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Motrivivência v. 27, n. 44, p.

93-108, maio/2015

http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2015v27n44p93

NARRATIVAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA:


sentidos produzidos por professores de Educação Física

Igor Câmara Luiz1


André da Silva Mello2
Silvana Ventorim3
Wagner dos Santos4

RESUMO

Discute os sentidos atribuídos por 14 professores de Educação Física sobre suas


experiências com os processos de formações continuadas. Trata-se de uma pesquisa
narrativa (auto)biográfica, que utilizou grupos focais e entrevistas como instrumentos
para produção dos dados. Os colaboradores são seis professores e oito professoras
das redes municipais de Serra, Vitória e Viana, municípios da região metropolitana da
Grande Vitória/ES. As análises indicam que os sentidos atribuídos estão relacionados
com a necessidade coletiva de reorganização das formações institucionalizadas em
diálogo com os interesses políticos dos professores e com a especificidade da Educação
Física como componente curricular. De maneira geral, os professores consideram
as formações focadas na prática e no exercício da docência como as que melhores
traduzem suas expectativas. A prática aparece como um saber fazer a ser apropriado das
formações continuadas para ser vivenciado na escola; um saber que, ao ser apreendido,
é ressignificado para produzir outras experiências.

Palavras-chave: Formação continuada; Educação Física; Educação Básica

1 Mestre em Educação Física. Professor Universitário da Rede Doctum de Ensino e professor de Educação Física
da Prefeitura Municipal da Serra. Serra / Espírito Santo, Brasil.
E-mail: igorcefd@gmail.com
2 Doutor em Educação Física. Professor do Curso de Educação Física - UFES. Sergipe, Brasil.
E-mail: andremellovix@gmail.com
3 Doutora em Educação. Professora do Departamento de Linguagens, Cultura e Educação e do Programa de
Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da UFES. Aracaju / Sergipe, Brasil.
E-mail: silventorim@hotmail.com
4 Doutor em Educação. Professor do curso de Educação Física e do Programa de Pós-Graduação em Educação
Física da UFES. Aracaju / Sergipe, Brasil. E-mail: wagnercefd@gmail.com
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INTRODUÇÃO pela forma como as aulas são distribuídas,


ou seja, por muitos fatores que incidem
Quais sentidos são produzidos nas sobre a qualidade da educação, do trabalho
narrativas de professores de Educação Física docente e da própria profissão.
sobre seus processos de formação continua- Nesse propósito, pretendemos nos
da? O que pretendem essas narrativas que se inserir no repertório de conhecimentos
expressam sobre a formação continuada do produzidos pela produção acadêmica
professor quando se têm por análise as pers- que discute o tema, assumindo um duplo
pectivas de formação engendradas na relação movimento de procura, de produção de
entre política de formação de professores e a saberes, em que os sujeitos da escola e os
participação da universidade e das escolas? pesquisadores acadêmicos vislumbram a
É ao enfrentamento da problematização dos possibilidade de se inserirem no universo do
pressupostos teórico-metodológicos e das outro e adquirir um conjunto de saberes que
experiências de formação continuada de pro-
permita, aos professores, a possibilidade de
fessores de Educação Física materializadas
teorizarem a sua prática, e aos pesquisa-
em uma perspectiva por nós assumida como
dores, a oportunidade de investigarem os
“redes de colaboração” que nos dedicamos
sentidos que os professores atribuem aos
neste artigo.
seus processos formativos. Tal perspectiva
Atualmente, nos domínios da for-
requer um trabalho colaborativo, centrado
mação continuada, embates discursivos
na escola como espaço de desenvolvimento
se sucedem no Brasil e entram na roda
profissional, com a possibilidade de produ-
diferentes vozes, como a dos professores
zir saberes marcados pela complexidade
chamados a comunicar suas práticas, as dos
do cotidiano.
pesquisadores das entidades científicas e
das instituições de Ensino Superior, do po- Ao darmos visibilidade aos sentidos
der institucionalizado, fomentador de polí- que os professores atribuem às formações
ticas públicas, com suas representações nas que escolheram narrar, faz-se necessário
distintas esferas do Poder Público, de enti- entender que os sentidos por elas expressos
dades privadas e outras, problematizando estão imbrincados em suas experiências.
as tensões de um descompasso histórico da Larrosa Bondía (2011) explica o conceito de
formação de professores. Portanto, o desafio experiência sob três dimensões. O “princí-
está em discutir a formação continuada de pio de alteridade” como um acontecimento
professores de forma articulada a conceitos de fatos, no nosso caso, a formação como
como teoria e prática, experiência, profis- um acontecimento comum aos docentes.
sionalização e trabalho docente, processos O “princípio da subjetividade” parte da
de identificação profissional ao longo da afirmativa que, tal acontecimento, afeta de
carreira, relações de poder, autonomia e alguma maneira o pensamento da pessoa
emancipação do professor, pois a formação que está sujeita a este evento. E a experiên-
continuada determina e é determinada pelo cia como uma “passagem”, que diz respeito
modelo de organização da escola e do cur- aos usos que os professores tecem a partir
rículo, pelos usos do espaço e do tempo, desta experiência, tais usos são expressos
pelas práticas de planejamento e gestão, quando exteriorizam suas ações.
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Assim, a experiência incide sobre a Grande Vitória/ES. O critério de seleção dos


