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METAFISICA DA FILOSOFIA PERCURTIVA

PROGRAMA
INTRODUÇÃO
PREAMBULO
CAPITULO I-As Leis Segundo As quais se Processa o Pensamento Independentemente
do Conteúdo Que Possa Vir a Ter.
CAPITULO II-O Domínio
CAPITULO III-O Objecto de Estudo.
CAPITULO IV-Dos Procedimentos de Avaliação e Validade
Unidade I-Procedimentos de Aquisição
Unidade II-Procedimentos de Demonstração
Unidade III-Procedimentos de Exposição
Unidade IV-Unidade IV-Procedimentos de Explicação ou Prova.
INTRODUÇÃO
PREÂMBULO
Todo aquele que acreditar que a ciência é capaz de fazer qualquer afirmação sobre a
razão porque as pessoas têm de ser educadas não conhece coisa alguma sobre a
verdadeira natureza da educação. E o mesmo sucede com a moral: <<ética científica>>
é uma expressão sem sentido algum.
Tudo porque o cientista é um ser humano e, como tal, não pode deixar de ter as suas
convicções, os seus ideais e os seus desejos. É apenas natural, embora não seja justo,
que ele procure, ainda que <<inconscientemente>>, apresentar as suas ideias e ideais
pessoais, como se derivassem das ciências.
1/ As ciências que têm por objecto o homem são as que estão essencialmente
arriscadas a entenderem-se para um campo onde não têm competência. Pelo facto de,
por exemplo, a saúde é um bem naturalmente desejado pelo homem, a medicina
facilmente chega a acreditar que os seus ensinamentos sobre medidas higiênicas são
da mesma natureza dos preceitos morais. Pelo facto de que a psicologia conhece que
um espirito funcionando normalmente é um valor desejado, o psicólogo julga-se
autorizado a enunciar regras sobre educação. A psicologia médica esta ainda mais
propensa a cometer este erro do que qualquer uma espécie de psicologia. O médico
psicólogo observou muitissimas vezes as desastrosas consequências que uma
educação errada pode ter no desenvolvimento do carácter e da personalidade. Portanto,
isto vem simplesmente provar que este ou aquele método de educação <<tem>> de ser
adoptado.
2/ Educação é mais do que instrução; é, primariamente, a construção de uma
personalidade moral. A ética e a educação estão, portanto, intimamente,
correlacionadas. E a educação não termina depois de se ter frequentado uma escola
superior ou um colégio: praticamentei7, a educação nunca termina. Somos educados
pelos factos, pelas influências do meio ambiente e pelas ideias, de forma que temos de
nos educar a nós próprios.
o estudante não precisa ir além da página quatro para aprender a lei, supostamente
descoberta por Galileu ao olhar para um lustre oscilante enquanto contava sua
pulsação. Entretanto, ninguém tem dúvidas de que um pêndulo qualquer, de qualquer
comprimento e massa, se posto em movimento, logo irá parar.
Isto é uma prova conclusiva de que pêndulos não são isocrónicos: o período da última
oscilação não é o mesmo da primeira; um pêndulo realmente isocrônico oscilaria
indefinidamente. Como podemos conciliar a lei com a observação? Normalmente se diz:
Esqueça o que vê e aprenda a lei. O que é uma forma mais sofisticada de se dizer: A
ciência não lida com esses tipos de pêndulos que você usa, mas sim com pêndulos
ideais para os quais não há atrito e pressão e onde o fio não possui peso, etc. Isso
satisfaz ao professor de ciências com conhecimento em HISTÓRIA, FILOSOFIA e
SOCIOLOGIA, mas será que satisfaz ao estudante? Schecker (1988, NT: reproduzido
na revista original). É função da Epistemologia como ramo da filosofia exprimir esses
pêndulos ideais.
A INTELIGÊNCIA FONTE DO CONHECIMENTO

A História filética da espécie homo sapiens é


assemelhada à história cultural da humanidade. A história
filética abrange algumas centenas de milhares de anos,
ou, talvez, um período mais longo; a humanidade existe –
embora não podemos determinar com certeza um período
certo - há muito menos tempo. As mudanças na
organização desde a ameba até ao homem envolvem o
plano total do organismo. Juntam-lhe feições inteiramente
novas; produzem novas formas, novas espécies, novos
géneros. A evolução da cultura progride dentro de uma
espécie, sem produzir mais do que alterações acidentais.

Ao Corpo, compete decifrar as sensações, à Alma, os


instintos, à Inteligência, os princípios. Receber
impressões do que se pode ver, disso até as bestiagas são
capazes. Ser zarandeado como marionetas pelos instintos,
são disso muito capazes as bestas-feras, os andróginos.
Tomar por guia a inteligência rumo ao que se apresenta
como dever nosso, também disso são capazes os que não
respeitam as crenças, traem a Pátria, cometem todas as
torpezas à porta fechada.

O privilégio do homem de bem é fazer acolhimento com


alegria e amor ao que lhe sucede e entretecido na trama
da sua vida; é de não deixar imiscuir-se sem perturbar no
formigueiro das ideias o génio que estabeleceu morada no
seu íntimo; velar para que ele se mantenha sem agravo,
obedeça como é bem, a crença, sem soprar palavra
contrária à verdade, nem perpetrar acção contra a justiça.
Mesmo que os homens todos se recusem acreditar que
essa vida é recta, modesta e bem-humorada, ele não está
atrelado a ninguém e não se desvia uma polegada do
caminho que leva ao termo da vida, termo a que nos
cumpre chegar puros, calmos, livres de entraves e numa
perfeita harmonia com o destino. (Marco Aurélio:
Pensamentos, pg. 34).

Homens sábios são educados pela razão, os de pouca


compreensão pela experiência, os egnorantes pela
religião e as bestas pela natureza.
UNIDADE I- As Hipóteses Enquanto Ficções
Ao invés de transformarmos toda a espécie de conhecimento em
uma espécie única, visando um muito pouco plausível ideal
reducionista, a maioria parte dos filósofos e cientistas, limita-se a
aceitar o facto segundo o qual existem pelo menos dois tipos de
conhecimento cientifico: os factos e as teorias. Porém isto não se
deve constituir numa dicotomia. Isto é, não é possível traçar uma
linha regida que espere os factos da teoria. Daí podemos interpretar
frases tais como: formou-se um precipitado azul à temperatura de
28°C. É os átomos com 6 ou 7 electrões a nível superior, tendem a
formar moléculas ligadas covalentemente. Embora a teoria do
presente e os fantasmas da teoria do passado contamine a primeira
expressão e os factos não sejam irrelevantes para a segunda.
Mas, sob que ponto de vista devemos considerar tal questão?
Temos que partir da ideia, segundo a qual as teorias são ficções,
estão para os factos mais ou menos como os romances estão para a
história. Expressam-se ostensivamente de acordo com a lógica da
descrição e da referência, porém nada mais são do que obras
imaginadas: todas as hipóteses adquirem significado na
dependência do Paradigma em que estão inseridas.

Tomamos como ponto de referência essencial o problema do seu


interesse ao invés do seu objecto. Interesse entende-se aqui, num
sentido objectivo e sistemático, na senda daquele que nos foi
legado por Kant () ao deixar dito: <<toda a disciplina teórica deve
com efeito limitar-se a um interesse de razão>>.

A importância do problema do conhecimento científico não produz


determinados conhecimentos certos, mas reflecte também sobre
este tipo de <<produção>>. Desse modo se pode não só defender
que a ciência não é <<inimiga>> da metafísica, mas propõ-se definir
perfeitamente a filosofia da ciência como estudo daquelas coisas
que Leibniz com um termo grego, designava de metaphysikotera:
não só <<metafisica>>, mas <<mais metafisica>> do que outras ou
<<demasiado metafidicas>>. A metafísica introduz-se nas <<pregas
da ciência>>, não apenas enquanto se refere ao valor geral da
dedicação à investigação científica, mas também (e sobretudo) em
contextos específicos.
Muitas <<convicções>>, como:

a) a regularidade dos processos naturais;

b) a possibilidade de atribuir a todos os efeitos a sua causa;

c) ou a legitimidade da aplicação da matemática ao mundo físico,


<<eliminando o empedimento da matéria>>.

Traduzem-se em princípios metafísicos em acção no interior da prática científica e


justificam certos tipos de (por exemplo, experiências ideais) e não outras, certas
demonstrações e não outras, um certo tipo de << rigor>> e não outro etc.

Estás metafísicas que estão no interior das pregas da ciência não constituem um vício
(como pensavam os neopositivistas), mas, as vezes, uma virtude.

II

PORTANTO, é legitimo defender que a filosofia da ciência é o estudo desses princípios


demasiado metafísicos; tem assim, a tarefa de determinar estas proposições
metaphysikotera e deve também submete-las à crítica, já que não as deve tomar como
dogmas, mas sim, toma-las kanteana mente como <<condições de possibilidade>>. Por
exemplo, um principio metafisico, como a lei de continuidade, pode assumir-se como
uma Premissa pura a crítica dos programas rivais e para o incremento do próprio,
como Leibniz ensinou aos seus discípulos. Uma consideração da lei de continuidade com
o perfil da filosofia da ciência requer, por sua vez, que se estude o seu <<alcance>>,
vendo que objecções se podem opor, que programas de investigação excluir e que
programas preferir.

A metafísica não existe andes e independentemente da crítica da metafisica, mas a sua


noção constituiu-se em e mediante tal crítica: os "óbices", isto é, os argumentos usados
contra a metafisica são, entretanto definições da própria noção de 'metafísica'. Este
nome designa, de vez enquanto, aquilo a que tais argumentos se referem, e nada mais.

Portanto, a noção de <<metafísica revela-se historicamente variável, já que os próprios


critérios de destrinçar entre ciência e metafísica mudam com o próprio variar das
fluxões, dos Zeitgeirst(variação conceitual) : todas as definições da metafisica se
manifestam, pois, estritamente dependentes e em função da concepção de ciência que
todas as épocas (e tida a comunidade científica) elaboram. Segundo esta perspectiva, a
caracterização da metafisica revela-se então muito relevante, justamente por
compreender, na sua articulada complexidade, a ideia da cientificidade típica de uma
época particular histórica.

