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w Gag es seen tone oe Teorias do desenvolvimento da cprendizagem musical’ David Hargreaves & Marilyn Zimmerman O potencial de extensao deste capitulo € enorme. Uma reviso das teorias do desenvolvimento que podem explicar os re- sultados das pesquisas empiricas sobre os mais variados aspectos da aprendizagem musical e uma avaliac¢ao representativa destes resul- tados de pesquisa ja seria, em si, uma tarefa enorme. Por necessida- de, neste capitulo, nds nos restringiremos aquelas teorias do desen- volvimento que foram desenvolvidas especificamente para explicar a aprendizagem musical, e faremos isso a partir da observacao de © alguns t6picos especiais relativos 4 elaboragao de teorias e pesquisa. O estado atual das(teorias da psicologia do desenvolvi- mento como um todo é confuso e diversificado. A divisio relativa- mente clara entre teoria piagetiana, teoria do reforgo, Gestalt e teorias psicanaliticas, que poderia ser feita ha duas ou trés décadas, nao é mais adequada para caracterizar a atual pletora de desenvol- vimentos tedricos. Além de teorias paralelas derivadas das aborda- gens anteriores, podemos encontrar a teoria dos esquemas, a teoria do aprendizado social, a teoria do processamento de informacio, a teoria das habilidades, a teoria ecolégica, a teoria etolégica e muitas outras. Thomas (1985) e Miller (1989) sao autores de dois livros didaticos recentes, que oferecem revisdes da drea. Embora ambos sejam excelentes, eles variam consideravelmente na caracterizacao da area como um todo. Artigo publicado previamente sob o titulo original “Developmental theories of music learning”, in R. Colwell (Org.). Handbook of Research on Music Teaching and Learning. NY: Schirmer Books, p. 377-391, 1992. Publicado no Brasil sob permissio do iro aid bye acy BP EE EEESS’*“SSSS or David Hargreaves ¢ Marilyn Zimmerman Tunks (1980) e Hargreaves (1986) escreveram vers6es aprofundadas sobre a aplicacao das diferentes teorias do desenvol- vimento ao ensino e aprendizagem musicais, e nds nao tentaremos repetir essas idéias aqui. O que faremos é identificar trés aborda- gens te6ricas bastante promissoras, bem como tracar 0 contexto geral_em-que essas abordagens estio se desenvolvendo. As trés abordagens so 0 “modelo espiral” de Swanwick e Tillman (1986), » a tentativa ambiciosa de Serafine (1988) de identificar os Processos cognitivos generalizados que sustentam o pensamento musical, € 0 que pode ser chamado de “abordagem do sistema por simbolos”, que est4 diretamente ligada com o grupo do Projeto Zero de Harvard isto €, Gardner, 1973; Davidson & Scripp, 1989). Todas essas teori- as sdo, em esséncia, ramificacdes diferentes da abordagem cognitiva ou cognitivo-desenvolvimentista, ¢ nés nos focamos nelas ja que nao ha abordagens comparativas sendo desenvolvidas em outras areas da teoria do desenvolvimento aplicada a mtisica. Ao avaliarmos a relativa eficdcia dessas trés teorias, preci- Samos manter certas regras basica$ em mente. Com relaco aos fendmenos musicais, quanto pode ser explicado por cada teoria ¢ em que grau de precisao? Aqui ha duas quest6es a serem considera- das. Em primeiro lugar, se usarmos 0 termo “desenvolvimento” em seu sentido mais abrangente (isto é, simplesmente para nos referir- mos as mudangas gerais, decorrentes da idade e que seguem uma seqiiéncia regular ¢ invariavel, no padro do comportamento), pre- cisamos lembrar da distincao entre as mudan¢as que ocorrem_ em conseqiiéncia da aculturagdo e aquelas que sao frutos do treino. A primeira ocorre de forma espontinea em uma dada cultura, sem qualquer esforgo consciente ou diregao; j4 a segunda resulta da autoconsciéncia e de esforcos dirigidos. Em outras palavras, é ne- cessério fazermos uma disting’o entre as definigoes de aprendiza- gem musical e ensino musical quando avaliamos os pressupostos das diferentes teorias, “ Em segundo lugar, precisamos ser claros a tespeito dos « Particulares dos comportamentos musicais em questao. As diferen- tes teorias lidam de forma mais ou menos eficiente com a produgdo musical (por exemplo, composicio ou improvisacio), com a per- cepedo (escuta ou apreciacio), com a execu¢do ou com a represen- tacdo (por exemplo, de outras formas*de arte)? A maior parte das Pesquisas psicolégicas referentes ao desenvolvimento musical lida com a segunda (a percepeao), mas uma teoria abrangente deve, Presumivelmente, ser capaz dé lidar com todas elas. Isso nos leva a 9 — ‘Teorias do desenvolvimento da aprendtzagem musical questionar se uma certa teoria cognitiva emprega construtos explicativos (fais como esquemas “que podem operar em todas as modalidades acima mencionadas. Retomaremos essas quest6es na ultima parte deste artigo. Na proxima parte (Teorias cognitivas do desenvolvimento: questGes emetgentes), tracamos um referencial tedrico imediato a algumas abordagens atuais, isto é, que revolvem sobre uma discussio das maneiras em que as teorias anteriores, porém ainda influentes, de Jean_Piaget, Jerome_ Bruner e Lev Vygotsky foram modificadas e adaptadas aos resultados de pesquisas mais recentes. As teorias de Keith Swanwick e June Tillman, Mary Louise Serafine e os pesqui- sadores da abordagem do sistema por simbolos s4o brevernente expostas € avaliadas na pafte séguinte (Trés teorias do desenvolvi- mento musical). A penultima parte, “Desenvolvimento cognitivo- musical”, contém um panorama de pesquisas importantes sobre a formac4o de conceitos musicais, e para concluir, a segao “Avaliacao € conclusao” inclui uma avaliacao dos pressupostos das trés teorias, a partir de trés quest6es principais. Teorias cognitivas do desenvolvimento. questies emergentes u estratégias dé processamento) © Ha poucas dtividas de que a maioria dos avangos nas abor-_ dagens te6ricas da psicologia do desenvolvimento das tltimas déca- das tem integrado o que se pode chamar de “abordagem cognitiva”; de fato, isso se aplica a psicologia como um todo. Gacdne? 1987) fala em uma “revolugao cognitiva” e apresenta uma descrigiio mo- numental e abrangente da histéria desta revolugio. Um efeito da proliferacao de teorias é que est4 cada vez mai il aplicarmo: 9s termos “cognitivo” ou “cognitivo-desenvolvimentista” com qual- quer grau de preciso: muitas abordagens diferentes abrigam-se sob este guarda-chuva. ‘ No que concerne a psicologia do desenvolvimento, uma teoria em particular tem exercido um efeito profundo nas aborda- gens atuais, e uma revisio de suas aplicagdes aos problemas espe- cificos do desenvolvimento musical aparece emHargreaves 61986). De maneira geral, podemos dizer que a teoria de Piaget tem exerci- do sobre a teoria do desenvolvimento psicolgico em mtisica_tés influéncias diretas. A primeira € a idéia de que o desenvolvimento , Cordo com uma série de estégios qualitativamente di- ferentes @ universais. Essa idéia tem exercido uma influéncia pro- ‘ae Yio °) : 993 2\ David Hargreaves e Martlyn Zimmerman funda nas teorias e praticas da psicologia e da educagao, e tem levado ao desenvolvimento de propostas especificas a respeito do desenvolvimento artistico. A teoria do desenvolvimento musical pro- posta por Swanwick e Tillman (1986), por exemplo, embora seja baseada em um modelo espiral em vez de estagios ou fases linea- res, faz miuitas suposigdes.que sao comuns @ teoria de Piaget. Reto- maremos essa questao mais adiante. Do mesmo modo, a teoria de Parson (1987) sobre o desenvolvimento estético nas artes visuais € uma teoria especificamente piagetiana, no caso particular uma teo- ria que toma como pauta a teoria cognitiva do desenvolvimento moral proposta por Kohlberg. As outras duas influéncias diretas da teoria de Piaget se referem & explicagao do desenvolvimento-simb6lico e aos estudos sobre a_conservacdo musical. A explicagao de Piaget sobre as mu- dangas que ocorrem no pensamento das criancas em idade pré- escolar baseia-se naquilo que o autor chama de fungdo simbélica, que se manifesta por meio da linguagem, do desenho e de jogos d faze nta. Swanwick ¢ Tillman (1986) utilizaram diretamente este aspecto da teoria de Piaget, e os pesquisadores da abordagem do sistema por simbolos também devem muito a Piaget neste sentido. ~ Em terceiro lugar, e mais especificamente, um considera- vel corpo de Deas foi desenvolvido a respeito do que ficou conhecido por “conservacao musical”. Zimmerman foi a pioneira desta area (veja, por exemplo, Pflederer, 1964), que tem como um de seus pressupostos basicos a aplicacéo 4 musica do conceito de conserva¢4o proposto por Piaget — de acordo