dimensão individual, em que o sujeito pro- professores foi estabelecido à medida que
duz sentidos singulares, tanto das relações eles se envolveram como coparticipantes
estabelecidas com esses lugares, quanto de uma formação continuada realizada no
para ressignificá-los às suas práticas de Centro de Educação Física (Cefd) da Uni-
atuação profissional nos usos e consumos versidade Federal do Espírito Santo (Ufes)
que delas produz. Fundamentados nessa pelo Instituto de Educação e Educação Física
perspectiva, definimos como objetivo (Proteoria), entre os anos 2012 e 2013. É
compreender os sentidos atribuídos por 14 válido destacar que essa formação faz parte
professores de Educação Física sobre suas de um projeto de pesquisa e extensão sub-
experiências com os processos de forma- metido ao comitê de ética e aprovado sob
ções continuadas. o número CAAE: 15419913.4.0000.5542.
Diante do exposto, estruturamos Dos 14 professores colaboradores
este artigo em três momentos indisso- do estudo, 11 atuam na Rede Municipal
ciáveis. Inicialmente, apresentamos o de Serra, distribuindo-se do seguinte modo:
referencial teórico e metodológico que Aline e Nazian, na Educação Infantil; Paulo,
orientou o estudo. Posteriormente, dialo- Bianca, Marlos, Sylvia, Anderson, Naílson
gamos com as narrativas dos professores e Rosiléia, no 1º ao 5º ano do Ensino Fun-
colaboradores da pesquisa e, por fim, damental; Flávia e Sandro, no 6º ao 9º; e
retomamos as questões principais. Márcio, coordenador de área da formação
continuada. Da Rede Municipal de Vitória
participou Elvira, professora que atua nas
REFERÊNCIA TEÓRICO-METODOLÓGICA séries iniciais do Ensino Fundamental e a
professora Jamille, que trabalha nas turmas
A narrativa autobiográfica (SOUZA, de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental da
2010; PASSEGI, 2010) se constituiu como Rede Municipal de Viana.
abordagem de pesquisa e teve como foco Definimos como fonte as narrativas
a leitura sobre a formação continuada produzidas em três grupos focais (GF1, GF2,
experenciada por 14 professores de Edu- GF3), uma entrevista (E1). No uso desses
cação Física. Os resíduos das experiências instrumentos, procuramos compreender os
dos docentes ganharam, nas narrativas, interesses que motivaram os professores a
formas de linguagem que redefinem mo- selecionar os lugares e tempos de formação
dos de ser e viver, revisitando histórias continuada e os sentidos que atribuíram aos
nas memórias-fragmentos (PEREZ, 2003), processos formativos.
retalhos de uma formação que se escolhe Ao rememorar os sentidos produzi-
para lembrar, nos quais buscamos um fa- dos pelos processos formativos, os profes-
zer história que rompe com a linearidade sores dão visibilidade às suas experiências
do espaço e tempo, entrelaçando passado, e, ao mesmo tempo, revelam os sentidos
presente e futuro no agora. atribuídos a esses processos e suas práticas
Constituíram-se em sujeitos deste de apropriações. É justamente nessas prá-
estudo oito professoras e seis professores de ticas que identificamos as percepções e as
Educação Física de três redes municipais da apropriações enredadas pelos docentes a
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partir da relação que estabelecem com os práticas corporais, sinalizando-as como pos-
contextos vividos de formação. Em outras sibilidades de ensino. A análise nos remete
palavras, os sentidos atribuídos pelos do- a seguinte pergunta: “Por que os professores
centes se constituem como uma forma de buscam uma formação institucionalizada que
uso inventivo, consumo produtivo (CERTE- propunha ser prática?”. A valorização desse
AU, 1994), que potencializa os modos de tipo de formação parece ser aos docentes
apropriação dos conhecimentos ofertados uma necessidade, que sinaliza a urgência
pela formação continuada. Os professores de repensar os processos de formação
não reproduzem nas suas escolas os acon- continuada e a especificidade do saber que
tecimentos vivenciados nas formações, trata a Educação Física como componente
mas se apropriam (CERTEAU, 1994) desses curricular, como aprecia a narrativa:
conhecimentos de acordo com seus interes-
ses, necessidades individuais, coletivas e [...] Nós produzimos um tipo de conhe-
cimento que é corporal, o movimento
conforme a própria identidade profissional corporal [...] não tem formação, não
e a especificidade da Educação Física como tem uma política em que realmente
componente curricular. haja um compromisso do estado com a
nossa área, que tome como base o mo-
Ganha ênfase nesse movimento nos-
vimento (NAÍLSON, GF1).
sa intencionalidade, ao rememorarmos, nas
[...] A formação continuada não é só
lembranças dos professores, elementos de para você ficar se lamuriando. É um
suas práticas de formação continuada. Josso espaço para trocar experiências, ou-
(2002) e Souza (2010) evidenciam a neces- tras práticas, buscar novos horizontes!
(BIANCA, E1).
sidade de a formação continuada propiciar
a rememoração do resgate das histórias
Observamos uma expectativa dos
de vida em formação. Nessa perspectiva,
professores em investir em formações que
segundo os autores, os professores têm a
possam auxiliá-los na resolução dos pro-
possibilidade de olhar para seus percursos
blemas que se apresentam no cotidiano da
de formação ressignificando não só as suas
escola, em especial, da Educação Física,
experiências, mas também as projeções
levando em consideração as demandas ad-
que fazem nos e dos próprios contextos de
vindas da prática pedagógica. Nesse caso, a
formação vivenciados.
busca pelas formações não se configurou no
que elas podem oferecer, mas naquilo que,
Dos sentidos ao modo como os professores na leitura dos professores, poderia dialogar
dialogam com os lugares institucionalizados com seus contextos de ensino, suas neces-
e não institucionalizados de formação sidades e expectativas, que por eles podem
ser apropriadas, objetivando responder às
Ao realizarmos uma análise inicial suas demandas.
sobre os sentidos atribuídos pelos professo- Também pontuamos que as apro-
res aos diferentes contextos de formações priações se materializaram nas articula-
institucionalizados, um aspecto em parti- ções políticas realizadas pelos professores
cular é privilegiado por todos, independen- nas formações, à medida que as relações
temente do contexto: as vivências com as de poder foram tensionadas de acordo
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com seus interesses e necessidades. Dessa metodologias empregadas para, a partir


