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Redes sociais estimulam leitura em jovens

Apesar dos estigmas, juventude mostra que todos podem ser leitores

A procura por livros não acabou, apesar de muitas livrarias terem fechado durante o
surto de COVID-19 no Brasil. Isolados por pouco mais de um ano, os brasileiros tiveram
que reestruturar seus hábitos e a leitura tornou-se parte da rotina de muitos deles. As
tags booktok e bookgram ganharam força nas redes sociais, principalmente entre os
mais jovens, que ganharam um incentivo para começar a ler.
Há quem acredite que as redes sociais afastaram as pessoas de atividades saudáveis,
como ler e passear ao ar livre. Mas com o uso apropriado, as ferramentas digitais
revolcuionam e contribuem para o estímulo à leitura e à criatividade de jovens e
adultos.

O booktok e o bookgram
Durante a pandemia o Tik Tok teve seu momento de ascensão no Brasil e no mundo. A
rede social que é famosa por seus "challenges" vai muito além das dancinhas do
momento; o tiktok é composto por nichos dos mais variados gostos. O booktok é uma
comunidade do aplicativo voltada para os leitores, onde os usuários podem
compartilhar suas experiências literárias e provocar o interesse de outras pessoas.
Atualmente a tag #booktok conta com cerca de 51,1 bilhões de visualizações em todo
o mundo; no Brasil os números ultrapassam os 3 bilhões. Os vídeos da rede social
fizeram sucesso por usarem a linguagem do público jovem sobre um assunto que é
visto como obrigação acadêmica. Além dos usuários fazerem lives para os seguidores
lerem ao mesmo tempo, durante um período que ninguém podia sair de casa. A
estudante Maria Clara Pitangui, 18, conta que voltou a ler durante a pandemia após
ver vídeos no tiktok onde os usuários contavam histórias, como se tivessem acontecido
com eles e no final revelavam que era de determinado livro. “Eles te instigam a ler o
livro” falou.
É o caso também de Bianca Santos, estudante do ensino médio. Aos 18 anos, Bianca
acompanha as principais tags literárias do Instagram e do Tik Tok. "Eu sempre via
trechos de alguns livros lá e acabei me interessando por um em específico e depois
comecei a ler vários", conta. Desde o início da pandemia, a estudante estima que leu
mais de 60 livros e afirma que o hábito a ajudou a escrever melhor.
Foi através dessas tags que influenciadores e livrarias encontraram uma forma de criar
e divulgar conteúdo literário e continuar trabalhando, apesar da pandemia. A jornalista
paraense Thammyres Jucá, 34, revela que produzir conteúdo literário lhe traz grande
satisfação. "O meu projeto surgiu durante a pandemia e digo com segurança: foi a
salvação da minha saúde mental", conta a jornalista. Suas páginas no Tik Tok e no
Instagram (@thammyreads) tem mais de mil seguidores, onde Thamyres divulga suas
resenhas literárias, unboxings e tour por livrarias.
Fora do Tiktok a comunidade também está em alta como o bookgram na rede vizinha.
Kamila Monteiro, 28, é criadora de conteúdo há 5 anos. Em 2017 a estudante decidiu
criar um perfil no Instagram (@kamonmila) para ter contato e troca com outros
leitores, e desde então segue produzindo conteúdos literários para 10 mil seguidores.
Kamila está tentando profissionalizar o perfil onde posta dicas, curiosidade e resenha
literárias em parceria com editoras e autores.
A influencer relata que se sente pressionada pela exigência de constância da
plataforma. O algoritmo não perdoa. Alguns dias sem conteúdo já significa baixo
engajamento e os criadores de conteúdo precisam de bons números. Kamila conta que
já consegue lidar bem com isso e hoje respeita o tempo que precisar ficar sem criar
novos posts, apesar do reflexo nos números. “A saúde mental precisa vir primeiro,
principalmente porque ainda não tiro remuneração do meu perfil”, disse.
A estudante conta que a leitura sempre esteve presente na sua vida e em muitos
momentos os livros foram seus melhores amigos, “é algo fundamental pra mim, me
ajuda a ter novas percepções, entender outros pontos de vista, ser mais tolerante,
enxergar o outro com um olhar diferente”. Kamila defende a importância das redes
sociais no incentivo da leitura, para ela durante a pandemia muitas pessoas se
sentiram acolhidas e resgaram o hábito pela facilidade da abordagem utilizada pelos
internautas. “A escola empreende a literatura enquanto instrumento de prova, e não
por prazer ou hábito. Sempre terá aqueles que não gostem, isso é normal. Mas impor
uma leitura a nível de avaliação afasta ainda mais os jovens, e nas redes o processo é o
inverso”, afirma.