com o qual as criangas pequenas adquirem, gradativamente, a compreensdio de que duas propriedades de um objeto concreto podem covariar para produzir uma terceira propriedade invariante. Apesar de haver debates sobre a aplicagao em misica da analogia piagetiana, as evidéncias prove- nientes da pesquisa sao, em sua maioria, favordveis & teoria, e nds retomaremos esta questao mais adiante. Embora a influéncia da teoria de Piaget esteja incontestavel- mente viva em todas essas 4reas, ha varias quest6es com respeito as quais os pesquisadores posteriores concordam que a teoria original precisa ser modificada e revisada. Essas questées foram extensamen- te analisadas em outras publicagdes (por exemplo, em Modgil, Modgil & Brown, 1983), e contentar-nos-emos aqui com esbogar_duas mu- dangas | ira consistiu em abandonar a8 explicagées universais ¢ descontextualizadas das mudangas relativas ao desenvolvimento, que sio exemplificadas pelo modelo de estagi- 3 dl ‘Teorlas do desenvolytmento da aprend!zagem musical os. Varios criticos chamaram a atengio para o fato de que a postulagao de estagios universais simplesmente nao pode dar conta das diversas maneiras Como os objetos e as experién-cia: i | moldam, em vez de simplesmente refletir o pensamento (ver Bruner, Olver & Greenfield, 1966). De forma semelhante, varios teéricos (como, por exemplo, Brown & Desforges, 1979) sugeriram que a coeréncia funcional dos estagios € bem menos evidente do que suge- te Piaget; que as evidéncias empiricas de que os est4gios consistem em conjuntos logicamente correlacionados de operagGes no s4o con- \) -Vincentes. Essas duas mudangas de opiniaio geraram um movimento ‘claro em diregio a teorias que sao especificas para determinados contextos culturais e dominios de habilidades também especificas (para uma discussao na area do desenvolvimento artistico veja, por exemplo, Hargreaves, 1989). Assim como as teorias de Noam Chomsky e Claude Levi- \ Strauss, respectivamente em_lingiiistica e antropologia, a teoria de |, Piaget € primordialmente estruturalista; preocupa-se em explicar as regularidades estruturais do pensamento. Numa revisdo extrema- mente ampla das tendéncias atuais do desenvolvimento cognitivo, Beilin (1987) chama a atengao para o fato de que muitos dos desen- volvimentos recentes naquilo que vai se tornando conhecido por “ciéncia cognitiva” tém em comum a énfase com o que consideram regularidades de fungdo em vez de estrutura. Os tedricos adeptos da teoria do processamento de informagio, por exemplo, e aqueles que se utilizam de diversas outras analogias computacionais para descrever 0 pensamento (por exemplo, Klahr, 1984; Siegler, 1983) estéo preocupados em estabelecer universais nas funges cognitivas, e esta € uma 4rea na qual esto proliferando diversas teorias. an Ul s_teorias em _expansaio tem tentado_combinar os wh de nvolvimentos do pensamento funcionalista com os aspectos " — estruturalistas da teoria piagetiana. Alguns tedricos, que ficaram co- nhecidos como “neopiagetianos”, tentaram sintetizar conceitos do Pprocessamento de informac4o a certos aspectos da teoria Piagetiana. Entre os mais proeminentes estao Case (1985) e Fischer (1980). A teoria de Case, que é um desenvolvimento da tentativa de Pascual- Leone (1976) em integrar essas duas abordagens, postula estigios como aqueles propostos por Piaget, que seriam _baseados em estru- turas de controle executivo diferentes. Estas seriam estruturas men- tais que representam o estado cognitivo existente na crianca em (® telagao as situagdes especiais de resolugio de problemas. Case pro- poe quatro est4gios diferentes: = 85 \ » David Hangrecves e Marflym Zimmerman 1. Estruturas de controle sens6rio-motor (do nascimento a 1 ano e meio de idade) — ligam as representacdes mentais aos movimentos fisicos; 2. Estruturas de controle relacional (de 1 ano e meio a 5 anos de idade) — lidam com a coordenacao das relagdes entre obje- tos € eventos; 3. Estruturas de controle dimensional (dos 5 aos 11 anos de idade) - sao similares 4s operagGes concretas sugeridas por Piaget, ja que se referem 4 manipulagao das dimensdes do mundo fisico; 4. - Estruturas de controle abstrato (dos 11 aos 18 anos ¢ meio de idade) — permitem a realizagao de operagdes abstratas ou hipotéticas. Um elemento essencial neste modelo, que o distingue da abordagem piagetiana, é que os limites na capacidade de proces amento criam exigéncias para a capacidade da crianca ‘de racioci- nar de forma légica em qualquer um dos niveis; em certo sentido, a capacidade de processamento determina o estagio de raciocinio de tal modo que cada um dos estagios possa ser alcangado em um grau maior ou menor, em qualquer idade. O modelo também implica o fato de os estagios de transigao ocorrerem em idades diferentes para dominios diferentes, dé modo que, em seu todo, o carater da mudanga, que se da pelo desenvolvimento, é mais complexo e diversificado do que é implicado pelo conceito de estagios univer- sais. Este insight, que resolve alguns dos problemas teéricos mais intrataveis associados ao modelo de estégios de Piaget, também é incorporado na “teoria da habilidade” do desenvolvimento de Fischer 1980), na qual 10 niveis cognitivos sio organizados em fileiras, organizadas como patamares, quase_como etapas. Fischer prope habilidades que sao especificas 20s dominios, e que gradualmente aumentam em complexidade com a idade. Assim como na teoria de Case, € possivel que as crian¢as estejam em niveis cognitivos dife- rentes a depender do dominio considerado. O leitor deve ter notado que passamos bastante tempo falando sobre as ramificagdes e elaboragdes da teoria de Piaget. A raz4o disso € que as quest6es levantadas estao no cerne dos desen- volvimentos teéricos atuais. Pelas mesmas razGes se faz necessario _Mencionar duas outras teorias anteriores. Bruner (1973) apresentou e” uma descrigao de como os sistemas de representagao se desenvol- 7 a vem no inicio da vida que ainda é util a teorizacao contemporanea. Ele apontou para o fato de que as representagdes na infancia sio 36— Teortas do desenvolvimento da aprendizagem mustod) enativas, isto 6, sfio baseadas em acgdes x ages definem objetos. Estes sao gradativamente substituidos por representagdes icOnicas, isto é, baseadas em imagens e percepcbes diretas; surgem por fim representagdes simbdlicas, ou seja, sistemas de linguagem nos quais nao necessariamente os simbolos se asse- melham aquilo que simbolizam. Esta linha de trabalho foi adotada, por exemplo, per Davidson e e Scripp) (1989) como forma de descre- ver os primeiros estagios do pensamento musical, ao qual retornaremos mais adiante. A outra teoria, j4 nao téo recente, a respeito da qual houve uma consideravel retomada de interesse € a de_Vygotsky (1978). A abordagem de Vygotsky est bastante afinada”as teorias recentes referentes ao aprendizado ¢ & instrugao (veja, por exemplo, Wood, 1988), € questiona a concepgao piagetiana estabelecida que vé o odesenvolvimento como um processo de desdobramento. O desdo- bramento implica a idéia de que, sendo a crianga automotivada a aprender e explorar pelo processo de equilibragio, o papel princi- pal do professor € 0 ver apoio para as iniciativas da crianga, isto é, o de ser reativo em Esta concepcao vem sendo gradativamente substituida por uma outra que dé realce a uma edu- cacao mais ativa, que encontra um_rationale no conceito de zona de desenvolvimento proximal proposto por Vygotsky. A zona de de- senvolvimento proximal nada mais é do que a discrepancia que existe entre a realizagao de uma tarefa por uma crianga, em qual- quer momento de seu desenvolvimento, e o nivel _potencial (da crianca), uma vez dada a _instrugao apropriada. A capacidade de > aprender mediante instrugao 6 mais importante para essa explica- " ¢4o do que na concepeao do “desdobramento”. Os estudos atuais sobre o ensino e a aprendizagem nas artes estao comegando a se orientar para essa direcado (veja, por exemplo, Hargreaves, Galton & Robinson, 1989). Nesta seco, tentamos passar uma impressaio das mudan- ¢as que vém ocorrendo atualmente nas teorias do desenvolvimento cognitivo de modo a fornecer um pano de fundo em contraste com © qual possamos julgar as teorias especificas do desenvolvimento x musical que s&o descritas a seguir. Em resumo, as 1 1. Distanciamento da nocgao de estagio: desenvolvimento que caracterizem a cogni¢ao como um todo, e aproxima¢ao da diversidade e especificidade dos-domini David Hargreaves e Marilyn Zimmerman 2. Enfase na busca de universais na fungaio e nao de