forma, não podemos desassociar os sentidos delas e com elas, produzir outras possibi-
atribuídos às formações sem considerar lidades de atuação pedagógicas, levando
as relações praticadas entre professores, em consideração sua história de vida, suas
formadores e os contextos em que são necessidades e interesses, bem como os da
produzidas, no caso do nosso estudo, a escola e dos alunos.
Universidade, na forma de Congressos, e As narrativas desses professores
as Redes Municipais de Ensino (Semes), sobre a especificidade da disciplina se
conforme narrativas a seguir: associam à prática pedagógica de uma
Educação Física que constrói sua identidade
[...] como foi bom aquele congresso
[Espírito-Santense] que eu participei! se diferenciando dos outros componentes
Vocês colocaram exatamente aquilo curriculares. A Educação Física se distingue
que estávamos precisando [...] formas das outras disciplinas pelo
para a gente estar fazendo a prática
(NAZIAN, E1).
[...] fato de trabalhar o corpo, através
[...] A participação do congresso é uma do corpo e com o corpo dos alunos [...]
formação importante porque aborda as estas características são fundamentais
práticas (SYLVIA, E1). porque estão na base de suas estraté-
[...] com base na experiência de vários gias para fazer as coisas, desenvolver
professores, seria bem mais interessante conhecimento, acumular experiência e
do que a gente vê por aí, que geralmente relacionar-se com a comunidade esco-
uma pessoa que escreve de acordo com lar (MOLINA NETO, 1998, p. 35).
a experiência dela. Aqui [Seme] são vá-
rios professores, e cada um sempre con-
tribui na formação [...] a gente vai para
Charlot (2009, p. 243) também de-
formação, vê uma coisa e faz de acordo fende a especificidade da Educação Física,
com a nossa realidade (FLÁVIA, GF3). salientando que ela

As narrativas nos remetem à neces- [...] não é uma disciplina escolar ‘como
as demais’. E acrescento: felizmente.
sidade de que a formação institucionalizada
Não é igual às demais porque ela lida
partilhe de uma perspectiva que leve em com uma forma do aprender que não
consideração a especificidade da Educação a apropriação de saberes enunciados.
Física e o ensino da prática do movimento Em vez de tentar anular ou esconder
corporal. A oficina se apresentou como essa diferença, dever-se-ia destacá-la e
esclarecê-la. O fato de que é uma dis-
uma forma metodológica para que o pro- ciplina diferente não significa que tem
fessor não apenas experimentasse, mas, ao menos legitimidade do que as demais
vivenciá-la como um exercício da docência, disciplinas [...]. Em vez de se esforçar
estabelecesse outros sentidos sobre essa para aparentar-se normal, conforme a
norma dominante de legitimidade es-
formação, tendo condições de apropriá-la colar, a Educação Física deveria, a meu
na sua prática pedagógica. ver, legitimar-se por referência a outra
Referimo-nos às apropriações e à norma, a outra figura do aprender.
atribuição de sentidos como um consumo
produtivo (CERTEAU, 1994), em que o Se o saber de que trata a Educação
docente se apropria dos conteúdos e das Física está preferencialmente associado
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ao fazer com o corpo5 e à relação que o A formação da Seme se diferenciou da


sujeito estabelece consigo e com o outro, proposta ofertada pelo Congresso porque
as formações deveriam lançar mão dessa demarca diferentes contextos e sentidos
perspectiva. Compreender o modo como históricos e sociais que os professores fazem
os professores se apropriam desse saber e desses lugares, como anuncia a narrativa:
ainda dos sentidos que eles representam
na e para a sua prática pedagógica deve- [...] Nós íamos lá para trocar experiên-
cias, nós construímos a diretriz curri-
ria se configurar como eixo condutor do
cular principal do município de Serra.
processo formativo. Esse segundo momento era para a gente
Esse movimento é destacado por mostrar como as nossas experiências
Aline ao narrar sobre a formação continuada estavam sendo concretizadas. Elas
eram vividas no cotidiano das escolas
realizada na Seme:
(ALINE, E1).

Eu trabalhei ginástica artística na es-


cola e, apesar de eu ter pós-graduação Podemos destacar, com essa narra-
em ginástica artística, ela não me en- tiva, a participação efetiva dos professores
sinou a trabalhar na escola. O como no que tange ao compartilhamento de
fazer isso na escola aprendi numa ofi- suas experiências nessas formações. Essa
cina com [o Geraldo] na formação con-
tinuada na Serra. Eu falei assim: ‘Cara, parceria corrobora a ideia de que há nes-
agora eu já sei como entrar com a gi- ses contextos relações colaborativas, no
nástica na Educação Física, nas minhas sentido do compartilhamento das práticas.
aulas’ (ALINE, GF3). Mas, em contrapartida, também evidencia
os combates, tensões e negociações com
Essa narrativa oferece pistas sobre a própria Seme, como indica a narrativa:
a natureza das práticas que os professores “[...] às vezes já vem da Secretaria ‘Eles vão
buscam na formação e suas implicações trabalhar tal tema’, põe lá para o professor
para o “aprender a ensinar”, ao invés de e vai ser aquilo ali. Os professores que têm
“aprender a fazer”. É, portanto, uma práti- a experiência com aquele conteúdo apre-
ca pedagogizada, que tem seus objetivos, sentam para os outros [...]” (NAZIAN, E1).
suas intencionalidades e seus pressupostos Algumas narrativas que dão visibili-
voltados para a atuação docente. dade à Seme dizem respeito à participação
Se, por um lado, a formação da dos professores como interlocutores das
Seme de Serra e da oficina oferecida pelo suas próprias experiências de atuação
Congresso se constituíram como significa- pedagógicas, em um movimento de reco-
tivas experiências formativas, por outro, nhecimento e valorização de sua autoria.
podemos diferenciar as relações de força Além disso, as narrativas enveredam por
estabelecida nesses diferentes contextos. uma perspectiva de formação continuada

