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Michael Apple e James Beane

(Orgs.)

James Beane • Michael W. Apple • Deborah Meier •


Paul Schwarz • Larry Rosenstock • Adria Steinberg •
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bob Peterson • Barbara L. Brodhagen
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Escolas democráticas / Michael W. Apple, James A. Beane


(organizadores) ; revisão técnica de Regina Leite Garc ia ;
tradução Dinah de Abreu Azevedo. - 2. ed. - São Paulo : Cortez, i '
2001.

Título original: Democratic schools.


ISBN 85-249-0645-6

1. Democracia 2. F.ducação 3. F.ducação e Estado 4. F.ducação -


Filosofia 5. Política e educação 1. Apple, Michael W. li. Beane,
James A.
ESCOLAS
DEMOCRÁTICAS
97-4382 CDD-379
Índices para catálogo sistemáticq:
ia edição
1. F.ducação e política 379
2. Política : Influência na educação 379
3. Política educacional 379
Os educadores dessas escolas são apresentados como
pessoas que valorizam e praticam o estilo de vida democrático. ' ,
Como os organizadores Michael Apple e James Beane
enfatizam, as escolas democráticas não podem existir sem
a liderança dos educadores que proporcionam aos alunos as
experiências de aprendizagem que promovem a forma de-
mocrática de viver. Embora reconhecendo que na maioria
das escolas o fosso entre os valores democráticos e as
'
práticas escolares é tão grande agora quanto sempre foi, os ' '
organizadores argumentam persuasivamente que as escolas
1
descritas neste livro são prova da força das práticas demo-
cráticas no ambiente escolar. Que estas escolas sejam públicas O argumento por escolas
é algo especialmente animador, dizem eles, porque a priva-
tização das escolas públicas está sendo discutida e promovida democráticas
em larga escala. Os organizadores escolheram deliberada-
mente histórias de escolas públicas para este livro por
acreditarem que as reformas das escolas democráticas podem James A. Beane e Michael W. Apple
ser uma grande força positiva para a revitalização das escolas
públicas. Pasadena , CA, 1937. Um grupo de terceiranistas passa
Os autores dos capítulos que compõem este livro não várias semanas estudando os problemas de sua escola, de
permitem que a confusão em torno do significado de demo- suas famílias, vizinhança e comunidade. Além de considerar
cracia os impeça de assumir a tarefa de convencer as pessoas os problemas que conhecem, também compilam exemplos
da urgente necessidade de escolas democráticas . Espero que de pais, professores e autoridades comunitárias. Depois de
Escolas Democráticas o leve a pensar em sua própri~ escola, um 111ês de pesquisn e disc11ssües, reúnem suas recomendações
a verifi~ar se seria justo dizer que ela é democrática. E para solucionar esses · prpblcmas n:1111 folheto que seria
espero que aqueles que estão trabalhando em escolas de- distril)//{do pela comunidade.
mocráticas atendam ao pedido dos organizadores e escrevam Baltimore, MD, 1953. D1:rnnte uma semana, as ruas
contando suas experiências, pois gostaríamos de conhecer de u11w parte d:r cidade ficam cheias de alunos do segundo
outras histórias sobre escolas públicas que deram certo, como grau, batendo de porta em porta, numa campanha para
dizem Apple e Beane, "fazendo com que a verdadeira
registmr eleitores c11tre os moradores da região pertencentes
democracia exista de fato" . a minorias étnicas. Este é apenas 11m dos muitos projetos
Charles Patterson que realizaram este ano, e11tre os quais houve uma pesquisa
Presidente da ASCO - Association for Supervision
da defesa civil, u11La campanha de satíde comunitária e um
and Curriculum Development (Associação de Supervisão e
estudo tfos pmblemes de ,r:udança de casa.
Desenvolvimento do Currículo) Port Javis, NY, 1972. Embora seja 11ma noite fria,
1995-96 co,:i muita neve, aproximadamente 125 alunos, professores,

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administradores, pais, membros da diretoria e representantes ''r~' ••- .\'/las q11e.1·tões em temas como "A vida do fitturo ", "Os
de várias organizações comunitárias estão reunidos para · 11r11hl<-111as do meio ambiente", "Ismos" e "Conflito". Depois
discutir projetos para replanejar suas escolas. Entre outras, rf,, .1'l'lei:ionar seu primeiro tema e planejar atividades re -
hâ uma proposta de distribuir boletins informativos em l,•1•a111es, véio passar o ano procura/ldo responder essas
outras línguas além do inglês, criar um novo centro comu- /lt'l'gr111tas - suas perguntas.
nitário para jnvens, dar início a um programa de rádio
produzido pelos estudantes, planejar atividades con;un-
tas para jovens e adultos na comunidade e fazer o possível Todos já ouvimos histórias como essas e sabemos que,
para tornar a escola mais acessível para atividades comu- e111bora não sejam raras, são inusitadas. Todas aconteceram
nitárias. cm escolas públicas. Todas envolveram jovens reais, ec.lu-
eadores reais e comunidades reais, sem diferenças aparentes
Ulysses, PA, 1979. Como fazem todas as tardes de com milhares de outras. No entanto, há alguma coisa nessas
se.xta1eira, os alunos e professores de uma escola do histórias, às vezes uma impressão fugidia, que evoca a
primeiro grau reúnem-se hoje para discutir projetos e pro- intuição profunda do que seria uma educação significativa,
blemas atuais no âmbito da escola. A grande questão desta uma educação que valesse a rena. Em que estas pessoas
semana é que alguém fez graffitti numa parede da escola. estão trabalhando? Quem está envolvido? Como elas estão
Depois de quase meia hora de debates, três propostas foram trabalhando juntas? Quem se beneficia com esse trabalho?
apresentadas. O grupo votou em favor da instituição de Se pensarmos nessas histórias e nessas perguntas, acabaremos
uma nova regra: toda pessoa que depredar a propriedade vendo o que está acontecendo de fato. E talvez comecemos
da escola vai passar seu horário de recreio, durante três a nos lembrar de uma idéia meio esquecida que devia dirigir
dias, com o segurança da escola. as metas e programas de nossas escolas públicas. Essa idéia
Belvidere, IL, 1990. Olhando pela janela da sala de era - e é - democracia.
aula e vendo o lixo lá embaixo, um aluno pergunta ao No meio dos ataques gerais à educação, ternos de
professor: "Para onde vai aquele lixo?". Igualmente curioso,
manter viva a longa tradição da reforma educacional demo-
o professor consegue organizar um pas!eio com a classe crática que d~sempenhou o papel importantíssimo de fazer~
até o aterro de lixo. Preocupados com o tamanho e com · de muitas escolas !ugares cheios· de vitalidade e força para
o conteúdo do aterro, os alunos fazem uma campanha de
aqueles qne as freqüentam. Em vez de renunciar à idéia
conservação e reciclagem em sua escola. Depois de vários das cscoh!s "públic:is" e descer :i estrada que leva à p1;va-
meses, seus esforços começam a dar resultado. Embora
tização, precisamos nos 1:oncentr:1r nas escolas que dão certo.
ainda estejam no primeiro grau, sua atuação mudou a Apesar das incansáveis tentativas de r:lgumas pessoas de
escola. nos levar a pensar o contrário, não ter.ias de nos resignar
Madison, WI, 1991 . Num dia quente de setembro, um a escolher entre 11111 sistema dccacente de escola pública e
grupo de aproximadamente sessenta alunos do ensino médio as iniciativas de mercad::i como os projetos de escolas
e seus professores estão trabalhando juntos para criar um "públicas" que visam o lucro, administradas por empresas
currículo a partir das questões e interesses que têm em privadas como Edison Project on Education Alternatives Inc .
relação a si mesmos e a seu mundo. Acabam por sintetizar Há escolas públicas em todo o território norte-americano

