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Um dos novos rost os da hist eria: os sint omas anoréxicos como respost a ao discurso do capit alismo
Ernest o Anzalone
Resumo
Abstract
1. Introdução
Somente na era cristã, no século II, Galeno negou a ideia de matriz vazia
pelo corpo, questionou que se o útero não era o motivo da histeria, a mulher
encontra-se nivelada ao homem, assim ele também poderia desenvolver sintoma
histérico. Dessa forma, foi posto em questão que a histeria não teria ligação ao
sexo feminino (Alonso, 2004). Mil anos depois de Galeno, não se ouve mais em
histeria, uma vez que a Europa foi invadida por Bárbaros, onde a medicina se
reduz a receitas caseiras. O misticismo se sobrepõe a religiosidade e a histeria é
vista como punição divina, possessão demoníaca. Nesta fase, apenas o homem
é visto como filho de Deus e a mulher considerada a tentação, dando assim a
impossibilidade da mulher de assumir os seus desejos.
No período da Renascença, os médicos voltaram a falar de histeria, se a
sua causa era médica ou religiosa. Médicos e teólogos entram em confronto para
descobrir se o caso se tratava de simulação ou possessão. Aos poucos as ideias
dos pensadores anteriores voltaram a ser revistas. A mulher passou a ser
valorizada devido a sua maternidade.
“Não me venha falar da malícia de toda mulher, cada um sabe a delícia de ser o que se é”.
(GAL COSTA. Dom de Iludir, 1982)
Freud (1888) relata que a histeria pode se confundir com muitas doenças,
nervosas, neuróticas ou orgânicas, por isso seu diagnóstico muitas vezes se
torna mais difícil.
Laplanche e Pontalis (2001) classificam a histeria como uma neurose que
apresenta sintomas clínicos muito variados. As duas formas sintomáticas mais
bem identificadas são a histeria de conversão, e a histeria de angústia. Essas
duas formas tem como a seguinte definição: Histeria de conversão o afeto é
transformado em expressão física, e a histeria de angústia o afeto é transformado
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em angústia. Assim, podemos dizer que a histeria tem algo claro com a falta, a
histérica demanda do outro e se faz vítima em seu próprio discurso. Configura-se
como objetos de amores e rivalidades, de sedução, tentação e perigo.
É a partir do texto “Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), que
Freud salta em relação a sexualidade, na compreensão mais fecunda das neuroses,
e busca decifrar o enigma feminino.
Como para todo homem, para Freud a mulher também foi considerada um
enigma. Surgia para ele a pergunta: como decifrar a mulher? O que era a mulher?
As mulheres sempre foram parte essencial do percurso profissional de Freud e
perguntas como essas, ele deixou para que os poetas a respondessem, talvez de
uma melhor e mais bonita forma, uma pergunta que talvez não tenha fim.
Freud (1856 – 1939) escutou suas pacientes histéricas, e não mais o fez
como forma de confirmação do saber neurológico. Ele se deparou com duas
correntes de pensamentos médicos, a escola de Salptrière que focava nas
pesquisas teóricas e valorizavam a medicina, e a escola de Nancy, que teria como
foco a terapia para causar bem-estar nos doentes pobres. Essas duas escolas
utilizavam de um mesmo instrumento de investigação – a hipnose.
Freud percebia nas histéricas uma manifestação psíquica que dava lugar a
representações no próprio corpo e chamava a atenção do outro. Entre 1888 – 1893,
na “Teoria da Sedução” concordou com Breuer o conceito de que a ordem da
histérica seria de origem traumática relacionada com a sexualidade na infância. Em
1893 – 1895 alegava que em todos os casos analisados no consultório, havia uma
ligação íntima entre as falas de sofrimento das pacientes e os sintomas
apresentados. Entre 1893 – 1895, descreveu outras possibilidades da causa
histérica, no texto Estudo sobre Histeria, os casos estudados por Freud tem como
ponto fundamental a ”teoria de defesa”. Freud definiu defesa no começo de seus
estudos sobre as neuroses, e nos diz que seria a impossibilidade de conciliar o eu e
a sexualidade, neste caso a defesa seria uma ferramenta para esquecer/separar a
realidade sexual traumática. Em 1926, Freud a chamou de recalcamento e o define
como uma forma de defesa, que no caso de histeria, afasta as representações do
consciente.