estrutura, valendo como exemplo a abordagem via processamento de informagao e outras abordagens computacionais; 3. Interesse crescente no desenvolvimento das_ tepre- * Distanciamento da concepgao do desenvolvimento como um desdobramento, e busca de uma concepg4o na qual se da mais atengao especifica ao papel ativo do individuo que instrui. nr en ‘Tres teorias do desenvolvimento musical 0 modelo espiral de Sveanwick ¢ Tillman O modelo “espiral” de desenvolvimento musical proposto por Swanwick e Tillman (1986) resultou de uma anilise feita em 745 composigées recolhidas de 48 criangas britanicas, de idade varidvel entre 3 e 9 anos, durante um periodo de diversos anos. A prépria June Tillman foi professora de musica de muitas daquelas criangas no ensino regular, e pdde recolher as tais composigdes no contexto de aulas de miisica regulares em sala de aula. Ao todo, foram recolhidos dez tipos diferentes de composic6es que variavam em complexida- de, e incluiam desde a execugao de fOes ritmicos tocados por maracas e tambores até improvisa¢é frases musicais curtas, passando por i ‘A anilise de uma amostra dos dados feita por Swan Tillman sugeriu que existem algumas tendéncias distintas, correlacionadas 4 idade, na natureza das composi¢gdes. Os julga- mentos independentes de trés juizes em trés itens de cada crianca de um grupo de sete, de idade varidvel entre 3 € 9 anos, revelou que a idade do compositor poderia ser determinada de forma bas- tante exata. Tomando esse fato por fundamento, Swanwick e Tillman propdem um modelo geral de desenvolvimento musical que se baseia em uma caracterizagio detalhada das composigdes que sao tipicas “em cada um de varios niveis de idade em sentido amplo. 7 bles apdiam sua interpretagdo na teoria do_jogo (play) de Piaget v (1951), na descricao do processo de desenvolvimento estético de Ross (1984), bem como nos trabalhos de Moog (1976a) e Bunting (1977). O modelo tem afinidades Sbvias com o curriculo espiral de Bruner (1966) e com alguns elementos do Projeto Manbai tanville de Curriculo Musical (Thomas, 1979). ops 2 ane Em sua esséncia, o modelo de Swanwick e Tillman tem trés principios centrais de organizagao. O primeiro baseia-se em tima analogia entre o desenvolvimenio musical e trés aspectos do jogo infantil: maestria (mastery), imitacdo e jogo imitative. Swanwick e Tillman sugerem que estes aspectos se desenvolvem em seqiién- cia, de modo que o primeiro elo da parte inferior da espiral se refere 4 maestria, j4 que as criangas estdo tratando primariamente da resposta sensorial ao som e do controle do som; © segundo elo)da espiral se refere a imitacao, por meio da qual as criancas procuram representar ou ilustrar aspectos do mundo ao seu redor por meio da miisica; e octetceiro clo esta baseado no jogo imitativo, pois a crian- ¢a da uma contribui¢do musical criativa, em vez de meramente imitar 0 que j4 existe. (Um ponto a ser detalhado é que, a rigor, no € de todo correto invocar aqui 0 apoio de Piaget no que diz respeito a esta seqiiéncia de desenvolvimento. Como observam Swanwick e Tillman, para Piaget os jogos imaginativo e imitativo representavam polos diferentes do comportamento - assimilacao e acomodagao — € esses tipos de jogo tém as mesmas chances de aparecer em qual- quer faixa etaria. A proposta pode, contudo, ser aplicada aos ele- mentos mais amplos do comportamento musical cotidiano). Final- mente, Swanwick e Tillman acrescentam a espiral um¢quarto elo) a que chamam de “metacognicao”. Este se refere 4 consciéncia cres- cente das criangas no que diz respeito a seus préprios pensamentos © experiéncias_musicais. 7 Swanwick ¢ Tillman encaram seu proprio modelo como um modelo em que os conceitos psicolégicos que descrevem os quatro niveis — que poderiam, presumivelmente, ser aplicados em outros dominios artisticos — sao especificamente aplicados aos fené- | menos musicais. Eles fazem isso por meio de um segundo principio _ central de organizacao, que esta representado pelas descricdes que ficam no interior, na parte traseira de cada um dos elos da espiral. Essas descrigdes se referem aquilo que os autores descrevem como fendmenos musicais que sao. Broeminentes em cada um dos niveis, | ; um, etaamenio. decorrente Gs desenvolvimento, dos aspectos mais 3). individuais e pessoais da experiéncia musical em diregao a formas # mais esquematizadas de “compartilhamento social” em cada _nivel. "Isso da origem a oito “modos de desenvolvimento” distintos, que aparecem na espiral quando se vai da esquerda para a direita. No —188 nivel da maestria, o mais baixo, ha uma passagem gradativa decor- rente do desenvolvimento do comportamento musical, de sensorial para_o comportamento_manipulativo, de simples reagées explo- rat6rias ao som e sua produgao para reagGes que demonstram um controle crescente da técnica. Num segundo nivel, o da imitacao, o deslocamento vai da expressividade pessoal em diregao ao verndct- Jo; as respostas inicialmente espontaneas e nao-coordenadas da Pressao imitativa da crianca se tornam gradualmente mais sintoniza- das com as conveng6es musicais, tais como seqiiéncias melédicas e ritmicas de curta dura¢gd4o, organizadas em frases. > Num terceiro nivel, o de jogo imitativo, a mudan¢a da es- querda para a direita descreve a mudanga desde a composigio especulativa para a composi¢ao idiomdtica. A primeira, baseada num conhecimento sdlido de convengées vernaculas, envolve uma tentati- va deliberada de experimentar as conveng6es ¢ afastar-se delas; e na segunda desvios compardveis sio integrados em um estilo musical coerente. Finalmente, no quarto nivel, o de_metacogni¢cao, Swanwick e Tillman propd6em uma mudanga de expressao, de_simbdlica para sistemdtica. A primeira envolve uma forte sensagao pessoal de autoconsciéncia, que pode ser idiossincratica e altamente intensa; e a segunda incorpora um conhecimento cabal da consciéncia dos princi- pios estilisticos que subjazem & idiomaticidade musical escolhida. © modelo de Swanwick e Tillman representa uma primei- fa tentativa corajosa e imaginativa de dar sentido e coeréncia ao crescente corpo de bibliografia a respeito do desenvolvimento musi- cal, uma tentativa ampla que adota, claramente, uma -abordagem cognitiva. Mas, devido ao fato de esta literatura ainda estar na infan- cia, qualquer modelo tende a ser demasiadamente prescritivo. Ha duas quest6es que surgem desse dilema. A primeira concerne 4 relagdo existente entre a espiral ¢ as teorias que propdem estagios em geral. Considerando que os quatro niveis da espiral so correlativos a faixas etirias, e uma vez que os trés primeiros séo, como se diz, baseados na teoria piagetiana, cada elo é, de certo modo, algo como um estigio piagetiano. O modelo emerge como espiral e nado como uma série linear de esta- gios porque @ miudanca de respostas, de pessoal a social, esta em- butida em cada um dos estgios. Disso resultam dois problemas Primeiramente, como vimos antes no capitulo, ha uma série de raz6es que justificam por que os estégios universais e piagetianos tém sido substituidos por explicagdes mais relacionadas as especi- ficidades do contexto. “HH Teorias do desenvolvimento da aprendtzagen musical O segundo problema, relativo ao primeiro, refere-se a re- lagao entre os dados empiricos de Swanwick e Tillman ¢ seu mode- lo. As oito modalidades de desenvolvimento sao caracterizadas pri- mordialmente por referéncia a exemplos especificos de composicdes infantis; nao ha qualquer especificagio dos Pprocessos cognitivos ou afetivos Subjacentes como, por exemplo, no caso dos grupos e agrupamentos I6gicos de Piaget. Embora os autores baseiem suas Propostas nos trabalhos tedricos de Piaget (1951), Ross (1984) e Bunting (1977), entre outros, seus dados coletados empiricamente servem essencialmente para descrever e ilustrar 0 modelo, ao invés de proporcionar um teste dedutivo do proprio modelo. Dada a importincia da relag&o entre os dados empiricos e os detalhes bastante elaborados do modelo, a descrigéo da anilise e categorizacao que Swanwick ¢ Tillman fazem de seus proprios da- dos nao pode ser chamada de rigorosa. Precisamos saber mais a respeito da confiabilidade do esquema de codificagio dos dados: acaso outros juizes, independentes, considerariam um dado conjun- to de composigGes infantis como representativos das mesmas moda- lidades de desenvolvimento? E de se suspeitar que a natureza das definigdes dessas modalidades, que so bastante abstratas e se ex- primem por meio de propriedades de segunda ordem, poderia re- sultar em baixos indices de concordancia entre