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onde o trabalho duro de professores, administradores, pais, tanta facilidade? Ensino ele unidade temática e integração
ativistas comunitários e alunos deu bons resultados. São ('ffrricular foram expressões que se tomaram obrigatórias
escolas vivas, cheias de entusiasmo, mesmo em circunstâncias 110s círculos educacionais; mas será que esquecemos que

eventualmente tristes e difíceis. São escolas onde professores arnhos os conceitos têm raízes nas abordagens básicas cen-
e alunos estão igualmente empenhados num trabalho sério tradas no problema, defendidas pelos antigos rcconstrucio-
que frutifica em experiências de aprendizagem ricas e vitais 11istas ,:e postura r.ocial progressista? Como desconectar a
para todos. l'.:11fasc na organização de grupos heterogêneos, defendida
por tantos grupos contemporâneos, da luta mais longa do
Mas a idéia de escolas democráticas está enfrentando
movimento pelos direitos civis? Será que as práticas "cor-
tempos difíceis. Podemos ver sinais em tudo a nossa volta.
retamente desenvolvidas" são uma invenção recente, ou re-
As escolas públicas são chamadas a educar todas as crianças
montam às escolas progressistas centradas na criança, fun-
e, simultaneamente, são acusadas pelas disparidades sociais
dadas no começo deste século? Hoje em dia, quando falarmos
e econômicas que reduzem severamente suas chances de
de aprendiza3e111 coope rativa, estaremos simplesmente igno-
sucesso. A tomada de decisões local é glorificada pela
rando o processo de tr,:balho de em gmpo cooperativo feito
retórica política, ao mesmo tempo em que é aprovada uma
nas escolas e comunidades como narte dos movimentos
legislação para implementar programas nacionais de ensino,
democráticos que começaram na década de 1920? Com~
um currículo nacional e provas nacionais. Exige-se a ênfase
podemos parecer desorientados quanto às formas de ligar
no pensamento crítico, ao mesmo tempo em que a censura
as escolas a suas comunidades quando tantas histórias de
aos programas e materiais escolares aumenta. Os números
projetos de serviços importantes podem ser encontradas na
do censo mostram uma diversidade cultural crescente, en-
literatura profissional dos últimos sessenta anos, pelo menos?
quanto há pressão para mantermos o currículo dentro dos
limites estreitos da tradição cultural do Ocidente. As neces- Rosa Parks costuma ser apresentada durante o Mês de
sidades da indústria e do comércio são repentinamente eleitas História Negra apenas como uma " mulher cansada de meia-
metas preponderantes de nosso sistema educacional. A edu- idade" que c;ueri:1 se sentar no ônibus. Mas seu ato de
cação moral e ética~ é reduzida a uma ladainha de caracte- coragem naquele ônibus aconteceu depois de meses de
rísticas comportamentais. Grupos privilegiados procuram evi- trabalho de resistência e desobediência civil na Highlander
tar as escolas públicas compreensivas e diversificadas com Folk School. Da mesma forma, muitas de nossas idéias mais
créditos tributários, planos "alternativos" e programas exclu- brilhantes e conseqüentes a respeito de escola são louros
sivos para seus filhos "bem-dotados". As autoridades federais conquistados com esforços prolongados e corajosos para
declaram que as escolas públicas são um fracasso, ao mesmo !onrnr nossas escolas mais democráticas (ver, por exemplo,
tempo em que omitem efetivamente um relatório compro- Rugg, 1939). Somos os beneficiários desses esforços e temos
vando que essas mesmas autoridades distorceram suas próprias a or.rigação de procurar realizar o sonho demandado de
estatísticas (Jensen, 1994). escob~ públicJ.; iJara uma sociedad-.: democrática.
Será que um século de lutas em prol de objetivos e As questões aqui levantadas pretendem lembrar-nos
práticas democráticos no ensino e na educação nunca acon- daquele sonho meio esquecido, despertar-nos do torpor em
teceu? Como nossa memória coletiva poderia nos falhar com que caímos h.í quase vinte anos. Embora nossas lembranças

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possam ter ficado esmaecidas, ainda nos re_corda!11os que as políticos para obter apoio popular a todo tipo de idéias.
escolas públicas são essenciais à democracia. Nao podemos Assim, a ambigüidade impregnou tudo. A "democracia" não
deixar de acordar de um salto quando as discussões sobre é exceção. Woodrow Wilson entendeu isso muito bem ao
o que nelas funciona nas escolas, sobre o que nelas deve neutralizar a oposição ao envolvimento dos Estados Unidos
ser feito, não fazem nenhuma menção ao papel das escolas na Primeira Guerra Mundial com a afirmação virtualmente
públicas na disseminação do modo de vida democrático. incontestável de que os soldados norte-americanos estavam
Assim sendo, temos de novamente fazer sua defesa. lutando "para tomar o mundo um lugar seguro para a
democracia" . "Democracia" foi uma palavra mágica naquele
momento e continua sendo para um amplo leque de manobras
O significado de democracia políticas e militares.
O significado de democracia é igualmente ambíguo em
Aqueles de nós que vivem nos Estados Unidos dizem nossos dias, e a conveniência retórica dessa ambigi.iidade é
que a democracia é o princípio fundamental de nossas mais evidente do que nunca (Apple, 1988). Pode-se entender,
·, _;.,. i.J; relações sociais e políticas. É, dizemos, a base de nossa por exemplo, que as alegações de democracia sejam usadas
_•-1~1-1:: ~-1~- forma de governo, o conceito pelo qual avaliamos a sabedoria
i.:lt~ Í.":t' para embasar movimentos por direitos civis, por maiores
:.,l -~ e o valor das políticas e mudanças sociais, a âncora ética privilégios eleitorais e proteção ao direito de livre ex:pressão.
~~;!} ~~fl ~,
.(,'l~)ii da qual lançamos mão quando nosso navio político parece Mas a democracia também é usada para favorecer as causas
Â);tê-' . .
estar à deriva. É a medida que usamos para avaliar o das economias de livre mercado e dos fiadores para opções
progresso político de outros países e compará-los com o escolares, e para defender o predomínio dos dois maiores
nosso. partidos políticos. Ouvimos a defesa da democracia usada
Não é de surpreender, portanto, que a palavra "demo- inúmeras vezes, todos os dias, para justificar praticamente
'f_t~ .,.
"',.rii:' cracia" pareça estar sendo ouvida muito mais _v~zes atual- tudo o que as pessoas querem fazer: "Vivemos numa de-
!t': ~.-,. ('
ht+lt~~ii :• mente. Em vários lugares do mundo, povos opnm1dos lu~am mocracia, certo?".
!~~i:' por direitos humanos e civis. Ditadur~~ e_ g?vemos_~leitos
Por outro lado, nãô é raro ouvirmos algumas pessoas
pelo povo são derrubados com uma frequencm 1mpress10n~nte.
dizerem que a democracia se tomou simplesmente irrelevante,
Nos Estados Unidos, um número crescente de pessoas afirma
que é ineficiente ou perigosa demais num mundo cada vez
7
que os políticos de todos os escalões perd ~am o ~o~tato
com seus eleitores. O conflito entre grupos poltticos, re!tgtosos mais complexo. Para essas pessoas, a defesa da democracia
e culturais alimenta o debate sobre o direito de expressão, em si tomou-se embaraçosa ou talvez não seja suficiente
privacidade, uso da terra, estilos de vi~a _e, per_pa~s~ndo para lhes dar o que querem. Nos Estados Unidos, onde há
todas essas discussões, está a questão dos d1re1tos do md1v1duo divisões nítidas de riqueza e poder, as liberdades e a
em relação aos interesses da sociedade global. Em meio a ambigüidade associadas com a democracia beneficiaram cla-
essa dissonância, a idéia de democracia pro~a;~lmente tem ramente algumas pessoas mais do que outras. Os esforços
a função crucial de julgar os eventos e as 1de1as. de tomar mais precisa a definição de democracia e estender
No entanto, os princípios básicos e as âncoras éticas seu significado a toda a sociedade são vistos por alguns
também tendem a se converter em slogans retóricos-e códigos dos mais privilegiados deste país como ameaças a seu status