Gostaria, por fim, de me deter por um momento na hipótese de
trabalho que utilizei nesta exposição das neuroses de defesa. Refiro-
me ao conceito de que, nas funções mentais, deve-se distinguir algo
– uma carga de afeto ou soma de excitação – que possui todas as
características de uma quantidade (embora não tenhamos meios de
medi-la) passível de aumento, diminuição, deslocamento e descarga,
e que se espalha sobre os traços mnêmicos das representações
como uma carga elétrica espalhada pela superfície de um corpo.
(FREUD, 1894/1987, pg.65).
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“O primeiro foi seu pai, o segundo seu irmão, o terceiro foi aquele que a Tereza deu a mão.”
(CANÇÃO INFANTIL)
Iniciando este tópico com a fala de Lacan, podemos considerar que a histérica
quer mostrar ao analista o seu desejo insatisfeito. O caso da Bela Açougueira é um
tema importante no desenvolvimento contemporâneo da histeria – o desejo
insatisfeito. Neste sonho a histérica se ocupa da situação transferencial, a partir do
sonho questiona a própria teoria e recusa que o analista a confirme, ou seja, impedi
que o desejo do analista seja realizado.
Freud (1900 - 1987), diz que “a não realização de um desejo significa a
realização de outro”, que quer dizer desmascarar o desejo manifestante não
realizado e evidenciar a satisfação latente em manter o desejo insatisfeito. Freud
então analisou o sonho da Bela Açougueira e tenta explicar a paciente que o sonho
é uma realização de desejo e desvendou o desejo manifestamente não realizado,
nos mostrando assim o desejo insatisfeito mantido.
Vamos nos relembrar rapidamente do caso: sua paciente era uma jovem
mulher que tinha um vida sexualmente satisfeita com o marido, que trabalhava como
açougueiro e era considerado um homem honesto e competente. Antes do sonho, a
jovem mulher ouviu do marido que estava se sentindo gordo e que tinha a pretensão
de começar um regime e atividades físicas, assim não iria aceitar convites para
jantar. Ele havia conhecido um pintor que queria retratar o seu rosto, porém, por se
sentir gordo, não aceitou a proposta comentando em seguida que o pintor preferiria
pintar o traseiro de uma moça bonita. A jovem pediu ao marido que a privasse de
caviar, o seu prato predileto.
A jovem relatou também que visitou uma amiga um dia antes, na qual sentia
ciúmes, pois o seu marido a elogiava, com alívio cita que essa amiga é magra, e o
marido prefere as mulheres mais cheinhas. Freud a perguntou o que conversou com
sua amiga e ela o respondeu dizendo que a amiga desejava engordar um pouco e a
mesma gostaria de saber que dia iria convidá-la para jantar. Sua amiga teria como
prato predileto o salmão defumado. No sonho, a jovem paciente de Freud queria dar
um jantar, porém não tinha salmão defumado o suficiente para este, então pensou
em sair para comprar algo diferente ou ligar para algum fornecedor, mas era
domingo, o telefone não funcionava. Neste caso, desistiu de dar o jantar.
Segue algumas interpretações feitas por Freud (1900): é como se a paciente
não quisesse convidar a amiga pra jantar em sua casa para evitar que ela pudesse
engordar e atrair o marido que sempre a elogiava. O fato de comidas de festas
engordarem, o marido diz em não aceitar convites para jantar em benefício de seu
regime. Assim o sonho expressa o desejo de não realizar o desejo de sua amiga. E
é o desejo da sonhadora de negar um desejo á amiga.
Outro exemplo, agora mais simples sobre o desejo insatisfeito foi citado por L.
