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URBANA NO BRASIL
Jo s é B o rz a c c h ie llo da S ilv a *
R ES U M O :
A Geografia Urbana brasileira incorporou a discussão em torno do Estatuto da Cidade, permitindo reativar a análise
científica da luta pela Reforma Urbana e reacender toda a dimensão teórica e m etodológica do direito à cidade,
contido em práticas políticas e ações mobilizadoras da sociedade brasileira na busca insistente pelo direito de morar
e viver dignam ente na cidade, fazendo-a mais justa e democrática. O Estatuto da Cidade, nome com o ficou
conhecida a Lei 10.257/01, que estabelece diretrizes da política urbana e dá outras providências, fixa parâm etros
para aplicação do capítulo da política urbana da Constituição Federal, definindo princípios e objetivos, diretrizes
de ação e instrum entos de gestão urbana a serem utilizados, principalmente, pelo Poder Público municipal. Envolve
tam bém , entre outros assuntos, instrumentos jurídicos de controle da especulação imobiliária, capazes, ao menos,
de atenuar o caos generalizado que tem sido m orar em nossas cidades. A retom ada da discussão em torno da
Reform a Urbana traz à tona itens que com põem a pauta de dem andas sociais reprim idas, que evidenciam a
necessidade de se realizar uma releitura geográfica da cidade e do urbano, que perm ita sua redefinição, con
cebendo-a enquanto am biente e, buscando nela, um novo sentido para a vida gregária.
PA LA V RA S-C H A V E:
Cidade, Estado, direitos, reivindicações, cidadania.
ABSTRA CT:
Brazilian Urban Geography incorporated the discussion around the Statute of the City, allowing to reactivate the
scientific analysis of the fight for the Urban Reform and to relight the whole theoretical and m ethodological
dim ension of the right to the city contained in political practices and mobilizations actions of the Brazilian society
in the insistent search for the right of to live and to live worthily in the city, m aking it just and democratic. The
Statute of the City, nam e as it was well-known Lei 10.257/01, that establishes guidelines of the urban politics and
gives other providences, attem pts to fasten parameters for application of the chapter of the urban politics of the
Federal Constitution, defining beginnings and objectives, action guidelines and instruments of urban administration
to be used, mainly, for the municipal Public Power. It also involves, am ong other subjects, juridical instruments of
control of the urbanland speculation, at least in view of attenuate the widespread chaos that has been to live in
our cities. The retaking of the discussion around the Urban Reform set up several topics that represent repressed
social dem ands. It evidences the need of a new geographical reading of the city and of the urban which allows
its redefinition, as conceiving it while environment, and looking at her for a new sense for agregation life.
K E Y W O R D S:
City, State, rights, claim s, citizenship.
excludente e perversa. A cidade, no Brasil, tem pacidade das cidades brasileiras de acolher e
no pobre e na pobreza, atores de primeira li acomodar todos os que engrossam o fluxo m i
nha. O país, na condição de industrializado e gratório campo-cidade. Esta incapacidade física
subdesenvolvido, possui um significativo contin de acolh im en to som ada à au sên cia de um a
gente de pobres. Pobres que não encontram na disposição política para discutir a gravidade da
cid ad e form al e legal as suas referencias. O situação das cidades, provocou a em ergência de
produto urbano desta cidade legal e formal não uma questão urbana sem igual no país, adqui
perm ite aos pobres, em sua maioria, o alcance, rindo esta m aior efervescência no período da
inclusive, da razão da cidade por meio de suas última Constituição. O Movimento Nacional de
três qualidades inerentes: identidade, estrutura Reforma Urbana, constituído por representantes
e significação conforme LYNCH (1970)2 do movimento popular e participantes de e n
Esta cid ad e negada vai ser buscada, tidades profissionais em torno de uma proposta
m esm o que parcialm ente, na intensa m o bili para a Constituição Federal elaborada e prom ul
zação popular. A Lei Nacional do Uso do Solo gada em 1988, exerceu papel preponderante na
Urbano, representa, neste sentido, uma grande organização e mobilização de forças que con
conquista. A luta pela reforma urbana inscreve- duziram a manifestações expressivas no cenário
se num processo constante de ação e reflexão, político, com ganhos significativos para a popu
procurando construir novos sujeitos históricos, lação urbana do país. A pauta de discussão, em
portadores de direitos sociais, aptos a combater seu conjunto, colocou em evidência alguns pon
as formas dominantes de exclusão econômica e tos centrais, dentre eles:
social.