14 15
e poder. Para entender essa maneira de ver, é pre~iso apenas
dições e sua ampliação por meio da educação é que são
olhar para a contradição gritante entre o mov1_m :nt~ por
maior rendimento escolar, de um lado, e a res1stencia ao as preocupações centrais das escolas democráticas. Entre
essas condições estão as seguintes:
gasto eqüitativo com todas as escolas, do outro.
Nessas condições complicadas, um livro sobre escolas '.1'' 1. O livre fluxo das idéias, independentemente de sua po-
democráticas pode parecer quase temerário. Afinal de contas, ,,. '•. pularidade, que permite às pessoas estarem tão bem
se o significado de democracia é tão confuso na sociedade informadas quanto possível.
como um todo, como definir seu significado para a vida
2. Fé na capacidade individual e coletiva de as pessoas
cotidiana das escolas? Com esse risco em mente, fomos
criarem condições de resolver problemas.
adiante, levados por certas crenças. Acreditamos que a (/-'
]~
li:
,

democracia significa realmente alguma coisa e que esclarecer J . O uso da reflexão e da análise crítica para avaliar idéias,
esse significado é crítico num momento em que muitos
,. ~'. problemas e políticas.
cidadãos estão debatendo acaloradamente o futuro de nossas ' ,'
4. Preocupação com o bem-estar dos outros e com "o bem
escolas. Além disso, achamos difícil imaginar que as pessoas l ' comum".
que conhecem os privilégios da democracia renunciariam
facilmente a eles. Achamos mais difícil ainda imaginar que
f
1
· -
5. Preocupação com a dignidade e (}i direitos dos indivíduos
! /
e das minorias. ~
não quereriam esses privilégios para seus filhos, para todos,
na verdade. Admitimos que ter o que Dewey e outros 6. A compreensão de que a democracia não é tanto um
chamaram de "fé democrática", a crença fundamental de " ideal" a ser buscado, como um conjunto de valores
que a democracia tem um significado poderoso, que pode "idealizados" que devemos viver e que devem regular
dar certo e que é necessária se quisermos manter a liberdade nossa vida enquanto povo_
e a dignidade humana em nossa vida social.
7. A organização de instituições sociais para promover e
A democracia funciona de múltiplas formas nas questões ampliar o modo de vida democrático.
sociais. A maioria de nós que freqüe,.ntou a escola nos
Estados Unidos (e talvez em outros lugares) aprendeu que Se as ~essoas quiserem assegurar e manter um modô
a democracia é uma forma de governo político envolvendo de vida democrático, precisam ·de oportunidades para des-
a unanimidade dos governados e a igualdade das oportuni- ' '(
cobrir o que significa esse modo de vida e como pode ser
dades. Aprendemos, por exemplo, que os cidadãos P?~em
vivenciado (Dewey, 1916). Embora só o senso comum nos
participar direta e plenamente de eventos como as ele1çoes,
diga que se trata de uma afirmação verdadeira, talvez não
ao mesmo tempo em que são representados em ou_tras
questões por aqueles que elegemos para carg~s federais e haja um conceito mais problemático na educação que o de
estaduais, assim como para conselhos e com1tes que deter- escolas democráticas, um conceito que alguns consideram
minam a política educacional local. quase um paradoxo. Como isso pode acontecer? Resumindo:
muita gente acredita que democracia é apenas uma forma
Em nossas escolas, falava-se menos explicitamente das
de governo federal e, por isso, não se aplica a escolas e
condições das quais a democracia depende, dos fundamentos
outras instituições sociais. Muitos também acreditam que a
do "modo de vida democrático" (Beane, 1990). Essas con-
democracia seja um direito dos adultos, não dos · jovens. E
16
17 •
alguns pensam que a democracia simplesmente não funciona
em escolas. de censura de materiais, uso dos impostos públicos para
pagamento do ensino privado e manutenção das desigualdades
Outros estão comprometidos com a idéia de que o
ltis16ricas na vida escolar. Além disso, sempre existe a
modo de vida democrático é construído sobre as oportunidades possibilidade da ilusão de democracia, em que as autoridades
de descobrir o que é esse modo de vida e como ele deveria podem solicitar a participação em termos da "engenharia da
ser conduzido. Acreditam que as escolas, como experiência 1111animidade" para decisões predeterminadas (Graebner,
comum de praticamente todos os jovens, têm a obrigação 1988). Essas contradições e tensões salientam o fato de que
moral de lhes apresentar o modo de vida democrático. Sabem dar vida à democracia equivale sempre a lutar. Entretanto,
também que esse modo de vida se aprende pela experiência. além delas está a possibilidade de educadores profissionais
Não é um status a ser alcançado só depois que outras coisas e cidadãos trabalharem juntos para criar escolas mais
são assimiladas. Além disso, acreditam que a democracia democráticas que sirvam ao bem comum da comunidade
se estende a todas as pessoas, inclusive aos jovens. Por fim, 1
global.
acreditam que a democracia não é incômoda, nem perigosa, ' .

Este é um livro sobre educadores e para educadores


que pode dar certo nas sociedades e nas escolas. Corno diz
comprometidos com a democracia, que valorizam o modo
Maxine Greene, "Com certeza é uma obrigação da educação
de vida democrático, que acreditam que as escolas podem
numa democracia dar condições aos jovens de se tornarem
ser espaços democráticos e que têm a coragem de colocar
membros do espaço público, de participarem e de de-
essas idéias em prática. Em diversos capítulos, ouviremos
sempenharem papéis articulados no espaço público" ( 1985,
p. 4). L t muitos desses educadores descreverem, com suas próprias
palavras, como levaram a cabo a idéia de democracia em
Mas aqueles comprometidos com a criação de escolas suas escolas e salas de aula. São histórias notáveis, uma
democráticas também entendem que fazer isso envolve mais vez que a própria idéia de escolas democráticas revelou-se
que educação dos jovens, As escolas democráticas pretendem Ião fugidia para a comunidade educacional. As histórias não
ser espaços democráticos, d~ modo que a idéia de democracia estão cheias de promessas fáceis e slogans vistosos de
também se estenda aos muitos papéis que os adultos de- 't>acotes de programas ou sistemas. São, ao col'ltrário, como
sempenham nas escolas. Isso significa que os educadores todas as histórias de escolas: mostram o trabalho duro e o
profissionais, assim como os pais, os ativistas comunitários compromisso de verdadeiros educadores lutando para criar
e outros cidadãos têm o direito de estar bem informados e e manter procedimentos que revelam os valores profunda-
de ter uma participação crítica na criação das políticas e mente arraigados de acordo com os quais eles, e nós,
programas escolares para si e para os jovens. acreditamos ser preciso agir. Os autores deste livro estão
Os proponentes das escolas democráticas também per- fundamentalmente insatisfeitos com as soluções conservadoras
cebem, às vezes penosamente, que exercer a democracia postas no centro do palco na última década: controle cen-
envolve tensões e contradições. A participação democrática tralizado mais rigoroso, padronização do conteúdo, provas
na tomada de decisões, por exemplo, abre possibilidades mais restritivas etc. Todos acreditamos que é preciso ir além
dos apertos de mão e encontrar respostas reais para a
para idéias antidemocráticas, como as exigências constantes
• pergunta: "O que funciona nas escolas.?" .
18 •
19
O que é uma escola democrática?
l! interesses de ambas as partes. Esse tipo de planejamento

