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este número do Correio, publicamos a transcrição de duas exposi-
ções sobre o Seminário de Lacan “A angústia”, apresentadas em
reuniões de estudo e discussão. Estas falas são representativas do
eixo temático que envolveu toda a APPOA durante o último ano. Ao longo
dos meses, através do trabalho em cartel, foram feitas releituras e comentá-
rios de cada aula do Seminário de Jacques Lacan, bem como a preparação
das Jornadas Clínicas. Para dar andamento ao debate sobre este tema e
seus efeitos, que seguem sendo nosso eixo de trabalho em 2008, foi que
editamos estes dois textos.
A primeira dessas exposições refere-se a uma das lições iniciais do
Seminário, em que Lacan retoma questões de Seminários anteriores e pro-
cura avançar sobre a estrutura da angústia. Nesse contexto, propõe que a
angústia surge quando o objeto se faz presente sob uma forma positiva, no
lugar da falta, espaço vazio designado por – ϕ. Além dessa condição inicial
para a produção da angústia, assinala uma segunda: a inversão que transfor-
ma a demanda do sujeito em demanda do Outro.
A outra lição do Seminário aborda o tema do desejo – o desejo do
homem, da mulher e o desejo que concerne ao analista. O debate sobre esta
aula traz, ainda, um interessante percurso pelo contexto político, conceitual
e clínico no qual este Seminário de Lacan foi proferido. Desde o ponto de
vista político, trata-se de um período crucial para o futuro do movimento psi-
canalítico francês e internacional. Em relação ao aspecto conceitual, temos
o diálogo com a produção da época (décadas de 50 e 60) sobre a contra-
transferência e sua relação com a angústia. Lacan retira o tema da transfe-
rência do modelo dual, especular, e propõe uma estrutura baseada na refe-
rência a um terceiro, no qual a linguagem é fundamental. Com este esvazia-
mento da contratransferência, a direção da cura passa a estar fundada no
desejo do analista, na mudança de posição deste de sujeito a objeto e na
noção de corte, que possibilita a produção de um novo efeito de sentido.
Neste ano de trabalho que inicia, as reuniões sistemáticas e abertas
do cartel continuam dando seqüência ao estudo do Seminário sobre “A an-
gústia”. Os eventos da Associação, desde a Jornada de Abertura até o Con-
gresso no mês de Novembro, terão como pauta esta temática, seus desdo- QUADRO DE ENSINO 2008
bramentos atuais e sua articulação com outros campos de prática e saber.
Nesta edição, encontramos também notícias sobre o início dos traba- EIXO DE TRABALHO DO ANO
lhos de 2008 e o quadro de ensino da APPOA. ENCONTROS DE ESTUDO DO SEMINÁRIO
“A ANGÚSTIA” DE JACQUES LACAN
SEMINÁRIOS
O DIVÃ E A TELA
Coordenação: Enéas de Souza e Robson de Freitas Pereira
Quarta-feira, 19h30min, mensal.
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ADOLESCÊNCIA: ENTRE A CLÍNICA, AS INSTITUIÇÕES MOMENTO DE LER: Textos variados conforme o interesse do grupo
E OS SINTOMAS SOCIAIS Coordenação: Maria Auxiliadora Sudbrack
Coordenação: Ângela Lângaro Becker e Ieda Prates da Silva Sexta-feira, 16h, semanal.
Sábado, 10h, mensal, em Novo Hamburgo (início em abril).
SEMINÁRIO I DE LACAN – OS ESCRITOS TÉCNICOS DE FREUD
A PSICANÁLISE, A INFÂNCIA E AS INSTITUIÇÕES: Coordenação: Norton Cezar da Rosa Jr
INTERROGAÇÕES ATUAIS À CLÍNICA DE CRIANÇAS Sexta-feira, 10h, semanal.
Coordenação: Ieda Prates da Silva e Larissa Costa B. Scherer
Terça-feira, 20h, quinzenal, em Novo Hamburgo. SEMINÁRIO XXIV DE LACAN – “O NÃO SABIDO QUE SABE DE UMA
EQUIVOCAÇÃO” OU “O INSUCESSO DO INCONSCIENTE É O AMOR”
COMO NASCE UM SUJEITO? A INFÂNCIA NOS SEUS PRIMÓRDIOS Coordenação: Maria Auxiliadora Sudbrack
Coordenação: Simone Mädke Brenner Quinta-feira, 14h, quinzenal.
Quinta-feira, 19h30min, quinzenal, em Novo Hamburgo.
INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE – CONCEITOS:
PROBLEMAS DE CLÍNICA PSICANALÍTICA O INCONSCIENTE E A CASTRAÇÃO
Coordenação: Alfredo Jerusalinsky Coordenação: Walter Cruz
Segundo sábado de cada mês, 17h30min, mensal, em São Paulo. Quarta-feira, quinzenal, em Parnaíba (Piauí).
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À SOMBRA DA ANGÚSTIA
PSICANÁLISE E SAÚDE COLETIVA
Coordenação: Eduardo Mendes Ribeiro
Segunda-feira, 20h30min, mensal. Data: 05 de abril de 2008
Local: Sede da AMRIGS (Associação Médica do Rio Grande do Sul)
PRINCIPAIS EVENTOS DO ANO 2008 Endereço: Avenida Ipiranga, 5311 – Porto Alegre/RS
JORNADA DE ABERTURA – “À SOMBRA DA ANGÚSTIA” “Um afeto que não engana”, assim é a angústia definida por Jaques
Data: 05 de abril Lacan. As manifestações da angústia, com as múltiplas faces com que ela
Local: AMRIGS – POA – RS. se mostra, apresentam-se para aquele que vive a experiência angustiante
em sua inexorável certeza. A sociedade contemporânea, pródiga em produ-
RELENDO FREUD E CONVERSANDO SOBRE A APPOA: “O FETICHISMO” (1927) zir desassossego, busca, ao mesmo tempo, curar a angústia através da
Data: 06, 07 e 08 de junho
eliminação de todo mal-estar, fazendo calar o sujeito que sofre. O uso da
Local: Hotel Laje de Pedra – Canela – RS.
medicação, por vezes necessário em algumas situações, pode fazer a eco-
ENCONTRO BRASILEIRO DA CONVERGÊNCIA LACANIANA nomia do conflito e produzir um sujeito empobrecido, desértico em sua di-
Data: 01, 02 e 03 de agosto mensão desejante, o que traz o risco de relançá-lo na angústia.
Local: Hotel Plaza São Rafael – POA – RS. Como nós analistas podemos hoje trabalhar com a angústia, quando
tantas promessas de cura fácil se apresentam, dispensando o sujeito da
CONGRESSO DA APPOA responsabilidade para com seu próprio desejo? O aparecimento da angústia
Data: 14, 15 e 16 de novembro é provocado pela ausência da função do significante e sinaliza o horror da
Local: Hotel Plaza São Rafael – POA – RS. proximidade d’A coisa, a presença do objeto último, causa do desejo. Tratar
da angústia, portanto, requer estar às voltas com o significante e o objeto de
desejo; é só a partir destes que o sujeito pode se reposicionar.
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e, ainda, à ficção... como pensar o estatuto do objeto fetiche, já que ele, na lher, o pai. São os elementos com os quais nossa frágil condição, a humana,
organização psíquica, implica em um certo apagamento de sua dimensão de inconsistente no desfalasser de falas tão somente ser, se relaciona.”
véu? Assim, como psicanalistas, aprendemos a lidar com esta contingên-
Convidamos a todos os interessados a dar continuidade a essa dis- cia do humano construindo o que temos de mais precioso, ou seja, a lingua-
cussão no dia 04/03/08 às 20h. Tomaremos, dessa vez, como leitura com- gem. Recebam, portanto, nossas palavras de solidariedade neste momento
plementar, um fragmento do texto “Três ensaios sobre a teoria da sexualida- difícil.
de” (1905), chamado “Substituição imprópria do objeto sexual. Fetichismo”. Edson Sousa
p/ APPOA
Fernanda Breda e Maria Ângela Bulhões
Coordenação
DESPEDIDA A EMILIO RODRIGUÉ
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SEMINÁRIO DA ANGÚSTIA – AULA própria experiência analítica não justificasse isso neste momento. “Se o lu-
DE 12 DE DEZEMBRO DE 19621 gar do desejo, a maneira como ele se escava, não nos fosse presentificado
O QUE ENGANA a todo o momento, em nossa posição terapêutica, por um problema, que é o
mais concreto, que é o de não nos deixarmos enveredar por um caminho
Liz Nunes Ramos falso” (pág. 66). Isso é um primeiro recorte que a gente tem que tomar
tenência, como se diz, porque em todo esse capítulo Lacan vai trabalhar em
E
ssa lição é supercondensada. Então, vamos tentar pinçar as passa- torno do caminho falso, em torno de um engano: o que vai fazer a posição do
gens que, de alguma forma, nos interessam mais daquilo que ele analista tropeçar. Então, ele levanta isso, dizendo que esse problema apare-
está pretendendo, já que essa lição está incluída entre os capítulos ce justamente na experiência analítica, vindo se fixar na experiência, no que
iniciais, relativos à estrutura da angústia. Todas essas primeiras lições re- acontece no concreto, a experiência própria de não se deixar tomar por esse
montam e fazem lembrar muito os outros seminários, então temos que tra- caminho falso.
