da criança com a escrita é
puramente externa.
Percebe-se que o desenvolvimento da língua tanto na modalidade oral como
na escrita, dá-se num processo discursivo, dialógico numa relação da criança com o
objeto de estudo e o outro, corroborando a fala de SOUZA (2003, p. 30) que ressalta
que “(…) o sujeito não interage nem se comunica com o outro por meio de letras ou
de sílabas, mas de enunciados com unidade de sentido”.
Antes de ensinar a escrever, é preciso saber o que os alunos sabem sobre a
escrita, qual a sua utilidade e com base nesse diagnóstico, o professor programará

atividades que sejam adequadas a cada nível das turmas existentes na escola .

A escrita, no seu sentido real, faz parte do cotidiano das crianças, e que precisa ser
dimensionada às novas formas de entender o mundo que, de maneira geral, precisa
ser interpretado de forma letrada e contextualizada aos novos paradigmas da
sociedade do conhecimento.

4. DO ANALFABETISMO, DA ALFABETIZAÇÃO E DO LETRAMENTO

Tendo tratado na primeira parte deste trabalho sobre a importância da escrita,


desde o seu surgimento até os dias atuais, e das técnicas utilizadas não só para a sua
aquisição, mas também para o seu aperfeiçoamento ao longo dos séculos, e tendo
discorrido de uma certa forma para o apossamento pelo sujeito que passa a dominá-

42
lo e emprega-lo, trataremos agora de um assunto relacionado que tem ocupado a
cabeça de professores e linguistas de um modo geral: o letramento.
Nos interessa aqui não só o conceito de letramento, mas a sua história, porque
surgiu como vocábulo e como prática de aperfeiçoamento do domínio da linguagem
escrita e sua relação com o próprio processo de alfabetização. O letramento também
é um processo, e não menos ardiloso na sua conquista quanto a alfabetização, mas,
diríamos, muito mais do que ele, pois trata-se do verdadeiro domínio da linguagem
escrita, não só da leitura, mas, e principalmente, na nossa opinião, para a transmissão
dessa linguagem escrita.

4.1. Dos conceitos de alfabetização e letramento

Uma pessoa é considerada alfabetizada quando adquire o domínio sobre os


signos que representam a linguagem falada ou que se apresenta por outros e, aqui,
estamos falando de saber discernir e descrever, através da escrita, aquilo que vê, por
exemplo, em outros meios de comunicação, como pinturas, esculturas, fotografias,
etc., pois, nesses instrumentos ou formas, seus construtores procuram, sempre,
transmitir uma mensagem, que não é escrita mas que pode ser descrita pela
linguagem escrita.
O processo de alfabetização deveria acabar por aqui e o conceito de
letramento deveria estar fundido com ele, mas, infelizmente, não é isso que acontece.
Uma pessoa letrada, grosso modo – abaixo veremos o conceito dado por
vários literatos escritores e pesquisadores da língua portuguesa – é aquela que tem
total domínio da linguagem escrita, não só para entender plenamente o lê, mas,
também e principalmente, para fazer um uso eficaz, para expressar-se com a
linguagem escrita. Alias, Katlen Böhm Grando5 (2012), já na introdução do seu artigo
“O letramento a partir de uma perspectiva teórica: origem do termo, conceituação e
relações com a escolarização”, após fazer elucubrações sobre a confusão de muitos
professores sobre alfabetização e letramento - considerados iguais por muitos

5 Mestre em educação pela PUCRS. As informações a ela atribuídas foram retiradas do artigo “O
letramento a partir de uma perspectiva teórica: origem do termo, conceituação e relações com a
escolarização”. Esse artigo [como é informado em nota em seu rodapé] é decorrente de uma pesquisa
bibliográfica que compõe a dissertação de mestrado da autora, a qual recebeu financiamento do Capes.
Ao que tudo indica, o texto foi feito para ser apresentado na IX ANPED SUL – Seminário de Pesquisa
em Educação da Região Sul.
43
professores -, ou que o termo letramento veio para substituir o termo, o vocábulo
alfabetização, e depois de falar sobre analfabetismo e o seu oposto, alfabetismo
(analfabetismo com a retirada do prefixo de negação “an”) afirma que poderia ser
lógico que a palavra ou termo mais preciso para descrever o condicionamento ou
capacidade, já que condicionamento, às vez, pode angariar um sentido negativo,
continuando, muitos acreditavam que a palavra ideal para descrever a condição de
pleno uso da linguagem escrita, tanto na leitura quanto na exposição através da
escrita, de modo a se fazer compreendido, seria a palavra alfabetismo, termo que
chegou a ser utilizado, segundo ela no artigo referido, citando até mesmo de outra
autora, o qual repetiremos aqui:

O surgimento do termo literacy (cujo significado é o mesmo de alfabetismo),


nessa época, representou, certamente, uma mudança histórica nas práticas
sociais; novas demandas sociais pelo uso da leitura e da escrita e da escrita
exigiram uma nova palavra para designá-las. Ou seja: uma nova realidade
social trouxe a necessidade de uma nova palavra (SOARES, 2011, p. 29,
grifos da autora).