Antes de apresentar as histórias da vida real , gostaríamos democrático, tanto no âmbito da escola quanto no da sala
de falar sobre seu contexto. O que é uma escola democrática? de aula, não é uma "engenharia de unanimidade" para se
chegar a decisões predeterminadas que muitas vezes tem
O que se pode esperar de uma visita a uma delas? Quais
criado a ilusão de democracia, mas uma tentativa genuína
são seus princípios básicos? Como o conceito de escola
de respeitar o direito de a<; pessoas participarem na tomada
democrática surgiu historicamente? O que ameaça a existência
de decisões que afetam sua vida.
dessas escolas? Como essas histórias podem ser tão impres-
sionantes numa sociedade que se pretende democrática? Mas é preciso lembrar que a tomada de decisões local
também deve ser guiada por valores democráticos. Uma das
As escolas democráticas, como a própria democracia,
contradições da democracia é que as políticas populistas
não surgem por acaso. Resultam de tentativas explícitas de
locais nem sempre servem a fins democráticos. Afinal de
educadores colocarem em prática os acordos e oportunidades
contas, deixadas inteiramente por conta de critérios locais,
que darão vida à democracia (ver, por exemplo, Bastian et
ainda temos escolas caracterizadas pela segregação racial
al., 1986; Wood, 1988, 1992). Esses acordos e oportunidades
legal e impedimento do acesso a todas as pessoas, exceto
envolvem duas linhas de trabalho. Uma é criar estruturas e
processos democráticos por meio dos quais a vida escolar aos ricos. Em síntese, a existência de escolas democráticas
depende em parte da intervenção seletiva do Estado, prin-
se realize. A outra é criar um currículo que ofereça expe-
riências democráticas aos jovens. cipalmente onde o processo e o teor do processo de tomada
de decisões local serve para privar dos direitos legais e
oprimir grupos específicos de pessoas. Embora essas inter-
venções geralmente sejam impopulares entre os que procu-
Estruturas e processos democráticos
raram dispor de um poder exclusivo, servem para lembrar
que o amplo exercício dos direitos e outros valores demo-
Dizer· que a democracia se baseia no consentimento cráticos pretendem ser mais . do que princípios postos no
dos governad~s é quase um chichê; mas, numa escola• papel. ~
democrática, é verdade que todos aqueles diretamente en-
volvidos, inclusive os jovens, têm o direito de participar do Nosso próprio tempo oferece muitos exemplos da tensão
processo de tomada de decisões. Por esse motivo, as escolas entre a obrigação estatal de salvaguardar a democracia e o
democráticas são marcadas pela participação geral nas ques- direito democrático de grupos de interesse divulgarem suas
tões administrativas e de elaboração de políticas. Comitês, idéias. Por exemplo: as escolas públicas de uma sociedade
conselhos e outros grupos que tomam decisões no âmbito democrática destinam-se a oferecer acesso a um amplo leque
da escola incluem não apenas os educadores profissionais, de idéias, assim como um exame crítico delas . Enquanto
ma5 também os jovens, seus pais e outros membros da isso, vários grupos com interesses específicos, principalmente
comunidade escolar. Nas salas de aula, os jovens e os os fundamentalistas religiosos, exigem que as idéias e ma-
professores envolvem-se no planejamento co~perativ~, c~e- teriais passíveis de serem valorizados nas escolas se limitem
gando a decisões que respondem às preocupaçoes, asp1raçoes àqueles que defendem seus próprios valores (Delfattore,
1993). Ao mesmo tempo, grupos locais de todas as tendências
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21
do espectro político enfrentam problemas criados pelos mo- 1,1.;11s interesses nos outros e são tomadas providências no
vimentos em prol da criação de um currículo nacional em :ie11l ido de encorajar os jovens a me lhorarem a vida da
que a esfera do conhecimento estudado se limite àquela t:orrnrn idade ajudando os outros.
julgada importante por grupos seletos em nível nacional. A Em todas essas providências e nas decisões políticas
idéia de urna ampla participação nas questões escolares como q11c lhes servem de base, os participantes das escolas de-
característica das escolas democráticas não é, portanto, tão li 1ocráticas salientam constantemente a igualdade estrutural.
simples como oferecer a participação, porque o direito "à l irnbora o acesso inicial às oportunidades educacionais sej a
palavra" levanta questões sobre os vários pontos de vista l;ompreendido como um aspecto necessário das escolas de-
adequados à frágil equação que equilibra os interesses es- 111ocráticas, só o acesso não é considerado suficiente para
pecíficos com o "bem comum" mais abrangente da comu- sun realização. Numa comunidade autenticamente democrá-
nidade democrática. ti ca, també m se considera que todos os jovens têm dire ito
As pessoas envolvidas com as escolas democráticas de acesso a todos os programas da escola e a seus frutos
vêm-se como participantes de comunidades de aprendizagem. de valores. Por esse motivo, os participantes de escolas
Por sua própria natureza, essas comunidades são diversifi- democráticas procuram assegurar que a escola não coloque
barreiras institucionais aos jovens. São feitos todos os esforços
cadas, e essa diversidade é valorizada, não considerada um
possíveis para eliminar a formação de grupos com base na
problema. Essas comunidades incluem pessoas que refletem
capacidade dos alunos, provas preconceituosas e outras ini-
diferenças de idade, cultura, etnia, sexo, classe socioeconô-
ciativas que tantas vezes impedem o acesso à escola sob o
mica, aspirações e capacidades. Essas diferenças enriquecem
pretexto de questões de raça, sexo e classe socioeconômica.
a comunidade e o leque de opiniões que deve considerar.
Separar pessoas de qualquer idade com base nessas diferenças Os educadores comprometidos com a democracia en-
ou usar rótulos para estereotipá-las são procedimentos que tendem que as fontes de desigualdade na escola provavelmente
só criam divisões e sistemas de status que diminuem a serão encontradas também na comunidade. Entendem que
natureza democrática da comunidade e a dignidade dos - para. dizer o mínimo - as possibilidades nascida~ das
experiência~ democráticas na escola podem muito facilmente
indivíduos contra quem essas práticéfs são dirigidas com
ser corroídas pelo mundo exte,rior (Gutmann, 1987). Ao se
tanto rigor.' verem como parte da comunidade maior, procuram estender
Embora a comunidade valorize a diversidade, também a democracia a ela, e não apenas para os jovens, mas para
sente que tem um propósito comum. Digam o que disserem todos. Em resumo, querem democracia em larga escala; a
os defensores da privatização ou os que querem que a escola é apenas um dos espaços por eles focalizados. Este
racionalidade econômica dirija as escolas, a democracia não é um ponto crucial. A paisagem educacional é poluída pelos
é apenas uma teoria de interesse pessoal que dá às pessoas resíduos de reformas escolares fracassadas, muitas das quais
permissão para tentar realizar suas próprias ~etas a expensas não deram certo por causa das condições sociais em tomo
dos outros; o bem comum é uma caractensttca central da das escolas. Somente as reformas que reconhecem essas
democracia. Por esse motivo, as comunidades de alunos das condições e as combatem ativamente têm possibi !idade de
escolas democráticas são marcadas pela ênfase na cooperação êxito duradouro na vida das crianças, educadores e comu-
e na colaboração, e não na competição. As pessoas vêem nidades servidas pelas escolas.

22 23
É este último ponto em particular que distingue as
escolas democráticas dos outros tipos de escolas "progres- 1:xclusivamente no interesse pessoal. Embora a de mocracia
sistas", como as que são simplesmente humanistas ou cen- valorize a diversidade, um número imenso de escolas refl etiu
tradas na criança. As escolas democráticas expressam essas grande parte dos interesses e aspirações dos grupos mais
duas características de muitas formas, mas sua visão vai poderosos deste país e ignorou os dos menos poderosos .
além de objetivos como melhorar o clima da escola ou Embora as escolas de uma democracia devessem mostrar
aumentar a auto-estima dos alunos. Os educadores demo- corno conseguir oportunidades iguais para todos, um número
cráticos não procuram apenas amenizar a dureza das desi- imenso de escolas está contaminado por estruturas como
formação de grupos com base na capacidade dos alunos,
gualdades sociais na escola, mas mudar as condições que
que negam oportunidades e resultados iguais a muitos,
as geram. Por esse motivo, vinculam seu entendimento das
principalmente aos pobres, aos negros e às mulheres.
práticas antidemocráticas na escola a condições mais abran-
gentes fora dela. A defesa da formação de grupos hetero- Os que estão comprometidos com a educação demo-
gêneos, por exemplo, é feita em parte com base no aumento crática vêem-se muitas vezes numa posição de conflito com
do sucesso acadêmico e social, mas, em termos mais amplos, as tradições dominantes da escola. Praticamente a toda hora
com base na justiça e no acesso eqüitativo como objetivos suas idéias e esforços podem se deparar com a resistência
sociais da maior importância (Oakes, 1985). Como outros tanto daqueles que se beneficiam com as desigualdades das
educadores progressistas, aqueles envolvidos com a demo- escolas quanto daqueles mais interessados na eficiência e
cracia interessam-se profundamente pelos jovens, mas também no poder hierárquico do que no difícil trabalho de transformar
compreendem que esse interesse requer uma posição firme as escolas de alto a baixo. As frustrações envolvidas na
contra o racismo, a injustiça, o poder centralizado, a pobreza criação de escolas democráticas só são excedidas pela tarefa
e outras desigualdades flagrantes na escola e na sociedade. mais ambiciosa de mantê-las mediante as correntes antide-
mocráticas da opinião pública e da política educacional. Mas
O esboço inicial das estruturas e processos essenciais
os educadores democráticos entendem que a democracia não
às escolas democrátiças pode ser feito rapidamente, mas o
representa um " Estado ideal" definido com entusiasmo e à
quadro inteiro não é tão fácil de descrever. O trabalho
espera de ser alcançado. Uma experiência democrática se
necessário para organizar e manter viva uma escola demo- • constrói mais por meio de seus esforços contínuos de fazer
crática é exaustivo e cheio de conflitos. Afinal de contas, a diferença. O empreendimento não é nada fácil; é cheio
apesar da retórica de democracia em nossa_ ~oci~dade e .da de contradições, conflitos e controvérsias. Como diz o velho
idéia comum de que o modo de vida democrat1co e aprendido provérbio, "São dez milhas para entrar na floresta, e são
com experiências democráticas, as escolas têm sido institu_i- dez milhas para sair".
ções notavelmente antidemocráticas . Embora ,ª democracm
enfatize a cooperação entre as pessoas, um numero imenso
delas alimentou a competição - por notas, por status, por Um currículo democrático
recursos, por programas etc. Embora a democracia dependa
da atenção ao bem comum, um número imenso de escolas,
As estruturas e processos discutidos até agora em geral
estimuladas pela influência de agendas políticas impostas de
definem a qualidade da vida cotidiana das escolas. Como
fora, enfatizou a idéia da individualidade baseada quase
parte de tradições antigas e estruturas arraigadas da escola,
24
25
., ,.
l
j) 1

