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Introdução à Economia

Prof. Doutor Miguel Sousa Ferro


2018/2019

PREÂMBULO

A presente Sebenta foi redigida tendo em vista o ensino de uma cadeira de introdução à Economia para
estudantes de Direito.

Tratando-se duma cadeira semestral, foi necessário fazer uma seleção relativamente diminuta dos
muitos conteúdos que poderiam ser abordados. Limitamo-nos, assim, à Microeconomia, com
referências muito breves a questões macroeconómicas.

Tanto o público-alvo como o background do autor condicionaram de modo significativo o conteúdo. É


um texto de um jurista para juristas sobre economia.

Isto tem óbvias desvantagens. Mas uma Sebenta não pretende ser um manual, e os estudantes que
queiram ir mais fundo no estudo da matéria têm inúmeros manuais, nacionais e estrangeiros, que os
podem apresentar de maneira bem mais completa e fundada ao mundo da ciência económica.

Mas esperamos que encontremos também nesta característica pelo menos uma vantagem: a da
adaptação dos conteúdos às necessidades e modo de pensar dos estudantes de outro ramo do
conhecimento.

Em todo o caso, esperamos que os estudantes que usem esta Sebenta pensem nela como num mero
instrumento de estudo, que pretende guiá-los e facilitar a sua vida, sobretudo para efeitos da avaliação
na cadeira. É um ponto de início e uma âncora apenas. Há um mundo de obras lá fora para ir mais
fundo, para satisfazer a curiosidade que esperamos seja germinada por estas páginas.

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1. Objeto do estudo e conceitos de base
Estudar Economia não é:

(i) aprender a fazer dinheiro;


(ii) aprender a gerir uma empresa;
(iii) aprender a gerir as nossas contas privadas;
(iv) aprender como funcionam os bancos e a Bolsa; etc.

… embora ajude a estudar e a compreender todas essas realidades.

A ciência económica é:

• o estudo do modo como se utilizam recursos escassos, que têm vários usos possíveis, para
satisfazer necessidades ilimitadas.

A Economia é, acima de tudo, sobre fazer opções. As ferramentas desta ciência podem ser igualmente
aplicadas: à escolha da melhor opção para investir poupanças; a decidir se subir impostos é uma boa
estratégia; à escolha entre ir à aula ou ficar no café a conversar; entre estudar mais uma hora ou ir ao
ginásio; entre preparar um almoço em casa ou ir a um restaurante; etc.

Porquê estudar Economia numa licenciatura de Direito? Por muitas razões, nomeadamente:

➢ Porque nos ensina a compreender melhor o mundo à nossa volta, desde a atuação dum
consumidor num supermercado até às grandes decisões dos Estados e dos Bancos Centrais que
nos afetam a todos;
➢ Porque nos permite fazer melhores opções no nosso dia-a-dia, em tudo (não apenas em
questões de dinheiro!);
➢ Porque todas as leis têm na sua base (ou devem ter) análises económicas;
➢ Porque a opção de litigar deve ser tomada com base em critérios económicos;
➢ Porque alguns ramos do Direito são especialmente afetados pela ciência económica, e chegam
mesmo a incorporar conceitos económicos (e.g., Direito da Concorrência).

A ciência económica divide-se em:

• Abordagens positivas: o que é; observação e análise dos comportamentos dos agentes e da


realidade dos mercados
• Abordagens normativas: o que devia ser; análises que visam conduzir a juízos de valor sobre
realidades e comportamentos optimizados

• Microeconomia - estudo do funcionamento do mercado de produtos e do mercado de fatores


de produção; debruça-se sobre o comportamento individual de agentes económicos, as opções
económicas individuais, e sobre como o conjunto dessas opções se coordenam nos mercados. A
microeconomia analisa a variação do preço e da quantidade oferecida num dado mercado. Faz

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um zoom-in com a câmara e analisa o detalhe.
• Macroeconomia – estudo da conduta do todo da economia, em valores médios e agregados
(e.g., produção total, taxa de desemprego...); debruça-se sobre o comportamento coletivo dos
agentes económicos e do Estado. Faz um zoom-out com a câmara e analisa a totalidade (“the big
picture”).

• Econometria: ramo da ciência económica que recorre a instrumentos estatísticos e matemáticos


para realizar análises quantitativos de dados económicos; em regra, trabalha com dados
incompletos e assenta em pressupostos e extrapolações

Analisemos as diferentes componentes da definição de ciência económica.

Resulta dessa definição que a escassez é um pressuposto fundamental de toda a Economia, e que essa
escassez tem por contraponto necessidades ilimitadas.

Todos nós temos necessidades de muitos tipos, desde o essencial ao acessório ou mesmo ao
absolutamente dispensável (e.g., produtos de luxo). Precisamos de um espaço confortável e acolhedor
para viver, de um modo de nos deslocarmos aos diferentes sítios a que temos de ir, de alimento, de
entretenimento, de passar tempo com amigos, etc. Mas a satisfação dessas necessidades é sempre uma
questão de grau. O ser humano é, por natureza, perpetuamente insatisfeito, aspirando sempre a mais e
melhor. Se já temos uma casa, gostaríamos de ter uma casa melhor. Se já temos alimento, gostaríamos
que esse alimento fosse mais variado. Se já passamos tempo com amigos, gostaríamos que esses amigos
não insistissem em ir sempre àquele sítio sem piada nenhuma. E por aí adiante. As necessidades
humanas são como o horizonte, que se afasta à medida que nos aproximamos dele.

No entanto, os recursos que temos disponíveis para satisfazer essas necessidades (dinheiro, matéria-
prima, conhecimento, tempo…) são limitados: são escassos. Um recurso é escasso se não está
livremente disponível, se tem um preço (custo) acima de zero (atenção, “preço” é aqui usado no sentido
económico, como veremos).

Porque temos recursos escassos para satisfazer necessidades ilimitadas, temos constantemente de fazer
opções sobre as necessidades que vamos satisfazer. Temos de estabelecer prioridades entre as nossas
necessidades, fazer juízos sobre quais são, momento a momento, mais importantes que as outras.

Os recursos, em Economia, são os inputs que são (ou podem ser) utilizados para produzir/prestar bens
ou serviços. São designados “fatores de produção”. Porque os recursos são escassos, forçosamente os
bens e serviços (que são necessários para satisfazer uma determinada necessidade) também são
escassos.

Os fatores de produção são classicamente divididos em três categorias, a que se acrescenta uma quarta.
Atenção que todos estes termos são expressões que tentam englobar nelas realidades muito amplas.
Não devem ser entendidos literalmente.

(i) Trabalho
O “trabalho” é o esforço humano, físico e mental, que pode ser empregue na produção de
bens/serviços.

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É indissociável de outro recurso essencial para toda a atividade económica: o tempo.
Mesmo que tivéssemos quantidades ilimitadas de tudo o resto, o tempo seria sempre
limitado, obrigando-nos a fazer opções sobre quais as necessidades que vamos satisfazer.

(ii) Terra
A “terra” são os recursos naturais, o conjunto de bens (em sentido lato) de origem natural
que podem ser empregues na produção de bens/serviços.
Inclui a terra em si, mas também a fauna e a flora, a água, o petróleo, gás, carvão, urânio…
Divide-se em: recursos renováveis, que podem ser usados constante e permanentemente,
dentro de limites de razoabilidade (e.g., vento, água, madeira…); e recursos não renováveis,
que não se renovam numa escala temporal humana (e.g., petróleo).

(iii) Capital
O “capital” é o conjunto das criações humanas que podem ser empregues na produção de
bens/serviços.
Divide-se em capital físico (instrumentos, máquinas, equipamentos, edifícios…) e humano
(conhecimento, competências, know-how técnico…).
Atenção! Embora haja divergência entre economistas a este respeito, em regra o dinheiro
não é considerado um fator de produção (a não ser que seja utilizado para forrar um
produto, ou seja queimado como combustível). Quando pensamos em “capital”, pensamos
em dinheiro, mas em termos de conceitos económicos, mas devemos dissociá-los. O
dinheiro representa valor e é um facilitador da aquisição de fatores de produção, mas não
costuma ser incluído, em si, como um fator de produção.

(iv) Organização
A “organização” (semelhante a “entrepreneurship”) é a atividade de organizar os outros
fatores de produção para produzir um bem/serviço (criar um produto novo, melhorar um
produto existente…).
A introdução deste 4.º fator de produção na ciência económica deve-se a Alfred Marshall.
Um “entrepreneur” (empresário) tem uma ideia, dá-lhe corpo (e.g., constituindo uma
empresa para o efeito, comprando fatores de produção, organizando-os de determinada
maneira) e assume o risco da atividade (pode não haver lucros, ou até haver perdas que ele
tem de suportar).

Todos os fatores de produção podem ser utilizados pelo seu detentor, ou podem ser vendidos a outra
pessoa. Eu posso dedicar o meu tempo e trabalho, com o meu dinheiro, conhecimento e espírito de
iniciativa, a criar avestruzes na minha propriedade no Alentejo. Ou posso arrendar essa propriedade a
outra pessoa, que me pode ainda contratar para gerir a propriedade em seu nome, tendo assim acesso
também ao meu conhecimento do terreno e das tecnologias necessárias.

A cada fator de produção corresponde um tipo de remuneração:

(i) Trabalho – Salário


(ii) Terra – Renda
(iii) Capital – Juro
(iv) Organização – Lucro

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Normalmente, a remuneração dos fatores de produção varia em função do tempo durante o qual são
utilizados (e.g., salário mensal, juros ao ano…).

O “lucro” corresponde, simplisticamente, ao que sobra das receitas das vendas depois de subtraídos os
custos dos fatores de produção usados.

O output do processo de produção, em resultado de uma determinada combinação de fatores de


produção, são bens (tangíveis) e serviços (intangíveis).

Em regra, os mesmos fatores de produção usados para produzir um bem podem ser reorientados para a
produção de outro. Porque os recursos são escassos, temos de fazer opções na afetação de fatores de
produção à produção de um bem ou de outro (e.g., posso usar um computador, um dia de trabalho e o
meu relativo talento para escrever uma história, para fazer uma tradução ou para explorar as redes
sociais). Essa opção é feita em função das necessidades que esses bens podem satisfazer e da
“utilidade” que o produtor espera obter com eles.

Se os bens forem verdadeiramente gratuitos, não escassos, a Economia não se ocupa deles – não existe
um problema económico para ser estudado, não é necessário tomar opções. Alguns bens parecem não
serem escassos, ou serem gratuitos, mas essa aparência ser uma mera ilusão Tal pode acontecer, por
exemplo:

➢ Porque a quantidade procurada é menor do que a quantidade disponível a preço zero (e.g., o ar
pode parecer gratuito, mas o ar puro, não poluído, já se tornou um bem escasso em certas áreas
do mundo, em certos períodos); ou
➢ Porque o preço é suportado por outra pessoa (e.g., quando os sacos de plástico eram
distribuídos gratuitamente nos supermercados, os clientes não sentiam que eles tivessem
qualquer custo; no entanto, os supermercados compravam-nos e passavam, necessariamente,
esses custos aos seus clientes através dos preços dos produtos).

Por oposição a um “bem”, há quem use o conceito de “mal” económico para descrever bens que não
desejamos, nem sequer a custo zero. São coisas que em vez de utilidade, nos trazem desutilidade. É –
em regra – o caso do lixo e da poluição.

Estamos agora em condições de começar a compreender a famosa expressão económica de Milton


Friedman: “Não há almoços grátis”. A ideia que se pretende transmitir com esta frase é, precisamente,
que todas as opções económicas envolvem custo, quanto mais não seja um “custo de oportunidade”
(um conceito que veremos mais tarde), um sacrifício do tempo que utilizamos para usufruir desse bem
ou serviço, em vez de fazer qualquer outra coisa que nos fosse valiosa. A isto acresce que alguém pagou
o almoço. Só parece grátis a quem não paga a conta. Mas ainda assim podem existir contrapartidas
explícitas ou implícitas que o beneficiário do almoço aceita. Pode, por exemplo, ter de ouvir um sermão
sobre o bom comportamento moral, ou ficar abstratamente com uma dívida de gratidão para com quem
prestou o serviço, etc.

A ciência económica estuda o comportamento (real ou ideal) de agentes económicos.

Há várias categorizações dos agentes económicos (“microagentes”), mas podemos reter, por exemplo,
os seguintes 4 tipos: (i) famílias; (ii) empresas; (iii) Estado; e (iv) resto do mundo (famílias e empresas
estrangeiras e outros Estados).

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As famílias são a componente chave. São elas que representam primordialmente, enquanto
consumidores, a procura de produtos e serviços, por um lado, e a oferta de fatores de produção, por
outro (que são procurados pelas empresas, Estado e resto do mundo).

Os agentes económicos atuam em mercados.

Um mercado é um ponto de encontro da oferta e da procura. Dito de outro modo, é um conjunto de


mecanismos através dos quais os vendedores e compradores realizam trocas em condições
mutualmente acordadas.

Trata-se de um conceito idealizado. É verdade que os mercados podem ser locais físicos, mas também
podem ser praças virtuais (e.g., mercados online) ou podem ser uma pura abstração ideológica.

Nos mercados de produto, vendem-se e compram-se bens e serviços.

Nos mercados de fatores de produção (ou mercado de recursos), vendem-se e compram-se os 4 fatores
de produção acima referidos. De entre estes, tem um óbvio destaque e importância o mercado do
trabalho.

Forma-se, assim, um círculo de oferta e procura entre os agentes económicos.

Concentrando-nos apenas na relação económica principal, que se estabelece entre as empresas e as


famílias, vemos que:

• as famílias vendem às empresas fatores de produção no mercado de recursos;


• as empresas usam estes recursos para produzir bens e serviços que vendem nos mercados de
produto;
• as famílias são remuneradas pelos seus fatores de produção vendidos e gastam essas receitas,
enquanto consumidores, nos mercados de produto; e
• as empresas recebem essas receitas das vendas de bens e serviços e usam-nas para comprar
fatores de produção às famílias, ou seja, na forma de salários, rendas, juros e lucro.

Mercado de
produtos

Empresas
Famílias

Mercado de
recursos

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Debrucemo-nos agora sobre a ciência económica em si, sobre alguns dos seus pressupostos e métodos.

A ciência económica estuda o comportamento de um grande número de agentes económicos (milhares,


milhões…) que procuram, constantemente, em simultâneo e em interação uns com os outros, satisfazer
as suas necessidades ilimitadas com recursos limitados. Se tentássemos imaginar cada uma destas
trocas para perceber o todo – seguindo um raciocínio indutivo – rapidamente compreenderíamos a
impossibilidade dessa tarefa e nos sentiríamos afogados em informação e possibilidades. Por isso,
primordialmente, a ciência económica adota uma abordagem dedutiva – parte de princípios gerais e
pressupostos para analisar a realidade. Quanto mais “corretos” forem esses princípios e pressupostos,
mais capazes serão de permitir previsões certas da realidade verificada nos mercados.

Um dos pressupostos mais conhecidos da ciência económica está associado à ideia da “mão invisível”
identificada por Adam Smith. Com milhões de pessoas a fazerem biliões de opções económicas todos os
dias, vemos que, afinal de contas, há um certo equilíbrio que se gera, os mercados funcionam (exceto
nalgumas situações, como veremos).

Este equilíbrio é tanto mais extraordinário quando observamos que o comportamento de cada agente
económico – de cada um de nós – é conduzido por egocentrismo ou interesse próprio racional.

Em termos clássicos e em regra, a Economia parte do pressuposto de que, ao fazerem opções em


contextos económicos, os indivíduos comportam-se de modo racional, ou seja, tomam a opção que
melhor servir os seus interesses. Ser “economicamente racional” significa, então, tomar a opção que
levar à maior utilidade com base no menor custo, ou que mais conseguir minimizar o custo necessário
para alcançar uma certa utilidade.

Ser racional, neste sentido, não é ser ganancioso, ou ser obcecado por acumular riqueza material. Cada
um de nós define e constrói o seu “interesse próprio” como entende. Muitos de nós só sentimos bem se
a nossa família estiver bem, pelo que a sua proteção entre no nosso interesse próprio. Podemos
também sentir o impulso de proteger os desfavorecidos da nossa comunidade, ou do mundo inteiro. O
que interessa é como avaliamos, pessoalmente, o valor e o custo de uma determinada opção.

Cada agente económico toma opções, claro, dentro dos limites da informação e do tempo disponíveis.
O tempo e a informação são recursos escassos, cuja afetação a certas opções é ela própria também feita
em função das prioridades do indivíduo. Assim, objetivamente, uma escolha racional até pode não ser a
escolha “ótima”, mas é a escolha “ótima” que o agente conseguiu identificar, com base na sua
expectativa de que seria a melhor, considerando a informação disponível e o tempo que achou racional
dedicar a tomar aquela opção.

Quando queremos comprar um carro, vamos investir muitos recursos – é uma decisão cujo valor lhe dá
uma importância económica significativa. E no entanto, muitos de nós passam uma quantidade de
tempo surpreendentemente pequena a informar-nos sobre todos os fatores que devem ser ponderados
para escolher o melhor carro para nós, para fazer a opção mais racional. Normalmente, pedimos a
opinião de amigos e familiares, confiamos na opinião de especialistas que lemos na internet, ou pura e

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simplesmente seguimos o impulso da compra porque nos apaixonámos por um carro. Tudo isto é (ou
pode ser) um comportamento economicamente racional. Só faz sentido investirmos tempo e outros
recursos em recolher informação até ao ponto em que achamos que o benefício que nos advirá dessa
informação adicional será superior ao custo de a obtermos.

Este tipo de raciocínio corresponde a outra caraterística fundamental da ciência económica: a análise
económica é, por natureza, marginal (relativa à margem). Tal como o usamos em Economia, este
conceito não tem nenhum do valor pejorativo que tem em linguagem vulgar (e.g., marginalizar uma
pessoa, um partido político marginal, etc.).

Quando fazemos uma opção, passamos duma situação existente para uma nova situação em que algo se
alterou. Perdemos um pouco de algo, adquirimos um pouco de algo. Para se poder concentrar nas
opções individuais, a Economia tem de se focar nos raciocínios que subjazem à escolha sobre adquirir
mais uma “dose” de algo – o raciocínio marginal corresponde a uma abordagem incremental (o
adicionar de mais uma unidade).

Quando tenho sede, bebo um copo de água. Esse primeiro copo de água é maravilhoso. Quando acabo,
sinto que ainda tenho sede, bebo mais um copo de água. Esse já não sabe tão bem, mas ainda me traz
prazer, ainda me matou a sede. Se começar a tentar beber um 3.º copo de água, é possível que pare a
meio porque, não só já não sinto sede, como aquela mesma água que há segundos era tão maravilhosa,
agora já não me apetece, e se me quiser obrigar a bebê-la, até me será penoso fazê-lo. A primeira dose
de água foi muito valiosa para mim, a segunda ainda o foi, mas menos. A terceira já não tinha qualquer
valor, ou podia até tornar-se um desvalor, um custo.

O agente económico (racional) forma juízos (expectativas) sobre a utilidade marginal e o custo marginal
de uma dose adicional e faz as suas opções em função da contraposição desses dois valores. Só mudará
a sua situação atual, se a alteração (a dose adicional) lhe trouxer (ou esperar que lhe traga) mais
utilidade do que custo (marginais).

Atenção que o raciocínio marginal aplica-se tanto a opções numa ínfima escala (e.g., beber mais um
copo de água), como a opções com consequências financeiras vastas e duradouras (e.g., trocar um
emprego por outro, ir para a universidade ou começar a trabalhar, uma empresa abrir um escritório
numa nova cidade…).

A abordagem marginal permite ao economista concentrar-se num pequeno aspeto da realidade que
quer analisar, para a poder compreender. Se quisesse compreender, de uma só vez, todo o oceano de
opções económicas que são tomadas, inevitavelmente se perderia e não chegaria a qualquer porto.

Já deve ter ficado claro que a teoria económica assenta em análises simplificadas de realidades
complexas. Os economistas usam o método científico para criar teorias e construir modelos que visam
explicar as realidades dos mercados, estabelecendo relações de causa e efeito. Se estas teorias e estes
modelos estiverem corretos, permitem prever o que vai acontecer num mercado. Se a previsão não se
verificar, significa que a teoria tem de ser melhorada, o modelo tem de ser revisto. No entanto, quanto
mais complexo o modelo (quanto mais elementos for necessário recolher para o aplicar), mais difícil é
aplicá-lo, o que pode até torna-lo inútil na prática. Ou seja, há um grau de simplificação dos modelos
que pode ser incontornável, sob pena de os modelos se tornaram idealmente ótimos, mas
pragmaticamente inviáveis.

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No fundo, faz-se um juízo “económico” no desenvolvimento de teorias e modelos económicos: só se
deve aperfeiçoar e complexificar até ao ponto em que o que se ganha com isso é mais do que o que se
perde.

Mesmo que não seja perfeita, uma teoria permite-nos começar a compreender o mundo à nossa volta,
sem prejuízo da consciência da imperfeição das previsões e da eventual necessidade de ajustes.

Tal como em qualquer disciplina científica, portanto, a ciência económica requer a aplicação do método
científico. Este método requer 4 passos:

1) Identificar a questão (económica) e definir as variáveis relevantes


Exemplo: o que acontecerá à procura de vagas na licenciatura de Direito da
Universidade Europeia se a propina descer 10%? As variáveis relevantes neste caso são
o preço e a quantidade deste serviço.
2) Estabelecer pressupostos
Um dos pressupostos mais recorrentes das teorias económicas é o pressuposto ceteris
paribus, ou seja, “tudo o resto sendo igual”, ou “com tudo o resto sendo constante”. Se
queremos analisar uma questão específica, focando-nos apenas nas variáveis que
escolhemos, então precisamos de estipular que, no nosso modelo teórico, as outras
variáveis não se alteram. Assim, no exemplo de cima, não teríamos em conta, e.g., a
possibilidade de variação dos rendimentos das famílias com potenciais candidatos a
estas vagas, ou o custo das propinas de outras licenciaturas de Direito em Portugal, etc.
Também se fazem pressupostos comportamentais – por definição, presume-se que os
agentes económicos atuam racionalmente.
3) Formular uma hipótese
Uma hipótese é uma teoria sobre a interação entre as variáveis. A hipótese pretende
permitir prever o que sucede quando se altera uma ou mais das variáveis em
determinado sentido.
Exemplo: podemos formular a hipótese que, se o preço da propina baixar, a procura de
vagas aumenta proporcionalmente.
4) Testar a hipótese
Por fim, há que ver se a hipótese é correta, aplicando-a e contrastando as suas previsões
com o que realmente se observa no mercado.
a. Se a hipótese for verdadeira, temos uma teoria económica que explica a realidade, até
alguém desenvolver uma melhor
b. Se a hipótese for falsa (se as suas previsões não forem tão boas quanto as da melhor
hipótese alternativa), tem de se recomeçar.
Atenção que testar uma hipótese não é fácil, porque implica a possibilidade de isolar as
variáveis relevantes.

É importante não ter expectativas demasiado elevadas sobre as teorias e modelos económicos. Desde
logo, uma teoria não pretende prever o comportamento de todos os agentes económicos, mas apenas o
comportamento de um agente económico médio. O facto de haver muitos indivíduos com
comportamentos excêntricos dentro do grupo pode não alterar a veracidade da teoria, porque essas

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excentricidades, no coletivo, podem-se anular umas às outras, sendo que o resultado médio é o que foi
previsto pelo modelo.

