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APLICADA
AO CUIDADO
Introdução
A psicologia é um campo de estudo muito antigo, a qual existia mesmo
quando o conjunto de processos psíquicos eram considerados alma,
espírito e mundo das ideias. Em épocas remotas, é provável que o caráter
psicológico, como o descrevemos hoje, não tenha sido atribuído aos estu-
dos e práticas do pensamento e dos ânimos relacionados ao ser humano
em virtude de fazer parte das crenças e dos assuntos filosóficos. Por ser
difícil a apreensão de sua totalidade e materialidade, a psicologia tornou-
-se, aos poucos, um campo vasto, obscuro, diversificado e divergente.
No entanto, apesar de a história da psicologia remontar à Antiguidade
em diversos tipos de culturas, autores modernos consideram o início da
psicologia como ciência a partir da inauguração do primeiro Instituto de
Psicologia, em 1879, em Leipzig, na Alemanha, por Wilhelm Wundt. De lá
para cá, várias correntes de pensamento, teorias e metodologias surgiram
para tentar dar conta de explicar os fenômenos desse amplo campo de
estudos, indo das mais tradicionais, como a psicologia experimental,
a psicologia cognitiva e a psicanálise, até as mais modernas, como a
psicolinguística, a psicopedagogia e a psicologia da saúde, senda esta
última o tema deste capítulo.
2 A psicologia da saúde: aspectos teóricos e campo de atuação
A psicologia humanista
A psicologia humanista surgiu no século XX (GOMES; HOLANDA; GAUER,
2004), amparada por um movimento social mundial de valorização da vida
de cada ser humano, que culminou na redação da Declaração Universal dos
Direitos do Homem e na criação da Organização das Nações Unidas (ONU),
em 1948, concretizando, juridicamente, o Humanismo enquanto campo que
toma o homem como um ser autônomo e consciente de si.
Nos Estados Unidos, entre 1930 e 1950, vários estudiosos das mais célebres
universidades, como Maslow, Allport, Murphy e Rogers, abriram espaço para
a definição de uma humanização do saber sobre o homem, a saúde e o bem-
-estar, criticando o modelo determinista biológico. Nessa época, a psicologia
humanista acreditava que o desenvolvimento era possível por meio das rela-
ções interpessoais que os seres humanos apresentam durante a vida. Maslow
destacava a importância da re-humanização da ciência; Murphy apelava
para um direcionamento do enfoque para as questões biossociais do homem;
Allport via o homem como um organismo ativo e acreditava no conceito de
motivos fundamentais, que orientam o homem para o futuro; e Rogers definiu
três níveis de intervenção do psicólogo humanista: na educação, no trabalho
organizacional e na psicoterapia. Este último inaugurou a psicoterapia centrada
na pessoa, destacando a importância central da terapia no cliente, e não na
figura do analista, não mais dando destaque à transferência psicanalítica.
No Brasil, a psicologia humanista foi inaugurada em 1970, com base nas
traduções dos estudos de Carl Rogers, na definição do aconselhamento psi-
cológico e na psicologia humanista existencial.
O texto Psicologia Humanista no Brasil (GOMES; HOLANDA; GAUER, 2004), além da história
da psicologia humanista no Brasil, trata da criação da influência da abordagem centrada
na pessoa de Carl Rogers, das vertentes que compunham os estudos e as metodologias
e do que ainda vigora em termos de prática nas diversas áreas aplicadas à psicologia.
4 A psicologia da saúde: aspectos teóricos e campo de atuação
Como visto, a partir da década de 70, houve uma grande expansão teórico-
-metodológica no campo da psicologia voltada para a área da saúde. A me-
dicina social, que vigorava desde a época inicial da Revolução Industrial, e
outras correntes que configuram o abrangente e polêmico campo de atuação
em psicologia aplicada à saúde apresentavam características comuns, no
sentido de serem tentativas de romper com o antigo modelo mecanicista
hegemônico da concepção de saúde, mas também apontavam divergências
de posicionamento, terapêuticas, concepções teóricas e práticas de atuação
nas instituições de saúde.