também oferecem ensinamentos importantes sobre o que e visla, são encorajados a fazer perguntas do tipo: Quem disse
quem a ela valoriza. Por esse motivo, constituem uma espécie isso? Por que disseram isso? Por que deveríamos acreditar
de currículo "oculto", por meio do qual as pessoas aprendem 11isso? e Quem se beneficia se acreditarmos nisso e agirmos
lições fundamentais sobre justiça, poder, dignidade e auto- de acordo?
estima. Democratizar essas estruturas e processos é um Para esclarecer esse ponto, considere o exemplo de
aspecto crucial das escolas descritas aqui , mas uma versão 11111a sala de aula observada por um dos organizadores deste
mais completa também inclui trabalho criativo no sentido livro. O professor e os alunos estão envolvidos numa dis-
de trazer a democracia para o currículo planejado ou explícito. cussão sobre "eventos correntes", usando material extraído
Como a democracia envolve o consentimento consciente cios jornais e focalizando a questão de "calamidades naturais".
das pessoas, um currículo democrático enfatiza o acesso a Nossa maneira de pensar as calamidades naturais e quem
um amplo leque de informações e o direito dos que têm as definiu são questões cruciais. Por exemplo: agora estamos
opiniões diferentes se fazerem ouvir. Os educadores de uma acostumados (infelizmente) a ver filmes de desastres onde
sociedade democrática têm a obrigação de ajudar os jovens milhares de pessoas perdem a vida em tempestades, secas
a procurar ampliar seu leque de idéias e a expressar as que e coisas do gênero. Como às crianças daquela sala de aula,
já tiverem. Infelizmente, muitas escolas evitam persis- ensinaram-nos a pensar nelas como calamidades "naturais".
tentemente essa obrigação, de várias maneiras. Em primeiro Mas será que essa maneira aparentemente neutra de com-
lugar, restringem o conhecimento transmitido ao que pode- preender eventos correntes é realmente neutra, ou determi-
ríamos chamar de conhecimento "oficial" ou prestigiado, nados valores são apresentados ou omitidos de formas sutis?
produzido ou endossado pela cultura dominante (Apple, Parte da discussão ocorrida naquela sala de aula é um
1993). Em segundo lugar, silenciam as vozes dos que não lembrete marcante do porquê uma pergunta dessas tem tanta
pertencem à cultura dominante, principalmente as pessoas importância. Os estudantes observaram que houve recente-
de cor, as mulheres e, claro, os jovens. Esse procedimento mente grandes deslizamentos de terra na América do Sul ;
pode substánciar-se com pouco mais que um olhar para os que um grande f\Úmero de pessoas morrera ou sofrera
livros escolares, listas de leitura e guias curriculares. ferimentos graves quando chuvas .. torrenciais levaram suas
O pior de tudo é que um número imenso de escolas casas pelas encostas das montanhas. No entanto, um exame
transmitiu esse conhecimento oficial como se fosse a "ver- mais atento revela que havia pouca coisa natural naquele
desastre. Todos os anos chove na América do Sul, e todos
dade", nascida de uma fonte imutável e infalível. Aqueles
os anos morrem pessoas. Nesse ano em particular, uma
comprometidos com um currículo mais participativo entendem
encosta inteira da montanha cedeu; as milhares de pessoas
que o conhecimento é construído socialmente, é produzido
que moravam ali perderam a vida. Nenhum habitante dos
e disseminado por pessoas que têm determinados valores,
vales - a terra fértil e segura - morreu.
interesses e preconceitos. Trata-se simplesmente de um fato
da vida, pois todos nós somos formados por nossas culturas, As famílias pobres são obrigadas a viver nas encostas
sexo, geografia etc. Mas, num currículo democrático, os perigosas das montanhas porque é a única terra que lhes
jovens aprendem a ser "leitores críticos" de sua sociedade. resta onde podem se permitir levar uma existência difícil.
Quando se deparam com um conhecimento ou ponto de As pessoas apinham-se nas encostas das montanhas por