5 O conceito de corpo defendido no texto é semelhante à discussão de Charlot (2000, p. 53) sobre o homem. O
corpo está submetido à obrigação de aprender um triplo processo: hominização, singularização e socialização.
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que leva em conta relações colaborativas, fato de que as formações se constituíram


dadas pela troca de experiências pedagógi- historicamente como o lugar da teoria e da
cas com os pares. A quantidade dos relatos capacitação e, no caso da escola, o contexto
encontrados demarca esse sentido atribuído de sua aplicação (MOLINA NETO, 1998).
pelos professores, como os citados: Assim, a questão não está no distanciamento
dos docentes quanto ao uso da teorização,
[...] com base na experiência de vários do pensamento, da abstração, mas no
professores seria bem mais interessante processo histórico que delegou à formação
do que a gente vê em outras formações,
nas quais uma pessoa escreve de acordo
valorizar a dicotomia entre teoria-prática e
com a sua experiência. Aqui são vários saber-fazer, o que, em certa medida, vem
professores, e que cada um sempre con- sendo repercutido nos discursos dos profes-
tribui na formação [...] a gente vai pra sores, como sinalizam as narrativas abaixo:
formação, vê uma coisa e faz de acordo
com a nossa realidade. Essa vivência Teve uma formação com o Yuri que eu
ajuda como profissional e até, às vezes, achei legal. Foi sobre o karatê. Foi coisa
para ver que o meu problema é o mes- de duas horas, mas ele conseguiu abran-
mo problema do outro colega. As difi- ger o conteúdo de uma forma bem le-
culdades, não são apenas minhas. Isso gal, passou pelo processo histórico, teve
é muito bom para mim (FLÁVIA, GF3). prática, passou textos. Foi diferente e me
[...] o que mais me ajuda a reinventar marcou bastante, bem diferenciada. Ele
teoricamente as minhas práticas são as dividiu os grupos, não foi só um relato
vivências que eu tenho nas formações de experiências (ALINE, E1).
continuadas, de experiências, práticas Eu tento neste texto ‘o esporte huma-
mesmo de colegas [...] coisas que eu nizado’ levantar as argumentações que
não encontro em livro nenhum. Escuto tem levado a me incomodar. Esse texto
como que foi o processo e tento adaptar eu tive a oportunidade de apresentar
à minha realidade, nunca consigo fazer aos professores da Serra, numa forma-
igual ao o que eu vejo, mas sempre ção continuada. [...] eu falo da minha
consigo adaptar alguma coisa ou, a par- história pessoal, e é nesse texto que eu
tir dali, tento criar até também as coisas usei o futebol como elemento provoca-
(ROSILÉIA, GF3). tivo da questão da violência. Eu falo a
questão da minha família, meus paren-
tes, que têm lesões graves por causa do
A nossa leitura é que os professores futebol. Faço algumas análises históri-
estão em busca de contextos de formação cas, faço análise do futebol em si em
que lhes possibilitem o estabelecimento termos de lesão, falo das regras. Aí eu
de nexos com seus espaços escolares e começo a criticar a regra, que é meu
ponto de alta discordância, uma regra
pedagógicos. Apropriar-se dessas formações racional, impensada, que incentiva a
significa fazer adaptações metodológicas corrupção, a violência e vou dando se-
nos conteúdos de ensino, podendo ser quência no texto (MARLOS, GF1).
ressignificadas em suas atuações docentes.
A aproximação dos professores a essa pers- As narrativas de Aline e de Marlos
pectiva se constitui por repulsarem uma nos oferecem pistas sobre o modo como os
formação pautada pelo que denominam saberes são trabalhados nas aulas de Edu-
de uma perspectiva teórica. Uma possível cação Física. Observamos o lugar ocupado
hipótese para essa afirmação reside no pela prática, que se traduz no domínio de
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uma atividade e na relação que o aluno esta- Evidenciar não apenas a autoria dos
belece consigo e com o outro, todavia essas professores, mas conceder-lhes um lugar de
práticas não limitam o diálogo com outros interlocução de suas práticas pedagógicas
tipos de saberes, como aqueles materializa- nas formações tem se apresentado como
dos em livros. O aprender se tece na relação interessante perspectiva metodológica, à
com o saber fazer corporal que permite ao medida que eles sinalizam o que fazem com
aluno outras formas de interpretação das aquilo que têm experimentado e criado.
próprias práticas corporais, mediadas por Para tanto, é preciso levar em considera-
outra leitura de seus processos de constru- ção a relação histórica que os professores
ção cultual e histórica. Marlos, por exemplo, têm com as formações do município, em
usa o conteúdo esporte para trabalhar temas especial de Serra, como sugere a narrativa:
relacionados com os valores humanos em
um processo que permite a ressignificação [...] Eu peguei 3 etapas. A saída do Yuri,
o pessoal estava meio cansado porque
do próprio conteúdo. Isso significa que a era aquela discussão política e deixava
Educação Física não deve se esquecer dos a desejar porque a gente estava ali para
saberes objetivação e denominação6 como estudar. E eu, às vezes, ficava naquela
eixos da formação continuada, pois ela é vontade de fazer alguma coisa: ‘Vamos
fazer? Não vamos fazer?’. [...] Veio a
dada também pelos saberes incorporados Marina que também teve uma contribui-
nos textos acadêmicos e nos espaços e ção significativa, mas também ficou no
tempos de formação. ‘e agora?’. Parece que foi alguma coisa
que ela procurou desenvolver no seu
Além disso, esse entendimento de
Mestrado. Parece que agora o Márcio
formação sinaliza a necessidade de avan- está voltando, o que era antes, de sentar,
çarmos na compreensão da prática em pegar e ver o que os colegas estão pro-
um movimento que foge aos processos de duzindo e estão fazendo, e eu acho que
a formação continuada é isso. É essa tro-
dicotomização, entendo-a como prática de ca de experiência, essa troca de vivência
fazer, de falar, de lecionar, de projetar etc. (BIANCA, E1, grifos da professora).
(CERTEAU, 1994).
Essas práticas traduzem os interesses Há, por parte de Bianca, um sentido
e as necessidades dos professores e de seus atribuído às formações da Seme que sinaliza
contextos escolares. Ganham destaque os as permanências e rupturas de um trabalho
modos como os professores consomem pro- de formação continuada. As rupturas são
dutivamente (CERTEAU, 1994) as vivências indicadas por uma vivência de formação
oferecidas na formação. Dentre elas, ressalta- teórica, em que o aprender a ensinar se
mos a intenção do professor em se constituir limita à discussão e leitura de teorias ou,
como parte do processo de investigação, ainda, quando a formação é enviesada pelo
criação e produção do conhecimento. âmbito da investigação, que muitas vezes é