balhar um pouco o que ele está querendo introduzir de novo aqui, mantendo, No terceiro parágrafo da página 67, ele diz assim: “é preciso que con-
ao mesmo tempo, um certo pé, um certo suporte em seminários anteriores. servemos a possibilidade de um certo fio que nos garanta, pelo menos, que
Não foram poucos, há nove seminários antes, mas tentaremos cercar o que não trapaceemos com o que é o nosso próprio instrumento, isto é, o plano
ele lança como novo. Então, talvez se tenha que mencionar principalmente o da verdade.” Aqui, ele está pretendendo salientar para que não se perca o pé
seminário anterior, “A identificação”, porque eles trabalham, jogam muito jun- com a questão da angústia e que se preserve o lugar da função do analista
tos esses dois seminários, e por coincidência ou não, uma coincidência na apresentação da verdade do desejo. Um pouquinho mais acima, ele se
daquelas que a gente conhece bem. Eu estou trabalhando mais ou menos questiona quanto ao conceito de cura dizendo que nada é tão incerto quanto
juntos esses dois seminários. Então, vamos ver o que a gente faz com a este conceito. “É certo que nossa justificação, assim como nosso dever, é
angústia. melhorar a situação do sujeito. Mas afirmo que nada é mais instável, no
Esta é uma lição muito bonita, apesar de condensada. Lacan faz campo em que estamos, do que o conceito de cura.” (pág. 67)
uma introdução bastante ampla, tentando entrar pelo que já foi revisado em Então, o poder de cura não é relativo à melhora dos sintomas. Não é
relação à angústia até ali do ponto de vista da psicologia experimental, se a daquilo que poderia ser uma escolha religiosa. O que é a cura? Aqui eu acho
gente pode chamar assim, que é o nome mais presente para nós na nossa que ele começa a lançar isto. Que a cura tem algo a ver com esta busca da
cultura. verdade e com poder se ater à posição do desejo, de qual é o lugar desde
Acho que ele vai introduzir uma série de questões, mas principalmen- onde o sujeito deseja. Então, aqui, ele começa a preservar, para poder tomar
te uma primeira questão que eu acho importante, quando diz que não teria a questão da angústia sem perder o que seria o fio.
porque a gente fazer um questionamento epistemológico muito extenso se a No ano passado, estudando o Seminário 11, podemos lembrar o que
Lacan diz: que o desejo é o nosso negócio. É mantendo a nossa visão sobre
o desejo que podemos manter a técnica analítica na sua função primeira,
1
Transcrição da apresentação feita, em 18 de junho de 2007, no cartel da APPOA que, ao
como surge primeiramente na história, pela primeira vez no pensamento filo-
longo de 2007, discutiu as aulas do seminário “A angústia”. sófico. Uma função relativa à verdade. “Estamos escravizados, como ho-
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mens, como desejantes, quer saibamos ou não, quer acreditemos ou não, ma em angústia é quando essa demanda que é endereçada ao Outro se
quer queiramos ou não, a essa função da verdade”. (Seminário 9) Anos de- torna a demanda do Outro. Quando retorna sobre o sujeito. Mas o que nos
pois ele ainda vai continuar tentando dizer porque fio podemos nos manter interessa agora nesse momento inicial, essa primeira representação, é que
ligados a isso. E, aí adiante, ele vai se perguntar o que deve ser funcional nesse circuito da demanda não há objeto, o sujeito busca um objeto perdido.
para os analistas. E a cada vez que ele busca e não encontra, aquele objeto que é buscado se
“A propósito de um tema como a angústia, não é fácil reunir, num representa na cadeia significante como objeto a, negativizado. Ele é o objeto
discurso, como o meu, o que deve ser funcional para os analistas. O que não ausente, ele se inscreve na cadeia significante como ausente. É isso que ele
convém esquecer, em momento algum, é que o lugar que designamos neste nomeia como menos phi. É isso que se inscreve nesse circuito.
esqueminha como sendo o da angústia e que atualmente é ocupado pelo Ele vai falar da inscrição do traço: “essa topologia só terá valor se
menos-phi , constitui um certo vazio. Tudo o que pode manifestar-se neste vocês puderem constatar que os indícios que elas lhe fornecem são confir-
lugar nos desorienta, se assim posso dizer, quanto à função estruturante mados por seja qual for a abordagem dada ao fenômeno da angústia por
desse vazio” (pág. 67). E é isso que ele vai desdobrar ao longo de todo esse qualquer estudo sério, sejam quais forem seus pressupostos. Mesmo que
capítulo. Ele vai tomar tópicos para esclarecer isso. O que ele está retoman- eles nos pareçam estreitos demais e que pareçam ter que ser re-situados no
do é este esqueminha aqui, da página 54, e que aparece também na 49. interior da experiência radical que nos é própria, persiste o fato de que algo
Aqui, ele diz que é o lugar da angústia. É aqui que ele diz que é o lugar onde, foi efetivamente apreendido num certo nível” (pág. 67). Essas experiências
se o objeto se presentifica, se alguma coisa aparece e não se mantém como de laboratório que ele referia até então.
falta, surge a angústia. O que ele vai trabalhar ao longo deste capítulo é o “Temos de tirar proveito de qualquer nível em que se tenha formulado
desdobramento dessa afirmação inicial. Esse lugar ocupado pelo menos- até hoje a interrogação sobre o tema da angústia” (pág. 67) . O propósito de
phi, constitui um certo vazio. Tudo o que pode se manifestar nesse lugar, nos hoje é indicar isso.
desorienta, tudo o que se presentifica como objeto. O que eu destacaria, Na impossibilidade de se fazer a soma de tudo o que já foi elaborado,
além disso, é que ele diz que essa função é estruturante. Que a manutenção ele quer resgatar dessas experiências alguma coisa... o que interessa para
desse lugar vazio estrutura. E a gente fica se perguntando, estrutura o quê? ele, nesse momento, é o que me parece ser a função do Outro nessas
Aqui e em outros seminários, ele vai dizer que o lugar do vazio estrutura a experiências. Toda a primeira sessão ele vai falar da função do Outro. Eu
cadeia significante. Por isso eu destaquei, porque me pareceu o mais es- acho que é por isso que ele fez referência à topologia. Ele disse que: “há um
sencial do que ele diz: que o lugar da ausência estrutura a continuidade certo tipo de interrogação que, com ou sem razão, é chamado de abordagem
significante. objetiva ou experimental do problema da angústia” (pág. 68). Essas pesqui-
Eu vou tomar a representação topológica da demanda que ele faz no sas todas da psicologia experimental feitas até então.
seminário anterior, a representação mais simples do circuito da demanda, Ele diz que a gente só poderia se perder nelas, se não tivéssemos um
para a gente poder ver onde ele representa o lugar do vazio, onde se constitui ponto de mira que ele já apontou e que é relativo à dimensão do Outro. Ele
o lugar do objeto. apontou no final da lição anterior. As formas de postura que nós não sabe-
A demanda do sujeito à Mãe, como ele diz. Estou insistindo um mos abandonar. Três pontos de referência em que é dominante a dimensão
pouquinho nisso porque, diz ele, o momento em que a demanda se transfor- do Outro. Ao longo de todo esse capítulo, a gente vai ver que ele situa a angús-
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tia em relação ao gozo do Outro e à demanda do Outro. As especificações alguém nos dirige a palavra. Mas é isso. É que o discurso por si só coloca
que ele vai fazer em relação ao que ficou pendente na lição passada são em questão a ausência do objeto, a transferência por si só coloca em ques-
relativas; que a angústia está relacionada ao gozo do Outro e à demanda do tão a demanda para a qual não tem resposta. Isso tudo vai colocando o
Outro. Ele faz, então, um pequeno recuo a essas experiências anteriores sujeito confrontado ao vazio, à falta de objeto.
dizendo o seguinte: “são eles a demanda do Outro; o gozo do Outro, de Então, não é uma angústia da qual o analista esteja ausente, me
uma forma modalizada, aliás mantida a título de ponto de interrogação, o parece. À medida em que ele se situa na posição de não resposta a essa
desejo do Outro, na medida em que esse é o desejo correspondente ao demanda, de não corresponder ao amor na transferência, não presentificar o
analista como aquele que intervém como termo na experiência” (pág. 68). objeto da demanda, ele está também produzindo essa angústia.
Eu acho que a questão do desejo do analista e da dimensão do Outro Justamente na medida em que ele trabalha com a via significante.
e de como surge a angústia na relação à demanda ou a demanda em relação “Essa dimensão do Outro, nela encontramos o nosso lugar, o nosso lugar
ao desejo e ao gozo do Outro vai perpassar toda a lição. No final da lição, ele eficaz, na medida em que saibamos não reduzi-la” (pág. 68). Eu achei uma
vai se reencontrar com esta história do lugar do desejo do analista e da referência importante como norte do que possa ser a posição do analista,
função do analista e de qual pode ser a posição do analista em relação ao porque, justamente, se ao longo da lição ele coloca a presentificação, o
horror que o vazio produz. Ele vai passar toda a lição trabalhando em torno retorno do objeto como positivado, de alguma forma ele está jogando com
da questão do vazio, da função do vazio, de quanto é ela que dá lugar ao essas duas posições possíveis: ou o analista se identifica nessa posição, do
desejo, esse vazio. O quanto a angústia está ligada com a positivação do objeto como positivo ou se identifica com a posição do Outro, do grande A,
objeto e como isso acontece. Mas me parece que tem esse ponto que subjaz não do pequeno a. Então, eu acho que ele joga ao longo dessa lição, com
toda a lição, que eu gostaria de discutir com vocês, que é relativo a isso: que isso que o desejo do analista tem que produzir de alguma forma. Poder fazer
resgatando a questão do Outro, resgata também a posição do analista. Qual o desdobramento dessa demanda, de uma forma que o sujeito reconheça ao
pode ser o desejo que sustenta o analista perante o vazio, que ele diz que é que ele é alienado, sem presentificar o objeto.
o produtor da angústia. Vamos ver se a gente consegue chegar nesse final, Eu acho importante, nesta situação, é que ele inclui o analista na
porque eu acho que é um ponto subjacente, não é o objetivo dele, mas ao questão da angústia, não como alguém que maneja desde fora, do ponto de
mesmo tempo, ele vai levando essa discussão sobre o que pode fazer o vista do experimento, mas inclui o analista na experiência. Ele joga com
analista se sustentar no fio da verdade, no fio do desejo, sem perder o pé, esses dois significantes: experimentação, do lado da técnica, do experimen-
quando se coloca a questão da demanda, da angústia em jogo. to científico e com a experiência analítica da qual o analista está incluído e
“Não faremos o que nós criticamos em todos os outros, isto é, elidir o faz parte desde um lugar em que ele tem uma função e que para ser eficaz
analista do texto da experiência que interrogamos...”, isso é, ele vai incluin- tem que se situar desde o lugar do Outro, para poder identificar a que Outro
do, “A angústia da qual temos que fornecer uma formulação aqui é uma o analisante se dirige, em que lugar ele está sendo tomado na transferência.
angústia que responde a nós, uma angústia que provocamos, uma angústia Ele faz só uma pequena entrada no que nos mostram essas neuroses expe-
com a qual, de vez em quando, temos uma relação determinante” (pág. 68). rimentais de laboratório, para se perguntar no que isso seria comum ao su-
Isso eu achei um ponto interessante, porque a gente fica se perguntando jeito falante, à neurose do sujeito falante, com quem nós estamos lidando na
como a gente determina a angústia no analisante quando ele fala, quando experiência analítica.
