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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

CARLA FRANÇA R. GREGORIO

TEORIA E CLÍNICA DA PSICOSE: UM CASO CLÍNICO À LUZ DE FREUD E


LACAN

RIO DE JANEIRO
2022
CARLA FRANÇA R. GREGORIO

TEORIA E CLÍNICA DA PSICOSE: UM CASO CLÍNICO À LUZ DE FREUD E LACAN

Monografia apresentada ao curso de Psicologia do


Instituto de Ciência da Saúde da Universidade Veiga de
Almeida, como pré-requisito para obtenção do título de
Bacharel em Psicologia.

ORIENTADORA: PROFa. DRa. ALINE MARIA MUNIZ VERAS DRUMMOND DE


MENDONÇA

RIO DE JANEIRO
2022
CARLA FRANÇA R. GREGORIO

TEORIA E CLÍNICA DA PSICOSE: UM CASO CLÍNICO À LUZ DE FREUD E


LACAN

Monografia apresentada ao curso de Psicologia do


Instituto de Ciência da Saúde da Universidade
Veiga de Almeida, como pré-requisito para
obtenção do título de bacharel em Psicologia.

APROVADA EM

BANCA EXAMINADORA

_________________________________
Profa. Dra. Aline Maria Muniz Veras Drummond De Mendonça (Orientadora)
Universidade Veiga de Almeida

_________________________________
Prof.ª Me. Ana Paula Marques Lettiere Fulco
Universidade Veiga de Almeida

_________________________________
Prof. Dr. José Maurício Teixeira Loures
Universidade Veiga de Almeida
AGRADECIMENTOS

Agradeço à professora Ana Paula Lettiere, que vai descobrir agora, que foi a pessoa
que me apresentou a psicanálise quando eu ainda era de Cabo Frio. Você, com seus olhos
brilhando ao dar aula, fez o meu coração explodir por esse novo modo de ver o mundo – daí
tudo fez sentido, ou melhor, pôde não fazer sentido. À essa mulher minha mais profunda
gratidão e admiração, nunca esquecerei a primeira aula em que falou “não podemos pegar o
arco-íris, e nem por isso ele deixa de existir’’. Suas aulas me ensinaram muito sobre o amor,
de nada adianta investir só nele, né? Por essa via eu escolhi a psicanálise (ou ela me escolheu)
e eu comecei a análise. Desde então, fui livre pra investir em muitas outras coisas. A
psicanálise salvou minha vida.
À minha querida orientadora e supervisora durante dois anos, Aline Drummond. Me
deu a oportunidade de ser sua monitora e ver o jeito tão único que da aula. Os tantos
ensinamentos sobre a psicose, a direção impecável e sensível para condução do caso clínico,
que se tornou a clínica que eu quero seguir. Obrigada por acreditar em mim, mesmo nos meus
momentos de desespero e quando eu estava quase desistindo. Você é linda.
Ao homem que eu mais amo nesse mundo e sou apaixonada, meu pai! À minha mãe
que estava do meu lado em toda crise de choro, e me deixou chorar. Meus pais, minha base.
Sem vocês eu não conseguiria nada disso.
À minha Grande Outra, minha irmã, que sempre foi meu exemplo de feminilidade,
esforço e dedicação. À minha tia Marta, professora de português, que largou tudo para me
ajudar a fazer revisão de última hora. À minha família toda.
Ao meu grande amigo, Pedro Tristão, uma amizade que veio do estágio e se tornou pra
vida. Me ajudou a enxergar que meu jeito super sensível não é um problema; é arte. Falta uma
pessoa para compor o nosso grupo “Os Histéricos’’: minha amiga Gabriela Couto, tão
sorridente, carinhosa, me acolheu nos momentos finais. Eu amo vocês.
Agradeço a Deus, pelo dom da vida, meu criador. Por cada flash de luz que passa entre
as folhas e tocam no meu rosto, por sua chuva de Glória. Dono de todo o meu amor, obrigada
por ser mais real que o ar que eu respiro, por tranquilizar meu coração nos momentos de
angústia. Você é o meu lugar seguro e para ti voltarei.
"O que mais me emociona é que o que não
vejo contudo existe. Porque então tenho aos
meus pés todo um mundo desconhecido que
existe pelo e cheio de rica saliva. A verdade
está em alguma parte: mas é inútil pensar.
Não a descobrirei e no entanto vivo dela."
(Clarice Lispector)
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo articular a teoria psicanalítica e a atuação na clínica, a
partir de um caso atendido no Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade Veiga de
Almeida, campus Tijuca. Realiza, para tanto, a retrospectiva do percurso de Freud desde antes
da psicose como campo distinto da neurose e a descoberta do delírio como tentativa de cura
com o caso Schreber. Neste sentido, com Lacan, a clínica da psicose avança. O conceito da
foraclusão do Nome-do-Pai será essencial para abordar a estrutura psíquica, seus efeitos e
estabilizações. Acerda da condução do caso clínico, fez-se necessário abordar o papel do
analista como testemunha/secretário a fim da produção do sujeito emergir.

Palavras-chave: Psicose. Caso Clínico. Estabilização.


ABSTRACT

This work aims to articulate psychoanalytic theory and clinical practice, based on a case
handled at the Applied Psychology Service of the Veiga de Almeida University (Serviço de
Psicologia Aplicada da Universidade), Tijuca campus. To this end, it carries out a
retrospective of Freud’s journey since before psychosis as a distinct field of neurosis and the
discovery of delirium as an attempt at cure with the Schereber case. In this sense with Lacan,
the clinic of psychosis advances. The concept of foreclosure of the Name-of-the-Father will
be essential to approach the psychic structure, its effects and stabilizations. Upon conducting
the clinical case, it was necessary to address the role of the analyst as a witness/secretary in
order for the subject production to emerge.

Keywords: Psychosis. Clinical Case. Stabilization.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8

1. A PSICOSE EM FREUD ................................................................................................... 10

1.1. DO DELÍRIO A METÁFORA DELIRANTE ........................................................... 12

2. A PSICOSE EM LACAN ................................................................................................... 14

2.1. UM BREVE PERCURSO DA PSICOSE EM LACAN ............................................... 19

2.2. DESENCADEAMENTO PSICÓTICO EM LACAN .................................................. 21

2.3. ESTABILIZAÇÃO DA PSICOSE: METÁFORA DELIRANTE, PASSAGEM AO


ATO E OBRA. ..................................................................................................................... 22

3. O CASO SCHREBER ........................................................................................................ 24

4. O CASO CLÍNICO............................................................................................................. 33

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 40

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 41
8

INTRODUÇÃO

O presente trabalho emergiu de um caso clínico de psicose atendido no estágio


profissional no SPA da Universidade Veiga de Almeida durante aproximadamente dois anos.
Apesar de desafiador, o caso clínico despertou grande interesse e fomentou muitas
discussões acerca do tema da psicose.
O que se denomina hoje por psicose perambula há muito, só que com outro nome:
loucura. O interessante percurso histórico da dita loucura oferece importantes compreensões,
já que na idade antiga, esta foi considerada algo da ordem do divino, como um dom de
comunicação com deuses. Na Idade Média, tal função oracular passou a ser vista, ora como
voz de Deus, se fosse favorável aos interesses do rei, ora como manifestação demoníaca, no
seu contrário. Neste caso, não raro, os loucos designados à inquisição juntamente com outros
considerados desviantes.
Rotulados de perigosos, excluídos e indesejados, jamais passaram despercebidos.
Ainda hoje a loucura carrega estigmas e dificuldades. A partir disso, qual o lugar do analista
na clínica da psicose? Apesar do questionamento não ser novo, as respostas não são
encontradas facilmente. Para isso, será traçado todo um percurso desde as primeiras
teorizações sobre o tema.
No capítulo 1, intitulado A Psicose em Freud, serão abordados alguns aspectos da
história do surgimento da psicose dentro da psicanálise. A começar com o artigo “As
neuropsicoses de defesa’’, de 1894, que, como o próprio título permite compreender,
apresenta neurose e psicose juntas no mesmo campo. As cartas a Fliess, foram dando
continuidade à teoria, até chegar ao ano de 1924 com os textos “Neurose e Psicose” e “A
Perda da Realidade na Neurose e na Psicose” que demarcaram a diferença. Salienta-se
também a grande descoberta freudiana quanto à psicose, a saber, o delírio como tentativa de
cura. Tal descoberta consiste em grande reviravolta, já que os antes o delírio era concebido
como doença e não tentativa de cura.
O capítulo 2, que tem como título A Psicose em Lacan, aponta para os avanços do
herdeiro de Freud na teoria da clínica da psicose. A partir do seminário V será desenvolvido o
Complexo de Édipo em três tempos, tendo o ponto nodal – conceito inserido por Lacan – a
linha que define se a criança ultrapassará ou não a fase em que o pai interdita a mãe como
objeto de desejo. A Verwerfung como mecanismo específico de resposta da psicose será
elevado à foraclusão do Nome-do-Pai. No seminário III, denominado “As psicoses”, as
primeiras formulações sobre o tema; e em seus Escritos, no capítulo “De uma questão
9

preliminar a todo tratamento possível da psicose”, destacar-se-ão textos chaves para


compreensão das condições necessárias ao desencadeamento, as estabilizações possíveis e a
posição do analista frente a um sujeito psicótico.
No capítulo 3, denominado O Caso Schereber, será possível acessar um caso clínico
de psicose tendo como autor o próprio doente Daniel Paul Schreber em “Memórias de um
doente dos nervos” publicado em 1903. Com o livro, será abordado por Freud novamente o
delírio como tentativa de cura e a, em Lacan denominada, metáfora delirante. Para ambos
autores, estas são as soluções encontradas pelo próprio doente para se estabilizar. Lacan
avança ainda mais na teoria ao sinalizar que é devido à foraclusão do Nome-do-Pai que todo o
quadro delirante e alucinatório do Schreber opera como modo de suprir: “o que é foracluído
no simbólico retorna no real”. A função do delírio será explicitada como tentativa de cura de
duas formas: como reconstrução imaginária da realidade e como tentativa de localizar e
domesticar uma parcela de gozo invasivo.
Por último, O Caso Clínico, capítulo que aponta para o manejo de um analista e sua
posição frente aos casos de psicose, articulado com os autores supracitados. Abordará a escuta
analítica, as emergencias do objeto a devido à foraclusão do Nome-do-Pai e a condução do
tratamento a partir da posição de secretariar. Dessa forma, será possível ressaltar a produção
da própria paciente para se estabilizar.
Este trabalho pretende realizar uma observação teórica para embasar o estudo do caso
clínico. Oferecendo, assim, subsídios para investigações sobre a temática do atendimento
psicanalítico de pacientes psicóticos.
O trabalho em questão assenta-se na reflexão acerca da posição do analista na clínica
da psicose, ao caracterizar a foraclusão como condição essencial para formação de uma
estrutura psicótica e apresentar as possiveis estabilizações.
10

1. A PSICOSE EM FREUD

O percurso acerca da psicose em Freud, formular-se-á a partir de umas de suas


primeiras produções sobre o tema: o artigo ‘’ As neuropsicoses de defesa’’, redigido no ano
de 1894, nele assentiu sobre a existência de um mecanismo de defesa, na psicose e na
neurose, contra uma representação incompatível. Diferem-se por no primeiro:

[...] uma espécie de defesa muito mais poderosa e bem-sucedida. Nela, o eu rejeita a
representação incompatível juntamente com seu afeto e se comporta como se a
representação jamais lhe tivesse ocorrido. Mas a partir do momento em que isso é
conseguido, o sujeito fica numa psicose que só pode ser qualificada como “confusão
alucinatória”. (FREUD [1894], 1969, p. 33)

Então, “o eu rejeita (de Verwerfung), a representação insuportável como se esta jamais


tivesse alcançado o eu” (QUINET, 2021, p. 30). Lacan, por sua vez, elevará o conceito de
Verwerfung à foraclusão do Nome-do-Pai, que será amplamente explorado posteriormente ao
abordar o Édipo.
No rascunho H, Freud (1895) desenvolveu que a paranoia tinha como propósito: “se
defender de uma representação intolerável para o Eu, projetando seu conteúdo no mundo
exterior’’ (1895/2016, p. 17). Mas a projeção não sendo exclusiva da paranoia, só “um abuso
do mecanismo de projeção para fins defensivos’’ (1895/2016, p. 18), semelhando-se as
representações obsessivas no quesito mecanismo de defesa.