Israel (1994), é da mulher que adora comer carne, mas quando vai a uma
churrascaria pede peixe.
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Freud (1927) nos diz de uma sexualidade sempre traumática, marcada por
angústia e desamparo. No texto “O fetichismo” ele diz que ao se utilizar de um
fetiche, o sujeito se protege e mantém um triunfo sobre a castração, pois o fetiche
transforma a mulher em um objeto sexual. O fetichismo é um exemplo da dinâmica
do desejo.
Freud realta que o fetiche é o que substitui do pênis, que teve extrema
importância nos primeiros anos da infância, mas que logo se perdeu. Freud explica:
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As relações do tipo “ser ou não ser”, resquício da dúvida de cada sujeito, são
logicamente anteriores às relações da ordem do ‘ter’. Ao retomar a proposição de
Lacan (1958), segundo a qual a função fálica enuncia que ou um sujeito tem o falo
ou ele o é.
André (1987), afirma que um dos principais significados que podem tomar os
sintomas histéricos é a representação da realização de uma fantasia sexual, de um
ato sexual. A realização de um ato sexual, portanto, para a histérica, só pode se dar
pelo sintoma, pois na realidade ela nunca será capaz de significar o seu sexo a
ponto de sentir-se satisfeita completamente com um outro. A vagina nunca será,
nem para a mulher nem para o homem, o outro do falo, e sim a sua ausência, ou
seja, o nada.
Lacan (1995), em seu texto A função do véu, nos traz uma colocação
importante onde ele caracteriza o fetiche como “a mulher se dá, na medida em que
deve ser assim simbolicamente, a saber, que ela deve dar alguma coisa em troca
daquilo que recebe, isto é, o falo simbólico”. O véu, por sua vez, tem duas funções,
velar e desvelar, ao mesmo tempo em que vela aponta para um objeto causa de
desejo, entra com a função de tornar a falta mais especial, mais poderosa. O véu
vem como recurso imaginário para tapar a falta, assim permite o sujeito a gozar, um
gozo que só poderá ser alcançado com o fetiche.
A mulher, por sua vez, com dificuldade de lidar com a castração, se vê no
lugar do nada e busca formas de entrar na cadeia simbólica para ser assim
reconhecida como mulher, ou seja, o falo é algo que ela não o tem, porém precisa o
tê-lo simbolicamente, o que sendo ausência ela pode ser algo, assim, o falo
simbólico se presentifica através do véu.
A angústia será articulada por Lacan no levantar-se do véu, assim como o
mesmo situa o fato que algo costuma impedir que, por uma circunstância
inesperada, o véu seja levantado (LACAN, 1962-1963/2004, p.32). Toma-se, como
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Freud em seu texto Histeria (1888), afirma que os sintomas das histéricas não
haviam passado por alteração até aquela época, ou seja, os sintomas caminhavam
da mesma forma dos primórdios da história. Mas e hoje, será que os sintomas
histéricos não sofreram nenhuma mudança? Será que as nossas histéricas de hoje
em dia tem os mesmos comportamentos das histéricas estudas por Freud no século
XIX? Como se fica histérico na contemporaneidade?
Freud (1909) disse que “os histéricos sofrem de reminiscências”. Talvez os
quadros de histeria de conversão não sejam hoje tão frequentes como no final do
século XIX. O lugar social da mulher da época de Freud, e a falta vivenciada pelo
sujeito de hoje no discurso sociocultural, levanta uma questão de que os sujeitos ao
ordenar-se do gozo e de uma cultura narcísica, depara-se com a anorexia,
toxicomania, depressão e síndrome do pânico onde esses sintomas podem se
relacionar com a histeria contemporânea, e pode-se considerar também efeitos do
contexto social atual como ainda existem, com manifestações diferentes, outras
máscaras, outros gestos.
Rangel (2003) alegou que a toxicomania poderia ser pensada como um novo
revestimento para os sintomas. Relacionando o discurso da histérica com a
toxicomania, esta seria uma forma de fazer questão ao mestre atual, deixando de
estar sob o jugo do gozo do Outro e fazendo assim da droga o seu sintoma.