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“O que nos mostram essas neuroses, enfatizadas por Pavlov e seus elisão é constitutiva da experiência em si, mas quem quiser aproximar essa
seguidores conforme a ocasião? Elas nos dizem como se condiciona um experiência da que nos é própria, e que se passa com o sujeito falante, não
determinado reflexo do animal. Associa-se a uma reação dita natural um poderá deixar de registrá-la.Trata-se do seguinte: por mais primitivo que seja,
estímulo, uma excitação, que faz parte de um registro presumido como com- em relação ao do sujeito falante o organismo animal interrogado – e esse
pletamente diferente do que está em causa na reação” (pág. 69). E ele intro- organismo está muito longe de ser primitivo nas experiências pavlovianas,
duz isso para ressalvar ou ressaltar a questão da fala sobre a demanda, visto que elas dizem respeito a cães –, a dimensão do Outro está presente
porque ele começa a se indagar sobre o que funciona do ponto de vista do na experiência” (pág. 69). Então, eu acho que aqui ele demarca qual é a
organismo, do ponto de vista da necessidade nessas experiências. diferença quando se trata de um organismo num nível da necessidade, do
Ele começa a fazer a diferença entre aquilo que supostamente funcio- instinto, enfim, e quando é o sujeito falante ao Outro, à dimensão do grande
naria enquanto organismo, nos experimentos, e o que seria comparável quando outro que interroga. Então, um organismo que é interrogado e de alguma
não se trata de organismo, quando se trata de um sujeito. Quando não se forma institui um outro tipo de envolvimento que não é esse movimento de
trata mais do instinto, mas da pulsão; quando não se trata mais da necessi- resposta à demanda.
dade, mas da demanda. O fato é isso: que nunca é suposto que haja um Outro manipulador da
Parece que é toda a diferença que ele vai desdobrando, é tudo nesse experiência, então na aproximação com o sujeito falante, neurótico, enfim na
sentido, nessa comparação, para destacar a especificidade da linguagem, nossa experiência isso se evidencia. “Quando sabemos como se comporta um
do sujeito, do inconsciente, enfim, do desejo. Ele fala disso que se produz cão diante daquilo que é ou não é chamado de seu dono, sabemos, em todo o
no organismo a partir de uma série de estímulos, uma espécie de perplexida- caso, que a dimensão do Outro é importante para o cão. Mas mesmo que não
de orgânica, uma impossibilidade de resposta. No excesso, na continuação se tratasse de um cachorro, que fosse um gafanhoto ou uma sanguessuga,
da demanda o organismo se esgota, não produz mais uma possibilidade de pelo fato de haver uma montagem de aparelhos, a dimensão do Outro estaria
resposta, se constitui uma desordem fundamental. Algo que nas nossas presente. Vocês me dirão que um gafanhoto ou uma sanguessuga, organismos
outras áreas culturais se chama de estresse. pacientes na experiência, não sabem nada desta dimensão do Outro. Estou
“Chega-se a um ponto em que a demanda feita à função desemboca inteiramente de acordo. É justamente por isso que todo o meu esforço, durante
num déficit que ultrapassa a própria função” (pág. 69) – ponto de perplexida- algum tempo, foi lhes mostrar a amplitude de um nível comparável em nós, o
de – e que tem algo que, ele observa então, para além da resposta orgânica sujeito. No sujeito que somos, tal como aprendemos a manejá-lo e determiná-
tem alguma coisa que acontece. O ponto de comparação sobre o qual ele vai lo, há também todo um campo em que nada sabemos do que nos constitui”
se situar, é esse ponto para além da resposta orgânica; é o que nos interessa. (pág. 70). Aqui ele faz uma comparação, então, uma aproximação. Em outras
“Nesse leque da interrogação experimental, sem dúvida seria importante apon- palavras, nos chama de sanguessugas, mas sanguessugas do Outro.
tar onde se manifesta algo que lembre a chamada forma angustiada que pode- Em um outro seminário mais adiante, em uma passagem do L’étourdit,
mos encontrar nas reações neuróticas” (pág. 69). O que seria semelhante? ele diz que o sujeito suga, capta do Outro um signo suficiente, um ponto
Mas ele destaca, faz essas comparações. “Há uma coisa que parece suficiente de amparo e de relação para dali sacar um traço. Então, como
ser sempre elidida nessa maneira de formular o problema na experiência. sanguessugas somos comparáveis. Mas o que nos interessa recortar é isso
Decerto é impossível censurá-la no relator dessas experiências, já que essa que ele diz, que da dimensão do Outro nada sabemos.
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“No sujeito que somos, tal como aprendemos a manejá-lo, há tam- sujeito suposto saber, é uma suposição enganosa. É uma das primeiras
bém todo um campo em que nada sabemos do que nos constitui” (pág. 70). referências à dimensão do engano. Ele diz assim: “A Selbst-bewusstsein,
Em todos os seminários anteriores, ele se refere a esse campo como sendo que eu os ensinei a chamar de sujeito suposto saber, é uma suposição
esse campo anterior, primário à constituição da linguagem, no que o sujeito enganosa. A Selbst-bewusstsein, considerada constitutiva do sujeito
é marcado por traços que são de alguma forma desconhecidos, perdidos, cognoscitivo, é uma ilusão, uma fonte de erro, uma vez que a dimensão de
irrecuperáveis. sujeito suposto que transparece em seu próprio ato de conhecimento só
Eu acho que aqui a coisa começa a se complicar um pouco, porque começa a partir do momento em que entra em jogo um objeto específico,
essa formulação toda da questão da demanda, no Seminário da Identifica- que é aquele que o estádio do espelho tenta delimitar, ou seja, a imagem do
ção é justamente em torno da tentativa de identificar o que é o irrecuperável. corpo próprio”. Essa primeira imagem é o primeiro objeto que pode produzir
São traços, são vivências, são marcas de linguagem, são desejos, são fan- engano, “...na medida em que, diante dela, o sujeito tem o sentimento
tasmas parentais, o que é isso que é perdido para o sujeito? São os seus jubilatório de efetivamente estar diante de um objeto que o torna, a ele, sujei-
envoltórios, placenta, um pedaço do corpo, é uma parte do corpo materno. to transparente para si mesmo”. Eu acho isso aqui central, “A extensão
Durante todo o Seminário da Identificação ele vai fazendo essas voltas para dessa ilusão da consciência, a toda espécie de conhecimento é motivada
tentar identificar o que é perdido. pelo fato de que o objeto do conhecimento é construído, modelado, à ima-
De qualquer forma, o que ele demarca aqui é que, fosse lá o que gem da relação, com a imagem especular. É precisamente por isso que
fosse, era alguma coisa que (inaudível) os ciclos positivos, era alguma coisa esse objeto do conhecimento é insuficiente” (pág. 70). Essa primeira ilusão
que esteve, alguma coisa que produziu marca, que produziu traço e que é fonte de engano. É necessária, mas ela é fonte de ilusão, de engano e a
precisa tomar a constituição de ausente, de negativo, de perdido, para se partir daí todas as ilusões relativas a poder saber, a poder saber tudo, a
constituir como falo imaginário perdido. poder apreender o objeto, pode se derivar.