A medicina social surgiu como uma forma de controle da população, com
base na articulação entre medicina e estado, com o capitalismo em plena as-
censão. Estava estritamente articulada com a medicina do trabalho. Segundo
Foucault (1988 apud MONTAGNER, 2008), a medicina social seria resultado
do desenvolvimento de técnicas, maneiras e saberes cujo objeto é o mundo
social. Assim, como tecnologia aplicada às sociedades, ela surgiu como controle
dos modos de viver dos indivíduos, uma espécie de vigilância que atrelava o
saber médico ao social. Segundo Montagner (2008, p. 195), a aplicação dessa
ideia seguiu várias direções, adaptando-se “[...] às condições políticas, sociais
e econômicas de cada país onde tomava corpo [...]”.
No Brasil, a psicologia social se dividiu em diversos tipos de abordagem,
como a epidemiologia, a vigilância em saúde e a saúde coletiva. Além da ex-
pansão da medicina social, que abriu espaços para a concepção e a construção
de práticas psicológicas no campo da saúde, pode-se destacar outras principais
linhas de pesquisa da psicologia que influenciaram modelos e campos de
atuação em saúde: psicologia social, psicologia comportamental, psicologia
fenomenológica existencial e psicanálise.
Orientados por esses campos mais amplos da psicologia, novos movimentos
e tendências nas áreas médicas e de psicologia surgiram. É possível identificar
quatro modelos teórico-metodológicos de atuação em psicologia da saúde a
partir da década de 70: medicina comportamental, medicina psicossomática,
psicologia médica e psicologia hospitalar. Além disso, na prática, são utili-
zados diversos métodos aplicáveis aos estudos e práticas em psicologia da
saúde, métodos estes oriundos da sociologia, da filosofia, da antropologia,
da medicina, da psiquiatria, entre outros.
A psicologia da saúde: aspectos teóricos e campo de atuação 7
O ambiente ecológico [...] deve ser concebido topologicamente como uma or-
ganização de estruturas concêntricas, cada uma contida na seguinte” (BRON-
FENBRENNER, 1996 p.18). Esse conjunto de estruturas, que no dizer do autor
parece lembrar um jogo de bonecas russas encaixadas uma dentro da outra,
interferem mutuamente entre si e afetam conjuntamente o desenvolvimento
da pessoa. Cada uma das estruturas é chamada pelo autor de: micro-, meso-,
exo- e macrossistema (MARTINS; SZYMANSKI, 2004, p. 64–65).
Macrossistema
Exossistema
Mesossistema
Microssistema
Considerando tudo o que foi discutido até aqui sobre o conceito ampliado
de saúde, que não mais restringe a pessoa enferma a um corpo biológico
e às causas físico-patológicas de sua doença, e o modelo bioecológico de
Bronfenbrenner, pode-se compreender por que tantos autores que trabalham
em saúde pública e em psicologia da saúde vêm utilizando cada vez mais esse
modelo para sua prática, suas pesquisas, seus estudos e revisões políticas, até
mesmo na gestão em saúde.
Ao comparar o conceito ampliado de saúde — que defende que o ser
humano tem de ser pensado em uma rede de necessidades básicas humanas
que influenciam diretamente sua saúde e qualidade de vida, como habitação,
transporte público, acesso à cultura, entre outros —, o modelo bioecológico
— que defende que o ser humano se desenvolve em uma rede de inter-relações
que estabelece com os níveis de ambientes (familiar, escolar, estatal e cultural)
— e os processos proximais — que definem suas posturas e ações frente à
A psicologia da saúde: aspectos teóricos e campo de atuação 13
Medicina psicossomática
A medicina psicossomática aparece como uma especialidade médica, de-
bruçando-se sobre doenças determinadas por fatores emocionais, mas que
podem ser compreendidas à luz do trabalho analítico. Segundo Eksterman
(1975 apud ALMEIDA; MALGRIS, 2011), é possível resumir a medicina
psicossomática em alguns aspectos fundamentais: a doença é estudada em sua
dimensão psicológica, o que pode ser conseguido por meio da interpretação
dos conflitos inconscientes; o médico, psiquiatra, psicanalista ou psicólogo
A psicologia da saúde: aspectos teóricos e campo de atuação 15
O livro Psicossomática hoje, do autor Mello Filho e Burd (2009), um dos precursores
da corrente no Brasil, contempla reflexões que explicam a formação do campo da
psicossomática no Brasil, bem como o que orienta as práticas dos psicólogos na saúde.