A representação delirante situa-se, na Psiquiatria, ao lado da representação


obsessiva, como um distúrbio puramente intelectual, e a paranoia, ao lado da loucura
obsessiva, como psicose intelectual. Uma vez que a representação obsessiva tenha
sido reconduzida a uma perturbação afetiva e se tenha demonstrado que ela deve sua
força a um conflito, então a representação delirante deve ser situada dentro da
mesma concepção, portanto, ela também é consequência de distúrbios afetivos e
deve sua força a um processo psicológico. O contrário disso é aceito pelos
psiquiatras, enquanto o leigo está habituado a derivar a loucura delirante [Wahnsinn]
de vivências psíquicas abaladoras. Aquele que não perde a razão com determinadas
coisas “não tem nada a perder”. Ora, de fato, ocorre o seguinte: a paranoia crônica,
em sua forma clássica, é um modo patológico de defesa, tal como a histeria, a
neurose obsessiva e a confusão alucinatória. Alguém se torna paranoico em relação a
coisas que não pode suportar, desde que tenha a predisposição psíquica específica
para isso. (FREUD, [1895] 2016, p. 15)

Foucault diz: “Aos insanos internados faltava apenas o nome de doentes mentais e a
condição médica que se atribuía aos mais visíveis.” (1972, p. 119).

Isolamento, interrogatório particular ou público, tratamentos - punições como a


ducha, pregações morais, encorajamentos ou repreensões, disciplina rigorosa,
trabalho obrigatório, recompensa, relações de vassalagem, de posse, de
domesticidade e às vezes de servidão entre doente e médico – tudo isto tinha por
11

função fazer do personagem do médico o “mestre da loucura”, aquele que a faz se


manifestar em sua verdade quando ela se esconde, quando permanece soterrada e
silenciosa, e aquele que a domina, a acalma e absorve depois de a ter sabiamente
desencadeado. (FOUCAULT, 1979, p. 122).

Falar em predisposição psíquica e mecanismo de defesa, implica em trazer – mesmo


que en passant, em um primeiro momento - que, para Lacan (1957-1958/1998), a condição
essencial para formar-se a estrutura psicótica é a foraclusão do significante do Nome-do-Pai.
Já em 1895 com o artigo ‘’ Novas observações sobre as psiconeuroses da defesa’',
retoma algumas considerações acerca da elaboração feita em 1894, valendo-se da ideia de
que, diferentemente da neurose obsessiva, é no mundo exterior que as recriminações projetar-
se-ão na paranoia. (ainda atrelado à defesa).
Com a carta a Fliess 112, Freud (1896) repassa sobre que é da sobreposição de
camadas que surge o mecanismo psíquico; em forma de traços mnêmicos se reorganiza e se
reescreve, a partir de novas relações. Situa as psiconeuroses sexuais em três grupos: histeria,
neurose obsessiva e paranoia.
E então acrescenta:

Portanto, o que há de fundamentalmente novo em minha teoria é a afirmação de que


a memória não está disposta em apenas uma, mas em várias camadas, que é escrita
com vários tipos de signos [Zeichen]. [...] Quantos desses tipos de escrita existem eu
não sei. Pelo menos três, provavelmente mais. [...]. Isso pode ser visto no diagrama
esquemático abaixo, que pressupõe que os diferentes modos de escrita
[Niederschriften] sejam também separados (não necessariamente em termos tópicos)
(FREUD, [1896], 2016, p. 35-36)

Ainda trilhando o percurso de Freud (1899/2016), na carta 125, interroga-se da


diferença que acontece no tornar-se histérico em vez de paranoico, mais especificamente no
“quando’' (1899/2016, p. 51). Ao perceber relação com a teoria sexual, retoma sobre as
camadas sexuais – mais especificamente a mais inferior delas. Insere-se o conceito, que o
autoerotismo é o ponto de fixação libidinal no caso da paranoia, “que renuncia a uma meta
psicossexual e só exige a sensação satisfatória local.’’ (1899/2016, p. 51).
Para Freud (1899/2016) a principal via, na histeria e na neurose obsessiva, é da
identificação com a pessoa amada, ao passo que:

A paranoia torna a diluir a identificação, reinstaura todas as pessoas amadas que


foram abandonadas na infância [...] e dissolve [aufllösen] o próprio Eu em pessoas
estranhas. Assim, passei a considerar a paranoia como um assalto da corrente
autoerótica, como um retorno ao ponto anterior. (p. 52)

As “psiconeuroses’’, outrora eram indistintas e situadas no mesmo campo. Nos textos


de 1924: “Neurose e Psicose’’ e “A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose’’, Freud
12

demarca a diferença da genética como origem das duas estruturas; sendo a primeira “o
resultado de um conflito entre o Eu e seu Isso, ao passo que a psicose é o resultado análogo de
perturbação semelhante nas relações entre o Eu e o mundo exterior.’’ (1924/2016, p. 271-
272).
Como suprarreferido, nesta escrita, Sigmund articula que em detrimento da
dependência da realidade, o Eu reprime parte da vida pulsional (Isso), no caso da neurose. Já
na psicose, o Eu não reprime, mas se coloca a serviço do Isso, afastando, retirando parte da
realidade desde o início.

[...] a neurose não recusa [verleugnet] a realidade, apenas não quer saber nada sobre
ela; a psicose a recusa e procura substituí-la. [...] A reelaboração da realidade na
psicose ocorre nos sedimentos psíquicos dos vínculos até então mantidos com ela,
isto é, nos traços mnêmicos, representações e julgamentos que dela se obteve até
então, e através dos quais ela é representada na vida psíquica. Esse vínculo, no
entanto, nunca se completou; ele foi continuamente enriquecido e alterado por novas
percepções. Com isso, também se coloca para a psicose a tarefa de procurar para si
as percepções que corresponderiam à nova realidade, o que é alcançado
fundamentalmente pela via da alucinação. Se as confusões de memória, as
formações delirantes e as alucinações apresentam [...] esse caráter extremamente
penoso, e se estão ligadas ao desenvolvimento de angústia, esse é, sem dúvida, o
sinal de que todo o processo de reconfiguração se consuma diante de forças
contrárias altamente poderosas. (FREUD, 1924/2016, p. 282)

Dado é, a resposta de recusa - ou não - da realidade indesejada o fator diferencial das


estruturas. A neurose recalca, valendo-se de nada querer saber, porém, sem recusar, substitui a
realidade indesejada pela via da fantasia. Já a psicose, após recusar, reformula, reelabora a
realidade; de acordo com Freud (1924) ao rejeitar um fragmento de realidade, ela retornará se
impondo, de novo e de novo à vida psíquica; criar-se-á uma saída pelo mecanismo do delírio e
alucinações. Dessa forma, a perda da realidade advém em ambas as estruturas.
“É assim que, para ambas, neurose e psicose, não apenas conta a questão da perda de
realidade, mas também a de uma substituição da realidade.’’ (FREUD, 1924/2016, p. 284).

1.1. DO DELÍRIO A METÁFORA DELIRANTE

Freud (1911) ao interpretar o Caso Schreber, instaura o delírio como tentativa de cura.
Em seu relato clínico, Sigmund explicita não ter conhecido pessoalmente o doente, valendo-se
para tal análise, da autobiografia publicada pelo próprio Schreber, compartilhado
publicamente de forma impressa. Afirma considerar lícito fazer as interpretações
psicanalíticas obtidas por essa via a qual, diga-se de passagem, permitiu grande avanço quanto
à teoria sobre a psicose.
13

[...] o delírio é como um remendo colocado onde originalmente surgira uma fissura
na relação do Eu com o mundo exterior. Se essa precondição, o conflito com o
mundo externo, não é muito mais patente do que agora notamos, a razão para isso
está no fato de no quadro clínico da psicose as manifestações do processo
patogênico serem frequentemente cobertas por aquelas de uma tentativa de cura ou
reconstrução. (FREUD, 1924/2011, p. 161)

Lacan em seu seminário III, diz que o delírio não é deduzido, há uma significação para
o sujeito, já que há algo que nunca foi simbolizado – o Nome-do-Pai como significante. Há
uma exigência da ordem simbólica que “acarreta desagregação em cadeia, uma subtração da
trama na tapeçaria, que se chama delírio’' (1955-56, p. 108). É o delírio que traz sentido aos
significantes que retornam no real e que localiza e cifra o gozo excessivo através de um saber.

É a falta do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo furo que abre no significado, dá
início à cascata de remanejamentos do significante de onde provém o desastre
crescente do imaginário, até que seja alcançado o nível em que significante e
significado se estabilizam na metáfora delirante. (LACAN, 1958/1998, p. 584)

A foraclusão do Nome-do-Pai no Outro, na psicose, coloca todo o conjunto de


significantes do sujeito em causa e tem como efeito os distúrbios na linguagem – em que o
significante e significado aparecem radicalmente separados e há prevalência do significante,
ou seja, os psicóticos não conhecem o sentido das palavras que enunciam, pois quando da
dissolução do imaginário (o fim do mundo, a grande catástrofe, segundo Schreber) o sujeito
perde o sentido.
Logo, para que haja um ponto-de-basta, a metáfora delirante fará a suplência do
significante foracluído no simbólico, assim possibilitando a estabilização. Mas vale ressaltar
que:

A operação efetuada pela metáfora delirante não é equivalente à da metáfora paterna


que desaloja o sujeito da posição de ser o objeto do Outro, e efetua, assim, a
castração simbólica. Mas ela provoca um efeito de amenizar, de temperar o gozo
que, de uma certa forma, fica mais localizado, apesar de não barrar completamente o
Outro. (QUINET, 2021, p. 51)
14

2. A PSICOSE EM LACAN

“Oh! Ai de mim! Tudo está claro! Ó luz, que eu te veja


pela derradeira vez! Todos sabem: tudo me era interdito:
ser filho de quem sou, casar-me com quem me casei e
eu matei aquele a quem eu não poderia matar!”
(Rei Édipo – Sófocles)

Édipo rei, escrito por Sófocles é isso: um mito.


Lacan (1957-58) em seu seminário V retoma Freud sob a ótica do Complexo de Édipo
para situar que, é a partir dele que a estrutura psíquica do sujeito será formada de acordo com
as possíveis articulações subjetivas. As vivências aí contidas, de acordo com Freud (1924)
passam pelo período de latência, ou seja, são esquecidas. Tal complexo, gira em torno da
castração, ponto central na primeira infância; “ponto nodal’’1 para Jacques.
Para abordar a temática, de onde tudo irá se desenrolar, se faz necessário a tradução
que Lacan fez acerca de Freud que ‘’o inconsciente é uma linguagem’’ 2 , destaca a
importância da linguagem e da fala para entender o que há de essencial, já que o inconsciente
é estruturado como linguagem e é a céu aberto na psicose. ([1957-58], 1999, p. 150).
Freud no texto “O Declínio do Complexo de Édipo’’ discorre sobre a fase do
desenvolvimento sexual: “o que é genital já assumiu o papel principal, mais precisamente, o
pênis’’ ([1924] 2016, p. 260), leva-se em consideração apenas ele. Por isso a primazia do falo.