Ao aplicarmos o método científico, temos de ter atenção às falácias lógicas, que são as mesmas em
qualquer ramo do conhecimento. Assim, por exemplo:

a) Falácia de que a correlação implica causalidade: afirmar que uma coisa é a consequência de
outra só porque é observável uma relação entre elas (e.g., evoluem no mesmo sentido ao
mesmo tempo). Exemplo: só porque nos últimos anos o número de divórcios é sempre mais alto
quando o Porto ganha o campeonato, não quer dizer que isto cause aquilo.
b) Falácia da composição: afirmar que o todo possui a mesma característica que a parte (ou que o
que é verdadeiro para o indivíduo tem de ser verdadeiro para o todo). Exemplo: É verdade que
se eu me levantar mais cedo para estar na fila da bilheteira antes de abrir, tenho uma maior
probabilidade de conseguir bilhetes. Mas isso deixa de ser verdade se todos tiverem a mesma
ideia e fizerem o mesmo.
c) Falácia dos efeitos secundários: tomar decisões económicas que ignoram as suas consequências
involuntárias ao longo do tempo, em resultado das reações dos agentes económicos. Exemplo: a
política de congelamento de rendas nalgumas cidades, que era suposto proteger os
desfavorecidos, mas acabou por levar ao aumento do preço do arrendamento, à degradação
dos centros urbanos, à falta de investimento na preservação do imobiliário e ao envelhecimento
da população urbana com a deslocação das famílias jovens para os subúrbios.

Sem prejuízo das suas características de cientificidade, e dos contínuos esforços de reforçar essas
características, a verdade é que, tal como o Direito, a Economia tem mais de arte que de ciência. O
economista tenta explicar a realidade usando os seus conhecimentos, mas também a sua imaginação,
contando uma história sobre o como e o porquê das coisas. A história é construída com bases em dados
quantitativos, em casos específicos, em provas anedóticas, experiências pessoais, etc. Não é por acaso
que a piada mais gasta sobre economistas é que, se tivermos 4 economistas numa sala, teremos 5
opiniões sobre a mesma realidade.

PARTE 2 – PROCURA, OFERTA E MERCADOS

2. Procura
Os agentes da procura são todos os indivíduos e entidades que adquirem ou podem potencialmente
adquirir bens, serviços ou recursos.

Os agentes da procura são definidos (delimitados) em função de um bem, serviço ou recurso específico.
Cada bem tem os seus próprios agentes da procura, que podem não ser os mesmos que os agentes da
procura de outro bem. Esses agentes variam no tempo em função de diversos fatores.

Um agente da procura num determinado mercado (em vários mercados) pode ser – aliás, é sempre –, ao
mesmo tempo, um agente da oferta noutros mercados. Uma empresa que produz sapatos, por
exemplo, é um agente da procura no mercado do couro, mas é um agente da oferta no mercado dos

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sapatos. A maioria de nós, enquanto consumidores, somos agentes da procura em inúmeros mercados
de produtos de consumo, mas somos agentes da oferta no mercado do trabalho.

Não é necessário que um agente compre, efetivamente, um bem para que ele seja um agente da
procura desse bem. Se eu quero comprar uma Playstation 4, mas não tenho disponibilidade financeira
(tendo em conta os recursos escassos e a prioridade de outras necessidades que tenho de satisfazer)
para a comprar por 400 euros, eu sou um agente da procura desse bem. Simplesmente, estou excluído
do mercado porque não tenho capacidade de pagar o preço atual. Se ao fim do ano, o preço baixar para
300 euros, se calhar eu já consigo pagar o preço e passo a participar ativamente no mercado. Mas já
antes participava no mercado, potencialmente.

É também importante não esquecer que os fatores de produção (recursos) também são oferecidos e
procurados, tal como os bens e serviços.

O comportamento dos agentes da procura é guiado, ao nível mais fundamental, pelo que se designa a
“lei da procura”.

De acordo com a lei da procura, a quantidade procurada de um determinado bem / serviço / recurso
(i.e., a procura) varia em função do preço. Especificamente, quando o preço desce, a procura aumenta,
e quando o preço sobe, a procura desce.

Atenção que, como todas as outras leis económicas, esta lei só é sempre verdade se os outros fatores
estiverem constantes, ou seja, ceteris paribus. Se outro fator relevante variar, é possível que os factos
deem a ilusão de que a lei foi desrespeitada. Por exemplo, se o preço subiu ligeiramente, mas ao mesmo
tempo os agentes da procura passaram a ter muito mais recursos (e.g., dinheiro) disponíveis para
satisfazer as suas necessidades, então é até possível que a procura suba, apesar de o preço ter subido.

A lei da procura é instintiva para todos nós. É por causa desta lei, nomeadamente, que os
supermercados apostam tanto nas promoções. Se sabemos que num determinado fim-de-semana
alguns produtos vão estar mais baratos numa certa loja, somos capazes de ir lá de propósito para
comprar esses produtos (e provavelmente até levamos outros que não estão em promoção). Ou se
vamos ao supermercado com intenção de comprar dois litros de leite, mas chegamos e vemos uma
excelente promoção da marca branca, que está com menos 30%, é bem possível que aproveitemos para
levar 6 litros para casa.

A lei da procura é representada graficamente, através do que se designa a curva da procura:

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Curva da Procura

Preço (P)

Movimento ao longo da curva

Procura (Demand) (D)

Quantidade (Q)

Expliquemos o gráfico com um exemplo. Imaginemos que o gráfico se refere à procura de leite. As
unidades no eixo da quantidade referem-se a litros de leite, e cada unidade no eixo do preço representa
50 cêntimos. Se o preço do leite estiver alto (P1 = 1,5€), o agente da procura médio só comprará 1 litro
de leite. Se o preço estiver médio (P2 = 1€), a procura passa a adquirir 2 litros de leite. E se estiver baixo
(P3 = 0,5€), o consumidor médio adquire 3 litros de leite. Este modelo é simplificado, claro, mas
descreve visualmente uma lei económica fundamental e incontestável.

Este comportamento da procura explica-se com dois efeitos principais: o “efeito de substituição” e o
“efeito de rendimento”.

O efeito de substituição acontece porque temos recursos escassos para satisfazer muitas necessidades,
entre as quais estabelecemos prioridades. Eu até posso gostar muito de Nutela, mas se o preço subir, é
bem provável que eu passe a comprar outro chocolate para barrar, mesmo que não seja o meu
preferido. Neste caso, esta mudança de um produto para outro é fácil e rápida porque se tratam de
produtos “sucedâneos” – considero-os substituíveis entre si, aptos a satisfazer a mesma necessidade.

Esta sucedaneidade, e o efeito de substituição entre produtos, varia em grau (em intensidade)
consoante a variação de preço. Quanto mais subir o preço, mais amplo é o leque de produtos que se
pondera usar como substituto. Se o preço de todos os chocolates para barrar subir, é provável que
muitos agentes da procura passem a comprar manteiga de amendoim, ao passo que antes (quando o
preço estava mais baixo), não os consideravam exatamente substituíveis entre si.

Atenção que, em reação a uma subida de preços, é possível que se verifique uma substituição da
procura de um bem pela procura de outro bem que não é de todo um seu sucedâneo. Isto é mais
evidente no caso de produtos de luxo ou supérfluos. Se o preço estiver relativamente baixo, eu posso
decidir comprar um bolo de chocolate. Mas se o preço estiver alto, posso pura e simplesmente decidir
não comprar qualquer bolo. Esses recursos que eu não gastei com o bolo, hei de os utilizar para
satisfazer qualquer outra necessidade, que provavelmente não terá nada a ver com a gula e desejo de
açúcar que me levava a querer o bolo.

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O efeito de rendimento acontece pelo mesmo motivo que o efeito de substituição. Se eu tenho de
satisfazer uma necessidade (e.g., preciso de comprar leite), e o preço do bem que preciso sobe, então
tenho de gastar mais recursos a comprá-lo e, em termos relativos, passo a dispor de menos recursos
para satisfazer todas as minhas necessidades. Ou seja, uma subida de preços leva a uma descida do meu
rendimento real. A maneira mais fácil de compreendermos isto é pensarmos no que acontece quando
há inflação (que é uma subida generalizada dos preços dos bens) – se ganhamos o mesmo dinheiro que
o ano passado, mas a inflação foi 3%, então estamos efetivamente 3% mais pobres, apesar de, em
termos quantitativos, os recursos que temos serem os mesmos.

Portanto, se os preços sobem, a quantidade procurada de todos os bens desce – o efeito não se limita à
procura do bem específico cujo preço subiu.

Mas atenção, temos de ter em conta que a lei da procura é apenas uma regra, e que há mercados em
que se verificam exceções à lei da procura. Há mercados em que, mesmo na constância das outras
variáveis (ceteris paribus), uma subida de preços (até certo ponto) pode levar a um aumento da procura
e, inversamente, uma descida dos preços leva a uma quebra da procura.

É isto que acontece, por vezes, com produtos de luxo. Quando se compra um relógio de luxo, não é
tanto a satisfação da necessidade de saber sempre o tempo que se pretende satisfazer. O que se
pretende é ter um objeto esteticamente agradável e que seja um sinal de riqueza para os outros. É um
objeto de ostentação. A perceção de valor do bem pelos seus potenciais compradores está intimamente
associada ao seu preço, e não tanto à sua apetência para satisfazer a necessidade funcional servida pelo
objeto (se é que tem alguma). Por isso é que as marcas ditas “de prestígio” lutam tanto para impedir
que os seus bens sejam vendidos com descontos – é que isso pode mesmo levar a uma quebra da
procura dos seus produtos.

Outra exceção é a que está associada ao efeito que ficou conhecido como o paradoxo de Giffen. No
final do século XIX, este economista reparou que as famílias que tinham recursos muito limitados (e.g.
famílias de operários industriais) acabavam por comprar mais produtos alimentares básicos quando o
preço desses produtos subia. Ora, pela lei da procura, se o preço subia, eles deviam comprar menos. O
que se passa, nestes casos, é que, quando o preço era mais baixo, essas famílias compravam esses bens
básicos e ainda compravam outros bens alimentares mais caros. Mas quando o seu preço subia, as
famílias não podiam deixar de comprar os produtos básicos, por lhes serem essenciais, e ficavam sem
recursos suficientes para comprar os produtos alimentares mais caros, pelo que decidiam investir os
recursos que lhes restavam a comprar mais produtos básicos. Trocando por miúdos, se já não temos
dinheiro suficiente para comprar carne, pelo menos compramos mais batatas ou mais legumes.

Quando nos debruçamos sobre agentes da procura com recursos reduzidos, também observamos outra
exceção à lei da procura: em certos casos, quando o preço desce, a quantidade procurada também
desce. Isto acontece sobretudo quando se faz uma opção entre dois produtos substituíveis entre si, um
deles sendo preferido ou sendo entendido como melhor ou mais capaz de satisfazer a necessidade.
Imaginemos que tenho 100 para gastar na compra de bens que satisfazem uma mesma necessidade,
mas o bem A é um bem básico, e o bem B é melhor. Normalmente podia gastar 30 a comprar “A” e 70 a
comprar “B”. Mas se “A” fica mais barato, em vez de aumentar a quantidade de “A” que compro, eu
posso decidir comprar a mesma “quantidade”, ou até menor “quantidade” de “A”, e investir mais na
compra de “B”.

13
Outra lei económica fundamental que nos permite compreender e prever o comportamento da procura
é a lei da utilidade marginal decrescente.

Todos os bens têm um determinado valor para o agente da procura, uma determinada “utilidade”. Mas
a utilidade diminui à medida que aumenta a quantidade consumida. Pense-se no exemplo dos copos
de água. No início temos muita sede, e portanto o primeiro copo de água satisfaz-nos imenso, tem uma
“utilidade” muito elevada. O segundo ainda nos sabe bem, mas já não tanto. Bebermos um quarto seria
um enorme esforço – embora seja o mesmo bem, não só perdeu a utilidade que tinha há segundos
atrás, como até nos seria custoso consumir essa dose adicional.

Portanto, para o agente da procura, cada dose adicional de um bem tem um valor menor que a dose
anterior.

Em termos visuais, esta lei é representada por um gráfico semelhante à curva da procura (substituindo-
se o preço pela utilidade). Assumindo que o preço de cada dose é o mesmo, se um compro uma barra de
chocolate, ela tem, por hipótese, uma utilidade para mim de 10. A segunda barra de chocolate já não
vou ter tanta pressa de a comer, ela terá uma utilidade de 9. A terceira já poderá ter só uma utilidade de
7, etc.

O agente económico (presumindo-se a sua racionalidade) só compra até ao ponto em que a utilidade
marginal do bem é igual ao custo marginal de o adquirir. No exemplo acima, se a barra de chocolate
custa 8, eu compraria duas barras de chocolate, mas já não compraria a 3ª. É uma ideia muito simples:
eu só compro uma dose adicional de algo se ficar melhor por isso. Fico melhor se o custo (margina) for
inferior ao preço (marginal), ou até se for igual, já que consegui satisfazer uma necessidade (portanto
fiquei, de facto, melhor).

Assim sendo, a lei da utilidade marginal decrescente também permite explicar porque é que faz sentido
comprar mais doses quando o preço é mais baixo, e vice-versa. Se o preço do chocolate descer para 7,
faz sentido aproveitar e comprar a 3ª barra, porque a minha utilidade marginal dessa 3ª dose passou a
ser igual ao seu custo marginal.

Embora esta lei seja necessária para compreender o comportamento dos agentes económicos, a
verdade é que a sua aplicação prática é muito difícil, porque a utilidade dum bem é eminentemente
subjetiva e praticamente impossível de medir. Para contornar este problema, em vez de tentarem
quantificar a utilidade, os economistas recorrem a uma técnica de aferição da utilidade por comparação
entre bens – colocando-se diferentes bens por ordem da sua utilidade.

Esta aferição pode expressar-se visualmente através das curvas da indiferença.

14
Curva da Indiferença

Quantidade
do Bem A

Quantidade do Bem B

Neste gráfico, temos 3 curvas que representam três níveis diferentes de utilidade dos bens (ou, com o
mesmo resultado, três níveis diferentes de recursos para gastar) – quanto maior utilidade tiver, maior
quantidade será comprada, por isso a curva desloca-se para a direita. Quanto mais à direita for a curva,
maior é o bem-estar resultante para o agente da procura.

Ao longo de cada uma das curvas, é indiferente, para o agente da procura, ter uma quantidade de um
bem ou a quantidade correspondente do outro bem, porque está a satisfazer exatamente a mesma
necessidade, com o mesmo nível de satisfação.

Até agora, temos visto que a procura varia em função do preço. Mas saber isso adianta-nos de pouco se
não conseguirmos quantificar a variação. Uma empresa não sabe até onde pode subir os preços se não
souber quanto varia a procura. Isto porque, como veremos, a partir de um determinado ponto, uma
subida de preços deixará de ser rentável, devido à redução de unidades vendidas. Inversamente, baixar
o preço só é boa ideia se o aumento na quantidade total de vendas compensar o que se perde no valor
unitário de cada produto vendido.

Para responder a esta questão, os economistas estudam, nomeadamente, o que se chama a


elasticidade-preço da procura (normalmente abrevia-se e diz-se apenas “elasticidade”, mas atenção
que há outros tipos de “elasticidades” que são medidas, para além da “elasticidade-preço da procura”).

A elasticidade-preço da procura é a quantificação da intensidade da variação da procura em função da


variação do preço. A elasticidade-preço da procura é igual à variação relativa da quantidade procurada a
dividir pela variação relativa do preço. Em termos de fórmula matemática:

e = Δ%Q / Δ%P

Calcula-se a elasticidade comparando uma situação anterior e uma situação posterior. Não se
comparam valores absolutos, mas sim valores relativos, expressos em percentagem.

A procura pode ser elástica, inelástica ou ter uma elasticidade unitária.

15
A procura é elástica quando a quantidade varia mais que o preço. Por exemplo, se o preço sobe 10%, a
quantidade procurada desce 20%, ou vice-versa.

A procura é inelástica se a quantidade varia menos que o preço. Por exemplo, se o preço sobe 10%, a
quantidade procurada desce 5%, ou vice-versa. Exemplo típico de bens com procura inelástica (ou
“rígida”) são os bens essenciais. Porque as pessoas precisam de os comprar, tenderão a continuar a
comprá-los praticamente na mesma quantidade mesmo que o preço suba, e se o preço descer
normalmente não precisarão de comprar muito mais quantidade do que a que já usavam para satisfazer
a necessidade essencial em causa.

A procura tem uma elasticidade unitária se os dois valores variarem exatamente na mesma proporção –
e.g., se a uma subida de preço de 5% corresponder uma descida de quantidade de 5%, e a uma subida
de preço de 10%, corresponder uma descida da procura de 10%, etc.

Para uma empresa decidir como variar os seus preços, precisa de compreender a elasticidade-preço da
sua procura:

a) se a procura é elástica (>1), o vendedor ganha em baixar os preços, e perde se subir os preços;
b) se a procura é inelástica (<1), o vendedor ganha em subir os preços, e perde se baixar os preços;
c) se a procura tem uma elasticidade unitária (1), é indiferente mexer no preço, porque a
quantidade variará na mesma proporção.

É muito importante compreender que a elasticidade varia marginalmente. Como é lógico, devido à regra
da utilidade marginal decrescente, a elasticidade a um determinado nível de preço não é a mesma que a
elasticidade a outro nível de preço.

Imaginemos o seguinte exemplo, relativo a latas de Coca-Cola. Neste quadro, a primeira coluna indica o
preço das latas em cêntimos, a segunda coluna indica a quantidade vendida em milhares (e a variação
percentual relativamente à célula superior, arrendondada), a terceira coluna indica as receitas realizadas
(preço x quantidade), e a quarta coluna indica o cálculo da elasticidade.

Preço (cênt. €) Qt (‘000) Receitas (P x Qt) Elasticidade


10 525 5250 -
20 (100%) 450 (-14%) 9000 0,14
40 (100%) 300 (-33%) 12000 0,33
60 (50%) 140 (-54%) 8400 1,08

Num mercado com estas caraterísticas de elasticidade-preço da procura, faz sentido para a Coca-Cola
aumentar os preços até ao ponto em que a procura ainda se revela inelástica (elasticidade <1). Neste
caso, a empresa ganha dinheiro (é uma opção rentável) quando aumenta os preços de 10 para 20, e até
de 20 para 40. Já a última subida dos preços se veria confrontada com uma procura elástica – a empresa
já perderia dinheiro, não fazendo sentido aumentar os preços até esse nível.

A elasticidade-preço da procura pode, portanto, ser representada graficamente, e assumirá a forma


duma curva. O grau de inclinação da curva dependerá do grau de elasticidade. A curva será tanto mais
horizontal quanto mais elástica for a procura, e será tanto mais vertical quanto mais inelástica for a

16
procura. A procura unitária representar-se-ia por uma linha reta evoluindo sempre no meio dos dois
eixos. Os casos teóricos de uma procura “absolutamente elástica” ou “absolutamente inelástica” são
representados, respetivamente, por:

a) elasticidade absoluta: uma linha horizontal, que significa que se adquire qualquer
quantidade (pelo menos até certo ponto) a um determinado nível de preço, mas qualquer
variação de preço, para cima ou para baixo, implicaria deixar de se vender
b) inelasticidade absoluta: uma linha vertical, que significa que se adquire sempre a mesma
quantidade, independentemente do nível de preço (pelo menos até certo ponto). Quer dizer
que a procura está nas mãos da oferta, que pode subir livremente o preço por saber que a
procura não vai poder reduzir a quantidade que adquire.

Diz-se acima “pelo menos até certo ponto” porque a elasticidade e a inelasticidade só se verificam até
determinado nível de preços ou de quantidade. A partir de determinada quantidade, mesmo um bem
oferecido pode deixar de ser pretendido (e.g., por ser um custo armazená-lo). E, mesmo com uma
procura muito inelástica, o preço pode subir tanto que os consumidores (ou a grande maioria dos
consumidores) deixam de ter dinheiro para comprar esse bem. Embora essencialmente teóricos, é bom
manter esses cenários em mente.

Visto isto, já deve ser possível de imaginar alguns dos tipos de bens e serviços que revelam procuras
elásticas e inelásticas.

Os bens de procura elástica são, tipicamente, aqueles que são facilmente substituíveis pela procura. Se
os seus preços sobem, os agentes da procura rapidamente passam a comprar outro bem que permite a
satisfação da mesma necessidade. Pense-se, por exemplo, na facilidade de substituição de um tipo de
arroz por outro tipo (e.g., arroz agulha e arroz carolino), ou até na substituição de arroz por massa.
Outro exemplo é a substituibilidade entre telemóveis de diferentes marcas, com as mesmas
características. Em suma, quanto maior for a facilidade e rapidez de substituição de um bem por outro
(seu sucedâneo), mais elástica se mostrará a procura, e mais restringida estará a liberdade dos
produtores para subirem os preços.

Quanto aos bens de procura inelástica, o exemplo mais óbvio são os bens essenciais (ou de primeira
necessidade). Se as pessoas precisam mesmo de adquirir um determinado bem, para satisfazer uma
necessidade essencial à sua sobrevivência, mostrar-se-ão muito insensíveis à variação do preço. E serão
tão mais insensíveis quanto menos ofertas sucedâneas existirem. Por isso é que a eletricidade doméstica
é, tipicamente, um dos bens cuja procura se mostra mais inelástica.

Mas há outros tipos de bens cuja procura se mostra inelástica. É o caso de alguns bens de luxo, para cuja
procura uma subida de preço pode ser pouco significativa e pode até tornar o bem mais atrativo. E é
também o caso de bens cujo preço representa um sacrifício relativamente muito pequeno – muito
pequeno em relação aos rendimentos totais na disponibilidade desse agente da procura, ou muito
pequeno em relação ao preço de outro bem que é complementar (que é usualmente adquirido e
utilizado em conjunto com esse).

Até agora estivemos a olhar a elasticidade de um mesmo bem – a variação da procura desse bem em
função da variação do preço desse mesmo bem. Mas os economistas também estudam o impacto de

17
uma variação de preço de um bem na quantidade procurada de outro bem – chama-se a isto a
elasticidade-cruzada da procura.

Neste caso, estamos a tentar perceber e quantificar as relações de substituibilidade entre dois bens,
perceber até que ponto esses produtos são sucedâneos. A elasticidade-cruzada também reflete relações
de complementaridade entre bens.

Assim, por exemplo, se dois produtos forem substitutos muito próximos, a curva da procura na
ponderação da elasticidade-cruzada vai ter o seguinte aspeto:

À medida que o preço de Y aumenta, a quantidade procura de X aumenta em proporção direta. Se


forem substitutos muito próximos, mas não perfeitos,

Se os dois produtos não tiverem qualquer relação de sucedaneidade, a variação do preço de um não
afetará minimamente a quantidade procurada do outro:

Se os dois produtos tiverem uma forte relação de complementaridade entre eles, a curva da procura
terá o seguinte aspeto:

Nos bens complementares, a procura de um afeta a procura do outro. Se preciso do bem X para poder
utilizar o bem Y, então se o preço do bem Y sobe, eu vou comprar menos do bem Y, mas também vou
comprar menos do bem X. Inversamente, uma descida do preço de Y causará um significativo aumento
da procura de X.

18
Se dois bens são complementares, mas apenas de modo limitado, ainda se vai ver um impacto cruzado,
mas mesmo uma grande redução do preço de Y, levaria apenas a uma pequena subida da procura de X.

