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Schiller e a atualidade do sublime

a. O renascimento da Estética contemporânea


- a quantidade de publicações especificamente dedicadas ao debate sobre o sublime
desde os anos de 1980
- Ao comentar, em Schiller e a tradição do sublime, de 2004, o “renascimento” desse
conceito a partir dos anos 80 do século XX, primeiro na França e depois na Alemanha,
Paul Barone faz referência à série de escritos de Lyotard. O interesse recente pelo tema
estaria atrelado inicialmente à possibilidade de utilização do conceito do sublime como
uma chave para compreender a arte de vanguarda, nos moldes da proposta de Lyotard,
que afirma explicitamente : “Penso que é na estética do sublime que a arte moderna
(incluindo a literatura) encontra sua fonte, e a lógica das vanguardas, seus axiomas”
- pois o conceito de sublime, antes vinculado ao sentimento de prazer diante de
fenômenos da natureza (Burke e Kant), aparece agora associado diretamente a
manifestações artísticas, especialmente aos rumos da arte moderna e contemporânea
evidenciam uma crise do belo artístico como ideal.
- precursor dessa proposta de transposição (da natureza a arte) é Friedrich Schiller, que
já no final do século XVIII desenvolveu uma teoria do sublime na qual procurava, a
partir das análises de Kant, fundamentar a possibilidade de uma experiência estética
mais intensa desse sentimento na arte, e não na natureza. Schiller pode ser avaliado
também como ponto de partida, ou como primeira proposta do tipo de reflexão que
enxerga na noção kantiana e burkiana de sublime uma chave para compreender a
criação artística “atual”, de sua época.
b. O sublime na estética moderna
- Publicado em 1674, o Tratado do sublime ou do maravilhoso no discurso tornou-se,
após algumas décadas, um dos principais textos que compunham a chamada Poética
Clássica, sendo publicado muitas vezes ao lado das poéticas de Aristóteles e de Horácio.
O que o autor romano chama de sublime é, em primeiro lugar, “o ponto mais alto e a
excelência do discurso” (LONGINO, 2005, III, p. 71). O adjetivo “sublime” caracteriza,
portanto, certas passagens de Homero, Demóstenes ou Platão capazes de arrebatar,
persuadir e agradar com uma força irresistível os ouvintes, por serem grandiosas não só
pela matéria para reflexão, como também pela marca indelével que deixam na
lembrança. Destacam-se três aspectos nessa teoria : o estilo, o efeito sobre o ouvinte e o
conteúdo propriamente dito das passagens poéticas em questão. O “estilo sublime” tem
uma parcela importante de técnica discursiva ou retórica, estudada segundo a divisão de
cinco fontes que o produziriam : (1ª) capacidade de se elevar a pensamentos
grandiosos ; (2ª) emoção veemente e inspirada ; (3ª) determinada moldagem das figuras,
do pensamento e da palavra ; (4ª) nobreza de expressão ; (5ª) composição com vistas à
dignidade e elevação (VIII, p. 77). No tratado romano o sublime é claramente ligado ao
efeito da poesia, e não apenas a um estilo retórico. Trata-se de uma espécie de
“arrebatamento” ou êxtase que as passagens poéticas conseguem produzir :
“invariavelmente, o admirável, com o seu impacto, supera sempre o que visa a persuadir
e agradar ; o persuasivo, ordinariamente, depende de nós, ao passo que aqueles lances
carreiam um poder, uma força irresistível e subjugam inteiramente o ouvinte”. O
comentário feito por Boileau, que acompanha sua tradução de 1674 do tratado, chama a
atenção para estes dois aspectos : (1) a noção de sublime deve ser considerada como
uma categoria poética independente, ao lado do belo ; (2) o conteúdo sublime é
diferente de um estilo sublime. É o segundo aspecto que leva o teórico francês à
caracterização do sublime com termos correlatos, como o extraordinário, o
surpreendente ou o maravilhoso no discurso (cf. BARONE, 2004, p. 41 ; BOILEAU,
1966, p. 158). Nesse sentido, é importante chamar a atenção para o fato de que o texto
traduzido por Boileau reserva o adjetivo “sublime” apenas para passagens poéticas, ou
seja, para obras artísticas, produtos do engenho humano.
- Mais tarde, em Os prazeres da imaginação, de Joseph Addison, escrito em 1712, que
se nota claramente a transposição da categoria do sublime da arte para a natureza. Ao