A principal característica dessa “organização genital infantil” constitui, ao mesmo


tempo, o que a diferencia da definitiva organização genital dos adultos. Consiste no
fato de que, para ambos os sexos, apenas um genital, o masculino, entra em
consideração. Não há, portanto, uma primazia genital, mas uma primazia do falo.
(FREUD, 1923/2011, p. 152)

Ainda de acordo com Freud (1923/2011) no texto ‘’A Organização Genital Infantil’’
se atendo ao menino, ele percebe a diferença entre os homens e mulheres, mas que a princípio
não liga a diferença dos órgãos genitais. Supõe-se que todas as coisas e pessoas tem pênis.
Com grande interesse no membro que lhe proporciona excitação e sensações, passa a
pesquisar em outras pessoas, querendo ver, diferenciando a proporção, comparado ao seu.

1
LACAN, 1999, p. 191.
2
LACAN, 1988, p. 21.
15

Daí a fantasia de castração. Partindo da premissa universal do falo e da visão dos


genitais femininos, tal fantasia viria dar sentido à diferença sexual anatômica e organizar o
destino dos sujeitos em posições sexuadas masculina e feminina, numa dimensão simbólica,
para além da anatomia (SOUZA, 1911).
Posteriormente, ao observar a anatomia das meninas, e dar conta que nem todos tem o
órgão sexual, “eles recusam essa ausência’’ (FREUD, 1923/2011, p. 153). Ao ver o membro
no próprio corpo formulam outras hipóteses para tal divergência: que é pequeno e há de
crescer na menina. Só que,

[...] aos poucos chegam à conclusão emocionalmente significativa de que no mínimo


ele estava presente e depois foi retirado. A ausência de pênis é vista como resultado
de uma castração, e o menino se acha ante a tarefa de lidar com a castração em
relação a ele próprio [...] a significação do complexo da castração só pode ser
apreciada corretamente quando se considera também sua origem na fase da primazia
do falo.3 (p. 154)

Lacan (1957-58) no seminário V evidencia o motivo de falar de falo, e não


simplesmente de pênis, voltando ao que é o falo na origem: Ele é o phallos4. Elucida que na
Antiguidade grega não era sinônimo de órgão, membro.

[...] por que falar de falo e não de pênis? É que não se trata de uma forma ou de uma
imagem ou de uma fantasia, mas de um significante, o significante do desejo. Na
antiguidade grega não se o representa como um órgão e sim como uma insígnia, é o
objeto significante último que aparece quando todos os véus são corridos e tudo o
que se relaciona com ele é objeto de amputações, de proibições. 5

Em Freud com o texto “Algumas Consequências Psíquicas da Diferença Anatômica


Entre os Sexos” divide o complexo de Édipo em duas etapas. Na primeira, o objeto é sempre a
mãe - para ambos os sexos -, ela já era no período anterior de amamentação, “já tinha
investido com sua libido ainda não genital.” (1925/2011, p. 259). Ainda no primeiro
momento, o pai é percebido como oponente, já que a criança quer ficar com a mãe, ocupando
assim, o lugar do pai, seu rival. Essa posição da criança é fálica e no segundo momento,
“sucumbe ao medo de castração, isto é, ao interesse narcísico pelo genital.” (1925/2011, p.
259).

3
Já foi corretamente assinalado que a criança adquire a ideia de um dano narcísico por perda corporal ao perder
o seio materno após mamar, ao depositar cotidianamente as fezes e mesmo ao separar-se do ventre da mãe no
nascimento. Mas só devemos falar de um complexo da castração quando tal ideia de perda ficou ligada ao
genital.
4
LACAN, 1999, p. 359.
5
LACAN, 1979, p. 112.
16

“Essa função imaginária do falo, portanto, Freud a desvelou como pivô do processo
simbólico que arremata, em ambos os sexos, o questionamento do sexo pelo complexo de
castração.”6
No entanto, “com a menina é diferente. Num instante ela faz seu julgamento e toma
sua decisão. Ela viu, sabe que não tem e quer ter’’ (FREUD, 1925/2011 p. 262). Dessa forma,
diferencia-se quando a menina, ao ver que não tem, aceita a castração como fato consumado;
ao passo que, o menino teme lhe seja tirado assim como alguns já foram.

Se, tanto para a menina como para o menino, o complexo de castração assume um
valor-pivô na realização do Édipo, é muito precisamente em função do pai, porque o
falo é um símbolo do qual não há correspondente, equivalente. É de uma dissimetria
no significante que se trata. Essa dissimetria significante determina as vias por onde
passará o complexo de Édipo. As duas vias fazem eles passarem na mesma vereda -
a vereda da castração. (LACAN, 1955-56, p. 207)

Para Lacan (1957-58) o desfecho favorável ou não do Édipo gira em torno de três
planos: o da castração, o da frustração e o da privação efetivadas por um terceiro, o pai.
Privação do que não se tem, que só poderia vir a existir como símbolo na medida em que se
fosse possível/passível de projetar no plano simbólico.

Mas há de fato uma privação, uma vez que toda privação real exige a simbolização.
Assim, é no plano da privação da mãe que, num dado momento da evolução do
Édipo, coloca-se para o sujeito a questão de aceitar, de registrar, de simbolizar, ele
mesmo, de dar valor de significação a essa privação da qual a mãe revela-se o
objeto. Essa privação, o sujeito infantil a assume ou não, aceita ou recusa. Esse
ponto é essencial. Vocês o encontrarão em todas as encruzilhadas, a cada vez que
sua experiência os levar a um certo ponto que agora tentamos definir como nodal no
Édipo. (1957-58, p. 191)

O chamado “ponto nodal” será o referencial, a linha para definir se a criança


ultrapassará ou não a fase em que o pai interdita a mãe. Ele priva efetivamente a criança de
ser objeto para a mãe e a mãe para a criança. Ademais, mediante o simbólico, aponta o desejo
da mãe para além, desejo do Outro - por já ser castrada. "o pai é um significante que substitui
um outro significante" (LACAN, 1958/1999, p. 180).

[...] na medida em que a criança não ultrapassa esse ponto nodal, isto é, não aceita a
privação do falo efetuada na mãe pelo pai, ela mantém em pauta – a correlação se
fundamenta na estrutura – uma certa forma de identificação com o objeto da mãe,
esse objeto que lhes apresento desde a origem como um objeto-rival, para empregar
a palavra que surge aí, e isso ocorre, quer se trate de fobia, de neurose ou de
perversão. [...] qual é a configuração especial da relação com a mãe, com o pai e
com o falo que faz com que a criança aceite que a mãe seja privada, pelo pai, do

6
LACAN, 1998, p. 561.
17

objeto de seu desejo? Em que medida, num dado caso, é preciso apontar que, em
correlação com essa relação, a criança mantém sua identificação com o falo?
(LACAN, 1957-58, p. 192)

Ainda consoante com Lacan, a depender da estrutura - neurose, psicose ou perversão -


como formas particulares de responder a castração, essa relação não será a mesma, mas é
nodal.

Nesse nível, a questão que se coloca é ser ou não ser, to be or not to be o falo. No
plano imaginário, trata-se, para o sujeito, de ser ou não ser o falo. A fase a ser
atravessada coloca o sujeito na situação de escolher. [...] escolher entre aspas, [...]
não é ele quem manipula as cordinhas do simbólico. A frase foi começada antes
dele, foi começada por seus pais [...]. Mas, digamos, uma vez que convém nos
exprimirmos bem, que existe, em termos neutros, uma alternativa entre ser ou não
ser o falo (1957-58, p. 192).

O próximo passo para Lacan, é o plano de ter ou não ter o falo - instaurado como
símbolo e do lado de fora do sujeito, “se assim não for, ninguém poderá intervir realmente
como revestido desse símbolo. É como personagem real, revestido desse símbolo’’ (1957-58,
p. 193). Daí, o pai entra em cena como proibidor do incesto, da mãe como objeto, como
portador da lei. Ou seja, o terceiro elemento só pode interferir no momento em que o falo é
símbolo, como já aludido como insígnia.
O ponto fundamental para que a menina se transforme em mulher e o menino em
homem: complexo de castração. Admite-se ser castrado ao superar a questão do não ser e
passar para o ter ou não ter. Mesmo ao supor ter – o falo “é preciso que haja um momento em
que não se tem [...]’’7. Assumir ter o falo é assumir ser castrado; não poder tê-lo previamente.
Só que o sujeito “na medida em que não aceita, isso o leva, homem ou mulher a ser o falo’’
(1957-58, p. 193).
“Embora o complexo de Édipo seja vivido pela maioria das pessoas
individualmente’’8, há quem não passe, conforme Lacan

Pode acontecer que um sujeito recuse o acesso, ao seu mundo simbólico, de alguma
coisa que, no entanto, ele experimentou e que não é outra coisa naquela
circunstância senão a ameaça de castração. Toda a continuação do desenvolvimento
do sujeito mostra que ele nada quer saber disso, Freud o diz textualmente no sentido
do recalcado. O que cai sob o golpe do recalque retoma, pois o recalque e o retorno
do recalcado são apenas o direito e o avesso de uma mesma coisa. O recalcado está
sempre aí, e ele se exprime de maneira perfeitamente articulada nos sintomas e

7
LACAN, 1999, p. 192-193.
8
FREUD, 2011, p. 183.
18

numa multidão de outros fenômenos. Em compensação, o que cai sob o golpe da


Verwerfung tem uma sorte completamente diferente. ([1955-56] 1988, p. 21-22)

Lacan (1957-1958) formulará “Os Três Tempos do Édipo’’ no seminário V “As


formações do Inconsciente’’. O primeiro tempo: a criança como ‘’assujeito’’9, submetida aos
caprichos de quem cuida. O eu é sobretudo corporal10, então encontra-se identificada
especularmente, ao objeto de desejo da mãe e busca satisfazê-lo. Isto é

To be or no to be o objeto de desejo da mãe [...] a criança se identifica, esse algo


diferente que ela vai procurar ser, ou seja, o objeto satisfatório para a mãe. A partir
do momento em que alguma coisa começa a se remexer em seu baixo-ventre, ela
começa a mostrá-la à mãe, no intuito de saber se sou mesmo capaz de alguma coisa,
com as decepções que se seguem. Ela a procura e a encontra na medida em que a
mãe é interrogada pela demanda da criança. Também a mãe, por sua vez, está em
busca de seu próprio desejo, e em algum lugar por aí situam-se os componentes
deste. (LACAN, 1957-58, p.197-198)

Ademais, ainda conforme o autor supracitado, essa primeira etapa é fálica primitiva. A
mãe por ser falante, já se encontra submetida a Lei. Só que a criança só tem noção a
posteriori, aqui se tem um Outro sem barra.
Segundo tempo do Édipo, estádio nodal e negativo:

[...] o pai intervém efetivamente como privador da mãe, o que significa que a
demanda endereçada ao Outro, caso transmitida como convém, será encaminhada a
um tribunal superior [...] aquilo sobre o qual o sujeito interroga o Outro, na medida
em que ele o percorre por inteiro, sempre encontra dentro dele, sob certos aspectos,
o Outro do Outro, ou seja, sua própria lei. É nesse nível que se produz o que faz com
que aquilo que retorna à criança seja, pura e simplesmente, a lei do pai, tal como
imaginariamente concebida pelo sujeito como privadora da mãe. (LACAN, 1957-58,
p. 198-199)