Psicologia médica
A psicologia médica é inaugurada pelo psicanalista húngaro Balint, também
preocupado com a relação médico-paciente. Nessa linha, Schneider (1971
apud ALMEIDA; MALAGRIS, 2011), o médico/psicanalista se preocupa com
a relação médico-paciente. Mello Filho e Burd (2009) afirma que a psicolo-
gia médica desvia o foco da patologia (doença) em direção à terapêutica, à
atuação clínica. O autor afirma, ainda, que esse é um campo de estudo sobre
as relações humanas, visando à compreensão do homem em sua totalidade.
O saber do médico permanece no comando, o qual, por meio da sua terapêutica,
desvelará o diálogo mente-corpo no processo do adoecimento. Nesse sentido,
os demais profissionais de saúde estão apenas assistindo o médico, pois é o
saber médico que determina toda a linha terapêutica.
Segundo Brandt (2009, p. 51), “Balint adotava em sua clínica psicanalítica
um posicionamento de disponibilidade além do que era comum nos analistas
[...]”. Este enfoque também era defendido por Ferenczi: o paciente considerado
“difícil”, regredido, não pode ser alcançado no nível da linguagem adulta, que
prevalece no complexo de Édipo. Essa regressão básica aparece no nível da
linguagem próxima ao mundo das sensações e dos afetivos, ao passo que a
linguagem adulta soa enigmática, uma linguagem comparada com a de um bebê
que busca satisfação e com a da mãe, que também se satisfaz com essa relação.
Segundo o autor, na contramão da clínica individual proposta por Balint,
alguns adeptos criaram trabalhos em grupo. Brandt (2009) defende que o
trabalho grupal, fundamentado na contratransferência da figura do relator
como um terceiro ausente, que possibilita um insight, a compreensão das
formas de relacionamento no grupo.
A psicologia da saúde: aspectos teóricos e campo de atuação 17
Medicina comportamental
Segundo Almeida e Malgris (2011), a medicina comportamental é uma ciência
da saúde que se utiliza de técnicas de modificação de comportamento para a
prevenção, o tratamento e a reabilitação da saúde. Afirma-se que grande parte
das doenças estão associadas a comportamentos disfuncionais (maus hábitos).
Segundo Neves Neto (2004 apud ALMEIDA; MALGRIS, 2011), as linhas
de pesquisa da medicina comportamental se aplicam à cognição, à emoção
e ao comportamento humano. O autor defende, ainda, que os métodos das
teorias psicodinâmicas não são pragmáticos (úteis, relevantes e aplicáveis na
realidade), uma vez que os processos saúde e doença são determinados por
múltiplos fatores.
A medicina comportamental aposta na intervenção interdisciplinar nas
práticas em saúde, uma vez que o ser humano é visto como um sujeito biop-
sicossocial, em que o biológico é o somático, o psicológico, o comportamento,
e o social, o ambiente externo. Barletta (2010) caracteriza que o campo da
medicina comportamental surgiu com Schwartz e Weiss, em 1977. Segundo a
autora, a medicina comportamental tem por base “o estudo do comportamento
e foca na avaliação, tratamento e prevenção de doenças físicas e disfunções
fisiológicas”. A autora defende, ainda, que esse pensamento não aceita a di-
cotomia mente e corpo, entendendo o homem como um todo. Vários estudos
em medicina comportamental apontam para a relação entre comportamentos
inadequados, estilos de vida e problemas de saúde.