6 Charlot (2000) aponta 3 dimensões epistêmicas do saber: Objetivação-denominação: associada a um saber


virtual e abstrato; Imbricação do Eu: relacionado ao movimento corporal, como nadar, correr etc.; Distanciação-
regulação: produzido a partir das relações interpessoais e, entre o saber e o sujeito.
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entendida com o olhar de denúncia de suas de uma perspectiva instrumental, que tem
práticas, ou de uma pesquisa acadêmica, por objetivo formar o professor para aplicar
em que não se reconhece o docente como conteúdo, não reconhecendo suas práticas
autor de suas práticas. como produtoras de teoria.
A partir das falas de Aline, Bianca Portanto, destacamos a necessidade
e Marlos, observamos um processo de di- de construir um sentido de formação conti-
cotomização no discurso dos professores, nuada que não esteja imbricada à ideia de
quando apresentam a relação teoria e práti- que o professor vivencia esses lugares para
ca, uma vez que compreendem que suas ex- se capacitar, mas entendê-la como mais
periências profissionais se constituem como um dos múltiplos contextos de formação
práticas, no sentido de que nelas não exista que permitem ao professor problematizar o
a teoria. Assim, a escola se forma como um sentido que atribui à sua prática, entendo-a
contexto de atuação profissional em que como produtora de teoria. Isso implica uma
são geradas as demandas que devem, no mudança nas relações estabelecidas, em
olhar desses professores, ser resolvidas pela que os professores passem de espectadores
formação da Seme. a autores, corresponsáveis pelo processo
Podemos deduzir que a dicotomia de formação.
não está apenas no discurso, mas nos senti- A opção por essa perspectiva pode
dos que atribuem à formação, à medida que facilitar as relações de parcerias e os pro-
dá a entender que a troca de experiências cessos de compartilhamento das práticas,
entre professores é essencial para a resolu- potencializando as ações colaborativas da
ção dos problemas da escola. Mas essa pro- formação, o que implica o estabelecimento
cura também não se caracteriza como uma de relações de parceria, favorecendo para
capacitação, uma vez que busca soluções que o professor atribua um sentido de
para os problemas da escola? Podemos, com pertencimento a esse lugar, como explicita
isso, inferir que há um sentido atribuído a narrativa:
às formações continuadas como aquela
que, por meio de suas institucionalizações Eu gosto porque são poucos lugares que
chanceladoras, devem se orientar e resolver dão oportunidade para o professor fazer
[...]. Juntar um monte de gente da mi-
os problemas particulares dos professores
nha área para trocar experiência [...] até
enfrentados em suas escolas. porque a minha dificuldade é a dificul-
Temos aqui uma das justificativas dade de um monte de gente, e eu acho
para os processos de resistência por parte que é só minha. Como, hoje, o proble-
ma da violência não é só meu! Só que
dos professores em aceitar outras possibi- lá, trocando experiências [...], encontra-
lidades formativas. Além disso, em alguns mos meios que os outros descobriram
momentos, não produzem processos de dife- para sanar (FLÁVIA, E1).
renciação entre os objetivos de cada contexto
formativo, sobretudo quando analisamos Ao dar ênfase ao compartilhamento
a formação da Seme e da escola e o papel das experiências de atuação pedagógica
social que cada uma exerce. Ponderamos, dos professores e às trocas de experiên-
ainda, que o sentido atribuído a esse tipo de cias, privilegiam-se os saberes docentes e
formação pode favorecer o fortalecimento a escola como lugar de produção desse
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conhecimento. A escola, nesse contexto, processo pessoal de formação, com itine-