os observadores — mas essa quest4o permanece em aberto, j4 que nenhum dado de confiabilidade foi apresentado. O que Swanwick e Tillman apresentam de fato € uma analise da distribuig&ao por idade de oito modalidades encontradas no desenvolvimento. Em linhas gerais, sua codificagao das composi- g6es de fato mostra que as modalidades de desenvolvimento de nivel mais alto sao alcangadas pelas criangas mais velhas. Mas, outra vez, isso nao quer dizer que as modalidades em si sejam necessaria- mente validas ou confidveis; testes independentes futuros do mode- lo sao realmente necessarios. Enquanto esses testes nao'sio realiza- dos, o modelo de Swanwick e Tillman se mantém como um estimulo muito Util para pesquisas e refinamentos futuros. A teoria de Serafine O ponto de vista radical de Serafine “mtisica como cogni¢ao” € exposto em seu livro de mesmo titulo, publicado em 1988, € algumas linhas de sua argumentagéo foram antecipadas em duas Publicages anteriores (Serafine, 1983; 1986). No livro, ela expoe David Hargreaves e Marilyn Zimmerman ey ye pormenorizadamente sua reconceituacao detalhada das relagdes en- © tre a mtsica e a cognicao, que tem implicagées para o estudo da _ teoria musical e da histéria da musica. A autora descreve uma nova i€oria com base na postulagao de uma série de processos cognitivos nucleares que esto presentes em musica na composi¢ao, na execu: Go e na audicao; ela descreve o desenvolvimento de uma série de Tarefas_e as, concebidas para~desencadear a operacao desses processos nucleares; ¢ descreve a realizagao dessas tarefas em uma amostra de 168 sujeitos de pesquisa, variando entre os 5 anos e a idade adulta, tudo isso visando a estabelecer um perfil geral da aquisigao dos processos nucleares. > Serafine levantando cinco hipéteses te6ricas fortes. Em primeiro lugar, considera que a _interagao crucial da 1 comunicacao musical ocorre entre uma pessoa (compositor, intérprete 0 ‘ou ouvin? te)-e uma-peca musical. Isso implica que a comunica¢ao entre essas ) “pessoas nao é um elemento central. Em segundo lugar, a mtisica é tida como algo que emerge de uma série de processos cognitivos nucleares que sao comuns ao ato de © compor, executar € ouvir, de “modo que na uma correspondéncia direta entre os eventos que ocorrem “na cabega” do individuo e os padrées de organizagao que podem ser identificados “na mtisica”. Esses_processos, em terceiro ) lugar, sao de dois tipos: processos ¢ especificos ao estilo € processos genéricos. Estes tiltimos, que ela acredita que Ocorfem universalmente em todos os estilos musicais, € que s4o_centrais 4 teoria de Serafine._ ) Em quarto lugar, Serafine alega que a cognicao em misica é um proceso ativo ede construgio, 0 que leva A questio do grau em que se pode considerar que as propriedades musicais S40 pré- existentes nas peCas Musicais em si ou sao principalmente construidas~ pelo ouvinte. Serafine adota uma versao bastante forte para este ) quarto argumento, o que leva 4 quinta hipdtese, a saber que “notas ¢ acordes nao podem ser considerados elementos 5 significativos da “Insica, especialmente em termos psicoldgicos”. Em vez disso, ela ¥é esses elementos como qiiateria}s com os quais 0 compositor tra- balha para produzir sons que sao codificados em unidades cognitivas que so, por sua vez, reconhecidas pelo ouvinte E facil notar que este ponto de vista est fundamentalmen- te em contradic4o, nao apenas com o que se postula em boa parte da teoria musical, mas também com muitas abordagens teéricas que tém sido adotadas pelos psicdlogos da miisica, e Serafine gasta um bom tempo descrevendo-os. A idéia da miisica como um trago (por exemplo, na testagem psicométrica das habilidades musicais); Como 49— David Hargreaves e Marilyn Zimmerman de processos musicais simultaneos consiste em verificar se os elemen- tos que ocorrem simultaneamente retém ou nao identidades separadas, ou sao percebidos como um todo completamente novo e indivisivel Serafine também propée quatro tipos de processos ndo- temporais que, como foi dito, referem-se as_propriedades mais ge- gutais dos materiais musicais. Estes incluem 0 fechamento (alguns padrées musicais implicam Movimento ou falta de estabilidade, en- quanto outros implicam a resolugio do movimento — como, por exemplo, os intervalos de sétima e oitava, respectivamente); a trans- = fa pte formagdo, no qual dois elementos correlatos, porém nao idénticos, podem ser percebidos tanto como semelhantes ou diferentes; abs- tragdo, na qual alguma propriedade de um evento musical é abstrai- da de seu contexto original e aplicada em outro lugar; e_niveis hierarquicos, que se referem a percep¢ao da estrutura formal “pro- funda” de uma determinada pega. Esta curta revisio dos processos cognitivos basicos pro- postos por Serafine é essencial para a compreens4o de sua descri- cao do desenvolvimento musical. Em seguida, ela descreve uma , série de tarefas empiricas concebidas para operacionalizar e avaliar a operacao desses processos. Para fins de ilustracdo, vamos descre- ver uma tarefa de “encadeamento_motivico” — que, como vimos anteriormente, € um processo temporal envolvendo sucessio. Esta tarefa pretende medir se os sujeitos compreendem que o motivo A, quando combinado com o motivo B, gera a frase AB. Para isso, Serafine apresentou aos sujeitos 0 motivo A, em seguida o motivo B, e entéo um terceiro motivo, uma frase longa, e depois perguntou se a terceira frase teria sido construida a partir das duas primeiras. Em algumas tentativas, foi apresentada a terceira frase correta (AB), mas em outras tentativas, “incorretas”, ou o moti- vo A ou o motivo B foram modificados de modo que a terceira frase foi AX ou ZB. Para os sujeitos mais jovens, a tarefa foi formulada em termos de uma histéria envolvendo trés duendes, representados por figurinhas de plastico; dois (A e B) eram idénticos, enquanto 0 terceiro usava uma roupa diferente e foi colocado distante dos ou- tros. Na histéria, A e B tocavam cada um uma miisica, e ao terceiro duende foi pedido que tocasse as mtisicas de A e B “junto”. O experimentador apontava para cada figura conforme as frases eram tocadas, muito embora a musica partisse de dois alto-falantes adja- centes. Os sujeitos deveriam responder se o terceiro duende tocara corretamente ou nao a musica dos dois primeiros. ot — Teorias do desenvolvimento da aprendtzagem musical Este € um dos 16 testes que Serafine realizou com seus sujeitos de pesquisa, num total de 168, isto é, aproximadamente 30 em cada grupo etario de 5, 6, 8, 10 e 11 anos de idade, além de 15 adultos. Os sujeitos também foram submetidos a uma tarefa de dis- criminagao de alturas, a uma tarefa piagetiana de conservacao nu- mérica, e a uma tarefa de desenho da figura humana como medidas de comparagao. Houve ainda uma amostra adicional de 34 criangas, com idade entre 4 ¢ 11 anos, que tinham recebido treino intensivo em violino pelo método Suzuki, e que completaram trés das tarefas. Os resultados foram analisados principalmente com relacdo as ten- déncias do desenvolvimento da habilidade de realizar tarefas com sucesso. Em resumo, Serafine percebeu que a maior parte dos pro- cessos temporais ¢ nao-temporais tinham sido adquiridos até os 10 ou 11 anos de idade, com exceg’o ‘ar a uantidade de partes simultaneas qu nea: omy oem, uma textura com- plexa — capacidade essa que geralmente 86 aparecia em adultos. ‘Ao conirario, as criancas mais jovens da amostra (de 5a 6 anos de idade) nao demonstraram nenhum dos processos, embora tenham sido encontrados sinais de algumas capacidades emergentes. Estas incluiram a habilidade de identificar limites de frases, de reconhe- cer (mas nio identificar) diferengas entre texturas, e identificar al- gumas transformagées. As criangas de 8 anos de idade_possuiam alguns, porém_nao todos os processos. Elas obtiveram resultados semelhantes aos das criangas de 10 e 11 anos de idade na percep- Cao de niveis hierarquicos em melodias simples, na identificaco de combinagGes simultaneas de timbres ¢ na discriminagao de melo- dias tomadas ao acaso. As criangas treinadas pelo método Suzuki obtiveram resultados semelhantes aos das criangas da mesma idade, exceto aquelas que tinham passado por um longo treinamento in- tensivo, especificamente relevante para algumas tarefas. Nestes ca- sos, foram encontradas evidéncias de aquisicao “prematura” de al- guns processos genéricos. Sem sombra de dtivida, Serafine deu ao estudo do desen- volvimento musical uma contribuig4o original e importante, embora , algumas de suas afirmagGes mais