Uma das coisas que ele aponta e que então vai ser uma primeira É modelada a imagem da relação com a imagem especular. Por isso,
aproximação do que é o nível do engano – justamente o título da lição – ele é interessante a gente retomar esse modelo da demanda, porque justamen-
fala do estádio do espelho, mas em toda a lição ele joga com alguma coisa te ele diz que a cada círculo da demanda o sujeito goza menos e castra
que é anterior à constituição do espelho, que é justamente tudo o que o mais. A cada vez que percorre o círculo da demanda é menos objeto
sujeito perde e que não é do registro do imaginário, tudo o que o sujeito positivado, é mais objeto ausente, é mais inscrição de objeto perdido, é
perde e que não entra no registro do simbólico e que ele dá esse nome de mais inscrição desse objeto na cadeia significante, mais intervalo na cadeia
objeto a. significante, que produz o encadeamento de significantes, então, menos
Objeto a porque é resto de uma operação de inscrição de alguma gozo, mais castração, menos imagem, mais significante, menos ilusão,
coisa. Em todo o caso, ele está indagando essa questão o que é o nível da mais dever, mais busca, mais ideal de eu, menos imaginário e mais simbó-
certeza, o que é essa ilusão de uma imagem de um objeto, o que coloca em lico.
jogo um objeto específico, a ilusão de um objeto re-encontrável, alguma coi- É precisamente por isso que esse objeto do conhecimento é insufici-
sa que é buscada sempre no circuito da demanda. Ele introduz a dimensão ente. Eu acho que essa demarcação de uma insuficiência é justamente o
do sujeito suposto saber. Ele diz: subsistem, que é nesse meio a chamar de que nos interessa, porque nessa ilusão da imagem alguma coisa disso que
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era constituição pré-subjetiva do sujeito, o nível pré-verbal que ele trabalha Ele diz que: “Se não houvesse a psicanálise, saberíamos disso pelo
aqui, que ele trabalha no Seminário da Identificação quando fala, por exem- fato de existirem momentos de aparecimento do objeto que nos jogam numa
plo, que a cadela Justine (a cadela dele) tem a fala, mas não tem a lingua- dimensão totalmente diversa, que se dá na experiência e merece ser desta-
gem. A diferença que ele demarca entre Justine e o sujeito falante é que para cada como primitiva na experiência” (pág. 70). Eu acho que é totalmente
Justine não há equívoco, ele é ele, ela jamais vai tomá-lo por outro, jamais vai diversa, porque até aqui ele referia o registro experimental, e aqui ele está se
tomá-lo no equívoco, no engano, por um outro, pelo Outro. Ela sabe como referindo ao registro subjetivo, da experiência, do subjetivo. Até então, ele
ele é representado para ela. Ela identifica claramente como ele é representa- falava das experiências objetivas, ele diz que nos lança num registro comple-
do para ela, mas ela não sabe como ela se representa para si mesma, não tamente diverso em função de que se trata da experiência subjetiva e não da
tem uma imagem de si. Essa é a diferença que residiria entre o nível da fala experiência experimental do objetivo. Ele vinha fazendo a comparação com a
e o da linguagem. Os significantes não operam como significantes, mas neurose e faz uma diferença totalmente diversa. Eu acho que é diversa des-
como signos. A relação é biunívoca, esta voz é daquele cara, este cheiro é sa experiência que ele ia narrando como do experimento pavloviano, de labo-
daquele dono. A função não toma caráter pulsional, não entra no circuito da ratório, no nível objetivo.
demanda. Eu acho interessante isso aqui, porque não é que o indivíduo fique em
Lá no Seminário da Identificação, quando ele dá o exemplo das “mu- dúvida, é o sujeito que vacila, é a condição desejante, é o sujeito do incons-
lheres da vida”, ele compara ao mesmo nível, dizendo que a prática da rela- ciente, é a eficácia do inconsciente que vacila, é a possibilidade de desejar,
ção sexual nas “mulheres da vida” não está atrelada ao exercício da lingua- o sujeito literalmente vacila. “ Esse surgimento, no campo do objeto, de um
gem, se trata de uma relação de signos, do corpo tomado como signo e não desconhecido experimentado como tal, de uma estruturação irredutível, não
como significante, porque se fosse como significantes, haveria amor, haveria levanta questão unicamente para os analistas, pois se dá na experiência.
paixão, enfim...Ele tem essa ousadia de dizer que sujeitos humanos podem Afinal é preciso procurar explicar porque as crianças têm medo do escuro.
também não ser portadores da linguagem, embora sejam portadores da fala, Ao mesmo tempo percebe-se que nem sempre elas têm medo do escuro”
sujeitos que falam, não são portadores do desejo, me parece que é a diferen- (pág. 71). Então ele interroga o mesmo e começa a entrar nessa dimensão do
ça que ele faz. que surge como objeto a na realidade, irrompendo desde o real na organiza-
De qualquer forma, algo fica fora dessa imagem, me parece que é isso ção do sujeito. Ele diz que esse resíduo não imaginado do corpo, o que fica
que ele está colocando, que nem tudo é inscritível na imagem. Mais tarde, fora da imaginarização, por um desvio que sabemos designar, vem se mani-
tem uma passagem que ele nos permite dizer que nem tudo do desejo parental festar num lugar previsto para a falta. Lá no esquema da página 54, “o que
é conhecido, nem tudo dos significantes que nos determinaram é sabido, vem se manifestar num lugar que estava designado para a falta, e que produz
não existe garantia última da existência, da consistência de um ser. Ele angústia e esse resto que não passou pela simbolização, nem pela
deixa claro, pelo que já tinha dito antes na lição, que a extensão dessa imaginarização, que não passou pelo espelho e ficou fora do imaginário.”
ilusão não dá conta da posição do sujeito. Dessa ilusão de conhecimento, Ele deixa claro aqui que, com efeito, uma das dimensões da angústia
de saber sobre si, do eu, que a verdade do sujeito não está aí porque ele não é a falta de certos referenciais, porque a questão é que a angústia dá apare-
se equivoca com essa imagem. Ele é determinado a partir do significante e cimento a esse objeto que surge como real, não imaginarizado, não simbo-
não da imagem. É o que ele vai insistir ainda nessa lição. lizado. De qualquer forma, o que fica claro é que nós ignoramos, que a gente
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não sabe que objeto é esse que se positiva. O problema da angústia é que seja, é pedido. A inversão, que é produtora de angústia, é quando a demanda
não se sabe que objeto é esse, que aparece de uma forma positivada, por- do sujeito se transforma em demanda do Outro (página 79). Quando a de-
que não está nomeado, não está imaginarizado. Como resto, resto da opera- manda feita à mãe se inverte na demanda da mãe ao objeto chamado síbalo.
ção da inscrição de um traço. A cada vez que faz essa volta, no círculo, Ele vai trabalhar justamente a função do corte a partir daqui. O síbalo –
como pleno, a demanda como plena inscreve uma ausência, inscreve um excremento duro, numa forma arredondada, esférica – aparece como objeto
traço, mas, de qualquer forma, ele diz que o mais apagável de um objeto é o angustiante, que não reconhece nenhum corte, objeto esférico. Entre as
traço, um significante, mas ao mesmo tempo é o que o presentifica. O que funções excretoras, o ânus contribui para cortar o objeto. Se não é cortado
tem de mais apagado do objeto é o traço, é o significante que o representa, se identifica, se não tem função do corte, se identifica à esfera.
mas ao mesmo tempo em que o apaga, que assassina o objeto, o presentifica Ele vai retomar a questão do estranho, falando do pesadelo como
na linguagem. Aqui está a alienação. experiência mais maciça, mais fechada. A angústia do pesadelo é experi-
Para que se produza a reação de angústia, são necessárias duas mentada como a do gozo do Outro, sem que o sujeito seja considerado
condições. Uma é essa, o surgimento da falta sob uma forma positiva, que como sujeito. Esse Outro, além de questionador, interpela o sujeito. É uma
constitui a ponte da angústia. Que o objeto surja não negativizado, não referência ao mito do Édipo, que comparece muito antes de todo o desenvol-
representável na linguagem como ausente, mas que surja como objeto pre- vimento da tragédia. Esse Outro, perguntando algo muito enigmático, inter-
sente. E a segunda condição – na página 72 ele faz a diferença entre a pelando o sujeito de algo desconhecido de sua origem. Há algo do primário
reação do distúrbio, que é uma reação normal ao desamparo, ao perigo, que está na constituição subjetiva, até o que seria esse traço identificatório
insuperável, mas que a reação de angústia é outra coisa. O desamparo vai ao pai da horda primitiva – o que ele retoma de “Totem e Tabu” – identificação
produzir distúrbio, desarranjo. Para que haja angústia é necessário que o relativa a uma demanda. O Outro que demanda, que questiona o sujeito, e
objeto se presentifique de uma forma positiva, como fonte de angústia, e que não detém o que está recalcado.
segundo, que é sob o efeito de uma demanda que se produz o campo da Toda demanda tem sempre algo de enganoso, ali onde se cai no
falta. O que ele formula aqui é isso: que frente ao perdido surge o pedido. E engano da demanda, o que se perde é a possibilidade do desejo. Ele fala
quando surge o pedido não é para recuperar o perdido, é para estruturar a também da questão do apagamento do rastro e de que o significante é um
relação de presença-ausência. É pedido para ser negado e inscrever a au- rastro, porém um rastro apagado, e essa diferença ele faz em relação à
sência, ou seja, um intervalo entre uma demanda e outra, entre um significante fenomenologia da histeria e da neurose obsessiva, mencionando o que fa-
e outro, para articular alguma coisa. Não se quer o objeto, o que se quer é a zem com o significante para tentar retornar, como é a dimensão da angústia
transformação do pedido do objeto em demanda de amor e reconhecimento. nesses dois quadros. Na histeria, a angústia não aparece, exatamente na
Toda demanda é demanda de amor e de reconhecimento, não é de objeto medida em que essas faltas são desconhecidas, a questão fica em susten-
(Seminário da Identificação). A demanda surge indevidamente no lugar do tar o desejo do Outro via corpo, em desfavor do significante surge o corpo,
que é escamoteado, ela surge no lugar do que é desaparecido, do objeto para representar o que o significante poderia dizer. No obsessivo, ele faz
perdido. Esse esquema da conversão, uma coisa é a demanda partir do esse retorno ao signo, desconecta a inscrição da história.
sujeito. Aqui o sujeito demanda participando da ausência de um objeto, a É o significante que pode conter a emergência do objeto, em que este
demanda tem um objeto ausente, que é buscado, por mais equívoco que possa se positivar, e é aqui que a condição do sujeito – do sujeito desejante,
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O
mos a esse horror. texto a seguir é a transcrição de uma reunião do “cartelão” da APPOA,
que lê e discute as aulas do seminário de Lacan de 1962/63. Ape-
ESQUEMA REFERIDO AO LONGO DA EXPOSIÇÃO2 sar de revisado pelo autor, ele permanece como uma palestra, uma
fala dirigida aos interlocutores presentes naquela noite (13/12/07).