O estudo da elasticidade-cruzada da procura (e da oferta, também) é crucial para se perceber quais são
os outros bens com que um determinado bem concorre. Ou seja, permite identificar os bens (e, por isso,
também as empresas produtoras desses bens) que são os concorrentes. No mundo do Direito, isto
ganha a maior importância, especialmente, quando se tenta delimitar o “mercado relevante” no âmbito
do Direito da Concorrência.

Há ainda um outro tipo de elasticidade da procura que assume grande importância nos estudos
económicos: a elasticidade-rendimento da procura.

Normalmente, as análises económicas das variações de preços partem do pressuposto que o


rendimento dos agentes da procura não se altera (se mantém constante). Ora, nós sabemos que, muitas
vezes, na realidade, isso não se verifica. Se os agentes da procura têm menores rendimentos disponíveis
para satisfazer as mesmas necessidades (e.g., porque perderam uma fonte de receitas, ou porque os
preços de vários bens que precisam de comprar aumentaram), então vão comprar menos unidades dos
bens (em regra). Se têm mais rendimentos disponíveis, poderão passar a comprar mais unidades, ou
poderão entrar num mercado em que até então nem estavam ativos (não podiam ou optavam, até
então, por não comprar esse bem).

Isto significa que é também muito importante compreender o impacto duma variação do rendimento
sobre a variação da procura de um bem.

A elasticidade-rendimento da procura concretiza-se na seguinte fórmula:

eR = Δ%Q / Δ%R

Os bens classificam-se consoante a elasticidade-rendimento da procura:

a) se a elasticidade é elevada (>1), tratam-se de “bens de luxo”, bens que são mais ou menos
supérfluos – nestes casos, a quantidade procurada vai aumentar mais do que o preço, ou seja, à
medida que os agentes da procura vão tendo mais rendimentos disponíveis, vão comprando
mais quantidade, numa proporção maior à da subida dos rendimentos. Pense-se no caso de
automóveis ou de refeições em restaurantes.
b) se a elasticidade está entre 0 e 1, tratam-se de “bens normais” – nestes casos, a quantidade
procurada vai aumentar menos do que o preço. Pense-se no caso de serviços médicos ou de
cigarros.

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c) se a elasticidade é negativa (<0), tratam-se de “bens inferiores” – a procura destes bens diminui
com o aumento do rendimento. São bens que têm um sucedâneo de maior qualidade, por isso
quando os agentes da procura têm mais rendimentos, passam a comprar o produto melhor,
deixando de comprar esse. É o que acontece, por exemplo, com a margarina ou com tipos de
peixe mais baratos.

O gráfico que representa a elasticidade-rendimento da procura chama-se curva de Engel. Ou seja, esta
curva representa a variação da procura de um bem em função da variação do rendimento da procura.

Já chamámos a atenção para o facto de a Economia ter a tendência para identificar os comportamentos
dos agentes médios da procura. Recordando esse facto, importa também notar que todas estas análises
de elasticidade, assim como qualquer outra análise do comportamento da procura, se podem fazer
tendo por referência o comportamento da procura individual (um agente específico ou um agente
médio) ou da procura agregada (o conjunto dos agentes da procura). Passar de uma análise a outra
implica alterar a escala dos valores com que trabalhamos. A procura individual trabalha com escalas de
valores pequenos (e.g., unidades necessárias para satisfazer a procura de um agente), enquanto a
procura agregada trabalha com escalas de valores elevados (e.g., unidades necessárias para satisfazer a
procura de todos os agentes no universo considerado).

Uma última chamada de atenção para o facto de existirem muitos outros fatores que afetam, ou podem
afetar, a variação da procura, desde o progresso tecnológico a questões puramente de gosto. O estudo
destas últimas, sobretudo, recaem no âmbito de um ramo específico da Economia a que voltaremos
mais tarde, chamado “Economia Comportamental” (“Behavioural Economics”).

3. Oferta
Até agora, estivemos a falar do modo como os agentes da procura se comportam nos mercados de bens
ou serviços ou de fatores de produção. Agora vamos debruçar-nos sobre o comportamento dos agentes
do outro lado das trocas económicas, o comportamento dos agentes da oferta.

Como veremos, uma vez compreendidas as leis da procura, torna-se fácil compreender as leis da oferta.
De modo geral, seguem exatamente as mesmas lógicas, ainda que invertidas.

Comecemos por chamar a atenção que os agentes da oferta não são só as empresas. É verdade que são
as empresas que oferecem bens e serviços, mas as famílias (e.g., os consumidores) também são agentes
da oferta, nomeadamente quando oferecem fatores de produção que são comprados pelas empresas,
que os usam para produzir bens e serviços (estamos aqui a simplificar o modelo de análise – o “Estado”
e o “resto do mundo” também procuram e oferecem bens e serviços e fatores de produção). As leis da
oferta aplicam-se a todos os agentes da oferta, não só às empresas.

Tal como do lado da procura falámos da “lei da procura”, do lado da oferta a Economia identificou a “lei
da oferta”. Nas suas formulações básicas, as duas leis são exatamente iguais, porque em ambos os casos

20
há uma variação. Mas quando concretizamos o sentido dessa variação, vemos que a lei da oferta é
diametralmente oposta à lei da procura.

De acordo com a lei da oferta, a quantidade oferecida de um determinado bem / serviço / recurso (i.e.,
a oferta) varia em função do preço. Especificamente, quando o preço desce, a oferta desce, e quando o
preço sobe, a oferta sobe.

Todos sabemos, instintivamente, que assim é. Para a procura, à medida que os produtos ficam mais
caros, há relativamente menos recursos para os comprar, portanto compra-se menos. Mas para a
oferta, à medida que os produtos ficam mais caros, torna-se mais atrativo vendê-los. Aumentar a
produção implica aumentar os custos, mas a subida dos preços faz com que esse aumento ainda possa
ser lucrativo.

Em consequência, a curva da oferta tem um aspeto exatamente oposto ao da curva da procura. À


medida que o preço aumenta, a quantidade oferecida também aumenta.

Como vimos, a Economia parte, normalmente, do pressuposto que os agentes económicos se


comportam de modo racional. Essa racionalidade, no que respeita à oferta, significa que os agentes da
oferta vão tentar sempre maximizar os seus lucros. Dito de outro modo, os agentes da oferta oferecerão
determinadas quantidades a determinados preços de tal modo que consigam para si o máximo possível
de utilidade total.

Uma empresa só produzirá e oferecerá um produto se o conseguir vender a um preço que seja superior
ou, no máximo (numa lógica marginal, ao nível da última dose vendida), idêntico ao que lhe custou
oferecer esse bem.

A curva da oferta representada acima está simplificada na forma de uma reta. Mas, realisticamente, a
linha daquele gráfico seria inclinada (daí chamar-se uma curva). À medida que aumenta o preço, a linha
vai-se inclinando mais. No início, a cada pequena subida de preço, corresponderá uma relativamente
maior subida de quantidade oferecida. Mas à medida que se vai aumentando a produção, será preciso
cada vez uma maior subida de preço para justificar uma comparável subida de quantidade.

Isto acontece devido à lei dos rendimentos marginais decrescentes (que é a lei paralela, no lado da
oferta, à “lei da utilidade marginal decrescente” no lado da procura). Se presumirmos que nenhum
outro fator se altera (ceteris paribus; e.g., se presumirmos que não há melhorias tecnológicas ou efeitos
de escala), o rendimento marginal que resulta de cada dose adicional vendida vai diminuindo.

Para compreendermos esta lei, temos de entender que ela só funciona quando só um dos fatores é
variável. Vejamos um exemplo.

21
Imagine-se uma fábrica que produz parafusos. A fábrica tem 3 máquinas que têm de ser operadas em
contínuo por um trabalhador cada para fazerem parafusos. É verdade que este processo de produção
também utiliza “terra” (por exemplo, a matéria prima com que se fazem os parafusos), mas porque o
custo desse material é uma percentagem muito baixa dos custos totais e para simplificar a análise,
concentremo-nos apenas nos fatores “capital” e “trabalho”. Neste exemplo, o “capital” não varia – e.g.,
o empresário não vai comprar mais máquinas –, mas o fator trabalho é variável – o empresário pode
contratar mais ou menos trabalhadores.

Há um nível de trabalhadores abaixo do qual o rendimento marginal até vai subindo. Assim, se o
empresário só tem dois trabalhadores, há uma máquina que custou bastante e que nunca é utilizada,
está a ser desperdiçada. Nessas condições, ao contratar mais um trabalhador, o custo marginal de
produzir mais uma dose até vai diminuir. E o mesmo se diga se ele passar a ter 6 trabalhadores, que
trabalham em 2 turnos, para as máquinas estarem mais tempo a ser utilizadas e a produzir. Mas se ele
contratar 4 trabalhadores para cada turno, vai passar a pagar mais um salário, mas o acréscimo da
produção já não vai ser tão alto como quando contratou o 3.º trabalhador. Esse 4.º pode ajudar os
outros 3, substituir algum quando tem de se ausentar, ir buscar material, etc. Mas não pode ele própria
operar uma máquina que já está a ser operada por outro. Se for contratado um 5.º trabalhador, o
contributo adicional para a produção desse 5.º vai ser ainda mais baixo. E por aí adiante. Dependendo
dos casos, é possível chegar-se a situações em que o acréscimo de mais trabalhadores até pode diminuir
a produção, em vez de a aumentar – isto acontece, por exemplo, se os trabalhadores se começam a
atrapalhar uns aos outros.

Tal como os rendimentos marginais vão diminuindo, os custos marginais vão aumentando. De cada vez
que se contrata mais um trabalhador, está-se a pagar comparativamente mais, se pensarmos em termos
económicos (custo de oportunidade e utilidade que essa dose de trabalho tem para o empresário). Em
regra, portanto, quanto mais se aumenta a produção, mais aumenta o custo de oferecer uma dose
adicional do bem ou serviço em causa.

Já vimos como se calcula a elasticidade da procura. Pois bem, também se pode calcular a elasticidade da
oferta, do mesmo modo, adaptando apenas os parâmetros.

Quando os preços aumentam ou descem, a quantidade oferecida desse bem aumentará ou descerá,
respetivamente, mas a questão está em saber quanto.

A elasticidade-preço da oferta calcula-se do seguinte modo:

e = Δ%Q / Δ%P

ou seja

elasticidade-preço da oferta = variação relativa (percentual) da quantidade oferecida / variação relativa


(percentual) do preço

O resultado, tal como no caso da procura, é que a oferta pode ser elástica, inelástica ou ter uma
elasticidade unitária.

22
A oferta é elástica (>1) quando a quantidade varia mais que o preço. Assim, por exemplo, quando o
preço sobe um pouco, a quantidade oferecida sobe muito.

A oferta é inelástica (<1) se a quantidade varia menos que o preço. Neste caso, por exemplo, quando o
preço sobe um pouco, a quantidade oferecida sobe muito pouco.

A oferta tem uma elasticidade unitária (1) se os dois valores variam exatamente na mesma proporção –
e.g., se a uma subida de preço de 5% corresponder uma subida de quantidade oferecida de 5%.

Para uma empresa determinar o seu comportamento no mercado, não basta compreender a
elasticidade da procura, tem também de compreender a elasticidade da oferta. Tem de compreender
como vão reagir os seus concorrentes os seus potenciais concorrentes (empresas que ainda não
oferecem aquele produto, mas podem passar a oferecê-lo; não estão no mercado, mas podem entrar).

Assim, por exemplo, uma empresa pode oferecer um bem a um preço em que se verifica uma grande
inelasticidade da procura. Poderá pensar que, nesse caso, deve subir os preços e ficará a ganhar com
isso. No entanto, se o fizer, pode descobrir que afinal perde dinheiro. Porquê? Nomeadamente, porque
os seus potenciais concorrentes podem reagir. Empresas que até então não ofereciam de todo aquele
produto, mas têm recursos e conhecimentos que lhes permitem rapidamente oferecê-lo, podem entrar
no mercado, levando a um aumento da quantidade total desse bem oferecida no mercado.

Imagine-se que um produtor de leite ainda não oferecia manteiga, porque tinha de fazer um
investimento numa nova máquina, e estimava que o preço da manteiga não lhe permitiria compensar
esse investimento. Mas se o preço da manteiga subir, o produtor pode pensar que agora já conseguirá
entrar no mercado e vender suficientes doses de manteiga para compensar o investimento na nova
máquina.

Mais tarde, quando estudarmos o funcionamento do mecanismo dos preços nos mercados, tornar-se-á
mais claro o impacto disto e a importância da elasticidade da oferta.

A oferta é, tipicamente, muito elástica quando podem entrar rapidamente no mercado novos
concorrentes. Isso pode acontecer porque há concorrentes potenciais que podem adaptar
imediatamente o seu processo de produção e passar a oferecer esse bem. Também pode acontecer se o
produto em causa não tiver custos de transporte significativos (relativamente ao seu custo total) e, por
isso, existir muita pressão concorrencial exercida por produtos estrangeiros, que podem passar a
exportar para o nosso mercado em reação a um aumento de preços.

Em contrapartida, a oferta é tipicamente inelástica (rígida), por exemplo, quando há uma escassez de
recursos necessários para produzir o bem em causa. Se não é possível armazenar um bem, ou se o
armazenamento e preservação tem elevados custos, a oferta também se mostrará inelástica. Ao fim do
dia, num mercado, os vendedores podem estar dispostos a vender os produtos frescos a preços muito
baixos, porque se não o fizerem estragam-se e perdem todo o seu valor. A existência de elevados custos
de transporte reduz a elasticidade da oferta, por exemplo, já que protege as empresas duma zona da
concorrência de empresas de outra zona.

Já falámos dos fatores de produção e da fronteira das possibilidades de produção. Já percebemos,


portanto, que os recursos podem ser combinados de maneiras diferentes para chegar a resultados

23
diferentes – e.g., produzir bens diferentes. Os agentes da oferta escolhem como distribuem os seus
recursos escassos do modo, e procedem a essa distribuição do modo que lhes permitir produzir e
oferecer os bens e serviços que lhes tragam mais lucros, mais utilidade.

No entanto, os produtores também têm de fazer opções entre diferentes maneiras de distribuir e de
organizar os recursos para produzir uma mesma quantidade de um mesmo bem. A isto chama-se
“funções de produção”.

De facto, normalmente podem-se fazer opções quanto ao modo de aumentar a produção consoante
investimentos adicionais num fator de produção ou noutro. Assim, por exemplo, se um produtor
pretende aumentar a sua produção de sapatos, pode investir mais em capital (e.g., máquinas) ou pode
investir mais em trabalho (e.g., recrutar mais trabalhadores), ou pode investir um tanto num e um tanto
noutro.

Imaginemos opções alternativas de distribuição dos recursos que conduzem ao mesmo resultado
produtivo. Assim, por exemplo, um empresário conseguirá (invariavelmente) produzir mais 10.000
unidades de sapato se: (a) comprar mais 5 máquinas e recrutar mais 30 trabalhadores; ou (b) comprar
mais 4 máquinas e recrutar mais 40 trabalhadores.

Neste cenário, um agente económico racional optará pela função de produção que lhe proporcione os
rendimentos totais mais elevados. Mas, assumindo que o preço do bem no mercado é um valor
constante, o mesmo é dizer que procurará minimizar o custo marginal das unidades adicionais
produzidas. O custo marginal é minimizado pela opção que representar um menor acréscimo de custos.

Portanto, só podemos saber qual a melhor das funções de produção acima representadas se soubermos
os custos de cada um daqueles fatores de produção que variam. Imaginemos que cada máquina custa
10.000 e que cada trabalhador custa 500. Nesse caso:

(a) (5 máquinas x 10.000) + (30 trabalhadores x 500) = 65.000


(b) (4 máquinas x 10.000) + (40 trabalhadores x 500) = 60.000

Ou seja, entre as duas opções, porque as duas conduzem ao mesmo output marginal (número adicional
de unidades produzidas), é mais rentável para o agente da oferta comprar apenas 4 máquinas e recrutar
40 trabalhadores – é esse o processo produtivo mais eficaz.

É claro que um aumento de produção também pode resultar, não de uma redistribuição mais eficiente
dos recursos existentes, mas de outras inovações que alteram o rendimento marginal dos fatores
existentes, como por exemplo uma melhoria tecnológica.

Mas para se compreender o comportamento dos agentes da oferta, para sabermos quais as condutas
que se mostram mais economicamente racionais para quem oferece bens ou serviços, não nos basta
compreendermos os custos marginais, ainda que estes tenham claramente uma posição de destaque.
Dependendo do mercado e das características do processo de produção/prestação do bem ou serviço,
existem outros custos de produção que podem ser tão ou mais decisivos quanto os custos marginais.

O seguinte exemplo ilustra os diferentes tipos de custo a ponderar:

24
Custos de produção

Custo
Custo Custo Custo Custo
Quantidade total
fixo variável total marginal
médio
0 1000 0,00 1000 - -
10 1000 2,00 1020 20 102,00
20 1000 1,15 1023 3 51,15
30 1000 2,00 1060 37 35,33
40 1000 5,00 1200 140 30,00
50 1000 9,00 1450 250 29,00
60 1000 15,00 1900 450 31,67

Os custos fixos (ou “irreversíveis”, ou “afundados”) são os custos indispensáveis para se poder produzir
o bem ou serviço em causa, e que estão presentes mesmo que não haja, num dado momento qualquer
produção. Mesmo que uma fábrica já tenha muito inventário e queira parar de produzir mais unidades
durante algum tempo, continuará a ter de pagar a renda dos edifícios que está a ocupar, continuará a
ter de pagar juros de empréstimos de capitais em que incorreu para se lançar naquela atividade,
continuará a ter de pagar salários a trabalhadores que não pode despedir ou entende que lhe custaria
mais despedir do que mantê-los transitoriamente sem trabalhar (pessoal permanente), etc.

Os custos variáveis são os custos que acrescem ao processo de produção em virtude de se aumentar o
número de unidades produzidas. Tipicamente, as matérias-primas utilizadas são custos variáveis –
consome-se mais ou menos consoante o número de unidades que se produzam. Os trabalhadores não
permanentes também são um custo variável – se tenho uma relação de prestação de serviços com
alguém, não continuo, em princípio, a pagar-lhe quando não tenho trabalho para lhe dar.

Os custos totais são a soma dos custos fixos e dos custos variáveis, para cada nível de quantidade de
produção.

Os custos marginais são, como já sabemos, o acréscimo de custo que resulta da última dose produzida.
Na tabela acima, ao passar-se de 20 unidades para 30 unidades, o custo marginal é 37, porque quando
produzia 20 tinha um custo total de 1023, mas ao produzir 30, passei a ter um custo total de 1060. A
diferença entre esses dois custos totais é o custo das 10 doses adicionais.

O custo total médio é o que resulta da divisão do custo total pelo número total de unidades produzidas.

Na tabela acima representada, vemos que a produção fica mais barata até às 50 unidades, mas que um
acréscimo marginal já leva ao aumento dos custos totais médios. Ou seja, passar das 50 para as 60
unidades significa que cada unidade passa a custar efetivamente mais do que antes. Isso não quer dizer
que não possa ser racional ainda passar dos 50 para os 60 – essa racionalidade dependerá dos níveis dos
preços.

25
Este efeito de redução dos custos totais médios que se verifica, na tabela, até ao nível das 50 unidades,
leva-nos a falar sobre outra questão: as economias de escala.

Tipicamente, o custo médio evolui decrescendo até um certo ponto, começando depois a crescer. Será
tanto assim quanto maiores, proporcionalmente, forem os custos fixos.

Isto acontece porque, frequentemente, se conseguem economias de produção quando se aumenta o


número de unidades produzidas, até certo ponto. E estas economias podem resultar de muitos fatores,
que podem ter a ver com o processo de fabrico em si, mas também podem decorrer de questões
financeiras ou de características do mercado, por exemplo.

Para produzir cimento, são necessários grandes fornos. Abaixo de uma determinada capacidade, não se
justifica produzir os fornos, porque a sua capacidade produtiva não vai compensar os custos energéticos
de operação. E imagine-se que até se mantêm os fornos em funcionamento constante, por ser mais caro
voltar a reiniciá-los do que mantê-lo sempre em operação. Portanto, quando uma empresa quer entrar
no mercado do cimento, tem de fazer vários investimentos iniciais – custos fixos –, incluindo a compra
de pelo menos um forno. Esse forno permite-lhe produzir até uma determinada quantidade por dia.
Para produzir mais, a empresa tem de comprar mais matéria-prima, e tem de ter mais trabalhadores.
Mas esses custos serão relativamente pouco significativos, comparados com os custos de aquisição e de
operação dos fornos. Por isso, o objetivo da empresa será produzir tanto cimento quanto possível, até
ao limite da capacidade do forno, ou seja, maximizar a sua capacidade de produção até ao limite das
possibilidades de produção que não impliquem um aumento daquele enorme custo fixo (e, claro, não
esquecer que à empresa não basta produzir, ela só vai produzir se achar que vai conseguir vender essas
unidades produzidas). Se um forno lhe permite produzir 1 milhão de unidades de cimento, o incentivo
desta empresa é para produzir 1 milhão de unidades – quanto mais se aproximar desse objetivo, mais
reduzido é o custo médio de cada unidade.

Mas note-se o que acontece se quiser produzir 1 milhão e 1 unidades. Para o fazer, teria de comprar
outro forno, o que seria profundamente irracional, pois o custo médio das unidades subiria
drasticamente (tendo de se dividir o custo dos dois fornos por 1 milhão e unidades).

As economias de escala podem fazer com que seja muito difícil – ou mesmo economicamente inviável –
a entrada de um novo concorrente num mercado. Uma nova empresa de cimento só vai entrar no
mercado, comprando um forno e fazendo todos os outros investimentos necessários, se achar que vai
conseguir vender um número suficiente de unidades para conseguir cobrir os seus custos. E note-se que
essa empresa não é realmente livre de definir o preço do bem, porque se fixar um preço superior ao dos
seus concorrentes já instalados no mercado, a procura racional não adquirirá o seu produto. Portanto,
tem de praticar um preço que resulta das vendas de empresas com maiores economias de escala que a
sua (pelo menos, no momento inicial), com custos médios mais elevados.

Um exemplo extremo das consequências de economias de escala é o que se verifica nos ditos
“monopólios naturais”. Voltaremos a este tema posteriormente. Por agora, basta reter que há certos
mercados em que as economias de escala são tão elevadas, que não é economicamente viável a
presença no mercado de mais do que um agente da oferta (exemplo típico é o da prestação do serviço
de transporte de eletricidade numa rede nacional de alta tensão – só a REN é que presta este serviço em
Portugal, e não seria viável a presença de duas empresas nesse mercado).

26
Quanto ao limite superior das economias de escala, deve ter-se em conta que se verifica não apenas o
fenómeno de economias de escala por “etapas” – compro mais um forno, posso fazer 2 milhões de
unidade, e quanto mais me aproximar desse valor, menor o meu custo médio –, mas ainda um
fenómeno de limite final absoluto. Pelo menos conceptualmente, há um ponto a partir do qual um
aumento da produção leva necessariamente a um aumento do custo médio, por se ter atingido uma
dimensão em que a gestão se torna cada vez menos eficiente. É devido a este fenómeno, por exemplo,
que grandes cadeias internacionais retalhistas, como a McDonalds, não controlam diretamente todas as
suas lojas, mas antes optam por um modelo de franchise.

Seguindo um lógica semelhante, devemos ainda considerar as economias de gama. Aqui, o que está em
causa não é a redução das despesas resultantes do aumento da quantidade produzida de um
determinado bem, como nas economias de escala. Em vez disso, as economias de gama são as situações
em que se verifica uma redução das despesas resultantes da produção conjunta de um determinado
leque de bens ou serviços.