Porém, tudo isto implica um Colorário embaraçoso: o que para uma época histórica (ou para
uma comunidade científica), se pode revelar como <<metafisico>> pode, por sua vez, ser
considerado por outra época histórica (ou por outra comunidade científica) precisamente
como o próprio fundamento da cientificidade.
Se NECESSÁRIO FOR CONTINUAR PG. 91 EM AS RAZÕES DA CIÊNCIA

Poderíamos perguntar: Por que a filosofia é a única que produz conceitos? Por não poder
criar o Uno, “a filosofia faz surgir acontecimentos com seus conceitos ”, ao passo que “a arte
ergue monumentos com suas sensações, a ciência constrói estados de coisas com suas
funções” (idem, ibid., p. 255). Os conceitos são cifras sem preexistência e é isso que faz
deles acontecimentos singulares. Acontecimento cifrado garantia de uma temporalidade
ao conceito que não se refere nem ao passado, nem ao presente e muito menos ao futuro.
Uma temporalidade que diz da ordem do “adormecido”, em que o imprescindível para o
conceito é poder fazer parte de uma nova cena: “O acontecimento é talvez a figura
contemporânea do álteron, do que não pode ser integrado, nem identificado, nem
compreendido, nem previsto”.
I. 6-O PARADIGMA
É toda a teoria associada a certas aplicações padrão que se torna consenso para uma
determinada comunidade científica.
Thomas Kuhn (1922-1996)1, no seu já clássico ensaio A estrutura das revoluções
científicas (1962), articula sua postura epistemológica.
I. 6.1) três categorias essenciais: ciência normal, paradigma e revolução científica.
Sua teoria central é que o conhecimento científico não cresce de modo acumulativo e
contínuo. Ao contrário, esse crescimento é descontínuo, opera por saltos qualitativos,
que não se podem justificar em função de critérios de validação do conhecimento
científico como defendia Karl Popper.: A sua justificação reside em factores externos,
que nada têm a ver com a racionalidade científica e que contaminam a própria prática
científica.
Os saltos qualitativos preconizados por Kuhn, ocorrem nos períodos de
desenvolvimento científico, em que são questionados e colocados em causa os princípios,
as teorias, os conceitos básicos e as metodologias, que até então orientavam toda a
investigação e toda a prática científica.
Kuhn utiliza o conceito de paradigma em dois sentidos fundamentais. Em sentido largo,
o paradigma kuhniano refere-se àquilo que é partilhado por uma comunidade
científica, será uma forma de fazer ciência, uma matriz disciplinar. Significando neste
caso, uma «concepção de mundo» um «modo de ver» e de «praticar», que engloba um
conjunto de teorias, instrumentos, conceitos e métodos de investigação. Por exemplo, o
modelo de ciência construído na modernidade, é considerado um paradigma,
comummente denominado, no campo das ciências naturais, como paradigma mecânico

1
– newtoniano ou empírico – analítico, e aplicado às ciências sociais, paradigma
positivista, naturalista, ou quantitativo.
Num sentido restrito, o paradigma é um exemplar; é um conjunto de soluções de
problemas concretos, uma realização científica concreta que fornece os instrumentos
conceptuais e instrumentais para a solução de problemas. Por exemplo, na mecânica e
na electricidade, o modelo de Newton do movimento dos planetas (Lei da Gravitação
Universal), ou o modelo de Franklin da garrafa de Leyden, são respectivamente,
exemplos de paradigmas no sentido restrito, os quais são designados como «modelos
exemplares»".
importa sublinhar que com o conceito de paradigma, Kuhn se aproxima a uma
compreensão histórica das mudanças produzidas na ciência através dos tempos, ao
identificar uma estrutura básica na permanente evolução da ciência, que se concretiza
como mostra a figura a) numa sucessão de fases de ciência normal seguida de fases de
revoluções científicas, passando por uma fase intermédia de acumulação de anomalias e
logo de crises.
I. 6.2)À fase de ciência normal correspondem as realizações reconhecidas durante certo
tempo por alguma comunidade científica como fundamento para sua prática posterior.
Durante dita etapa a comunidade científica trabalha orientando-se por uns princípios
ou crenças comuns, inerentes ao paradigma dominante.
Nesta fase o paradigma indica à comunidade o que é interessante investigar, como
realizar essa investigação, impondo um sentido para o trabalho realizado pelos
investigadores e limitando os aspectos considerados relevantes da investigação
científica. Toda a investigação é realizada dentro e à luz do paradigma aceite pela
comunidade. Nesta fase de ciência normal, o cientista não procura questionar ou
investigar aspectos que extravasam o próprio paradigma, este limita-se a resolver um
conjunto de incongruências que o paradigma lhe vai fornecendo, assim como,
dificuldades de menor importância, que vão permitindo mantê-lo em actividade e que
possibilitam simultaneamente revelar o seu engenho e a sua capacidade na resolução
dos enigmas.
Ora, em determinada altura de desenvolvimento da ciência começam a aparecer
anomalias2, isto é, factos que contrariam ou que não obedecem à visão da realidade que
o paradigma proporciona, e que fazem com que o referido paradigma entre numa fase
de crise, devido a que o mesmo não está conseguindo dar conta da dinamicidade e
continuidade das descobertas científicas. Esta situação de crise se estenderá até que se
decide investigar a anomalia e se descobre que para explicá-la, é necessário mudar a
maneira como vemos o mundo, produzindo-se assim no interior da ciência uma
Revolução científica, a qual traz consigo a assunção de mudanças de compromissos
profissionais.
I.6. 3)A fase de revolução científica.
portanto, correspondem aqueles episódios de desenvolvimento não acumulativo em que
um antigo paradigma é deslocado completa ou parcialmente por outro novo e
incompatível (Kuhn, T. 1971, p. 179). Ou seja, a transição a um novo paradigma é a
Revolução Científica.
Figura 1. 3 Surgimento de um paradigma

Tendo em conta que os paradigmas uma vez aceites, tendem a cristalizar caminhos
reconhecidos como seguros em determinada época, a revolução científica, de acordo
com Demo, P. (1995) se faz na quebra de paradigmas cristalizados, ou no choque entre
eles, provocando renovações mais ou menos radicais.

a) Assim, Marx inaugurou novo paradigma científico, quando se pôs a superar a


postura de Hegel (paradigma anterior), procurando explicações históricas que se lhe
pareciam mais profundas, mais realistas, mais capazes de ir à raiz dos fenómenos.
Tomou outro ponto de partida, ou seja, considerou mais relevante na realidade a base
material e se aproximou dos ideais então fortemente instigados da ciência natural
nascente, o que lhe permitiria fundar uma ciência exacta da história, como Darwin
fundara a ciência exacta (baseada em leis férreas) da evolução das espécies. … (Demo,
P. 1995, p. 56).

Quadro 1.2 Exemplo de aplicação dos conceitos de paradigma, ciência normal, crise e
revolução científica de acordo com Kuhn (tomado do site
http://etimologias.dechile.net/?paradigma, sem autor).

2
O centro do universo Orbita dos planetas
Paradigma A terra é o centro do Originalmente se creia
dominante universo. O sol e os que os planetas tinham
planetas giram em volta uma órbita circular
da terra
Ciência normal Os científicos criam O modelo de Ptolomeo,
modelos e formulas que baseia-se em órbitas
explicam o movimento circulares.
dos planetas. O mais
popular é o modelo dos
“ciclos e epiciclo” de
Cláudio Ptolomeo (85-
165 a. C.)
Crise As fórmulas de Ptolomeo As fórmulas de Ptolomeo
resultam muito resultam muito
complicadas e não complicadas e não
correspondem com as correspondem com as
observações. observações.
Revolução científica Muitas ideias novas Muitas ideias novas
começam a florescer, começam a florescer,
entre elas a de Nicolau entre elas a de Johannes
Copérnico (1473-1543), Kepler (1571-1630), que
que estipula que o sol é o estipula que os planetas
centro do universo e que seguem uma orbita
a Terra e os planetas elíptica e não circular.
giram em volta do sol
Novo paradigma Galileu Galilei (1564- Sir Isaac Newton (1643-
1642) com a ajuda de um 1727) demonstrou com
telescópio construído por ajuda de uma nova
ele, que Copérnico tinha matemática (o calculo
razão, que a terra girava diferencial) e as leis do
em volta do sol e no ao movimento (que ele
avesso. próprio inventou) que
Kepler tinha razão: que
a terra girava no orbita
elíptica e não circular.

As Revoluções Científicas são as que mais contribuem para o progresso da ciência.


Quer dizer, os grandes progressos de uma ciência só acontecem quando seus
paradigmas são desafiados e substituídos por outros paradigmas. Os novos paradigmas
irão redefinir os problemas e as incongruências até então insolúveis, dando-lhes uma
solução convincente, e é neste sentido que eles se vão impondo junto da comunidade
científica. Essa substituição não ocorre de um modo rápido; o período de crise,
caracterizado pela transição de um paradigma a outro, pode ser bastante longo
Os paradigmas representam:
1. Uma determinada maneira de conceber e interpretar a realidade compartida por
um grupo de pessoas.
2. Uma determinada maneira de conhecer o mundo compartida por um grupo de
pessoas.
3. Uma determinada norma com relação aos métodos e técnicas de investigação a
utilizar.
I 6.4)De acordo com o que os paradigmas representam é tradicionalmente aceite que na
hora e analisar um paradigma haverá de se ter em conta:
as três dimensões básicas que o caracterizam: dimensão ontológica, dimensão
epistemológica e dimensão metodológica.
● A dimensão ontológica determina as maneiras de conceber a realidade.
● A dimensão epistemológica determina o que pode ser conhecido.
● A dimensão metodológica, orienta o modo como deve proceder o investigador
para descobrir o cognoscível.
Alguns autores, para além das anteriores também incluem as dimensões: teleológica e
axiológica.
● A dimensão teleológica orienta sobre as finalidades últimas da investigação.
● Dimensão axiológica orienta sobre o papel dos valores dentro da investigação.
O TERMO COMPREENSÃO CENTRO DE GRAVIDADE DO CONCEITO
FILOSOFIA
Segundo Bleicher (2002): “o fenómeno da compreensão é um processo triplo, em cujos
extremos encontramos o intérprete como mente activa e pensante e a mente objectivada
em formas significativas. Não entram em contacto, em comunicação, imediatamente,
mas apenas através destas formas significativas, em que uma mente objectivada se
confronta com o interprete, que aparece invariavelmente, como um outro ser.