- A fun ção so cial da p ro p rie d a d e e da
cidade;
III - A cid ad e em q u estão - Participação popular na definição e gestão
das políticas referentes ao urbano;
A percepção do acesso à cidade como - Uso cap ião especial de im óvel urbano
um direito de praticá-la, vivenciá-la ultrapassa a para propriedade até metros quadrados4.
sua condição de unidade social complexa, nos O processo de elaboração e aprovação
m o ld e s da gestão urbana c o n ve n cio n a l. Na da Constituição, precedido de ampla organiza
verdade, o uso social da cidade impõe a domi- ção e mobilização, acusou e apresentou ganhos
n ân cia de p ráticas p articip ativas capazes de na medida em que aqueles pontos básicos estão
perm itir situações que conduzam a um processo presentes hoje não só na Carta Constitucional
de intercâm bio entre sua base administrativa, a mas também, de forma mais detalhada, em vá
respectiva sociedade nela existente e a infra- rias Constituições Estaduais, Leis Orgânicas Mu
estrutura construída. Sob este prisma, a cidade nicipais e Planos Diretores.
e o meio am biente urbano em seu conjunto são No que se refere ao uso mais social do
co ncebidos e analisados com o resultado dos solo urbano, uma série de instrumentos legais,
diversos processos de interação entre as ins voltados para a melhora da qualidade de vida
tâncias e subsistemas, contendo o humano, o das cidades e que possibilitem o controle das
social, o natural e o construído sob a égide do iniciativas públicas e privadas sobre o urbano,
adm inistrativo3. foi aprovada pelo legislativo em suas diferentes
A discussão em torno da Reforma Urba esferas. Destacam-se dentre os instrumentos:
na no Brasil atingiu seu ápice em 1988 com 1 - Tributários - IPTU - Imposto Predial e
e x p re ssiv a p a rtic ip a ç ã o p o p u la r e re sp a ld o Territorial Urbano, progressivo no tem
parlamentar, fundados na constatação da inca po para as áreas ociosas.
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especial, coletivo de imóvel urbano, será decla Mesta segunda parte, a lei dispõe sobre
rado pelo juiz, mediante sentença, na qual será as diretrizes gerais que deverão orientar a po
atribuida igual fração ideal de terreno a cada lítica urbana, destacando-se a gestão dem ocrá
possuidor, independentemente da dimensão do tica, o atendimento ao interesse social, a orde
terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de nação e o controle do uso do solo urbano, a
acordo escrito entre os condominos, estabele adequação dos gastos públicos aos objetivos do
cendo frações ideais diferenciadas. O projeto di- desenvolvim ento urbano e o cum primento da
vide-se em três títulos: função social da propriedade. Define como po
1 - Principios e Objetivos; líticas setoriais a ordenação do território, o con
2 - Política Urbana; trole do uso do solo, a participação comunitária
3 - Disposições Gerais. e o desfavelamento. Enum era os instrumentos
da política de desenvolvimento urbano, dispondo
sobre o parcelamento, a edificação e a utiliza
1 . Princípios e objetivos
ção compulsórios, o direito de preempção, o di
reito de superfície e o usucapião especial co
1.1 Definições
letivo. Mos dispositivos referentes ao plano di
1.2 função Social da Propriedade
retor, são definidos o processo de elaboração,
as diretrizes essenciais e o conteúdo básico.