radicais necessitem de uma avalia- ¢4o cuidadosa. Para o presente capitulo, o que mais importa sao as implicagdes_de_sua pesquisa que se referem ao desenvolvimento. Os resultados de Serafine mostram claramente que as criangas de idades vari Dovid Hargreaves ¢ Marilyn Zimmerman dades fundamentais para uma teoria que parte da premissa de que a “mtisica” reside em construtos cognitivos e nao nas préprias notas musicais. Se as criangas e os adultos constroem representagdes bas- tante distintas de uma mesma pega musical, entao presumivelmente a esséncia ou identidade que torna tinica a mtisica deve necessaria- mente residir nas notas musicais. Serafine admite que se surpreendeu com esse aspecto dos resultados, j4 que, originalmente, “considerava que, em miisica, as_ criangas teriam a mesma percepeao que 08 adultos pelo menos no “que se refere aos eventos temporais em miisica” (p. 91-92). Contu- do, os modos de processamento qualitativamente diferentes indica- dos por seus resultados, comparaveis aos que poderiam ser previs- tos por um modelo como o piagetiano, nao constituem parte integrante da teoria. Nesse sentido, podemos dizer que a teoria de Serafine afirma lidar com os processos desenvolvimentistas, mas nao propoe uma descrigao especifica do desenvolvimento das mudangas relati- vas 4 idade no processamento musical. 7 O trabalho de Serafine, sem diivida alguma, precisa ser | refinado e também replicado. Falta um controle rigoroso em alguns | de seus experimentos no que tange ao desenvolvimento da mems- | ria, aos materiais-estimulo e 4 amostragem de sujeitos; além do fato | de que a disting&o fundamental entre processos temporais e nao- | | temporais é de certo modo artificial, j4 que toda a misica existe no | tempo, € €, portanto, estritamente Sas Contudo, nao pode “haver dtividas de que trabalhos futuros nessa linha seriam muito | validos: Serafine trouxe uma perspectiva nova e importante sobre o | desenvolvimento musical. 2 A abordagem do sistema por simbolos ‘A melhor maneira de entender a “abordagem do sistema por simbolos” é possivelmente como um corpo de pesquisas com um conjunto distinto de pressupostos te6ricos, em vez de uma teo- - ria explicitamente formulada. Ainda assim>yma formulac&o prévia de alguns asc pressupostos pode ser encon irada no livro As artes 2.0 desenvolvi umano, de! Gardner 1973). Hargreaves (1986) resumiu esses pressupostos outra pul icacao, Taz4o pela qual - nos limitaremos aqui a uma sintese de seus ‘elementos mais funda- mentais. Focaremos nossa atengao nas pesquisas sobre o sistema simbélico realizadas acerca do desenvolvimento musical. 14§— ‘Teorlas do desenvolvimento da aprendizaqem musteal A teoria de Gardner esta_centrada na aquisicio e no_uso dos simbolos. Os simbolos usados em diferentes dominios, como a matemAatica, a linguagem ou a mtisica, so organizados em sistemas diferentes. Estes so denotativos ou_expressivos em graus diferentes, © variam na precisio de sua correspondéncia com 0 mundo real. Por exemplo, a notagio numérica na matemiatica é altamente denotativa, e traz consigo uma relagao muito precisa com os even- tos externos, enquanto a arte abstrata é completamente expressiva, e carece de referéncias externas claras. Assim como seu antecessor Piaget, Gardner vé a aquisicao desses sistemas de simbolos como “o grande evento desenvolvimentista da primeira infancia; um evento decisivo para a evolugio do processo artistico” (1973, p. 129). Di- verge, porém, de Piaget em sua idéia de que se pode dar conta dos desenvolvimentos artisticos no interior do sistema de simbolos, afas- tando a necessidade de determinar estruturas gerais subjacentes, tais como grupos e agrupamentos ldgicos; ele também sugere que as operagGes concretas e formais, que ocorrem mais tarde no desen- volvimento infantil segundo Piaget, sao irrelevantes para as_artes. Portanto, em um primeira formulacao teérica, Gardner pro- pds apenas dois estagios, bastante amplos, de desenvolvimento es- tético: um “periodo pré-simbdlico” no primeiro_ano de vida, que é altamenie Sensério-motor, e um “periodo de_uso. de simbolos”, dos 2. anos_de_idade. Mais recentemente, Gardner eee a idéia de que pode haver certas estruturas oes presentes em diferentes sistemas de simbolos, ¢ que elas podem apresentar uma seqiiéncia de desenvolvimento. Wolf e Gardner (1981) sugerem que as criancas passam por uma sé Em resumo, eles propGem qu: a “representacao en cia, isto é, a capacidade que as criangas tém de organizar suas agdes em seqiiéncias simbdlicas, da margem por volta dos trés anos de “onda de mapeament i lizagao, na qual as rélagées espaciais podem ser representadas por meios como o de- senho ns 0 uso da argila. Segue-se uma nova onda de “mapeamento_ digital” por volta dos 4 anos de idade, que envolve um aumento da" “preciso — por exemplo, no ato de contar, ou no canto de alturas € intervalos — e, por volta dos 5 ou 6 anos, as criangas tornam-se capazes de usar os sistemas de simbolo Cilturais, tais como a nota- ¢ao musical e a Tinguagem escrita. Ee Uma quantidade substancial de pesquisas sobre o desen- volvimento artistico das criangas foi realizada pelo grupo do Projeto Zero, e inclui alguns estudos importantes sobre o desenvolvimento Ht laprenatinanen Dwstoa! A teoria de Gardner est4_centrada na aquisiciio e no uso ~» —_dos simbolos. Os simbolos usados em diferentes dominios, como a “matematica, a linguagem ou a miisica, sao organizados em sistemas diferentes. Estes sao denotativos ou expressivos em graus diferentes, variam na precisiio de sua correspondéncia com o mundo teal. Por exemplo, a notac4o numérica na mateméatica é altamente denotativa, e traz consigo uma relagao muito precisa com os even- tos externos, enquanto a arte abstrata é completamente expressiva, € carece de referéncias externas claras. Assim como seu antecessor Piaget, Gardner vé a aquisicao desses sistemas de simbolos como “o grande evento desenvolvimentista da primeira infancia; um evento decisivo para a evolucao do processo artistico” (1973, p. 129). Di-~ verge, porém, de Piaget em sua idéia de que se pode dar conta dos desenvolvimentos artisticos no interior do sistema de simbolos, afas- tando a necessidade de déeterminar estrururas gerais subjacentes, tais como grupos e agrupamentos légicos; ele também Sugere que as operagGes Concretas e formais, que ocorrem mais tarde no desen- volvimento infantil segundo Piaget, sao irrelevantes Para as artes. Portanto, em um primeira formulagao te6rica, Gardner pro- pés apenas dois estagios, bastante amplos, de desenvolvimento es- tético: um “periodo pré-simbé] > _primeiro_ano de vida, que é altamente Sensério-motor, ¢ um ‘periodo de us bolos”, dos 2 © aos 7 al »s.de_idade. Mais recentemente, Gardner desenvolveu a idéia de que pode haver certas estruturas psicolégicas presentes em diferentes sistemas de simbolos, e que elas podem apresentar uma sequéncia de desenvolvimento. Wolf e Gardner (1981) sugerem que as criancas passam por uma série de “ondas de simboliza ao”. Em resumo, eles propdem que a “representagao enativa’ na infin, cia, isto €, a capacidade que as criancas tém de organizar suas acdes em seqliéncias simbélicas, da margem por volta dos trés anos de. a) idade a uma ‘onda de mapeamento™ da simbolizacio, na qual as relagGes espaciais podem ser representadas Por meios como o de- senho ou 0 uso da argila. Segue-se uma nova onda de ‘mapeamento b digital” por volta dos 4 anos de idade, que envolve um aumento da “precisdo — por exemplo, no ato de contar, ou no canto de alturas e intervalos — e, por volta dos 5 ou 6 anos, as criancas tornam-se G capazes de usar os sistemas de simbolo culturais, tais como a nota- ¢40 musical e a linguagem escrita.