26 27
causa da pobreza e das formas hist~ricas d~ propriedade da
il c.xperiência dessas crianças, uma pessoa tomava o ônibus
terra que são gritantemente desiguais. Por isso, o problema
pdo menos quatro vezes por dia para ir e voltar do emprego,
não é a chuva anual - uma ocorrência natural - , mas as
11111 emprego sem benefícios, mal pago e, em geral, sem
estruturas econômicas desiguais que permitem a uma minoria p1·rspectivas.
de indivíduos controlar a vida da maioria das pessoas daquela
região. fi óbvio que se tratava de um currículo tendencioso e
i11sc11sível. Mas a professora usou criativamente essas ca-
Essa compreensão diferente e mais completa do pro-
raclerísticas, pedindo aos alunos para refletirem sobre o que
blema é rica em possibilidades pedagógicas e curriculare~.
cslHva errado com este exemplo e pensarem como a mate-
Ajudar os alunos a entender as várias maneiras p~las quais
rrnílica poderia ajudá-los a entender sua vida e a de seus
esse evento poderia ser interpretado, e os benef1c1os para
pais. Em essência, pediu-lhes para formular uma pergunta
diferentes grupos de pessoas que cada interpretação traz
parecida com aquelas que fizemos anteriormente: "De que
consigo, poderia, em última instância, levá-los a uma sen-
perspectiva estamos vendo o mundo com este material ?"
sibilidade mais rica e mais comprometida eticamente com
(l.adson-Billings, no prelo). Ao enxertar essa pergunta em
as sociedades à sua volta (Apple, 1990).
Ioda a unidade de matemática, a professora integrou esta
Uma aula de matemática numa escola urbana nos dá disciplina no cotidiano dos alunos, dando assim um impacto
mais um exemplo da maneira de lidar com as perguntas 11111ito maior do que jamais seria possível no currículo-padrão
numa sala de aula democrática. Os alunos dessa classe ~upostamente neutro, ligado aos testes-padrão de aprovação
recebiam regularmente um problema oral envolvendo o custo supostamente neutros que determinavam o futuro daqueles
mensal das passagens de ônibus. A professora pedia-lhes jovens.
para calcular se ficava mais barato comprar um pas~e _mensal
ou pagar a passagem toda vez que se tomava o ombus de No mínimo, cada um desses exemplos indica o fato
ida e de volta do trabalho. Nesse exemplo específic~, _dado de que a tradição de uma pessoa, a construção do que é
@ número de dias úteis que o autor do problema~ espec1f1cara,
importante saber e de como deveria ser usado, é sempre
a resposta certa se~ia pagar de cada vez. Mas, 1~crustado incorporado no c·urrtculo que planejamos, muitas vezes de
neste problema, há uma série de pressupos~os que tem pouca l'orma oculta. Mas, como no caso da aula de matemática
11111 _
currículo democrático procura ir · além da "tradiçã~
relação com as realidades da vida desses Jovens ou de seus
pais. seletiva" do conhecimento e dos significados endossados
pda cultura dominante, mmo a um leque mais abrangente
Os alunos sabiam que essa resposta simplesmente esta~a de pontos de vista e formas de expressão (Williams, 1961 ;
errada. Afinal de contas, muitos dos pais trabalh~m e,m dois l\pple, 1990). Numa sociedade democrática, nenhum indi-
empregos de meio expediente para sustentar a s1 e as suas
víduo ou grupo de interesse pode reivindicar a propriedade
famílias . Esses empregos costumavam ser em lanchonetes
exclusiva do saber e dos significados possíveis. Da mesma
que servem refeições rápidas e eram os únicos ,e~pregos
l'orma, um currículo democrático inclui não apenas o que
disponíveis naquela comunidade de~ois qu~ as '.abncas se os adultos julgam importante, mas também as questões e
mudaram para aproveitar os salános mais baixos e os
interesses dos jovens em relação a si mesmos e a seu
incentivos fiscais de outras partes do mundo. Assim, segundo
• mundo. Um currículo democrático propõe aos jovens que
28 29
.b d m papel passivo de consumidores do saber e perceber os valores aos quais essas coisas estão ligadas , se
,\ an one O l ativo de "elaboradores de s1gm · ·f.1cados" . perde o desejo de aplicar o que aprendeu e, sobretudo, se perde
assumam O Pape . a capacidade de extrair o significado de suas experiências
R econ hece que as pessoas adquirem conhecimento• • -
tanto pel?
t futuras à medida que ocorrerem? ( 1938, p. 49)
estudo de fontes externas quanto pe 1a par~c1paçao em, a _1-
vidades complexas que requerem a construçao de seu propno Apesar das afirmações democráticas sobre a igualdade
conhecimento. 1k oportunidades, muitos obstáculos ainda bloqueiam o ca-
Como já vimos, o modo de vida democrático . inclui o 111inlio dos jovens desprivilegiados de nossas escolas -
processo criativo de buscar formas d~ ampliar honzontal _e como o uso exagerado de testes padronizados. Um dos
verticalmente os valores da democracia. Mas esse processo problemas históricos de muitas idéias progressistas sobre
não é apenas a participação numa_conversa sobre qualquer cmrículo (e um dos motivos pelos quais não conquistaram
coisa. Propõe-se, ao contrário, considerar de f_orma mtehgente o apoio das comunidades desprivilegiadas) é o fato de
e reflexiva os problemas, eventos e questoes que sur~~m parecer que menosprezam as capacidades e o tipo de co-
no decorrer de nossa vida coletiva. Um currículo democra~1co nhecimento oficial que os jovens precisam para negociar
envolve oportunidades constantes de explorar essas questoes, sua passagem com os guardiães do acesso socioeconômico.
de imaginar respostas a problemas e de coloc~r essa~ ;es~ostas (Delpit, 1986; 1988).
em prática. Por exemplo: o currículo inclm expenencias _de Observamos que as escolas democráticas distinguem-se
aprendizado organizadas em torno de probl_ema5,, e "que~to~~ em parte dos outros tipos de escolas progressistas pelo fato
como "Conflito", "O futuro de nossa comunidade , Justiça , de procurarem explicitamente transformar as condições an-
"Política ambiental" etc. tidemocráticas na escola e na sociedade. Mas os educadores
Além disso, as matérias a serem aprendidas não são que trabalham em escolas democráticas também têm uma
orias de "alta cultura" para as cnan_ças abso_r- consciência aguda que essas condições, assim como os
apenas Categ f
verem e acumularem; são fontes de insight e m ormaçao obstáculos a um acesso mais amplo, precisam ser enfrentados
ue odem ser relacionadas com os problemas da v1~a, até serem transformados. Por esse motivo·, um currículo
~nte~ através das quais ~é possível ex~mmar ,ªs. questoes democrático procura ajudar os alunos a se tomare~m instruídos
com que nos deparamos (Beane, 1993). E este ultimo ponto e capazes de muitas formas diferentes, inclusive aquelas
que podemos usar para entender, p~r exemplo, co~o, a requeridas pelos guardiães do acesso socioeconômico. Em
discussão sobre a integração do cumculo precisa ir ~\em síntese, os educadores democráticos vivem com a tensão
de meras perguntas sobre a forma de conectar o~ cons~1tumt~s constante de proporcionar um ensino significativo para os
. d o curn'culo e transformar-se numa d1scussao mais
atuais jovens, ao mesmo tempo em que transmitem os conhecimentos
ampla, envolvendo o teor dessas conexões. Como Dewey e habilidades esperados pelas poderosas forças educacionais
observou, J cujos interesses são tudo, menos democráticos. Assim, não
.-
De ue adianta obter determinadas quantidades _d e informações podemos ignorar o conhecimento dominante. Tê-lo, abre
sob~ geografia e história, adquirir a capacidade de ler_ e realmente algumas portas. Mas aqui é preciso cuidado com
escrever se, durante o processo, o indivíduo perde s_u a [s1c.l a interpretação, porque não queremos endossar a continuidade
alma, se perde sua capacidade de avaliar as coisas, de dos programas rígidos de exercícios mecânicos que constituem

30 31
com tanta freqüência as experiências escolares das crianças Nocia1s porque ainda não estão em condições de e ntender
desprivilegiadas. Essas crianças também têm o direito ao 11~ complexidades envolvidas ou porque podem ficar depri-

melhor possível de nossas idéias progressistas. Nossa tarefa 111idos. É evidente que esses argumentos ignoram por com p leto
é reconstruir o conhecimento dominante e utilizá-lo para 11 falo de os jovens serem pessoas reais vivendo vidas reais

ajudar, não para atrapalhar os menos privilegiados de nossa tllll nossa sociedade e que muitos deles conhecem perfeita-

sociedade. incntc, em função de suas próprias experiências de vida, as


i.'lmscqüências do racismo, da pobreza, do preconceito sexual,
É praticamente certo que a questão de criar um currículo
democrático envolverá conflitos e controvérsias. Praticamente
d,, falta de moradia etc. É óbvio, portanto, que esses
mgurnentos procuram simplesmente evitar a possibilidade de
tudo o que está incluído nesse esboço contrapõe-se a grande
<)S jovens poderem chegar a perceber as contradições políticas,
parte do ponto de vista, dominante há muito tempo, do que
él icas e sociais que lhes tiram a dignidade e procurarem
deve ser o planejamento de um currículo. A possibilidade
lutar contra elas.
de prestar atenção a um espectro amplo de opiniões e
perspectivas costuma ser vista como ameaça à cultura do- É importante observar mais uma vez que o conceito
minante, principalmente porque algumas dessas opiniões ofe- de escolas democráticas não se aplica apenas às experiências
recem interpretações de questões e eventos muito diferentes dos alunos. Os adultos também, inclusive os educadores
daquelas tradicionalmente ensinadas nas escolas. P ior ainda: profissionais, têm o direito de experienciar o modo de vida
encorajar os jovens a analisar criticamente os eventos e os democrático nas escolas. Já citamos um exemplo relacionado
problemas é algo que levanta a possibilidade ele eles ques- com a participação na determinação das políticas educacionais
tionarem as interpretações (e ensinamentos) dominantes . O e outros processos de tomada de decisão. Mas, assim como
mesmo se aplica à organização do currículo em torno dos os jovens têm o direito de ajudar a criar procedimentos
problemas e questões sociais mais importantes, mas esse para sua própria educação, também os professores e outros
procedimento também entra em conflito com a versão es- educadores têm o direito de ajudar a criar seus próprios
terilizada do conhecimento e da capacidade que faz parte programas de aperfeiçoamento. profissional com base em sua
da "alta cuftura" baseada no ensino de matérias separadas percepção dos problemas e questões das salas de aula,
umas das outras, centrado na · disciplina. E, finalme nte, a escolas e vida profissional.
possibilidade de os jovens poderem contribuir para o currículo Além disso, os professores têm o direito de part1c1par
com suas próprias questões e preocupações gera a ameaça · na criação dos currículos, principalmente aqueles destinados
de tocar em problemas que revelam as contradições éticas aos jovens com os quais trabalham. Até o observador menos
e políticas que permeiam nossa sociedade e afastam dos atento não pode deixar de notar que esse direito tem sido
valores que ela diz defender. gravemente desrespeitado durante as últimas décadas, à me-
Todas essas fontes de resistência são encontradas re- dida que as decisões curriculares e até projetos específicos
petidamente por aqueles comprometidos com o ensino de- de currículos foram centralizados pelas Secretarias de Edu-
mocrático. Mas a resistência nem sempre se apresenta em cação, tanto estaduais quanto municipais. A conseqüente
termos claros e explícitos. Existem, por exemplo, aqueles "desqualificação" dos professores, a redefinição de seu tra-
que dizem que os jovens não devem discutir problemas balho como implementadores de idéias e projetos de outros,