Este efeito verifica-se sempre que a oferta de dois ou mais bens ou serviços requer um mesmo input (ou
vários inputs) e estes podem ser partilhados entre eles.

Imagine-se que o Sr. Joaquim tem uma sapataria. Há anos que o Sr. Joaquim presta os seus serviços de
sapateiro naquele bairro. Para prestar esse serviço, tem de pagar a renda da loja, pagar a um
contabilista que lhe trata das contas, comprar algumas máquinas específicas para reparar sapatos,
comprar couro e outros materiais para remendos, pagar as contas da luz, da água e do telefone, etc. Ele
tem em conta todos estes custos quando decide quanto cobra por cada reparação de sapato.

Mas um dia o Sr. Zaratustra abre uma loja mesmo ao lado, e nessa loja ele presta serviços de sapateiro,
mas além disso também vende e faz cópias de chaves. É verdade que, para esta atividade das chaves, o
Sr. Zaratustra tem de comprar máquinas e materiais específicos, mas estes custos são muito pequenos
comparados com os outros custos referidos acima. Mas só tem de pagar uma renda e um contabilista, as
contas são as mesmas (mesmo que haja um pequeno aumento da conta da luz, será relativamente
diminuto), etc. Ou seja, o Sr. Zaratustra terá uma vantagem competitiva sobre o Sr. Joaquim, porque vai
poder diluir a estrutura de custos comuns às duas atividades entre essas duas atividades. Se quiser,
pode oferecer os serviços de sapateiro mais baratos e roubar os clientes do Sr. Joaquim.

Outro exemplo de economias de gama fácil de compreender é os efeitos de poupanças que resultam de
já ter uma rede de distribuição de um determinado bem. Ao passar-se a oferecer um outro bem que
também precisa de uma rede de distribuição, não se tem de voltar a fazer esse investimento. Os custos
da rede de distribuição pré-existente passam a ser diluídos nas duas atividades, tornando-as a ambas
relativamente menos custosas e mais eficientes.

Quando se diz que uma grande empresa, que tem muitas atividades diferentes, tem “deep pockets” –
uma grande capacidade financeira, acesso a crédito em muito boas condições, etc. –, está-se a fazer
uma referência a um efeito de economia de gama. Os custos financeiros médios desta empresa são mais
baixos porque se repartem entre um grande número de atividades, enquanto uma empresa que só
tenha uma dessas atividades terá custos financeiros mais elevados, o que a colocará em desvantagem
na concorrência.

27
As economias de gama e de escala também relevam, por exemplo, no plano político. Naturalmente,
quanto maior for o volume de vendas de uma empresa, quanto mais atividades tiver, mais importante
será para a economia nacional, e mais facilidade terá em chegar até aos decisores políticos para
procurar influenciar as suas decisões e conseguir uma situação mais favorável, quer internamente (por
exemplo, alterar leis para eliminar alguns custos da sua atuação no mercado), quer externamente (ao
nível da dita diplomacia económica).

Mas atenção, só porque se verificam economias de escala e economias de gama – e ambas se tendem a
verificar, em certa medida, até certo ponto, em quase todas as atividades económicas – isso não quer
dizer que as grandes empresas tenham sempre uma vantagem concorrencial imbatível sobre as
pequenas e médias empresas. Exceto em certos mercados onde, de facto, a escala é essencial, as PMEs
têm características de flexibilidade, adaptabilidade e possibilidade de especialização que, como a
realidade demonstra vezes sem conta, faz com que possam coexistir com sucesso e a longo prazo num
mercado ao lado de grandes empresas, dependendo sobretudo da sua estratégia empresarial. É
frequente que se verifiquem cadeias verticais em que um nível da cadeia é dominado por grandes
empresas (e.g., fabricantes de automóveis), mas os outros níveis são maioritariamente constituídos por
PMEs (e.g., fornecedores de componentes para o fabrico de automóveis e vendedores retalhistas de
automóveis).

Tal como a procura tenta maximizar a sua utilidade, a estratégia dos agentes da oferta é a da
maximização do lucro. O empresário oferecerá mais unidades no mercado até ao ponto em que a
receita marginal (os ganhos resultantes para si da última unidade oferecida) for igual ao custo marginal
(o que lhe custou oferecer essa última unidade). A partir do momento em que a receita marginal é
inferior ao custo marginal, seria irracional oferecer essa unidade (e outras depois dessa), porque o
empresário estaria a perder dinheiro.

O mesmo é dizer que, numa representação visual das curvas do custo marginal e da receita marginal, o
ponto ótimo, em que o agente da oferta vai conseguir o máximo de lucro possível, é o ponto em que as
duas curvas se intersetam. Esse ponto representa o nível de preço do mercado. Isto significa que, se o
preço do produto no mercado subir, o nível de produção que é rentável ao agente da oferta também
aumenta.

Mas é claro, tudo conhece exceções. Há estratégias empresariais que justificam, de modo racional, que s
oferece um nível de unidades no mercado que implica perdas económicos (prejuízos). Mas estas
estratégias têm sempre de passar por uma análise dinâmica, ao longo do tempo, em que o agente da
oferta acredite que “amanhã” vai poder recuperar as perdas de “hoje”. Um dos exemplos
paradigmáticos destas estratégias é a prática de “preços predatórios” (preços abaixo do custo). A
empresa decide perder dinheiro durante algum tempo para que concorrentes mais pequenos, com
menores recursos financeiros e, por isso, incapazes de suportar perdas durante tanto tempo, sejam
forçados a sair do mercado. O agente que praticou aqueles preços predatórios tem a expectativa de
que, quando esses concorrentes saírem do mercado, vai poder conquistar toda ou parte da quota de
mercado deles e vai poder voltar a subir os preços, provavelmente a um nível superior do que se verifica
antes, quando havia mais concorrência no mercado. Este aumento de vendas e subida de preços
posterior permitir-lhe-á – ou assim espera – compensar as perdas que teve enquanto vendeu abaixo de

28
custo. Em suma, nestas situações o empresário renuncia a um lucro no curto prazo, porque tem a
expectativa de vir a obter, na globalidade, um maior lucro no médio ou longo prazo.

4. Os tipos de mercados e o mecanismo de formação de preços


Há muitos tipos diferentes de mercados. Em função da sua estrutura – número de agentes de cada lado
(procura e oferta) – e de outras características, os preços e quantidades oferecidas nesses mercados são
decididos de modo diferente e chegam a equilíbrios diferentes.

A distinção mais típica entre mercados é aquela que se faz consoante o número de agentes, mas é
importante ter em conta que, mesmo nesta categorização, há outras características que são essenciais a
alguns dos tipos de mercados.

A tabela que se segue representa uma simplificação, em vários sentidos, alguns dos quais serão
posteriormente discutidos.

Tipos de mercados consoante o número de agentes

N.º de agentes Oferta


Muitos Poucos Um
Muitos Concorrência Oligopólio Monopólio
perfeita
Procura Poucos Oligopsónio Oligopólio Monopólio
bilateral limitado
Um Monopsónio Monopsónio Monopólio
limitado bilateral

Os mercados de “concorrência perfeita” são mercados essencialmente idealizados. Assim sendo, é difícil
fornecer um exemplo real deste tipo de mercado, mas os que mais vezes se indicam como sendo os
mais próximos são os mercados cambiais internacionais, em que se compra e vende moeda.

É um tipo de mercado que serve de base aos estudos económicos, permitindo compreender o que
aconteceria à formação de preços e às quantidades oferecidas se se verificasse uma concorrência
absoluta entre os agentes no mercado, o que permite depois compreender os outros comportamentos e
realidades como desvios ao que aconteceria em tal cenário, desvios esses que terão explicações
diversas.

Nesta tabela, apenas se representa o facto de que, para se ter um mercado de concorrência perfeita, é
necessário que existam muitos agentes tanto do lado da procura como do lado da oferta. Na verdade, a
expressão “muitos” é eufemística, porque, para se estar efetivamente perante um mercado deste tipo,
deveria haver um número a tender para o infinito e nenhum desses agentes deveria ter uma quota de
mercado significativa (um critério mais rigoroso é dizer que nenhum dos agentes pode, por si,
influenciar o preço – todos são “price takers”). A isto se chama a “atomicidade” do mercado – ou seja,

29
um mercado com milhares de agentes que mais não são que pequenos átomos. Teriam também que se
verificar outras condições fundamentais – designadamente fluidez, homogeneidade e liberdade de
entrada e saída –, às quais retornaremos posteriormente.

Os mercados de “oligopólio” são aqueles em que existe um pequeno número de agentes da oferta com
quotas de mercado bastante significativas. O exemplo típico de oligopólio em Portugal é o setor
retalhista das gasolineiras. É possível que um mercado tenha muitos agentes, mas porque 3 ou 4 têm
quotas bastante significativas – ou seja, praticamente dividem todo o mercado entre si – e os muitos
restantes têm quotas insignificantes, o mercado ainda assim pode comportar-se como um mercado
oligopolista.

Porque este pequeno número de agentes da oferta se defrontam, do outro lado, com um grande
número de agentes da procura, conseguem exercer um certo poder de mercado.

Os “monopólios” são mercados onde existe apenas um agente da oferta, que vende a muitos agentes
da procura. Exemplos atuais são o mercado grossista da distribuição elétrica (eletricidade de alta tensão,
comercializada pela REN).

Os monopólios podem gerar-se por muitas razões:

• Podem ser um resultado de um dos concorrentes ser muito mais eficiente que os restantes (e.g.,
porque desenvolveu uma nova tecnologia) ou desenvolver um produto com muito maior
qualidade e levar todos os outros a saírem do mercado por não conseguirem concorrer com os
preços.
• Pode ser um resultado de práticas abusivas, por exemplo porque o vencedor não era mais
eficiente mas tinha maior capacidade financeira e aguentou perdas financeiras (prejuízos) até os
outros saírem do mercado.
• Pode ser um monopólio que decorre de uma proteção dessa posição pela lei – é o que acontece
se alguém desenvolve um novo produto, sem produtos sucedâneos, e tem direito a uma
patente (direito de propriedade intelectual), com o resultado de que durante alguns anos, se
quiser, não autoriza mais ninguém a oferecer esse produto. Também há monopólios legais que
nada têm a ver com inovações, como é o caso de uma indústria nacionalizada e colocada sob o
controlo direto do Estado, podendo até depois ser privatizada e continuar com um direito de
monopólio (isto aconteceu com vários setores em Portugal – pense-se na EDP e na Portugal
Telecom, até há alguns anos).
• E há os ditos “monopólios naturais”, que resultam de economias de escala tão grandes que
fazem com que não seja economicamente viável a presença de mais do que um agente da
oferta, porque os custos fixos de entrada no mercado são muito elevados, sendo necessário
captar mais do que a metade do mercado para diluir esses custos até níveis que sejam viáveis
para o encontro da procura e da oferta (a formação de um preço aceitável).

Nas últimas duas décadas, verificou-se um grande movimento de “liberalização” de mercados. A isto se
chama quando um mercado que até aí era um monopólio legal é aberto à concorrência. Aconteceu – e,
nalguns casos, ainda está a acontecer – sobretudo nos setores da eletricidade, telecomunicações, gás,
água, etc. Em regra, a liberalização de mercados envolveu uma componente de distinção entre setores
grossistas e retalhistas, verificando-se que o fornecimento grossista implicava infraestruturas muito
caras, de difícil replicação, mas que o setor retalhista facilmente comportava a concorrência de vários

30
agentes. Assim sendo, podia continuar a verificar-se um monopólio ao nível grossista – ainda que com
regulação estatal – e liberalizar-se o nível retalhista, com grandes vantagens para os consumidores
finais.

Os oligopólios e os monopólios têm os seus tipos de mercados correspondentes do outro lado do


espelho, se mudarmos da perspetiva da oferta para a perspetiva da procura.

Um oligopsónio é um mercado onde há uns poucos agentes da procura e muitos agentes da oferta.
Muitas das críticas que se fazem ao grande retalho (Grupo Continente, Grupo Jerónimo Martins…)
assentam na ideia de que, no que respeita aos produtos agrícolas, esse mercado é um oligopsónio. Os
agricultores, que são muitos, têm de vender os seus produtos a 4 ou 5 grandes operadores que, por isso,
têm bastante poder de mercado. O facto de existirem muitos outros pequenos agentes da procura
(mercearias de bairro ou pequenos grossistas) não afeta este poder de mercado dos grandes, porque as
suas quotas de mercado conjuntas são tão pequenas.

Um monopsónio é um mercado onde existe um único agente da procura e muitos agentes da oferta.
Isto poderá acontecer, por exemplo, quando existe um monopolista num determinado mercado e há um
input do produto que ele vende que não é necessário para vender mais bem nenhum. Nesse caso,
naturalmente, o monopolista torna-se também o monopsonista das empresas que oferecem esse input.
É frequente verificaram-se mercados em que o Estado (sentido lato) é um monopsonista, porque só ele
compra os serviços ou bens em causa.

Estes são os principais conceitos quando se falam em tipos de mercado, mas no quadro representam-se
ainda outras possibilidades. Se de ambos os lados do mercado existe apenas um agente, temos um
“monopólio bilateral”, ou se temos de ambos os lados alguns agentes, temos um “oligopólio bilateral”.
Se um monopolista ou um monopsonista se vê confrontado, do outro lado do mercado, não com muitos
mas só com alguns agentes, então fala-se em monopólio ou monopsónio “limitado”, porque o poder de
mercado do monopolista/monopsonista não é tão grande como numa situação em que o outro lado do
mercado está atomizado.

Mas falta ainda referir um outro tipo de mercado, que é, aliás, um dos que mais frequentemente se
verificam na prática – é o mercado de “concorrência monopolística”. Voltaremos a este tipo de
mercado quando falarmos das outras características necessárias do mercado de concorrência perfeita.

Para começarmos a compreender o comportamento dos agentes da procura e da oferta em cada um


destes tipos de mercado, e o modo como se formam os preços, temos de combinar duas leis que já
estudámos, debruçando-nos sobre a lei da procura e da oferta.

De acordo com a lei da procura e da oferta, o preço varia em função da procura e da oferta (conjugação
das duas), ou seja, da quantidade global procurada e da quantidade global oferecida. Quando as
quantidades globais aumentam, o preço aumenta, e quando as quantidades diminuem, o preço diminui.
Mas temos de perceber que se podem inverter as variáveis que estamos a considerar dependentes e
independentes e continuamos a ter o mesmo resultado. Ou seja, se o preço aumentar, as quantidades
globais procuradas e oferecidas aumentam, e quando o preço diminui, as quantidades diminuem. Isto é
importante, porque explica porque é que, na análise do comportamento dos agentes do mercado,
analisar variações de preços ou de quantidades é normalmente indiferente.

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Vejamos uma representação gráfica que conjuga a curva da procura e a curva da oferta, para vermos o
que acontece com a lei da procura e da oferta:

Procura e Oferta

As curvas da procura e da oferta evoluem com as características e pelos motivos que já vimos. O ponto
em que as duas linhas se cruzam é o “ponto de equilíbrio”. Tenha-se em conta que estamos a falar de
valores globais, de todo o mercado. Se nada mudar no mercado, é a esse nível de preço que a oferta
(total) está disponível para oferecer uma determinada quantidade que a procura está disposta a
comprar pelo mesmo nível de preço.

Se o preço de um bem baixar, o ponto de equilíbrio mexe-se para baixo, a quantidade oferecida e
adquirida decresce. Se novas empresas entram no mercado, ou se as existentes aumentam a quantidade
oferecida, a consequência (pelo menos, temporariamente) será uma descida dos preços.

Abaixo da linha de equilíbrio – ou seja, com um preço mais baixo, a procura estaria disposta a comprar
mais quantidade, mas a oferta não está disposta a oferecer essa quantidade adicional – o resultado seria
a escassez do produto no mercado. Isto significa que pode há sempre uma procura potencial que não é
satisfeita, e que podem haver (potenciais) agentes da procura que são completamente excluídos do
mercado, porque não estão dispostos a pagar o preço de equilíbrio sequer pela primeira unidade do
produto em causa.

Acima da linha de equilíbrio – ou seja, com um preço mais alto, a oferta estaria disposta a oferecer mais
quantidade, mas a procura não está disposta a comprar essa quantidade adicional – o resultado seria o
superavit (ou excedente) do produto no mercado. Tipicamente, as situações de superavit não são
sustentáveis durante muito tempo (depende da possibilidade e custos de conservação do
produto/serviço em causa). Numa situação ceteris paribus, mais tarde ou mais cedo, a quantidade
oferecida descerá para o nível de equilíbrio.

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Mas podem alterar-se características do mercado, da procura ou da oferta, que fazem com que o ponto
de equilíbrio se altere. No fundo, qualquer circunstância que leve a uma mudança da posição da curva
da procura ou da curva da oferta (ou de ambas) – se uma curva se mexer para a esquerda ou para a
direita –, levará a uma alteração do ponto de equilíbrio.

Assim, por exemplo, se os rendimentos da procura aumentarem e estivermos perante um bem


“normal”, a curva da procura deslocar-se-á para a direita. Em consequência, vai passar a ser vendida
mais quantidade no mercado a um preço mais alto.

Noutro exemplo, se a oferta desenvolver uma nova tecnologia que reduz os custos de produção, a curva
da oferta deslocar-se-á para a direita. Em consequência, vai passar a ser vendida mais quantidade a um
preço mais baixo.

Atenção aos casos em que a procura e a oferta variam ao mesmo tempo. Por exemplo, se a procura
cresce muito, o preço devia subir, mas se a oferta cresceu ainda mais, ao mesmo tempo, então o preço
baixa.

Embora os mercados tendam sempre para o ponto de equilíbrio, o equilíbrio não costuma ser
automático e instantâneo. Há períodos de ajuste, em que se verificam situações temporárias de
escassez ou de superavit.

Imagine-se que começamos com um preço de 10, que é relativamente alto. A oferta, a esse nível,
oferece 1.500.000 unidades. Mas a procura não está a disposta a comprar tantas unidades ao nível de
preço 10. O superavit leva a uma redução do preço, para um nível em que se passe a estar em escassez
(mais procura que oferta). Podem verificar-se vários ajustes até que se chegue ao equilíbrio. E o
equilíbrio pode ser quebrado a qualquer momento por múltiplas razões, que tenham a ver com o lado
da procura, ou com o lado da oferta, ou com ambos. Quando se verificasse essa quebra do equilíbrio,
verificar-se-ão novos ajustes sucessivos até se alcançar o novo ponto de equilíbrio.

Compreendidas as questões básicas do funcionamento da lei da procura e da oferta, debrucemo-nos em


maior detalhe sobre as características dos diferentes tipos de mercados referidos acima.

Comecemos pelo mercado de concorrência perfeita.

Os mercados de concorrência perfeita são caracterizados por (atenção, há muitas maneiras de descrever
e reunir estas características – esta é apenas uma delas; o importante é que conheçam os diferentes
requisitos, independentemente do modo como os agrupam):

a) Atomicidade
b) Homogeneidade;
c) Fluidez; e
d) Liberdade de entrada e saída.

Torna-se mais fácil compreender os critérios dos mercados de concorrência perfeita se se perceber que
este é um modelo teórico, e não uma descrição duma realidade observada. Assim, estes requisitos
correspondem ao que é necessário para que se verifique uma concorrência pura no mercado, sem

33
qualquer distorção. Para os economistas, num ambiente de concorrência pura, tem de se verificar algo
de muito específico ao nível dos preços e quantidades oferecidas – precisamente aquilo que é previsto
pela lei da procura e da oferta. Deverá encontrar-se um ponto de equilíbrio. E, nesse ponto de
equilíbrio, a oferta vai oferecer quantidades até ao ponto em que o seu custo marginal seja igual à sua
receita marginal. E a procura vai comprar quantidades até ao ponto em que a utilidade marginal da
última dose seja igual ao custo marginal.

Vejamos então os requisitos necessários para que se verifique essa situação.

Primeiro, o mercado tem de ser atomizado, e só o será se o número de agentes do lado da oferta e do
lado procura for muito elevado (tendendo para o infinito) e nenhum deles tiver volumes de vendas ou,
por qualquer outro motivo, uma posição no mercado que lhe permita influenciar as quantidades
transacionadas ou os preços praticados. Ou seja, todos os agentes são “price-takers” – para todos os
agentes, o preço é um dado, um fator que não podem influenciar. Em consequência, a sua única opção
em termos de estratégia comercial é decidir quanto produzem e colocam à venda no mercado. Só
podem fazer variar a quantidade oferecida, não o preço.

Mas o simples facto de existirem muitos agentes sem poder de mercado não garante uma concorrência
pura, perfeita. Porque podem haver outros fatores que distorcem essa concorrência.

Assim, por exemplo, se os clientes dão mais valor a um bem do que a outro, apesar de estes serem
sucedâneos, estarão dispostos a pagar mais por esse do que pelo outro. Isto pode acontecer, inter alia,
se uma marca teve muito sucesso em se valorizar junto dos consumidores (e.g., Coca-Cola ou Apple); ou
se há na procura uma ideia de diferentes qualidades dos produtos. Ora, em bom rigor técnico, para os
economistas, os mercados deviam ter um único preço. Se a concorrência entre empresas estiver a
funcionar devidamente, não devia haver variações nos preços a que estão a ser oferecidos bens que são
substituíveis entre si. O problema é que essa ideia assenta no pressuposto de que os produtos em causa
são perfeitamente substituíveis entre si – quer objetivamente, quer subjetivamente (da perspetiva dos
agentes do mercado) –, ou seja, que são completamente homogéneos.

Existe “homogeneidade”, portanto, quando todos os produtos que se incluem no mercado são
idênticos, no sentido em que os agentes da procura consideram que esses produtos servem para
satisfazer as mesmas necessidades, com o mesmo grau, atribuindo-lhes o mesmo valor (representando
para eles o mesmo nível de utilidade). Basta existir um pequeno grau de heterogeneidade no mercado
para já não estarmos em concorrência perfeita.

A gasolina de 95 octanas é, em princípio, um produto homogéneo. É absolutamente indiferente para os


consumidores comprarem a gasolina da BP ou da Galp ou de qualquer outro fornecedor. Por isso, o que
interessa para os consumidores é o preço a que este bem é oferecido. Mas este exemplo também nos
permite já chamar a atenção para o facto de uma das típicas estratégias empresariais ser a promoção da
heterogeneidade dos produtos – real ou apenas em termos de perceção pelos clientes. As gasolineiras,
por exemplo, introduziram gasolinas com aditivos, que são mais caras. O objetivo era reagir à pressão
concorrência das gasolineiras low cost, procurarando convencer os clientes de que valia a pena pagar
um pouco mais por um produto “melhor”. Um estudo da DECO concluiu que não havia diferença prática
entre a gasolina “simples” e a “aditivada”. No entanto, a estratégia teve algum sucesso, porque
continuam a haver consumidores que pagam mais por gasolina “aditivada”.

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Outro obstáculo fundamental ao puro funcionamento da concorrência no mercado é o da falta de
informação. Se os agentes não estiverem bem informados sobre as diferentes ofertas dos diferentes
agentes, podem acabar por comprar um produto vendido por alguém a um preço mais caro do que
outro. O problema da informação também se pode colocar do lado da oferta. Tipicamente, quase todos
os mercados têm um problema de “assimetria de informação” – um dos lados do mercado tem mais
informação sobre o produto, suas características, seu valor, estrutura da sua oferta e procura, etc.