I.6.4-UNIDADE I- ESTRUTURAÇÃO DOUTRINAL DA CIÊNCIA


"Não olha enquanto se não se sabe se há alguma coisa a ver. E sobretudo se sabemos que
não há nada a ver"
É a falta da ideia que nos permite a explicação. (Alexandre Koyré: Galileu e Platão, p. 72)
no aparecimento da ciência moderna da natureza: de facto, só este Deus oferecia aos investigadores
dos séculos XVII e XVIII a única garantia possível, nessa época, da ordem do universo, isto é,
conhecimento da sua Conformidade com as leis (que as ciências particulares teriam depois de
descobrir).
Contudo, há que interrogar-nos se este apelo a uma ordem estabelecida por Deus desempenhou
sempre um papel de igual importância nas sucessivas fases do desenvolvimento da ciência. A
resposta parece ser negativa ou, pelo menos, duvidosa, se pensarmos no famoso diálogo que a
tradição faz remontar a Napoleão e Laplace. Segundo este diálogo, Napoleão teria perguntado a
Laplace, que lhe tinha oferecido, como homenagem, os primeiros volumes da Mécanique Céleste, em
que capítulo da grande obra se falava de Deus, e Laplace ter-lhe-á respondido: não tive necessidade
dessa hipótese.
Mais tarde - na Idade Média, no Renascimento e nos primeiros séculos da Idade Moderna - está
mesma tese foi expressa em termos diferentes, afirmando que Deus tinha criado o universo de acordo
com uma ordem matemática; e ainda hoje esta afirmação é retomada por alguns autores (também por
alguns filósofos da ciência)que desejam envolver a ciência numa atmosfera de mistério, talvez para
defender o valor de uma cultura obscurantista, ávida de magia e de astrologia.
Mas ela, (a tese pitagórica e platónica) revela-se manifestamente incompatível com esta exigência de
rigor em que, consiste como sendo uma das principais características da ciência moderna (uma das
características que mais a diferencia da teologia é da metafisica).
-O descurso científico se destingue dos outros tipos de descursos porque é animado de uma constante
exigência de rigor, acrescentando, porém, que esta exigência é essencialmente crítica, isto é, que
nunca pretende chegar a uma conclusão definitiva absoluta, não aprofundavel posteriormente. Trata-
se de uma exigência crítica que não se confunde com uma posição céptica, porque admite a existência
de um <<outro diverso de nós>>, que podemos e devemos conhecer, embora por um conhecimento
relativo.
A) A ciência moderna, na medida da sua estruturação doutrinal, entende que:
a) para além de ser sistematica, também ela é elaborada em função da circunstância, entendendo-se
por esta palavra, o recurso a todas as noções indespensáveis à inteligibilidade da matéria em estudo,
mas ao nível adequado às exigências do momento.
b) Fiel à um principio metodológico: nunca apelar para noções desnecessárias, ao momento, e por
vezes até contraproducentes, enquanto o espírito ainda se não encontrar devidamente amadurecido
para as poder assimilar.
c) É de parecer que se deva, nesta fase, orientar-se no sentido do senso comum racionalizando, quer
dizer, assumir a posição aristotélica, afim de com base em tal atitude mental, preparar-se para outras
perspectivas.
d) Aceitando tais preliminares, é chegada a ocasião de pôr o problema de saber se a investigação
científica, como sendo a única modalidade de a inteligência, se exercer, ou se, pelo contrário, não
repugna admitir outra maneira de o pensamento humano abordar o dado sensorial,encarando-o,
vizualizando-o noutra formalidade.
e) Ao ultrapassar-se está contingência está a inteligência com a condição de assumir o postulado
definidor do teorema, segundo o qual: toda a teoria que se preze não se deixa perturbar por uma
objecção extraída do senso comum. Se encontrar um facto que não se pode enquadrar na teoria,
nega-lhe a existência, se não o pode negar, explica-o. Pois é na explicação do facto quotidiano que
está a medida do génio.
f)É conveniente apontar aqui uma circunstância à qual se deve prestar a maior atenção, quando se
trata de compreender e criticar, de uma maneira geral outras teorias.
-Nodal:Devemos ter cuidado com a forma de encarar aquilo que esta ou aquela teoria denomina <<um
facto>>. Muitos dos chamados factos contêm, realmente muito mais que simples fsctos; são
<<ilações>> expostas na linguagem ou na terminologia de uma teoria definida.
g) Mas, o que é notável e curioso, é aparecerem também sábios para falar da crise das ciências, a
descobrir em si próprios, subitamente, surpreendentes vocações filosóficas - eles que julgam
converter-se como por encanto em filosófos, quando afinal nunca deixaram de <<praticar>> filosofia -
pensam fazer revelações, quando apenas se limitam a repetir vulgaridade e velharias que pertencem
ao que a filosofia é forçada a considerar como a sua história..
h) Nós filósofos de ofício, seríamos levados a pensar que estes sábios sofrem, em relação a esta
<<crise>>, uma doença filosófica evidente e espectacular, quando do desenvolvimento de uma ciência
que eles aproveitam para a sua própria conversão. Mas esta filosofia espontânea apenas, quotidiana,
apenas eles próprios dão por ela.
I) Ora, o que é notável nestas crises filosóficas de sábios é que são sempre filosoficamente orientadas
num só e único sentido: retomam velhos temas empiristas ou formalistas, ou seja idealistas
rejuvenescendo-os: portanto, têm sempre por adversário o materialismo. E como consequência o
teorema segundo o qual: O devir do saber é o alongar-se no tempo da classificação, somente possível
no seu termo, porque cada ciência acede no seu devido tempo à positividade, consoante o grau de
complexidade do seu objecto.
j) Dado que toda a raiz filosófica nasce num pensamento. Os diferentes problemas do pensamento
científico deveriam pois receber diferentes coeficientes filosóficos. Em particular, o grau de realismo e
de racionalismo não seria o mesmo para todas as noções. É pois ao nível de cada noção que se
colocariam as tarefas precisas da filosofia das ciências: Cada hipótese, cada problema, cada
experiência, cada equação reclamaria a sua filosofia.
l) O Elo da Relação Anatomia-Fisiologia
A chamada << nova filosofia da ciência>>, porém, não se deteve muito nas origens <<históricas>>
deste ponto de vista; mas preferiu explorar as teses da pregnância teórica dos dados observacionais
para se contrapor, de modo radical, ao pressuposto do neopositivismo. Assim se configurou um
complexo debate que, pretendendo geralmente submeter a uma severa critica as teses fundamentais
(muitas vezes, demasiado rígidas) do empirismo lógico, não receou submeter a revisão até a
presumível << objectividade>> das teorias. Foi nesta direcção que progressivamente se juntaram,
esboçando uma subversão da tradicional relação entre factos e teorias até defender que toda a teoria
<<cria para si>> os próprios dados observacionais. As <<figuras reversíveis>> de Jatrow do tipo
pato/coelho (cfr. Figura 1) são invocadas (através da tematização do seeing that) para ilustrar a
ambiguidade da experiência.
Fig. 1: Pato ou Coelho?
l.i)A própria história da ciência se revelou uma fonte riquíssima dos exemplos que deveriam
demonstrar o móvel fluxo e a alternância contínua a que está submetido tudo quanto observamos: o
Sol que, visto por Kepler, aparece como o centro estacionário do universo, e a Tycho Brahe pode, pelo
contrário, revelar-se como um corpo que gira à volta de uma Terra estática. Nesta perspectiva, não
são já os factos que conferem significado às teorias: são as teorias que atribuem um significado
preciso aos factos.
m)Identificação Daquilo Que Poderá Ser Atómico
1 <<Já Francisco Xavier, que introduziu, para designar a Deus, a palavra latina Deusu (Deus)
adaptada ao ouvido japonês, teve de experimentar que os Bonzos budistas confundiam Deusu com o
homófono dai-su que em japonês significa precisamente a grande mentira.>> (H. Kung, Cristianismo e
Religiões Universais).
2 Não se deve alegar como pretexto, para violar um juramento, pelo simples facto de Deus em cujo
nome se jurou, simplesmente não existe. (Giulio Giorello: As Razões da Ciência, p. 111).
3 Analogamente, consideremos o termo <<átomo>>, por exemplo, que aparece constantemente nas
teorias físicas e quimicas. Milhares de tipos de observações explicam-se com referência aos átomos.
Sem tal noção, estas duas disciplinas teriam conteúdo completamente diferentes. É, no entanto, nunca
ninguém viu um átomo, com ou sem instrumentos amplificadores dos sentidos. Os átomos ixolados
nunca foram vistos, ouvidos, tocados, sentidos ou sabores dos.
aconteceu no caso da justificação «atomista» de Galileu da divisibilidade até ao infinito das
substâncias extensas (a perpectua fractura preferida pelos comentários latinos da clássica
carecterização dos «indivisiveis» ou «átomos»: para sí, como para Aristóteles, crítico dos atomistas,
eles eram «inobserváveis», isto é, fora do alcance da experiência; aqui, são «inacessiveis» à operação
humana de «dividir» e «subdividir» tanto materialmente exigida como conceptualmente concebida.
Como conclusão, para dizer com o matemático René Thom: <<Se o comportamento de um sistema
não se pode descrever com uma lei simples, procuramos, em primeiro lugar, descrever este
comportamento em termos de , isto é, com propriedades de carácter abstracto que o orientam. E se
também não podemos explicar os dados mediante tendências, então, por desespero, imaginamos que
um espirito [...] dirige pelo menos parcialmente o sistema, e procuramos introduzir-nos nos seus
planos..
n) A eficácia de um discurso tornado vazio, se se atrasa em relação às revoluções científicas.
Wright Mills relaciona o conhecimento e o pensamento com as investigações sociológicas, mas
também com uma nova disciplina que deduz dessas investigações relevantes para esclarecer os
critérios de veracidade, objectividade e imparcialidade: a epistemologia.
E como Mannheim e Merton, Wrigthg Mills não considera o pensamento e o conhecimento como
espontâneos acontecimentos da natureza social do homem, mas antes, em sentido teleológico, como
«funções» de «factores culturais», mantendo assim o critério individualista, segundo o qual a
actividade intelectual apenas surge e se desenvolve porque o individuo, como tal, se informa e colhe
elementos da vida social.
o) É o que se pode concluir, por exemplo, do seguinte silogismo:
1.Premissa Maior
O pensamento é função de factores culturais (donde a sua «validade imparcial»«objectiva»,é
destruída).
2.Premissa Menor
A epistemologia é um tipo de pensamento.
3.Portanto: a epistemologia é função de factores
Culturais (donde não pode ser «objectiva»,«valida»).
Este silogismo é considerado por Wright Mills como um argumento dos defensores do critério de
«verdade absoluta» contra a concepção de «relacionamento» ou «relativismo>>.
Dado que toda a raiz filosófica nasce num pensamento. Os diferentes problemas do
pensamento científico deveriam pois receber diferentes coeficientes filosóficos. Em
particular, o grau de realismo e de racionalismo não seria o mesmo para todas as noções. É
pois ao nível de cada noção que se colocariam as tarefas precisas da filosofia das ciências:
Cada hipótese, cada problema, cada experiência, cada equação reclamaria a sua filosofia.
Uma situação histórica determina factos e princípios, mas não inversamente. O
conjunto de sistemas característicos de um determinado período histórico exerce este
poder determinante. Consideremos, para fundamentar essa afirmação, com vista a uma
clarificação, alguns exemplos: factos e princípios em que se baseava o sistema
ptolomaico eram fornecidos, pela doutrina aristotélica, então dominante, da diferença
entre a esfera translunar e a esfera sublunar. Segundo esta doutrina, a percepção
humana é uma fonte fidedigna do conhecimento só no seio do âmbito terrestre. Assim
entendidos, os factos celestes não contradiz iam a Astronomia ptolomaica, mas podiam
olhar-se em consonância com ela. Esta Astronomia, entre outras coisas, funda vá-se
também nos princípios da física, da metafisica e da teologia coevas. Observemos, além
disso, que para Einstein a realidade a realidade consiste em substâncias que possuem
em si determinadas propriedades, independentemente do facto de elas se encontrarem
em quaisquer relações com outras substâncias. Esta opinião provem de uma antiga
tradição filosófica, que foi cunhada sobretudo por Aristotéles, por Descartes. Segundo
Bohr, pelo contrário, assim se mostrou, a seguir, que a realidade consiste essencialmente
em relação entre substâncias, e este ponto de vista foi, por seu turno, sobretudo
fornecido pela filosofia dialéctica de Kierkegaard e pela de James. O confronto entre
Einstein e Bohr tornou inteiramente claro que os factos não significam para ambos a
mesma coisa e não podem ser dados do mesmo modo. Por conseguinte, Einstein recusa a
mecânica quântica como incompleta, pois não apreende muitas coisas que, aos seus
olhos, constituem um facto, ao passo que Bohr nega que em geral se trate de factos.
I.6.4.1)O PRINCÍPIO DE CORRESPONDENCIA
Popper desenvolve, através de um exemplo, a ideia geral segundo a qual a passagem de
uma teoria científica para uma sucessiva, mais ampla do que a precedente, não estava na
base de processos simplesmente indutivos ou dedutivo, mas em virtude de uma proposta,
de uma <<conjuntura>> totalmente nova e original que pode ser corroborada ou falsificada.
Newton é, em relação a Galileu e a Kepler, exactamente autor deste tipo de propostas. <<Só
depois de estarmos inteirados da teoria de Newton - diz Popper - podemos descobrir se é
em que sentido se pode dizer que as teorias mais velhas constituem aproximações da
teoria nova. >>
Assim Popper alude a um problema metodológico fundamental : a exigência de que as
novas teorias sejam uma abertura para novos conhecimentos e, ao mesmo tempo,
contenham em si, como casos particulares, as teorias precedentes. Niels Bohr (1885-1962)
designiu a esta atitude metódica princípio de correspondência.
Veremos o profundo significado que teve o princípio de correspondência na passagem da
mecânica clássica newtoniana para a mecânica relativista e para a mecânica quântica:
alguns traços fundamentais do pensamento newtoniano, como por exemplo: a exigência
permanente de sistematização racional do raciocínio científico, o aperfeiçoamento do
método experimental, a relação crítica mas construtiva com os outros pensadores e
cientistas.
Qualquer momento, a identificação explícita da estrutura e dos componentes de um
sistema conceptual liberta o investigador da sua servidão.
I.7) RELAÇÃO ESTÁTICA DINÂMICA