32 33
.,ti'.

estão entre os exemplos mais óbvios e indecorosos do quanto 11


a democracia foi diluída em nossas escolas (Apple, 1986). 11 c os pesados encargos democráticos que colocamos nos
0111
Além disso, grande parte da discussão sobre "administração hros de nossos professores lhes dão o direito de ·e xercer
cnla autonomia, fora do âmbito do controle da comunidade?
local", embora pareça inverter essa centralização, na verdade
< l que podem nos dizer as histórias contadas neste livro
equivale a pouco mais que lutas localizadas por recursos snlirc essas questões?
limitados e responsabilidade por decisões políticas e progra-
máticas tomadas em lugares distantes .
Finalmente, a questão do controle do trabalho profis-
sional por parte dos professores não envolve apenas recursos (. 'onstruindo uma herança preciosa
e implementações curriculares, mas também práticas peda-
gógicas . Descrevemos anteriormente como os aspectos es- . O quadro que esboçamos até agora parece esplêndido
truturais e curriculares da escola podem ser modelados por ll'oncarnente, mas ~erá que pode ser posto em prática nas
valores democráticos, embora também saibamos que recebem realidades atuais? E verdade que o fosso entre os valores
ainda a influência da pesquisa e de outros conhecimentos democráticos e a~ práticas escolares é tão grande agora
técnicos. Nas escolas democráticas, esses conhecimentos não quanto sempre for. Mas, como revelam as histórias deste
provêm apenas de fontes de "elite" situadas fora da escola, livro, a luta para criar escolas democráticas está sendo
como os pesquisadores acadêmicos. De maior interesse ainda t1!1vada em. muitos lugares. Os esforços descritos aqui não
é o conhecimento que os professores produzem para uso s:to anomalias de nossos tempos; são exemplos contempo-
próprio com a pesquisa - a ação e o diálogo local. Isso raneos de uma longa linhagem de trabalho que se estende
não significa que outras fontes de conhecimento profissional
por mais de um século. Como tal, oferecem um vislumbre
não sejam válidas ou úteis ; quer dizer apenas que não são
das possi~ilidades sobre o outro lado da pergunta que as
as únicas fontes de idéias valiosas .
pessoas amda se fazem hoje em dia: "Como as escolas
.. Quando relacionamos o direito democrático de os pro- poderiam expres~ar e ao mesmo tempo ampliar o significado
fessores exercerem um controle significativo sobre seu próprio de democracia?". ..
trabalho com a ob.rigação dos professores e outros adultos
. . Vamos ~icar saben~o, por exemplo, dos grandes esforços
de estenderem o modo de vida democrático aos jovens,
kitos para vmcular a vida da escola com a da comunidade.
vemos a possibilidade real de que os valores democráticos
Por trás dos projetos aqui descritos há movimentos que
venham a ser uma fonte de coerência para a vida em nossas
ocor_reram há cinqüenta anos ou mais em lugares como
escolas. Mas, para transformar a possibilidade em realidade
Baltimore, Maryland e Pulaski, Winsconsin e ainda Pasadena
teremos de enfrentar algumas questões difíceis. Por exemplo:
Califórnia - lugares onde os jovens fizeram projetos par~
os pais, a comunidade e o Estado certamente têm o direito
resolver problemas sérios da comunidade (ver, por exemplo,
de dizer quais os objetivos que desejam para a educação.
An~erson e Young, 1951 ). Corno os esforços de hoje, aqueles
Mas será que sua opinião deve ter o mesmo peso que a
projetos mais antigos, dada a sua importância, não eram
dos educadores profissionais nas tomadas de decisão sobre
atividades de curto prazo, mas esforços prolongados para
questões como recursos e organização do currículo? Será forjar vínculos substantivos com as comunidades.

34 35
., íl .

Também vamos tornar conhecimento de tentativas de íucansavelrnente para elevar o status e as expectativas ck
criar espaço no currículo para o estudo dos problemas sociais educação para_os negros - vendo, por exemplo. nos pro-
de larga escala. Aqui podemos voltar o olhar para o passado, gra,m~s de . tremarnento profissional , as implicações óbvias
para algumas escolas progressistas envolvida~ _no famoso da d,_f~rencrnção _do trabalho segundo a raça: "Não podemos
Estudo de Oito Anos da década de 1930 (Atkm , 1962) e pcr'.111tir que os .ideais de educação, quer as pessoas sejam
para as muitas histórias de salas de aula que surgiram do 1:11s111adas a ensmar ou a lavrar a terra, a fabricar tecidos

movimento "de núcleo básico" dos anos 40 e 50 (ver, por 1111 a escr~ver_, caiam num utilitarismo sórdido. A educação
exemplo, Faunce e Bossing, 1951 ). .) deve ter 1dea1s amplos à sua frente, e nunca esquecer que
E conheceremos a aprendizagem cooperativa, facilitada eslá lidando com Almas e não com Dólares" (Du Bois,
por muitas das antigas escolas "de núcleo básico" e por 1902, p. 82). Ouviremos ecos desse mesmo tema na visão
programas centrados na criança, descritos por Rugg e Shu- da educação vocacional posta em prática na Rindge School.
maker ( 1928) e pelos autores de Life Skills in School and Os autores deste livro também não são os primeiros
Society [Habilidades para a vida na escola e na sociedade] a reconhecer que criar escolas democráticas é um empreen-
(Rubin, 1959). Nossas histórias, como as primeiras tentativas, dimento difícil quando correntes maiores fora da escola
dizem respeito basicamente à aprendizagem cooperativa en- parecem estar fluindo na direção oposta. Rugg e outros
quanto aspecto crucial do modo de vida democrático, ~ão ( 1939) falaram desse problema no meio dos movimentos de
ao foco, popular hoje em dia, no aprendizagem cooperativa eficiência social, durante a Revolução Industrial. E os autores
como estratégia específica para o êxito acadêmico. do Anuário ASCD 1952, de Growing Up in cm Anxious
De várias formas , cada história deste livro enfatiza o Age [Crescendo numa época Angustiante] (Cunningham,
envolvimento dos jovens no planejamento do currículo e de 1952), no auge da era McCarthy, recontaram histórias
outras atividades. Os autores seguem uma longa tradição de arrepiantes dos ataques ultraconservadores que ressoam em
trabalho ao descrever esse envolvimento não apenas como nosso próprio tempo.
uma técnica para diminuir a alienação e a rebelião nas salas Esse breve resumo histórico focalizou principalmente
. de aula, mas como parte de um compromisso mais _amplo it herança da educação democrática nas escolas. Mas seríamos
de promover a eficácia individual e cole_tiva e'ntre os Jovens negligentes se deixássemos de reconhecer que esse trabalho
(ver, por exemplo, Hopkins, 1941; Gtles, McCutchen, e foi (e ainda é) feito juntamente com o trabalho fora das
Zechiel, 1942; Zapf, 1959; Waskin, e Parrish, 1967). escolas propriamente ditas. Por exemplo: grande parte do
Essas histórias também falam dos sérios esforços para impulso dado às escolas democráticas encontra-se na obra
construir a partir da diversidade cultural e . amenizar as criativa de John Dewey, que não inclui apenas a educação,
condições de desigualdade que circundam as diferenças, cul- como sua épica Democracy and education (1916), mas o
turais. Nesse sentido, não devemos esquecer ~ue_ os_ a~ro- vasto leque de ensaios e livros sobre democracia em prati-
americanos criaram livros didáticos sobre sua propna h1stona camente todos os aspectos das questões sociais. Também
para escolas segregadas no Sul dos Estados Unidos durante ternos uma grande dívida com pessoas como Elizabeth
os anos 30 e 40. Uma parte muito grande do trabalho nessa Harrison e Elia Flagg Young, que lutaram bravamente pelos
área está sobre os ombros de W. E. B. Du Bois, que lutou direitos das crianças e dos professores, e a outros como