Matarazzo (1984 apud BARLETTA, 2010) define os comportamentos
de saúde de duas formas: alguns comportamentos são prejudiciais à saúde
(patogênicos); outros como comportamentos são de proteção à saúde. Além
disso, existem duas fontes de respostas psicológicas que influenciam os com-
portamentos saudáveis: uma direta, agindo para aumentar as habilidades de
enfrentar e manejar o estresse, a favor da proteção à saúde; e outra indireta,
a mediação cognitiva, que pode ocorrer nas tomadas de decisão e nos com-
portamentos de aceitação e adesão aos tratamentos.
As práticas em psicologia da saúde com base na medicina comportamental
aumentaram muito nos últimos anos, concorrendo com as práticas psicoterá-
picas de orientação psicanalítica e psicossomática.
18 A psicologia da saúde: aspectos teóricos e campo de atuação
Psicologia hospitalar
A psicologia hospitalar é muito praticada no Brasil e possui diversas abor-
dagens. Segundo o Conselho Federal de Psicologia (2010 apud ALMEIDA;
MALGRIS, 2011), o psicólogo hospitalar atua nos níveis secundários e ter-
ciários nas instituições de saúde, realizando atendimento individual ou em
grupo e pronto-atendimento em ambulatório, enfermarias, unidades de terapia
intensiva, psicodiagnóstico, consultoria e interconsulta.
Segundo Simonetti (2004 apud ALMEIDA; MALGRIS, 2011), a psi-
cologia hospitalar é considerada um campo científico de intervenção nos
aspectos psicológicos em torno do adoecimento ou da dimensão afetiva/
emocional relacionada a uma enfermidade. Pode ser considerada uma es-
pecialidade que atua segundo sua prática psicológica não só com pacientes,
mas também junto aos familiares e com a equipe multiprofissional. Segundo
Bruscato (2004 apud ALMEIDA; MALGRIS, 2011), o psicólogo que atua no
ambiente hospitalar deve resgatar a singularidade do paciente em situação
de enfermidade.
Mattos (1999) defende que o trabalho do psicólogo clínico no hospital geral
é oferecer escuta à subjetividade do paciente, que se encontra pulsante no
contexto da internação, mas que geralmente é silenciado pelo saber médico,
um saber que se acerca do corpo fisiológico. Além disso, o psicólogo hospitalar
trabalha na recuperação da saúde, em um trabalho interdisciplinar, podendo
oferecer escuta diferenciada também à família.
Romano e Ismael (1999, 2005 apud ALMEIDA; MALGRIS, 2011, p. 195)
afirmam que “[...] o psicólogo ainda deve conhecer a doença do paciente
a quem ele presta atendimento, além de sua evolução e prognóstico [...]”.
De acordo com essa concepção, o profissional deve acompanhar a evolução
do paciente quanto aos aspectos emocionais trazidos pela situação do ado-
ecimento. Além disso, pode atuar educando e conscientizando o paciente
e a família sobre o contexto da doença e as formas de tratamento. Dessa
forma, o trabalho do psicólogo junto a equipe de saúde é facilitar as relações
equipe/paciente/família.
A psicologia hospitalar sofre críticas com relação à sua terminologia,
pois não abrange uma concepção de campo de saber, e sim apenas um local
de atuação. Além disso, muitas linhas de pesquisa confrontam suas teorias e
práticas, não havendo um consenso quanto aos procedimentos terapêuticos e
às abordagens metodológicas.
A psicologia da saúde: aspectos teóricos e campo de atuação 19
Assim, o que se pode afirmar sobre a prática do hospitalar é que ela busca
atender os pacientes submetidos a procedimentos médicos, visando à promoção
e à recuperação da saúde física e mental. Além disso, atua em instituições de
ensino superior, centros de estudo e pesquisa, em busco do aperfeiçoamento
de profissionais ou da complementação profissional de quem trabalha na área
da saúde.
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