1) MODELO DE FORMULAÇÃO DE CONCEITOS

Quando se tornou necessária a elaboração dos conceitos de velocidade instantânea e de


aceleração na fisica e os conceitos do cálculo infinitesimal na matemática que exigiam a
própria exposição dos enunciados dinâmicos de Galileu,tornou-se impossível considerar
a queda dos corpos segundo as noções físicas e cosmologicas aristotélicas e escolástica.
No processo histórico da física científica designar-se-á por este momento um corte
epistemológico ou na expressão de F. Regnout o ponto sem regresso.
Contudo, se só assim fosse o núcleo inicial (a <<combinação>> conceptual) da estática e
da dinâmica, surgiria como a lei interna do desenvolvimento das outras ciências, de tal
modo que o facto epistemológico decisivo seria cada vez mais a importância de um só e
mesmo corte, à saber, o corte galilaico.

Qual é pois a relação entre a importação do termo e o sistema de conceitos próprios da


dinâmica galilaica?
Deveremos pensar numa espécie de repetição da história da mecânica fora desta
ciência? Podíamos então dizer, levados pelas palavras:
Primeira repetição: a relação entre a electrostática e a electrodinâmica.
Segunda repetição: a relação entre a estática social e a dinâmica social na filosofia de A.
Comte. Devemos acrescentar neste ponto que se A. Comte vai buscar a terminologia à
mecânica, no entanto, aplica na sua sociologia os conceitos da biologia no século XIX e,
antes de mais, uma relação conceptual que constitui a:
Terceira repetição: a relação entre a anatomia e a fisiologia.
Será portanto necessário interrogarmo-nos sobre o estatuto desta oposição «presente
em todo o lado». F. Regnault já mostrou a relação pela qual «a dinâmica (galilaica)
substitui doravante a estática de Arquimedes no campo da física». A relação estática-
dinâmica terá o mesmo estatuto epistemológico nos outros domínios aqui evocados?
No entanto, no processo histórico da formação da física científica, chamaremos corte
epistemológico o ponto sem regresso segundo a expressão de F. Regnout a partir do qual
está ciência começa.
O termo ponto sem regresso constitui uma tomada de posição na polémica que opõe em
epistemologia e história das ciências a corrente continuísta (Brouschvicg e o espectáculo
permanente do espírito humano na ciência; Duhem e a questão dos percursores à
corrente descontinuísta que podemos por comodidade designar pelos nomes de
Bachelard e Koyré
A posição descontinuísta recusa a noção de <<saber>> como desenvolvimento contínuo
do <<conhecimento comum>> ao conhecimento científico e da aurora da ciência à
ciência moderna.
O termo princípio assinala a distinção com que por norma se designa por origem de
uma ciência.
Falar de princípio significa que o corte constitutivo de uma ciência se efectua
necessáriamente numa conjuntura definida na qual as origens filosóficas e ideológicas
teóricas que definem os espaços dos problemas sofrem um deslocamento para um novo
espaço de problemas.

2) MODELO DE FORMAÇÃO DE TEORIAS

Newton (1643-1724) foi o homem por quem esperava a explicação do


movimento dos planetas sobre os quais se supunha a necessidade de
equilibrar a força centrífuga, com uma outra força qualquer que se estendia da
proximidade da Terra até ao sol para as estrelas.
O problema era saber que tipo de função poderia traduzir essa variação.
Huygens, em 1673,ao estudar os relógios de pêndulo, mostrou que a força centrífuga variava
consoante o raio é na razão inversa do quadrado do período. Como, de acordo com a
terceira lei de Kepler, o quadrado do período era proporcional ao cubo do raio, a atracção
universal em equilíbrio com a força centrífuga deveria depender do inverso do quadrado do
raio. Sabe-se hoje, que já em 1665, Newton, havia descoberto o princípio essencial da lei do
inverso do quadrado da gravitação, que deduzida dos trabalhos de Galileu. Incidentalmente
descobrira também a lei da força centrífuga uns dez anos antes de Huygens, a quem, como
já notamos, é geralmente atribuída.
O instrumento de que Newton se serviu para tal fim, foi o cálculo infinitesimal,, como ele lhe
chamou, o método das fluxões - o fluir regular de uma função contínua. Usando-o, é possível
determinar a posição e movimento de qualquer corpo, num determinado instante, passado,
presente ou futuro, conhecida a relação com a entre essa posição e a sua velocidade u
mudança de velocidade em qualquer outro momento, recorrendo a um conjunto de
fórmulas matemáticas rígidas e infalíveis: a partir de um certo número de definições e
axiomas que revelam pela primeira vez os conceitos básicos da mecânica, tais como força,
movimento e massa, são enunciadas as três leis do movimento, fundamento da dinâmica
clássica: a lei da inércia, a relação fundamental da dinâmica, F= m a, e a lei da igualdade da
acção e da reacção. O nervo vital de toda a argumentação é a lei da gravitação universal, a
ideia de que cada corpo, cada partícula de matéria do Universo, exerce sobre outro corpo ou
partícula uma força atractiva proporcional às respectivas massas e ao inverso do quadrado
da distância entre ambos.
Esta interpretação mecanicista do universo que se estabelece um ponto de vista dinâmico
do universo, em vez de um ponto de vista estático que satisfazer a os antigos, é a chave de
que toda a ciência moderna, como é a base das diversas teorias corpusculares à volta das
quais se vai desenvolver a ciência à partir do século XVII, quer dizer no campo da física quer
da no capo da química, quer dizer ainda que no campo da biologia e da medicina.

CONCEPTUALIZAÇÃO PARADIGMATUCA

O Paradigma-É toda a teoria associada a uma certa aplicação padrão que se torna consenso
para uma determinada comunidade científica.
É, nossa função, na qualidade de profissional em Filosofia, expressar do que da triádica
filosófica se deve considerar de conhecimento.
O paradigma da triádica filosófica é formalizado pela Categoria Filosofia e pelos
conceitos Ciência e o conceito Teoria.
1. A Filosofia - é simplesmente pensamento, faculdade do espirito humano, que tem
como função explicar determinados ¡fenómenos que inquietam a compreensão, através
das sensações passando pela percepção que em cada época histórica se defracta em
razões com níveis de necessidade e universalidade percurtivas para prossecução dos
problemas que assolam a consciência (com+ciência).
2.A Ciência - é um conjunto de teorias bem verificadas que explicam padrões de
regularidades e irregularidades entre fenómenos cuidadosamente estudados. Isto sugere
duas principais linhas de investigação:
a) uma delas visando saber qual o estatuto dos fenómenos acerca dos quais se supõe
saber algo,
b) e a outra apontando para a matéria e para o conteúdo do conhecimento teórico
(teo=Deus é ria=caminho ou, ainda, teo=Deus, como verdade e verdade com conotação
científica).
3.Teoria - é um conjunto de hipóteses coerentemente interligadas que têm como
finalidade explicar, interpretar, elucidar ou unir um dado número de conhecimentos.
4.Conhecimento - é a apreensão do objecto pelo sujeito através de determinados meios
teóricos.

O Dilema da Triádica Filosofica- São duas proposições contraditórias, sendo que uma é
necessariamente verdadeira, não se podendo dizer que quer uma quer outra são falsas.
É a situação que aqui conhecemos perante a qual a filosofia pretende dialogar com as
ciência, acerca da sua constituição progressiva, do seu devir e da sua constituição
progressiva.
O Devir é um principio de clarificação. É o alongar-se no tempo da classificação, somente
possível no seu termo porque cada ciência acede no seu devido tempo à positividade,
consoante o grau de complexidade do seu objecto. É o devir que dá resposta ao caso,
segundo Cournot, um maiores epistemologia do século XIX, é a intercepção entre duas
séries causas independentes.
A DIAMETRALIDADE CONCEPTUAL
Modelo do Silogismo Filosófico
Premissa Maior - na Natureza todas as verdades tomadas em conjunto formam um todo
harmonioso.
Premissa Menor - enquanto que entre as hipóteses falsas e os efeitos verdadeiros a
Dissonância é flagrante.

As Duas Formas Do Conhecimento Human: O conhecimento humano tem duas fontes: a


experiência e a razão. 
Na linguagem filosófica é costume dizer-se que uma proposição é a priori  se a sua
verdade pode ser conhecida sem apelar para a experiência; e  a posteriori  se pelo
contrário só podemos conhecer a sua verdade através da experiência.

Um raciocínio é o processo pelo qual se chega a uma conclusão, partindo de uma


sequência de proposições, a que se chamam premissas. As premissas e a conclusão
podem ser a priori  ou  a posteriori.