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sendo então necessário que se medique o sujeito para que ele retome sua
capacidade de exercer sobre o outro o fascínio da estetização da sua existência.
Soler (apud Csillag, 2010) em seu livro O que Lacan dizia das mulheres? traz
a histérica constituída em novas modalidades de sofrimento. As conquistas fálicas
são podem ser demonstradas de forma ambivalente, tudo se mistura e surgem com
isso novas fantasias e sintomas até então inéditos para as configurações histéricas.
O divã atual recebe mulheres com outras queixas, relacionadas muitas vezes com o
conflito inconsciente entre ser uma mulher tradicional ou uma mulher moderna,
enquanto na época de Freud o conflito era entre ser uma prostituta ou uma mulher
de moral.
As histéricas de Freud e Charcot primavam pelas cenas teatrais que
causavam excitação naquele tempo. Agora a sociedade atual já é um espetáculo.
Podemos considerar que a histérica deprimida de hoje busca incomodar a ordem
válida colocando os estudiosos do assunto a trabalhar e produzir novos
medicamentos.
Alonso (2011) diz que para se pensar em histeria, é necessário sempre que a
reconhecer, referi-la a epidemias, ou ondas de determinados adoecimentos. Estas
epidemias, segundo a autora, surgem junto com o espaço que alguns temas
ganham na mídia, influenciando assim o sistema simbólico de uma época.
2. Metodologia
2.1. Participante
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2.2. Instrumentos:
2.3. Procedimento
3. Resultados e discussão
“(...) O que será que será, que andam suspirando pelas alcovas,
que andam sussurrando em versos e trovas.
(...) o que não tem censura nem nunca terá,
o que não tem decência nem nunca terá,
o que não tem sentido. (...).
O que será que será,
que vive nas ideias desses amantes,
que cantam os poetas mais delirantes...”
(CHICO BUARQUE. O que será, 1983)
tinha medo de machucar a bebê. Então eu fiquei muito carente. Eu me sinto muito
culpada por ter me envolvido com esse cara. Quando ela nasceu piorou... além de
ficarmos 3 meses sem namorar, eu tenho que ficar cuidando dela.. e não tenho
muito paciência. Não tenho uma simpatia, um elo com ela... “
(E): “E como você se senti por não ter essa simpatia com ela? ”
(P): “Normal. Acho que isso é normal pois não existe um manual de como ser mãe.
O amor constrói.. eu sou uma boa mãe, cuido, dou carinho, dou comida.. mas acho
que essa falta de empatia é por causa da minha enfermidade.”
Ficou em SP por volta de dois anos e voltou para Goiânia, o esposo teve um
problema financeiro e fechou a empresa que tinha.
Segundo ela, foi um erro se casar antes de conhecer a família do marido, pois
eles são de SP, e sentiu um choque muito grande com toda a mudança. A família do
marido não a aceitava, pois diz não ser “a altura deles” – eles são ricos e ela pobre.
Ninguém nunca disse isso a ela, mas ela se sentiu assim, dessa forma a posição de
vítima descrita por Freud, parece se apresentar na paciente.
Ela relata que pertence a uma família muito conservadora e pobre (o Pai
vende gravata para os irmãos da igreja e a Mãe não trabalha). Seu Pai é líder da
igreja e vive por conta disso, a Mãe o acompanha. O marido é líder dos jovens da
igreja e Lívia, assim como a Mãe faz com o marido, o companha. Vemos aí a
identificação, que Freud considera uma característica importante na histérica.
Tem 1 irmã e 1 irmão onde ela alega que não respeitam os pais como ela os
respeitava (ela é a mais velha). A irmã sai pra balada, bebe, chega tarde em casa,
namora com um homem muito mais velho e veste roupas transparentes.