Meste item, a lei define a política urbana,
Determina que o plano diretor e os planos m u
a garantia do direito à cidade, urbanism o e
nicipais de desenvolvim ento serão elaborados
direito urbanístico, enumerando os objetivos da
pelo Poder Executivo municipal, subm etidos à
política urbana, entre eles o direito dos agentes
Câm ara de Vereadores, que os aprovará por
coletivos à cidade; a distribuição social dos ser
quorum qualificado. Prevê a criação de uma
viços públicos e equipamentos urbanos; e a or
agência social de habitação para gerenciar a
denação da ocupação, do uso e da expansão do
política habitacional. O Município Metropolitano
território urbano de acordo com a função social
é definido como aquele que coordenará a ges
da propriedade. Em seguida, estabelece os re
tão de sua respectiva região metropolitana, do
quisitos para o cumprimento da função social da
Prefeito Metropolitano e do Conselho D elibe
propriedade imobiliária urbana, vinculando-o ao
rativo. A adesão do Município à região metropo
atendim ento das exigências do plano diretor.
litana, segundo a proposta, implica com prom is
Dispõe, ainda, sobre os casos de abuso do di
so de participação no planejamento conjunto, na
reito e da função social da propriedade, entre
eles a retenção especulativa do solo urbano. ob servância das p rio rid ad es ap rovad as pelo
Conselho Deliberativo e na contribuição para a
cobertura dos gastos comuns.
2 . P olítica urbana
Iho nacional de Política Urbana (CHPU), tendo conjunto de políticas voltava-se para o mercado
por finalidade manter estudos permanentes so formal de trabalho, deixando à sua própria sor
bre o processo de urbanização, de acom panhar te um enorm e contingente de trabalhadores in
a execução dos programas da agencia de ha formais. A favelização e o cortiçamento acelera
bitação, de sugerir aos Estados e Municipios do das grandes e médias cidades foram uma
instrum entos de política urbana. Entre outras das rápidas respostas geradas por este equivo
atribuições, assegura a participação popular no cado procedimento político. O advento do Fundo
cnpu. de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do
Sistem a Brasileiro de Poupança e Em préstim o
(S B P E ) foram básicos para o fortalecimento do
V - O E s ta tu to da Cidade e p o lítica urbana BHH. A partir do final da década de 1960, o BHH
torna-se instrum ento financeiro e ssen cial na
A aprovação do Estatuto da Cidade, além estratégia desenvolvimentista do regim e militar.
de realçar todo o mérito que ele contém no que Ha conjuntura histórica brasileira, no bo
concerne a seu caráter de instrumento de re jo do "m ilagre econômico" a década de 1970 se
gulação urbana e disciplinamento das cidades, destaca. Durante ela, surgem os pólos de de
garan te e incentiva o retorno às discussões senvolvim ento e a institucionalização das re
capazes de reavivar o debate sobre a questão giões metropolitanas. O reconhecim ento oficial
urbana. De recente inserção no contexto político da in te n sid ad e dos fluxos d e m o g ráfico s em
do país, a questão urbana ainda é pouco m ere direção às grandes cidades revela a composição
cedora de atenção por parte das autoridades da nova fisionomia do País. Em 1973, são cria
públicas. A reconstituição histórica da recente das as regiões m etropolitanas de São Paulo,
política urbana brasileira remonta ao período do Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador,
governo Jo ã o Goulart, em 1963, quando houve Curitiba, Belém e Fortaleza e, em 1974, a re
a primeira tentativa federal de sistematização e gião metropolitana do Rio de Janeiro . Completa
intervenção mais consistente neste setor - res esse período, a inserção de um capítulo sobre a
posta às fortes pressões populares, no conjunto questão urbana no II Plano Hacional de Desen
das reformas de base ocorridas nesse período, volvimento (II PHD) e a criação do Conselho Ha
foi realizado o Sem inário nacional de Habitação cional de Desenvolvimento Urbano (CHDU).
e Reforma Urbana, dando origem ao SERFHAU - As cidades espraiam-se, am pliando d e
Serviço Federal de Habitação e Urbanismo. O masiadamente sua área. Eclodem os problem as
golpe de 1964 redireciona a política urbana, ambientais urbanos com a destruição ou com
enfocando a questão pela vertente habitacional prometimento acelerado dos recursos naturais.