Na verdade, o surgimento dessa palavra para designar o agente que possui


pleno domínio da linguagem escrita (e falada), tanto para informar-se, quanto para
expressar sua opinião, não é assim tão estranha se considerarmos os termos
relacionados.
Quanto à origem da palavra ou da prática, temos divergência gritante.
DESCARDECI6, informa, em seu artigo “Pedagogia e Letramento: questões para o
ensino da língua materna”, pouco depois da 2ª Guerra Mundial, quando países como
o Canadá, países da Europa, como França, Bélgica e Inglaterra começaram a
perceber que, embora tidos como alfabetizados, indivíduos jovens e adultos não
conseguiam lidar satisfatoriamente, com as demandas sociais de leitura e escrita do
dia-a-dia. E apresenta um quadro de estatística que esses países possuíam como não
correspondente com a situação real do analfabetismo entre a população:

Uma pesquisa recente mostra, na Inglaterra, que 13% de adultos na faixa dos
23 anos de idade afirmam ter dificuldades para ler e/ou escrever. Na Bélgica,
em 1983, estimou-se o número de analfabetos na casa de cem mil indivíduos
adultos. No Canadá, ainda na década de 1980, o número de analfabetos foi
estimado em 24%, sendo 28% em Quebec. A França, que sempre teve o
sucesso de seu sistema de ensino reconhecido mundialmente, registrou, na

6 Mestrado em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná

44
mesma época, o número alarmente de 9% de analfabetos entre sua
população adulta (Stercq, 1993).

A mesma autora afirma que, no Brasil, “os estudos do letramento iniciaram-se


mais efetivamente na segunda metade da década de 1980” e isso parece ser
consenso entre vários autores, tais como Magda Soares, in Alfabetização e
Letramento: caminhos e descaminhos; Cecília M. A. Goulart, in “O conceito de
letramento em questão: por uma perspectiva discursiva da alfabetização/The Concept
of Literacy under Analysis: Towards a Discursive Perspective of Alphabetization; e
BRANDO, que inicia este tópico.
Outra autora que lança mão das estatísticas para situar o surgimento do
letramento como termo independente e significativo, foi DESCARDECI, referindo-se a
década de 1980 como a época da afirmação sobre o letramento com base nas
estatísticas:

Os estudos do letramento tiveram início nos Estados Unidos, pouco depois


da Segunda Guerra Mundial. Neste país, no Canadá, assim como em vários
países da Europa, como França, Bélgica e Inglaterra, começou-se a perceber
que, embora tidos como alfabetizados, indivíduos jovens e adultos não
conseguiam lidar satisfatoriamente com as demandas sociais de leitura e
escrita do dia-a-dia. Os dados estatísticos que esses países possuíam sobre
analfabetismo não correspondiam à situação real de analfabetismo entre a
população. Uma pesquisa recente mostra, na Inglaterra, que 13% de adultos
na faixa dos 23 anos de idade afirmam ter dificuldades para ler e/ou
escrever. Na Bélgica, em 1983, estimou-se o número de analfabetos na casa
de cem mil indivíduos adultos. No Canadá, ainda na década de 1980, o
número de analfabetos foi estimado em 24%, sendo 28% em Quebec. A
França, que sempre teve o sucesso de seu sistema de ensino reconhecido
mundialmente, registrou, na mesma época, o número alarmante de 9% de
analfabetos entre sua população adulta (Stercq, 1993).
No Brasil, os estudos do letramento iniciaram-se mais efetivamente na
segunda metade da década de 1980. A área do conhecimento pioneira
nesses estudos foi a Linguística Aplicada. Hoje, contudo, letramento é
assunto de debate em diversas outras áreas, como Educação, Antropologia,
História e Sociologia, para citarmos apenas algumas. Seguindo as tradições
Americana e Europeia, pesquisadores no Brasil começam a perceber que,
embora escolarizadas, as pessoas não sabem fazer uso de seu
conhecimento de leitura e escrita para comunicarem-se com sucesso em
suas interações sociais, pessoais e profissionais. Assim, o Brasil entra na
discussão internacional, incluindo, para tanto, um item vocabular novo em seu
léxico: a palavra letramento (ainda não dicionarizada), cunhada, no Brasil, em
1986 (Kleiman, 1995).

