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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0000.22.107899-1/001 Númeração 5159984-


Relator: Des.(a) Marco Aurélio Ferrara Marcolino
Relator do Acordão: Des.(a) Marco Aurélio Ferrara Marcolino
Data do Julgamento: 28/07/2022
Data da Publicação: 28/07/2022

EMENTA: APELAÇÃO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRODUTO


IMPRÓPRIO. ALIMENTO CONTAMINADO. INGERIDO. ULTRA PETITA.
DECOTE DA CONDENAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
ARBITRAMENTO. A sentença é "ultra petita" quando o magistrado "a quo"
decide além do que foi pleiteado pelo autor, hipótese em que se impõe o
decote do excesso da condenação. A vítima ingerir produto impróprio é fato
gerador de indenização a título de danos morais. A indenização deve ser
fixada atendendo-se aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade,
sopesando três requisitos: a) capacidade econômica das partes; b) extensão
do dano; c) intensidade da culpa (na responsabilidade subjetiva).

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.22.107899-1/001 - COMARCA DE BELO


HORIZONTE - APELANTE(S): JBS S/A - APELADO(A)(S): K.G.M.O.
REPRESENTADO(A)(S) P/ MÃE F.M.R., RIQUE GALDINO DE OLIVEIRA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PARA ACOLHER A
PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR VÍCIO ULTRA PETITA E
DETERMINAR O DECOTE DA CONDENAÇÃO

DES. FERRARA MARCOLINO

RELATOR

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DES. FERRARA MARCOLINO (RELATOR)

VOTO

Cuida-se de recurso de apelação interposto por JBS S/A contra a


sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 23ª Vara Cível da Comarca de
Belo Horizonte/MG que, nos autos da ação indenizatória por danos morais
ajuizada por R.G.O. E K. G. M. O., julgou procedente o pedido inicial, "a fim
de condenar a ré ao pagamento ao autor K.G.M.D.O de R$ 10.000,00 (dez
mil reais),e ao autor RIQUE o valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), a título de
danos morais, cujos valores deverão ser corrigidos monetariamente, de
acordo com a Tabela da Corregedoria de Justiça de Minas Gerais, contados
desde a data do arbitramento, e acrescido de juros de mora à razão 1% ao
mês, contados do evento danoso".

Inconformada, a parte apelante, inicialmente, suscita preliminarmente, a


nulidade do laudo pericial extrajudicial por violação ao princípio do
contraditório. Argumenta que, "ao contrário do asseverado pelo R. Juízo a
quo, a emissão do laudo extrajudicial por órgão público não afasta seu
caráter unilateral, sendo, portanto, inapto enquanto meio probatório".

Argumenta que "a prova testemunhal produzida pela parte autora afigura-
se visivelmente contraditória, não se prestando à comprovação de efetiva
ingestão do alimento pelos Requerentes".

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Assevera que "as fotografias do alimento carreadas ao feito retratam o


alimento apenas fatiado, sem qualquer vestígio de mordida ou de
mastigação, o que rechaça ainda mais a ingestão do produto, e, por
conseguinte, a caracterização dos alegados danos morais.".

Defende a "título subsidiário, em sendo considerada plausível a


responsabilização civil da Apelante, faz-se de rigor, ao menos, a redução das
indenizações morais arbitradas em primeira instância, pois, além de
superiores ao montante pleiteado na inicial, ensejando a configuração de
s ent enç a u l t r a p e t i t a , n ã o se co m p a tib iliza m a o s cr ité r io s da
propor c ion a l i d a d e e r a z o a b ilid a d e ".

Nestes termos, pede o provimento.

Em contrarrazões, a parte autora/apelada pede a manutenção da


sentença.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

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DA PRELIMINAR DE NULIDADE DO LAUDO PERICIAL

A parte apelante suscita preliminar de nulidade do laudo pericial


apresentado pela parte autora/apelada por violação ao princípio do
contraditório. Afirma se tratar de prova unilateral.