definir uma das fontes de prazer para a imaginação, que ele chama de “grandiosidade”,
Addison refere-se ao campo aberto, a desertos intocados, a gigantescos cumes de
montanhas, a precipícios ou à vastidão do mar (cf. BARONE, 2004, p. 46 ; ADDISON,
1898, v. III, p. 279). Tais fenômenos da natureza são considerados fontes de prazer
porque a mente os percebe como um símbolo da liberdade, ou seja : “A nossa
imaginação ama ser preenchida por um objeto ou captar qualquer coisa que é grande
demais para a sua capacidade”. Desse modo, “somos levados a um espanto prazeroso
diante de visões ilimitadas, e sentimos uma quietude deleitosa e um encantamento da
alma ao apreendê-las” (BARONE, 2004, p. 46). Addison consagra o uso do termo
“sublime” para caracterizar primordialmente o prazer advindo da contemplação de
fenômenos da natureza, contrariando a tradição retórica e poética na qual o texto
romano traduzido por Boileau estava inserido.
- Posteriormente, Edmund Burke conduz sua própria investigação a esse respeito, cujo
cerne se encontra, então, na diferença entre um prazer positivo (associado a objetos
pequenos, delicados, harmoniosos, claros, suaves) e um prazer negativo (associado a
objetos grandes, massivos, escuros, com formas ásperas) (BARONE, 2004, p. 57). O
primeiro tipo de prazer diz respeito à beleza ; o segundo caracteriza o sentimento do
sublime, que surge diante de fenômenos como tempestades, o barulho de uma artilharia,
uma catarata, animais ferozes ou venenosos, a escuridão, etc. Assim, o desafio de Burke
em sua investigação sobre o sublime é explicar qual a causa do prazer advindo da
contemplação de objetos que são, a princípio, ameaçadores, perigosos, portanto,
propícios a ocasionar dor. : quando o observador está em segurança, ele pode
contemplar esses objetos e experimentar duas sensações misturadas, que são (1) a ideia
do perigo e (2) o alívio por não ser diretamente afetado pelo objeto ameaçador. Burke
(1993, p. 97) afirma que os fenômenos sublimes “são simplesmente dolorosos quando
suas causas nos afetam imediatamente ; mas são deleitosos [delightful] quando temos
uma ideia da dor e do perigo, sem estar realmente nessas circunstâncias”. Nesse caso, o
sentimento do sublime se dá em dois passos, pois ele se constitui como um desprazer
que proporciona, apenas quando o observador está em segurança, um prazer. A esse
prazer negativo Burke dá o nome específico de “deleite”, a fim de distingui-lo do prazer
positivo que é proporcionado pela contemplação de coisas belas : “o que quer que
desperte esse deleite eu o chamo de sublime”, conclui.
- Por sua vez, as definições kantianas procuram solucionar os impasses do debate
anterior, submetendo os juízos estéticos a uma análise crítica, ou seja, expondo
rigorosamente como operam as faculdades da razão para produzir esses tipos de
avaliações em que determinados fenômenos são designados com os termos “belo” e
“sublime”. Especificamente quanto à experiência estética do sublime, assim como seus
precursores, o filósofo considera capazes de proporcioná-la fenômenos da natureza,
Quando compara o ajuizamento do sublime com o do belo, que “comporta diretamente
um sentimento de promoção da vida, e por isso é vinculável a atrativos e a uma
faculdade de imaginação lúdica”, Kant (1993, p. 90) explicita que considerará apenas o
sublime em objetos da natureza.
- Para esclarecer a explicação kantiana, é preciso distinguir os dois tipos de sentimento
de sublime analisados pelo filósofo : o sublime matemático, no qual o movimento de
ânimo do sujeito é ligado à faculdade de conhecimento ; e o sublime dinâmico, no qual
esse movimento está ligado à chamada faculdade da apetição (p. 93). A noção de
“movimento do ânimo” diz respeito, aqui, à diferença entre o prazer do sublime e o do
belo ; enquanto o segundo se liga a uma forma determinada e a um sentimento de
promoção das forças vitais, no qual o ânimo é simplesmente atraído pelo objeto e o
contempla serenamente, o sublime implica uma mistura de atração e repulsa, um
sentimento de inibição das forças vitais, seguido por uma efusão dessas forças em outro
nível, portanto, implica um movimento brusco na disposição subjetiva, uma espécie de
agitação (p. 90).

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