DESCARDECI coloca o surgimento do letramento nos Estados Unidos da


América, no que é corroborado pelos diversos autores que tratam do tema. KLEIMAN
(1995) (Na verdade apenas coordenadora da obra, escrita por SIUMARA ELIAS

45
ANTUNES7, cuja orientadora foi Orientadora: MARIA DE LOURDES ROSSI
REMENCHE8), abre a sua obra numa apresentação que da interação das pessoas
com o seu meio, sua família, seus amigos, vizinhos, etc. Fala também das reuniões
sociais que favorecem o letramento, como a igreja, o esporte, o mercado, a loja de
eletrodomésticos e quaisquer ambientes onde haja a interação com o letramento
através da leitura e da verbalização:

Em sociedades tecnológicas, industrializadas, a escrita é onipresente. Ela


integra cada momento de nosso cotidiano, constituindo-se numa forma tão
familiar de fazer sentido de nossa realidade que seu uso passa
desapercebido para os grupos letrados. Para realizar uma atividade rotineira
como uma compra no supermercado, por exemplo, escrevemos uma lista dos
produtos que precisamos comprar; já no local das compras, lemos e
comparamos rótulos, preços, data de validade, ingredientes e cartazes
promocionais; usamos ainda alguns métodos para computar e fazer contas;
preencher um cheque.
Dentre as formas mais efetivas de se tornar poderoso destacam-se o acesso
à e a manipulação da infomação.

Ela compara esse tipo de consumidor, que seria, para ela o letrado, ou seja,
aquele que é capaz de interagir com o ambiente de modo autônomo, recebendo,
através da escrita (a lista de compras, o cartaz promocional, os componentes e
validade de certos alimentos, etc.), com a parcelados brasileiros que não tiveram a
oportunidade de frequentar a escola, de serem pelo menos alfabetizados.
É óbvio que tudo isso aponta para a divisão de classes ou das pessoas em
estamentos, dado que a mobilidade social é quase impossível. KLEIMAN (1995, p. 8)
continua a sua descrição de como o letramento afeta a vida das pessoas:

Essa escrita ambiental e rotineira, representa, entretanto, apenas uma das


funções da escrita, das mais básicas. O domínio de outros usos e funções da
escrita, significa, efetivamente, o acesso a outros mundos, públicos, e
institucionais, como o da mídia, da burocracia, da tecnologia e, por meio
deles, a possibilidade de acesso ao poder. Daí os estudos sobre o letramento
hoje em dia, seguindo o caminho traçado por Paulo Freire há mais de trinta
anos, enfatizaremos o efeito potencializador ou conferidor de poder, do
letramento. Apalavra de ordem sobre o letramento que voltam para a

7 Licenciada em LETRAS - Português/Inglês pela (Universidade do Oeste Paulista). Pós-Graduada em


Tecnologias Aplicadas à Educação (Centro Cultural Brasil Portugal). E-mail: maraelias@bol.com.br.
Versão on line encontrado no site <
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2013/2013_utfp
r_port_artigo_siumara_elias_antunes.pdf>. Acessado em 31 de janeiro de 2018.
8 Coordenadora do Curso de Letras Português – Inglês da Universidade Tecnológica Federal do

Paraná.

46
transformação da ordem social é “empowerment through literacy”, ou seja,
potencializar pelo letramento.