Desta forma, comparecem no escrito, as inflexões características de
uma conversa, assim como as repetições, os vícios de linguagem e a ausên-
cia de texto onde o gesto, a entonação, a respiração com suas pausas e o
olhar fazem o preenchimento. Acrescente-se a isto, o fato de que se tratava
de uma reunião de estudo, onde um texto comum aos participantes da reu-
nião permitia este caráter de work in progress que é um dos objetivos do
projeto.
Quanto à exposição daquela noite, ela tinha dois momentos: no pri-
meiro, buscava situar, contextualizar o seminário da Angústia sobre os as-
pectos político, conceitual e clínico. Com este procedimento, procurávamos
demonstrar que a situação clínico conceitual não está distante das questões
políticas do movimento psicanalítico. Além disto, as elaborações que faze-
mos a respeito da formação dos analistas e da passagem de uma experiên-
cia implicam um conhecimento da história e das condições sob as quais a
2
A linha circunscreve o círculo das demandas na busca repetida do objeto. A cada volta não transmissão da psicanálise é feita. O segundo momento trata dos comentá-
o encontra e o objeto se inscreve, no que é pedido numa formulação de linguagem (para os
neuróticos ao menos), como ausente (a-) se reafirma e passa a existir no inconsciente rios a respeito da aula de 27/03/63, tendo por fio condutor a discussão sobre
como ausente; ao mesmo tempo em que cria esse espaço vazio (interna da lingüiça), que só o desejo do analista como fundamental na direção do tratamento.
se organiza porque a linha da demanda o bordeia, lugar onde circula o desejo. Vazio
essencial.
Essa volta interna (do desejo) que não se equivoca com a demanda, Lacan diz no Seminário I
da Identificação que é uma volta a mais que o sujeito não conta (porque é Inconsciente); é o
lugar do engano das cotas. Ele é sempre surpreendido nesse erro de cálculo. Buscando o Iniciamos retomando um comentário feito na jornada de abertura de
objeto só encontra o vazio, o desejo. É outro momento que fala do engano. 2007, onde fazíamos uma referência ao grafo da subversão do sujeito que
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nos é apresentado logo na primeira aula do seminário (14/11/62). A pergunta sua análise com Lacan nesse momento. Neste seminário, comparecem al-
angustiante sobre o che vuoi?, sobre “o que queres? O que quer de mim?”, guns analistas falando, fazendo comentários sobre os textos de
interroga as relações do sujeito com o significante. Além disto, remetia, contratransferência como François Perrier, Charles Melman, e Piera Aulagnier,
como todo o seminário remete, a uma interrogação sobre o desejo. Interro- que estavam sendo entrevistados por essa comissão para falar sobre sua
gação sobre o desejo de uma forma em geral, mas nesse caso aqui, sobre o análise. No momento em que Piera Aulagnier comenta esse texto de Lucy
desejo no que ele concerne ao analista. Essa pergunta (Che vuoi?) que o Tower2, ela havia passado por uma dessas entrevistas. Então vocês podem
diabo convocado – depois transformado em bela enamorada – nos dirige é a perceber que o clima e a condição em que esse seminário se desenvolve é
respeito do nosso desejo enquanto psicanalistas. Assim, como se trata do bem particular, bem singular.
nosso desejo1 na prática, e como ele se situa, temos que tomar essas inter- Do ponto de vista conceitual, pode-se pensar que não é sem razões
rogações e observações que surgem ao longo desta aula a respeito do dese- que o tema a ser discutido com a produção psicanalítica da época é o tema
jo feminino e masculino, de homem e mulher, também com esse subsídio, da contratransferência. Os escritos que falam sobre o tema da contratransfe-
esta moldura. Qual seja; aquilo que está colocado na transferência também rência fazem uma boa e honesta descrição. E se vocês tiverem oportunidade
se constitui como uma interrogação a respeito do desejo do psicanalista. (a revista da APPOA está publicando o texto de Margareth Mead comentado
Mas antes, vamos fazer uma tentativa de contextualizar o seminário no seminário) de ler ou reler esse texto de Lucy Tower e outros, vão ver que
proferido por Lacan durante os anos de 1962-63. Tomamos três aspectos: da essas produções, quando se ocupam da contratransferência, estão marcan-
política, do conceito e da clínica. do muito claramente tudo isso que nós sabemos a respeito das vicissitudes
Para o movimento psicanalítico, os anos 1961/63 são determinantes; no cotidiano da clínica (dos sentimentos do analista, etc). Entretanto, o fio
pois a Comissão da IPA que examina os pedidos de entrada da Sociedade condutor de todas elas, desses artigos e de outros que estão somente cita-
Francesa de Psicanálise (fundada por Lacan, Dolto, Nacht e outros desde dos aqui, é de que se tem alguma coisa que pode denotar, mostrar que há
1953 quando se retiraram da SPP) está em plena atuação. Essa comissão algo da contratransferência do analista em jogo é a angústia. Assim, esse
foi constituída em 1959, mas os fatos cruciais se desenrolam nesses dois tema da angústia era reconhecido como fundamental para se trabalhar as
anos: entre 61 e 63. questões da transferência e também dos efeitos da transferência sobre o
Em janeiro de 1963, a comissão emite um segundo relatório de reco- próprio analista.
mendações que a SFP deveria cumprir e dentre estas novas recomendações Então, do ponto de vista conceitual, é um tema crucial. Para Lacan,
aparece como muito importante que se atente para uma prática lançar uma interrogação sobre como era pensada a contratransferência era
estandardizada, ou seja, que havia gente que desobedecia ao procedimento importante porque isso permitia elaborar conceitualmente, de forma inusita-
standard de 50 minutos por sessão (obviamente Lacan). Vários alunos dos da, o tema da angústia. Trabalhar o tema da angústia do ponto de vista de
seminários e analisandos principalmente eram interrogados a respeito da uma clínica que há pelo menos dez anos estava se fundamentando, come-
2
1
Bem entendido que quando falamos em nosso desejo, não há qualquer tentativa de coletivizar “Counter-Transference”, Lucy E. Tower, in “The Journal of the American Psycho-analytic
o desejo, muito menos do psicanalista. Desejo é falta. Trata-se, justamente, de não recair na Association, 1956, vol IV”. Em francês editado pela ALI, como parte do Livre-compagnon du
armadilha de buscar uma identidade. seminaire 1962-1963 L’ANGOISSE – textes psychanalytiques sur le contre-transfert.
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çava a se plasmar, configurando uma clínica propriamente lacaniana, vamos especular e dual no sentido de causa e efeito. Incluí-lo num modelo com
dizer assim. É por isso que a interpretação, a definição, a conceitualização referência a um terceiro no qual a linguagem é o fundamental e o significante
de angústia, também vai definir uma clínica. Qual é a clínica, e quais são os exerce uma função crucial. Nesse sentido, é que para estar neste lugar
conceitos; pois estes nos permitirão pensar como essas questões que apa- diferenciado e levando em conta a ruptura com essa lógica circular, esférica,
rentemente dizem só respeito à política estão entrelaçadas, encadeadas, o que vai ser o motor, aquilo que vai dirigir a cura, é o desejo do analista.
para usar essa palavra importante a respeito do encadeamento das ordens O reconhecimento da contratransferência e o reconhecimento de que
simbólico, real e imaginário. Para falar nessa clínica, nós teremos que pen- os seus fundamentos são inconscientes é o reconhecimento de que há, em
sar em dois tópicos: jogo, um desejo que permite/possibilita que se conduza o tratamento. En-
Primeiro, interrogar a questão da angústia é trazer à tona como se tão, o desejo do analista – Lacan, em seminário posterior, vai se ocupar
define o objeto pela Psicanálise e, mais especificamente, o objeto de dese- desse desejo dizendo que a condução da cura se dá por ato – mas aqui
jo, ou seja, entra em questão o desejo. Lacan vai fazer essa modificação ainda, o ato analítico se representa através da função do corte. É por isso a
importante na psicanálise a partir do seguinte ponto de vista: é preciso com- questão do tempo das sessões ser altamente questionada; porque o que
preender a contratransferência, não mais a partir de um modelo dual, espe- está em jogo quando é o desejo do analista que conduz uma cura, com a
cular. Vamos esclarecer que os esforços que são feitos aqui, nesses textos função do analista passando de sujeito para objeto, é que há que se funda-
comentados, são trabalhos valiosos, falam de uma experiência rica (Lacan mentar a noção de corte. Este é o segundo tópico que gostaria que fosse
menciona o frescor e o vigor da experiência), não se furtam de se colocar levado em conta nesta contextualização.
diretamente como é a posição dos analistas, quais são as suas interpreta- Gostaria de enfatizar essas duas questões que nós estamos traba-
ções e quais são os seus sentimentos com relação aos pacientes nas mais lhando, e vamos continuar trabalhando ao longo das aulas que estão sendo
diversas situações. Lacan vai acrescentar, dizendo o que é possível, no que discutidas aqui. Uma elaboração clínico/conceitual passa por essas duas,
é preciso avançar. Se é importante ter em conta os efeitos transferenciais pelo menos, por essas duas questões essenciais: a do corte e a da mudan-
sensíveis que fazem com que o analista se angustie, é sumamente impor- ça de posição do analista não mais como sujeito. Onde colocado como
tante sair da posição especular, sair da relação causa e efeito (como se a ideal, o sujeito se confunde com o indivíduo.
transferência provocasse o efeito de contratransferência diretamente), que Então, essa interrogação sobre o desejo do psicanalista talvez seja,
seria eficaz na relação dual. para nós, uma interrogação sobre o que vem a ser o desejo do psicanalista
O que ele propõe, a partir desse momento, é que o analista não está (qual a sua especificidade), mas também sobre qual é o tempo e o lugar
numa posição de sujeito e sim numa posição de objeto, fazendo aparência certo, a posição correta para se fazer o corte eficaz com a palavra, com o
de um objeto causa de desejo. significante.