Este é um dos aspetos que se enquadra no conceito de “fluidez”, que tem várias dimensões.

Para um mercado ser fluido, portanto:

• Deve haver informação perfeita de ambos os lados. Os agentes da oferta e da procura devem
ser plenamente conhecedores dos preços praticados, da utilidade e qualidade dos bens, da
identidade e localização dos seus potenciais cocontratantes, etc.
• Dentro dos limites do mercado considerado, tal como definido (tanto em termos da delimitação
do produto, como da delimitação geográfica), deve ser possível a todos os agentes da oferta
venderem a todos os agentes da procura.
• Deve haver mobilidade completa dos fatores de produção no longo prazo. Se as empresas não
puderem ajustar os fatores de produção que adquirem, a oferta torna-se rígida. Esta mobilidade
dos fatores é essencial para garantir o ajuste do mercado e a manutenção da situação de
concorrência perfeita se alguns dos fatores condicionantes do mercado se alterar
• Não devem existir custos de transação, ou, pelo menos, os custos de transação devem ser
idênticos para todas as combinações de agentes da procura com agentes da oferta.
• Não devem existir efeitos de economia de escala. Se houver economias de escala, basta que um
dos agentes consiga temporariamente vender um volume maior (acima do nível de massa crítico
necessário para se atingir economias de escala) para conseguir colocar os bens no mercado a
preços inferiores ao dos seus concorrentes, destruindo-se o cenário de concorrência perfeita.
• Não devem existir externalidades. É um conceito ao qual retornaremos posteriormente. Por
agora, basta reter que é importante que a compra e venda do bem em causa não resulte em
efeitos positivos ou negativos para terceiros (pessoas além das que estiveram envolvidas na
troca em causa).

Por fim, tem de haver liberdade de entrada e saída do mercado. Se, por exemplo, for necessário fazer
investimentos avultados para entrar no mercado, os potenciais agentes da oferta vão hesitar em entrar,
por receio de não ser rentável. Outro exemplo de barreira à entrada é uma regra legal que limita o
número de agentes. As barreiras à entrada obviamente influenciam o número de agentes no mercado e,
por isso, podem por em causa a atomicidade do mercado.

As barreiras à saída têm precisamente o mesmo efeito que as barreiras à entrada, porque se uma
empresa sabe que pode não conseguir sair, ou não conseguirá sair facilmente dum mercado (e.g.,
porque isso lhe custará muito dinheiro), então também hesitará muito mais na decisão de entrar. Um
exemplo de barreiras à saída são elevados custos afundados (sunk costs) – investimentos avultados que
se teve de fazer para entrar no mercado e que não se conseguirá recuperar (e.g., porque não conseguirá
vender máquinas caras que teve de comprar). Outro exemplo é a necessidade de pagar indemnizações
elevadas a trabalhadores que teriam de ser despedidos (isto está associados à regulação estatal do
mercado do trabalho e ao tipo de qualificações necessárias para a atividade em causa).

35
Se todos estes requisitos estiverem preenchidos, estão reunidas as condições para que se verifique o
efeito da concorrência pura já acima referido. Nos mercados de concorrência perfeita, cada agente da
oferta vê-se confrontados com uma absoluta elasticidade-preço da procura.

Na ausência de mecanismos (ilegais) de cooperação entre si, os agentes da oferta não conseguem
influenciar o preço do bem no mercado. Só lhes resta decidir quanto vão produzir e oferecer no
mercado. Como vimos quando estudámos a lei da procura, o comportamento racional é aumentar a
quantidade oferecida até que o custo marginal da produção da última dose seja igual à receita marginal
da venda dessa última dose. O mesmo é dizer que o agente da oferta aumentará a sua produção até que
o seu custo marginal seja igual ao preço do bem no mercado – pois o preço corresponderá à receita
marginal.

Mas atenção: para sabermos se os agentes da oferta terão lucros, não basta olharmos para os custos
marginais, temos de ter em atenção os seus custos médios. Isto porque, como já sabemos:

Lucro = (preço x n.º de unidades vendidas) – (custo médio x n.º de unidades vendidas)

Na verdade, o custo pode ter de ser multiplicado pelo número de unidades produzidas (e não as que
efetivamente se venderam), mas a relevância disto depende de algumas variáveis que não convém
explorarmos de momento, sob pena de complexificação excessiva, nesta fase.

Devido às características acima discutidas dos mercados de concorrência perfeita, em princípio, os


custos médios deveriam ser iguais para os vários agentes da oferta (recorde-se, por exemplo, a
necessidade de inexistência de economias de escala).

Mesmo que todos os agentes da oferta estejam a vender a última unidade no ponto em que o seu custo
marginal é igual à receita marginal, ainda assim estão a ter lucro. Graças à lei das receitas marginais
decrescentes, as unidades anteriores terão sido vendidas com um custo marginal (crescentemente)
inferior à receita marginal, o que significa que todas essas unidades anteriores deram lucro. Isto é uma
situação de lucros acima do “normal”, e que é apenas transitória.

Isto porque, enquanto os agentes da oferta estiverem a conseguir lucros deste modo, haverá incentivo
para mais empresas entrarem no mercado e oferecerem o mesmo produto, porque têm a expectativa
de que isso lhes seja rentável. Estas novas entradas no mercado vão levar a um aumento da quantidade
oferecida. Esse aumento de quantidade levará a uma descida do preço. Algumas empresas – as que
forem menos eficientes – vão ser obrigadas a sair do mercado, o que causará um novo ajuste. Desta vez,
o preço subirá, permitindo às empresas que restam no mercado a obtenção do que se designa um
“lucro normal”.

O “lucro normal” é, portanto, o nível de lucro obtido pelos agentes da oferta em mercados de
concorrência perfeita. Os lucros obtidos noutros tipos de mercado – de concorrência imperfeita – são
sempre comparados com este nível, que é o mínimo que permite às empresas permanecerem num
mercado e ainda terem um lucro.

Na prática, este “lucro normal” há de corresponder ao custo de oportunidade das empresas. Se elas
puderem reinvestir os seus fatores de produção, as suas energias, num mercado diferente e ter lucros
maiores, fá-lo-ão. Ficam naquele mercado porque acham que os seus investimentos estão a ser
remunerados melhor que (ou tão bem como) a sua melhor alternativa.

36
Depois dos ajustes acima descritos no mercado, os agentes da oferta restantes deverão estar num ponto
de máxima eficiência produtiva, com a consequência de que os custos médios totais serão iguais aos
custos marginais.

Debrucemo-nos agora sobre o tipo de mercado no outro extremo, em função do número de agentes: o
monopólio.

De origem grega, a expressão “polio” significa vender (eu vendo), e “mono” significa “um só”.

Recordando o que vimos acima, já sabemos que os monopólios podem ser “legais” ou ter origem
“factual”. Dentro destes últimos, podemos distinguir os “naturais”, os que resultam de “eficiências”
(sem reunirem os requisitos de monopólios naturais), e os que resultam de comportamentos abusivos
ou anticoncorrenciais.

Instintivamente, todos sabemos que um monopolista tem, em princípio, bastante poder de mercado e
que os preços nos mercados monopolistas hão de se situar a níveis mais elevados do que se o mesmo
bem estivesse a ser oferecido em ambiente de concorrência. No entanto, é necessário analisarmos as
restrições com as quais os monopolistas se vêm confrontados com maior atenção.

O monopolista é, em princípio, um “price-maker”. Se é o único que está presente no mercado, então


pode decidir se vai vender a um preço mais alto ou mais baixo. E porque é o único agente da oferta, ver-
se-á confrontado com uma procura cuja elasticidade será mais reduzida do que se o mesmo produto
fosse oferecido num ambiente concorrencial. Mas isso não quer dizer que a procura passe a ser rígida. A
elasticidade-preço da procura dependerá das características do produto.

Compreender a realidade da elasticidade com que o monopolista se vê confrontado é importante,


nomeadamente, para compreendermos que um monopolista não pode mexer livremente na quantidade
oferecida e comprada no mercado. É verdade que, se ele subir o preço, em regra, a quantidade
procurada diminuirá. E se descer o preço, a quantidade procurada aumentará. Mas o monopolista não
tem qualquer controlo sobre o quantum desse decréscimo ou aumento. O monopolista não controla
quanto vai vender a determinado preço. Simplesmente pode fixar um preço, e é o lado da procura do
mercado que determina qual a quantidade total que será comprada a esse preço.

Inversamente, se o seu objetivo for vender uma determinada quantidade, tem de fixar um preço que
corresponda ao nível de preço no qual a procura agregada reage adquirindo a quantidade que o
monopolista pretende vender.

Tínhamos visto que no mercado de concorrência perfeita, a receita marginal é igual ao preço. Mas
porque o monopolista vende a toda a procura do mercado, e essa procura não é infinitamente elástica
(ou seja, a quantidade procurada não aumenta sempre mais, percentualmente, do que os preços
baixaram, em reação a essa baixa), o resultado é que, para o monopolista, à medida que aumenta a
quantidade oferecida, a receita marginal vai ser inferior ao preço. Esta realidade tornar-se-á mais clara
com os seguintes exemplos…

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Concorrência perfeita
Quantidade Receita Receita
vendida Preço total marginal
100 100 10000 (---)
101 100 10100 100
102 100 10200 100

Monopólio
Quantidade Receita Receita
vendida Preço total marginal
100 100 10000 (---)
101 99,9 10089,9 89,9
102 99,7 10169,4 79,5

Porque um agente da oferta num mercado de concorrência perfeita é apenas um “price-taker”, não
conseguindo influenciar o preço praticado ou a quantidade agregada procurada no mercado, a
consequência é que, ao vender mais uma unidade, recebe uma receita marginal (o que ganha a mais
com a venda dessa unidade) que corresponde exatamente ao preço no mercado (o preço recebido pela
venda dessa unidade).

Mas o monopolista vende para a totalidade da procura do mercado. Ele não consegue vender mais
unidades se não baixar o preço, alterando o ponto de equilíbrio, o ponto de encontro entre procura e
oferta. Como se vê no exemplo desta tabela, teve de baixar o preço um cêntimo para vender mais uma
unidade, e por isso a receita marginal já não foi 100, foi 89,9 (que corresponde ao preço anterior – 100 –
menos um cêntimo, multiplicado por 101 unidades, ou seja, menos 101 cêntimos).

Este exemplo pressupõe que o monopolista não consegue discriminar o preço entre os seus clientes. Se
conseguisse continuar a vender a 100 aos clientes que até aí compravam a 100, e oferecer a 99,9 a um
novo cliente que só lhe compraria uma unidade, então haveria, ainda assim, um decréscimo do
rendimento marginal (seria 99,9, em vez de 100), mas não seria tão acentuado como no exemplo da
tabela, porque o efeito do decréscimo do preço seria limitado a esse novo comprador. Donde se vê o
grande incentivo económico à discriminação de preços por monopolistas, que têm imenso a ganhar se
conseguirem manter preços diferenciados entre diferentes territórios (e.g., vender em França mais caro
que em Portugal) ou entre diferentes grupos de consumidores (e.g., vender o mesmo bem mais caro a
consumidores com rendimentos mais alto, graças a uma simples alteração de embalagem, dando-lhe
um aspeto mais sofisticado).

A estratégia de maximização do lucro do monopolista dependerá, portanto, nomeadamente, de dois


grandes fatores: a possibilidade de discriminação de preços e a elasticidade-preço da procura. Quanto
maior for a elasticidade da procura, menos terá o monopolista que baixar o preço para conseguir
aumentar a quantidade vendida. Inversamente, se o monopolista se vir confrontado com uma
elasticidade reduzida, terá que baixar mais o preço até conseguir alcançar o mesmo resultado positivo
de aumento da quantidade vendida.

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Regressando à última tabela do monopólio, podemos imaginar que temos representado um mercado
com uma elasticidade elevada. Bastou uma descida de preço de 0,1% para conseguir aumentar a
quantidade vendida em 1% (elasticidade de 10). Mas se a elasticidade-preço da procura fosse de 0,5, o
monopolista teria de baixar o preço 2% para conseguir um aumento de 1%. Ou seja, se o monopolista
quisesse mesmo vender mais uma unidade, a tabela teria o seguinte aspeto:

Monopólio
Quantidade Receita Receita
vendida Preço total marginal
100 100 10000 (---)
101 98 9898 -102

Ou seja, por se ver confrontado com uma elasticidade relativamente rígida, o monopolista vê-se
confrontado com uma situação em que, para conseguir um pequeníssimo aumento marginal da
quantidade vendida, teria que baixar o preço de tal modo que a sua receita total baixaria. A receita
marginal dessa dose adicional vendida seria negativa (-102). É importante perceber esta realidade para
compreendermos que nem sempre ser monopolista significa ter a capacidade de subir os preços – ou
melhor, a capacidade de subir os preços de modo rentável. Só assim será se a procura não se mostrar
pouco elástica, o que tem muito a ver com a sucedaneidade entre produtos

Mas a verdade é que, em geral, o monopolista consegue estabelecer um preço num ponto que se situa
acima da interseção entre a curva do custo marginal e a curva da receita marginal. Ou seja, consegue
estabelecer um preço em que o acréscimo marginal ainda lhe trouxe lucro. Os preços praticados ficam
significativamente acima dos custos médios. Este poder de mercado dos monopolistas significa que, em
regra, conseguem obter lucros substanciais, bem acima dos que se verificariam se o mercado fosse de
concorrência perfeita. A estes lucros, que, por não serem “normais”, são lucros “extraordinários”,
costuma chamar-se renda monopolista.

Mas há situações em que os monopolistas podem não ter poder de mercado, podem não conseguir
subir os preços para obter a dita renda monopolista. Isto pode acontecer por várias razões, entre as
quais merecem ser destacadas três:

a) Se o monopólio não é “legal” ou “natural”, o monopolista pode estar sujeito a uma grande
pressão concorrencial decorrente dos concorrentes potenciais. Um concorrente potencial é
uma empresa que ainda não está presente no mercado, ainda não oferece o produto ou serviço
em causa, mas pode passar a oferecê-lo a curto prazo, se algo se alterar que torne essa oferta
mais atrativa. Tipicamente, esse “algo” que pode acontecer é uma subida dos preços. Se o
produto passar a ser oferecido por um preço mais alto, os concorrentes potenciais podem fazer
as contas e concluir que passou a ser rentável para eles entrar nesse mercado. A consequência
dessa realidade é que o monopolista, embora tenha o mercado todo para si, não consegue subir
os preços acima de um determinado nível porque, se o fizer, vai levar à entrada de concorrência
no mercado.
É claro que, para sermos rigorosos, esta questão da entrada de concorrentes potenciais é muito
mais complexa. O nível de preços acima do qual essa entrada se verifica pode ser mais alto ou

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mais baixo, o que afetará a possibilidade de se obter renda monopolista ou não. Em teoria, há
sempre concorrência potencial, a “algum” nível de preço. O que nos interessa saber, para
pensarmos em concorrência potencial como uma força de restrição do poder de mercado de
monopolista, é se essa concorrência potencial se verifica a um nível de preços que não permite
a obtenção da expectável renda monopolista – um nível de preços que obrigue o monopolista a
aproximar-se do nível de preços que se verificaria num mercado mais concorrencial.
Por outro lado, dependendo das características do mercado (e.g., o peso dos custos de entrada
e os investimentos iniciais a fundo perdido – sunk costs) há que ter em conta que há
determinadas estratégias empresariais que podem fazer com que o monopolista consiga manter
preços acima dos níveis que suscitam pressão concorrencial. Assim, por exemplo, um
concorrente potencial pode olhar para o mercado e aperceber-se que, ao atual nível de preços,
a sua entrada no mercado será rentável. Mas se souber que, por sistema (e.g., havendo vários
exemplos disso no passado), assim que alguém tenta entrar no mercado, o monopolista reage
com campanhas agressivas de descontos que fazem baixar os preços e acabam por levar à
expulsão do novo entrante (problemático, sobretudo, quando se verificam economias de
escala), então vai hesitar em entrar. Sabe que há um grande risco de o monopolista repetir essa
estratégia e a entrada ser frustrada e custar-lhe muito dinheiro.

b) Depois, há o risco da intervenção estatal, que pode ser ex ante (antes de se verificarem as
práticas em causa) ou ex post (depois das práticas em causa). Mesmo que o monopólio seja
“legal” ou “natural”, ou seja, mesmo que a existência desse monopólio esteja garantida por
fatores jurídicos ou económicos, o poder de mercado do monopolista pode estar restringido.
Desde logo, há um ponto de “exploração” do seu poder de mercado a partir do qual um
monopolista não pode passar sem recear uma intervenção do Estado, que pode ir tão longe
quanto retirar-lhe o monopólio. Aliás, essa regulação já existe em termos gerais, na forma do
direito da concorrência, que impede as empresas com posição dominante no mercado de
praticarem preços excessivos, punindo-as se o fizerem (regulação ex post). E também existe, em
vários setores, em termos especiais. Os reguladores setoriais das telecomunicações,
eletricidade, etc., fixam os preços máximos para alguns serviços nalguns mercados (regulação ex
ante). É uma intervenção excecional do Estado que se justifica, justamente, pela presença de um
grande poder de mercado dos agentes da oferta (bem como de outras falhas de mercado).

c) E há ainda a possibilidade de concorrência de produtos/serviços sucedâneos. Só porque uma


empresa tem um determinado monopólio (e.g., legal ou natural) na oferta de um bem ou
prestação de um serviço, isso não quer dizer que o mercado no qual concorre se reduza a
apenas esse bem/serviço. Assim, por exemplo, uma farmacêutica pode ter uma patente em
vigor dum medicamento que inventou, e portanto ser a única a poder produzi-lo. Mas se esse
medicamento servir para tratar uma doença que também pode ser tratada por outro
medicamento, então o detentor da patente do primeiro medicamento ver-se-á confrontado
com pressão concorrencial exercida pelos produtos desse outro medicamento. Noutro exemplo,
normalmente o transporte de passageiros em linhas de caminho-de-ferro é atribuído numa
concessão exclusiva a uma única empresa, assim como os transportes de passageiros em
autocarro numa determinada rota são atribuídos a uma única empresa, na sequência de um
concurso público.

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Mas facilmente se compreende que esses monopolistas se vêm confrontados com serviços que
a procura considera sucedâneos e que podem restringir drasticamente a sua capacidade de
elevar os preços. Pense-se no caso da rota Lisboa-Porto. As pessoas que queiram ir de uma
cidade a outra por transporte público, têm pelo menos três grandes opções: ir de autocarro, de
comboio ou de avião. Cada opção tem vantagens, desvantagens e preços próprios, que serão
avaliados de diferente modo pelos diferentes tipos de passageiros. Mas sabemos
instintivamente que o facto de ter passado a existir uma oferta de voos low-cost de Lisboa para
o Porto, significa que a CP e os operadores de autocarros passaram a sentir muito mais pressão
ao nível dos preços que cobra nessa rota.
O facto de a CP ser monopolista não a protege, porque o serviço que presta em exclusivo está
sujeito a pressão de serviços sucedâneos. O mesmo é dizer que, neste caso, a CP é um
monopolista que se vê confrontado com elasticidade elevada. Na sua maioria, os seus clientes
mostrar-se-ão bastante sensíveis a variações de preços.

Passemos agora aos oligopólios.

Como vimos, existe um oligopólio quando um pequeno número de agentes da oferta se vê confrontado
com um grande número de agentes da procura. Se existirem só dois agentes da oferta, usa-se o termo
específico de “duopólio”.

Mas atenção que um mercado pode ter características típicas de um oligopólio e ter um grande número
de agentes da oferta. Isto acontece quando, apesar da existência de “não poucos” agentes da oferta,
uns poucos deles (três ou quatro, por exemplo) repartem entre si a grande maioria da quota do
mercado, e todos os outros agentes da oferta acabam por ter quotas de mercado muito pequeninas e
nenhuma capacidade de influenciar os preços dos mercados. Ou seja, uns poucos são price makers,
conseguem influenciar o preço, mas todos os outros são demasiado pequenos, reduzindo-os à condição
de meros price takers.

Tal como os monopólios, os oligopólios podem ter origens legais ou factuais.

O Estado pode exigir que só se pode exercer uma determinada atividade económica se se tiver
autorização para isso, e pode ter uma política de limitação do número de empresas que autoriza, por
diversos motivos, desde os mais bem intencionados propósitos aos casos de corrupção. Nestes casos, a
existência do oligopólio é protegida pelo ordenamento jurídico.

Mas também pode existir por razões factuais, divididas nos três tipos de situações que já vimos a
propósito dos monopólios:

(i) oligopólios “naturais”, em que as características do mercado fazem com que não seja
economicamente viável a presença no mercado de mais do que uns poucos agentes da
oferta. Será o caso, designadamente, de mercados onde seja necessário atingir uma
determinada escala de produção substancial (massa crítica elevada) para alcançar custos
médios abaixo do nível de preços que a procura está disposta a aceitar. Pense-se num
mercado em que é necessário fazer investimentos muito avultados em equipamentos, de tal
modo que só produzindo 1 milhão de unidades é que se consegue diluir os custos desse

41
investimento até ao ponto de se conseguir oferecer o produto a um preço aceitável para a
procura. Se a procura total do mercado for de 3,5 milhões, isso significa que, em termos de
realidade económica, só há espaço no mercado para 3 empresas.
Também existe um oligopólio natural quando apenas umas poucas empresas tenham acesso
aos inputs necessários para oferecer o produto/serviço em causa.
(ii) oligopólios resultantes do livre jogo da concorrência, em que algumas empresas se
mostraram mais eficientes.
A História dá-nos vários exemplos de como se podem formar oligopólios por simples livre
funcionamento do mercado. Pouco depois da invenção do automóvel, existiam centenas de
produtores de automóveis. Era um mercado que se aproximava da atomicidade. Mas
demorou pouco tempo até o mercado se ajustar. Sobretudo graças às melhorias feitas por
Ford ao processo de fabrico, rapidamente copiadas por outras empresas, começaram a ser
oferecidos carros a preços muito mais baixos do que era possível a pequenos fabricantes
“artesanais” oferecer. A linha de montagem e as economias de escala fizeram com que o
número de agentes no mercado caísse drasticamente. Hoje, o mercado automóvel é
claramente um oligopólio, com muito poucas empresas a concorrerem entre si (apesar de a
mesma empresa oferecer várias “marcas” no mercado, devido a estratégias de
diferenciação de produtos – fomento da perceção de heterogeneidade).
Noutro exemplo, pouco depois da invenção do avião, muitas empresas construíam aviões.
Hoje em dia, há apenas dois gigantes mundiais que fazem grandes aviões civis – a Boeing e a
Airbus.
(iii) oligopólios resultantes de ou preservados por comportamentos abusivos ou
anticoncorrenciais. Um determinado mercado pode ser, por razões históricas (e.g., legais)
um oligopólio, mas continuar a ser um oligopólio, mesmo depois de um processo de
liberalização, devido a práticas ilegais das empresas presentes no mercado, tais como
cartéis ou concertações visando impedir ou dissuadir a entrada de novos concorrentes, ou
expulsá-los uma vez que já tenham entrado.