Depois de discorrer sobre os efeitos do letramento sobre o espírito humano,


inclusive do empoderamento que ele proporciona, KLEIMAN (1995) parte para a
conceituação do letramento.
KLEIMAN afirma em sua obra (1995, p. 17) que a palavra letramento não foi
dicionarizada. Mas outras palavras correlatas que nos fazem conceber um conceito
de letramento, ou seja, quem passou, quem foi submetido a um processo e letramento,
é um letado. Ora, se eu passo por um letramento, ou por um processo de letramento,
sairei no final do processo “letrado”, palavra essa que está mais ao gosto do legacy
inglês.
E é assim que define letrado o minidicionário Aurélio: “Letrado adj e sm: que ou
quem é versado em letras; erudito”.
O Moderno Dicionário Enciclopédico Brasileiro, da Editora Nacional Brasileira
S/A – Curitiba, traz uma palavra – além da já mencionada “letrado” – que é o verbete
“letradete”, cujo significado seria: (ê), adj. Diz-se da pessoa que possui alguma
instrução, um tanto letrado.
“Letrado”, inexoravelmente é a qualidade de que se submeteu ao “letramento”,
logo, o “letrado” é um “letradete”. O vocábulo “letrado” é assim designado no dicionário
mencionado: adj. Versado em letras; erudito; s.m. indivíduo letrado; literato;
jurisconsulto.
Vamos a alguns conceitos de letramento oferecido pelos autores que
pesquisamos em artigos ou livros.
KLEIMAN (1995, p. 19) diz que “podemos definir hoje o letramento como um
conjunto de práticas sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como
tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”.
Note-se que não há letramento sem socialização, sem interação com outro e
com o ambiente que cerca o agente. O agente, por outro lado, não se queda inerte,
apático. Ele interage com os outros e com o meio, que fornece n elementos que o
ajudam a letrar-se, como foi dito acima, e esse processo começa na escola. KLEIMAN
(1995) afirma ainda:

As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro de prática


social segundo o qual o letramento era definido, e segundo a qual os sujeitos
47
eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não alfabetizado,
passam a ser, em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato
dominante – que desenvolve alguns tipos de habilidade mas não outros e que
determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita.

Obviamente que o letramento deve ser para todos, mas cada um tem o seu
próprio ambiente, que, na maioria das vezes não dá para comparar. É assim como a
criança que vai de carro para a mais cara escola da cidade, com os professores mais
bem remunerados, salas com aparelhos de ar condicionados, não pode com aquele
que ainda estuda na zona rural de um estado pobre da federação, como o Piauí e o
Maranhão, e como um todo, que atinge todos os estados do Nordeste, o sertão, o
semiárido, onde as oportunidades até mesmo de interagir coma TV é mínima, assim
como o salário do professor, as condições físicas do prédio da escola e, acima de
tudo, as atividades que essa criança vai despender depois que chegar em casa.
Ora, não existe, letramento sem interação social e até definirmos que interação
o aluno da zona rural do Vale do Jequitinhonha tem, o nosso conceito de letramento,
nesse caso, será deficiente.
DESCARDECI, discorrendo sobre questões e definições de letramento, afirma:

Os estudos do letramento preocupam-se com o uso e funções sociais da


leitura e da escrita, com estes, o enfoque da pesquisa em língua materna
deixa de preocupar-se apenas com questões sobre ensino-aprendizagem no
contexto escolar, e vai para além dos muros da escola, para a sociedade,
onde as pessoas precisam desenvolver os conhecimentos adquiridos na
instituição escolar em seus relacionamentos pessoais. A partir desse enfoque
começa-se a questionar a formação do professor alfabetizador e do professor
de língua materna enquanto agente de letramentos, estes precisam estar
familiarizados com as práticas prestigiadas do uso da língua, precisam ser
letrados.

É a partir daí que DESCARDECI vai tratar do conceito de letramento,


começando por perguntar: “Que significado tem a palavra letramento? De onde ela
surgiu e qual a sua finalidade? O que há de novo na teoria da linguagem, e na
praticada linguagem que apela para a adição de um termo ao nosso vocabulário?” e
ela mesma responde:

A palavra letramento surgiu para nomear a busca de se registrar usos e


funções da modalidade escritas em processos sociais de comunicação.
Diferentes comunidades podem ter diferentes práticas de letramento 9. O

9Com aponta KLEIMAN em seu trabalho “Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre
a prática social da escrita”
48
termo difere-se de alfabetização, uma vez que esta refere-se ao processo de
ensino e aprendizagem do código escrito. Os usos feitos da leitura e da
escrita são socialmente determinados, e, portanto, têm valor e significado
específicos para cada comunidade em específico (Street, op. cit.). Sendo
assim, o domínio do código escrito é algo que se espera em todas as
comunidades, nas quais os indivíduos sejam reconhecidos como
alfabetizados, enquanto as práticas de letramento podem variar de
comunidade para comunidade até mesmo de grupos sociais para grupos
sociais dentro da mesma comunidade. As pessoas podem ser mais familiares
om certas práticas de letramento, do que com outras. Dependendo do
engajamento delas naquela prática social específicas. Em contrapartida, as
pessoas podem ser mais_ou menos_alfabetizadas. Elas sabem, ou não
sabem, ler e escrever. (grifos da autora)