Como já dito, Lívia teve sua filha que hoje tem 2 anos. Diz ter sido uma
gravidez muito difícil, pois ficava muito sozinha. Lá estudou para fazer medicina,
porém não deu certo e acabou desistindo por ser muito difícil e também gostar de
direito. Diz que foi humilhada pela sogra e as cunhadas, por ter ficado feia
(emagreceu muito, pois antes era muito bonita:
(P) “Não é por nada não Carol, mas eu tinha um corpão, agora to assim, magrela”.).
Lá vivia um em quarto escuro e ás vezes ouvia os hinos da igreja para se
alegrar. Com o passar dos tempos o casamento foi esfriando. Ela procurava o
marido e ele não a correspondia. (Disse que suspeitava que ele teria um caso com a
secretaria da empresa dele em SP, mas nunca teve certeza disso. Segundo ela,
essa secretaria sabia muito da vida dele e ela desconfiava, talvez por ser muito
jovem e imatura). Com essa falta do marido, ela pedia conselhos para a cunhada
que a levava para comprar lingeries, e roupas bonitas para seduzir o marido, mas
ele olhava, virava para o lado e dormia. Podemos considerar nesse relato a
utilização do fetiche presente nela. Freud no diz que ao se utilizar de um fetiche, o
sujeito se protege e mantém um triunfo sobre a castração, pois o fetiche transforma
a mulher em um objeto sexual, e talvez fosse esse o desejo dela naquele momento.
Com isso, ela pedia conselhos até para a sogra, a sogra falava que é normal,
que os homens da igreja são assim mesmo e viveu a mesma coisa com o marido (já
falecido). Nessa hora Lívia disse que a sogra viveu a mesma coisa com o marido,
porém todos sabiam que ele a traia com a vizinha. Disse que a Mãe dela vive a
mesma coisa com o Pai, porém o Pai dela não trai, mas a Mãe aceita a falta de
sexo, por ser da igreja e se dedicar a Deus.
A frequência de eles terem relações sexuais era a cada 3 meses, e mesmo
assim muito rápido e as vezes ficava irritada.
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(P): “Fazia tudo que o marido queria... ótima dona de casa... roupas
comportadas, nem depilava. E meu sogro vivia chifrando ela com as vizinhas. Agora,
eu... não vou ficar ai como ela, sem fazer as minhas vontades pra depois ser
chifrada.”
(E): “Que vontade você tem?”
(P): “De namorar, aproveitar, passear... por mais que minha religião oprima
esse tipo de coisa, tem muitos pastores que pregam para o homem olhar mais pra
mulher. Esses dias mesmo na igreja, o pastor disse pra os irmãos cuidarem da
mulher, namorar, dar carinho.
(E): “E o que o seu marido achou disso?”
(P): “Ele não disse nada, tadinho. Acho que ele fica com vergonha e que é
doente, ele não quer nada. Quando namoramos ele não consegue segurar muito
tempo ou pára ou goza e pára.”
Lívia afirmou estar muito carente e sozinha, (ela havia iniciado faculdade em
SP – de Direito mesmo) e começou a se envolver com um rapaz, não houve sexo,
mas houve um envolvimento afetivo muito forte e ela acabou se apaixonando. Logo
descobriu que esse rapaz era amigo do marido e assim resolveu contar pra ele.
Nessa relação extra conjugal, o suposto amante dizia saber que ela não tinha
relação sexual com o marido, pois sempre a via muito triste e carente, mas não
falava que era amigo do marido. Ela descobriu pois um dia o marido foi buscá-la e
os dois conversaram na sua frente. Quando ela contou ao marido da traição, ele não
acreditou, e disse que mesmo se fosse verdade não teria problema desde que não
fizesse mais. Lívia teve sua filha, e entrou em depressão, pois não sabia o que fazer
com aquele bebê. Foi ao médico e lá foi diagnosticada depressão pós-parto. Ela não
esqueceu o amante, e nesse tempo, eles voltaram para GO, e o rapaz continuou
procurando-a e perseguindo-a. Voltou a contar para o marido e ele disse pra ela
deixar as redes sociais que isso iria parar de acontecer.