e financeira, nesse ano é criado o Banco nacio O BHH é o carro-chefe, o principal agente pú
nal de Habitação (BHH) que estabelece uma po blico do processo acelerado de urbanização,
lítica de Financiamento para a habitação. A ação vitória da ideologia oficial de incentivo ao aces
do BHH será determ inante no redesenho da so à casa própria, num quadro de acentuado
cidade brasileira, favorecendo a form ação de déficit habitacional. O m ercado am pliad o dá
am plos espaços periféricos constituídos pelos respostas à forte demanda por habitação, ser
enorm es conjuntos habitacionais. As políticas viços públicos e equipamentos coletivos de con
adotadas aceleram o processo especulativo do sumo, incrementando a construção civil. O au
mercado urbano de terras, inflaciona os custos mento acentuado do predom ínio do governo
de m aterial de construção, além de com pro central nas decisões políticas n acio n ais c o n
m eter núm ero con sid erável de fam ílias com trasta com o paulatino esvaziam ento da au to
longos períodos de financiamento da moradia. O nomia dos estados e municípios. A centralização
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tenção de terrenos urbanos ociosos. São funda Transferência onerosa do direito de cons
mentais no barateamento dos custos de im plan truir: estabelecimento pelo Município de um
tação e m anutenção de infra-estrutura, equipa coeficiente de ocupação de solo autorizada
mentos e serviços urbanos e no aumento das sob pagamento. Permite ao Poder Público a
densidades, coibindo a especulação e manuten cobrança pela utilização mais intensa da
ção dos onerosos vazios urbanos. infra-estrutura urbana instalada na proximi
O IPTU progressivo no tempo, também dade das operações imobiliárias.
previsto na Lei, no artigo 182, § 4o, da Cons - Operações urbanas consorciadas: compõe-
tituição, é uma sanção compulsoria vinculada ao se de um conjunto de intervenções e m e
não cum prim ento do parcelam ento, da edifi didas co o rd en ad as pelo poder pú blico
cação ou da utilização do solo urbano. m unicipal, com a participação dos pro
A desapropriação com pagam ento m e prietários, moradores e usuários e de in
diante títulos da dívida pública, sem elhante à vestidores privados, com o objetivo de a l
realizada para fins de reforma agrária é outro cançar, em uma área, transform ações e
instrumento previsto pela Lei cuja efetivação se melhoras urbanísticas estruturais, m elho
cumpre como seqüência da aplicação dos dois rias sociais e valorização ambiental.
anteriores. - Direito de preempção: na concepção do
A Lei dispõe também sobre o usucapião Estatuto da Cidade, dispõe sobre a pre
especial urbano, relativo ao artigo 183 da Cons ferência do Poder Público na compra de
tituição Federal. O Estatuto da Cidade avança ao im óveis urbanos, visando a assegurar a
perm itir a figura do usucapião coletivo. Seu formação de um estoque de terras públi
papel é básico na promoção da regularização cas sem a necessidade de desapropriação.
fundiária nas cidades.
A Lei trata ainda do Plano Diretor, pre Alguns desses instrumentos foram incor
visto no artigo 182, § I o, da Constituição conce porados nos substitutivos elaborados pelas co
bido com o instrum ento básico da política de missões técnicas, a partir dos projetos apen-
desenvolvim ento e de expansão urbana9 sados e de planos diretores municipais já pro
Além de regulam entação constitucional, postos ou aprovados e são fundam entais na
o Estatuto da Cidade disciplina os seguintes criação de melhores condições de vida para os
instrumentos: citadinos. Entretanto, o Estatuto da Cidade ain
- Direito de superfície: permite dissociar o da é limitado no que tange ao alcance de con
d ireito de p ro pried ad e do terreno e o dições necessárias a uma vida socialmente justa
direito de propriedade de edificação. O e am b ien talm en te saudável, co m p ree n d en d o
proprietário urbano poderá conceder a uma gestão urbana que envolva, inclusive, con
outrem o d ireito de su perfície do seu quistas na área do sistema de saneam ento bá
terreno, por um tempo determ inado ou sico pela gerência adequada dos resíduos só
indeterminado, mediante escritura pública lidos, captação, tratamento- e ab astecim e n to
averbada no Cartório de Registro de Im ó d'água, coleta e tratamento do esgoto, além da
veis. Visa fundam entalm ente a flexibili universalização desses serviços.