DESCARDECI, assim, ao mesmo tempo que conceitua o que é letramento,


estabelece parâmetros de diferenciação entre alfabetizar, alfabetização e letramento.
Mas fica a questão: todos os grupos sociais podem ser letrados? O Brasil é um
gigante, com relevo, clima e vegetação que impõem ao ser humano as mais diversas
agruras, desde o isolamento na Amazônia, sejam pela falta de estradas, seja pela
própria floresta, seja pelos imensos lagos e rios que separam não só comunidades
uma das outras como o próprio indivíduo, e há que se levar em conta o conglomerado
de habitantes da grande São Paulo, por exemplo, onde existem várias cidades
conurbadas entre sim, onde pessoas se aglomeram todos os dias nos ônibus, trens e
metrôs. Ela trata um pouco disso ao informar:

Essas noções são facilmente aceitas quando temos uma realidade social na
qual há indivíduos que apenas sabem assinar o próprio nome , outros que
são capazes de ler e escrever pequenos textos, outros ainda que têm o hábito
de ler jornal, e outros que usam o código escrito como ferramenta essencial,
para as suas interações diárias, seja no trabalho, na igreja, ou em qualquer
outro domínio social.

E ela não para por aí na sua intenção fervorosa de diferenciar alfabetizar,


alfabetização e letramento:

Soares (2001, pp.31 e 39) elabora definições bem claras de alfabetizar,


alfabetização e letramento.

➢ Alfabetizar é “ensinar a ler e escrever, é tornar o indivíduo


capaz de ler e escrever”.
➢ Alfabetização é “a ação de alfabetizar”.
➢ Letramento é “o estado ou condição que adquire um grupo
social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado
da escrita e de suas práticas sociais

49
E a literata escritora não para por aí, enquanto não escancarar para o leitor não
só o que é letramento, mas, também, mas estabelecer a diferença entre alfabetização,
alfabetizado e letrado:

Afinal o que é ser alfabetizado e como se define um sujeito letrado? Deixando


de lado os interesses políticos ideológicos que subjazem as definições
dessas duas expressões, definirei alfabetizado como sendo o conhecedor do
código escrito. Aquele que passou pelo processo de aprendizagem da leitura
e da escrita e um sujeito alfabetizado. Quanto à definição de ser letrado,
refere-se à capacidade de o indivíduo de usar o código escrito para interagir
em sua comunidade, quando nestas existem demandas de letramento. Como
foi apontado anteriormente neste texto, as demandas sociais de letramento
podem variar de comunidade para comunidade, e até dentro de uma mesma
comunidade. Elas incluem dente outras coisas, a leitura de placas, cartazes
e painéis, participação em abaixo-assinados, lista de compras, elaboração de
cartas ou bilhetes anotações de recados e avisos, etc. Tais demandas podem
advir do local de trabalho, da igreja, do comércio, da prefeitura, da escola, do
centro comunitário, etc. Sendo assim, letrado é o indivíduo que, ao necessitar,
é capaz de fazer uso do código escrito (e de todas as habilidades cognitivas
que a aquisição da escrita propicia) para responder às demandas de
letramento de seu meio social (de leitura, descrita e de
compreensão/interpretação).

Obviamente que cada autor ou dissertador sobre o tema tem a sua definição
própria, sem fugir, porém, dos limites e parâmetros que o próprio conceito impõe, para
impedir uma semântica que não lhe diga respeito.
KLEIMAN (1995) também dá respostas quanto ao conceito o de letramento, ao
mesmo tempo que levanta problemas sobreo uso do neologismo sobre a temática da
alfabetização.
Ao perguntar: “O que é letramento”, logo de pronto ela procurar demonstrar as
duas facetas do letramento no Brasil, aquela que parece que não anda, que ela chama
de incipiente (como quando informa que a palavra sequer foi dicionarizada), e, por
outro lado, o vigor com que une interesses teóricos e “busca de descrições e
explicações sobre o fenômeno”
Como se pode observar, não há letramento sem interação social, sem
sociedade, assim como não haveria direito para um homem que morasse sozinho em
uma ilha. Para que haja letramento, há que ter sociedade, há que haver interação, não
só com as pessoas, mas com aquilo que elas produzem e expõem através da escrita.
KLEIMAN (1995, p. 15) trata do conceito de letramento sempre explorando o
aspecto social do processo:

50
Os estudos sobre o letramento no Brasil estão numa etapa incipiente e
extremamente vigorosa, configurando-se hoje uma das vertentes de pesquisa
que melhor concretiza a união de interesse teórico, a busca de descrições e
s explicações sobre um fenômeno , como o interesse social, ou aplicado, a
formulação de perguntas cuja resposta possa promover a transformação de
uma realidade preocupante, como a crescente marginalização de grupos
sociais que não conhecem a escrita.
O conceito de letramento começou a ser usado nos meios acadêmicos como
tentativa de separar os estudos sobre o “impacto social da escrita”

KLEIMAN fala ainda dos diversos tipos de letramentos que se apresentam, com
maior, menor ou nenhum efeito sobre a comunidade, ou seja, aqueles que não
projetam nenhum desenvolvimento social para a comunidade. Isso fica claro no
parágrafo seguinte:

Os estudos sobre letramento, no entanto, examinam o desenvolvimento


social que acompanhou a expansão dos usos da escrita desde o século XVI,
tais como a emergência do Estado como unidade política, a formação de
identidades nacionais não necessariamente baseada em aliança étnicas e
culturais, as mudanças socioeconômicas nas grandes massas que se
incorporaram às forças de trabalho industriais, o desenvolvimento das
ciências, a dominância e padronização dede uma variante de linguagem, a
emergência da escola, o aparecimento das burocracias letradas, como
grupos de poder nas cidades, enfim, as mudanças políticas, sociais,
econômicas e cognitivas relacionadas ao uso extensivo da escrita nas
sociedades tecnológicas (Heath 1986; Rama 1980)

No parágrafo seguinte a autora tece comentários sobre como os estudos sobre


letramento tiveram que se alargar para caber os diversos grupos sociais que se
formavam a partir das mudanças na sociedade, na política, na economia, nos
costumes, etc. Há que se lembrar que a industrialização do Brasil se deu em um
espaço temporal muito curto entre a libertação dos escravos até as peripécias do
Barão de Mauá, sem falar na queda do império e a instauração de uma república sem
nenhuma participação popular, ou seja, um verdadeiro golpe de estado orquestrado
pelos militares que não queriam mais ter o Brasil como o único pais monarquista das
Américas.

4.2. Uma voz dissonante?

GOULART apresenta, logo na abertura do seu artigo sobre o conceito de


letramento, os dados do analfabetismo do Brasil desde a proclamação da república
até os dias atuais. Obviamente, no que diz respeito à alfabetização, o país evoluiu

51
bastante: em 1890 tínhamos 85% dos brasileiros analfabetos. Em 2011, temos 73%
dos brasileiros alfabetizados funcionalmente, diz a autora.

A aprendizagem da leitura e da escrita tem sido historicamente um desafio


para a sociedade brasileira, constituindo-se em matéria básica de muitas
pesquisas da área de educação, sob variados ângulos. Alguns dados
evidenciam o desafio que tem representado alfabetizar a maioria da
população de modo significativo. Em 1890, o percentual de analfabetos no
Brasil era de 85% e, na passagem do século XIX para o século XX, havia
baixado para 75% (cf. RAMOS, 2001, p. 49), números preocupantes que
foram se modificando muito lentamente ao longo do século XX (GOULART,
2010). Os dados do INAF - Indicador de Alfabetismo Funcional período 2011-
2012, entretanto, já possibilitam a mudança de referência - do percentual de
analfabetos passa a referir-se à população alfabetizada funcionalmente, que
passa de 61%, em 2001, para 73%, em 2011.
Outros dados do INAF, contudo, indicam que um em cada quatro brasileiros
domina plenamente as habilidades de leitura, escrita e matemática e que 75%
da população brasileira não conseguem entender um texto simples, sendo
apenas 25% da população brasileira adulta plenamente alfabetizada. Tal
situação mostra-se crítica, portanto. A análise dos resultados do INAF
realizada por seus autores relembra que níveis insuficientes de aprendizagem
têm sido revelados pelas avaliações em larga escala do desempenho escolar,
como a Prova Brasil, o ENEM, realizadas pelo MEC/INEP, e outros de âmbito
estadual e municipal. Somente 62% das pessoas com ensino superior e 35%
das pessoas com ensino médio completo são classificadas no nível mais
abrangente, ou seja, alfabetizados em nível pleno 10. Provocando-nos ainda
mais, afirma-se no relatório que, em ambos os casos, essa proporção é
inferior ao observado no início da década. E afirma-se, ainda, que um em
cada quatro brasileiros que cursam ou cursaram até o segundo segmento do
ensino fundamental ainda estão classificados no nível rudimentar, sem
avanços durante todo o período. Em meados da segunda década do século
XXI, os dados brasileiros continuam alarmantes.