Como visto, a princípio a criança encontra-se identificada com o primeiro outro


absoluto; agora se inscreve a nova lei: da castração - que é simbólica. Através de um terceiro,
a mediação será feita, separando mãe e filho, o pai como quem produz uma falta, mostrando
que “a mãe é dependente de um objeto, que já não é simplesmente o objeto de seu desejo, mas
um objeto que o Outro tem ou não tem.’’ (LACAN, 1957-58, p. 199). Conecta-se ao mesmo
tempo “com o fato de o objeto de seu desejo ser soberanamente possuído, na realidade, por
esse mesmo Outro a cuja lei ela remete, fornece a chave da relação de Édipo. O que constitui

9
LACAN, 1999, p. 195.
10
FREUD, 1923/2011, p. 24.
19

seu caráter decisivo deve ser isolado como relação não com o pai, mas com a palavra do
pai’’11
“Essa mensagem não é simplesmente o Não te deitarás com tua mãe, já nessa época
dirigido à criança, mas um Não reintegrarás teu produto, que é endereçado à mãe’’ (LACAN,
1957-58, p. 209). Logo, a proibição é para os dois lados.
No Seminário III Lacan (1955-56) diz que “Numa psicose, admitimos perfeitamente
que alguma coisa não funcionou, não se completou no Édipo essencialmente.’’ (p. 229). E no
Seminário V traz o que acontece - também já aprofundado no primeiro tempo lógico, “Na
psicose, o Nome-do-Pai, o pai como função simbólica [...] é, precisamente verworfen”
(Lacan, 1957-58, p. 211). É rejeitado, o pai não intervém como lei; a mensagem de proibição
do parágrafo acima não surte seu efeito de proibição.
Terceiro tempo do Édipo: via pela qual depende a saída do complexo, tanto meninos
como meninas, passam da posição de ser o falo para querer ter o falo.

O pai intervém como real e potente. [...] É por intervir como aquele que tem o falo
que o pai é internalizado no sujeito como Ideal do eu, e que, a partir daí, não nos
esqueçamos o complexo de Édipo declina. [...].O pai é, no Outro, o significante que
representa a existência do lugar da cadeia significante como lei. [...]. O pai acha-se
numa posição metafórica, na medida, e unicamente na medida em que a mãe faz
dele aquele que sanciona, por sua presença, a existência como tal do lugar da lei.
(LACAN, 1957-58, p. 201-202)

2.1. UM BREVE PERCURSO DA PSICOSE EM LACAN

“A psicose é aquilo diante do que um analista não deve, em caso algum, recuar’’12
Partindo da doutrina Freudiana, Lacan (1955-56) se aprofundará na teoria já
consolidada, reterá os ensinos, ademais, em cima dela fará novas construções. Encontra-se no
Seminário III, uma das primeiras formulações acerca da psicose. Bem como, retoma
considerações para o tratamento dessa estrutura nos seus Escritos no capítulo V (1957/1958)
“De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose’’.
Conforme pesquisado e sintetizado por Souza, N (1991) a psicose como conceito, é
desenvolvido por Freud; já a palavra em si, não. Quem empregou pela primeira vez foi Von
Feuchtersleben, no ano de 1845. Lacan (1955-56) situa que paranoia surgiu no começo do

11
LACAN, 1999, p. 199.
12
LACAN, 1977, p. 12.
20

século XIX, com um psiquiatra que foi aliado de Kant; ao conceituar a psicose no seminário
III coloca que

Psicose não é demência. As psicoses são, se quiserem - não há razão para se dar ao
luxo de recusar empregar este termo -, o que corresponde àquilo que sempre se
chamou, e a que legitimamente continua se chamando, as loucuras. É nesse domínio
que Freud faz a partilha. Ele não se envolveu com nosologia [...] tudo que
chamamos de psicose ou loucura era paranoia. ([1955-56] 1988, p. 12-13)

Na Alemanha, o cenário nos manicômios, mais da metade dos doentes internados


portavam o diagnóstico de paranoia. Enquanto na França

[...] a palavra paranoia, no momento em que foi introduzida na nosologia - momento


extremamente tardio, que entra em jogo faz uns cinquenta anos -, foi identificada
com alguma coisa de fundamentalmente diferente. Um paranoico - pelo menos antes
que a tese de um certo Jacques Lacan tenha tentado lançar uma grande perturbação
nos espíritos, que se limitou a um pequeno círculo, ao pequeno círculo que convém,
o que faz com que não se fale mais hoje dos paranoicos como antes -, um paranoico
era uma pessoa má, um intolerante, um tipo de mau humor, orgulho, desconfiança,
suscetibilidade, sobrestimarão de si mesmo. Essa característica constituía o
fundamento da paranoia - quando o paranoico era por demais paranoico, ele acabava
por delirar. Tratava-se menos de uma concepção que de uma clínica, aliás muito
fina. Eis mais ou menos, eu não forço em nada, o ponto em que estávamos na França
após a difusão da obra do Sr. Génil-Perrin sobre a Constituição paranoica, que tinha
feito prevalecer a noção caracteriológica da anomalia da personalidade, constituída
essencialmente - o estilo do livro traz consigo a marca dessa inspiração - pelo que se
pode qualificar de estrutura perversa do caráter. Como todo perverso, ocorria ao
paranoico sair dos limites, e cair nesta horrível loucura, exagero desmedido dos
traços de seu caráter intratável (LACAN, [1955-56] 1988, p. 13)

Assim, Lacan (1955-56) corrobora com a mudança no social de não se referir aos
paranoicos como antigamente, com o caráter pejorativo de ser uma pessoa ruim, anômala. É
como estrutura psíquica que passa a ser admitida, diante da resposta de rejeição (Verwerfung)
frente a ameaça de castração. Dunker e Kyrillos Neto (2015) seguem

Restituir a função diagnóstica em Psicanálise, no tratamento psiquiátrico, é função


ética que a Psicanálise propõe à Psiquiatria, assim como propõe ir contra a
dissolução da clínica, substituída pelo binômio norma versus transtorno, para
privilegiar o sintoma como manifestação do sujeito. [...]. Frisamos que a Psicanálise
não se opõe à Psiquiatria, mas sim a todo discurso que suprime a função do sujeito.
(p. 88)

Ademais, nesse sentido de aceitar o desafio freudiano continuado por Lacan como já
explanado, abrir-se-á

[...] uma via para a construção do caso clínico a partir de um saber sobre a
subjetividade de cada paciente. Assim, surge um diagnóstico como conclusão de um
processo investigatório: não atacar o sintoma, mas abordá-lo como manifestação
subjetiva significa acolhê-lo para que possa ser desdobrado. Daí surge um sujeito,
seja na melancolia, no delírio paranoico ou no despedaçamento do esquizofrênico
(DUNKER; KYRILLOS NETO, 2015, p. 88)
21

2.2. DESENCADEAMENTO PSICÓTICO EM LACAN

Lacan adverte, tanto em seus seminários quanto em seus escritos sobre os riscos de se
tomar em análise psicóticos que não tenham ainda desencadeado um surto. Encontra-se
algumas indicações que apontam no mínimo para uma prudência, embora ele deixe a cargo de
cada analista a resolução de aceitar ou não. “Acontece recebermos pré-psicóticos em análise,
e sabemos em que isso dá — isso dá em psicóticos.”13. Pois a análise, como lugar de tomada
da palavra, pode desencadear uma psicose até então não desencadeada.

Um mínimo de sensibilidade que nosso oficio nos dá nos faz ver claramente algo
que encontra sempre no que se chama de a pré-psicose, a saber, o sentimento de que
o sujeito chegou à beira do buraco. Isso deve ser tomado ao pé da letra. Não se trata
de compreender o que se passa ali onde não estamos. Não se trata de fenomenologia.
Trata-se de conceber, não de imaginar, o que se passa para um sujeito quando a
questão lhe vem dali onde não há significante, quando é o buraco, a falta que se faz
sentir como tal. (LACAN, 1955-56, p. 237)

Eis a primeira condição essencial para o desencadeamento da psicose: “É um acidente


desse registro e do que nele realiza, a saber, na foraclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro,
e no fracasso da metáfora paterna, que apontamos a falha que confere à psicose sua condição
essencial, com a estrutura que a separa da neurose.” (LACAN 1957-1958/1998, p. 582).
Lacan (1957-1958/1998) define a foraclusão como ausência no nível do Outro: uma
ausência no nível do significante do Nome-do-Pai. Aponta a Verwerfung - rejeição da
castração - como condição essencial da psicose. Foracluir é não incluir, é deixar de fora. A
dupla função do significante Nome-do-Pai: como suporte da cadeia de sentido que estrutura o
campo da realidade e como significante que limita a presença do gozo no mundo.
A segunda condição: ‘’Aqui, seja qual for a identificação pela qual o sujeito assumiu o
desejo da mãe, ela desencadeia, por ser abalada, a dissolução do tripé imaginário’’ (LACAN
1957-1958/1998, p. 572). Ou seja, uma quebra das identificações imaginárias.
Ao introduzir a terceira condição começa com um questionamento:

Mas, como pode o Nome-do-Pai ser chamado pelo sujeito no único lugar de onde
poderia ter-lhe advindo e onde nunca esteve? Através de nada mais nada menos que
um pai real, não forçosamente, em absoluto, o pai do sujeito, mas Um-pai. É preciso
ainda que esse Um-pai venha no lugar em que o sujeito não pôde chamá-lo antes.
Basta que esse Um-pai se situe na posição terceira em alguma relação que tenha por

13
LACAN, 1988, p. 293.
22

base o par imaginário a-a', isto é, eu-objeto ou ideal-realidade [...] (LACAN 1957-
1958/1998, p. 584).

O gozo sem limites que invade o sujeito num surto psicótico (então, crise, surto é
invasão de gozo e inundação de signos) deve-se à falta do significante do Nome-do-Pai que
tem como função regular e delimitar o gozo, o que não ocorre na psicose por conta do
fracasso da metáfora paterna não ocorreu a extração de gozo.