transforma-se em: rários variados, por considerar a autonomia
do professor na definição desses itinerários
[...] uma instituição não apenas consu- formativos, ou seja, as experiências forma-
midora de conhecimentos produzidos
tivas que mais se aproximam de seus inte-
em outras instâncias, mas como uma
instituição eminentemente produtora de resses pessoais e profissionais no contexto
conhecimentos: os conhecimentos esco- organizacional onde atua.
lares. Não significa que a escola produz Sendo assim, os processos de (for-
uma nova História, uma nova Matemáti-
ma)ação pressupõem formação na ação,
ca ou uma nova Química, mas sim a es-
cola (re)constrói esses e outros saberes, em quer o professor (trans)forma saberes
trabalha com processos de mediação e produz novos conhecimentos, (re)forma
didática, capazes de tornar ensináveis e o pensamento e ressignifica suas concep-
assimiláveis os saberes, científicos e/ou
ções, (de)forma saberes construídos social-
eruditos (LOPES, 1998, p. 43).
mente pela forma subjetiva de apropriação
dos saberes e potencializa a construção de
O compartilhamento das expe-
saberes próprios, mudando suas compreen-
riências vai tecendo outras formas de se
sões para além dos enunciados semânticos
viver esse lugar, em que são estabelecidos
da formação.
vínculos de solidariedade, outros modos
Nas formações da Seme, os profes-
de produção de conhecimento pela troca
sores transformam esses encontros em ou-
de saberes dos professores. Enfim, há uma
tros modos de viver a formação, os espaços
afinidade entre o conhecimento produzi-
praticados (CERTEAU, 1994). Eles foram
do pelo professor e o que é oferecido na
caracterizados pela troca de experiências e
formação continuada, estabelecendo uma
com articulação política, ao externarem as
relação de pertencimento. Esse movimento
dificuldades de seus contextos escolares e,
indica não apenas caminhos para pensar as
por vezes, as ineficazes políticas de forma-
políticas de formação, mas também para se
ção do município. Esses espaços praticados
materializar novas propostas curriculares.
objetivam reafirmar a escola e os professores
Dessa forma, as práticas de forma- como produtores de conhecimento, acenan-
ção e atuação profissional nunca são indivi- do para uma perspectiva de formação que
dualizadas; elas são coletivas, à medida que dialoga com os saberes por eles produzidos.
expressam anseios de uma identidade social As práticas coletivas de formação
(professores) e o pertencimento que têm a continuada produzidas no contexto escolar,
essas redes. Em última análise, as práticas pautadas na experiência profissional, permi-
dos professores podem ser entendidas como tem compreender o sujeito, porque investe
singularização das redes com as quais eles em suas experiências significativas e em sua
se relacionam. reformulação teórica, consolidando redes
Essa ideia se aproxima do conceito de trabalho coletivo e de partilha (NÓVOA,
de (auto)formação trabalhado por Nóvoa 2002), levando os professores a produzirem
(2002), como um processo de formação conhecimentos próprios, reflexivos e perti-
que reconhece a diversidade como seu nentes, contribuindo para a emancipação
fundamento, caracterizando-se como um profissional e para a autonomia na produção
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de saberes, como descreve Nóvoa (2002, O empoderamento reconhecido ao


p. 63-64, grifos nossos): professor nos processos de (auto)formação
não pode ser confundido com individua-
Um dos eixos estratégicos mais impor- lização do trabalho, nem tampouco com
tantes é o apoio a práticas de formação
movimento que contribua para que as
contínua que estimulem a apropriação
pelos professores, a nível individual e administrações públicas se eximam do
coletivo, dos seus próprios processos compromisso de estabelecer políticas de
de formação. A troca de experiências formação continuada que contribuam com
e a partilha de saberes consolidam re-
as necessidades e os interesses dos professo-
des de formação mútua, nas quais cada
professor é chamado a desempenhar, res, sob a justificativa de que esses processos
simultaneamente, o papel de formador dariam conta de suas demandas.
e de formando. [...] O diálogo entre os É necessário ir além do modo como
professores é fundamental para consoli-
cada professor vai resolvendo seus problemas,
dar saberes emergentes da prática pro-
fissional. Mas a criação de redes coleti- para que com o compartilhamento dessas
vas de trabalho constitui, também, um ações em lugares institucionalizados se
fator decisivo de socialização profissio- invertam/reconheçam as possibilidades
nal e de afirmação de valores próprios
coletivas, pois, como afirma Certeau (1994,
da profissão docente.
p.105): “[...] o estudo das táticas cotidianas
presentes não deve no entanto esquecer o
Em nosso entendimento, essas redes
horizonte de onde vêm, [nem tampouco] o
de partilha de experiência, construídas pelo
horizonte para onde poderiam ir”.
encontro com o outro, ao mesmo tempo
Entendemos que tanto o movimento
múltiplas e singulares, permitem considerar
coletivo de indicação das necessidades,
a subjetividade e fundam-se na valorização
quanto a aceitação dos professores das
da experiência do sujeito do cotidiano,
formações que lhes possibilitam vivências
permitindo a criação de uma trama entre
com as práticas corporais se configuram
os sujeitos e de sentidos de responsabili-
como pontos de encontro entre os sentidos
dade compartilhada sobre a formação do atribuídos a esses lugares. Esses encontros
outro, constituindo-se como um coletivo têm o intuito de se opor a um modelo instru-
na escola, na complexa rede cotidiana de mentalizado de formação, desconstruindo
produção de conhecimentos necessários um significado que oferece apenas a teoria,
para a efetivação da prática pedagógica. apropriando-se dela ao dialogar com suas
Compreendemos que a formação práticas de atuação profissional.
continuada alicerçada na partilha das ex- Diante do que já discutimos, enten-
periências e nos conhecimentos produzidos demos que há um ponto de interseção entre
nas redes de formação mútua é potenciali- as narrativas que evidenciam as formações
zadora da autonomia e da criação de uma oferecidas pela Universidade e as promo-
cultura profissional baseada na ideia de que vidas pela Seme. Os professores não estão
o professor é sujeito ativo e produtor de fechados para a possibilidade de trabalhar
itinerários próprios de formação continua- com a teoria, inclusive buscam ampliar os
da, como resultados de processos de (auto) sentidos sobre a própria teoria e a forma-
formação (NÓVOA, 2002). ção continuada se configuraria como uma
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opção nessa perspectiva. Esse movimento de forma complexa entre as disciplinas