Entretanto, o laudo apresentado foi confeccionado pelo Instituto de


Criminalística da Polícia Civil, na Delegacia Especializada de Defesa do
Consumidor.

O fato de não ter a parte ré participado da prova não a torna nula, pois
não há qualquer elemento que desabone o laudo confeccionado por órgão
competente. A prova foi produzida antes do ajuizamento da ação e não tem a
obrigatoriedade da intimação da ré para validá-la. A valoração das provas é
matéria de mérito e não importa em sua nulidade.

Assim, rejeito a preliminar de nulidade do laudo.

DA PRELIMINAR DE JULGAMENTO ULTRA PETITA

Verifica-se que ao arbitrar a indenização por dano moral, o magistrado foi


além do pedido inicial, pois foi requerido o pagamento

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de indenização no importe de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), mas a


condenação somada perfaz o valor de R$ 17.000,00 (dezessete mil reais),
incorrendo na nulidade denominada sentença "ultra petita". Decidiu o pedido,
mas foi além.

Nesse contexto, a solução não é anular a sentença, mas apenas decotar


o excesso. A respeito, Humberto Theodoro Júnior, in "Curso de Direito
Processual Civil, volume I - Teoria Geral do Direito Processual Civil e
Processo de Conhecimento -, editora Forense, Rio de Janeiro, 39ª edição,
2003, página 465, leciona:

"O defeito da sentença ultra petita, por seu turno, não é totalmente igual ao
da extra petita. Aqui, o juiz decide o pedido, mas vai além dele, dando ao
autor mais do que fora pleiteado (art. 460). A nulidade, então, é parcial, não
indo além do excesso praticado, de sorte que, ao julgar, o recurso da parte
prejudicada, o tribunal não anulará todo o decisório, mas apenas decotará
aquilo que ultrapassou o pedido".

Destarte, ACOLHO A PRELIMINAR DE VÍCIO ULTRA PETITA para


decotar o excesso da condenação.

MÉRITO

Cinge-se a controvérsia, em aferir se os fatos narrados na peça vestibular


configuram ilícito, se guardam nexo de causalidade com os danos
experimentados pela parte autor/apelada, bem como se merece diminuição a
indenização concedida a título de danos morais.

Se configurado o dever de indenizar, à luz das previsões insertas

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no Código Civil, em seus artigos 186 e 927, in verbis:

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou


imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito."

"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo."

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente


de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem.

É o que se pode chamar de elementos constitutivos da responsabilidade


civil, nos dizeres de Arnaldo Rizzardo. Confira-se:

"Por último, faz-se necessário a verificação de uma relação, ou um liame,


entre o dano e o causador, o que torna possível a sua imputação a um
indivíduo. Constatada, pois, essa triangulação coordenada de fatores,
decorre a configuração da responsabilidade civil." (in Responsabilidade Civil:
Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro, 2006. Forense; p. 71)

Ressalta-se, também, o previsto no artigo 18, §6º e artigo 19, do

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Código de Defesa do Consumidor:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis


respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os
tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes
diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com
as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou
mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua
natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§6° São impróprios ao uso e consumo: I - os produtos cujos prazos de


validade estejam vencidos; II - os produtos deteriorados, alterados,
adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida
ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas
regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III - os produtos
que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de


quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de
sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do
recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo
o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - o abatimento
proporcional do preço; II - complementação do peso ou medida; III - a
substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem
os aludidos vícios; IV - a restituição imediata da quantia paga,
monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.

Pois bem, nos termos do artigo 373, I e II, do Código de Processo Civil, o
ônus da prova incumbe, respectivamente, ao autor, quanto aos

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fatos constitutivos de seu direito; e ao réu, quanto à existência de fato


impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Ocorre que, no caso em tela, os elementos probatórios contidos nos


autos são suficientes para evidenciar que a parte autora consumiu o produto,
e identificou a sua contaminação posterior ao ato.