[...] o complexo de Édipo é essencial para que o ser humano possa aceder a uma
estrutura humanizada do real, [...] para que haja realidade, acesso suficiente à
realidade, para que o sentimento da realidade seja um justo guia, para que a
realidade não seja o que ela é na psicose, é preciso que o complexo de Édipo tenha
sido vivido. (LACAN, 1955-56, p. 232)

Lacan define a psicose como um caso de não extração do objeto a do campo da


realidade. Em seu “Pequeno discurso aos psiquiatras” (1967/Inédito): “O louco é um homem
livre por excelência, porque ele não precisa do Outro para causar o seu desejo porque ele leva
o objeto a no bolso’’

2.3. ESTABILIZAÇÃO DA PSICOSE: METÁFORA DELIRANTE, PASSAGEM AO


ATO E OBRA

“Estabilização é uma operação que circunscreve, localiza, deposita, separa ou apazigua


o gozo, correlativa a uma entrada em algum tipo de discurso, por mais precário que ele seja’’
(ALVARENGA, 2000, p. 18)
Por conta da não extração do objeto α na psicose, o gozo retorna como real em
excesso. Esse excesso que não caiu sob a forma de objeto α invade o louco (nas vozes e os
olhares - emergências do objeto a - e nos fenômenos corporais, como, por exemplo, na
vivência hipocondríaca) e urge, portanto, a construção de uma barreira, ou seja, sua extração
real, ou simbólica ou a sua localização.
Logo, diante da foraclusão do Nome-do-Pai na psicose, cada sujeito vai buscar uma
solução tanto para localizar essa parcela de gozo invasivo, quanto tentar separar-se do objeto
α, ou ainda, tentar obter a extração desse objeto, desse gozo que invade e submete. Os
princípios que regem o tratamento da psicose não são os mesmos que regem o tratamento da
neurose.
As tentativas de estabilização são soluções encontradas na psicose diante do retorno no
real, daquilo que foi foracluído do simbólico e que se impõe para sujeito. De acordo com
23

Soler (2007) na psicose, o trabalho é do próprio sujeito achar um jeito de lidar com os
retornos no real, é de tornar o gozo suportável.
O tratamento na psicose é de domesticar o gozo, o surto é uma invasão de gozo no
corpo devido à falta do significante do Nome-do-Pai. Existem algumas formas de fazer
suplência ao Nome-do-Pai foracluido. Freud ensinou que uma é através do delírio, que Lacan
chamou de metáfora delirante, pela via da arte e pela passagem ao ato. Sendo a última a mais
desastrosa (heteroagressiva ou autoagressiva). A não extração do objeto a faz com que retorne
no campo da realidade na forma de voz e olhar.
O processo delirante é uma tentativa do sujeito de fazer a separação desse objeto,
tentando localizar o gozo num objeto separado do seu corpo. Para Lacan (1966/2003) as
elaborações delirantes permitem ao sujeito a localização do gozo no lugar do Outro.
A obra na psicose é uma tentativa de constituir algo que possa representar, para que o
sujeito dele se separe. A produção de um objeto fora do corpo permite ao psicótico não ser
mais, ele mesmo, o objeto de gozo do Outro. É a obra como possibilidade de extração do
gozo.
Na passagem ao ato, supomos que esse objeto, na relação imaginária com o outro,
determina um excesso de gozo. O sujeito, através do ato, tenta se desvencilhar, ou seja, busca
um efeito de separação/ extração de Gozo.
24

3. O CASO SCHREBER

“Pois, não esqueçamos, do “caso Schreber” Freud não conheceu nada além desse
texto. E é esse texto que traz em si tudo o que ele soube extrair de revelador desse caso.”14

E para indicar-lhes imediatamente um ponto de referência ao qual vocês poderão se


reportar, lembro-lhes que no fim da observação do caso Schreber, que é o texto
maior de sua doutrina concernente às psicoses, Freud traça uma linha divisora de
águas, se assim posso me exprimir, entre paranóia de um lado e, de outro, tudo o que
gostaria, diz ele, que fosse chamado parafrenia, e que corresponde exatamente ao
campo das esquizofrenias. Aí está uma referência necessária à inteligência do que
diremos mais adiante - para Freud, o campo das psicoses se divide em dois.
(LACAN, [1955-56] 1988, p. 12)

Daniel Paul Schreber nasceu em Leipzing, no ano de 1842. Veio da linhagem de uma
família de burgueses protestantes, abastados e cultos, buscavam a celebridade, no século
XVIII, através do trabalho intelectual. Filho do médico ortopedista e pedagogo Daniel
Gottlieb Moritz Schreber de Louise Henrietta Pauline Haase. Havia quatro irmãos: Daniel
Gustav Daniel Gustav (1839-1877), Anna (1840- 1944), Sidonie (1846-1924) e Klara (1848-
1917). (SCHREBER, 1984).
Sobre a figura materna: “mulher pouco afetiva, deprimida e inteiramente dominada
pelo marido.’’ (SCHREBER, 1984, p. 9). Seu pai, autor de livros sobre ginástica, higiene e
educação das crianças. A fim assegurar a postura corporal ereta da criança a todo tempo, até
mesmo durante o sono, Daniel Gottlieb confeccionou aparelhos ortopédicos de ferro e couro.
Aplicava em seus filhos os próprios métodos educacionais.
Aos trinta e seis anos, casou-se com Ottlin Sabine Behr que “não deu filhos a Daniel
Paul; teve seis abortos espontâneos. Por ocasião de seu casamento, consta que Schreber sofreu
um episódio de hipocondria, mas sem internação.’’ (SCHREBER, 1984, p. 17).
No tocante a vida profissional: é nomeado, em 1884, vice-presidente do Tribunal
Regional de Chemnitz; Posteriormente no mesmo ano, candidata-se ao parlamento (Partido
Nacional Liberal) e sofre derrota nas eleições. Quase dois meses após concorrer ao cargo, “o é
internado na clínica para doenças nervosas da Universidade de Leipzig, cujo diretor é o Prof.
Paul Emil Flechsig, uma das maiores autoridades da Neurologia e da Psiquiatria da época. O
diagnóstico é de hipocondria. A internação dura seis meses.’’ (SCHREBER, 1984, p. 17-18)

14
LACAN, 2003, p. 219.
25

Reassumiu suas atividades profissionais em 1886. Aos 51 anos, em 1893, ocorreu a nomeação
para a corte de Apelação de Dresden.
Após breve contextualização acerca história do paciente, embora sem trazer excessivo
detalhamento, dado que, o foco, a priori, é o novo conceito sobre o delírio: “a formação
delirante é na realidade tentativa de cura’’ (FREUD, 1911, p. 94).
O livro “Memórias de um doente dos nervos’’, publicado no ano de 1903, teve como
autor, o próprio doente, Daniel Paul Schreber. Daniel demonstra clareza quanto à finalidade
de sua escrita “...com meu trabalho tenho apenas o objetivo de promover o conhecimento da
verdade em um campo de maior importância, o religioso.’’ (p. 30).
“Poucas pessoas cresceram com princípios morais tão rigorosos como eu e poucas (...)
se impuseram ao longo de toda sua vida tanta contenção de acordo com esses princípios,
principalmente no que se refere à vida sexual.” (SCHEREBER, 1984, p. 184)

Pois, reportando-nos à obra de Daniel Gottlieb Moritz Schreber, fundador de um


instituto de ortopedia na Universidade de Leipzig; educador, ou melhor, para
articulá-lo em inglês, “educacionalista”; reformador social “com vocação apostólica
de levar às massas a saúde, a felicidade e a bem aventurança” através da cultura
física; iniciador das pequenas hortas destinadas a manter no empregado um
idealismo hortigranjeiro, as quais ainda conservam na Alemanha o nome
Schrebergarten; sem falar das quarenta edições da Ginástica médica de salão, (...) e
onde não nos surpreenderá que a criança, à semelhança do grumete da célebre pesca
de Prévert, mande as favas (verwerfe ) a baleia da impostura, (...).15

Para Lacan (1957-1958/1998), como já aludido, na psicose o Nome-do-Pai é


foracluído, isto é, jamais advindo no lugar ali invocado em oposição simbólica ao sujeito.

Mais ainda, a relação do pai com essa lei deve ser considerada em si mesma, pois
nela encontramos a razão do paradoxo pelo qual os efeitos devastadores da figura
paterna são observados, com particular frequência, nos casos em que o pai realmente
tem a função de legislador ou dela se prevalece, quer ele seja, efetivamente,
daqueles que fazem as leis, quer se coloque como pilar da fé, como modelo de
integridade ou de devoção, como virtuoso ou virtuose, como servidor de uma obra
de salvação, de algum objeto ou falta de objeto que haja, de nação ou de natalidade,
de salvaguarda ou salubridade, de legado ou de legalidade, do puro, do pior ou do
império, todos eles ideais que só lhe fazem oferecer demasiadas oportunidades de
estar em posição de demérito, de insuficiência ou até de fraude e, em resumo, de
excluir o Nome-do-Pai de sua posição no significante16

Sobre o desencadeamento pode-se observar ao Schreber narrar

15
LACAN, 1998, p. 588.
16
LACAN, 1998, p. 586.
26

Depois da cura de minha primeira doença, vivi oito anos, no geral, bem felizes, ricos
também de honrarias exteriores e apenas passageiramente turvados pelas numerosas
frustrações de esperança de ter filhos. Em junho de 1893 fui notificado (primeiro
pessoalmente, pelo Sr. Ministro da justiça, Dr. Schuring) da minha iminente
nomeação para presidente da Corte de Apelação de Dresden. [...] Além disso, uma
vez, de manhã, ainda deitado na cama (não sei mais se meio adormecido ou já
desperto), tive uma sensação que me perturbou da maneira mais estranha, quando
pensei nela depois, em completo estado de vigília. Era a idéia de que deveria ser
realmente bom ser uma mulher se submetendo ao coito – essa idéia era tão alheia a
todo o meu modo de sentir que permito-me afirmar, em plena consciência eu a teria
rejeitado com tal indignação que de fato, depois de tudo o que vivi nesse ínterim,
não posso afastar a possibilidade de que ela me tenha sido inspirada por influências
exteriores que estavam em jogo.17

Segundo Freud no intervalo após assumir o cargo suprarreferido, sucederam-lhe


sonhos que no momento não chamaram atenção. A importância de tais sonhos somente foi
devidamente considerada em seguida. O conteúdo onírico era: “que sua doença antiga
retornara’’ (1911/2010, p. 18), da mesma forma que se sentiu triste no sonho, ao acordar, seu
sentimento foi o oposto ao se dar conta que não era real.

Garantem-nos também que as determinações iniciais da psicose de Schreber devem


ser procuradas nos momentos de desencadeamento das diferentes fases de sua
doença. Vocês sabem que ele teve por volta do ano 1886 uma primeira crise, e tenta-
se, graças às suas Memórias, mostra-nos as suas coordenadas – ele tinha então,
dizem, apresentado a sua candidatura ao Reichstag. Entre aquela crise e a segunda,
ou seja, durante oito anos, o magistrado Schreber está normal, só que as suas
esperanças de paternidade não foram satisfeitas. Ao cabo desse período, ele se vê
aceder, de uma maneira que é até certo ponto prematura, e pelo menos numa idade
que não o fazia prever tal acesso, a uma função muito elevada, a de presidente do
Tribunal de Apelação de Leipzig. Essa função, que tem o caráter de uma eminência,
confere a ele, dizem, uma autoridade que o alça a uma responsabilidade, não
inteiramente total, mas pelo menos mais plena e mais pesada que todas as que teria
podido esperar, o que nos dá o sentimento de que há uma relação entre essa
promoção e o desencadeamento da crise.18

Para Lacan (1957-1958/1998), a eclosão do quadro clínico da psicose, se dá,


justamente, devido ao fato de o sujeito ser chamado a responder a um lugar que exija a
significação fálica, tal como Schreber teria necessitado quando de sua nomeação para a corte
de apelação de Dresden, que é uma função elevada. Trata-se da convocação do Nome-do-Pai
foracluído em oposição simbólica ao sujeito. Esta terceira condição para o desencadeamento
da psicose implica na conjunção de alguma contingência na vida do sujeito psicótico com a
convocação do Nome-do-Pai.