~ i Uma quantidade substancial de Pesquisas sobre o desen- volvimento artistico das criangas foi realizada pelo grupo do Projeto Zero, € inclui alguns estudos importantes sobre 0 desenvolvimento —H- David Hargreaves e Marilyn Zimmerman musical, na forma de trabalhos sobre a composi¢ao, a aquisicao de cangées | Davidson € Scripp (1989), por exemplo, propuseram um modelo Cognitivo-desenvolvimentista para a educac4o musical que est4 arraigado na abordagem do sistema por simbolos, e que_retoma os trabalho: EM Cr ° modelo da teoria de habilidades de Fischer (1980). Descreveremos, de forma sucinta, uma ai pesquisa qué ilustra esta abordagem: © estudo das representag6es graficas da mtisica feitas por criancas. Nesta pesquisa, pede-se tipicamente as criancgas que re- presentem ritmos simples ou cangdes num papel, de qualquer ma- neira que hes pareca apropriado (ver Bamberger, 1982; 1986; Davidson & Scripp, 1988; Upitis, 1987). Os primeiros desenvolvi- mentos dessas tarefas podem ser descritos em termos dos modos de representagao propostos por Bruner (1973), que foram menciona- dos anteriormente. Portanto, as criancas pequenas comecam tipica- mente usando modos enativos de representag4o; suas agoes fisicas sao espelhadas nos desenhos, que forani denominados “equivalen- tes de agées”. Embora essas ages sejam fisicamente coordenadas aos sons no momento da realizagao do desenho, o produto final, em si, nao tem qualquer semelhanga evidente com os sons. Mas nao é bem assim no caso das representacGes icénicas, que podem consis- tir em imagens, palavras ou simbolos abstratos. Com © tempo, as criangas comegam a inventar seus proprios sist tratos para representar os aspectos estruturais da ‘mitisica, tais como padrées melddicos ou ritmicos. Davidson e Scripp (1988) se baseiam na teoria das habili- dades para descrever os desenvolvimentos subseqiientes na repre- sentac4o simbélica, como os que podem ocorrer durante a tarefa de por no papel uma cangao conhecida. No primeiro desses niveis de idade, quando as representagdes simbélicas estéo mal comegando a emergir, as criangas geralmente repre: ef da _cang4o, normalmente_o pulso_ritm ritmico. tornam capazes de coordenar mais de uma dimensao de cada vez, por exemplo o pulso e a estrutura ritmica da frase. Em termos da teoria das habilidades, elas esto fepreséntando “simultaneamente duas_dimensées_relacionais_do. ritmo. Por volta dos sete anos, as criangas ja conseguem mapear duas dimens6es relacionais do ritmo, bem como mapear o contorno e a altura das frases musicais e mos- tram evidéncias de que estao representando relagées de sistemas. Um aspecto interessante do desenvolvimento postéfior dessas representagdes € a maneira pela qual as criangas interagem — ‘Teortas do desenvolvimento da aprendizagem mustca! com a notagao musical tradicional, aprendida na educacao formal. Bamberger (1982) fez uma distingao entre _fepresentacGes._figurati- ue nétricas..O primeiro tipo de representagao visa principalmen- te a encontrar “peda¢os” (chunks) no estimulo — sobretudo um agru- pamento mais geral do ritmo; o segundo concentra-se em propriedades precisas do compasso. Assim como Bamberger, Upitis (1987) suge- riu que o treino formal em miisica tende a estar associado ao desen- volvimento do segundo tipo de estratégia de representagao. crucial em outras dreas do desenvolvimento musical “que foram es- tudadas sob a 6tica do sistema por simbolos. No que diz respeito ao canto, por exemplo, as cangdes espontaneas das criangas se tornam. inevitavelmente entremeadas as cangées “tradicionais” da cultura, 0 que precisa ser levado em conta quando descrevemos o seu desen- volvimento. Em linhas gerais, as pesquisas do grupo do Projeto Zero (ver Davidson, McKernon & Gardner, 1981; Davidson, 1985a) suge- rem que a uma progressao gradativa, desde uma apreensao tal’;na”qual elementos como altura, intervalos e estabilidade de tonalidade sao reconheciveis, quando nao completamente desen- volvidos. Resultados compardveis, embora originarios de outro qua- dro de referéncia te6rica, emergiram de estudos sobre a composi- ¢4o. Davidson e Welsh (1988) pediram a alunos iniciantes e avanga- dos de um conservatério que compusessem uma melodia com base em um padrao ritmico de uma melodia de Schubert. A melodia assim eompasta deveria comegar em uma tor ses dos protocolos, isto 6, daquilo que ¢ os alunos falaram em voz alta no decorrer do processo de_composi¢io, revelaram dois modos de pensamento tonal: “enativo” e mrcflexivo NOs alunos iniclantes ta balharam de modo enativo, tocando cada nota ao piano, 4 medida que ia sendo considerada como tal, trabalhando com unidades me- nores € sem nenhuma consciéncia geral da forma ou contorno da emergente melodia final. De outro lado, os alunos avancados traba- lharam reflexivamente com unidades maiores, ou “pedacos”, e fo- ram capazes de concebé-los internamente antes mesmo de toca-los de modo enativo; estes trabalharam com um plano prévio e o adap- taram as especificidades do contexto conforme realizavam a tarefa. 8 David Hargreaves e Marilyn Zimmerman Como dissemos no inicio desta segdo, a abordagem do sistema por simbolos representa uma perspectiva ampla em relacao a um grande ntimero de pesquisas e nao uma teoria especificamen- te formulada. Sendo assim, as propostas especificas que faz sao mais dificeis de serem avaliadas do que as das outras duas teorias. Entretanto, duas coisas podem ser ditas a titulo de resumo. A pri- meira é que esta abordagem afirma com grande forca a importancia de compreendermos o desenvolvimento em musica (e, alids, de qualquer outra forma de arte), a partir de uma perspectiva cognitiva Toes Davidson e Scripp (1989) sao explicitos quanto a isso | no que se refere A educag&o musical: Na perspectiva psicol6gica, 0 sistema por simbolos pode ser encara- do como a coordenagao das atividades motoras e do pensamento reflexivo na notagao € execucao (musicais). O sistema por simbolos se torna um meio transacional para a coordenacio fisica e as idéias musicais: da notagao ao brago do instrumento. (p. 84) Em segundo lugar, esta abordagem preocupa-se especifi- camente com o processo do desenvolvimento, assim como com a _interface entre o Se ea educagao musical. A idéia de “*ondas de simbolizacio” gerais, embora incorra em algumas dificul- dades por ser uma abordagem especifica quanto ao dominio, permi- te fazer previsGes concretas acerca das mudangas relativas a idade. Nossa breve resenha também mostrou que a intera¢ao entre o de- senvolvimento (no sentido mais amplo de aculturacdo) e_o treino musical constitui parte integrante da pesquisa do sistema por simbo- Jos uma idéia que deveria ser bem aceita por todos os que atuam no campo. Desenvolvimento cognitive musical 4 Conceftos e esquemas em mxisica O forte interesse na forma¢ao de conceitos que teve inicio nos anos 50 persistiu nas décadas seguintes e hoje esta evidenciado na €nfase que a psicologia do desenvolvimento cognitivo tem dado a estrutura mental, 4 representagdo e ao esquema. Todos esses ter- mos foram adotados e readaptados a partir da teoria piagetiana. Quando o assunto em debate é como se aprende, estamos realmen- te considerando 0 modo como os individuos constroem modelos BS ) ‘Teoria do desenvolvimento da aprendtaagem mustoa! mentais dos universos que os cercam (inclusive universos musicais), e que lhes permitem mover-se, planejar e expandir seu conheci- mento € sua compreensdo. Varios conceitos estruturais formam a armacao do modelo musical em nossas mentes. As descobertas mu- e improvisagoes das S_criangas preenchem. i “contetido musical que da corpo a essa moldura é importante. Oo conhecimento conceitual é rico em relagées, e forma uma rede que abarca e relaciona conceitos individuais nessa arma¢ao estrutural. No inicio do desenvolvimento mental de um bebé, os pa- drdes de percepgao e acao proporcionam tanto os materiais quanto as ferramentas do pensamento. Assim como ocorre em outras 4reas do aprendizado perceptivo, ha uma diferenciagao crescente nas minagao auditiva va ocorrem em relagao a dinamica_ (ou volume), tim- bre é altura (vejase Zimmerman, 1982). No aprendizado musical, é particularmente evidente a interdependéncia da percepgao e do conceito. Nao existe um momento magico do desenvolvimento em que o aprendizado perceptivo desaparece e € substituido pelo conceitual, mas um influencia 0 outro, j4 que funcionam juntos na experiéncia musical. Desenvolvemos, a partir das nossas diversas percepgdes da mtisica, os conceitos musicais que nos permitem fazer comparagdes e discriminagGes, organizar os sons, generalizar e, finalmente, aplicar conceitos emergentes as novas situagdes mu- sicais. Antes de identificarmos os principais resultados de pes- quisas a respeito da formagao de conceitos, faremos uma tentativa de relacionar_os_termos-“conceito” e “esquema”, ¢ de indicar como esses termos sao usados por diversos teéricos. O termo esquema, usado por diversos psicdlogos cognitivos contemporaneos, nao é novo, e pode ser encontrado na Critica da Razado Pura de Kant (1781; 1958), na qual o autor se refere as estruturas mentais. Bartlett (1932) identificou 0 esquema como um construto psicolégico em seu livro Remembering: a study in experimental and social psychology. Neisser (1976) usa o termo “esquemas”, definido por ele como “estruturas cognitivas que _preparam o sujeito da percepgao a aceitar