A prova dos autos indicam que os autores (pai e filho), após a iniciação
do consumo do alimento salsicha enlatada, percebeu o sabor estranho,
momento em que perceberam que o alimento, apesar de estar dentro do
prazo de validade, não estavam próprios para o consumo, pois possuíam
coloração diferente, e corpo estranho, assemelhando-se a pelos.

Nesse sentido estão as fotografias apresentadas, em que é possível


verificar a presença de corpo estranho no alimento, bem como o depoimento
das testemunhas arroladas pela parte autora, e ouvidas em outro processo, e
no depoimento pessoal do primeiro autor.

Nesta linha também está o laudo confeccionado pelo Instituto de


Criminalística da Polícia Civil da Delegacia Especializada de Defesa do
Consumidor, que constatou "a presença de fragmentos de fios escuros,
semelhantes a pelos o que torna o produto impróprio para o consumo".

O conjunto probatório, isto é, o laudo extrajudicial somado às

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outras provas supra descritas, bem como ao boletim de ocorrência policial,


são suficientes para comprovar o fato narrado na inicial.

Tal como disposto pelo magistrado, o fato da parte ré possuir "sistema de


prevenção e fiscalização criterioso para evitar a contaminação do alimento,
não excluiu a possibilidade de ocorrência do prejuízo. Assim, mesmo
tomando todos os cuidados possíveis, a ré ainda é responsável por eventuais
casos de contaminação".

A ingestão do alimento por ambos os autores foi confirmado em


depoimento pessoal do primeiro réu e também pelo depoimento da
testemunha Daniela. O fato de a outra testemunha não ter confirmado a
ingestão do alimento pelo outro autor não torna contraditórios os
depoimentos considerados pelo juízo a quo, que foram coerentes e
peremptórios, e, portanto, aptos a formação de seu convencimento.

Assim, há dano moral ao consumidor, pois ele adquiriu um alimento


acreditando ser próprio para consumo.

A ingestão do alimento causa sentimento de nojo, angústia, repulsa, além


da insegurança quando ao risco de danos à saúde. Obviamente, restou
provado também o nexo entre o apelante ter fabricado um alimento impróprio
para consumo e o apelado ter passado pela situação indesejável de
consumir um produto com pelos incrustados.

Quanto ao valor dos danos morais, segundo a jurisprudência, tem-se que


a indenização deve ser fixada atendendo-se aos princípios da razoabilidade
e proporcionalidade, sopesando três

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requisitos: a) capacidade econômica das partes; b) extensão do dano; c)


intensidade da culpa (na responsabilidade subjetiva).

Assim, considerando as circunstâncias do caso e atendendo aos


princípios da razoabilidade e proporcionalidade, entendo que a indenização
por danos morais deve ser fixada no valor de 8.000,00 (oito mil reais) ao
autor, menor, K. G. M. O, e R$7.000,00 (sete mil reais) ao primeiro autor
R.G.O., revelando-se, pois, suficiente e justa para compensar o abalo moral
suportado pela autora, ora apelada, atendendo ao caráter pedagógico da
medida e levando em conta a potencialidade de maior de risco ao menor, o
que justifica a condenação em valor superior a ele.

DISPOSITIVO

Pelo exposto, dou provimento ao recurso para acolher a preliminar de


julgamento ultra petita e reconhecer o excesso de condenação e fixar o dano
moral no valor de o valor de 8.000,00 (oito mil reais) ao autor, menor, K. G.
M. O, e R$7.000,00 (sete mil reais) ao primeiro autor R.G.O.

Custas recursais na proporção de 80% pela parte apelante e 20% pela


parte autora. Deixo de majorar os honorários, em decorrência da
sucumbência recursal, por não se tratar de provimento total, conforme
decidido no julgamento do REsp 1.799.511/PR.

DES. ROGÉRIO MEDEIROS - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JOSÉ DE CARVALHO BARBOSA - De acordo com o(a) Relator(a).

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SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PARA


ACOLHER A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR VÍCIO
ULTRA PETITA E DETERMINAR O DECOTE DA CONDENAÇÃO"

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