Wattpad e os estigmas da leitura


Afinal, só é leitor de verdade quem lê os clássicos da literatura? Thammyes Jucá diz
que não. Ela acredita que esse pensamento apenas afasta os leitores e cria uma
barreira. "Todo mundo tem capacidade de ser leitor e pode ler o que quiser, sem
julgamentos, sem pressões. O importante é adquirir o hábito e investir nele um pouco
a cada dia", disse a jornalista.
Mas ainda há uma dose de preconceito em relação às fanfics, histórias criadas de fãs
para fãs de algum universo, literário ou não. A linguagem mais atual e mais simples dos
contos acaba gerando interesse nos jovens pela leitura. Foi o caso de Kamila Santos,
estudante de 18 anos. Ela diz que muitos livros publicados como fanfics, acabam sendo
vendidos por editoras depois, como Crepúsculo, da autora Stephenie Meyer. "Eu acho
que quando a gente tem uma média de leitura de apenas 2 livros por ano, acaba que
qualquer incentivo é válido", disse a estudante, quando perguntada sobre a visão de
que fanfic não é leitura de verdade.
A fanfic é considerada gênero textual digital e é tema de debate em muitos trabalhos
acadêmicos e entre professores de língua portuguesa . Em sua defesa de mestrado no
Instituto de Letras da UFF, Adriana Campos diz que é fundamental que o aluno
entenda as variações do texto falado e escrito. Em seu trabalho publicado na internet,
Adriana diz que a fanfic "trata-se de um fenômeno contemporâneo, com adesão do
público jovem nos meios digitais, permitindo interatividade e incentivando a
criatividade do autor", e que por isso serveria de relevante ferramenta de ensino.
E para ajudar nesse incentivo, o Wattpad conta com milhares de livros publicados por
autores independentes. Foi nessa comunidade que Maria Cristina Freire, recepcionista
de um hospital em São Paulo, conheceu Jahmilly, estudante de arquitetura e
urbanismo na UFPA. Tudo começou em 2017, quando uma autora que Cristina
acompanhava migrou para o site e um grupo de leitura foi criado para discutir dua
obra. Cristina conta que havia perdido a vontade de ler, mas que a comunidade do
Wattpad reacendeu esse hábito, além de ter feito novas amizades.
Jahmilly revela que comheceu muito mais livros através dessas comunidades. Apesar
de não lerem mais fanfics como antes, as amigas concordam que foi o que expandiu o
gosto literário delas.

Falta de representatividade nacional


Apesar das redes sociais terem alavancado o mercado dos livros, ainda há poucas
obras brasileiras na roda. A maior parte dos livros indicados são estrangeiros, como os
da autora queridinha do Tik Tok, Colleen Hoover. A empreendedora Caroline dos
Santos Lima, 23 anos, é uma leitora voraz e diz que os livros indicados nas tags são
muito repetitivos. "Tem tantos livros nacionais incríveis que não tem tanta visibilidade.
Claro que é legal ler os livros do hype, mas também é bom sair um pouco deles e
explorar, tem tanta opção", conta.
Na lista dos 25 best-sellers mais vendidos no Brasil em 2021, divulgada pela Amazon,
apenas quatro livros são nacionais, apesar de ocuparem posições elevadas. Em
primeiro lugar, Torto Arado, do escritor e geógrafo Itamar Vieira Junior, também é
divulgado nas redes sociais, e retrata a vida no sertão baiano, a partir da vida de duas
irmãs. Em 2020, a posição foi ocupada pelo Pequeno Manual Anti Racista, da filósofa
Djamila Ribeiro.
Livros gringos são mais interessantes?
Jahmilly discorda e diz que "tem muito livro bom nacional que acaba não tendo
reconhecimento e os da gringa tomam esse título". A estudante Kamila Macedo, 18,
afirma que não vê muitas editoras investindo em livros nacionais. normalmente a
gente encontra mais autores independentes, então, pra um público maior, fora das
redes sociais, acaba sendo bem mais complicado saber mais sobre esses livros", e
acrescenta, "eu acho que crescemos com a ideia de sempre esperar o melhor de
outros países, e isso não se trata apenas de livros, mas de diversas coisas se tratando
de arte".

Mas afinal por que o brasileiro lê pouco?


Segundo dados da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil” divulgada em 2020, o Brasil
perdeu cerca de 4,6 milhões de leitores entre 2015 e 2019. A pesquisa realizada pelo
Instituto Pró-Livro em parceria com o Itaú Cultural, revela que a média de livros lidos
inteiros por ano é de 2,5 livros por pessoa. A pesquisa também aponta que o número
de não-leitores diminui de acordo com a renda familiar e com a classe social.
Para a pedagoga Ingrid Louzeiro, os brasileiros não leem porque não tem incentivo
desde criança. É o caso de Jahmilly. A estudante conta que não teve incentivo em casa
e foi na internet que descobriu a paixão pela literatura. Jahmilly lembra de quando
começou a ler, apesar de gostar de livros físicos não tinha como comprar muitas
unidade. Na internet ela conheceu comunidades de leitores que compartilham livros
digitais e pôde expandir seus gostos. “Comecei a ler pela internet, em blogs e wattpad,
depois entrei em grupos e segui perfis nas redes sociais sobre o assunto”, contou.
Segundo Kamila Monteiro, a falta de incentivo, de metodologia eficaz e apropriada
dentro das escolas são fatores determinantes para o baixo índice de leitura do país.
“Dois tempos de literatura no ensino médio não incentiva de fato a leitura, e também
o preço dos livros não colaboram. Livros são artigos de luxo, há uma ideia de que
leitura, cultura e educação são privilégios e não direitos”, afirma.
Para a Ingrid, é preciso ter projetos educacionais dentro e fora das escolas que
incentivem e estimulem a leitura desde cedo nos brasileiros. Kamila defende a
necessidade de políticas públicas por parte do governo e uma revisão de como a
literatura e a leitura são inseridas nas escolas “não dá pra achar que apenas os
bookstans conseguem de fato converter leitores” finalizou.

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