É necessário distinguir o conceito lógico de raciocínio, do conceito psicológico de


raciocínio. O conceito psicológico de raciocínio denota aquela actividade mental que os
seres humanos realizam desta ou daquela maneira, melhor ou pior, com prazer ou não.
O conceito lógico de raciocínio é uma abstracção independente de factores psicológicos.
A lógica não estuda o fenómeno psicológico do raciocínio; isso é estudado por parte da
psicologia. A lógica não é uma disciplina empírica acerca da maneira como as pessoas
raciocinam de facto. A lógica é uma disciplina  a priori  que, entre outras coisas,
estabelece as normas que as pessoas têm de cumprir se desejam realmente alcançar o
raciocínio correcto ou válido. Se a lógica fosse uma disciplina empírica acerca da
maneira como as pessoas pensam de facto, teria de admitir como correctos ou válidos
aqueles raciocínios que a maioria das pessoas realizam supondo serem correctos ou
válidos. Mas a verdade é que os raciocínios incorrectos ou logicamente inválidos não se
tornam válidos mesmo que todas as pessoas os tomem como válidos.

É necessário agora distinguir claramente a validade, ou a correcção de um raciocínio,


da verdade.

A validade é uma propriedade dos raciocínios e não das proposições que os compõem, ao
passo que a verdade é uma propriedade das proposições que compõem os raciocínios.
Isto é, uma proposição pode ser verdadeira ou falsa; mas não faz sentido dizer que é
válida ou inválida. Pelo contrário, um raciocínio é válido ou inválido mas não faz
sentido dizer que é verdadeiro ou falso. Esta não é uma mera convenção, nem uma
distinção meramente verbal; ela corresponde à diferença que existe entre a avaliação de
um raciocínio e a avaliação de uma proposição. Avaliar uma proposição é muito
diferente de avaliar um raciocínio. Quando avaliamos um raciocínio e sancionamos a
sua qualidade, afirmamos que ele nos “conduz” à verdade, assumindo que as premissas
são verdadeiras. Esta verdade a que ele nos “conduz” é a proposição que se conclui.
Assim, avaliar positivamente um raciocínio é afirmar que, assumindo a verdade das
suas premissas, ele nos garante a verdade da conclusão. Logo, temos de distinguir essa
qualidade que os bons raciocínios têm, que consiste em garantir a verdade das suas
conclusões, da própria verdade das suas conclusões: é preciso distinguir o comboio que
nos conduz ao Porto, do Porto.

UM INTERESSE DE RAZÃO
Queremos simplesmente chamar a atenção para uma situação paradoxal que por si só
demonstra que a situação das ciências não é tão clara como parece: é a situação que
aqui conhecemos, na qual a filosofia pretende dialogar com as ciências acerca das formas
da sua constituição progressiva, do seu devir.
«PROBLEMA» entende-se aqui num sentido objectivo que marca o emprego do termo
no singular. Não se trata pois dos «problemas» que poderia levantar a história das
ciências e, por conseguinte, da existência de uma prática distinta que lhe corresponderia
no mundo das práticas teóricas.
Este «problema» pode refractar-se através de um certo número de questões distintas e
convergentes.
Para quem existe uma história das ciências? Para quem a história das ciências é um
problema? «Para quem», quer dizer: em que lugar do discurso teórico, em função de
que situação real deste discurso? Ao propor tais questões, damo-nos já conta de que
existe uma certa relação de vizinhança entre a história das ciências e a filosofia: por
isso se põe o problema do seu interesse em vez do seu objecto (1).
Interesse, entende-se ainda aqui, num sentido objectivo e sistemático: toda a disciplina
teórica deve com efeito corresponder ao que Kant chama «um interesse de razão».
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(1) Depois destas lições, apareceu uma colectânea de artigos de George Canguilhem intitulada:
«Études d`Histoire et de Philosophie des Sciences». A sua introdução, inédita, trata do objecto da
história das ciências, o que parece contradizer a nossa asserção. Mas é assaz notável que o autor
tenha de início levantado a questão sob a forma da generalidade e da indeterminação de um «De
quê«; «de quê uma história das ciências é histórica?», e declara em seguida: «O objecto do
historiador das ciências não pode ser limitado senão por uma decisão que lhe determina o interesse
e a importância».
Resumiremos a tese deste artigo:
1º) O objecto da história das ciências não é objecto da ciência;
2º) A relação da história das ciências com o seu objecto não é a relação de uma ciência com o seu
objecto;
3º) E no entanto a história das ciências mantém com a ciência, uma relação ao mesmo tempo
paradoxal e essencial. É esta relação que procuramos especificar na nossa exposição.

UNIDADE III- KANT: DISTINÇÃO ENTRE O RACIOCÍNIO DO IMBECIL E DO INTELIGENTE


Com Kant (1) estávamos nos umbrais do pensamento dialéctico sistematizado.
1) Este filósofo concebe uma lógica geral dos juízos analíticos com referentes empíricos
e uma lógica transcendental que tem como conteúdo as categorias da razão (raciocínio)
as que ele concebia como existentes a priori:
a) de facto, a lógica geral é uma tal lógica que não distingue entre o raciocínio do
imbecil e do inteligente, na medida em que as suas leis não se referem ou não têm
com conteúdo os juízos sintéticos, quer dizer, não se importa pelo conteúdo do
raciocínio, mas pelo raciocinar correcto ainda que os resultados sejam absurdos.
Mas o princípio desta lógica, aquele que proíbe a contradição, percorre todas as
formas de raciocínio.
É o próprio Kant, no surpreendente Apêndice a Dialética Transcendental, a sublinhar
que os pressupostos metafísicos se podem desenvolver verdadeiramente como
heurísticas científicas (diriamos que quase como que <<lógica da descoberta>>).
A) De facto, tais pressupostos <<servem de regra à experiência possivel e […] são
realmente aplicados com sucesso como princípios heurísticos na elaboração da
experiência>>. Estes Prinzipien, em questão, são três:
a) a homogeneidade dos géneros (unidade);
b) a variedade das espécies (diversidade);
c) o princípio da continuidade das formas (afinidade), que quase surpreende os
outros dois e graças ao qual – escreveu Kant - <<a razão prepara ao intelecto o
seu campo>>: afirmação que se entende no sentido mais forte, enquanto o
reconhecimento das semelhanças (afinidades) é o que torna possível o conceito de
género e todos os conceitos gerais, sem os quais <<não seria já intelecto, porque o
intelecto tem que trabalhar apenas com tais conceitos>> ( Ludovico Geymona &
Giulio Giorello: As Razões da Ciência, p. 50)
II. I) A história do termo lógica ou o encadeamento descursivo do conceito de verdade:
o que se deseja evitar a todo o custo é o estabelecimento de falsas conclusões a partir de
evidência verdadeira, que se exprime na realização que apreende com rigor e precisão
de cada elemento do conceito, para não se redundar em generalidades difusas.
Para se compreender que, por exemplo, o conceito de verdade em matemática, não
reside em parte alguma,mas sim:
A) Senão nos processos que a produção dos conceitos e a construção das teorias
matemáticas põem em acção.
B) Para que exista <<objectidade matematicamente fundada do devir matemático>>:
1) É necessário que exista um conceito matemático de verdade, que não é dado;
2) Este conceito deve construir-se a partir do conjunto das proposições que os
matemáticos de uma época têm por por verdadeiros.
A história do conceito de verdade releva da história da filosofia e não da história das
matemáticas. Porém, embora a filosofia defina o conceito de verdade em matemática, o
que enuncia apenas tem sentido numa relação definida com aquilo que os matemáticos
fazem, os quais alias, não lhe são obrigatoriamente indiferentes. Esta relação pode ter o
rigor que apresenta com precisão cada elemento do conceito, ou redundar em
generalidades difusas.
I.3.1)A história de uma ciência não encontra o conceito de seu objecto, se não na ciência
com a qual constitui a sua história. Se a ciência não existe a história da ciência também
não existe. Apenas pode haver história das ciências.
Ilustraremos está tese essencial comentando um admirável texto de Cavaillés na
introdução das suas Remarqués sur la formacion de lá theorie abstraite des ensembles
(1938).
Consequências:
De todas as histórias, parece-nos que a história das matemáticas é a que está menos
ligada àquilo de que é veículo, se existe algum elo é a parte post, servindo unicamente
para a curiosidade e não para a compreensão do resultado: o depois explica o antes. O
matemático não tem necessidade de conhecer o passado, pois é sua vocação recusá-lo:
na medida em que se não submete ao que parece evidente pelo facto de ser aquilo que é,
na medida em que rejeita a autoridade da tradição e apenas nesta medida, ele é
matemático,quer dizer, revelador de necessidades.
No entanto com que meios opera?
Há uma objectividade, fundada matemàticamente, do devir matemático. É esta última
frase que nos dá a fórmula da construção do conceito de objecto da história das
matemáticas:0
a) O devir das matemáticas é um devir objectivo;
b) Esta objectividade não é uma qualquer, mas singular e típica: <<existe uma
objectividade, etc. >>
c) Esta singularidade é relativa àquilo de que este devir é o <<veiculo>>. À
primeira vista parece que este devir apenas mantém laços bastante frouxos e
extrínsecos com aquilo que veicula. Todavia isso é aparente e significa que nos
colocamos na perspectiva dos resultados. Mas estes resultados devem ser óbtidos,
e a sua obtenção não é uma qualquer nem arbitrária, mas relativa a um sistema
de meios.
d) São estes meios que garantem a ligação real do devir das matemáticas às
próprias matemáticas. Que ligação é esta?
É necessário pensá-la como uma relação do fundamendante ao fundamentado. É a
matemática que fundamenta a objectividade do seu devir; aquilo que é fundamentado
matematicamente, é a objectividade deste devir, quer dizer uma categoria filosófica que
releva da teoria deste devir, (devir filosófico) e se confunde com a construção do
conceito de história das matemáticas.
COLORÁRIO: existe portanto, uma verdade no sentido de Eudoxo; uma verdade no
sentido de Dedekind , no sentido de Leibniz, ou de Cantor. Verdades que não se
excluem, mas também não se implicam: o facto de Eudóxio falar de lógos e não de
àrhithmós, embora significativos, não é ainda em si determinante: A questão central é
saber se e como as propriedades do domínio de objectos - quer sejam números ou
relações - são tematizadas como tais. É elaborando esta questão que se encontra a
distância que separa as duas teorias e que proíbe que se possa ler uma na outra.

AS VIAS DE ACESSO
I. A via filosófica e a via científica

A epistemologia desligou-se pouco a pouco da filosofia, e até, mais precisamente, da


teoria do conhecimento, depois desta ter sido encarada, na sequência de Locke e de
Kant, como um problema anterior a toda a filosofia.