17
SCHREBER, 1984, p. 54.
18
LACAN, 1988, p. 40-41
27

Na psicose, por não operar a metáfora paterna, ocorre uma verdadeira invasão
imaginária da subjetividade, que acaba por levar à dissolução do imaginário (LACAN, 1955-
1956/1992, p. 119). Schreber, dá o testemunho de uma experiência de fragmentação do corpo,
de uma degradação imaginária da alteridade - “sombras de homens atamancados às três
pancadas” (LACAN, 1955-1957/2010, p. 119).
Com as seguintes falas evidencia-se o desmoronamento subjetivo designado, por
Schreber, como o ‘’fim do mundo’’

As visitas da minha esposa cessaram a partir dessa época; depois de muito tempo,
voltei a vê-la algumas vezes à janela de um quarto em frente ao meu; nesse ínterim
já tinha acontecido tantas mudanças importantes no meu ambiente e em mim mesmo
que acreditei a ver nela não mais um ser vivo, mas apenas uma figura humana feita
por milagre, do tipo dos ‘homens feitos às pressas’ 19

[...] todo tipo de modificações nas minhas partes sexuais, [...] como um
amolecimento do membro, que se aproximava da quase completa dissolução; [...]
meus pulmões foram, durante muito tempo, objeto de ataques violentos e muito
ameaçadores. [...] minhas costelas foram temporariamente destruída, [...] a caixa
torácica era comprimida de tal modo que o estado de opressão provocado pela
asfixia se transmitia para todo o corpo. [...] Muitas vezes, durante períodos mais ou
menos longos, vivi sem estômago.20

Freud articula o desinvestimento libidinal com a catástrofe interior

Com base em nossa concepção de investimento libidinal, e guiando-nos pelo


julgamento das outras pessoas como “homens feitos às pressas”, não nos será difícil
a explicação dessas catástrofes. O doente retirou das pessoas de seu ambiente e do
mundo exterior o investimento libidinal que até então lhes dirigira; com isso, tudo
para ele tornou-se indiferente e sem relação, e tem de ser explicado, numa
racionalização secundária, como “produzido por milagre, feito às pressas”. O fim do
mundo é a projeção dessa catástrofe interior; seu mundo subjetivo acabou, depois
que retirou dele o seu amor. (1912 [1911], p. 93)

O delírio tem duas funções: uma de Reconstrução imaginária da realidade. Cria para o
sujeito um cenário no qual ele tenta reorganizar o elemento pulsional que transborda no seu
corpo. A outra função: Localizar, domesticar uma parcela do gozo invasivo da experiência
psicótica. O desenvolvimento do delírio de Schreber permitiu que ele emergisse dos
fenômenos corporais associados ao desastre do imaginário, diante do qual as primeiras
reações foram a vivência hipocondríaca e o estupor catatônico, reconstruindo a sua relação

19
SCHREBER, 1984, p. 59.
20
SCHREBER, 1984, p. 109 – 111.
28

com o seu corpo. Em sua reconstrução delirante, foi necessário primeiro localizar o gozo na
figura de seu médico e, depois, na figura de Deus.
Assim, Schreber interpreta que os eventos corporais dos quais ele era vítima tinham
como objetivo a sua transformação em uma mulher para fazer dele objeto de um gozo sexual.
Essa tentativa de localizar o elemento pulsional excessivo no campo do Outro foi também
essencial à estratégia paranoica de esvaziar o gozo invasivo que deu às primeiras
manifestações da psicose seu colorido hipocondríaco.
Lacan aborda a fragmentação do corpo devido ao imaginário

Agora que vocês têm na cabeça a função da articulação simbólica, vocês estarão
mais sensíveis a esta verdadeira invasão imaginária da subjetividade a que Schreber
nos faz assistir. Há uma dominante totalmente surpreendente da relação em espelho,
uma impressionante dissolução do outro enquanto identidade. [...] Há os que em
aparência vivem, se deslocam, seus guardas, seus enfermeiros, e que são sombras de
homens atamancados às três pancadas, [...]. Essa fragmentação da identidade marca
com seu próprio selo toda a relação de Schreber com seus semelhantes no plano
imaginário. [...] Há literalmente uma fragmentação da identidade, e o sujeito fica
sem dúvida chocado com esse dano causado à identidade de si mesmo [...] 21

Então, Freud relata sobre o segundo adoecimento; vide ser após assumir o cargo para
presidente da corte de apelação e a ideia de ser mulher, conforme já citado cronologicamente.
Devido a ‘’uma tormentosa insônia” (1911, p. 18), procurou novamente a clínica Flechsing, a
este doutor, porém, atribui querer prejudicá-lo e persegui-lo em sua segunda internação; o
estado de Schreber piorou com rapidez.

[...] a doença foi ocasionada pelo surgimento de uma fantasia de desejo feminina
(homossexual passiva) que tomava por objeto a pessoa do médico. Uma forte
resistência a essa fantasia ergueu-se do lado da personalidade de Schreber, e a luta
defensiva, que talvez pudesse igualmente realizar-se de outras formas, escolheu, por
razões que desconhecemos, a forma do delírio de perseguição (FREUD, [1911]
2010, p. 45)

Freud formula que:

[...] o delírio da transformação em mulher não é mais que a realização do teor


daquele sonho. Na época ele se revoltou contra esse sonho, com masculina
indignação, e também pelejou inicialmente contra sua efetivação durante a
enfermidade, vendo a transformação em mulher com um ultraje que lhe destinavam
com intenções hostis ([1911] 2010, p. 45)

A revolta contra o conteúdo sonho, mostra no delírio, ser na verdade uma realização.
Ainda de acordo com Freud (1911/2010, p. 44) “Nenhuma outra parte do delírio é tratada pelo

21
LACAN, 1988, p. 119.
29

paciente de modo tão minucioso – tão insistente, poderíamos - como sua alegada
transformação em mulher.’’. A forte indignação se dá diante do fragmento desagradável da
realidade que é rejeitado e encontra saída pelo mecanismo do delírio (FREUD, 1924).
Guerra corrobora com Sigmund

O que é que é vivido como traumático, como afetivamente intenso pelo psicótico,
não ganha uma representação capaz de favorecer o escoamento energético ou a
vinculação desse excesso a uma ideia, a uma representação [...] o Eu rejeita a
representação incompatível juntamente com seu afeto e se comporta como se a
representação jamais lhe tivesse ocorrido. (2010, p. 14)

Encontra-se, segundo Freud (1911) que o delírio primário era a transformação em


mulher. Porém, ao passo que, esse ato (emasculação), fora encarado como prejudicial,
causaria dano e perseguição. Só de forma secundária ligou-se ao papel de Redentor. Mas
antes Schreber interpretou os eventos corporais, sendo a primeira finalidade de abuso sexual:
“[...], para Schreber, sob o nome de Flechsig, na posição de objeto de uma espécie de
erotomania mortificante, [...]”22

Desse modo foi preparada uma conspiração dirigida contra mim ( em março ou abril
de 1894 ), que tinha como objetivo, uma vez reconhecido o suposto caráter incurável
da minha doença nervosa, confiar-me a um homem de tal modo que minha alma lhe
fosse entregue, ao passo que meu corpo – numa compreensão equivocada da citada
tendência inerente à Ordem do Mundo – devia ser transformado em um corpo
feminino e, como tal, entregue ao homem em questão para fins de abusos sexuais,
devendo finalmente ser ‘’deixado largado”, e portanto, abandonado à putrefação.
(SCHREBER, 1984, p. 67)

Após Daniel ter sido entregue a abusos sexuais, o delírio de perseguição sexual se
transforma em delírio de grandeza religiosa. Sendo a segunda finalidade, conforme Freud
(1911) recriar a humanidade decaída:

Uma dessas mudanças é a substituição de Flechsig pela superior figura de Deus; de


início ela parece indicar uma intensificação do conflito, um aumento da insuportável
perseguição, mas logo se verifica que ela prepara a segunda transformação e, com
esta, a solução do conflito. Se era impossível conciliar-se com o papel de mulher
fácil perante o médico, não encontra a mesma resistência do Eu a tarefa de conceder
ao próprio Deus a volúpia que ele pede. A emasculação já não é uma desgraça, vem
a ser “conforme à Ordem do Mundo”, toma seu lugar num grande contexto cósmico,
serve ao fim de uma recriação da humanidade decaída. “Novos homens, saídos do
espírito de Schreber”, venerarão como seu ancestral esse que se crê perseguido.
Assim é encontrado um expediente que satisfaz as duas partes em conflito. O Eu foi
compensado pela megalomania, enquanto a fantasia de desejo feminina se impôs,
tornou-se aceitável. A luta e a doença podem cessar. (FREUD [1911] 2010, p. 64)

22
LACAN, 2003, p. 223.
30

Dado a resistência do Eu, torna-se insuficiente a primeira solução para assumir o papel
de mulher - que seria diante do médico, Flechsing. Outro caminho surge, a fim de concretizar
a fantasia de ser mulher: a substituição do médico por Deus. Assim, estando “a serviço de
propósitos elevados’’ (FREUD [1911] 2010, p. 25); ser a mulher de Deus, com a missão de
recriar a humanidade decaída. Conforme Freud supracitado, o próprio doente encontra a
solução do seu conflito.
Na localização do gozo do Outro assentado no significante “mulher de Deus”, opera
uma atenuação do gozo que o invade, pois se encontra identificado, localizado no Outro.
Trata-se da localização do gozo no Outro pela via da erotomania divina.
A solução delirante fez barreira à invasão do Outro. O médico, invadia o corpo de
Schreber na forma de gozo sexual, a significação “mulher de Deus” circunscreveu esse gozo,
ou seja, localizou esse gozo na forma de copular com Deus formar uma nova raça
schreberiana. O significante "mulher de Deus" tem a função de amarração, de ponto-de-basta,
permitindo a Schreber dar significação aos seus significantes e, assim, reconstruir o mundo
por intermédio da significação delirante.

E o paranoico o reconstrói, não mais esplêndido, é certo, mas ao menos de forma a


nele poder viver. Ele o constrói mediante o trabalho de seu delírio. O que
consideramos produto da doença, a formação delirante, é na realidade tentativa de
cura, reconstrução. Após a catástrofe, a reconstrução tem sucesso maior ou menor,
nunca total; nas palavras de Schreber, “uma profunda modificação interna”
verificou-se no mundo. Mas o sujeito readquiriu uma relação com as pessoas e
coisas do mundo, com frequência muito intensa, ainda que possa ser hostil, quando
era antes afetuosa. Diremos, então, que o processo de repressão consiste num
desprender-se da libido em relação a pessoas — e coisas — antes amadas. Ele se
realiza em silêncio; não temos notícia dele, somos obrigados a inferi-lo dos eventos
consecutivos. O que se faz notar flagrantemente, para nós, é o processo de cura, que
desfaz a repressão e reconduz a libido às pessoas por ela abandonadas. Ele se
realiza, na paranoia, pela via da projeção. Não foi correto dizer que a sensação
interiormente suprimida é projetada para fora; vemos, isto sim, que aquilo
interiormente cancelado retorna a partir de fora. 23

A análise do caso freudiano de Schreber, retomada por Lacan, ganha nova inflexão,
podendo ser pensada em quatro tempos com Maleval (1996). Lacan fala de um horror inicial
de Schreber à ideia de ser mulher, a qual acaba aceitando quando esta se torna um
compromisso razoável (Lacan, [1957-1958] 1998, p. 570). Ao final assume o estatuto de uma