A coisa é alarmante a partir do momento que chegamos ao patamar de 75%


dos brasileiros que não conseguem entender um texto simples, quanto mais um texto
complexo. GOULART aponta o seu artigo mais do que para o conceito de letramento,
para o debate sobre “a pertinência político-pedagógica do conceito de letramento,
focalizando-o como uma estratégia de competição”. Segundo a autora, “o processo

10 O INAF define quatro níveis de alfabetismo que, em linhas gerais, se apresentam assim:
analfabetismo - corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que envolvem
a leitura de palavras e frases; Nível rudimentar - corresponde à capacidade de localizar uma informação
explícita em textos curtos e familiares (como, por exemplo, um anúncio ou pequena carta); Nível básico
- as pessoas classificadas neste nível podem ser consideradas funcionalmente alfabetizadas, pois já
leem e compreendem textos de média extensão, localizam informações mesmo que seja necessário
realizar
pequenas inferências; Nível pleno - classificadas neste nível estão as pessoas cujas habilidades não
mais impõem restrições para compreender e interpretar textos em situações usuais: leem textos mais
longos, analisando e relacionando suas partes, comparam e avaliam informações, distinguem fato de
opinião, realizam inferências e sínteses. Nota no original.

52
de alfabetização do ponto de vista da pesquisa, e também de práticas pedagógicas,
por sua vez, é entendido em perspectiva discursiva”.
Essas práticas discursivas, segundo a autora, abordam estudos sobre
repetência, fracasso escolar (evasão escolar) a fim de usá-las como balizas da
discursão do problema do letramento.
GOULART, como todos nós entende que “Aprender a escrita somente tem
sentido se implicar a inclusão das pessoas no mundo da escrita, ampliando sua
inserção política e participação social’. Além dos dados transcritos, GOULART traz
mais dados sobre a alfabetização brasileira no seu artigo, mormente no que diz
respeito à evasão escolar, repetência e dificuldades dos alunos de aprenderem.
Diante do quadro que se apresenta à sua frente, ela conclui pela “história do fracasso
da sociedade para alfabetizar o povo brasileiro, e cita, dentre muitos estudos, PATTO
1990, MOYSÉS & COLLARES, 2011; COSTA, 1991.
Continuando a enumerar a série de desastres que assolam a escola brasileira,
GOULART cita os estudos de Brandão, Baeta e Coelho da Rocha, que organizaram
“uma síntese de problemas atrelados à evasão e à repetência nas escolas brasileiras”,
em que concluem que, atrelado à evasão e repetência, tem-se mais: experiências
escolares inadequadas, culpabilização dos alunos pelo fracasso, rotatividade e
despreparo dos professores, jornadas escolares insuficientes, etc.
GOULART não parece muito cativa do modus operandi chamado letramento,
particularmente porque este tem se mostrado dividido em várias esferas, para atender
setores específicos, com propensão pequena para o letramento como um todo, o que
torna o agente letrado ou culto em apenas um aspecto da vida. Ela diz que “é
preocupante tantos letramentos (científico, literário, matemático e outros) tenham
vicejado no panorama de propostas educacionais”.
Em um ataque ao simples acolhimento do letramento sem maiores
considerações sobre o assunto, ela informa com um vigor quase irresistível:

A concepção de práticas pedagógicas em que os alunos, os professores e os


conhecimentos sejam molas propulsoras dos processos de aprender-ensinar
em vez de métodos e instruções, deve prevalecer. Os processos humanos
apresentam regularidade mecânica ao lado de criações imprevistas,
imperfeições, incertezas, sustos. Na escola, os processos devem ser
pensados assim. Além disso, os conhecimentos e seus modos de
organização, como linguagem escrita são objetos da cultura, e não da escola.

53
A crítica de GOULART continua, quando ela fala de pesquisa realizada por ela
mesma com crianças de 4 e 5 anos de uma creche universitária. Ao que todo indica,
o método do letramento não foi aplicada naquela creche. Mas GOULART enumera os
resultados:

(...) observamos o quanto avida daquelas crianças de quatro e cinco anos


investigadas estava atravessada pela linguagem escrita. Muitas
heterogêneas formas sobressaíram: o conhecimento de aspectos de
organização da própria escrita, a avaliação das suas capacidades de leitura
e produção de escrita, o significado social dos objetos e de atitudes
relacionadas ao uso dessa modalidade de linguagem. No movimento
denunciar e serem enunciadas, iam hibridizando a linguagem e a vida,
tornando-se competentes para refletir sobre características da escrita,
tomando unidades de língua como objetos, e mostrando conhecimento de
diferentes linguagens sociais e gêneros integrantes dos discursos da cultura
letrada.