Como se sabe, o ponto de partida da filosofia kantiana é uma interrogação sobre a


possibilidade da ciência. Mas não se pode por isso considerar Kant como um
epistemólogo. Kant e Locke, foram quem a pouco e pouco, desligaram a epistemologia e
até mais precisamente da teoria do conhecimento, depois de esta ter sido encarada como
um problema anterior a toda a filosofia. E sobretudo porque, a questão da possibilidade
da ciência não é tratada por si mesma, mas como um meio para resolver o seu
verdadeiro problema: o de saber se se pode conferir à metafísica o mesmo carácter
científico que têm a geometria de Euclides e a física de Newton.
Mas, geralmente, deve admitir-se que existem, por um lado, cientistas diferentes
daqueles a que Kant chamava de ciclopes, por lhes faltar visão filosófica e por outro
lado filósofos cheios de curiosidade e de espirito científico.
Independentemente de toda a questão de pessoa, é sobre o modo como eles conduzem os
seus trabalhos que seria preciso basearmo-nos para repartir os epistemológos entre os
dois grupos. Mas o que torna a coisa difícil é o facto de a epistemologia se erguer
continuamente, como um espectro, entre as teorias do conhecimento de horizontes
vastos e as especulações meta científicas mais especializadas. E se as primeiras
ultrapassam largamente a epistemologia, porque desembocam numa filosofia, as
segundas visam pelo contrário a fecharem-se de modo a permanecerem no terreno
próprio da ciência: o teorema de Godel, o teorema de Von Neumann, têm certamente
um interesse capital para a epistemologia. Os trabalhos de epistemologia fazem a junção
entre estes dois extremos, numa cadeia sem ruptura, e seria arbitrário querer fixar o
ponto em que eles começam e em que acabam. As duas grandes obras de L.
Brunschvicg, As etapas da filosofia matemática e A experiência humana e a causalidade
física, são algumas vezes incluídas na epistemologia (Piaget) e algumas vezes são
sistematicamente excluídas (Rougier). Com efeito, elas pedem à história das ideias
científicas que venham precisar e confirmar uma filosofia previamente concebida. Com
Em. Meyerson e com G. Bachelard, aproximamo-nos de uma epistemologia
independente. É certo que Meyerson chega a uma teoria geral do conhecimento, mas
não parte dela; quanto a Bachelard, a sua filosofia inicial torna-se flexível e pluraliza-se
sob o efeito das suas análises. No entanto, o empirismo lógico não se inclina de modo
algum a admitir tais trabalhos no quadro da epistemologia, devido aos laços que eles
mantêm, ao mesmo tempo pelo seu método e pelas suas teses, com a especulação
filosófica. Podem tais laços serem alguma vez rompidos? O próprio empirismo lógico é
isento de toda a filosofia? Qual é, aliás, a grande teoria científica que não tem também
implicações filosóficas? A teoria da gravitação universal dividiu durante meio século
cartesianos e newtonianos. Nas matemáticas, as implicações filosóficas estão
manifestadas nas discussões sobre o fundamento da análise infinitesimal, que tanto
ocuparam o século XVIII até se chegar, em 1797, à obra de Lazard Carnot cujo título é
significativo: Reflexões sobre a metafísica do cálculo infinitesimal. Na física
contemporânea, segundo se interprete o continuum espácio-temporal da mecânica
relativista como uma espacialização do tempo ou como uma dinamização do espaço, ou
conforme se interprete o indeterminismo da mecânica quântica como essencial ou como
a manifestação de um determinismo escondido, toma-se, quer se queira quer não, uma
posição filosófica.
Em vez de distinguir entre uma epistemologia científica e uma epistemologia
filosófica, valeria talvez mais distinguir, e ainda com a condição de se controlar as
transições, entre uma via de acesso científica e uma via de acesso à epistemologia,
segundo o estilo adoptado se aparente mais com o dos cientistas ou com o dos filósofos.
Mas seria sem dúvida ainda melhor distinguir entre o que se poderia chamar uma
epistemologia interna e obrigatória e uma epistemologia externa e facultativa. Por
epistemologia interna ou obrigatória entendemos a que nasce, de qualquer forma, no
próprio caminho do cientista, a que é exigida por problemas que se colocam no interior
da ciência. O cientista faz então epistemologia sem o querer e quase sem o saber. A
epistemologia apresenta em relação a ele um carácter ocasional e tende a integrar-se no
trabalho científico. A que qualificámos de externa e de facultativa é mais desligada; é
praticada deliberadamente, em seguida a uma decisão arbitrária. Tem um interesse
mais puramente especulativo, é cultivada por si própria, como um fim e não
simplesmente como um meio. É neste sentido que podemos qualificá-la de mais
filosófica.

A METAFISICA

A filosofia divide-se em quatro ramos princípais, a saber: a Lógica, que é a


teoria do raciocínio; a Epistemologia, ou seja, a teoria do conhecimento; a
Metafísica, isto é, a teoria dos conceitos e do seu relacionamento; e a Ética ou
teoria da valorização, em particular do valor moral.
Aqui, porém, não nos ocuparemos de ética.
Presentemente, os estudos metafísicos são mais modestos do que foram no
passado. Nenhum homem prudente escreve acerca do Universo, do Homem ou
de Deus. A metafísica actual ocupa-se dos conceitos mais gerais utilizados na
ciência e na vida comum.
O metafísico moderno poderá estudar, por exemplo, os conceitos de espaço e
os conceitos de tempo empregues na vida habitual e compará-los com os
usados na teoria restrita da relatividade; examinará também, porventura, vários
conceitos de causa ou conceitos de possibilidade e de necessidade.

CAPITULO II-O OBJECTO DE ESTUDO


A metafísica actual tem como objecto obter clareza de pensamento através do
estudo minuciosos dos conceitos. Em certa medida, isto efectua-se por meio do exame
dos diversos aspectos do uso da linguagem. O metafísico de hoje procurará descobrir a
relação existente entre diversos conceitos. Investigará, por exemplo, a que se verifica
entre conceitos de objecto e conceitos de espaço. Considerará se o conceito de direcção
temporal se acha contingente ou necessariamente ligado ao conceito de causalidade.
Em tempos recentes, alguns destes estudos e problemas conceptuais
deslocaram-se para o primeiro plano da ciência. Surgiu na Física o debate de
problemas acerca do conceito de causalidade e de objecto, em particular nas
notas críticas sobre tentativas de interpretar a mecânica quântica de maneira útil
e consistente. Problemas conceptuais acerca do espaço e do tempo despontaram
nas teorias da relatividade. Tabém a biologia suscitou questões tais como a de
saber-se quais os limites do conceito de indivíduo, especialmente na discussão
dos esforços tendentes a especificar a unidade da evolução, ou seja, concretizar
aquilo que evolui. O recente descontentamento da psicologia gira, em parte, à
volta de sentimentos de incerteza quanto a conceitos metafísicos tais como o de
pessoa e de «acto».

A relação entre a lógica e a epistemologia


Na filosofia da ciência, os três ramos do estudo filosófico não poderão ser
examinados com proveito por meio de análises separadas. As soluções propostas
para os problemas de um dos campos afectam inevitávelmente o tipo de soluções
possíveis para os outros.
Suponhamos que, ao considerar as relações lógicas existentes entre a evidência relativa a
determinada lei e essa mesma lei, decidimos não ser apropriado falar-se de inferir a lei a
partir da evidência. Poder-se-á adoptar essa solução por pensar-se que tal maneira de falar
sugerirá a existência de uma relação lógica onde ela não existe. Os enunciados que
descrevem a evidência serão enunciados particulares, do género: «nesta experiência, quando
a luz passou de um para outro meio, a razão do seno do ângulo de incidência e do seno do
ângulo de refracção tinha o mesmo valor daquele que foi calculado nos ensaios precedentes.»
A lei será expressa num enunciado geral: «Em todos os casos de passagem da luz de um para
outro meio, é constante a razão do seno do ângulo de incidência e do seno do ângulo de
refracção»; a lei de Snell é uma lei geral.
Mas a lógica dedutiva não sanciona a inferência do particular ao geral.
Deste modo, falar-se de inferir a lei a partir da evidência é, no minímo, induzir
em erro, visto sermos tentados a pensar que a lei é uma conclusão estabelecida a
partir de premissas especificas de acordo com princípios lógicos. Se os
princípios da lógica dedutiva não presidirem à feitura das leis extraíveis do
observável, não poderemos afirmar que a verdade dessas leis deriva, com rigor
lógico, da verdade dos enunciados que lhes descrevem a respectiva evidência.
É possível retirar disto uma conclusão epistemológica, nomeadamente a de
que, não obstante ser legitimo dizer que conhecemos a verdade dos enunciados que
descrevem experiências particulares, não é possível afirmar que conhecemos a verdade
das leis da Natureza que julgamos basearem-se, de algum modo, nessa evidência.
Iremos ainda mais longe argumentando que, por tal motivo, será induzir em erro falar-se
em absoluto de verdade das leis. Dever-se-ia, por ventura, considerá-las como conjecturas
mais ou menos satisfatórias, deixando em aberto o caminho ao aparecimento de nova
evidência.
Apresentar-se-á também, talvez, o argumento de que, muito embora se possa dizer que
conhecemos os factos particulares que constituem a evidência das leis, apenas é licíto garantir
com propriedade que acredtamos em determinada lei; não deveria afirmar-se que
conhecemos leis, visto isso subentender que a lei é verdadeira.
Não se pode conhecer o que não é verdadeiro.
As considerações lógicas afectam a epistemologia no problema das previsões. Alguma
vez teremos a certeza da verdade de uma previsão? A previsão astronómica aproxima-se
tanto quanto possível da certeza, servindo assim de exemplo. Há possibilidade de determinar
com grande rigor a posição de um astro. Os enunciados que descrevem as posições prévias
que ele ocupou funcionam como premissas, as quais inferem futuras posições com exactidão
lógica. Os almanaques náuticos e as tábuas astronómicas representam precisamente
resultados de tais inferências.
Seremos talvez a supor que as previsões sejam tão certas como os dados sobre os quais
se baseiam. É tentador pensar que o rigor das observações forneça automaticamente um
aumento de certeza na previsão.
Observações precisas são imprescendíveis à previsão exacta, mas a certeza é outra ordem
de ideias.
A certeza de uma conclusão corresponde à certeza do elo mais fraco da cadeia dedutiva, ou
seja, da premissa menos certa. Se eu estiver absolutamente certo de que João tem cavelo
ruivo, mas apenas razoavelmente convicto de todas as pessoas ruivas são celtas, então só
poderei estar razoavelmente convencido de que João é celta.
Para o emprego dos dados astronómicos na feitura de uma previsão por método
dedutivo, há necessidade de uma teoria astronómica. Essa teoria, formada em parte por
leis, terá carácter geral. Todavia, de acordo com os argumentos atrás apresentados a
sua qualidade de verdadeira não pode ser reconhecida. Na melhor das hipóteses,
considerar-se-á como a teoria mais satisfatória arquitectada até ao momento. A
possibilidade do seu completo abandono significa o facto de ser menos certa do que os
dados astronómicos.
Encarando o assunto sob este ângulo, talvez nos inclinemos a avaliar a teoria como o elo
mais fraco da cadeia que vai dos dados à previsão.
Quando se compara a confiança depositada na exactidão de uma teoria com
a confiança que temos nos dados da observação e da experiência, creio que
em muitos casos, daremos preferência à teoria. A teoria da evolução, por
exemplo, é geralmente tida como correcta, não obstante serem muito incompletos e pouco
dignos de crédito os dados sobre os quais assenta. Mais adiante e a propósito do assunto,
ocupar-nos-emos de outro factor de maior complexidade.
As ideias quanto à credibilidade dos dados e mesmo, em certa medida, quanto à maneira
como se interpretam depende da teoria sustentada pelo investigador. «Dados puros» é coisa
que não existe. Seja como for o modo como se encarem, contudo, as previsões baseadas em
dados e conseguidas com o emprego de uma teoria não são mais certos do que a certeza
depositada no elemento mais duvidoso que faça parte da previsão. Se acaso esta não se
concretizar, estando nós convictos da exactidão dos dados e da respectiva interpretação, a
teoria terá de ser então revista ou mesmo, em casos extremos, rejeitada.
Este tipo de incerteza acerca do futuro vai diminuindo à medida que se descobrem mais
factos e que as teorias adquirem maior requinte e se tornam mais elaboradas. Hoje em dia,
estamos mais seguros do que nunca a respeito das futuras posições dos planetas, do efeito da
temperatura nas reacções químicas, dos progressos demonstrados por pacientes que sofrem de
determinadas doenças, e, sem dúvida, a nossa certeza em tais matérias continuará a aumentar.
Existe aqui, porém, uma armadilha filosófica à espera dos incautos. E bastante fácil ser-se
desviado da atitude sensata que encara como impossível a certeza absoluta do curso dos
acontecimentos futuros, para se cair na dúvida excessiva quanto à possibilidade de
conhecer seja o que for do que está para vir.
Ao interrogarmo-nos se conhecemos realmente o desenlace provável de determinado
processo, poderemos aderir com facilidade à ideia de que, de facto, não sabemos o que
provavelmente acontecerá. Se acaso não soubermos que o dióxido de carbono torna leitosa a
água de cal será preferível precavermo-nos para a possibilidade de, na próxima vez que
fizermos passar uma corrente desse gás atravéz de água de cal, acontecer seja o que for – ela
adquirir cor verde, por exemplo.
No decurso destas linhas, as dúvidas razáveis talvez surgidas no nosso espirito a respeito do
desenlace concreto de determinada experiência e do cumprimento exacto de previsões foram-
se transformando em cepticismo, devido à condição necessariamente restrita daquilo que se
deve considerar conhecimento. Se tudo quanto nos for permitido afirmar que sabemos tiver
de ser absolutamente certo, claro que, em tal caso, o nosso conhecimento do futuro não será
nenhum, e nulo será também o conhecimento seja do que for.
Mas a diferença entre o conhecimento do futuro e o mero palpite é um dos contrastes que
faz com que adquira sentido o conceito de conhecimento. Os estudos científicos não
produzem informação com carácter de certeza absoluta; mas a ciência também não é um
jogo de adivinhas. Em boa verdade, no sentido rigoroso e restrito do conhecimento que
torna possivel o conhecimento do futuro, apenas as verdades matemáticas são
conhecimento.

