o PRINCíPIO DA EFICIÊNCIA
ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO*
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Sob a mesma inspiração, ENRIQUE GROISMAN observa que" a mera juridi-
cidade da atuação estatal como elemento de legitimação se tomou insatisfatória a
partir do momento em que começou também a ser exigida a obtenção de resultados.
Não se considera mais suficiente que os governantes não violem a lei: exige-se deles
a redução do desemprego, o crescimento econômico, o combate à pobreza, solução
para os problemas de habitação e saúde. A discussão sempre se coloca em relação
a quais são as políticas mais adequadas para atingir estes fins, mas não há dúvida
de que a lei deixou de ser apenas um meio para impedir a arbitrariedade para se
converter em ponto de partida para uma série de atividades nas quais há uma maior
margem de delegação e de discricionariedade e um crescente espaço para a técnica" .5
Uma breve atenção merece a relação entre a eficiência e a tecnicidade do Direito
Público contemporâneo, "tecnicidade relacionada com a especificidade das ativida-
des a serem disciplinadas, que necessitam de normas pontuais, remetidas à autonomia
de órgãos técnicos, o que assegura de organização de setores específicos, assegurando
a flexibilidade e a permeabilidade às exigências da sociedade econômica".6
O dilema deve, ao nosso ver, ser resolvido, não pelo menosprezo da lei, mas
pela valorização dos seus elementos finalísticos. É sob este prisma que as regras
legais devem ser interpretadas e aplicadas, ou seja, todo ato, normativo ou concreto,
só será válido ou validamente aplicado, se, ex vi do Princípio da Eficiência (art. 37,
caput, CF), for a maneira mais eficiente ou, na impossibilidade de se definir esta,
se for pelo menos uma maneira razoavelmente eficiente de realização dos objetivos
fixados pelo ordenamento jurídico.
O Princípio da Eficiência de forma alguma visa mitigar ou ponderar o Princípio
da Legalidade, mas sim embeber a legalidade de uma nova lógica, determinando a
insurgência de uma legalidade finalística e material - dos resultados práticos alcan-
çados -, e não mais uma legalidade meramente formal e abstrata.
É desta maneira que a aplicação tout court das regras legais deve ser temperada,
não apenas pela outrora propugnada eqüidade, mas pela realização das finalidades
constitucionais e legais aplicáveis à espécie.
O Princípio Constitucional da Eficiência (art. 37, caput, CF) não legitima a
aplicação cega de regras legais (ou de outro grau hierárquico), que leve a uma
consecução ineficiente ou menos eficiente dos objetivos legais primários. As normas
jurídicas "passam a ter o seu critério de validade aferido não apenas em virtude da
higidez do seu procedimento criador, como da sua aptidão para atender aos objetivos
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da política pública, além da sua capacidade de resolver os males que esta pretende
combater" .7
O Princípio da Eficiência se vê ainda mais reforçado pelo conflito positivo que
possui com o Princípio da Proporcionalidade, já que também por força deste, em
seus elementos" adequação" e "necessidade", não se poderia impor a adoção de
meio (normalmente uma interpretação) inadequado ou desnecessariamente oneroso
ao atingimento das finalidades legais, pelo simples apego a uma legalidade formal,
impondo-se uma legalidade material, cujo substrato encontrar-se-ia na eficiente e
menos onerosa possível realização dos objetivos constitucionais que estiverem em
jogO. 8 "Na Administração de resultado, o Princípio da Legalidade implica na inde-
fectível aplicação das normas que geram bons resultados; mas também implica na
impossibilidade de aplicar normas que geram maus resultados. ( ... ) 'O Princípio da
Legalidade relacionado com o resultado impõe, sobretudo, que o bem seja reivindi-
cado no plano substancial': tal legalidade exclui 'a operatividade de previsões
irrelevantes em relação ao resultado administrativo'." 9
Estamos diante de uma importante mudança na estrutura das normas jurídi-
cas. O modelo das normas jurídicas" hipótese de incidência ~ sanção" continua
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a existir, mas não é mais o único nem o mais importante, a ele tendo se somado
o das normas jurídicas estruturadas pelo esquema" finalidades ~ meios de alcance
destas finalidades" .11
12 BOBBIO, Norberto. Dalla Strutura alla Funzione: nuovi studi di teoria dei diritto, Edizioni di
Comunità, Milão, 1977, p. 54.