36 37
George Counts e Harold Rugg, que defenderam urna visão
da educação como parte de uma ampla reconstrução social Humo as escolas democráticas
democrática.
Da mesma forma, os ativistas políticos que lutaram l{esolvemos inclu ir neste livro quatro exemplos de
nos movimentos mais amplos dos direitos civis tiveram um di•111(Jcracia vivida nas escolas: a Central Park East Secondary
papel importantíssimo na democratização dos vários aspectos Srhool, da cidade de Nova York, a Rindge School of
da escola. Não fossem os seus esforços, as escolas ainda 'l'td111ical Arts, da região de Boston, a Escuela Fratney, em
seriam afligidas peia segregação racial sancionada pela lei Milwaukee e um programa particular da Marquette Middle
e pela exclusão de portadores de alguma deficiência. Também School (agora chamada Georgia O' Keefe Middle School)
não podemos ignorar os esforços de grupos como a American -·· para jovens de onze a catorze anos - em Madison,
Library Association para proteger os jovens das limitações Wisconsin . Cada uma delas representa a resposta criativa
restritivas da censura. Embora os tribunais ainda estejam tia educação às realidades da pobreza, da injustiça e do
confusos sobre a questão de a escola dever ser um espaço desvio. E todas mostram as ricas experiências de aprendizado
para a democracia plena ou um "fórum limitado" para q11c resultam da determinação de as pessoas fazerem de
discussão dos direitos democráticos, é muito possível imaginar H11as salas de aula centros de exercício democrático e de
que a questão propriamente dita nunca teria chegado aos c1iarem fronteiras porosas entre a escola e a sociedade
tribunais se não fossem os apelos incansáveis dos ativistas global.
democráticos.
Desde o começo decidimos que essas histórias deviam
Está claro, portanto, que a idéia de ampliar e proteger s,·r contadas com as palavras das próprias pessoas envolvidas.
a democracia nas escolas não é apenas um produto de nosso Isso é crucial. Os sentimentos de frustração, e às vezes de
próprio tempo. Tanto o conceito geral quanto as características ci nismo, de muitos educadores e membros da comunidade
particulares que esboçamos têm raízes em . proJ_etos que costumam ser o resultado de não ouvirem as histórias uns
remontam há mais de um século. Mas o h1stonador das
dos outros. O fracasso parece dar manchetes mais vistosas
escolas democráticas sempre .tem de ter duas coisas em
do que o sucesso lento, conquistado a duras penas. As
mente. Em primeiro lugar, assim como dem~cracia é uma
palavra que tem múltiplos significados na sociedade .global, histórias apresentadas aqui não são românticas. São honestas
c 111 relação às possibilidades e dificuldades que enfrentamos
sua interpretação relativa às escolas tambéi:11 :em sido ~m
pouco ambígua. Em segundo lugar, democracia e um conceito il medida que tomamos a direção das práticas democráticas.
dinâmico que requer um exame constante à luz das mt~danças E é preciso lembrar quem somos "nós". As escolas
dos tempos. Por esses motivos, sempre corr~mos .º :isco de democráticas precisam basear-se numa definição abrangente
nos decepcionar quando uma ou outra tentativa htstor!ca de
escolas democráticas não chega tão longe quanto gostanamos,
f de "nós", num compromisso de construir uma comunidade
que é tanto da escola quanto da sociedade onde ela existe.
ou revela ser uma mistura de sucesso e contradição. O Em conjunto, as histórias contadas neste livro dizem algo
importante é reconhecermos os momentos de impulso de- muito importante a respeito das realidades da reforma da
mocrático do passado como uma herança sobre a qual
escola democrática. Em todos os casos, o sucesso exigiu a
construiremos nossos próprios projetos.
construção consciente de coalizões dentro da escola e entre
38
39
a escola e as clientelas fora dela. Em nenhum dos casos o lfrfcrências bibliográficas
impulso veio de "cima". Ao contrário: os movimentos de
base - grupos de professores, a comunidade, ativistas sociais /11l<IN, Wilford (1962). The Story of tlie Eight-Year Study. Nova
etc. - geraram a força propulsara da mudança. Finalmente, i: '
York: Harpcr & Brothers. ·
nenhuma das reformas foi guiada por uma visão técnica, de t .r,, ANl>ERSO,N, ~alter A., e YOUNG, William E., orgs. (1951). Action
sucesso-a-todo-custo. Todas estavam, ao contrário, ligadas a for Cumculum lmprovement. Washington, D.C.: ASCO.
um conjunto de valores definidos em termos amplos, postas 1\ l'l'LE, Michael ( 1986). Teachers and Texts: A Polilical Ecunomy
em prática: aumentar a participação nos movimentos sociais of Class a,ul Gender Relations in Schoo/s. Nova York e Londres:
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escola esteja integralmente vinculada com as experiências _ _ . (1990). ldeology and Curriculum, 2ª ed. , Nova York: Rou-
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Somos honestos aqui. Nenhum dos exemplos incluídos Conservative Age. Nova York: Routledge.
neste livro dá a garantia de resolver todos os múltiplos
lll :ANE, James (1990). Affect in the Curriculum. Nova York: Tcachcrs
problemas que as escolas enfrentam. Na verdade, como a College Press.
crise econômica e social que continuam perseguindo muitos
membros de nossa sociedade, o trabalho nas escolas e salas - - - · (1993)~ A Middle School. Curriculum: From Rhetoric 10
Reality. 2 ed. Colurnbus, Oh10: National Middle School As-
de aula corno essas parece ter sido feito de encomenda para soc1atwn.
elas, não só em termos educacionais, mas também econômicos
IIASTIAN, Ann; FRUCHTER, Norm; GI1TELL, Marilyn; GREER
(ver, por exemplo, Kozol, 1991 ). Mas, ao tentar criar novas
Cohn e HASKINS,_ Kenneth (1986). Choosing Equality: Th:
possibilidades mais democráticas em nossas escolas públicas,
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podemos reaprender o que é possível. Não se iluda, os Press.
interesses ~ão altos, como James Mursell (1955, p. J)
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observou há quarenta anos : Washmgton, D.C.: ASCO.
Se as escolas de uma sociedade democrática não existem e DELFATIORE, Joan (1993). Why Johnny Can 't Read. New Haven:
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não trabalham para defender e ampliar a democracia, são
socialmente inúteis ou perigosas. Na melhor das hipóteses, - - · (1986). "Skills and Other Dilemmas of a Progressive Black
educarão pessoas que vão viver sua vida e ganhar seu pão Educator". Harvard Educational Review 56:379-85.
indiferentes às obrigações da cidadania, em particular, e do DELP~T, Lisa ( _I 988). "The Silenced Dialogue: Power and Pedagogy
modo de vida democrático em geral. .. Mas é muito provável 111 Educatmg Other People's Children". Harvard Educalional
que eduquem as pessoas para serem inimigas da democracia Rev1ew 58:280-98.
- pessoas que sempre cairão presa de demagogos e que DEWE~. John ( 1916). Democracy arul Education. Nova York: Mac-
apoiarão movimentos e se reunirão em torno de líderes hostis m11Ian.
ao modo de vida democrático. Essas escolas são fúteis ou ___. (1938). Experience and Education. Bloomington, Ind.: Kappa
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subversivas. Elas não têm razão legítima para existir. Delta Pi.

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