Quando chegou em GO, sentiu outro choque. Segundo ela o fato de ter
novamente a família por perto acreditou ter mais apoio, e quando via que isso não
aconteceu, voltou a ter depressão. Foi ai que ela ficou muito mal. Não consegue
cuidar da filha, afirma que ela grita muito, porém ela grita com a filha também. Deixa
a filha em “chiqueirinhos” o dia todo para ter paz, segundo ela.
Quando Lívia fala sobre a sua infância, diz ter sido tranquila, porém muito
sozinha. A Mãe nunca tinha tempo devido os afazeres da igreja. Aqui temos mais
uma identificação com os pais. Eles não cuidavam dela, agora ela também não
“consegue” cuidar da filha.
Existe uma pressão por parte do pai e do marido para ser o exemplo de
mulher perante os fiéis e faz um jogo de palavras que podem ser sucessíveis a
algumas interpretações:
Lívia não podia dirigir a palavra ao pai a não ser quando perguntasse algo,
pois na sua crença, as mulheres não podem falar. Segundo ela, era muito custosa, e
o pai muito bravo assim como o Avô, porém o Avô bebia muito, e o Pai nem bebe.
Nesse ponto notamos um repetição do que o Avô fazia, o Pai fez e ela está fazendo
com a filha. Em uma das sessões, Lívia disse que uma vez o seu pai quebrou uma
cadeira de madeira nela, por ela ter teimado com ele.
(P): “O meu Pai me batia muito, nossa quase todos os dias (rsrs). Já quebrou
uma cadeiras nas minhas costas. Mas são essas cadeiras que tem a madeira mais
fraca, nem doía. Ele era muito rigoroso mas era devido a imaturidade, casou aos 18
anos e logo me teve. E eu era muito desobediente. Meu avô também era assim,
bravo. Você é próxima do seu pai Carol?”
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Aqui notamos que a dor de Lívia não era física quando o seu pai quebrara
uma cadeira em suas costas, mas se trata de uma dor emocional. Vemos também a
relação transferencial e a necessidade que Lívia tem em ser reafirmada, em mostrar
para o Analista (nesse caso estudante estagiário), o seu desejo insatisfeito.
(P): “Quando eu estou nervosa e minha filha grita, eu vou lá e bato nela...
tadinha. Não bato como o meu pai me batia, bato para ensinar. Meu pai é muito
corrido com a igreja, sempre precisa ajudar alguém, mas as pessoas nunca o
ajudam. Ele está muito estressado, até o meu marido. Me dá uma dica Carol, como
faço para mostrar ao meu marido que ele tem que se tranquilizar para não adoecer
como eu?
(E): “Alguém te avisou que você adoeceria?”
(P): “Avisou!”
(E): “Então porque você adoeceu?”
(P): “Eu melhorei muito já, depois que comecei a conversar com você. Só que
crescer dói! Estou sentindo na pele. Tenho medo da minha mente sumir.”
A paciente, quando deprimida diz que fica avoada, não consegue se
concentrar e tem medo de sua mente sumir. Depois dessa sessão descrita a cima,
Lívia descreve uma profunda crise de angustia na qual conta a seguinte história:
(P): “Eu tive uma forte dor de estômago e acabei indo pro hospital. Chegando
lá, o médico me aplicou uma medicação que eu sou alérgica. Quando percebi eu
disse pra ele, mas ele disse que se caso tivesse algum efeito era pra voltar pro
hospital. Cheguei em casa e começou a me dar uma coisa muito ruin, coração
disparado, suor frio, falta de ar, uma sensação de morte... arranquei a roupa e deitei
no chão. Meu marido me levou novamente para o hospital.”
Nesse trecho, Lívia nos mostra uma crise de angústia, na qual ela fica nua
para o marido e se deita no chão. Podemos dizer de um sintoma conversivo
presente na histérica.
Logo após, quando questionei mais sobre a crise ela me responde:
(P): “É como se meu cérebro estivesse saído da minha cabeça?”