A relação entre a lógica e a metafísica


Os exemplos acima citados foram exemplos da influência da lógica sobre a epistemologia.
Casos há, também, em que ideias derivadas de reflexões epistemológicas influenciam a
lógica. No seguimento do livro, depararemos com alguns destes casos. Mas, por agora, darei
apenas uma rápida vista de olhos a alguns exemplos de interacção da lógica e da
metafísica.
O estilo em que se faz a análise lógica das proposições pode influenciar-nos as ideias
quanto às categorias metafísicas últimas. Uma das maneiras por meio das quais os lógicos
procedem à análise de enunciados gerais é recorrendo a predicados e a um processo
lógico a que se dá.
o nome de quantificação. Por exemplo, a expressão é «gasoso» designa-se por
predicado. Os substantivos comuns podem ser substituídos por predicados sem perda
aparente de significado. Em vez de «este cavalo é castanho», dir-se-á este animal é equino e é
castanho».
Termos tais como «todo» e «alguns» são denominados quantificadores pelos lógicos. É
costume empregarem-se variáveis x, y etc., em conjunto com quantificadores, do seguinte
modo: em vez de «todos os cavalos são castanhos», dir-se-á «todos os que são equinos são
castanhos», eliminando os substantivos em favor dos predicados. Assim, em lugar de um
vago «que», utiliza-se a variável x, tornando a redigir a frase tal como se segue: Para todo o x,
se x é equino, então x é castanho.
Esta proposição significa o mesmo que «todos os cavalos são castanhos».
Aplicando tal método analítico à lei que nos diz que todos os gazes têm o mesmo
coeficiente a que x se expande = ao coeficiente a que y se expande.
Em vez de dizer respeito à matéria, ou seja, aos gases, a nova forma de que se reveste a lei
parece revestir-se à propriedade gasosa e à capacidade expansível. Um enunciado concebido
em termos de substantivos dir-se-á falar de substâncias e de objectos, enquanto o expresso em
termos de predicados parece querer indicar qualidades e processos (1) .
A adesão à lógica predicativa pode levar a pensar-se que uma proposição se exprime
melhor num -
_____________
(1) Para um debate em termos gerais da controvérsia entre substantivos, predicados
e quantificadores, veja-se W. V. Quine na sua obra From a Logical Point of View,
capítulo 1 (Cambridge, Mass.: Havard University Press, 1953).
eunciado onde se empreguem apenas predicados do que num outro onde se apliquem
substantivos e adjectivos.
Dai, será fácil chegar a pensar que o modo predicativo de expressão represente, de alguma
maneira, uma reflexão mais exacta da forma como as coisas são, mais fiel à sua natureza, do
que o emprego de substantivos. Tal sentimento poderia exprimir-se na teoria metafísica de
que «propriedade» e «qualidade» seriam categorias mais fundamentais do «substância» e
«coisa» e de que estas últimas deveriam tratar-se como colecção ou receptáculos de
propriedades ou de qualidades. De acordo com semelhante ponto de vista, uma maçã não é
uma coisa doce, vermelha e redonda, mas um nexo de qualidades – doçura, vermelhidão e
rotundidade.
Mas as coisas nada mais serão do que receptáculos de qualidades? A pergunta é dificil de
responder e a solução do problema pertence ao âmbito da metafísica; a ciência não consegue
resolvê-lo. Sejam quais forem as experiências tentadas, a questão permanecerá em aberto;
trata-se, de facto, de um problema conceptual. Serão os conceitos de coisa analisáveis sem
um resto de conjunções de conceitos de qualidade?
Algumas questões metafísicas aproximam-se de questões e de problemas científicos,
relacionando-se com eles. A ciência não se limita a efectuar experiências. Os cientistas
criam também sistemas de conceitos, adequados e auto-conscientes, por meio dos quais
consigam compreender o mundo tal como se revela através dos resultados das
experiências.
Os conceitos de coisas abundam na maioria das ciências. Qual o papel que desmpenham?
Serão elimináveis? Serão as condições para a aplicação dos conceitos de coisas violadas
pelos conceitos necessários à física subatómica? Que pressupostos arquitectaremos no
nosso sistema conceptual pelo simples emprego de palavras como «neutrão» e «protão»?
Ao considerar-se a natureza do conceito de coisa, é possível encontrar parte da resposta,
visto o uso de substantivos e o emprego de conceitos de coisas serem dois aspectos do mesmo
cometimento metafísico. Regressaremos também a este assunto ao fazer a análise
pormenorizada dos problemas filosóficos da ciência. Veremos não só como a lógica
influência a metafísica, mas também os profundos efeitos que esta última exerce sobre a
primeira.

A relação entre a epistemologia e a metafísica


Já me referi à teoria epistemológica segundo a qual a única coisa que podemos ter a pretensão
de saber de facto é a de experimentarmos sensações específicas. De acordo com a teoria, o
conhecimento restringe-se a factos tais como o de, neste momento, eu experimentar uma
sensação de aperto nos dedos, inferindo apenas que tal deriva do acto de segurar a caneta; há
também uma mancha branca no meu campo visual e nos meus ouvidos ressoa um zunido –
são outros desses factos.
Tal como vimos este ponto de vista fundamenta-se no extravagante aproveitamento das
reservas perfeitamente judiciosas postas à certeza absoluta quanto ao conhecimento do
mundo. No entanto, dir-se-á que seja qual for o grau de dúvida experimentado, é impossível
deixar de imputar a nós próprios tais sensações e impressões. Em vez de falarmos do papel
que se encontra a nossa frente, o que implica suposições de carácter duvidoso acerca da
existência do reverso da página e da permanência do papel no tempo, falar-se-á da mancha
branca surgida no campo visual, e esta maneira de falar não contém pressupostos sobre a
ocorrência de reversos de folhas ou mesmo sobre a de folhas quando não vemos o papel, por
exemplo, quando não olhamos para ele ou não lhe tocamos. As manchas brancas que
aparecem no campo visual não têm reverso e não existem senão no momento em que são
experimentadas. Em vez de dizer que seguro na mão uma caneta, direi sentir uma sensação de
pressão nos dedos.
Deste modo, segundo se argumenta, para fins científicos em que parece ser ideal a
certeza absoluta, a matéria de estudo deverá estringir-se a domínios sobre os quais se esta
absolutamente certo, isto é, às nossas próprias sensações.
Segundo este ponto de vista, uma coisa seria encarada como não passando da presença
conjunta de impressões visuais, tácteis e gustativas de determinado tipo. Vistas as coisas sob
este ângulo, se acaso não estiver tocando num dado objecto, quando digo que vejo ou oiço,
estou apenas deduzindo que, sob determinadas circunstâncias, experimentaria uma sensação
de resistência nas pontas dos dedos. O conceito de coisa parece ser substituível, para fins
científicos, por conjunto de conceitos de sensações reais e potenciais.
Pode arquitectar-se sobre esta base um inteiro sistemas metafísico e tem-
se-lhe dado o nome de «fenomenismo». Todos os conceitos-chaves da ciência são
reinterpretáveis à luz desta teoria.
O facto de mudanças ocorridas em determinada coisa poderem provocar ou conduzir a
mudança em uma outra é encarado como dedutível ao facto de uma sensação de um tipo
particular ser usualmente seguida por uma outra sensação de outro tipo particular na
experiência pessoal. As relações espaciais entre objectos são analisadas como relações
temporais entre impressões. A distância entre duas coisas, por exemplo, poderá
entender-se como o número de sensações sinestésicas ou de movimento, associadas à
locomoção, experimentadas entre uma e outra sensação táctil.
Sensações que se sucedem no tempo tornam-se assim as realidades últimas. Esta é uma
doutrina metafísica, e segundo se crê com frequência, apoia-a a teoria epistemológica de
acordo com a qual a única verteza é a das sensações presentes. No seguimento do livro
examinaremos em mais permenor as filosofias da ciência ligadas a este ponto de vista
epistemológico.
Podem ser profundas para a epistemologia as consequências da adopção de uma
teoria metafísica. Um exemplo flagrante e dramático de tal coisa é o fornecido pela
teoria restrita da relatividade. À semelhança de qualquer outra teoria importante da
Física, também esta constitui uma mistura de elementos metafísicos e empíricos. Aqui, o
elemento empírico é o suposto facto da constância da velocidade da luz em todas as
estruturas inertes. Esta hipótese sugere que a velocidade da luz será sempre a mesma
independentemente das velocidades relativas dos corpos sobre que ela se mede. Por
exemplo, esta velocidade será a mesma para a luz proveniente de corpos dos quais a
Terra se aproxime ou para a luz vinda de corpos dos quais a Terra se afaste.