E é por isso que ele não pode ficar colocado simplesmente numa Lacan, nesse momento (1963), vocês devem estar lembrados, faz
relação contratransferencial positivada, dual, onde o analista seria o sujeito muito tempo que ele vem fazendo um retorno a Freud, completam-se dez
da ação em uma posição de ideal para o outro. anos que ele começou os seminários. Um trabalho gigantesco, sem nenhu-
Trata-se de situar o analista numa outra posição, ou seja, incluí-lo na ma mágica, porque os elementos aos quais ele vai se referir, dizer como é
transferência, mas não incluí-lo só como objeto ideal, somente como par possível se produzir um corte, um corte no sentido, para produzir um novo
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efeito de sentido estão nos textos freudianos. Este encontro com os signifi- Vamos ao seminário. Lacan tinha comentado, na aula anterior, al-
cantes que levaram a Freud escrever “A interpretação dos sonhos” e com guns aspectos do texto de Lucy Tower e aqui retoma, dizendo o seguinte:
isso poder retomar a quebra do sentido e a realização do inconsciente que “Retomo as coisas de nossa Lucia Tower, que me ocorreu tomar como
aparece em “A interpretação dos sonhos”, em “A psicopatologia da vida co- exemplo, por uma certa vertente do que chamarei de facilidades da posição
tidiana”, nos lapsos e nos esquecimentos, na relação com os nomes própri- feminina quanto à relação com o desejo”(pág 217).
os, nos erros e no livro da piada, “O chiste e sua relação com o inconscien- Ora, para um bom psicanalista meia palavra basta. Ele está dizendo
te”, que é onde comparece a verdade sobre uma outra forma, sobre a forma ‘facilidades’ da posição feminina, não falou na mulher nem falou no macho.
da ironia por exemplo, onde podemos reconhecer ou suportar a castração Isso possibilita que a ‘facilidade’ da posição feminina possa concernir tanto
advinda nestes significantes fundamentais como o sexo, a violência e a mor- ao homem quanto à mulher.
te. Este é um esclarecimento que me parece básico por mais que seja
Bem, isso quebra com o sentido, faz um corte. Esses são os nossos repetitivo aqui. Se o desejo é o desejo do Outro, essa posição que espera
elementos básicos para lidar com o corte, ou para fazer corte, ou para sus- que o desejo do outro (semelhante) se expresse para poder se posicionar
tentar um ato como um ato de palavra. pode tanto ter a ver com o homem quanto com a mulher. É nesse sentido
Então, era um pouco esse delineamento geral cujos elementos va- que a posição feminina teria essa ‘facilidade’, digamos assim. E ele acres-
mos acompanhar nessa aula, e nas anteriores também, porque desde a centa: “O termo ‘facilidades’ tem aqui um alcance ambíguo. Digamos que
primeira se falava da questão do desejo do analista. uma implicação ínfima nas dificuldades do desejo permitiu-lhe raciocinar, na
posição psicanalítica, se não de maneira mais sadia, ao menos mais livre-
II mente”.
Então, para recomeçar mais especificamente os comentários sobre a E aí, começa a história do paciente, do relato clínico. Ela fala de dois
aula de 27 de março, agora, eu retomaria a coisa de macho que está coloca- homens, dois pacientes, que não conseguiam dobrá-la (curvar-se como um
da aqui no texto. É uma provocação. Eu vou fazer alguns comentários, não galho, que verga, mas não quebra). Aqui tem uma ironia, que aparece tam-
pretendo ser exaustivo, nem poderia, vou tentar ser conciso para que nós bém no texto de Freud. Logo na página 218, há uma provocação: “Tower
possamos discutir. Um esclarecimento: vamos tomar a edição da Zahar, destaca, igualmente, que nem por um instante a produção disso entrou em
deixando as outras, já existentes em francês, espanhol ou português, que cogitação. Quanto a este aspecto, ela está mais do que suficientemente
circulam entre nós, como textos para esclarecimento ou leitura crítica deste precavida, sabe ware it off, não é nenhum bebezinho – aliás, quando é que
texto estabelecido. Há mais de vinte anos tivemos acesso a uma transcrição uma mulher é um bebê?”
do seminário da angústia e desde este tempo acompanhamos o trabalho Essa é outra ironia: que as mulheres por cuidarem dos bebês, sabem
dos grupos de tradução locais e em vários pontos do Brasil que se ocupam muito mais sobre como cuidar dos homens que os próprios homens. Muitos
desta tarefa de disponibilizar o texto dos seminários em nossa língua. A casamentos estão implícitos ou explicitamente estruturados nestas bases.
discussão dos “textos estabelecidos”, suas pontuações e escolhas sobre o Seguimos no texto: “Mas a questão não é essa. Através dessa retifi-
que fica e o que se exclui da transcrição, somente neste seminário, já daria cação, que lhe parece ser uma concessão, uma abertura feita a ele, o dese-
toda uma outra discussão. jo do analisado é realmente reposto em seu lugar. Ora, a questão toda é que
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esse lugar, ele nunca pôde encontrá-lo. Essa é sua neurose de angústia.” um belo exemplo disso que Lacan está colocando aqui a respeito dessa
Se vocês leram o capítulo, a partir desse momento, o paciente passa posição. Mais tarde, no seminário 20, vai ser trabalhado com relação à posi-
a fazer uma série de reivindicações transferenciais, a partir das quais ela tem ção do falo, daquilo que se organiza através do universal e do existente, que
que lhe dar sua atenção completa, sob risco de que esse paciente poderia se organiza pelo “não-toda”. Aqui, em 1963, Lacan está começando a lançar
se partir, se despedaçar, ou seja, ser tomado por uma angústia, perder a sua quais são as características dessa posição que se organiza a partir do dese-
condição circular na relação de identificação ou de identidade. jo do Outro.
Lacan chega a chamar de surto aqui... em francês eu não sei se ele Ele vai dizer, então, que a busca do homem (e isso está na página
fala de surto exatamente. Mas, de qualquer forma, essa reação desproporci- 219), que o objeto da busca para o desejo masculino é aquilo que falta a ela,
onal faz com que ela se sinta escrutinizada, perscrutada, minuciosamente o que ele procura é o “menos fi”, aquilo que falta no Outro. E o que ele tem
examinada, pedacinho por pedacinho. que fazer é o luto. O luto desse objeto de busca que não vai ser encontrado.
Sobre essa busca, essa exigência, essa demanda toda, podemos ler Ou seja, o amado não sabe qual é o objeto adequado para seu amante. Por
na pág. 219: isso, podemos pensar que Lacan está se referindo, aqui, que quando a ana-
“Que significa isso senão que, havendo procurado o desejo do ho- lista pensa que qualquer passo em falso que ela dê, disso depende a vida do
mem, o que ela encontrou nele como resposta não foi a procura do desejo seu paciente, depende sua desestruturação ou não, quando a analista sai de
dela, mas foi a procura de a, do objeto, do objeto verdadeiro, daquilo que se férias se dá conta que não aconteceu nada e que se despreocupou comple-
trata no desejo, que não é o Outro, mas esse resto, o a? Foi o que ela tamente e que tudo não tinha grande importância. Isso é surpreendente para
mesma chamou de ter mais masoquismo do que eu supunha”. ela. Ela pode perceber, que isso não era bem com ela, era com alguma coisa
Lacan acrescenta que isso não tem nada a ver com masoquismo, vide que a ultrapassava.
as aulas em que ele trabalhou a posição masoquista e sua diferença com o Trata-se do objeto, mas representado pela castração imaginária. Aqui
sadismo. não está, mas nas outras lições vocês vão encontrar como Lacan volta à
Mas então, quando a gente está falando aqui desta facilidade, da po- questão dos dois vasos que foram examinados nas versões anteriores. O
sição de se ajustar a um objeto que seria a causa do desejo, que não está que se busca no fundo do vaso... E as fantasias a respeito do que se encon-
nela e que a atravessa, mais uma vez questiona, ironiza e interpreta a posi- tra no fundo do vaso, no fundo do corpo do outro, e que isso pode balizar a
ção do macho. Essa expectativa de ser conduzido pelo desejo do outro até potência ou a impotência dos homens, o prazer ou a frigidez das mulheres.
o que falta a ele, poderia ser examinada não só com esse tema aqui, com A fantasia, vamos dizer assim, a respeito do que está lá dentro, lá no fundo.
esse exemplo, mas também com o filme “O Passado”, dirigido por Hector A análise desse homem é refazer a sua neurose, é fazer o luto por aquilo que
Babenco (baseado no livro de Alan Pauls). Quem assistiu deve se recordar o ele procura e não vai encontrar.