Não é difícil pensarmos em exemplos de oligopólios em Portugal bem conhecidos de todos. O setor das
comunicações móveis é, claramente, um oligopólio, com 3 empresas a dividirem entre si a esmagadora
maioria do mercado de consumidores finais. O setor retalhista das gasolineiras também é um oligopólio,
com quatro ou cinco principais atores. Ambos estes exemplos permitem chamar a atenção para o facto
de ser possível a existência em simultâneo de outros pequenos agentes da oferta, sem que isso altere a
natureza oligopolista do mercado. As gasolineiras demonstram claramente que a presença de pequenos
agentes mais agressivos – a oferta de gasolinas low cost – não é suscetível de alterar os preços no
mercado. Porque o volume que essas empresas conseguem oferecer é muito limitado, não conseguem
satisfazer uma percentagem suficientemente grande da procura para se tornarem price makers. Em
consequência, as grandes gasolineiras continuam a conseguir praticar preços acima dos preços
oferecidos por estes pequenos concorrentes agressivos.

O grande retalho de produtos de consumo também é um oligopólio muito conhecido, dominado


especialmente por duas grandes empresas – SONAE (Continente) e Jerónimo Martins (Pingo Doce e
Recheio) –, acompanhadas de mais duas ou três empresas que também têm um peso significativo no
mercado. O facto de existirem muitas outras pequenas lojas onde os consumidores se podem abastecer

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não altera o facto de que estas 5 empresas têm um significativo poder de mercado, sobretudo na
negociação com os seus fornecedores.

Mas há muitos outros setores menos óbvios em que existem oligopólios. Se olharmos para vários
mercados de bebidas, bolachas, cereais, chocolates, etc., encontraremos quase sempre oligopólios.

O que acontece aos preços e à quantidade oferecida nos mercados oligopolistas?

Para começarmos a compreender a dinâmica destes mercados, é mais simples começarmos com um
modelo em que os produtos são homogéneos, e a procura os entende como tal.

Num oligopólio de produtos homogéneos, verificar-se-á uma elasticidade elevada entre a oferta de cada
um dos concorrentes. A procura mostrar-se-á muito sensível, mesmo a uma muito pequena variação do
preço, passando para um concorrente que tenha o preço ligeiramente mais baixo.

Pense-se no caso da gasolina. Neste exemplo, a análise é facilitada pela presença de estruturas de
custos muito idênticas (há uma única grande fonte de abastecimento grossista de gasolina em Portugal,
e é muito difícil conseguir-se uma variação significativa dos custos de distribuição e de operação das
lojas retalhistas), o que significa que todos os grandes concorrentes têm níveis de eficiência
virtualmente idênticos.

Imagine-se que a gasolina está a ser vendida pelos “grandes” a 1,50 euros. Se a BP quiser aumentar a
sua quota de mercado, poderá baixar o preço para 1,45. Mas, assim que ela baixar os preços, os outros
“grandes” vão saber disso imediatamente. Porque não querem perder quota de mercado, a sua reação
natural será de baixar também os preços para 1,45, e fá-lo-ão de imediato. Em consequência, todos vão
passar a vender a um preço mais baixo. A BP, que começou isto por querer conquistar mais procura, não
vai conseguir aumentar a sua quota de mercado. As outras também não verão alterações das suas
vendas. Ou seja, todos continuarão a vender as mesmas quantidades, mas a um preço mais baixo. Em
suma: todos ficaram a perder! Menos os consumidores, claro, que passaram a poder comprar gasolina
mais barata.

Esta dinâmica também faz com que seja difícil subir os preços. Se qualquer um tentar subir os preços
sozinho, os outros manterão os preços ao mesmo nível e capturarão a procura (altamente sensível) que
até então estava com a empresa que subiu os preços. Por isso é que, no mercado das gasolineiras, as
subidas de preços tendem a acontecer sempre por todos ao mesmo tempo, e apenas quando se verifica
um aumento do preço do petróleo – um input decisivo que é um custo partilhado por todas.

Em suma, nos mercados deste tipo há uma forte tendência para a manutenção do status quo, e um
grande desincentivo a agitar as águas.

Esta é a realidade básica de todos os mercados oligopolistas com produtos homogéneos. Nestes
mercados, a racionalidade económica faz com que exista uma óbvia e necessária tendência para a
coordenação de comportamentos. E claro que esta coordenação pode ser feita de modo ativo,
trocando informações entre concorrentes para garantir que todos sabem o que todos estão a fazer e
que não há incentivo para perturbar o mercado, ou até chegando a acordos horizontais sobre os preços
que se vão praticar (cartéis). Assim, por exemplo, para conseguirem subir os preços, uma estratégia
possível é a da eleição – acordada ou tácita – de um price leader, uma empresa que lidera o mercado,

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dando o sinal de subida dos preços que as outras seguem (normalmente, através de anúncios públicos
com alguma antecedência). Enquanto as outras seguirem, o sistema funciona, e há um grande incentivo
económico nesse sentido.

Mas esta coordenação também pode ser – e, geralmente, é – puramente passiva. A isto se chamam os
comportamentos paralelos. As empresas oligopolistas comportam-se da mesma maneira (adotam
comportamentos paralelos nos mercados) porque é economicamente racional que se comportem assim.
Todas ficariam a perder se não o fizessem.

Há toda uma área da teoria económica dedicada a estudar este tipo de interação dinâmica entre
concorrentes, chamada a “teoria dos jogos” (game theory), de John Nash. Trata-se de uma teoria
económica que procura explicar e prever o comportamento de um agente em função dos
comportamentos esperados ou potenciais dos restantes agentes. Uma das concretizações desta teoria é
o famoso “dilema do prisioneiro”, que os agentes policiais tentam explorar quando colocam suspeitos
de um crime em diferentes salas de interrogatório. Este modelo pressupõe que os suspeitos são de facto
autores do crime e que a polícia não tem provas suficientes. O cenário ótimo para os suspeitos é aquele
em que todos ficam calados. Nesse caso, todos serão libertos por a polícia não conseguir provar o crime.
Mas a polícia vai oferecer-lhes uma redução de pena ou até imunidade se confessarem o crime e
ajudarem a condenar os restantes, testemunhando contra eles. Nessa situação, o primeiro a falar tem
imenso a ganhar, e todos têm de calcular e gerar os riscos que daí decorrem.

O “Equilíbrio de Nash” descreve a situação em que cada indivíduo numa situação de “jogo” otimizou o
seu comportamento de tal modo que não poderia ter aumentando as suas hipóteses de ganhar
adotando, sozinho (no pressuposto de um comportamento unilateral, sem cooperação entre os
jogadores), um comportamento diferente. No extremo oposto, temos o conceito do “Ótimo de Pareto”,
que corresponde à situação em que não é possível aumentar o bem estar coletivo de qualquer agente
dum grupo sem reduzir, pelo menos proporcionalmente, o bem estar de outro agente do grupo. Ou
seja, o bem estar total nesse grupo não pode ser aumentado.

Não se pode censurar, muito menos sancionar uma empresa por se comportar de uma maneira
economicamente racional, quando não tem uma posição de domínio sobre esse mercado e determinou
o seu comportamento de modo independente. É por isso que os economistas e a Autoridade da
Concorrência chegam repetidamente à conclusão de que não há nada a fazer quanto ao mercado das
gasolineiras (pelo menos, não ao nível do retalho!). Na falta de provas de que elas estão de facto a
concertar-se ou que chegaram a acordos anticoncorrenciais, não podem ser censuradas. E a verdade é
que o mercado tem características de transparência e estruturas de custos tão idênticas que não é
necessário os “grandes” se concertarem para alcançarem este resultado.

Compreendida a realidade económica deste tipo de mercado, deve ser claro que o aumento da
transparência em mercados oligopolistas é, tipicamente, uma má estratégia. Em Portugal, várias
autoridades públicas investiram muito em conseguir aumentar a informação disponível aos
consumidores sobre os preços praticados pelos diferentes operadores. Mas, ao fazerem isso, estão
também a aumentar a informação disponível aos grandes concorrentes, reduzindo os custos de recolha
de informação que eles teriam de outro modo, e facilitando a coordenação de comportamentos. Sem
qualquer hiato de tempo entre o momento da alteração do preço e o momento da reação dos
concorrentes, claramente não há qualquer incentivo a concorrer pelo preço.

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Como sempre, uma das estratégias típicas dos produtores para conseguirem fugir a esta restrição à sua
liberdade de subir preços é a diferenciação de produtos. Se conseguirem convencer os consumidores a
darem mais valor ao seu produto ou à sua marca do que à dos outros – mesmo que, objetivamente, os
produtos sejam idênticos –, então conseguirão cobrar mais e aumentar os lucros.

Por fim, falemos da concorrência monopolística.

Os mercados de concorrência monopolística não estavam incluídos na tabela que vimos no início deste
capítulo, porque essa tabela assentava na diferenciação dos mercados consoante o número de agentes.
Ora, não é isso que diferencia ou caracteriza essencialmente estes mercados.

Nos mercados de concorrência monopolística existem muitos agentes do lado da oferta e do lado da
procura (tendendo para a atomicidade). Mas não são mercados de concorrência perfeita porque lhes
faltam outros requisitos essenciais destes que vimos acima. Especificamente, faltam (pelo menos) os
requisitos de homogeneidade e fluidez.

Em termos de estrutura mental, se pensarmos numa graduação consoante o poder de mercado que
cada tipo de mercado confere aos agentes da oferta, podemos imaginar a seguinte hierarquia, indo do
menor poder de mercado até ao maior: (1) concorrência perfeita; (2) concorrência monopolística; (3)
oligopólio; e (4) monopólio.

Ao contrário da concorrência perfeita, que era um modelo ideal e dificilmente alcançável na realidade, a
concorrência monopolística é a condição real de muitos mercados.

Se os produtos não são homogéneos, não será possível verificarem-se os efeitos que estudámos nos
mercados de concorrência perfeita, empurrando-se os preços para os níveis dos custos marginais e,
eventualmente, para os níveis dos custos médios. Isto porque, se a procura entende que o
produto/serviço de um dos agentes da oferta é diferente dos outros, atribuir-lhe-á um valor superior ou
inferior ao dos outros. A pressão concorrencial exercida entre os produtos é assim reduzida, deixando
de haver um único preço para os produtos/serviços oferecidos por todos os agentes.

O mesmo acontece se não a procura não estiver bem informada quanto às características dos produtos
e quanto à oferta que existe, ou se a oferta não estiver bem informada quanto à procura que existe no
mercado. Ou se não for possível a todos os agentes da oferta venderem a todos os agentes da procura,
por razões económicas, legais, de preferências, ou outras. A existência de custos de transação
significativos, incluindo custos de transporte proporcionalmente elevados, é uma das coisas que pode
levar a esta limitação do acesso da oferta à procura.

A estratégia típica dos concorrentes nestes mercados é a promoção da heterogeneidade dos seus
produtos – ou melhor, da perceção de heterogeneidade pela procura. Diz-se “concorrência
monopolística” precisamente porque, apesar de se tratarem de produtos que são oferecidos em
concorrência, cada concorrente tenta criar nichos de mercado para si, nos quais – se tiver sucesso
completo – se tornará um monopolista virtual.

O exemplo típico deste comportamento é o que se verifica no mercado dos restaurantes.


Objetivamente, todos os restaurantes prestam um serviço que visa satisfazer a mesma necessidade.
Mas distinguem-se uns dos outros por oferecerem diferentes tipos de comida, com diferentes

45
características e níveis de qualidade. O facto de me apetecer comer comida indiana, significa que só vou
estar à procura de restaurantes indianos. Em consequência, o restaurante indiano sente pressão
concorrencial fundamentalmente de outros restaurantes indianos na mesma área, em vez de sentir uma
pressão concorrencial mais imediata de todos os restaurantes dentro da mesma área. Algumas pessoas
estão dispostas a pagar muito dinheiro por quantidades muito mais pequenas de comida servidas com
requintes de apresentação, porque acham que a melhor qualidade e/ou o prestígio e/ou a experiência
de comer nesses restaurantes mais caros justifica a diferença de preço. Apesar de fornecer um produto
e prestarem um serviço cuja essência é idêntica à de muitos outros, um restaurante Michelin de duas
estrelas conseguiu diferenciar a sua oferta de tal modo que há segmentos importantes da procura que
não o consideram substituível senão por muito poucos outros restaurantes no mundo inteiro.

Vimos que nos mercados de concorrência perfeita, os agentes não têm qualquer possibilidade de alterar
os preços do mercado. Nos oligopólios, os oligopolistas têm um poder de mercado significativo que lhes
dá a faculdade se serem price makers, até certo ponto. Os monopolistas têm um controlo ainda mais
amplo sobre os preços dos mercados.

Nos mercados de concorrência monopolística, os agentes têm um controlo reduzido sobre os preços,
mas este nível de controlo será tanto maior quanto maior for o seu sucesso de diferenciação (promoção
da perceção de heterogeneidade) do seu produto/serviço relativamente aos dos demais. Esta
diferenciação passa, normalmente, de modo direto ou indireto, pela criação de uma marca, ou forte
efeito de reputação.

São as diferentes preferências dos agentes da procura que dão aos concorrentes monopolistas o seu
relativo poder de mercado. Essas preferências fazem com que a elasticidade da procura do produto de
um agente específico não seja infinitamente elástica – efeito de redução da elasticidade da procura.

Como já temos visto, também aqui o comportamento racional do agente da oferta, que lhe permite
maximizar o seu lucro (em princípio, sem prejuízo de exceções que decorrem de comportamentos
anómalos da procura face a determinados tipos de produtos, como vimos acima), é continuar a
aumentar a quantidade oferecida até que o seu custo marginal seja igual à sua receita marginal.

Devemos ainda ter em conta que a oferta num mercado de concorrência monopolística defronta-se com
custos que um agente da oferta em concorrência perfeita não tem de suportar. Nesse sentido, essa
oferta é menos eficiente, os seus custos médios são mais elevados. Exemplos deste tipo de custos
adicionais são os investimentos em publicidade, marketing e investigação e desenvolvimento. É também
frequente que os custos do fator de produção trabalho sejam mais elevados para aqueles que se
querem diferenciar pela qualidade, já que os trabalhadores exigem, naturalmente, que essa perceção de
qualidade que trazem à empresa seja remunerada.

5. Jogos de soma zero e jogos de soma positiva


Uma das ideias que podem ser menos intuitivas quando se começa a estudar Economia, é a de que
todos os que participam numa troca saem a ganhar.

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No dia-a-dia, é frequente ouvirmos alguém queixar-se de que comprou ou vendeu algum bem ou serviço
e que foi “roubado”. Quando se usa esta expressão, está-se aparentemente a transmitir a ideia de que
se pagou (ou se recebeu) um valor pelo bem em causa que era menor do que ele tinha efetivamente. A
palavra “roubado” parece ter ínsita a ideia de que se foi forçado a fazer a troca, ou enganado de algum
modo. Ora, isto é profundamente enganador.

Na discussão que se segue, partimos do pressuposto fundamental de um ambiente de liberdade de


troca. Ou seja, as trocas em causa têm lugar num contexto em que os respetivos agentes são livres de
participar ou não na troca, de vender ou não, de comprar ou não. São livres de escolher com quem
trocam. Se essa liberdade não existir, então efetivamente estaremos perante um cenário de coação
(física, jurídica, económica, etc…) em que uma pessoa pode ter de participar numa troca que lhe é
efetiva e realmente prejudicial.

Mas, se as trocas são feitas num ambiente de liberdade, os agentes económicos só aceitam trocar uma
coisa por outra se isso lhes trouxer alguma vantagem. Este é um corolário necessário da racionalidade
dos agentes económicos.

Um agente económico afere o valor de um determinado bem ou serviço – a sua “utilidade” –, mesmo
que apenas em termos instintivos, inconscientes e imprecisos. Esta avaliação é eminentemente
subjetiva. Só opta por adquirir esse bem se o preço que lhe for pedido (ou melhor, a “utilidade”
correspondente a esse dinheiro) for inferior à “utilidade” que atribui a esse bem. Um agente da oferta
só opta por vender o bem se o preço que lhe está a ser oferecido for superior à “utilidade” que para ele
decorre de continuar a ter aquele bem na sua esfera (tendo em conta que essa continuidade pode
implicar custos contínuos). Isto, claro, sem prejuízo de se poder optar por esperar até se encontrar uma
troca mais favorável, se houver essa expectativa ou esperança.

É na análise destes “jogos” de troca que se fala dos conceitos de “jogo de soma zero” e “jogo de soma
positiva”.

Um “jogo de soma zero” é aquele em que há uma transferência exata de valor (utilidade) de um agente
para outro. O valor que um ganha é precisamente idêntico ao valor que o outro perde. Chama-se jogo
de soma zero porque, se se somarem os ganhos de ambos os participantes, e se se subtraírem as perdas
de ambos os participantes, o resultado é zero.

Num assalto, em que uma pessoa se vê privada de 20 euros que tinha na carteira, é precisamente isto
que se passa.

Um “jogo de soma positiva” é aquele em que a troca tem por resultado um acréscimo da utilidade total
dos participantes na troca. Somando-se os ganhos de ambos os participantes, e subtraindo-se as perdas
de ambos os participantes, o resultado é positivo. A troca resulta num incremento da satisfação
combinada de ambas as partes, ou seja, a um aumento do bem-estar total.

Vejamos o seguinte exemplo que representa matematicamente esta realidade. Para concretizar o que
está a ser trocado, podemos pensar numa compra e venda de uma hora de trabalho de um advogado.

Para a Dra. Boop, advogada, uma hora de trabalho tem um custo de oportunidade de 30. Ou seja, se não
dedicasse aquela hora a trabalhar, a sua melhor alternativa de ocupação desse tempo trar-lhe-ia uma

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“utilidade” de 30. Para o Sr. Brown, que precisa de uma breve consulta a um advogado para precaver
um potencial problema no seu negócio, essa hora de consulta tem utilidade de 100.

Se a Dra. Boop pedir ao Sr. Brown 150 por uma hora de consultoria jurídica, o Sr. Brown não quererá
adquirir esse serviço. Mas se lhe pedir 90, já se realizará a troca. Se o Sr. Brown for um negociador
sabedor, poderá oferecer 40, e a Dra. Boop ainda teria interesse em aceitar esse valor.

Chama-se “excedente do consumidor” (ou excedente da procura) à diferença entre o valor máximo que
o consumidor está disposto a pagar – a “utilidade marginal” do bem em causa para si – e o valor que
efetivamente paga (ou seja, o preço de mercado) por essa dose do bem.

Chama-se “excedente do produtor” (ou excedente da oferta) à diferença entre o valor mínimo que o
agente da oferta está disposto a aceitar pelo bem em causa – a “utilidade marginal” (ou custo de
oportunidade) do bem em causa para si – e o valor que efetivamente recebe (ou seja, o preço de
mercado) por essa dose do bem.

Em qualquer negociação para se realizar uma troca económica, o agente da procura está a tentar
maximizar o seu “excedente do consumidor”, e o agente da oferta está a tentar maximizar o seu
“excedente do produtor”.

Quando alguém diz que foi “roubado” numa troca, o que verdadeiramente quer dizer é que o seu
“excedente” foi mais pequeno do que acha que poderia ter obtido. Fez uma “má” troca. Mas não saiu a
perder dessa troca, ainda teve algum excedente.

Regressemos ao exemplo da Dra. Boop e do Sr. Brown, vendo o que sucede se a troca se realizar com
dois preços diferentes.

Preço Agente Utilidade Excedente


marginal
90 Boop 30 60
Brown 100 10
50 Boop 30 20
Brown 100 50

Isto significa que, no jogo das trocas, a “arte”, tanto do lado dos vendedores como dos compradores,
está em compreender o valor que a contraparte, subjetivamente, atribui ao bem ou serviço. É esse valor
que vai determinar até onde se pode tentar empurrar o preço, maximizando o ganho (excedente) do
negociador, sem perder o negócio.

Um dos exemplos históricos mais conhecidos da maneira de se pensar nas trocas como um “jogo de
soma zero” vem do século XVII, com o surgimento do mercantilismo. Nessa altura, entendia-se que, no
comércio internacional, o valor era necessariamente representado pelos metais preciosos usados nas
trocas, especificamente o outro e a prata. Esta ideia estava muito ligada ao facto de a “moeda” de cada
país, nessa altura, ser cunhada em ouro ou prata, sendo o seu valor proporcional ao valor do metal

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utilizado nas moedas. Os países mediam a sua riqueza pela quantidade de ouro ou de prata que
dispunham. Em consequência, entendia-se uma troca comercial entre dois Estados como um jogo de
soma zero, porque um perdia determinada quantidade de ouro, e outro ganhava exatamente essa
quantidade de ouro. Esta visão foi criticada por Adam Smith, na sua obra seminal A Riqueza das Nações.

6. A intervenção do Estado na Economia – questões gerais


O livre funcionamento dos mercados leva, por vezes, a resultados que nos parecem injustos e/ou
indesejáveis. Sempre assim foi. Quando se observam grandes desigualdades de rendimentos, com uns
poucos que têm muito, e muitos que têm pouco, é inevitável que se pense que algo deve ser feito para
corrigir essa situação. As soluções que se discutem são soluções políticas. E há muitas abordagens
diferentes possíveis.

Ao longo do século XX, sobretudo no mundo ocidental, foram postas em práticas duas perspetivas
fundamentalmente opostas sobre o papel que o Estado devia assumir na Economia, para combater
estes problemas. Uma perspetiva defendia que o Estado devia intervir fortemente na Economia, que o
mercado nas mãos dos agentes económicos conduziria inevitavelmente a injustiças e, por isso, em
última linha, nem devia existir propriedade privada e os principais processos produtivos (indústria e
agricultura) deviam ser nacionalizados. Sem prejuízo de muitas variações nos vários modelos, este é o
básico da escola de pensamento comunista.

No outro extremo, tínhamos a escola de pensamento liberal, muito ligada à ideia da “mão invisível” de
Adam Smith. De acordo com esta linha de pensamento, o Estado era incapaz de intervir de modo
eficiente na Economia, porque a extrema complexidade das trocas era demasiado para o Estado
conseguir gerir. A atuação egoísta e livre dos agentes económicos conduz a um equilíbrio maximizador
da utilidade e do bem-estar total da sociedade.

Naturalmente, entre os dois extremos temos vários pontos intermédios. Sem querer entrar em debates
políticos, a História do século XX e do início do século XXI parecem ter confirmado que uma abordagem
liberal é muito mais propícia a gerar crescimento e desenvolvimento económico do que uma abordagem
centralizadora e de forte intervencionismo do Estado. Basta pensar no contraste entre a situação
económica de ambos os lados da “cortina de ferro” no final dos anos 80. Pense-se também no enorme
crescimento económico verificado na China desde a adoção de uma economia capitalista de mercado
(ainda que com consideráveis adaptações à realidade chinesa).

Mas também ficou claro que uma abordagem liberal extremista não era aceitável para a sociedade em
geral, pelos efeitos nefastos que produzia. Na Europa, por exemplo, prevaleceu decisivamente a
corrente “ordoliberalista” do pensamento económica, segundo a qual a economia de mercado livre
deve ser ajustada, sujeita a determinados limites e correções pelo Estado em nome de imperativos
sociais e de justiça. Hoje, fala-se também em “neoliberalismo”.

A análise que segue parte do pressuposto que estamos no âmbito de uma economia de mercado (como
acontece em todo o mundo ocidental), em que o direito de propriedade privada e a livre iniciativa
privada são garantidos e protegidos e em que os agentes económicos podem, em regra, determinar

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livremente o seu comportamento no mercado. Nesse caso, a intervenção do Estado na economia de
mercado tem por objetivo lidar com três aspetos fundamentais:

• Eficiência
• Equidade
• Crescimento económico (e estabilidade)

A promoção do crescimento económico e da estabilidade prendem-se fundamentalmente com


questões de política macroeconómica, pelo que não falaremos para já dessa matéria. Digamos apenas
que o Estado tem como objetivo garantir que a riqueza total no país continue sempre a aumentar, para
que a situação económica da população melhore continuamente. Note-se que esta questão não deve
ser vista apenas em termos absolutos – é também uma perspetiva relativa. Se as outras nações
enriquecem e a nossa não, comparativamente ficamos mais pobres.