O elemento metafísico de tal teoria cifra-se na negação da inteligibilidade de conceitos


empíricos de posição e de tempo absolutos.

Qualquer sistema de objectos tem direito a ser considerado como estando «em repouso
absoluto». Seja qual for o quadro de referência a ser escolhido, poderão determinar-se
relativamente a ele os movimentos de todos os outros sistemas. Visto que, porém, se
poderá escolher qualquer outro sistema de objectos como quadro de referência, os
movimentos determinados em relação à primeira escolha não tem nenhum direito
especial a ser considerados como absolutos. Deste modo, não há possibilidade de
especificar quais os movimentos absolutos; não é aplicável nenhum conceito empírico de
movimento absoluto.

A teoria da relatividade pressupõe a existência da simultaneidade absoluta de


acontecimentos, mas, em conformidade com a teoria, nunca se poderão determinar quais
os acontecimentos simultâneos sem os reportar a um quadro de referência arbitrariamente
escolhido. Portanto, embora seja inteligível o conceito de simultaneidade absoluta, não
se poderá utilizar empiricamente. É esta a originalidade da teoria. O conceito de
simultaneidade absoluta é excluído da ciência em favor de um conceito empírico que
permita juízos de simultaneidade consistentes, uma vez feita a escolha de objectos que
se encontrem supostamente em repouso. A teoria metafísica acerca dos tipos de
conceitos de movimento e de simultaneidade admitidos na ciência, em conjunto com o
pressuposto empírico da constância universal da velocidade da luz, leva quase
directamente a diversas teses epistemológicas, tais como a tese de que, seja qual for a
relação verdadeira dos acontecimentos no tempo, nunca se poderá saber quais são
absolutamente simultâneos em diferentes t lugares.
Espero ter tornado claro, que em toda a prática científica, se assumem problemas
filosóficos. Há que escolher conceitos que ajudem a compreender o mundo que nos
cerca e isto significar imaginar ou aprender uma linguagem e aceitar um sistema que
retrate e conceba as estruturas que constituem o mundo. Seja qual for o conjunto de
conceitos escolhidos, independentemente do quanto estes revelem de ausência de
conexão sistemática, isso implica sempre a existência de pressupostos de natureza
metafísica, lógica e epistemológica.
Quando optamos pelo emprego de conceitos de coisas, ficamos desde logo enredados
numa teia metafísica que pressupõe a continuidade individual no tempo (ou seja, que o
individuo perdure para além de certas mudanças menores), visto este pressuposto ser
uma faceta essencial do emprego dos conceitos das coisas (isto é, que a entidade perdure
no tempo é uma das condições necessárias a que possa denominar-se «coisa» com
propriedade).
Um dos alvos da filosofia da ciência é o de tornar explicítos estes tipos de pressupostos,
explorando os conceitos que são objectos de utilização, de modo a verificar com rigor o
que o seu emprego acarreta e a descobrir se se incerem dentro de qualquer género de
sistema. Há que procurar esclarecer quais os conceitos que se empregam num
cometimento intelectual específico.
O valor deste estudo para a própria ciência deriva do aumento de capacidade conferida
ao cientista através do conhecimento explícito dos pressupostos envolvidos na linguagem
e nos modelos que utiliza. Se esses pressupostos são conhecidos, poderão ser alternados
de modo sistemático, explícito e controlado. Nenhuma quantidade de trabalho
experimental, por si só, conseguirá determinar quais os conceitos preferíveis, pois efectuar
uma experiência requer já uma certa formulação do problema e isso exige o uso de alguns
conceitos.
Não quer isto dizer que se negue que uns sejam mais convenientes do que outros. As leis
da química dos gases, por exemplo, descobertas nos primeiros anos do século XVIII, foram
marcadamente caracterizadas pelo facto de as relações de proporcionalidade serem
exprimíveis em proporções integrais; um volume de um gás combinado com dois volume de
um outro dá três volumes de um terceiro e assim sucessivamente.
Não é de surpreender que a concepção atomística da matéria principiasse por estar ligada a
tais descobertas, embora tal concepção desagradasse a vários químicos e muitos deles
rejeitassem por completo o atomismo como sistema conceptual apropriado à Quimica (1).
Por outro lado, poucas dúvidas haverá em que a teoria filosófica das qualidades
primárias e secundárias, segundo a qual certas qualidades dos corpos eram realmente
conhecidas pela experiência sensorial, ao passo que outras qualidades dos corpos se
manifestavam, na experiência, de modo bastante diferente da sua natureza de coisas em
si próprias, conduziu ao sistema conceptual denominado «corpuscularismo», que
influenciou profundamente o prosseguimento da ciência e continua a influenciá-lo (2).
Porém, seja qual for o rumo de influências mais importantes em qualquer momento, a
identificação explícita da estrutura e dos componentes de um sistema conceptual liberta o
investigador da sua servidão.
O que se disse anteriormente é um esboço – e apenas um esboço – de alguma matéria de
estudo da filosofia da ciência. O passo seguinte na nossa análise será determinar em
temos bastante

_______________
(1) D. M. Knitht, Atoms and Elements (Londres: Hutchinson, 1967)
(2) Sobre filosofia corpuscular e ciência natural, consulte-se R. Harré, Matter and
Method, parte II (Londres: Macmillan, 1964).

gerais o que é a ciência, aquilo que os cientistas procuram conseguir e a maneira como
desempenham tal tarefa. Com isto ficaremos de posse do vocabulário que nos permitirá
falar do processo científico e dos respectivos produtos. Regressaremos depois aos
campos da lógica, da epistemologia e da metafísica, para examinar algumas das mais
importantes teorias clássicas respeitantes ao conhecimento científico e àquilo que
pensamos serem os seus limites e possibilidades, dentro dos contextos históricos actuais
relativamente à presente pesquisa científica.

O mundo tal como é e o mundo como é percebido.


Imaginemos que perguntamos a um leigo
CONTINUAR

UNIDADE II-DOMINIO
A) Como se equaciona todo o problema da instituição de uma forma de conhecimento.
1°]Dizer que uma ciência tem um domínio real, ou que uma ciência tem um objecto, são duas
proposições diferentes:
1°) Postulado:
a)“porque” a ciência parte da realidade ou seja afasta-se dela. A que distância? Porque caminho?
2°) Postulado:
b) mas ainda, o seu limite preciso não está fixado de antemão: deverá ser acrescentado, sobreposto à
realidade, para que se torne possível criar um conhecimento no interior desse limite.
Teorema :
B) A história de uma ciência não encontra o conceito do seu objecto senão na ciência da qual
constitui a história
1°] Constituição do seu campo de acção: Uma ciência não nasce da definição de um objecto, nem do
encontro com um objecto, nem da imposição de um método.
2°] Nasce da constituição de um corpo de conceitos com as suas regras de produção. Por esta mesma
razão o devir de uma ciência é a formulação dos conceitos e das teorias desta ciência.
3°] Não só ciências diferentes terão formas diferentes de devir, assim como no seio da unidade
nominal de uma mesma ciência, conceitos e teorias, podem ter devires diferentes, tipos de
constituição ou de formação que não se podem reduzir num único modelo.

As Três Grandes Visões Do Mundo


esta matéria metafísica poderá ser encarada não apenas na qualidade de opções
segundo as quais cada uma das mais relevantes categorias de coisas e de acontecimentos
de agrupam, se descrevem e são compreendidas, mas considerada também na de
sistema de conceitos, isto é, como três grandes visões do mundo.
Desde os seus primódios na Antiguidade que o conhecimento científico se orientou por
um ou por outro de três sistemas metafísicos de maior importância, os quais, em cada
época, proporcionam as formas de explicação.
Os três sistemas segundo os quais o mundo científico viveu até agora, são:
1-O SISTEMA ARISTOTÉLICO 2-A FILOSOFIA CORPUSCULAR
3- E A TEORIA DO <<PLENO>>.
Mostram um quadro do mundo, respectivamente, como «matéria diferenciada pelas
formas»; como «átomos em movimento no vácuo»; e como «campo universal em vários
e mutáveis estados de tensão».
O primeiro sistema dominou o pensamento científico desde a Antiguidade até ao século
XVII, altura em que, aos poucos, a filosofia corpuscular o desalojou, brotando do seio
das ruínas da teoria da matéria e da forma. A filosofia corpuscular principiou a decair
lentamente a partir dos meados do século XIX, muito embora devido à instituição
científica vigente, mais forte e conservadora, do que a que existiu no século XVII, o
corpuscularismo tenha demorado mais tempo a ser substituído pela teoria do campo
universal.
Descrevi em termos breves a teoria aristotélica. Farei dela agora um relato mais
elaborado, de modo a vincar o contraste com a filosofia corpuscular surgida em sua
substituição.

AS CATEGORIAS
As categorias mais gerais intervêm de diversas maneiras no pensamento, e nelas se
incluindo a maneira como efectumos a percepção do mundo, o modo como se organiza a
linguagem e como se procede à escolha das alternativas linguísticas com as quais se
descreve e teoriza aquilo que é percebido.
As categorias sobre as quais nos de bruçaremos são a de substância, a de qualidade e a
de relação. De certo modo, as categorias constituem o reflexo dos tipos de perguntas que
se formulam acerca da Natureza. A categoria de substância, diz respeito às «coisas» e
reflecte questões por ventura suscitadas pelos objectos materiais e pelas coisas
individuais, isto é, problemas tais como o que é e que coisa é ou ainda como poderá
dizer-se, a categoria de substância ocupa-se da classificação e da identificação das coisas
– eis o Koh-in-noor, uma coisa individual, que é um diamante, uma forma da substância
a que se dá o nome de carbono.
Ao aplicarmos tais categorias, quer na sua forma geral quer específica, isso permite-nos
ordenar o mundo percebido, mundo muito complexo tanto na estrutura como no
comportamento. Será fundamental a enorme variedade das coisas ou estas são na
realidade, variedades de uma matéria básica?
Os metafísicos, como também já vimos podem recomendar que se adopte uma visão
diferente quanto aos constituintes últimos das coisas e das substâncias, que será, talvez,
quer o átomo permanente de Parménides quer a entidade transitória de Heraclito. Mas
o mundo com que temos de lidar não nos oferece indivíduos parmenidianos e os que
parecem heraclitianos, tal como os relâmpagos, revelam-se, de facto, após exame mais
aprofundado, entidades aristotélicas de breve duração. Como se vê, reconhecemos as
modificações das coisas relativamente permanentes e a sua criação e desaparecimento.
Contudo, a criação proporciona também modos alternativos. É possível conceber-se a
criação de maneira tal que um idividuo passe a existir de repente onde antes não havia
fosse o que fosse. Trata-se da criação a partir do nada, a criação ex nihilo. Diz a antiga
expressão que Ex nihilo nihil fit, ou seja, «do nada, nada se cria». Tal máxima nega o
modo de criação por meio do qual uma coisa surge para a existência onde antes nada
havia.

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