certos tipos de informacao de preferéncia a outros” (p. 20) ‘Ele prossegue definindo esquema como “uma parte de um ciclo Pperceptivo completo que € interna ao sujeito da percepcio, passi- vel de mudanga através da experiéncia, e, de certo modo, especifi- co daquilo que esta sendo percebido” (p. 54). Assim como o esque- ma se acomoda a novas percepgdes, 0 mesmo ocorre com o —H5t- David Hargreaves e Martlyn Zimmerman individuo. A percepgao é, portanto, seletiva e, por causa disso, os individuos determinam sua propria cogni¢fio. Os esquemas sao es- truturas cognitivas que organizam_nossas_percepcdes_e_experiénci- was. De acordo com Mandler (1985), “um esquema € uma categoria “de éstruturas mentais que armazena e TENCias_passa- das, guiando nossas percef 36). Na teoria piagetiana, os esquemas sens6rio-motores de- sempenham um papel primordial no processo de adaptacao. As imagens mentais, isto é, as representagdes de imitagdes sensério- “motores, sdo esquemas que sofreram acomodacio, ao redor dos quais novos materiais podem ser assimilados (Piaget, 1951). O desenvolvimento de representag6es cognitivas por meio de jogos enativos conduz ao pensamento pré-conceitual marcado pelo raciocinio transdutivo. As representagdes figurativas e as ex- plicagées das criancas, encontradas por Bamberger (1982), e as Primeiras representagdes simbdlicas (Davidson & Scripp, 1988) ci- tadas anteriormente neste capitulo sao alguns exemplos desse tipo de pensamento musical. No trabalho de Bamberger, os “esquemas de coordenag4o” acabam por fazer com que a crianca eventualmen- te coordene cangGes, toques de sinos e estratégias figurativas mais antigas com uma abordagem mais formal para chégar a uma repre- (ago de cancdes ee “A imagem mental ou exemplo concreto, na representagio cognitiva, € o esquema de um exemplo particular de uma classe a qual pertence. O conceito funciona em um nivel cognitivo mais elevado e aplica-se a classes gerais. Por exemplo, uma crianca pode aplicar 0 conceito de melodia a “Parabéns a vocé” ao produzir sua representac4o esquematica. O esquema funciona, portanto, num nivel mais concreto do que 0 conceito. © material para a estrutura conceitual da mtisica e/ou es- quema musical reside nos préprios elementos musicais. A formagao de conceitos envolve a rotulagao, a categorizagio ¢ a organizagao das percepgdes em conceitos significativos que fornecerao a chave do estudo posterior e da apreciacio das complexidades musicais. A rotula¢ao € importante, j4 que o rétulo ajuda a esclarecer 0 conceito. A habilidade de lidar com um ntimero crescente de conceitos é um fato fundamental do desenvolvimento. Uma seqiiéncia de desenvol- vimento est4 constantemente presente nos resultados de pesquisas sobre a formagao de conceitos musicais, com o desenvolvimento 9) — Teorics do desenvolvimento da aprendizagem musical dos conceitos ocorrendo na seguinte ordem: volume, timbre, tem- ra_e harmonia. Cee ease 0 desenvolvimento de concetéos mustoais Trés estudos financiados pelo governo federal dos Estados Unidos na década de 60 fizeram com que a ateng’o dos educadores norte-americanos se voltasse ao desenvolvimento musical. Petzold (1966) examinou o desenvolvimento da percepgao auditiva nas 4reas da percep¢ao melédica, do aprendizado de frases, de repro- dugao melédica em diversas harmonias e timbres, e da habilidade ritmica. Sua hipdtese de que a idade é o fator preponderante no desenvolvimento da percepgao auditiva foi confirmada, embora com algumas limitag6es. Seus resultados mostravam que, para a maioria das tarefas, ha uma espécie de patamar na percep¢4o auditiva, que é atingido por volta dos 8 anos de idade (normalmente terceira série do ensino fundamental), com indicios de que o desenvolvimento mais significativo ocorre entre os 6 e os 7 anos (primeira e segunda séries do ensino fundamental). Andrews e Deihl (1967) conceberam uma bateria de me- didas de conceitos musicais para determinar as respostas das crian- gas em idade escolar as dimens6es da altura, duragdo e intensidade. A bateria de testes consistiu em tarefas verbais, auditivas, mani- pulativas e de movimento corporal. Os resultados indicaram que 0 conceito de intensidade era o mais desenvolvido, seguido pela du- ragao ¢ pela altura. Os autores também concluiram que parte das criangas possufa os conceitos, mas nao o vocabulario. Entre os con- ceitos mais confundidos estavam “alto”, “forte” e “depressa”, e as palavras “baixo”, “suave” e “devagar”. Os resultados das pesquisas continuam sugerindo que ha confusdes entre esses termos (Hair, 1977; Flowers & Costa-Giomi, 1991). Uma série de estudos sobre a conservacao musical (Pflederer, 1963; 1964; Zimmerman & Sechrest, 1968) focou a aten- ¢4o nos processos de pensamento que as criangas realizavam quan- do se envolviam em tarefas ¢ atividades musicais. Esses estudos foram os primeiros a tratar do desenvolvimento musical no contexto da teoria piagetiana de desenvolvimento cognitivo. Pflederer (1967) Propés a existéncia de leis de conservagéo no desenvolvimento musical andlogas as cinco leis piagetianas de conservagao que le- vam a estabilidade do pensamento operacional. —153 David Hargreaves e Marflyn Zimmerman Zimmerman e Sechrest (1968) elaboraram tarefas musicais que consistiam em padrées tonais e ritmicos e cang6es familiares com variag6es sistematicas dos padrées e cangdes para cinco expe- timentos, nos quais as condigées experimentais eram variaveis. Fo- ram testadas criangas de 5, 7, 9 e 13 anos, num total de 697 em todos os experimentos. Os resultados indicaram que: 1. A execugao das tarefas foi cada vez melhor, passan- do-se dos grupos de criancas menores as maiores; 2. A conserva¢ao tonal precedeu a conservagio dos pa- drdes ritmicos; 3. O treino para melhorar a conservagio esteve mais marcado nas idades de 5 e 7 anos (de acordo com os resultados de um experimento); 4. Configurou-se uma ordem na dificuldade das varia- ¢Oes: as mudan¢as de timbre e tempo, e a simples adicao de harmo- nia séo as variacgées mais faceis de serem “conservadas”. As descrigdes de miisica tiradas dos protocolos também se mostraram interessantes. Variavam ora aplicando-se ao meio (instru- mento) de execugao, ora sendo respostas emocionais e imagéticas com implicagSes sinestésicas sugestivas. Para as criangas, os sons tém certas imagens quando elas tentam dar sentido a um estimulo Ppuramente auditivo. Como exemplo, na variacao do modo: “O segundo ficou cansado” (7 anos). “Meio por cento menor” (9 anos). “O som esta ficando meio torto” (13 anos). Desde a publicacao dos estudos de Zimmerman e Sechrest, diversos artigos cientificos, pesquisas e dissertagdes tomaram por base a teoria de Piaget. A maior parte das pesquisas se concentrou na questéo da conservagao e€ na idade em que os conceitos musicais sao desenvolvidos. Embora os resultados dessas pesquisas sejam variaveis, cles parecem indicar que ocorrem mudangas qualitativas no pensamento das criancgas por volta dos 9 anos de idade. Dois artigos (Ramsey, 1978; Serafine, 1980) resumiram e criticaram a pesquisa piagetiana em miisica, o que vale como indicativo do inte- resse e da importancia dessas pesquisas. Webster e Zimmerman (1983) estenderam e replicaram um experimento das pesquisas de Zimmerman e Sechrest (1968). Testes de conservacao ritmica e tonal baseados em audicao foram apresentados a 317 criangas da segunda @ sexta séries. Os resulta- dos indicaram que ha diferencas nos resultados dos testes de crian- cas de séries diferentes, com maiores diferencas ocorrendo entre a at Teortas do desenvolvimento da aprendizagem musteal segunda, quarta e sexta séries, e com periodos de transicao na terceira e quinta séries. De maneira geral, os testes de conservagao ritmica foram mais dificeis do que os testes de conservagdo tonal. A conservacao de padrdes pentaténicos com mudangas de ritmo foi mais dificil do que a conservacao de padres tonais maiores ou menores. j Crowther, Durkin, Shore e Hargreaves (1985) replicaram, estenderam € modificaram 0 modelo de desenvolvimento piagetiano elaborado por Pflederer e Zimmerman. Os resultados indicaram um efeito significativo da idade, com a maior diferenga ocorrendo entre as criangas de 5 e 7 anos. Eles também encontraram alguns dados surpreendentes indicando que “as criangas prestam atencio As dife- rengas nos estimulos musicais de maneira a considerar caracteristi- cas que variam entre o criptico (..) o quantitativo (...) e o figurativo” (p. 35). Desenvolvimento ritmico O estudo das habilidades ritmicas das criangas inclui a per- cep¢do e a execucao. Embora as tarefas possam estar em ambas as categorias, para que um padrao ritmico seja executado, ele precisa ser primeiramente percebido e/ou conceitualizado. As tarefas de discriminacao ritmica requerem a percepgao da semelhanca ou di- ferenga entre dois ou mais padrées. Num estudo definitivo sobre o ritmo, Thackray (1972) encontrou progressos na percep¢ao ritmica, mas nao na execugdo quando comparou criancas de 11 e de 8a 9 anos de idade. Um exame das teorias gerais do desenvolvimento revela que o desenvolvimento motor € progressivo e€ relacionado & idade, um indicativo de que a maturagdo constitui parte importante do processo (veja Zimmerman, 1986). Rainbow e Owen (1979) relataram uma investigacdo lon- gitudinal de trés anos sobre a habilidade ritmica das criangas em idade pré-escolar. As tarefas que envolviam ritmos da fala foram as menos dificeis de executar. A segunda tarefa menos dificil foi a manutengao do pulso ritmico com pauzinhos, juntamente com o ato de bater palmas acompanhando um pulso ritmico fixo. As tarefas que requeriam movimentos musculares grandes foram as mais difi- ceis de todas. Veremos mais tarde que as palavras e a superficie ritmica de uma cang4o sao as primeiras coisas que as criancas pe- quenas aprendem. 