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1 APRESENTAÇÃO
2 O CAMPO E OS CASEIROS
1
A entrevista com Maria foi feita via WhatsApp e a entrevista com Jorge foi feita pessoalmente.
2
Os nomes apresentados são fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.
3
Definição de Polanyi de homem econômico “propensão do homem de barganhar, permutar e trocar uma coisa
pela outra”.
1
Jorge tem 64 anos e mora com sua esposa. Trabalha como caseiro há 32, possui
carteira assinada e, atualmente, ambos são aposentados. Antes de começar a viver no atual
sítio, era motorista do mesmo patrão, transportando as safras de laranja colhidas na
propriedade. Com o passar do tempo, o patrão ofereceu o sítio para se morar - sem pagar
aluguel, contas de luz e água - e continuar prestando serviços para ele e recebendo um salário.
Para que tal acordo fosse firmado, Jorge tinha uma condição: deixar um carro para ele por
causa de sua filha que era pequena na época.
No início, sua esposa era apenas dona-de-casa, cuidando da filha. Esporadicamente,
fazia trabalhos como faxineira e prestava alguns serviços no próprio sítio, como colheita de
algodão e cuidados com a horta, recebendo dinheiro por eles. Depois que sua filha cresceu,
prestou um concurso e se tornou funcionária pública. Enquanto isso, Jorge continuou
trabalhando com o transporte das colheitas de laranja; quando não havia safra, trabalhava
cuidando dos terrenos de plantio e do sítio, passando o trator e veneno e cuidando das
plantações. Nos dias de chuva, ficava no sítio reparando o quintal e o que precisasse na casa.
Apesar de sempre ter recebido férias remuneradas, durante muitos anos suas horas de
trabalho não foram contabilizadas. Quando ainda trabalhava de motorista e precisava viajar
para transportar as laranjas, ocorriam vezes em que passava a noite toda na empresa destino e
não recebia nada por isso. Jorge começou a estabelecer alguns limites quanto às horas extras
só depois que se aposentou; só as faria se fosse pago para isso. Atualmente, trabalha de
segunda a sábado - até o meio dia - e os domingos são destinados para folga.
Segundo ele, não existe horta no local. Apenas algumas plantações de frutas, legumes
e verduras no próprio sítio para consumo próprio; além delas, também consomem produtos
disponíveis ao redor, nas vizinhanças. O proprietário - engenheiro agrônomo - visita o local
todos os dias, instruindo o que precisa ser feito naquele dia.
A produção do sítio durante o ano todo é de laranja e apenas uma vez no ano, a lichia
é colhida. Antigamente, existiam plantações de algodão e gado de leite, hoje não mais devido
a desvalorização e o trabalho extra, respectivamente. Além de Jorge, existem outros seis
funcionários que trabalham nas plantações.
2.2 Maria
2
Maria tem 67 anos e também mora com seu esposo aposentado. Eles são caseiros há
14 anos, mas não possuem carteira assinada nem salário. Ela começou a morar e trabalhar no
sítio através da indicação de um amigo.
Assim como Jorge, Maria possui um acordo com seu proprietário o qual diz respeito à
troca de serviços e cuidados no sítio pelo aluguel, conta de luz e água, mas não recebe
nenhum salário por isso.
Ao perguntar sobre a rotina e as funções de cada um, Maria disse que fica responsável
pelos serviços domésticos e pelas plantas no quintal, enquanto seu marido fica incumbido dos
“trabalhos mais pesados”4 como carpir, rastelar, plantar e fazer alguns reparos na estrutura do
local. Não possui férias e as horas de trabalho não são contabilizadas, porém Maria fala sobre
ter liberdade de sair e voltar quando quiser da propriedade, sendo um aspecto positivo em sua
perspectiva. A relação com o proprietário é aparentemente distante. O contato é feito por
telefone apenas quando necessário e sua visita é esperada uma vez por ano.
Maria diz não ter horta no local, mas também possui árvores frutíferas na propriedade
em que vive, assim como pequenas plantações de verduras e legumes, cuidados e colhidos
para consumo próprio e distribuídos para familiares e vizinhos.
4
Expressão utilizada pela entrevistada.
5
ZELIZER, V. A. (2016). Dinheiro, poder e sexo. Cadernos Pagu, (32), 135-157.
6
“Com boa combinação não quero dizer que você e eu vamos aprovar a barganha ou que a combinação é
igualitária e justa. Quero dizer que a combinação é viável: torna possível o trabalho econômico da relação e
sustenta a relação.” (ZELIZER, 2016, p. 142)
3
domésticos designados a ela e os trabalhos braçais a ele, enquanto o proprietário aceita que os
ambos trabalhem e morem em sua propriedade.
Polanyi7 define os cercamentos como a revolução dos ricos contra os pobres. Nos
casos explicitados, os caseiros possuem a moradia garantida, assim como parte de seu
alimento provindo dos cultivos, realizados por eles mesmos, nas propriedades. Quando
questionados sobre renda extra, não se lembraram da aposentadoria, alegando ter o necessário
ao seu redor. As trocas estabelecidas tornam-se benéficas para todos, porém visam o lucro por
um lado e a sobrevivência por outro. Ainda, diante desse contexto, pode-se falar sobre a
escassez trazida na discussão por Sahlins8 e Dalton9, aquela que, no mundo econômico
capitalista, é atrelado a fracasso, porém, em sociedades em que a economia não se torna a
principal pauta, não possuem o mesmo sentido. Se relacionarmos a escassez diretamente aos
trabalhos e serviços prestados pelos caseiros, o sentido se inverte; os mesmos precisam ser
equivalentes à troca por uma moradia digna na visão dos caseiros, na maioria se trabalhando
muito mais do que o necessário para uma troca justa; quando Jorge diz que somente após sua
aposentadoria conseguiu estabelecer que não faria horas extras sem receber pelas mesmas,
vê-se esta distinção. Por muitos anos não recebeu pelos trabalhos extras, mas o
questionamento só veio após o momento em que seu descanso era justo, afirmado por sua
aposentadoria.
7
POLANYI, Karl. 2000 [1944]. A Grande Transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Campos.
8
SAHLINS, Marshall. [1972] 2004. “A sociedade afluente original”. In: SAHLINS, Marshall. Cultura na
Prática. Rio de Janeiro: UFRJ.
9
DALTON, George. 1961. 'Economic Theory and Primitive Society', American Anthropologist.
4
4 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
10
GEERTZ, Clifford. 1978. The Bazaar Economy: Information and Search in Peasant Marketing. The American
Economic Review.
11
https://ipoema.org.br/conceitos-de-agrofloresta/
5
DALTON, George. 1961. 'Economic Theory and Primitive Society', American
Anthropologist.
GEERTZ, Clifford. 1978. The Bazaar Economy: Information and Search in Peasant
Marketing. The American Economic Review.
POLANYI, Karl. 2000 [1944]. A Grande Transformação: as origens de nossa época. Rio de
Janeiro: Campos.
SAHLINS, Marshall. [1972] 2004. “A sociedade afluente original”. In: SAHLINS, Marshall.
Cultura na Prática. Rio de Janeiro: UFRJ.