23
FREUD, 1911/2010, p. 94 e 95.
31

decisão irreversível de uma assintótica – porque sempre apontada para o futuro –, cópula com
Deus para que uma nova humanidade fosse criada.
Para Maleval (1996), as quatro lógicas que permitem pensar essa elaboração na
paranoia seriam:
Primeiramente a deslocalização do gozo e da perplexidade angustiante, quando se dá o
desencadeamento significante a partir de uma rupture na cadeira provocando uma autonomia
do significante (automatismo mental, Segundo Clérambault). A perplexidade advém
justamente do fato de o sujeito não se sentir autor de seus próprios enunciados. A
consequência dessa experiência de autonomia do significante no real é a deslocalização do
gozo, provocando fenômenos diversos sobre o corpo do psicótico, sejam agradáveis ou
penosos, voluptuosos ou agonizantes, ou mesmo hipocondríacos.
No caso Schreber, vemos sua manifestação em sua primeira crise, em 1884, ao
apresentar um esgotamento nervoso, no qual surgem queixas hipocondríacas. Somente em
1893 surgirá uma significação enigmática em torno da ideia, aparecida em 1884, de que seria
belo ser uma mulher no momento da cópula.
A segunda lógica de acordo com Maleval (1996) é a significação do gozo
deslocalizado, que se articula num trabalho de mobilização do significante pelo psicótico na
busca de uma explicação para os fenômenos que o invadem. Em Schreber, essa primeira
explicação aparece na acusação que formula de um complô que estaria sendo tramado por seu
médico, Dr. Flechsig. Essa explicação não apazigua Schreber, ao contrário, deixa-o à mercê
de um Outro todo-poderoso. Daí a busca de uma nova explicação, encontrada no fato de que
fora o próprio Deus que assumira o papel de cúmplice, e mesmo de instigador, na conspiração
em que sua alma deveria ser assassinada, e seu corpo, usado como o de uma rameira. Aí surge
um compromisso razoável, característica marcante dessa segunda fase. É o sacrifício da morte
do sujeito, tomado por Lacan ([1957-1958] 1998) como renúncia fálica, marcando a reversão
da posição de indignação de Schreber, que passa a aceitar a eviração porque servidora dos
desígnios de Deus. E não, como articula Freud ([1912 [1911]] 1976), tratar-se-ia do complexo
paterno que transfere de Flechsig para Deus a figura do pai de Schreber, com a qual ele se
apaziguaria.
Terceiro ponto: identificação do gozo do Outro assentado num significante, “mulher
de Deus”, o gozo do Outro, a partir de então, encontra-se identificado. Porém, a aceitação da
feminilização progressiva de Schreber não implicou o desaparecimento do sentimento de que
uma violência estava sendo-lhe infligida. A diferença é que agora, no delírio, os perseguidores
se encontrariam identificados. (MALEVAL, 1996).
32

E por último, o consentimento ao gozo do Outro, que implica o consentimento com a


nova realidade construída a partir da certeza de que um saber fundamental foi adquirido. Em
Schreber, esse saber aparece como advindo do Todo-Poderoso e é acompanhado de
construções fantásticas e temas megalomaníacos. Maleval (1996) localiza essa última fase do
delírio de Schreber em 1897, quando o drama do sujeito se torna o motivo futuro de uma
redenção interessante do universo e sua feminilização culmina na eviração, seguida pela
fecundação por meios divinos, com o objetivo de gerar novos homens, de uma raça superior,
feitos do espírito de Schreber. A convicção desse tema fantástico aumenta na medida em que
diminui o sentimento persecutório.
33

4. O CASO CLÍNICO

A paciente será chamada pelo nome fictício de Alice, preservando-se, assim, o sigilo.
Foi encaminhada pela equipe de psicodiagnóstico aos 17 anos. Relatou que o motivo da
procura ao SPA é que estava tendo crises de ansiedade. Ao questionar como eram essas crises,
disse que ficava muito nervosa, ofegante e tremendo, que a mãe dava água com açúcar “mas
óbvio que não adiantava de nada’’. A escuta analítica mostrou-se essencial desde o início,
porque o que se revelaria posteriormente era muito além dessa primeira queixa.
Não se trata de uma escuta qualquer: os psiquiatras clássicos também escutavam seus
loucos, mas como objetos de seu esforço descritivo e classificatório. Com Lacan, em seu
seminário III, trata-se de uma escuta analítica, que procura apreender a fala do psicótico não
para atribuir-lhe sentido ou compreensão, mas para “tomar ao pé da letra o que ele nos conta”
(LACAN, 1955-56, p. 241), acolhendo-a como algo específico e próprio daquele sujeito.
Propôs então, o analista em posição de testemunho, como secretário do alienado.
Certas intervenções, certos questionamentos do analista podem provocar o
desencadeamento de uma psicose que até então não tinha sido desencadeada. Pois como já
falado no capítulo 2.2, a análise como lugar de tomada da palavra, pode desencadear. É claro
que isso não é desejável: o que chamamos de desencadeamento psicótico, muito
sumariamente, poderíamos dizer, que é uma crise que mobiliza uma angústia enorme, e uma
avalanche de vivências terrivelmente dolorosas, que devem ser evitadas.
Entretanto, também encontramos em Lacan que, diante de uma psicose já
desencadeada, não haveria por que o analista não acolher em tratamento esse sujeito. Daí a
grande importância do diagnóstico diferencial estrutural.
Sabe-se que a angústia na neurose é angústia de castração, angústia relacionada à falta.
Na psicose, por outro lado, a angústia surge quando a falta vem a faltar, ou seja, quando há
objeto, quando há objeto demais. Em outros termos, na psicose não há extração do objeto a. O
psicótico não se separou de seu objeto a, guarda-o no bolso24, conforme diz Lacan.
Para Lacan (1998), ainda, “o campo da realidade se sustenta apenas pela extração do
objeto a”25. Ou seja, é a extração do objeto a que fornece o enquadramento, ou a janela na

24
LACAN, 1967/Inédito.
25
LACAN, 1988, p. 559.
34

qual a realidade toma sua significação para nós. A extração do objeto a, além disso, está
correlacionada à própria produção do sujeito.
A angústia na psicose, portanto, tem a ver com a falta da falta, com o objeto
demasiadamente presente. Para sair dela, existem diferentes caminhos, como a extração do
objeto pela via do significante.
Na primeira sessão contou a seguinte história: ‘’eu tenho ficado muito assustada com
umas coisas. Tem pessoas da minha família que são do candomblé, mas eu não gosto muito
disso, tenho medo. Minha tia namorou um cara, e quando eles terminaram ele fez macumba
para ela (a tia) mas que pegou em mim, era pra pegar na minha avó, mas como ela não é mais
do candomblé e estava firme na igreja, acabou pegando em mim porque estou na sucessão da
família. Fiquei com um furúnculo enorme embaixo do braço, doía até para abaixar’’ -
gesticulou mostrando tamanho do furúnculo embaixo da axila. Então perguntei se ela tinha
ido ao médico tratar. Respondeu: “Não. Como é macumba os médicos iam abrir e não ia ter
nada.’’
Ao trazer isso, mostra que é uma ideia não dialetizável para a paciente, pois mesmo
depois de ser questionada continua tendo certeza delirante de que é macumba e os médicos e a
ciência não seriam capazes de fazer nada a respeito. Em momento nenhum achou que poderia
ser um problema de pele ou uma infeção. Enquanto o neurótico é o sujeito da dúvida, o
psicótico é o sujeito da certeza
É possível fazer um paralelo com o caso Schreber (FREUD, 1911) quando ele diz
“como seria bom ser uma mulher e me submeter-me ao coito’’ que esse pensamento não é
dele. Assim como o furúnculo foi implantado na paciente. Que diferente da histeria, de acordo
com Miller (1997), mesmo alucinando e esforçando-se para não cair na dúvida, no momento
em que fala, fica claro que não há sequer um ponto de certeza.
O neurótico acredita no Outro, mas vacila, porque na neurose o Outro é barrado. Pode-
se dizer que a neurose é da ordem da dúvida. A psicose, por seu turno, é da ordem da certeza.
O Outro não é barrado; o psicótico não acredita, ele tem certeza da existência do Outro. É
nesse contexto que se torna oportuno o ditame ético de Lacan: onde houver certeza, introduzir
o benefício da dúvida.
A certeza psicótica aparece em duas situações principais: diante do Outro do delírio e
diante do real da alucinação. É claro que, quando se trata de perseguição atroz, de erotomania
mortífera ou de alucinações com vozes de comando, isso traz muito sofrimento para o
psicótico. Em ambos os casos pode estar associada a angústia dilacerante ou a passagens ao
35

ato. O analista, sob transferência, pode contribuir para atenuar o quadro, introduzindo o
benefício da dúvida.
O status do pai: “Percebeu-se então que um Édipo podia constituir-se muito bem,
mesmo quando o pai não estava presente’’ (LACAN, 1957-58, p.172). Alice fala pouco sobre
o pai, eles têm pouco contato, chega tarde do trabalho porque vai para o bar beber e no dia
seguinte sai cedo. Diz que ele é velho e tem uma mente muito ultrapassada ‘’parece que ainda
ta nos anos 90’’; “ele é meio machista, e não sei se deu pra perceber eu não gosto muito.’’ E
ainda: “a gente não se bate.’’. Quando era menor tinha vergonha de falar com ele, porque não
se viam muito dentro de casa. Ficava na escola ou em casa com a mãe.
Ao mencionar a ausência do pai, é possível compreender que se trata não somente das
questões cotidianas, mas de algo anterior: ausência da metáfora paterna. Lacan elucida no
Seminário V, ao postular que: "Falar de sua carência na família não é falar de sua carência no
complexo. De fato, para falar de sua carência no complexo, é preciso introduzir uma outra
dimensão que não a realista, definida pelo modo caracterológico, biográfico ou outro de sua
presença na família.’’26. Na ausência do significante Nome-do-Pai não há a função de
separação que age como barreira entre a mãe e o filho.

Que é o pai? Não digo na família, porque, na família ele é tudo o que quiser, é uma
sombra, é um banqueiro, é tudo o que tem de ser, ele o é ou não é, o que às vezes
tem toda sua importância, mas também pode não ter nenhuma. A questão toda é
saber o que ele é no complexo de Édipo. [...] É isto: o pai é uma metáfora. (LACAN,
1957-58, p. 180)

Conforme Souza (1991) articula em seu estudo lacaniano, não se trata de uma pessoa,
muito menos do laço de sangue, mas um ponto de ancoragem. Nome-do-Pai, como invenção,
para ser o agente da metáfora. Uma fala muita rica de Alice, para dar luz a esse conceito que
beira a abstração é: “tive um pai presente e ausente.’’. Ela sabe que ele é pai biológico, mas, é
inexistente no lugar simbólico de agente da metáfora paterna.
Status da mãe: “sou grudada desde pequena com a minha mãe’’, dessa forma abordou,
desde as primeiras sessões a relação as duas. A ausência do Nome-do-Pai como “significante
que substitui o primeiro significante introduzido na simbolização, o significante materno’’27 e
consequentemente a prevalência do s1 aparece no discurso da paciente que traz a significante
“grudada’’ para caracterizar sua relação com a mãe.