Quanto à equidade, tem a ver com as naturais preocupações dum sistema político democrático com a
justiça da distribuição da riqueza entre a população. A verificação de desigualdades na distribuição da
riqueza, levando a que alguns não tenham suficiente para satisfazer as suas necessidades básicas, e
outros tenham riqueza vista por largos segmentos da população como sendo desproporcional ao seu
esforço e contributos, faz com que o Estado tenha de se preocupar em desenhar políticas de
redistribuição de riqueza, de rendimentos. O cumprimento deste objetivo implica que se recolham
receitas públicas para depois se redistribuir essas receitas, seja de modo direto (e.g., subsídios), seja de
modo indireto (através da prestação de serviços e bens públicos). Na grande maioria, estas provêm de
impostos, que são estabelecidos de modo progressivo – quem mais tem, mais paga.

Por fim, quando o funcionamento do mercado se mostra ineficiente, é no interesse do Estado que se
promova a eficiência. Uma produção mais eficiente implica a utilização de menores recursos para se
alcançar os mesmos resultados de ganhos de bem-estar, libertando recursos para a satisfação de outras
necessidades.

Isto dito, importa ter em conta que aqueles objetivos podem exigir intervenções contraditórias, e que as
intervenções estatais têm motivações político-democráticas. Não é de todo invulgar identificarem-se
intervenções do Estado na economia que promovem objetivos que poderão não parecer naturais, tais
como tirar dinheiro dos bolsos dos consumidores para o por nas mãos dos produtores. E, no entanto,
muitas das intervenções têm precisamente este objetivo e este resultado.

Quando o Estado decide se vai cobrar direitos alfandegários (tarifas) sobre produtos de consumo (e.g.,
sapatos ou têxteis), tem de decidir quem pretende beneficiar e quem está disposto a prejudicar. As
tarifas têm por objetivo proteger os produtores e indústrias nacionais, e também os trabalhadores, na
medida em que se protegem postos de emprego. Mas a consequência é a de que os produtos ficam
mais caros para os consumidores finais. Por isso se costuma dizer que as tarifas são uma forma de
“impostos indiretos”.

Os principais motivos de ineficiência no funcionamento dos mercados que podem ser combatidos pelo
Estado são:

• assimetrias informativas;

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• poder de mercado; e
• externalidades.

Todas estas situações podem ser genericamente descritas como “falhas de mercado”.

As assimetrias informativas fazem com que a dinâmica dos mercados se afaste dum cenário de
concorrência tão agressiva quanto seria possível, mesmo sem alteração da estrutura do mercado
(número de operadores de cada lado). Se um dos lados do mercado, ou alguns dos agentes, não estão
bem informados sobre as características que influenciam o valor do bem/serviço, ou se não conhecem
bem as várias ofertas disponíveis no mercado, levando-os a desconhecer, por exemplo, a existência de
ofertas de preços mais baixos por alguns operadores, o nível de preços do mercado será indevidamente
inflacionado e as empresas não sentirão tanta pressão para se tornarem concorrentes mais eficientes.

O Estado pode assim ter um papel a desempenhar na disseminação direta de informação aos
participantes no mercado, ou na imposição de obrigações que fomentam a transparência no mercado.

Assim, por exemplo, quando o Estado obriga as empresas a terem uma tabela de preços pública, o
objetivo é precisamente combater as assimetrias de informação. Mas as empresas tentam contornar os
efeitos pró-competitivos desta exigência publicando tabelas de preços, mas mantendo confidenciais os
níveis de descontos aplicados para diferentes clientes sobre esses preços públicos. Na prática, são
inúmeros os mercados em os níveis de desconto costumam ser tão grandes que os “preços” públicos
perdem todo o significado e a sua divulgação é uma mera formalidade, visando uma aparência de
cumprimento da lei que, na realidade, contorna a ratio legis.

Outro exemplo deste tipo de obrigação é a exigência de que os produtos alimentares incluam uma
discriminação da sua composição, com determinados detalhes que têm de ser indicados, para que os
consumidores saibam exatamente o que estão a comprar e não sejam enganados na valorização que
fazem desse produto. A mesma linha de raciocínio leva a que existam regras públicas que impõem
condições para a utilização de determinadas nomenclaturas. Por exemplo, só se pode chamar “vinho” a
líquidos com determinado teor de álcool produzido de uvas e com determinadas características.

Quando nos dirigimos a um banco para contratar um crédito, a instituição financeira é obrigada, por lei,
a fornecer-nos um conjunto de informações específicas, num determinado formato e com determinados
cuidados. A assimetria informativa é tão grande nesse tipo de produtos que o legislador sentiu
necessidade de impor um modo de esclarecimento prévio dos consumidores.

Aliás, em muitos tipos de transações, o incumprimento de obrigações de esclarecimento prévio pode ter
como consequência jurídica a invalidade do negócio celebrado. Trata-se de outro instrumento jurídico
que visa incentivar as empresas a não abusarem da sua posição privilegiada num contexto de assimetria
informativa.

Como exemplo de disseminação direta de informação pelo Estado quanto a preços, pense-se no caso do
website da Direção-Geral de Energia que centraliza e divulga os preços retalhistas dos combustíveis por
todo o país (http://www.precoscombustiveis.dgeg.pt/). Este exemplo permite-nos ver que é discutível
se a disseminação de informação em todos os mercados é positiva. Num mercado de estrutura
oligopolista como o mercado retalhista dos combustíveis, talvez não seja no interesse da concorrência
fomentar a transparência de preços, já que facilita a adoção de comportamentos paralelos.

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Quando uma empresa detém poder de mercado, no sentido em que pode influenciar, sozinha, o nível
de preços ou a quantidade oferecida ou procurada no mercado, pode gerar quebras do bem-estar total.
O seu objetivo é maximizar o seu lucro, e não garantir a maximização da utilidade total associada às
trocas dos bens/serviços em causa para todos os agentes económicos. Em resultado do seu
comportamento com o objetivo de maximização do lucro, alguns agentes serão empurrados para
satisfazer as necessidades em causa em menor grau do que o fariam se o mercado estivesse em
concorrência perfeita. Alguns agentes poderão até ser expulsos do mercado, não participarem nas
trocas ao nível de preços fixado. Isto gera óbvias preocupações de equidade por parte do Estado,
sobretudo no caso de bens que sejam considerados básicos ou necessários.

O Estado poderá, assim, sentir necessidade de intervir, seja numa lógica de regulação ex ante da
atividade económica (normas que se impõem antes da verificação de qualquer comportamento, e não
em reação a um comportamento verificado; pretende-se prevenir determinadas condutas e impor
outras – corresponde ao que se chama o Direito da Regulação), seja numa lógica de regulação ex post
(normas que se impõem em reação a um comportamento verificado no mercado, pretende-se sancionar
determinados comportamentos, ainda que isto também tenha, obviamente, um efeito preventivo –
corresponde ao que se chama o Direito da Concorrência, que veremos em maior detalhe no próximo
capítulo).

Se os fornecedores de um determinado produto de luxo têm poder de mercado e nem todos os agentes
da procura conseguem aceder a esse produto, isto não é um motivo de especiais preocupações para o
Estado. Mas se um fornecedor de eletricidade, ou de internet, ou de água, etc., têm poder de mercado,
o Estado sentirá a necessidade de garantir que o exercício do poder de mercado do fornecedor não
conduzirá a situações iníquas de exclusão do mercado ou de um grau reduzido de satisfação de
necessidades.

De facto, quando se tratam de bens/serviços básicos, o Estado pode até sentir necessidade de intervir
para garantir que todos os agentes económicos têm acesso a esses bens/serviços, mesmo que a sua
participação no mercado seja economicamente inviável, devido à sua indisponibilidade de recursos
suficientes. Neste caso, o Estado intervém impondo aos fornecedores (ou, pelo menos, a um deles), em
regulação ex ante, obrigações ditas de “serviço universal”. Hoje em dia, normalmente, o prestador do
serviço universal é selecionado por concurso. Uma vez selecionado, o prestador do serviço universal fica
obrigado a prestar determinados serviços, com determinada qualidade, a certos grupos de pessoas que
preenchem requisitos que o Estado entende que justifica que tenham acesso ao serviço universal. Esse
serviço é prestado por um preço que fica, tipicamente, abaixo do preço de mercado. O Estado compensa
o prestador do serviço universal pela diferença do valor, para que a sua atividade de serviço universal
não seja deficitária. Ou seja, o Estado subsidia o acesso aos serviços em causa pelos beneficiários do
serviço universal.

Mas, mesmo fora destes casos de “serviços mínimos”, o Estado regula ex ante a atividade económica de
múltiplas maneiras. Pode obrigar uma empresa a fornecer acesso a um determinado serviço por um
preço de mercado negociado e não excessivo. Pode até fixar diretamente o preço (ou preço máximo) a
que um determinado bem ou serviço será prestado. Normalmente, este tipo de imposições regulatórias
ocorrem ao nível grossista dos mercados. No plano das relações com consumidores finais, há inúmeras
obrigações que são impostas para combater o poder de mercado (e também, ainda, a assimetria de
informação). Pode impor um direito do consumidor de mudar de ideias num determinado prazo, pode

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proibir prazos muito longos de fidelização, pode impor mecanismos que facilitam a mudança de um
prestador de serviços para outro (pense-se na questão da portabilidade dos números de telefone),
podem controlar o acesso à atividade económica através de sistema de licenciamento/autorização que
garante o cumprimento de requisitos mínimos de qualidade e idoneidade, etc. São todos mecanismos
que pretendem aumentar o nível de concorrência no mercado, com o intuito de aumentar o bem-estar
total e reduzir a proporção de bem-estar que é capturada pela empresa com poder de mercado, em
prejuízo dos seus clientes e dos consumidores finais.

Como exemplo de reguladores portugueses, que desenvolvem esta atividade de regulação ex ante,
vejam-se:

a) Autoridade Nacional de Comunicações;


b) Banco de Portugal;
c) Instituto de Seguros de Portugal;
d) Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;
e) Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos;
f) Instituto Nacional de Aviação Civil;
g) Autoridade da Mobilidade e dos Transportes;
h) Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos;
i) Entidade Reguladora da Saúde.

Por último, o Estado pode sentir necessidade de intervir devido à presença de externalidades.

Na ciência económica, uma externalidade é um efeito colateral duma atividade económica na esfera de
agentes económicos que não participaram nas respetivas trocas. Esses efeitos podem ser positivos ou
negativos. E, ao contrário do que por vezes se tende a pensar, tanto uns como os outros podem ser
motivos de preocupação e justificar uma intervenção estatal.

Verifica-se uma externalidade positiva quando uma atividade económica gera efeitos positivos na
esfera de agentes que não intervêm nessa atividade (terceiros). Assim, por exemplo, quando uma
grande loja retalhista quer atrair consumidores na época do Natal e investe em decorações e
iluminações de Natal, outras lojas (sobretudo à volta) também beneficiam dessa iluminação e desse
estado acrescido de “consumismo” que é gerado nos consumidores, mas não tiveram que suportar
qualquer custo. Quando se investe na criação de uma grande infraestrutura de transportes (tal como um
aeroporto ou porto), está-se a criar efeitos benéficos para inúmeras indústrias e atividades económicas
nessa cidade que não participaram naqueles enormes investimentos.

Os terceiros que beneficiam de externalidades positivas são designados “free riders”, e o free riding
pode gerar problemas importantes e causar quebras de bem-estar na sociedade. Vejamos dois exemplos
para compreender o tipo de problemas que esta realidade pode gerar.

Um dos cenários que mais tradicionalmente tem suscitado a problemática do free riding é o da
concorrência em mercados onde a inovação tecnológica é uma componente importante. Imaginem que
uma empresa investe seriamente em investigação e desenvolvimento (I&D), e cria um novo produto –
por exemplo, uma empresa farmacêutica investe milhões de EUR em investigação e consegue
desenvolver um novo medicamento. Essa empresa vai agora querer recuperar o investimento que
realizou, comercializando esse novo medicamento a um preço que lhe permita essa recuperação,

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gradualmente, ao longo do tempo, e ainda a realização de lucro. Ora, se as outras empresas
farmacêuticas forem livres de analisar a fórmula química do novo medicamento e começarem elas
próprias a fabricá-lo e a comercializá-lo livremente, vão ter uma enorme vantagem competitiva
relativamente à empresa que investiu em I&D. É que a estrutura de custos dessa empresa inclui os
custos afundados que teve com a I&D, mais os custos marginais do processo de fabrico, e os seus preços
têm de refletir isso. Já as outras farmacêuticas só têm de remunerar os custos marginais do processo de
fabrico (e, eventualmente, o pequeno custo da análise da fórmula química e desenvolvimento do novo
processo de fabrico). Ou seja, as outras farmacêuticas seriam capazes de atingir lucros muito mais
rapidamente, com preços muito mais baixos.

Se estas situações fossem legais (e, na verdade, nalguns países do mundo são!), as empresas
farmacêuticas não teriam qualquer incentivo económico para investir em I&D, porque saberiam que
acabariam sempre por perder dinheiro, e quem ficaria a ganhar seriam as empresas oportunistas – os
free riders. Isto teria consequências muito negativas para a sociedades, traduzidas economicamente
num grande nível de perda de bem-estar total. Seriam inventados um número muito menor de novos
medicamentos e os consumidores teriam um nível muito menor de satisfação das suas necessidades de
proteção da saúde.

Para evitar este resultado, o Estado intervém na regulação do mercado, criando regras imperativas que
visam, justamente, impedir o efeito de free riding. Neste caso, fá-lo através do Direito de Propriedade
Intelectual. A empresa farmacêutica que investiu em I&D tem direito a obter uma patente desse
medicamento. Durante um determinado número de anos, o Estado garante-lhe o direito exclusivo de
comercializar esse medicamento. Ela também pode decidir autorizar outras empresas a fabricá-lo e
comercializá-lo, em troca de remuneração acordada, mas, em princípio, essa é uma opção que pode
tomar livremente (há casos em que, por força do Direito da Concorrência, a empresa detentora da
patente pode ser obrigada a autorizar outras a comercializá-lo, com remuneração justa).

Assim que percebe que, ao nível do comércio internacional e das negociações económicas
internacionais, o Direito da Propriedade Intelectual seja um dos temas mais frequentemente discutidos.
As empresas americanas e europeias não querem colocar os seus produtos em países que não tenham
Direito de Propriedade Intelectual por receio de se verem confrontadas com este problema de free
riding.

Se forem a Timor-Leste, por exemplo, encontram no centro comercial de Dili lojas, perfeitamente legais,
que vendem CDs e DVDs com jogos, filmes, séries, software, etc, por um dólar ou pouco mais. Se isto
fosse possível nas economias onde esses produtos foram originalmente produzidos, claramente que não
seria economicamente viável a sua produção.

Um outro exemplo, mais recente, do problema do free riding, coloca-se ao nível da concorrência entre
lojas físicas e lojas online. Imaginem um concessionário de automóveis tradicional. Esse concessionário
aluga um espaço que tem de ter determinadas características para poder receber os clientes num
ambiente de relativo luxo e bem estar, tem de pagar a funcionários que estão disponíveis no stand para
prestar esclarecimentos técnicos e comerciais, tem de ter um serviço de pós-vendas (uma oficina) que
permita prestar posteriormente o apoio técnico necessário às viaturas, com funcionários especializados
e equipamentos próprios, etc. Tudo isto implica uma estrutura de custos substancial. Por contraste, uma
empresa que tenha um portal online onde venda carros, mas que não tenha loja física, propriamente
dita, acessível aos clientes (só um armazém onde as viaturas podem ser levantadas), nem preste

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serviços de pós-venda, tem uma estrutura de custos muito menor. Tipicamente, os consumidores iriam
primeiro ao concessionário com a loja física, onde veriam o carro, fariam perguntas, até poderiam fazer
um test drive, mas depois comprariam o produto na loja online que seria capaz de lhes oferecer um
preço inferior. O concessionário estaria assim a suportar custos significativos que beneficiariam o seu
concorrente com uma estrutura de custos muito mais ligeira. Este tipo de situação gera um incentivo
económico ao desaparecimento dos serviços adicionais prestados pelas lojas físicas.

O Estado pode reagir a estas situações de diferentes maneiras. Pode, por exemplo, exigir que
determinados produtos só sejam comercializados por quem oferece também serviços técnicos de pré-
venda e pós-venda – isto justifica-se sobretudo se se tratarem de produtos complexos e/ou perigosos
que envolvam riscos se forem mal instalados/utilizados ou se houver falhas de informação por parte do
adquirente. Mas a realidade é que estes problemas têm-se revelado muito complicados de resolver.

Deve também ter-se em conta que nem sempre as lojas online são free riders relativamente a lojas
físicas. Há muitos produtos em que as lojas online até são capazes de oferecer serviços e informação
mais completos que as lojas físicas, nomeadamente se investirem no desenvolvimento de portais que
reúnem e organizam toda a informação procurada pelos consumidores de modo eficiente.

Falemos agora dos outros tipos de externalidade. Verifica-se uma externalidade negativa quando uma
atividade económica gera efeitos negativos na esfera de agentes que não intervêm nessa atividade
(terceiros).

O exemplo paradigmático duma externalidade negativa é a poluição gerada por uma atividade industrial
– por exemplo, uma fábrica que, no seu processo produtivo, usa fornos que libertam dióxido de
carbono, monóxido de carbono e outros gases para a atmosfera, ou que liberta produtos químicos para
um rio. Se os agentes económicos forem livres de determinar o seu comportamento, e tendo como
objetivo a maximização do seu lucro, terão todo o incentivo para libertar essa poluição. Não a libertar
ou reduzi-la implicaria custos muito significativos, que os agentes evitarão sempre que possível. Tanto
mais que não são eles próprios diretamente prejudicados por essa poluição – ou pelo menos, não num
nível que gere um incentivo económico contrário suficiente. Mas os agricultores que estão a jusante da
fábrica vêm os seus campos produzir menos ou deixar de produzir porque a água do rio fica tóxica. Os
residentes da zona à volta vêm a sua qualidade de vida e o valor das suas casas diminuir drasticamente
devido à poluição atmosférica, etc.

Pense-se na Londres do século XIX, com o famoso smog – as fábricas estavam na cidade e eram livres de
poluir. O resultado é que havia tanta poluição no ar que, em certos dias, mal se conseguia respirar e se
chegava a casa com as roupas cobertas de fuligem. Ainda hoje, muitas cidades na China debatem-se
precisamente com este problema, com níveis de poluição que na Europa são hoje impensáveis.

O Estado sente necessidade de reagir a este problema, impondo regras comportamentais e limites de
poluição. O Estado intervém para obrigar o produtor a “internalizar” as externalidades negativas. A
norma jurídica faz subir artificialmente os custos do produtor, de modo a que este passe a ter em conta
os custos (tendencialmente, a totalidade dos custos) que a sua atividade produtiva tem, realmente, para
toda a sociedade. No caso da poluição, estas regras podem passar, por exemplo, por obrigar à utilização
de processos menos poluidores, filtros ambientais, limpezas posteriores, indemnizações a lesados, etc.

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Outro exemplo é o da atividade de bares e discotecas. O agente económico que presta este serviço e os
agentes que o procuram ganham tanto mais quanto mais tarde puderem estar aberto, e quanto mais
livre forem de fazer barulho. Mas para os residentes à volta do estabelecimento, o barulho prejudica
gravemente a sua qualidade de vida, o seu descanso e as suas atividades económicas. A reação do
Estado a este problema tende a ser o de impor limites ao horário de funcionamento de bares e
discotecas, controlar o nível de barulho que pode ser feito, obrigar à insonorização, delimitar áreas de
atividade noturna e áreas puramente residenciais, etc.

Quando cada um de nós conduz um automóvel, estamos a largar gases poluentes para a atmosfera e a
contribuir para engarrafamentos que reduzem a utilidade económica de todos os outros ao
movimentarem-se na cidade. Além disso, usamos e gastamos infraestruturas comuns que são
providenciadas pelo Estado, maxime as estradas. Se pudéssemos, teríamos a utilidade de usar a viatura
sem suportarmos qualquer dos custos que decorrem dessa utilização para terceiros. O Estado intervém
impondo impostos no momento da aquisição da viatura, que variam consoante o nível de poluição
gerado. Também pagamos um imposto anual à autoridade local da nossa residência, que visa
precisamente compensar efeitos de poluição e de manutenção de infraestruturas públicas; etc.

Quando o Estado intervém para obrigar os produtores a internalizar os custos das suas externalidades
negativas, isso naturalmente implica um aumento dos preços desses produtos. Esse aumento dos preços
significa que são os adquirentes dos produtos/serviços em causa que pagam a totalidade dos custos, em
vez de parte desses custos serem suportados por terceiros, pela coletividade. É claro que esta
intervenção estatal pode ter outras consequências. Alguns produtores podem sair por completo do
mercado, por deixarem de achar economicamente viável a atividade em causa. Essa redução do número
de agentes poderá conduzir, também em si, a um aumento de preços. Poderá verificar-se um aumento
da investigação e do investimento em tecnologias e processos de fabrico “verdes”. Poderá haver uma
deslocalização de indústrias para áreas onde não exista regulação, ou onde as restrições sejam mais
leves – daqui o grande problema da concorrência regulatória entre os Estados e a questão da “corrida
para o fundo” (race to the bottom, também conhecido como efeito de Delaware). Etc.

Além da imposição de obrigações comportamentais, o Estado tem fundamentalmente dois principais


mecanismos para lidar com as externalidades negativas: a abordagem associada ao teorema de Coase, e
os impostos pigouvianos.

Os impostos de Pigou são, simplesmente, a imposição pelo Estado ao produtor que gera uma
externalidade negativa dum custo adicional, na forma de taxa ou imposto, calculado na proporção do
custo social externalizado. Se o produtor não internaliza os custos da externalidade negativa, vai estar a
oferecer maior quantidade no mercado do que seria realmente eficiente fazer, se todos os custos
fossem contabilizados. O imposto pigouviano tem como consequência obrigar o produtor a baixar a
quantidade oferecida até ao nível de eficiência correspondente à totalidade dos custos privados e
sociais da atividade em causa.

Outra abordagem foi proposta pelo economista Ronald Coase. Ele propôs o que ficou conhecido como o
Teorema de Coase. Fundamentalmente, este teorema propõe uma solução de mercado para a
internalização das externalidades negativas. De acordo com o teorema, num ambiente de concorrência
perfeita, se existirem direitos de propriedade claramente definidos pelo Estado relativos aos recursos
contestados e se os custos de transação forem negligenciáveis, os agentes económicos que geram ou
são afetados pelas externalidades negociarão espontaneamente acordos voluntários que conduzirão ao

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ótimo social em termos de alocação de recursos e de output produtivo, e isto independentemente do
modo como os direitos de propriedade forem inicialmente distribuídos. Quando Coase fala em direitos
de propriedade dos recursos contestados, está a referir-se à propriedade de bens prejudicados pelas
externalidades que, normalmente, são comuns, tais como o ar ou a água.