55 David Hargreaves e Marilyn Zimmerman . Ha algumas evidéncias que sugerem uma seqiiéncia de desenvolvimento nos conceitos ritmicos: primeiro 0 pulso, depois os padrées ritmicos (e os ostinatos) e finalmente o compasso. Jones (1979) relatou que o conceito de compasso parece desenvolver-se apés os 9,5 anos de idade. Cox (1977) estabeleceu um padrao de desenvolvimento semelhante. Num estudo de conservagio do com- passo, Serafine (1975) concluiu que por volta dos 9 anos de idade ha evidéncias de um estagio final de conservagio de compasso. Processamento melédica O processamento melédico, que tem inicio na infancia, cons- titui uma 4rea intrigante de pesquisa que tem apresentado novos insights sobre a consciéncia perceptiva e seu desenvolvimento no inicio da vida. As pesquisas parecem indicar que as estruturas necessarias para a percepcao tonal e ritmica est’ao disponiveis aos bebés muito antes do que sugerem as nossas praticas educacionais atuais. As evidéncias advindas das pesquisas também apontam para a importancia do contor- no melddico como elemento critico das melodias para bebés e adultos (owling & Fujitani, 1971). Como nos lembra Dowling (1988), “o contorno € um dos elementos mais Sbvios de uma melodia a se manter invaridvel em todas as instancias” (p. 115-116). Chang e Trehub (1977a, b) determinaram que bebés de apenas 5 meses podem processar informag&o ritmica e melddica. Monitorando as mudangas nos batimentos cardiacos dos bebés, elas descobriram que os bebés discriminavam entre a transposi¢ao de uma melodia familiar e uma melodia nova, e entre dois padrdes riumicos diferentes. Trehub, Bull e Thorpe (1984) examinaram o reconheci- mento por parte de bebés de 8 a 11 meses de outros tipos de transformagSes melédicas mais precisas. Eles usaram 0 condiciona- mento de virada de cabecas (conditioned head turning) para de- monstrar que os bebés eram sensiveis 2s mudancas em repeticdes imediatas de padrées de seis notas. As mudangas incluiam transpo- sigao, alteragao de intervalos mantendo o contomo, alteragio de oitavas com manuten¢ao dos contornos, e mudancas de citava inter- nas a mudangas de contomo. Seus resultados sugeriram que os bebés tratam melodias novas ou seqiiéncias de notas como fami- liares se estas seqiiéncias tiverem 0 mesmo contorno melédico e a mesma tessitura que a seqiiéncia ouvida previamente, e como no- vas se tanto 0 contorno quanto a tessitura diferirem (p. 829). ‘Teorias do desenvolvimento da cprendizagem musical Esses resultados, que sugerem que os bebés usam uma estratégia global para processar informac’o melédica, reforcam as evidéncias de que o contorno melédico é um elemento importante na percepcao melddica desde a mais tenra idade. Essa estratégia de processamento global é paralela aquela que os adultos usam no Pprocessamento de melodias tonais desconhecidas ou melodias atonais (Dowling & Fujitani, 1971). Trehub, Morrongiello e Thorpe (1985) investigaram as res- postas de criangas e adultos a melodias envolvendo transformacdes de contorno e de intervalo. Duas melodias familiares “Twinkle twinkle little star’ e “Parabéns a vocé” foram submetidas a variagoes de contorno e intervalo, conforme estabelecido por Zimmerman e Sechrest (1968). As versdes das cangdes em que havia mudangas de intervalos ou mudangas de contorno foram rejeitadas tanto pelas criangas quanto pelos adultos. Aqutsigdo de cangdes Moog (1976b) notou que, no desenvolvimento do canto, as criangas comegam com as palavras e depois acrescentam o ritmo, e finalmente a altura. Davidson, McKernon e Gardner (1981) estudaram cangGes espont&neas e cangdes aprendidas por criangas pequenas, € determinaram quatro fases na aquisicao das cancées: topologia geral, superficie ritmica, contorno de altura e estabilidade de tonalidade. As primeiras trés sdo semelhantes aquelas propostas por Moog. Davidson (1985b) propés uma teoria que trata do desen- volvimento do conhecimento tonal com base numa an4lise do canto de canges aprendidas e espontaneas das criancas em idade pré- escolar. Em primeiro lugar, as criancas captavam as palavras e, de- pois, a forma ritmica da cangao. Em seguida, vieram o contorno e finalmente as relagGes intervalares e de altura. As notas e intervalos nao eram exatos, j4 que as criangas pequenas n4o tém senso de tonalidade, isto €é, um centro tonal estével. Por volta dos 6 ou 7 anos, as crian¢as cantam cangdes espont4neas e conhecidas com referéncias de altura cada vez mais diferenciadas e estaveis (Werner, 1948; McKernon, 1979). Nés notamos que o contorno é importante no processamento melédico, e também na aquisicao de cangdes. Davidson (1985b) encontrou fortes “evidéncias da eficdcia do contorno como estraté- gia de organizagao e processamento” (p. 31). Os esquemas de con- torno que se referem 4s estruturas tonais especificas usadas pelas —sI- David Hargreaves ¢ Marilyn Zimmerman criangas em idade pré-escolar, em suas cangGes aprendidas e es- pontaneas, sustentam o movimento da melodia. Eles “moldam” o intervalo ou unidade da organizagao melédica (as bordas superiores ou inferiores da unidade melédica). Durante o desenvolvimento do conhecimento tonal, ha um padrao consistente que permanece. Uma vez que uma série de limites inferiores ou superiores foram estabelecidos e integrados em um esquema de contorno estavel, este esquema € usado em telacdo aos outros para refletir de forma mais exata o material tonal de uma determinada cang¢4o (p. 38). Davidson sugere que uma crianga que tenta igualar as modulag6es da voz cantando nao est4 engajada em igualar alturas. Em vez disso, a crianca est4 “construindo uma forma de mensurar 0 que € inicialmente um espago vocal indefinido e inarticulado” (p. 34) e esta comegando a orientar-se para ele. E interessante notar que, tanto na percep¢4o quanto na produgao melédica, a informacao de altura € armazenada em esque- mas de contorno. Os esquemas de contorno guiam a percepgao melédica facilitando o reconhecimento imediato de melodias familiares. E os esquemas de contorno guiam as primeiras fases de aquisi¢ao da cangio. Dowling (1982; 1984) detalhou os processos cognitivos subjacentes usados pelas criangas no aprendizado de cangées. Ele também encontrou uma seqiiéncia que vai da apreensao de um contorno melédico geral até a precisao na tonalidade ¢ tamanho de intervalo. Essa seqiiéncia coincide com a sua descrigao do desen- volvimento do processamento de informagao melédica em criangas. Por volta dos 8 anos de idade, a percepcao melédica das criangas opera dentro de um sistema tonal cada vez mais estavel. Nesse periodo, a informagao meldédica é armazenada e processada de acordo com uma referéncia tonal e naio por esquemas de contor- no. Conforme foi mencionado anteriormente, esse avango no de- senvolvimento também ocorre no canto. Tanto na percep¢ao quanto na producao, o desenvolvimento musical das criangas pode ser ca- racterizado como progredindo rapidamente através de estgios paralelos de co- nhecimento cada vez mais sistemdtico. Esse desenvolvimento é medido pelo surgimento de uma estrutura tonal estavel. Isso ocorre em contraste com a imitagao repetitiva de fragmentos musicais ou a percepcao de alturas isoladas (Davidson & Scripp, 1988, p. 199).

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