26
LACAN, 1999, p. 174.
27
LACAN, 1999. p. 180.
36

Quando não há a inscrição do significante do Nome-do-Pai há possibilidade de o gozo


invadir porque a função do Nome-do-Pai é proibir que a mãe goze com o filho e o filho goze
com a mãe. Quando não tem essa barreira o sujeito se sente invadido o tempo todo. Isso fica
muito claro quando Alice me conta angustiada em quase todas as sessões sobre as noites sem
dormir, o medo persistente, que precisa ficar no telefone com namorado até pegar no sono.
Muitas vezes não consegue comer. Me diz “parecia, sentia que minha alma tinha saído do
meu corpo’’ e ainda “só quero ficar na cama, parece que colocaram um peso em cima de
mim’’. Isso é o sujeito sentindo a invasão do gozo no corpo.
Alice já trouxe em várias sessões que ela sente o tempo todo que está sendo vigiada,
que tem espíritos na casa dela, que ela está dormindo e tem algo atras. O corpo de Alice se
torna o lugar de gozo do Outro ''eu saio na rua e fica todo mundo me olhando, homem ou
mulher, todo mundo fica me olhando. E isso me incomoda’’.
Narrou a ida a um churrasco e uma mulher, desconhecida, ficou a “encarando feio’’.
Ela não sabia o motivo dessa menina olhar estranho, só que fica a encarando. Essa situação a
abalou de tal forma que, em uma outra ocasião que essa mesma mulher estaria, teve uma
“crise de ansiedade’' só de pensar em encontrar com ela. Na psicose o gozo sem limites que
invade o sujeito se dá pela falta da significação do Nome-do-Pai, que tem como função
delimitar o gozo do outro, não há essa barreira. O Outro estará sempre presentificado
invadindo as relações, no caso de Alice nos olhares.
O tratamento psicanalítico do psicótico, assim como o do neurótico, é feito sob
transferência. Só que, diante do primeiro caso, o saber não deve ficar do lado do analista e sim
do lado do psicótico. Já que quando o saber fica do lado do analista, a tendência é o
surgimento de modalidades de transferência que inviabilizam o tratamento do psicótico:
persecutória ou erotomaníaca.
Existem estratégias para evitá-lo: trata-se da inversão da suposição de saber na direção
de tratamento na clínica da psicose; o saber tem que estar do lado do analisando para que o
analista não se torne um outro gozador, e sim um secretário. Enquanto na direção do
tratamento do neurótico o analista faz semblante de suposição de saber, no caso do tratamento
do psicótico a melhor estratégia é a posição de sujeito suposto não saber.
Toda vez que a Alice vai me contar algo e pergunta se eu sei do que se trata, digo que
não e peço para ela me explicar, é uma forma de deixar o saber do lado dela. Enquanto meu
papel é de assessorar. O trabalho é de cifrar, o inconsciente se manifesta a céu aberto por não
estar sobre a barra do recalque, aparece no real.
37

Situar o saber do lado do psicótico é admitir, entre outros aspectos, que ele sabe o seu
caminho, ou que ele é capaz de construi-lo. A tarefa do analista não é trazer a solução, mas
entrevê-la no que lhe é apresentado.
E como podemos, então, escutar o sujeito para que ele produza suas soluções que são
as suplências subjetivas? O analista deve ocupar o lugar de um secretário que faça com que o
lugar do S1, do significante mestre, fique vazio para que o sujeito possa produzir o seu
sinthome.
Alice diz que está passando pela transição capilar já tem um ano. Ao perguntar como
está sendo a transição ela responde: “Estou feliz, agora que tô começando a ter alguma
autoestima, porque eu sempre alisei por causa da pressão da sociedade’’. Depois de várias
sessões dizendo que se acha feia e que não tem autoestima, começa a fazer esse movimento de
construção de um corpo, de um Eu, de uma identidade.
Porém, esse processo não é linear, não tende a ir só na direção da melhora, tem altos e
baixos. Posteriormente em um dia que estava mais desorganizada disse “todo mundo ficou
olhando para mim, deve ser porque eu tô esquisita, que meu cabelo tá feio’’. Questionei se
sempre pensando mal dela e respondeu que sim. A questão do olhar é algo que ela traz
frequentemente, esse olhar é uma invasão do Outro Gozador sem barra. Podemos supor que
ela se sente visada, vista por um olhar do qual não consegue escapar.
Relatou que começou a ouvir vozes e disse “eu devo estar ficando doida’’ falou em um
tom irônico e rindo. Perguntei o que ela escuta, “chamando o meu nome e outras coisas que
agora não lembro’’ e ainda “não sou esquizofrênica, não sou doida’’ daí perguntei se sentia
medo e ela disse que muito.
Logo após a madrinha falecer, foi ao enterro e disse que sabia que não devia ter ido ao
caixão olhar, mas que foi e depois ficou com medo. E teve um sonho no qual a madrinha disse
“abre o olho que você ainda vai ter problema com alguém da sua família’’, ficou se
questionando se alguém passaria a perna nela. Me interrogou se eu achava que esse sonho
tinha algum significado. Na tentativa de esvaziar esse gozo, respondo: “ah, talvez seja só um
sonho mesmo’’. Isso aponta para um sujeito que se sente particularmente visado, observado.
Torna-se ele próprio, o objeto de gozo alheio.
Pouco tempo depois, quando estava sentada no sofá e olhou para a televisão, a tia que
morreu estava sentada do lado dela: “até a forma de se vestir e o cabelo era igual’’, depois
disso parece que está vendo sombra, que entre a porta do quarto e o armário que tem alguém a
olhando. Voltou a ter o problema para dormir. Mais uma vez aparecem os fenômenos
alucinatórios.
38

Certa vez, ao falar sobre a trivialidade do dia a dia disse: “Não consegui mudar de
turma poque meu nome começa com “V” e eu sempre fico por último, eu sempre sou o resto.
Mas tudo bem, acontece.” O significante “resto’’ apareceu no mesmo contexto duas vezes,
isso mostra o sujeito querendo falar algo, falar desse lugar que é ser objeto de gozo do Outro.
Sobre ser algo que tampa o buraco do Outro, resto de algo maior. Pelas palavras de Souza “O
psicótico, sua posição face ao Outro é de objeto: resto, objeto parcial, dejeto que, no real,
responde à falta do Outro’’ (1991, p. 60).
A vivência na psicose tende a ser muito dolorosa, na última sessão que tive com Alice
ela disse: “eu não aguento mais isso tudo’’. Perguntei: “isso tudo o que?’’ e ela me respondeu:
“A vida. Não é que eu pense em me matar, nem nada disso. Na verdade, eu já pensei em
suicídio, mas não teria coragem.’’ Nessa fala podemos observar a angústia de viver em um
corpo que é invadido pelo outro, que é o tempo todo observado. A invasão pelo gozo acentua
o vazio de significação.
Na psicose, por não se introduzir a função da castração, temos um sujeito que resiste à
falta-de-ser, que resiste à barra, um sujeito-objeto, a-sujeitado ao Outro. Assim, o tratamento
partiria da posição do psicótico como objeto e “conduz aos confins de sua produção”
(MILLER, 1996, p. 160).
Na psicose os dois objetos do desejo, a voz e o olhar aparecem na própria realidade do
sujeito e, dessa forma, explicam que a relação do sujeito com o objeto é uma relação onde o
objeto não é perdido, e assim faz irrupção no campo da realidade como olhar vigilante que se
apresenta como, por exemplo, na fala da Alice, tal como estão de olho nela, ora vigiada,
observada, enfim, ela é alvo dos olhares. Donde, podemos dizer que o objeto olhar desvela aí
as relações da Alice com o Outro.
Como já abordado, na psicose por conta da forclusão do Nome-do-Pai o objeto a surge
no campo da realidade como olhar ou voz.

O objeto a é algo de que o sujeito, para se constituir, se separou como órgão. Isso
vale como símbolo da falta, quer dizer, do falo, não como tal, mas como fazendo
falta. É então preciso que isso seja um objeto – primeiramente, separável – e depois,
tendo alguma relação com a falta. (...) É por isso que o olho pode funcionar como
objeto a, quer dizer, no nível da falta ( -φ). (LACAN, 1964/1985, p. 101-102)

Logo, a suplência do Nome-do-Pai visa a separação do objeto do campo da realidade.


Aos poucos, Alice trouxe coisas que tem interesse, que gosta de fazer. Gosta de
maquiagem e sempre fala com empolgação que está fazendo cursos online para aprender
mais, faz maquiagem nas amigas, mãe e até o namorado. É nesse gancho que o analista tem
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que pegar para secretariar o paciente, auxiliando-o a construir o caminho de um corpo


imagem, possibilitando fazer uma separação.
Donde a maquiagem, pintar o rosto das amigas, tem o efeito de apaziguamento do
gozo do olhar vigilante do Outro que invade a Alice...
“No que esse dar-a-ver pacifica alguma coisa? – senão nisto, que há um apetite do
olho naquele que olha. Esse apetite do olho, que se trata de alimentar, constitui o valor de
encanto da pintura.” (LACAN, 1964/1985, p. 112). A pintura do rosto e a maquiagem tem aí a
função de fixar, de desviar de si esse olhar mortífero do Outro. Sua preferência é por pintar os
olhos e fazer delineados diferentes.
Outra coisa que trabalhamos é a construção de uma rotina. Na posição de secretariar,
perguntava como era o dia dela, o que fazia. Acabou por refletir posteriormente na iniciativa
dela de comprar um quadro de horários para se organizar. Eu não sugeri, não interferi no que
ela deveria fazer, apenas busquei a articulação dela sobre os dias, e como construção própria
adquiriu um instrumento para auxiliá-la.
No início do tratamento ela ainda estava no ensino médio e compartilhava sua angústia
de não saber o que fazer profissionalmente. Agora, delimitou algumas áreas de interesse. Isso
toca na questão da trivialização da transferência: consiste em valorizar aqueles momentos de
seu relato em que ele toca na realidade trivial, no dia a dia, na tentativa de trazê-lo para tais
temas.
Enquanto no início o Outro era intrusivo ao extremo, agora o gozo encontra-se
regulado como mostra em sua fala ‘’eu fui ao shopping sozinha e ninguém ficou olhando pra
mim, ninguém ficou falando de mim, foi ótimo!’’.
O tratamento psicanalítico da psicose inclui, assim, a construção de um sintoma a
partir do trabalho com o que ele traz, sintoma capaz de organizar minimamente seu mundo e
regular minimamente seu gozo.
Para a psiquiatria, a solução está do lado do psiquiatra, do saber da ciência. Para a
psicanálise, a solução está do lado do psicótico. Ela aposta no saber do psicótico. O que
poderia ser formulado assim: o psicótico sabe o seu caminho.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do trabalho apresentado é possível observar, por meio da pesquisa em Freud, a


importancia do estudo do percurso da psicose. A grande descoberta freudiana acerca do
delírio como tentativa de cura pode dar um novo statuto, possibilitando novos horizontes para
o tratamento. Indo de encontro ao o que se acreditava na época, já que antes o delírio era visto
como doença a ser eliminada do sujeito.
Importa considerar as grandes contribuições de Lacan, as condições essenciais para ter
a estrutura psicótica, que é a foraclusão do significante Nome-do-Pai, colocando toda a cadeia
de sentido, que estrutura o campo da realidade, em risco de desestruturação. Então, a partir do
delírio, formulou a metáfora delirante como um ponto-de-basta, como suplência ao Nome-do-
Pai foracluído, permitindo a estabilização do sujeito, como abordado no caso Schreber. Para a
condução de um caso caso clínico de psicose, se faz relevante ver os modos de estabilizações
possiveis. Uma já citada, a metáfora delirante ou delírio, a passagem ao ato (autoagressiva ou
heteroagressiva) e a obra.
A complexidade revelada na condução do caso clínico ratifica a importância do rigor
teórico que, aliado à escuta psicanalitica, permitem o manejo adequado desde o diagnóstico
diferencial – frente os fenomenos elementares – até o papel de secretariado do paciente
psicótico, com a inversão de suposição de saber, como propôs Lacan. Dessa forma, a paciente,
através da via da arte, da pintura dos olhos e delineados, pode contruir sua forma de regular o
seu mundo e o gozo do Outro.
''O psicalista sabe que trabalha com as energias mais explosivas e que necessita da
cautela e escrupulosidade de um químico. Mas alguma vez se proibiu aos químicos de lidar
com materiais explosivos, perigosos, é certo, mas indispensáveis em sua eficácia?'' (FREUD,
1915/2010, p. 227).
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