A aplicação prática mais conhecida deste teorema foi no Protocolo internacional de Quioto, de 1997.
Resultando duma convenção ambientalista, este Protocolo teve por objetivo a redução em todo o
planeta da emissão de gases com efeitos de estufa. Usou-se a teoria de Coase para se criar um mercado
da emissão de gases com efeito de estufa. Definindo-se um máximo global, repartiu-se os direitos de
emissão entre os países, que depois os repartiam entre as suas indústrias (de acordo com o teorema, a
repartição inicial é irrelevante, rapidamente o mercado encontraria o seu equilíbrio). Uma empresa que
queira emitir estes gases tem de deter os direitos respetivos, o que significa que pode ter de os comprar
no mercado. Ou então investe em tecnologias menos poluentes e passa a poder vender os direitos de
emissão que detém e que não precisa. Gerou-se assim um mercado artificial – produto da intervenção
regulatória pública – que cria os incentivos económicos necessários, em teoria, para as empresas
alcançarem as metas de redução de emissão de gases com efeito de estufa.

Por último, note-se que pode também ser necessária a intervenção do Estado para reagir às ineficiências
económicas que inevitavelmente decorrem da natureza dos bens públicos e comuns.

Nesta ótica económica, os bens podem-se dividir em três tipos:

• Bens públicos: caracterizados pela ausência de exclusividade e ausência de rivalidade no seu


uso. Ou seja, todos podem beneficiar deste bem/serviço e o seu benefício não exclui a
possibilidade de utilização e benefício por outros.
Esta definição é económica e não jurídica. Um bem pode ser juridicamente privado mas
economicamente público, se se preencherem estes requisitos, estando disponíveis a todos.
São exemplos de bens públicos: a iluminação das ruas, a segurança pública e defesa nacional,
grandes infraestruturas de transporte com muita capacidade, parques e jardins de acesso livre,
ar, etc.
É importante compreender que, para a maioria dos bens públicos, a natureza “pública” do bem
depende do seu grau de utilização. Normalmente qualificamos um bem como bem público
pensando num grau “normal” ou “razoável” da sua utilização. Mas é possível que existam
momentos em que se verifique tanta procura do bem por tantos utilizadores/consumidores,
que se passe a verificar um efeito de rivalidade. Assim, por exemplo, uma autoestrada gratuita
é, em princípio, um bem público, mas se aparecerem num mesmo momento tantos condutores
a querer utilizá-la que a autoestrada fica completamente congestionada, a presença desses
utilizadores na infraestrutura faz com que seja impossível a presença de outros. Nestas
circunstâncias, esse bem deixa (ainda que transitoriamente) de ser público.
Uma autoestrada que passe a ser paga, passa a ser exclusiva, deixando por isso de ser um bem
público.
• Bens (ou recursos) comuns: caracterizados pela rivalidade e não exclusividade. Ou seja, todos
têm acesso ao bem (não é possível excluir ninguém à partida, nomeadamente em função da
capacidade de pagar), mas a utilização/benefício por uma ou mais pessoas exclui a

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utilização/benefício por outras pessoas. A maioria dos bens ambientais e de recursos naturais
são deste tipo. Pense-se no caso da pesca. Todos podem ir para o mar e pescar. Mas se o
fizerem, vão estar a esgotar um recurso limitado e outros deixarão de o poder fazer. De facto,
se o fizerem em suficiente número, eles próprios deixarão de o poder fazer no futuro porque o
recurso ficará permanentemente esgotado.
Isto leva-nos ao tema do que ficou conhecido como a “tragédia dos Comuns” (tragedy of the
Commons). Embora o nome seja mais antigo que isso, provindo de um livro da década de 1830,
o conceito económico foi tornado célebre pelo economista Garrett Hardin num estudo
publicado em 1968. Os “Comuns” eram terrenos que pertenciam a uma coletividade e que
podiam ser usados por todos, sobretudo para pasto de animais. Como pertenciam a todos,
ninguém tinha um incentivo económico para cuidar deles. De facto, porque estamos a falar de
bens em que se verifica um efeito de rivalidade, o incentivo económico ia precisamente no
sentido oposto: utilizar o mais possível, o mais rápido possível, antes que outros o fizessem e
impedissem o nosso uso. O resultado, como mostra esta teoria económica, é que este tipo de
bens tende a ser utilizado até à exaustão se não se verificar uma intervenção regulatória
limitadora.
Num exemplo contemporâneo, é por isso que a União Europeia estuda as quantidades de peixe
existentes de cada espécie e fixa quotas que são possíveis apanhar, acompanhadas de sanções
se estas regras forem violadas. O objetivo é garantir que este recurso comum só é utilizado até
um nível que permite a sua renovação, que garante a sua sustentabilidade a longo prazo.
• Bens privados: caracterizados pela exclusividade e rivalidade. Só os proprietários ou quem seja
por eles autorizados ou tenha um direito de utilização podem beneficiar do bem, e a
utilização/benefícios por estes tem também, por si só, o resultado de excluir a possibilidade de
utilização por outros.

Resulta do que acima se disse que um bem público é um bem cuja existência implica, por definição,
externalidades positivas. Mesmo quem não tenha qualquer custo associado à disponibilização desse
bem, retira ou pode retirar utilidade dele. Quando os bens públicos existem espontaneamente, sem que
tal implique, à partida, um custo para qualquer agente, a intervenção regulatória do Estado visa,
primordialmente, proteger a existência continuada desse bem, a sua sustentabilidade, e eventualmente
também a sua acessibilidade por todos de acordo com critérios de justiça. Mas quando um bem público
tem de ser providenciado por um agente determinado, o Estado (ou outras autoridades públicas) surge,
tipicamente, como o ator em posição privilegiada para disponibilizar o bem público em causa ao mesmo
tempo que garante uma distribuição dos seus custos por todos os beneficiários. Assim, quando o Estado
providencia o bem público “segurança”, “defesa” ou “saúde”, que beneficia a todos, fá-lo porque pode
custear esses bens com as receitas que obtém da cobrança de impostos, pagos por todos os
beneficiários. Os impostos têm nomeadamente por objetivo, justamente, permitir a prestação de bens
públicos pelo Estado.

Debrucemo-nos agora muito brevemente sobre alguns dos problemas económicos da intervenção do
Estado na economia.

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Décadas de experiências, em múltiplos países, com nacionalizações e privatizações de empresas
mostram que, quase sem exceção, as empresas alcançam resultados mais positivos quando são geridas
pelo setor privado. Parece que, devido à ausência do motivo de lucro, a gestão pública é incapaz de
gerar os mesmos níveis de eficiência que são alcançados pela gestão privada. Uma das reações à
perceção desta realidade foi o aumento do número de bens e serviços públicos cuja prestação é
privatizada, sob contrato com o Estado. Outra maneira de combater este problema é o da aproximação
do regime das empresas públicas ao regime das empresas privadas e profissionalização dos gestores do
setor público, possibilitando a criação de mecanismos de incentivo económicos para estes semelhantes
aos incentivos que teriam no setor privado. Mas, ainda assim, os resultados não parecem ser idênticos.

Outro problema é a assimetria informativa. Tipicamente, o regulador tem muito menos informação do
que os regulados (ou, pelo menos, do que os grandes regulados) sobre a atividade que pretende regular.
Esta assimetria informativa coloca o regulador em desvantagem e, frequentemente, obriga-o a confiar,
até certo ponto, na informação que lhe é comunicada pelos regulados. São incontáveis os exemplos de
leis e regulamentos que são preparados por técnicos dos regulados, para depois serem aprovados pelo
Estado, especialmente no que respeita a normas técnicas, mas não só. À assimetria informativa junta-se
o problema da escassez de recursos humanos e de peritos no setor público ou de recursos financeiros
para os contratar.

Por fim, tenha-se em mente o problema da “captura do regulador”. É um fenómeno muito associado ao
que descrevemos no parágrafo anterior. Sem que esteja (necessariamente) em causa qualquer tipo de
corrupção, muitas vezes os regulados conseguem que os reguladores percecionem a realidade e a
regulem em termos favoráveis às suas pretensões. Normalmente, os regulados são em menor número,
com mais recursos e mais bem organizados que os consumidores, o que faz com que sejam muito mais
eficientes na atividade de lobbying e consigam que as suas vozes sejam mais ouvidas.

7. A intervenção do Estado na economia – a política de concorrência


Já falámos da diferença entre a regulação económica ex ante e ex post. Este capítulo fará uma curta
introdução à regulação económica ex post, que corresponde à política de concorrência e ao ramo do
direito designado “direito da concorrência”.

O direito da concorrência teve a sua origem nos EUA na década de 1890. Nessa altura, o magnata do
petróleo Rockefeller estava a conseguir construir um virtual monopólio no setor da extração e
comercialização de produtos de petróleo, através de um tipo de acordo que existe no direito anglo-
saxónico, chamado “trust”. Em consequência, o Congresso americano aprovou o “Sherman Act”, que foi
a primeira lei “antitrust” – ainda hoje, nos EUA, o direito da concorrência se chama “antitrust law”.

Na Europa, o direito da concorrência só nasceu na década de 1950, por influência americana no período
pós-guerra. O Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, de 1952, e depois o Tratado da
Comunidade Económica Europeia, de 1957, fizeram nascer o direito europeu da concorrência. Alguns
Estados-membros também tiveram as suas leis nacionais da concorrência desde essa altura. Em
Portugal, a primeira lei da concorrência data de 1983.

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O direito da concorrência assenta na escola de pensamento ordoliberalista. Como o nome indica, é uma
filosofia económica que acredita no liberalismo, no privilegiar do livre funcionamento do mercado e na
mão invisível de Adam Smith. No entanto, também se tem noção que há certas ineficiências de
mercado, sobretudo o poder de mercado e as estratégias de cartelização, que podem levar a
comportamentos abusivos e injustos, que distorcem a concorrência e causam prejuízos aos
consumidores. As normas de concorrência existem para reagir a estas situações, punindo-as.
Naturalmente, isto significa que também têm um efeito preventivo.

O direito da concorrência divide-se em três grandes áreas:

• Práticas restritivas da concorrência


• Controlo de concentrações
• Auxílios de Estado

Vamos ver cada uma destas áreas, ainda que muito superficialmente.

Comecemos pela última área. O regime dos auxílios de Estado só existe ao nível da União Europeia. É
um tipo de regime jurídico que só faz sentido como mecanismo de garante do bom funcionamento do
mercado interno europeu. Por isso, a lei da concorrência dos Estados-membros não incluem este tipo de
normas de controlo dos auxílios de Estado, assim como não se encontram no direito antitrust
americano, etc.

O regime dos auxílios de Estado (assente no artigo 107.º e seguintes do TFUE) tem como objetivo
garantir que os Estados-membros não ajudam algumas empresas (normalmente, as empresas do seu
país, ou de uma região do seu país, um “campeão-nacional”, ou uma empresa estrangeira que pretende
fazer um grande investimento, criador de muito emprego, nesse país…), colocando-as em vantagem no
jogo da concorrência relativamente às restantes. Este tipo de comportamentos é muito mau para o
funcionamento do mercado interno, porque introduz distorções concorrenciais num espaço onde as
mercadorias, serviços e capital circulam livremente e onde, por isso, é importante que todos concorram
em pé de igualdade (num level playing field).

Um “auxílio” do Estado pode assumir muitas formas. O que importa é que seja uma vantagem
económica. Uma transferência direta de fundos é, obviamente, uma vantagem económica. Mas também
o é uma doação de terrenos, ou uma venda de bens móveis ou imóveis por um valor abaixo do valor de
mercado. Qualquer redução pelo Estado dos custos que uma empresa teria normalmente de suportar
também é uma vantagem. O exemplo típico duma redução dos custos é a concessão de uma isenção
fiscal, uma não cobrança de impostos, uma taxa preferencial, etc.

Mas atenção, quando dizemos “Estado” no direito europeu da concorrência, não estamos a usar o
termo no sentido jurídico próprio. É uma expressão que engloba realidades muito amplas. Basicamente,
por Estado referimo-nos a todas as entidades do setor público e mesmo a entidades privadas, quando
atuam ao abrigo de poderes públicos (e.g., empresas privadas concessionárias do Estado que recebem
poderes de autoridade no âmbito dessa relação). Por isso, tanto pode ser proibido o Governo dar
subsídios a empresas, como pode ser proibido esse subsídio ser concedido por um governo regional,
uma autarquia local, uma empresa pública, etc.

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Só são proibidos os auxílios que sejam “seletivos”, ou seja, que beneficiem apenas algumas empresas e
não outras, assim interferindo na concorrência entre elas. O que significa que os Estados são livres de
adotar medidas que beneficiam a todos de igual modo.

Esta regra contra auxílios de Estado funciona como uma regra geral de proibição das medidas que
distorçam a concorrência, a não ser que os auxílios em causa sejam autorizados por lei (diretamente
pelo Tratado Europeu ou por um regulamento adotado pelas instituições europeias) ou sejam
autorizados por uma decisão concreta da Comissão Europeia. Assim, por exemplo, se um Estado quiser
dar um auxílio a uma empresa que é muito importante para a criação de emprego numa região
desfavorecida, terá de pedir, previamente, autorização à Comissão Europeia. Se a Comissão Europeia
autorizar, com base numa análise individual do impacto desse auxílio, poderá então ser atribuído.

Se for detetada uma situação de auxílios de Estado concedidos ilegalmente, a Comissão Europeia pode
adotar uma decisão que obriga o Estado a recuperar esse auxílio junto da empresa. Os privados também
podem ir para tribunal (tribunal nacional) pedir que a empresa favorecida seja obrigada a devolver o
auxílio em causa. Se a concessão do auxílio lhes tiver causado danos, podem pedir o ressarcimento
desses danos.

Passemos agora ao controlo de concentrações.

Uma “concentração”, no sentido do direito da concorrência, é uma operação através da qual empresas
que até então eram independentes passam a ser uma só, ou a ser controladas por uma mesma pessoa
ou entidade. Pode ser uma aquisição de uma empresa por outra, ou uma fusão entre duas empresas,
etc.

Seria demasiado fácil para as empresas alcançarem posições de monopólio ou, pelo menos, de grande
poder de mercado, se pudessem livremente comprar as suas concorrentes. Este tipo de concentração
horizontal teria óbvias consequências nefastas para a concorrência no mercado, com potenciais perdas
importantes de bem-estar social. Mas também as concentrações verticais (ou seja, entre empresas a
diferentes níveis da cadeia de produção e distribuição) podem ser problemáticas. Pense-se no caso de
um produtor que compra todas as empresas com acesso a uma matéria-prima indispensável para
produzir o produto em causa, podendo assim impedir os seus concorrentes de ter acesso a essa matéria-
prima. Ou o caso de uma empresa que já tem uma posição muito forte num determinado mercado e vai
comprar o maior distribuidor desse produto, ganhando grandes vantagens competitivas e dificultando a
distribuição eficaz dos produtos dos seus concorrentes. E também as concentrações conglomerais
podem suscitar preocupações concorrenciais. Numa concentração conglomeral, as empresas que se
juntam não são concorrentes, nem estão verticalmente relacionadas, mas operam em mercados cuja
junção lhes trará vantagens económicas, normalmente porque permitirá economias de escala ou de
gama, ou porque permitirá ofertas de pacote que outros não poderão replicar, etc.

Quando se vai realizar uma concentração, a(s) empresa(s) que quer(em) comprar a outra, ou as duas
empresas envolvidas se se tratar duma fusão, têm de notificar as autoridades e pedir a sua autorização
prévia. Se não o fizerem, a concentração será inválida, assim como todos os negócios subsequentes,
além de poderem receber pesadas contraordenações. Nem todas as concentrações têm de ser
notificadas – depende do volume de negócios conjunto das empresas e da quota de mercado que têm
nos mercados onde atuam. Operações que envolvem grandes empresas, com volumes de negócios
muito elevados e com impacto em vários Estados-membros, têm de ser notificadas à Comissão

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Europeia. Operações que não cheguem a esses níveis tão altos, poderão ter de ser notificadas às
autoridades nacionais dos Estados onde tenham um impacto significativo. Em Portugal, quando estão
preenchidos os critérios de notificação, as concentrações devem ser notificadas à Autoridade da
Concorrência.

Uma vez recebida uma notificação de uma operação de concentração, a Comissão Europeia ou a
Autoridade da Concorrência publicitará essa notificação, pedindo aos eventuais interessados que se
pronunciem. Depois analisará a operação proposta e decidirá se essa posição é suscetível de criar ou
reforçar uma posição dominante ou de diminuir significativamente a concorrência em qualquer
mercado. Se for, a operação deverá ser proibida.

Por último, temos as práticas restritivas da concorrência, que se dividem em três tipos:

(i) acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas (práticas coletivas)


(ii) abusos de posição dominante
(iii) abusos de dependência económica

Os direitos europeu e português da concorrência estão largamente harmonizados. A principal diferença


é que em Portugal, assim como nalguns outros Estados-membros, proíbe-se o abuso de dependência
económica, ao passo que essa figura não existe ao nível da União Europeia. O direito português é
aplicável a todas as práticas anticoncorrenciais que tenham efeito no território português. O direito
europeu é aplicável a todas as práticas anticoncorrenciais que tenham efeito no território da União
Europeia e que tenham um efeito que não se limite a um único Estado-membro (ou seja, que tenham
efeitos transfronteiriços).

Em primeiro lugar, proíbem-se os acordos restritivos da concorrência que tenham um efeito significativo
no mercado. O direito da concorrência preocupa-se com os efeitos no mercado. É um direito funcional,
que detesta o formalismo. Por isso, quando se diz “acordo”, não se exige que exista um contrato ou
qualquer documento assinado. Basta um “acordo de cavalheiros”, basta que tenha havido uma reunião
em que se propôs algo e todos concordaram tacitamente.

Estes acordos podem ser horizontais (entre concorrentes) ou verticais (entre empresas a níveis
diferentes da cadeia de produção e distribuição). Violam esta proibição, por exemplo, os concorrentes
que: acordarem os preços a que vendem os seus produtos, acordarem uma divisão geográfica dos
mercados ou uma divisão de clientes, acordarem no boicote de vendas a uma determinada pessoa, etc.
E violam-na também, noutros exemplos, o produtor e os seus distribuidores que acordarem na fixação
dos preços de revenda dos produtos ou na aplicação de condições discriminatórias nas vendas a
clientes.

As “práticas concertadas” são outros tipos de práticas coletivas, entre empresas, que não chegam a ser
acordos, propriamente ditos, mas têm efeitos muito semelhantes. O exemplo paradigmático é a troca
de informações comerciais sensíveis entre empresas (por exemplo, avisos de que uma empresa irá subir
os preços na próxima semana), que fazem com que saibam antecipadamente qual o comportamento
dos concorrentes, assim destruindo o normal ambiente de concorrência entre as empresas e o impulso
para estratégias concorrenciais agressivas. Recordando o que aprendemos sobre os mercados
oligopolistas, facilmente se verá como este comportamento pode ser perigoso neste tipo de mercados.

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As “decisões de associações de empresas” funcionam exatamente como se fossem acordos, na prática,
só que em vez de tomarem a forma de conjugação de várias posições independentes das diferentes
empresas, a posição coletiva é tomada por uma associação, por uma pessoa coletiva que reúne as
diferentes empresas. Se uma associação de empresas recomendar a todos os seus associados que
subam os preços 15% na semana seguinte, isto tem um óbvio objeto anticoncorrencial. Mesmo que
algumas empresas não o façam, o direito da concorrência já o proíbe pelo simples risco de que essa
restrição da concorrência venha a acontecer e pelo facto de ser claramente essa a intenção da
associação quando fez a recomendação em causa.

Quanto aos abusos de posição dominante, aqui já passámos para o campo dos comportamentos
unilaterais.

O exemplo óbvio duma “posição dominante” é um monopólio. Mas uma empresa pode ter posição
dominante e ainda ter vários concorrentes no mercado. A jurisprudência do tribunal europeu indica que
se deve presumir (presunção ilidível) que existe uma posição dominante a partir duma quota de
mercado de 50%. Uma empresa tem posição dominante se tiver um poder de mercado significativo que
lhe permita comportar-se de modo largamente independente dos seus concorrentes, fornecedores e
até clientes. É claro que essa independência nunca pode ser total, é uma questão de grau, de
comparação com as possibilidades que empresas sem poder de mercado têm. Uma empresa com
posição dominante é, necessariamente, um price-maker, mas é mais que isso (porque podem haver
vários price-makers no mesmo mercado, ao passo que só pode haver uma empresa com posição
dominante).

Ter uma posição dominante não é proibido. Uma empresa pode conquistar uma posição dominante no
mercado de diversos modos inteiramente lícitos. Pode ser o resultado da privatização duma empresa
pública à qual o Estado tinha atribuído um monopólio, e que só agora está exposta à concorrência,
partindo duma posição de vantagem. Pode ser o resultado de ter tido muito sucesso no jogo da
concorrência, ter sido mais eficiente que as outras empresas, ter desenvolvido uma nova tecnologia que
lhe permitiu conquistar a grande maioria do mercado, etc. Aliás, uma nova tecnologia pode até
constituir um produto inteiramente novo que é o seu próprio mercado, não tendo qualquer produto
que lhe seja sucedâneo e, nesse caso, obviamente a empresa que o inventou terá um monopólio nesse
mercado.

O que é proibido é abusar da posição dominante. As empresas que têm esta posição de grande poder de
mercado têm uma especial responsabilidade de se comportarem de modo cuidadoso. Há muitos
comportamentos que uma pequena empresa pode adotar à vontade, mas que são proibidos às
empresas com posição dominante. Não podem, por exemplo, vender os seus produtos a preços
excessivos, porque estão a aproveitar-se do seu poder de mercado para subir os preços até níveis muito
acima do que se verificaria num ambiente concorrencial, causando assim uma excessiva transferência de
bem-estar dos clientes (diretos e indiretos) para si. Mas também não podem vender os seus produtos a
preços demasiado baixos, abaixo de custo, ditos “predatórios”, porque a única explicação racional para
esses preços é a esperança de expulsar concorrentes do mercado e poder vir a subir posteriormente os
preços para recuperar as perdas e aumentar os lucros. A oferta de descontos de fidelidade também
pode ser um comportamento abusivo. Assim como a recusa de conceder acesso a algo (um input, uma
infraestrutura…) que é absolutamente indispensável para se concorrer num mercado a jusante. E muitos
outros exemplos existem.

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Por último, o abuso de dependência económica é muito semelhante ao abuso de posição dominante. A
diferença é que, em vez de se ter uma posição dominante “absoluta”, sobre o mercado em causa, tem-
se uma posição dominante “relativa”, sobre uma empresa específica. Isto acontece no contexto de
relações verticais, nomeadamente entre um produtor e o seu distribuidor, no sentido ascendente ou
descendente. Se uma empresa tem quase todo ou todo o seu volume de negócios dependente das
relações comerciais com outra empresa, e não tem a possibilidade de mudar para outra empresa em
tempo útil (não tem alternativa eficiente no mercado), fica numa posição de grande fragilidade, que a
empresa em posição dominante sobre ela pode abusar para conseguir condições comerciais mais
favoráveis do que normalmente obteria. As práticas potencialmente abusivas, neste caso, são as
mesmas que no abuso de posição dominante, mas acrescenta-se uma que é especialmente importante
no contexto desta proibição: a rutura injustificada de relações comerciais (quando a empresa dominante
acaba as relações comerciais repentinamente, sem ter um bom motivo para isso).

As práticas restritivas da concorrência são detetadas e identificadas pela Comissão Europeia e – em


Portugal – pela Autoridade da Concorrência, que podem impor coimas (contraordenações) muito
pesadas, além de impor outro tipo de sanções.

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