foi observado quando os professores quali- curriculares, os espaços e tempos da esco-
ficaram como significativas as perspectivas la, considerando a formação continuada e
de formação que ofereceram a oportunidade as histórias de vida dos professores. Cabe,
de teorizar a sua prática, pelo relato, pelo então, às instituições formadoras investir
debate e pela reflexão da sua experiência na necessidade de pesquisar os consumos
pedagógica nos lugares de formação. produtivos produzidos pelos professores,
As críticas não estão centradas na no sentido de potencializar a forma como
“instituição Universidade”, como aquela são significadas a prática profissional e a
que produz teoria, mas visualizam a própria formação, tendo em vista que o novo não
noção de teoria como um paradigma epis- se manifesta pela criação de uma nova
temológico que precisa ser reconfigurado, teoria, mas pela capacidade que temos de
pois é uma teoria que não dialoga com a
produzir outras possibilidades a partir do
escola e com as especificidades da Educação
que nos é oferecido em um movimento
Física como disciplina escolar. As dificul-
de apropriação das realidades locais em
dades indicadas pelos docentes remetem à
diálogo com as globais.
necessidade de produzir um conhecimento
Percebemos, ainda, que as narrati-
que possa ampliar a visão dos professores
vas não remeteram à falta da teoria. A nossa
sobre a Educação Física como especificidade
análise é que, da mesma forma com que
curricular, levando-os a compreender que o
cotidiano escolar é atravessado por outros os professores perspectivam nas formações
contextos que devem ser levados em consi- continuadas uma teoria ressignificada nas e
deração, como o papel do aluno no processo pelas práticas pedagógicas, também procu-
de construção da própria identidade docente ram essa teoria na formação inicial. Portan-
e da formação continuada. to, aproximar a Universidade da Educação
Corroboramos essas críticas, contu- Básica é produzir prática-teoria-prática que
do, em nome delas, não podemos construir caminham no sentido de “ensinar a apren-
espaços formativos pautados em interesses der a ensinar” o conhecimento específico da
particulares e desarticulados de outros con- disciplina – as práticas corporais – levando
textos de conhecimentos, como os culturais, em consideração os múltiplos contextos em
os sociais, os históricos e os políticos. Além que as escolas estão inseridas e o diálogo
disso, não existe uma teoria preconcebida com os conhecimentos de outras áreas.
que responda a todas as necessidades
encontradas, tal como é perspectivada
por alguns professores. O papel da teoria CONSIDERAÇÕES FINAIS
não é oferecer as respostas, mas fazer com
que os sujeitos, fundamentados nelas, Os sentidos dados à formação da
consigam produzir suas próprias respostas, Seme se configuraram como a reivindicação
contextualizando-as com suas realidades e dos professores quanto ao seu lugar de inter-
condições de análise. locução, não apenas das suas experiências,
A teoria e o conhecimento ressignifi- mas de espaços de articulação política, em
cados nesses lugares de formação institucio- favor de uma formação institucionalizada que
nalizados, a nosso ver, devem ser produzidos leve tanto em consideração a especificidade
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da Educação Física como componente Observamos um sentido coletivo


curricular, como as questões associadas à que se identifica com os lugares institucio-
melhoria das condições de trabalho. nalizados de formação, que dialoga com
Nas formações oferecidas pela as práticas de atuação pedagógica dos
Universidade, podemos comparar dois professores. A análise das narrativas revela
contextos distintos, a crítica que os profes- a possibilidade de se promover a interlocu-
sores fizeram à perspectiva que assumem ção do compartilhamento das experiências
teorias que não dialogam com a prática e, e também de evidenciar o professor no
nos congressos, quando as oficinas ofere- processo de planejamento, produção e
cidas tiveram certa peculiaridade com as tomada de decisão de modo democrático
práticas de atuação pedagógica que foram nas formações continuadas.
produzidas na escola pelos professores. A Esse movimento nos ajuda a en-
nossa análise é que os professores tecem tender o motivo pelo qual os docentes
críticas não à instituição Universidade, mas sinalizam como significativas as formações
ao modo como a teoria vem sendo por ela continuadas que são apresentadas por seus
pares, bem como quando se apropriam
dicotomizada. Esse sentido realça a crença
delas como coautores. Nessas perspectivas,
de que a Universidade é o lugar da teoria,
há uma participação efetiva dos professores
e a escola, o lugar de sua aplicação.
pelos vínculos de colaboração e solidarie-
Isso justifica os professores produ-
dade que são compartilhados nesses e com
zirem um sentido de que nas formações
esses lugares.
institucionalizadas está o conhecimento
Além disso, aprender para ensinar
científico, logo, teórico, o que produz
significa, na prática, vivenciar experiências
um movimento de não reconhecimento
que possibilitem ao professor pensar na
da autoria do professor e também do não
sistematização do conhecimento e em um
conhecimento das suas práticas como pro- modo de transformá-lo num saber que é
dutoras de teoria. Produz-se um sentido de circunscrito no corpo, portanto deve ser
formação continuada sob a perspectiva de aprendido na prática. Isso significa que o
capacitação e reciclagem, cujo objetivo é “aprender a ensinar” na Educação Física
instrumentalizar a ação docente. não se dá apenas pela aprendizagem de
Tudo isso nos sugere pensar que um conhecimento objetivo-denominativo,
os professores lançam mão dos proces- mas por um aprender a ensinar o aluno
sos (auto)formativos não apenas como fundamentado na perspectiva de conhe-
potencializadores de sua prática peda- cimento baseada na imbricação do Eu e
gógica, mas como fuga das formações na distanciação-regulação (CHARLOT,
institucionalizadas, ou como ações de 2000). Ao expressar esse saber e fazer com
denúncia a esses lugares. Entendemos o corpo, produzimos um conhecimento
que há um ponto de encontro entre essa traduzido em uma linguagem corporal que
não relevância e a relevância dos espaços se nutre das experiências vivenciadas e da
institucionalizados de formação, no senti- relação que o sujeito estabelece consigo e
do de sugerir outro sentido de formação com o outro.
continuada, que trabalhe o conhecimento A especificidade de que trata a Edu-
produzido de forma colaborativa. cação Física como componente curricular
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não se restringe à atuação profissional, mas REFERÊNCIAS