GOULART tem-se mostrado totalmente contra a prática do letramento,


particularmente entre as crianças:

Não se questiona aqui, que fique claro, a relevância da prática da língua


escrita para ampliar a participação dos sujeitos em atividades sociais. O que
se questiona é que isso não inclua outras perspectivas de conhecimento,
relevantes para a formação de sujeitos cidadãos, críticos. A proposta de
leitura do mundo ampliada pela leitura da palavra, de Paulo Freire, se
coaduna melhor como que se constrói aqui. Não concordamos com a
aproximação entre a noção de letramento e a proposta de leitura do
mundo de Freire. A noção de letramento tem sido associada a práticas
sociais de leitura e escrita; a leitura de mundo extrapola estas práticas em
natureza e caráter, especialmente pelo viés filosófico que envolve.
A ultrapassagem pelos sujeitos de fatores biográficos e biológicos,
suposta por Bakhtin (1988, p.121) para o acesso às esferas superiores
de conhecimento parece se aproximar da leitura de mundo Freire. Liga-
se à compreensão da dimensão humana, universal e criadores dos
sujeitos, coletivizando-os e inserindo-os na história como produtores
de conhecimento, de cultura. Essa premissa também segrega o conceito
de letramento, muito ocupado com o papel e o sentido que a cultura escrita
tem na sociedade. (grifamos)

E a aparente crítica de GOULART à metodologia do letramento continua


vigorosamente, sem nenhum acanhamento:

Em artigo anterior (GOULART, 2003a), concordando com Soares (2004),


indicávamos que a dupla alfabetização-letramento, não seria necessária, mas
circunstancial. Entendíamos, e continuamos a entender, que o termo
alfabetização comporta as facetas social e linguística. O termo letramento
foi postulado na expectativa de tornar clara esta dupla perspectiva. A
ampliação do estudo da bakhtiniana, a pesquisa, a leitura de artigos de
colegas e as atividades com professores têm-nos feito rever essa posição,

54
entretanto como procuramos expressar aqui. A dicotomia talvez esteja
servindo para, mais uma vez, esvaziar o conteúdo do termo
alfabetização em seu sentido político, situado historicamente. E para
perpetuar as diferenças de conhecimentos que grupos sociais
populares levam para a escola como insuficiências que acarretam
dificuldades, que precisam ser compensadas. (grifamos)

5. CONCLUSÃO

Em conclusão a este trabalho, pode-se dizer que o surgimento da linguagem


no meio dos grupos que constituíam os únicos animais com aparelho neural pronto
para a fala, além da conservação da memória e capacidade de transmitir esses signos
para geração posteriores, revolucionou a vida desse animal: o homem. Mas não só
dele, a vida e o meio ambiente de todo o planeta.
O surgimento das invenções, a conservação das tradições e estórias, a
transmissão do conhecimento, tanto aos companheiros de outras culturas ou grupos
tribais, quanto aos descendentes foi substancial.
Com o surgimento da escrita surge também a História, que agora pode ser
conservada e transmitida de forma integral, sem os devaneios, esquecimentos,
variações e perdas da linguagem oral. A escrita inaugurou uma nova era na história
humana, que transformou-se, em pouco mais de 6.000 (seis mil) anos de maneira tal
que chega a ser impossível sequer imaginar tais transformações sem as invenções
hodiernas. A história, a filosofia, a matemática, a física, a química, a biologia e o
próprio regulamento da linguagem escrita, a gramática, podem, agora, escritos,
permanecerem por longas datas a fim de servirem de objeto de estudo pelo homem.
Com a linguagem escrita, porém, novo problema se impõe: como representar
as entonações de voz, os gestos faciais, a gesticulação, a presença do comunicador
para dirimir dúvidas?
A resposta é simples: a pontuação substitui com eficiência e eficácia tudo isso,
levando a uma correta interpretação do texto tanto do ponto de vista semântico,
quanto do ponto de vista sintático. Daí a sua importância.

55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Luiza M. Abaurre, Maria Bernardete M. Abaurre, Marcela Pontara. -2. Ed. - São Paulo:
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funcional-conceitos-e-6-alternativas-para-reduzir-o-analfabetismo>. Acessado em
28/02/2019.

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