dade e utilização dos terrenos. A administração pública não ultrapassou
- Transferencia do direito de construir: facul os limites da política de intenções e não obteve,
dade atribuída ao proprietário do imóvel portanto, repercussões práticas sobre o p ro
urbano, autorizada por lei municipal, de cesso de urbanização caótico no Brasil, contri
exercer o direito de construir em outro local buindo para a perm anência de determ inado s
ou alienar um direito ainda não exercido. critérios de intervenção sobre a vida urbana
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deve-se sempre levar em consideração os níveis cada caso, observa-se que vários são os níveis
impostos pela mundialização da economia e da im postos pelo avan ço da so cied ad e no que
identidade, isto porque a m etropolização n e concerne ao direito a uma cidade concebida e
c essária para a captação de fluxos, repousa construída como um meio am biente saudável.
sobre uma política de afirmação de identidade Ma conjuntura em que se insere a Constituição
do pólo urbano na circulação mundial. Em con de 1988, favorece toda mobilização popular em
traponto, as enorm es franjas periféricas com prol da Reforma Urbana. Acresce as conquistas
baixo ou nenhum componente globalizado, com decorrentes da rápida circulação de idéias e
suas formas mais precárias que tomam e bus propagação dos m ovim entos em virtude dos
cam estas conquistas de margens, tornam-se, ava n ço s té c n ic o s - c ie n tífic o s in fo rm a c io n a is ,
cada vez mais importantes para sua imagem de extrapolando a própria globalização da econo
espaço de conflito. mia, perm itindo a construção, cada vez mais
acelerada, de vínculos identitários que ultrapas
A luta pela Reforma Urbana e o advento
do Estatu to da Cidade em ergiram dentre os sam os limites do local.
O quadro de conjuntura reforça a idéia
vários modos de gestão democrática da cidade,
de escassez face aos vários processos viven-
m uitos surgidos de uma verdadeira revolução
ciados neste final do século com o recrudesci-
m olecular no seio das organizações e m obili
m ento da vid a m e tro p o lita n a , in tim a m e n te
zações populares que foram experimentados no
comprometida com condições ambientais insa
Brasil, em especial, o da implantação de políticas
tisfatórias para a maioria da população. Mas úl
p ú b licas de m icro-urbanização em form a de
timas décadas, o surgim ento das grandes cida
"mutirão", que pretendiam integrar à cidade as
des e uma nova configuração m etropolitana,
sentamentos humanos irregulares, como favelas
dominada pela pobreza urbana, modificou so
e áreas de habitação subequipadas, socialmente
bremaneira a dinâmica demográfica interna das
m arcadas pela precariedade. Mo quadro adm i
cidades brasileiras, enquadradas num processo
nistrativo, a progressiva mistura de gestões pú
de formação de anéis periféricos e expansão de
blicas e privadas de serviços urbanos que foram
bacias metropolitanas nos moldes do que ocorre
m unicipalizados ou com prados pelas m ultina em outros países do Terceiro Mundo. Aqui, essa
cionais, conduzem à necessidade de se estabe configuração adquire feições sem elhantes ao
lecer políticas de proteção às populações margi processo ocorrido na Europa do pós-guerra com
nalizadas dos bairros informais da metrópole. A uma dinâmica que evidencia e proporciona uma
busca do sentido da cidade, neste contexto de fluidez populacional para as periferias urbanas,
globalização e gestão social urbana, como do e sp e cia lm e n te as m e tro p o lita n a s, revelan d o
m ínio de segm entos m arcados pela pobreza, toda a trama da gestão urbana oVrde interesses
permite verificar os níveis de complementaridade em conflito resvalam pela lógica da especulação
existentes entre a cidade e os modos inovadores imobiliária.
de gestão. Esses vínculos agregados ao urbano que
O surgimento dessas formas inovadoras estende o sentido da cidade, ultrapassando seus
de g e s tã o u rb a n a d e m o c rá tic a nos novos limites, ampliando sua influência e importância,
territó rio s de conflitos da cidade tem várias sugerem a com preensão da cidade como uni
c o n s e q ü ê n c ia s. De um lado, leva em conta dade social complexa, conforme os preceitos de
vários tipos de expansão do espaço da cidade uma gestão urbana particip ativa. Ao m esm o
que provocam diversas form as de confronto tempo, reforça a partir dessa concepção a pre-
entre povo e poder e impõem um desafio à sua mência da discussão do Estatuto da Cidade, no
administração. Por outro lado, na discussão de contexto da Reforma Urbana no Brasil.
O Estatuto da Cidade e a Reforma Urbana no Brasil 25
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