se estende à própria formação do professor,
quer seja inicial, quer seja continuada. CERTEAU. M. de. A invenção do cotidiano:
Ensinar a aprender e aprender a ensinar re- artes de fazer. 8. ed. Petrópolis, RJ:
quer reconhecer o estatuto epistemológico Vozes, 1994.
CHARLOT, B. Da relação com o saber:
da Educação Física e os seus processos de
elementos para uma teoria. Porto
diferenciação. Requer a necessidade de se
Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
reconhecer que a Educação Física necessita
CHARLOT, B. Ensinar a educação física
produzir uma inversão epistemológica ema- ou ajudar o aluno a aprender o seu
nada da prática-teoria-prática, tanto para o corposujeito? In: SCHNEIDER, O. et
processo de ensino do professor, quanto al. (Org.). Educação física, esporte
para o processo de formação continuada, já e sociedade: temas emergentes. São
que as criticas pontuadas por ele se referem Cristovão: Editora da UFS, 2009. v. 3.
não apenas ao descompasso entre teoria e cap. 11, p. 231-246.
prática, mas à tensão existente quando se JOSSO, M. C. Experiências de vida e
coloca uma teoria a ser praticada. formação. Lisboa: Educa, 2002.
Diante das narrativas dos professo- LARROSA BONDÍA, J. L. Experiência
res, compreendemos que, em virtude de e alteridade em educação. Revista
Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul,
uma concepção de formação que valorize
v. 19, n, 2, p. 04-27, jul./dez. 2011.
a rede de compartilhamento e a prática
LOPES, A. C. Currículo, conhecimento e
como eixo central do processo, houve o
cultura: construindo tessituras plurais.
silenciamento de outras formações que In: CHASSOT, A.; OLIVEIRA, R. J.
não continham essas características. Nesse Ciência, ética e cultura na educação.
caso, há uma centralidade dos discursos São Leopoldo: Unisinos, 1998.
sobre as formações oferecidas pela Serra, MOLINA NETO, V. A prática dos professores
Proteoria e Congressos. Temos em co- de educação física das escolas públicas
mum, nesses contextos, a valorização da de porto alegre. Movimento, Porto
prática e do exercício da docência como Alegre, ano V, n. 9, p. 31-46, 1998.
objetos centrais de análise da formação e NÓVOA, A. Formação de professores e
de seus processos formativos. Os profes- trabalho pedagógico. Lisboa: Educa,
sores, então, compartilham suas práticas 2002.
PASSEGI, M. C. Narrar é humano!
para, com base nelas e no diálogo com os
Autobiografar é um processo
pares, produzir outras possibilidades de
civilizatório. In: PASSEGI, M. d. C.;
ensino-aprendizagem no cotidiano escolar,
Silva, V. B. (Org.). Invenções de
significando, assim, não só sua prática,
vidas, compreensão de itinerários e
mas a própria Educação Física como alternativas de formação. São Paulo:
componente curricular. Essa compreensão Cultura acadêmica, 2010. p. 232.
nos parece interessante para projetarmos PEREZ, C. L. V. Cotidiano: história(s),
novas políticas de formação continuada. memória e narrativa: uma experiência
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de formação continuada de professoras formação de formadores. In: PASSEGI,


alfabetizadoras. In: GARCIA, R. L. M. da. C.; Silva, V. B. (Org.). Invenções
(Org.). Pesquisa com o cotidiano. de vidas, compreensão de itinerários e
Petrópolis: DP&A, 2003. alternativas de formação. São Paulo:
SOUZA, E. C. Acompanhar e formar: mediar Cultura Acadêmica, 2010. 232 p. (Série
e iniciar: pesquisa (auto)biográfica e Artes de viver, conhecer e formar).

NARRATIVES OF CONTINUED FORMATION: meanings produced by Physical Education


teachers

ABSTRACT

It discusses the meanings given by 14 physical education teachers about their experiences
with the continued formation process. It is a (auto) biographical narrative research, which
used focal groups and interviews as tools for compiling the data. The colaborators are
six male teachers and eight female teachers of municipal networks from Serra, Vitoria
and Viana municipalities in the metropolitan region of Vitória, ES. The analyzes indicate
that the assigned meanings are related to the collective need to reorganize institutional
provided formations in dialogue with the political interests of teachers and the specificity
of Physical Education as a curriculum component. In general, teachers consider the
formation focused on practice and in the teaching profession as those that best reflect
their expectations. The practice appears as a know-how to be appropriate from continued
formetion to be experienced in school; a knowledge that, when apprehended, is reframed
to produce other experiences.

Keywords: Continued formation; Physical Education; Basic Education

NARRATIVAS DE FORMACIÓN CONTINUADA: sentidos producidos por profesores


de Educación Física

RESUMEN

Discute los sentidos atribuidos por 14 profesores de Educación Física sobre sus
experiencias con los procesos de formaciones continuadas. Se trata de una pesquisa
narrativa (auto)biográfica, que utilizó grupos focales y entrevistas como instrumentos
para producción de dados. Los colaboradores son seis profesores y ocho profesoras de
las redes municipales de la región metropolitana de la Gran Vitória/ES. Indican que los
sentidos atribuidos están relacionados con la necesidad colectiva de reorganización de
las formaciones institucionalizadas en diálogo con los intereses políticos de los profesores
y con la especificidad de la Educación Física. De manera general, los profesores
consideran las formaciones direccionadas para la práctica y en el ejercicio de la docencia
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como las que mejores traducen sus expectativas. La práctica aparece como un saber
hacer a ser apropiado de las formaciones continuadas para ser vivenciado en la escuela;
un saber que, al ser aprendido, es (re)significado para producir otras experiencias.

Palabras clave: Formación continuada; Educación Física; Educación Básica

Recebido em: fevereiro/2015


Aprovado em: abril/2015

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