quanto esse filme é angustiante, justamente porque ele mostra essa relação “Ele tem que fazer o luto de encontrar em sua parceira sua própria
com o desejo do Outro, do lado do homem. Vocês estão lembrados, o filme falta, menos fi, a castração primária, fundamental no homem”. (pág. 219)
de Babenco faz com que haja um homem cujo desejo é sempre a expressão “Uma vez que ele tenha feito esse luto, tudo correrá bem diz-nos Lucia
do desejo do outro o tempo todo. Ele pode parecer misógino, pode parecer Tower. Que significa isso, senão que poderemos encontrar com esse ho-
mais do lado da homossexualidade... o que vocês quiserem... mas eu acho menzinho, que nunca atingira esse nível até então, no que vocês me permi-
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tirão chamar, no caso, de comédia edipiana? Poderemos começar a nos adulescentula, a começar pelo exibicionismo e, por trás dele, a cena primá-
divertir – foi papai quem fez isso tudo.” (pág. 220) ria. É de outra coisa que se trata.” Não ficam rastros do ponto de vista dessa
Se divertir com isso é uma outra forma de interpretar a famosa frase apresentação, dessas representações, mas do ponto de vista do inconsci-
de Freud no final de “Análise terminável e interminável”: wo es war, soll Ich ente, deixa marcas. E, para lidar com essas marcas, Lacan vai afirmar, na
werden. Em termos de tradução, fazer o luto é, um pouco, reinterpretar a primeira aula ou na segunda desse seminário, que o homem é o único ani-
expressão freudiana: “onde o Isso estava, o Eu deve advir”. O reconhecimen- mal que para apagar os seus rastros tem que mostrar a borracha com a qual
to dessa falta constitui o nosso trajeto, o encontro de cada um com o ele está apagando. Ele tem que mostrar com palavras quais são as outras
significante de uma falta no Outro. significações possíveis para essas marcas que ficaram e que inicialmente
Tanto que, na página 220, podemos ler na metade da página: estavam lá, mas não tinham palavras. Mas o que é mais interessante, aqui,
“Pois bem, o que havia antes era a falha.” (falha no sentido de pecado, é lidar com o fato de que se trata de um recobrimento, de um apagamento
de fault) “Ele se curvava sob o fardo, sob o peso de seu menos fi. Era desme- primeiro. Ou seja, da águia que passou no céu, não tem mais nenhum vestí-
didamente pecador – lembrem-se da utilização que fiz, em certa época, des- gio. Ela não deixa fumaça como os jatos deixam. Mas, ao mesmo tempo,
sa passagem de São Paulo”. nós nos colocamos alguma outra forma de trajeto nessa passagem. Alguma
Ou seja, enquanto curvado pelos efeitos imaginários da castração, coisa passou e, a partir daí, surgem todas as rememorações. O significante
pelos efeitos de culpabilidade, de pecado, de não ser um santo, a história da tem materialidade.
neurose podia prosseguir. E aqui retomo uma questão com relação a Freud, que é a discussão
Confrontar-se com o fato de que não ia encontrar a resposta universal sobre o penisneid.
para essa culpabilidade era seu trabalho de análise. Mesmo que muitas vezes “É claro que, também pra ela, existe a constituição do objeto a do
se encontrar com o desejo não seja agradável, não deixa de ser a tarefa de se desejo. Ocorre que as mulheres falam. Podemos lamentá-lo, mas é um fato.
reencontrar com esse desejo, com esta falta, um trabalho de análise. Portanto, ela também quer o objeto, e até um objeto na medida que ela não
Seguimos no texto: “A mulher não tem nenhuma dificuldade e, até o tem. É justamente isso que Freud nos explica: sua reivindicação do pênis
certo ponto, não corre nenhum risco ao investigar o que acontece com o permanece essencialmente ligada, até o fim, à relação com a mãe, isto é,
desejo do homem”. com a demanda. É na dependência da demanda que o objeto a se constitui
E, aqui, tem uma passagem bonita, quando ele lembra a passagem para a mulher. Ela sabe muito bem que no Édipo não se trata de ser mais
de Salomão, dizendo que: forte ou mais desejável que a mãe – pois se dá conta, bem depressa, que o
“Há quatro coisas sobre as quais nada posso dizer, porque não resta tempo trabalha a seu favor –, mas de ter o objeto. A insatisfação intrínseca
nenhum vestígio delas – (...) o sulco da águia no céu, o da serpente na terra, que está em jogo na estrutura do desejo é, digamos, pré-castradora. Se lhe
a do navio no mar, e o vestígio do homem na menina.” sucede interessar-se pela castração”... sempre a castração aqui imaginária
Em latim: viam viri in adulescentula. Não é bem menina, é na adoles- como tal... “é na medida em que ela entra nos problemas do homem. Isso é
cente. Nenhum vestígio. secundário. É deuterofálico, como o formulou Jones, com muita justeza.”
“Trata-se aí do desejo, e não do que advém quando é o objeto como tal Um pouco mais adiante: “Quanto à mulher, é inicialmente o que ela
que se faz valer. Logo, isso deixa de lado os efeitos de muitas coisas na não tem o que constitui a princípio o objeto do seu desejo, ao passo que no
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homem trata-se daquilo que ele não é e no qual falha”. Ora, nós passamos um homem que tenha, que o tenha. Mais ainda, que ele tenha sempre, que
muito tempo, isso pode parecer bater em ferro frio, mas acho que vale a pena não possa perder. O que a posição de Don Juan implica na fantasia, justa-
tentar, enfim, tomar esta relação com o penisneid da mesma forma que nós mente, é que nenhuma mulher pode tirar-lhe isso. É isso que ele tem em
tomamos a noção de fantasia inconsciente. Não tem representação. As re- comum com a mulher, de quem é claro não se pode tirá-lo, já que ela não o
presentações que se fazem são posteriores ao que falta. Então, não interes- tem. E, ele sai com essa observação a respeito: “O que a mulher vê na
sa se é o pênis ou não é. Vamos buscar um outro exemplo: como, em homenagem do desejo masculino é que esse objeto – sejamos prudentes
determinados momentos aparece bastante, porque na contratransferência, em nossos termos – se torna uma propriedade sua. Isso não quer dizer nada
todos os textos afirmam, a angústia do analista e todas as fantasias sexuais além do que acabo de formular, que ele não se perde. O membro perdido de
que o analista possa ter com relação ao seu ou sua paciente, não importa de Osíris, tal é o objeto da angústia e da guarda da mulher. Este mito fundamen-
que grau. O reconhecimento consciente de qualquer fantasia já é da ordem tal da dialética sexual tanto no homem quanto na mulher é suficientemente
do imaginário, porque no fundo o que interessa é que essa fantasia original, acentuado por toda uma tradição. A experiência psicológica da mulher... diz-
ela só pode se escrever, porque ela vai recobrir uma falta. Da mesma forma, nos que a mulher nem sempre acha que um homem se perde com outra
imaginarizar o pênis, as diversas representações do falo ao longo da história, mulher. Don Juan lhe assegura que há um homem que não se perde em
são essas formas de colocar representações naquilo que não está, naquilo nenhuma situação” (pág 222). Ao que nós poderíamos acrescentar: a não
que falta. E, por isto mesmo, desejado. Daí que, quando as pessoas se autori- ser com a mãe, com a primeira.
zam ao exercício da sua fantasia, elas estão se autorizando a um exercício
possível. Porque, no fundo, quando se fala disso, está começando a colocar Comentário: – (pouco audível) ... de uma mulher... que um homem não
formas de representação, em palavras, naquilo que é possível se fazer, etc, se perde. ... se perde...Um homem pode se perder... Disso, que a mulher nem
etc. E bem entendido, novamente, para o homem, “trata-se daquilo que ele sempre acha que um homem se perde com outra mulher. Tu estás dizendo
não é no qual falha.” Porque do ideal nós estamos sempre aquém. que ela sempre pode achar que um homem se perde com outra mulher.
E foi por essa razão que Lacan vai dizer que ele precisa avançar pelo Esta questão eu acho que ela é mais correta. Porque isso daria essa
caminho da fantasia de Don Juan. O “grande sedutor” (el burlador de Sevilla) possibilidade de dizer então, que sempre tem outra mulher por trás.
é bem esse exemplo que trata, de uma outra maneira, da facilidade da
posição feminina. Porque, justamente, ele está sempre pronto para outra. Comentário: – (pouco audível) ...
Está sempre pronto para próxima. In Itália Mille y tré. In Alemanha quinhento
quarenta, mais ou menos. Exatamente.
Seiscentos e quarenta. Deixamos uma centena de lado. (risos) Se a É aqui que muda o acento. Ao invés de achar que ela na maioria das
fantasia de Don Juan é uma fantasia feminina é por corresponder ao anseio vezes acha que um homem se perde com outra mulher, e nem sempre acha,
da mulher de uma imagem que inverta a função, função fantasística, de haver pode haver uma que não.
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Comentário: – (pouco audível)... esta relação dos egípcios com o povo judaico. Com a diferença de que, para
os egípcios, não tinha essa relação da aliança, porque os egípcios, pelo
Aqui, acho importante poder pontuar isso. menos, na época de Moisés não eram monoteístas. Vocês estão lembrados
A este respeito da subjetividade francesa, ou melhor da diferença de de tudo isso que Freud fala a respeito do surgimento e do desaparecimento
estilo entre uma cultura e outra. No caso, francesa e inglesa. Se vocês tive- do monoteísmo no Egito. E de como isso fica como se fossem restos arque-
ram oportunidade observar o texto em inglês é muito mais descritivo e direto. ológicos. Toda essa história de “Moisés e o monoteísmo”, mas aqui já está
Por exemplo, nessa história de se perder. Ou no uso da terminologia a res- colocado o início, a função a respeito do que, qual era a função do corte do
peito da sexualidade, é muito mais direto. A autora descreve os seus senti- prepúcio para os egípcios, talvez tivesse mais relação com o asseio, alguma
mentos, os seus afetos, sexual affection, com muito mais discrição, ou melhor, forma de estética, e que função ele vai ter, essa função de assegurar a alian-
indiscrição. O que no texto em francês fica um pouco mais nuançado. Eu até ça com Deus através do corte de um pedaço de carne. Uma libra de carne,
fiz uma observação, hoje à tarde, de quando se falasse dos sentimentos, de que era impossível de ser tirada. Nesse caso aqui, é necessário ser retirada,
afetos, de sexualidade, para um francês falar de sentimentos e afetos em para simbolizar algo que é da ordem do impossível também, mas necessá-
geral já está implícito, digamos assim, a sexualidade. A autora, não, ela rio. Então, no final da página 222,... retorna: “Eis-nos reconduzidos ao pro-
coloca claramente que se pode ter ódio, amor, pode ter tesão, nojo, etc, é blema anterior, ou seja, o que podemos articular da relação do homem com
mais descritiva nesse sentido. estes diversos objetos a. Como ele se propõe ou impõe e dos quais se
dispõe mais ou menos, como aquilo que dá ao objeto do desejo seu status
Comentário: – ... supremo em sua relação com a castração”. Acho que aqui é uma das ques-
tões da aula e também do seminário. “O que podemos articular com a rela-
Exatamente. Bem, nós estamos no meio da lição. E, eu queria ir junto ção do homem, com os diversos objetos a, tais como eles se propõem ou se
com vocês mais um pedacinho só, porque eu acho que no final da página impõem e dos quais se dispõe mais ou menos, como aquilo que dá ao objeto
222, tem uma das questões importantes. Além disso, de ficar repassando a do desejo seu status supremo em sua relação com a castração.”
