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Pós Graduação em Economia Política Internacional

História I – Resenha “A África Independente I, até 1989”


Pedro Allemand Mancebo Silva

Quando se estuda a história – ou qualquer outro aspecto – do continente


africano, existe uma estrutura que se repete: uma história marcada pelo colonialismo,
imperialismo e por conflitos permanentes. Um continente sempre vítima de
maquinações estratégicas estrangeiras, em geral das antigas metrópoles. Essa
estrutura narrativa, apesar de muito difundida e de permear diversos trabalhos a
respeito da África, obscurece muito mais do que explica além de, ao tratar o continente
como um bloco homogêneo, ignorar o papel das dinâmicas políticas regionais no
desenrolar da história.

John Fage traz um volume considerável de informações e narra diversos


processos internos e regionais da África pós-colonial justamente a partir dessas
dinâmicas e de seus efeitos no posicionamento e nas decisões estratégicas dos
estados africanos. Ao narrar os processos de independência, relata que a transição
administrativa foi, via de regra, gradual e pacífica, com algumas exceções (Angola e
Moçambique, por exemplo) e que, em um primeiro momento, os conflitos que surgiram
foram eclosões de tensões não resolvidas no período colonial.

É interessante notar que os processos de independência na região coincidem


com o período de queda relativa de poder das metrópoles no cenário internacional,
fazendo com que os termos das independências, pelo menos no que tange ao
reconhecimento pela sociedade internacional, não passassem tanto pelo crivo inglês,
francês ou belga (por exemplo), mas seguisse critérios americanos. A expressão mais
profunda disso é a organização dos novos estados dentro do modelo institucional da
democracia liberal representativa. Essa nova forma de organização, em especial ao
sul do Saara, teve como efeito democracias que Fage caracteriza como “plebiscitárias”
e que apresentam características como um líder centralizador forte que, em quase
todo lugar, tendeu a certo autoritarismo conjugado com um patrimonialismo que surgia
dentro desses ambientes políticos.

Aqui vale fazer uma distinção entre a África Subsaariana e o Norte da África
com relação à organização política. No Norte da África, antes da colonização europeia,
o território e a política já haviam sido organizados por forças estrangeiras em conjunto
com as elites locais, primeiro pelo califado Omíada e depois pelo Império Turco-
Otomano. Quando os europeus assumiram o controle dessa área, herdaram, e
buscaram gerir à sua maneira, uma estrutura de relação entre o poder central imperial
e os povos locais. Ao Sul do Saara o tipo de relação estabelecido foi bastante
diferente, além de ter de lidar com uma diversidade bastante grande de povos. Dessa
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forma, além de não haver nenhum modelo pregresso de relacionamento, ainda houve
a necessidade de se organizar o território e a dominação política sobre os povos da
região.

Feitas as independências e organizado o Estado, os novos países se


confrontavam com a necessidade de buscar o desenvolvimento, objetivo que buscava
consolidar a legitimidade das recém-construídas democracias bem como afastar
instabilidades internas que pudessem enfraquecer esses atores. Os planos de
desenvolvimento também buscavam articular esses países ao comércio internacional,
tentando se aproveitar da produção do território pelos europeus como vetor de
inserção com o objetivo de industrialização. Nesse momento, se vê algumas iniciativas
de cooperação regional, mas também é possível observar o pragmatismo dos líderes
no desenvolvimento de suas estratégias. Boa parte deles não teve problemas em
negociar com as duas grandes potências em confronto dentro do cenário da Guerra
Fria, chegando ao ponto de, diante de dificuldades econômicas e problemas de
abastecimento, países socialistas da África entrarem para o FMI. De forma
semelhante, quando se analisa a pressão internacional e as sanções resultantes do
regime do apartheid na África do Sul, é possível ver que o país conseguiu escapar
dos possíveis efeitos negativos das sanções por meio do comércio regional, se
aproveitando não só de sua economia relativamente mais forte e industrializada, mas
também desse espírito desenvolvimentista de muitos dos países vizinhos.

John Fage ainda entra em bastante detalhe com relação aos problemas
econômicos da África pós-colonial e de suas implicações políticas. Alguns dos estados
conseguiram se aproveitar do primeiro choque do petróleo, bem como de aumento de
preços das matérias-primas, porém uma contrapartida desse aumento de preço foi o
encarecimento do capital e do maquinário necessário à continuidade do processo de
industrialização. Esse problema de restrição externa, em conjunto com determinadas
escolhas de política que se comprovaram ineficazes ainda foram agravados por
fatores climáticos. Esses problemas, em um ambiente que havia passado por um
período rápido de crescimento econômico, populacional e por um processo de
urbanização acabou culminando em crises de abastecimento e em grandes fomes. As
ações para a resolução do problema da fome teve implicações de natureza político-
econômica, como as tentativas de determinados líderes de centralizar o poder para
tomar as decisões necessárias, assim como a multiplicação da dívida externa dos
países que sofreram com as crises e o subsequente “enquadramento” exercido pelo
FMI e Banco Mundial sobre os estados.
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A falha dos projetos de desenvolvimento, bem como a necessidade de se
aceitar imposições externas para combater as crises criou um sentimento de
insatisfação dentro da população que já vinha sendo alimentado pelo desempenho
econômico mediano e as crises. Esses problemas foram vistos como uma
incompetência do projeto de estado liberal democrático para lidar com os problemas
africanos, o que alimentou o apoio a grupos políticos radicais e desembocou em uma
série de golpes de estado (militares ou não) ao longo da África, com muitos países
sofrendo sucessivos golpes e fraturas políticas internas graves.

A contribuição de Fage é extremamente importante justamente por buscar as


origens e os desenvolvimentos dos problemas africanos dentro da própria África. Ao
explicar os golpes de estado ou os projetos de desenvolvimento, o autor traz dados
importantes sobre o desempenho econômico, o declínio da atividade e os estopins dos
golpes nos mais diversos países, sempre tentando articular os mesmos à dinâmicas
de poder intestinas ao continente africano e aos espaços nacionais analisados. Essa
visão foge de um certo estruturalismo míope e nos auxilia a compreender de forma
muito mais profunda as opções estratégicas dos novos países independentes, mas
também a que pressões e relações regionais os mesmos respondiam, ou o por quê de
determinados líderes adotarem determinados discursos políticos no pós-
independência.

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