13 IANNOTT A, Lucio. "Princípio di Legalità e Amministrazione di Risultato" , in Amministrazione
e Legalità - Fonti Normativi e Ordinamenti (Atti dei Convegno, Macerata, 21 e 22 de maio de
1999), Giuffre Editore, Milão, 2000, pp. 44/5.
14 Nas palavras de NIKLAS LUHMANN, "o sistema jurídico é um sistema normativamente
fechado, mas cognitivamente aberto" (LUHMANN, Niklas. "L' Autoriproduzione dei Diritto e i
suoi Limiti", in Politica dei Diritto, vol. 12, p. 41). Comentando a Teoria de Luhmann, CELSO
FERNANDES CAMPILONGO afirma que" fechamento operacional não é sinônimo de irrelevância
do ambiente ou de isolamento causal. Por isso, paradoxalmente, o fechamento operativo de um
sistema é condição para sua própria abertura" (CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política. Sistema
Jurídico e Decisão Judicial, Ed. Max Limonad, São Paulo, 2002, p. 67).
15 TEUBNER, Gunther. Droit et Reflexivité: L'auto-référence en Droit et dans I'Organisation
(trad. Nathalie Boucquey), LGDJ-Bruyl_ant, Paris, 1996, pp. 157 e 159.
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caso, a economia praticará a desobediência civil, prevalecendo-se dos valores mais
elevados de sua instituição e escapará pelos mercados negros. ( ... ) Não ignoramos
que o Ministério Público e a polícia estarão lá! Mas se a proibição se impõe à força
da baioneta é porque o código do poder tomou o lugar do código da economia e a
satisfação das necessidades políticas substituiu a satisfação das necessidades econô-
micas. Esta situação tem o mérito de revelar as vantagens e desvantagens de uma
economia esteada no mercado, mas nós podemos, apesar de tudo, nos perguntar se
é mesmo com os recursos limitados da baioneta que nos interessa tratar do tema
da regulação jurídica da sociedade. ( ... ) Um sistema é estruturalmente acoplado ao
seu ambiente (o sistema regulado) quando os eventos que nele se desenvolvem
representam perturbações que servem para melhorar ou modificar as suas próprias
estruturas. Se ele domina a distinção entre a auto-referência e-a hetero-referência,
ele pode utilizar os acoplamentos estruturais para se emancipar do seu ambiente,
na medida em que 'ele pode considerar as suas exigências como condições de suas
próprias operações, como irritações ou mesmo como chances'''. Se os acoplamentos
estruturais lograrem ser duráveis, intensos e institucionalmente de qualidade, terão
cumprido as condições necessárias para a necessária comunicação intersistêmica.
Devemos atentar que, já na década de 70, NORBERTO BOBBIO notava a
emergência de uma "Teoria Realista do Direito, que volta a sua atenção mais à
efetividade que à validade formal das normas jurídicas, colocando o acento, mais
do que sobre a auto-suficiência do sistema jurídico, sobre a inter-relação entre sistema
jurídico e sistema econômico, entre sistema jurídico e sistema político, entre sistema
jurídico e sistema social em seu conjunto, ( ... ) procurando o seu objeto, em última
instância, não tanto nas regras do sistema dado, mas sim na análise das relações e
dos valores sociais dos quais se extraem as regras dos sistemas. ( ... ) A ciência jurídica
não é mais uma ilha, mas uma região entre outras de um vasto continente" .16
16 BOBBIO, Norberto. Dalla Strutura alia Funzione: nuovi studi di teoria dei diritto, Edizioni di
Comunità, Milão, 1977, p. 56.