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Os desafios para a educação brasileira em 2022

Reduzir as desigualdades educacionais por meio de uma política transformadora educacional.


Participação entre os sistemas de ensino para garantir o direito à Educação à todos. Educação
para todos. Monitoramento da Educação. Pela Educação do Brasil.

A pandemia e as desigualdades que foram ampliadas a partir dela, a retomada das


atividades presenciais nas escolas, a vacinação de crianças, o uso da tecnologia e a
implementação do Novo Ensino Médio estão entre os principais desafios do ano. Para
superá-los, especialistas defendem uma mobilização coletiva da sociedade em torno do
tema.

“Precisamos resgatar a escola como espaço de aprendizagem, pertencimento e


acolhimento para que as crianças, jovens e adultos encontrem nela esperança e sonhos:
um futuro”, diz Gina Vieira, formadora de professores da educação básica do Distrito
Federal.

O Centro de Referências em Educação Integral conversou com três


especialistas. Confira, abaixo, oito desafios que a Educação tem pela frente:

O enfrentamento às violações de direitos

A pandemia agravou as vulnerabilidades sociais de boa parte da população brasileira,


com muitas famílias perdendo renda e emprego, comprometendo o valor do aluguel e
também a garantia de comida na mesa. Há, ainda, 130 mil crianças (The Lancet) que
perderam pai, mãe ou um responsável para a Covid-19 e outras tantas que perderam
pessoas queridas e agora vivem o luto. Quando os estudantes que estão enfrentando esse
contexto retornam à escola, não há como desconsiderar toda a carga emocional que os
acompanha. É preciso que o aluno e sua vivência sejam acolhidos no ambiente escolar.

“O grande legado que a pandemia deixou para a Educação foi a tomada de consciência
de que nossos problemas educacionais são, antes de tudo, problemas de desigualdade
social. Embora a função social da escola não seja de assistência social – é de garantir
aprendizagens – ela tem papel fundamental de acionar a rede de proteção, por sua
capilaridade e contato diário e porque, para garantir aprendizagens, precisa olhar para o
estudante como um todo”, diz Gina Vieira.

Cleuza Repulho, ex-presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais


de Educação) e consultora educacional, também recomenda que as redes aumentem o
número de refeições e a quantidade de alimentos devido à crescente insegurança
alimentar vivenciada no país.

A reabertura segura das escolas e a vacinação das crianças

Com o início do ano letivo se aproximando, as redes e as escolas têm a tarefa de garantir
que os protocolos de segurança sanitária, elaborados em conjunto com as Secretarias da
Saúde de estados e municípios, estejam adequados e que a infraestrutura das unidades
esteja preparada para receber a comunidade escolar com todas as condições a que ela
tem direito. “Além disso, a vacinação de todos e todas é chave para essa reabertura
segura”, defende Cleuza.

Em 14 de janeiro, o menino indígena Davi Seremramiwe Xavante, de 8 anos, foi a


primeira criança a ser vacinada contra a Covid-19 no Brasil, marcando o início da
imunização de crianças de 5 a 11 anos no país. Com intervalo de 28 dias entre as doses,
não há necessidade de autorização por escrito desde que o pai, a mãe ou o responsável
acompanhe a criança no momento da vacinação. As doses serão aplicadas em ordem
decrescente de idade, com prioridade para quem tem comorbidades ou deficiências
permanentes e para crianças quilombolas e indígenas.

Como abrir uma escola segura?

A especialista, que acompanha diversas redes de Educação pelo país, pontua ainda
outros problemas que têm surgido ao longo do retorno presencial, iniciado sobretudo no
segundo semestre de 2021.

“Há, por exemplo, empresas de transporte escolar desistindo de rotas, pedindo


alinhamento de preços e a reorganização de toda a rede, o que complica o acesso à
escola. Há também casos de escolas exigindo compra de materiais e uniforme, o que
não pode ser feito em nenhuma circunstância”, afirma.

A garantia das aprendizagens e o respeito aos professores

“O primeiro diagnóstico que os professores precisam fazer dos estudantes é do seu bem
estar geral porque eles não vão aprender se não estiverem bem”, observa Gina sobre
parte essencial do processo de recomposição das aprendizagens que as escolas
precisarão fazer.

Conheça a plataforma Reviravolta da Escola, que traz conteúdos sobre os caminhos


possíveis para se recriar a escola necessária para o mundo pós-pandemia.

Esse processo de acolhimento e escuta, que deve ser contínuo, alcança não só os
estudantes e suas famílias, mas também os professores, que voltam à escola após
vivências profissionais e pessoais difíceis, muitas vezes, traumáticas. Além de serem
lançados ao desafio de usar tecnologias digitais sem preparo para isso, se aproximaram
da vida dos estudantes. Dessa maneira, puderam perceber situações delicadas e
extremas, como violência e fome.

“Tenho visto muitos professores se sentindo impotentes, desamparados e


desesperançosos. Precisamos reconhecer e agradecer tudo o que fizeram e continuam a
fazer e dar muito apoio a eles, que estão na linha de frente do desafio de reerguer a
escola”, diz Gina.

Já em relação às aprendizagens, a especialista chama atenção para o fato de que a


concepção de aprendizagem que nossa sociedade tem é limitada e desconsidera outros
desenvolvimentos significativos que crianças e adolescentes tiveram ao longo da
pandemia. “Não existem perdas irreparáveis na aprendizagem, muito menos uma
‘geração perdida’”, pontua.
A busca ativa dos estudantes

Em 2020, cerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos tiveram seu


direito à educação negado, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef). O dado inclui os que não frequentavam a escola (1,4 mil), seja de forma
presencial ou remota, e os que frequentavam, mas não tiveram acesso a atividades
pedagógicas (4,1 mil). Por isso, um dos principais desafios das redes e escolas agora é
conquistar condições para que essas crianças e adolescentes possam voltar e permanecer
na escola com qualidade, um direito garantido a eles constitucionalmente.

