Como o colonialismo e a escravidão marcaram a formação da
sociedade brasileira?
Gabriela Andrade
Baseado nos artigos:
Europeização e naturalização da desigualdade: em busca da gramática social da sociedade brasileira. SOUZA, Jessé.
Os desdobramentos do colonialismo na sociedade brasileira. SILVEIRA,
Beatriz. ROCCA, Karina da Silva, FELISBERTO, Franciele.
Diferente do ocorrido em outros países, no Brasil, os eventos que
marcaram de forma impactante a sociedade nacional não foram consequência de lutas das classes outrora prejudicadas. Diferente disso, estes eventos, como a conquista da independência do Estado brasileiro, a abolição da escravatura e a proclamação da república, foram consequência de jogos de poder entre os já poderosos. Isto é, aqueles que compunham a elite do país, que tinham parte na família real e os governantes de outras nações foram quem direcionaram os rumos decisivos do Brasil. A população comum, apenas à mercê de todos os acontecimentos, observava como expectadores sem sequer ter boa consciência de quais seriam as implicações de tais mudanças em suas vidas cotidianas. Como consequência da não participação popular nestes eventos, eles não foram pensados para esta parcela, a grande massa da população. Sendo assim, por exemplo, a abolição da escravatura foi desastrosa ao libertar sem qualquer reparação ou assistência os indivíduos outrora escravizados. Atualmente, como observado por Jessé de Souza, não há no país cidadãos que lutam por chance de classificação social nas diversas esferas sociais de atuação que constituem, em condições de relativa igualdade. Dessa forma, é notório como o já ocorrido se repete e perdura continuamente no Brasil: sem condições de igualdade não é possível esperar uma escalada social comum a todos que dependa unicamente de suas qualidades pessoais desenvolvidas com este fito, como empenho, disciplina e calculabilidade, como é estigmatizado pela cultura do Habitus, tanto nas sociedade europeias quanto nas norte-americanas, de acordo com o estudo de Alfred Schultz.
Para a completa compreensão da atual configuração da sociedade
brasileira é ainda imprescindível o reconhecimento real do que foi o colonialismo. Segundo Beatriz Silveira, este processo é diametralmente oposto àquele que a história branca pinta hoje, como um processo de auxílio à suporta civilização dos povos, quando na verdade o processo se baseou em três grandes crimes descritos por Fernado Baez: o genocídio, o memoricídio e o etnocídio. Sobre estes pilares foi encabeçada a sociedade do Brasil bem como de outros países americanos e africanos também marcados pelo colonialismo. De acordo com Rampnelli, “controlar o passado é a melhor forma de planejar o futuro”, então mediante a progressiva exclusão da história dos povos que residiam no país, foi inserida de forma artificial a cultura europeia, sob o pretexto de ser um favor aos colonizados, mas com o intuito da exploração de bens e mão-de-obra de forma controlada. Atentando à Rampnelli, entende-se que um povo sem história não luta, não questiono, não revoluciona, mas apenas aceita a história que lhe é imposta. Assim começou o Brasil, com o extermínio da história de dois grupos de povos que constituem o país, os ameríndios e os africanos, sob a exaltação e imposição da cultura europeia.
Sobre as bases da colonização e da escravidão foi fundado o Brasil. A
colonização, como discutido, foi crucial para o processo de europeização brasileira, ensinando, repassando e pressionando para a aceitação de que toda a cultura diferente da europeia é errada e não compreende, como Jessé de Souza afirma, à pistis do desenvolvimento pessoal com foco ao crescimento da indústria capitalista. Foi este, segundo ele, o maior legado trazido de navio do continente europeu para o Brasil. O processo de “desescravização”, tão danoso quanto a própria escravidão, acarretou na sociedade brasileira marcas profundas em sua organização. Isto se deu, principalmente, pro não ter havido um processo, mas sim um único passo sem medidas reparadoras aos injustiçados. Sendo assim, este fenômeno constituiu em clara injustiça, pois como é observada atualmente na legislação brasileira, mediante o prejuízo de um, aquele que o causou deve ser penalizado e/ou reparar o dano causado, o que não ocorreu no país pós-escravidão. Como observado por Beatriz Silveira, os desdobramentos e impactos deste sistema de dominação, tanto colonialista quanto escravagista, ainda se fazem presentes, como pode ser observado, por exemplo, na persistente marginalização e criminalização da população negra e parda, descente dos dois grupos outrora suprimidos socialmente. É desigual e sinônimo de injustiça colocar sob mesmo parâmetro de avaliação de crescimento social povos que tiveram e que não tiveram suas bases estruturadas na nação, como se este desenvolvimento fosse consequência apenas do esforço individual mediante disciplina, como sugere o princípio da dignidade de Taylor.