posição feminina e masculina, que mais tarde, vai retomar isso. E mesmo A partir daí ele vai retomar o estágio do espelho, a relação da menina
com toda essa mitologia do membro perdido de Osíris, se vocês se lembra- que se olha, bonita representação. O objeto da garotinha com a mão pas-
rem do comentário de Lacan sobre “O império dos sentidos”, no seminário sando rapidamente sobre o gama, a letra gama, da junção do ventre com as
XX, a cena final de “O império dos sentidos”, corta o objeto mitológico literal- duas coxas. E que o menino pobrezinho, olha para a torneirinha problemáti-
mente. Em que, em última instância, o objeto de desejo, agarrado e cortado, ca. (risos) “desconfia vagamente que há uma esquisitice ali. Depois será
retoma essa mitologia egípcia, que é a que ele vai retomar para falar um preciso que aprenda e o faça a suas custas, que aquilo que ele tem ali não
pouco ao final dessa aula, a respeito da função da circuncisão e do corte do existe, comparado com os que tem papai, os irmãos mais velhos, etc. Vocês
prepúcio tanto como fiel da aliança, da renovação, ou pelo menos da conhecem toda a dialética inicial da comparação. Depois, ele aprenderá que
reafirmação da aliança com Javé, e toda a história do sacrifício de Isaac. isso não só não existe como não quer saber de nada, ou mais exatamente,
Lacan vai perguntar como se articula o monoteísmo, justamente porque a só faz o que lhe dá na telha.” Tem vida própria, pensa com a própria cabeça.
tradição do corte do prepúcio remontaria aos egípcios. Ou, pelo menos, a (risos) “Em síntese, ele terá que aprender passo a passo, a partir da experi-
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ência individual, a riscá-lo do mapa de seu narcisismo, justamente para que LA NÉVROSE D’ABANDON
isto possa começar a servir para alguma coisa”. O que é subverter a noção
do senso comum do narcisismo. É se deixar lançar completamente numa GUEX, Germaine. La névrose d’abandon. Presses
Universitaires de France: Paris, 1950. 141p.
fantasia que ele desconhece da sua representação. Ou seja, sair dessa
O
relação especular com o outro. interesse no estudo sobre o abandono
“Não digo que isso seja simples. Seria insensato atribuir-me tal idéia. não é recente. Em nosso contexto, tor
Porque é claro, naturalmente, há também a questão de que quanto mais se naram-se conhecidos os trabalhos de
empurra a coisa para o fundo, mais ela volta à tona. Essa brincadeira, afinal, Renè Spitz e Jonh Bowlby, que se ocuparam
é o princípio do apego homossexual, ou seja, estou brincando de quem desse tema desde os anos 40. Esses autores
perde, ganha. Com isto, dou-lhes apenas uma indicação, mas que se ligará centraram-se na observação e na descrição dos
ao que foi possível apontar-lhes da estrutura fundamental do que é ridicula- efeitos subjetivos que o afastamento provisório
mente chamado de perversão. A todo instante, no apego homossexual, o ou definitivo dos familiares, especialmente os
que está em jogo é a castração. Esta castração, o homossexual a assume. pais, produzia na vida das crianças pequenas.
É o – φ (a castração imaginária) que é o objeto da brincadeira. E é na Na mesma época, realizavam-se na Sor-
medida em que perde que ele sai ganhando”. Ou seja, tenta não perder nada. bonne os estudos que Germaine Guex, sob orientação de Daniel Lagache,
Mesmo que possamos nos referir ao seminário XX e suas fórmulas da desenvolveu a respeito dos efeitos do abandono em sujeitos adultos, resul-
sexuação, acho importante ressaltar estas afirmações sobre a homossexu- tando na publicação, nos anos 50, do livro intitulado “A neurose de abando-
alidade. Estamos na década de 60, quando a Associação Médica ainda não no”.
tinha retirado a homossexualidade da rubrica da perversão. Lacan demons- Diferente de Spitz e Bowlby, Germaine Guex volta seu interesse para
tra que não tem nada a ver com a perversão. Tem a ver com a castração. o sujeito adulto, tomando o abandono enquanto uma neurose específica cuja
Com a forma com que cada um de nós se enfrenta com ela. E com que origem remeteria aos primeiros tempos da constituição psíquica. O estudo
representação cada um de nós faz do objeto, a possibilidade de acesso a dessa psicanalista não interroga se o sujeito viveu ou não situações de aban-
uma das formas do objeto do desejo. dono reais durante a infância. Afirma que, em sua experiência clínica, as
Isto parece básico para podermos continuar a discutir. repercussões psíquicas são idênticas, quer o sujeito tenha sido frustrado na
realidade dos cuidados, das atenções e do amor dos pais, quer tenha ape-
nas acreditado sê-lo.
Guex utiliza a expressão abandonnique para designar os sujeitos dos
quais se ocupou e para traduzir melhor a idéia de existência de um estado
psíquico dominado pelo que chamou de “angústia de abandono”. Ela preferiu
não utilizar o termo ‘abandonado’ por considerar que poderia dar ao senti-
mento de abandono uma realidade por demais objetiva, o que não constituía
seu propósito.
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RESENHA RESENHA
O livro é constituído de apenas 4 capítulos: no primeiro, a autora apre- máticos de tal estudo, mas não deixou de reconhecer a necessidade de
senta a tese de como que se configura uma “neurose de abandono” num aprofundamento do tema, dada a sua importância em termos psicanalíticos.
sujeito neurótico adulto; no segundo, estabelece relações entre esse tipo de A contextualização histórica desse estudo é, pois, um ponto necessário
neurose e outras sintomatologias; no terceiro, busca formular o que conside- para o entendimento das questões conceituais que constituem o argumento
ra serem as causas iniciais de uma neurose de abandono; e no quarto capí- de sua autora e que marcaram a pesquisa e o exercício clínico psicanalítico
tulo recomenda uma “direção de tratamento” para esse tipo de neurose. Nas da época, particularmente o eixo dirigido por Lagache.
conclusões, Guex faz algumas críticas ao que nomeia de “método analítico A leitura do livro La nèvrose d’Abandon, de Germaine Guex nos tem-
clássico”, que, na sua opinião, não alcança os sujeitos afetados pela neuro- pos atuais me parece ainda produtiva, uma vez que o nosso viver contempo-
se de abandono. Em todos os capítulos, a autora traz material clínico de râneo engendra formas diversas de sofrimento, entre as quais não podemos
situações de tratamentos por ela conduzidos, nos quais procura ancorar deixar de lembrar a do abandono, seja em configurações mais evidentes ou
seus argumentos. mais sutis.
Por ocasião da segunda edição do livro, em 1973, Guex reformula
algumas idéias iniciais. Reconhece a dificuldade de sustentação do abando- Iranice Carvalho da Silva
no como uma neurose específica e propõe a idéia de síndrome, o que resulta
inclusive na mudança do título de neurose para “Síndrome do Abandono”.
Passados mais de 50 anos, o estudo dessa psicanalista ainda pode
nos trazer elementos de reflexão importantes sobre o tema do abandono em
psicanálise: primeiro, porque esse estudo pode ser considerado a primeira
tentativa de que se tem notícia do deslocamento do tema do abandono do
registro da realidade fenomenológica para o da experiência psíquica – Guex
toma a realidade psíquica como eixo de sua investigação, e não os fatos de
realidade; segundo, porque nos traz uma amostra do modo peculiar de fazer
pesquisa psicanalítica na universidade àquela época. Nesse sentido, o estu-
do da psicanalista pode ser considerado um clássico que, como tal, pode
conter elementos importantes para uma reflexão atual sobre a prática da
pesquisa psicanalítica no contexto universitário.
Lacan (1957)1 , ao tomar conhecimento do livro de Guex em uma reu-
nião da Sociedade Francesa de Psicanálise, sublinhou os aspectos proble-
1
O texto disponível no site www.ecole-lacanienne.net.documents/1957-05-07.doc traz uma
discussão do livro de Germaine Guex apresentado por Juliette Favez-Boutonnier, em uma
reunião da Sociedade Francesa de Psicanálise, em que estão presentes vários psicanalis-
tas, entre eles Lacan e Françoise Dolto.
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EDITORIAL 1 N° 166 – ANO XV MARÇO – 2007
NOTÍCIAS 3
SEÇÃO TEMÁTICA 20
SEMINÁRIO “A ANGÚSTIA”,
AULA DE 12 DE DEZEMBRO DE 1962
Liz Nunes Ramos 20 O SEMINÁRIO “A ANGÚSTIA”
SEMINÁRIO “A ANGÚSTIA”,
AULA DE 27 DE MAIO DE 1963
– COMENTÁRIOS
Robson de Freitas Pereira 35
RESENHA 51
LA NÉVROSE D’ABANDON 51
AGENDA 54