Como a escola pode alcançar todos os estudantes?

“Tenho visto escolas e redes usarem estratégias diferenciadas de busca ativa, desde o
controle diário da frequência dos estudantes até gincanas, sair de bicicleta pelo bairro
atrás de todo mundo, pedindo ajuda dos estudantes para encontrarem os colegas, usando
a estrutura da Saúde, da Assistência Social e dos agentes comunitários para cruzar dados
e encontrar famílias. É hora de acionar todo mundo, para que estejam atentos ao seu
redor”, orienta Cleuza.

Para Gina, este também é o momento de resgatar políticas públicas que garantam
condições para os estudantes, sobretudo os adolescentes e adultos, a continuarem na
escola: “É o caso de medidas como o Bolsa Família, programa que acabou, mas que foi
consolidado, testado exaustivamente dentro e fora do Brasil, e garantia à família um
apoio na sua renda com a condição de que a criança não faltasse à escola”.

O uso das tecnologias digitais

Durante a pandemia, escolas e estudantes com condições de utilizar as tecnologias


digitais para o ensino remoto tiveram aprendizagens nesta área; a tendência é que levem
essa bagagem para a sala de aula na volta presencial.

“É importante defender cada vez mais a inclusão digital porque ela é sinônimo de
inclusão social e observar que o discurso de que os professores têm resistência às
tecnologias foi por terra, uma vez que eles fizeram acontecer. O que falta são políticas
públicas sistemáticas, formação, acompanhamento e investimento”, defende Gina.

“Precisamos de uma cultura coletiva que tenha no horizonte a internet como um direito”

Já em meio ao fazer pedagógico, a especialista indica que incluir a tecnologia não pode
passar por reduzir professores e estudantes a consumidores de tecnologia. Essas
ferramentas devem respeitar a autonomia docente, a concepção de crianças e
adolescentes como agentes sociais e não abrir mão dos marcos civilizatórios e da
ciência da Educação.

“As tecnologias digitais ampliam possibilidades como todas as ferramentas e, se usadas


de forma coerente com o PPP [Projeto Político Pedagógico] e o currículo da escola, são
bem-vindas. O problema é quando viram um fetiche, sendo usadas para ser divertido,
para parecer moderno, e na prática não muda ou facilita nada”, complementa Helena
Singer, socióloga, pós-doutora em Educação e líder da Estratégia de Juventude da
Ashoka para a América Latina.
A implementação do Novo Ensino Médio

O Novo Ensino Médio, aprovado em 2017, teve o início de sua implementação adiada
para 2022, em razão da pandemia. Seu início, previsto para este ano, contemplará o 1º
ano do Ensino Médio. Em 2023, contará com os 1º e 2º anos e, completando o ciclo de
implementação, estará em vigor de forma completa, nos três anos de Ensino Médio, em
2024.

“Esse é, contudo, um programa frágil do ponto de vista da participação das


comunidades escolares e sua implementação vai depender de como as escolas e redes
vão se apropriar desse processo”, avalia Helena Singer.

E as mudanças não são poucas. O Novo Ensino Médio possui um currículo dividido em
dois blocos: um geral, que segue as determinações da BNCC (Base Nacional Comum
Curricular), e um diversificado, composto por cinco tipos de itinerários de
aprendizagem e os itinerários integrados, que envolvem mais de uma área. As escolas e
redes precisam, portanto, adaptar desde os currículos até os espaços físicos e o quadro
docente para implementar tais mudanças.

A revisão do Ideb

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), importante ferramenta para


acompanhamento das metas de qualidade para a educação básica e a construção de
políticas públicas educacionais, deve ser revisto esse ano.

“É uma oportunidade de avaliar todo o Ideb, refletindo sobre o que ele trouxe para
melhorar a qualidade da Educação ou não, mas para isso vamos precisar que toda a
sociedade se envolva no debate”, explica Helena.

As eleições

O ano de 2022 também é marcado pelas eleições para presidente da República,


governador, senador, deputado estadual e federal. “É um momento importante para
debater concepções, formular propostas e influenciar os programas de governo”,
acredita Helena.

E é fundamental que se considere também a política do Governo Federal, ao longo


dessa gestão, no âmbito de políticas públicas voltadas à Educação. Entre trocas de
ministros, cargos técnicos assumidos por questões meramente políticas, foram diversas
as ações e sinalizações do governo Jair Bolsonaro de caráter prejudicial à área. Alguns
dos desmantelamentos foram: baixa execução orçamentária no MEC; grave crise no
INEP (órgão ligado ao MEC e responsável pela realização de avaliações e exames,
como o ENEM e o SAEB) com a demissão em massa de 37 profissionais em novembro
último e abalo na sua credibilidade; menor número de inscritos no ENEM desde 2009;
desaceleração e descontinuidade de importantes agendas e políticas pactuadas pelo
campo educacional nos últimos anos e, por fim, a ausência completa de coordenação
federal durante a crise da pandemia de COVID-19, que gerou impactos preocupantes
nos indicadores educacionais como o aumento nos índices de evasão e abandono, entre
outros efeitos nefastos ligados à aprendizagem e proteção integral de crianças,
adolescentes e jovens.

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