(E): “Agora a sua mente realmente sumiu, como você tinha medo?”
Pode-se considerar nesse diálogo algo que está descrito no texto “O que quer
uma mulher?” de Serge André, onde ele aponta que a mulher não foi mais
descoberta além de um buraco negro, no qual não dá pra decifrar. Assim, pode ser
que Lívia se via esburacada, despida, sem o véu lançado sobre o furo inominável.
“(...) a falta de simbolização que está na origem do medo, até mesmo no horror, que
a feminilidade pode causar bem mais do que a castração.”
(P): “Naquele momento sim. Agora eu fico com medo de sair de casa, de ir
pra faculdade, por exemplo, e arrancar a roupa novamente.”
Aqui notamos mais um possível desejo de Lívia – de tirar o véu, se livrar dele.
De se mostrar castrada. Aqui, podemos usar a teoria de Lacan onde ele diz que a
função do véu é assumir o lugar da falta, e o que falta em Lívia é o pênis. E aqui
podemos ir além e falar de seu distanciamento da mãe, seu objeto de fetiche por
uma potência fálica. Sobre o véu, podemos dizer que o objeto está além, no caso a
sua nudez. Ela se contradiz quando fala da roupa transparente que a irmã usou em
um jantar na casa de um irmão da igreja e senti vontade de ficar pelada e medo ao
mesmo tempo.
Lívia se queixa sempre do marido não entendê-la, não ajudá-la... Em
contrapartida afirma que o marido entende a sua “enfermidade”, age perante suas
crises e entende até quando ela deixa os afazeres de mulher de lado. Então será
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momento. Nessa mesma semana, ela estava passando por um problema na igreja,
no qual ela havia discutido com a pessoa responsável pelos instrumentos (ela toca
órgão na igreja) e alegava não suportar mais aquelas pessoas, segundo ela
hipócritas. Seria os Fiéis, o que ela não é. Além de ter tido um problema com o
FIEIS (financiamento estudantil), ela também teve um problema com um fiel da igreja
além de ser infiel com o marido. Há presente aqui uma repetição do significante
FIEL, onde ela também não é fiel ao próprio desejo.
Ela diz chateada em não poder mais tocar na igreja, e ao mesmo tempo ela
diz estar bem em não ter relação sexual com o marido. Podemos relacionar o fato de
tocar um órgão ao ato sexual, que falta. Ela não realiza o desejo de tocar um
instrumento na igreja, e também já não deseja ter relação sexual com o marido,
dizendo se sentir bem. Ela tem possibilidade de realizar os dois desejos, porém ela
os mantém insatisfeitos.
Nas últimas sessões, ela diz que o marido a procura, mas agora ela o
entende e é ela que não senti vontade, por causa dos princípios religiosos. Ou seja,
ela quer manter o desejo insatisfeito, quer transar quando o marido não quer, mas
quando ele a procura ela já não tem mais o fogo que ela tinha antes.
(P): “Eu não me preocupo mais com isso. Não me faz falta. E agora eu sei
que amo ele, eu amo meu marido. Às vezes ele me leva pra passear, pra namorar...”
(E): “Você se senti melhor assim?”
(P): “Sim, to bem!. (rsrs).”
Lívia deixou os atendimentos em meados de março, onde alegou não ter
como comparecer por incompatibilidade de horário. Para encerrar ela enviou apenas
uma mensagem por telefone que dizia:
(P): ”Olá Carol. Tudo bem com você? A secretária da faculdade me informou
que o horário de terça será inviável e me propôs a sexta que também fica inviável
para mim. Eu sinto que achei o meu caminho. Ultrapassar as barreiras psicológicas
e não admitir viver refém de mim mesma. Viver além do transtorno bipolar e dos
meus medos. Obrigada por tudo. Acho que é hora de interromper as sessões. Meus
compromissos aumentaram. E preciso colocar em prática o que aprendi com você.
Beijos e obrigada por tudo.”
4. Considerações finais
5. Bibliografia
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