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Os

Escolhidos
Elle n G. W h ite

Tradução
Karina Carnassale Deana
Davidson Figueiredo Deana

Casa Publicadora Brasileira


Tatuí, SP
Título original em inglês:
Beginning of the end

Copyright © da edição em inglês: Pacific Press Publishing


Association, Nampa, EUA. Direitos internacionais reservados.

Direitos de tradução e publicação em


Língua portuguesa reservados à
Casa Publicadora Brasileira
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1ª edição: ? mil exemplares


2015

Coordenação Editorial: Vanderlei Dorneles


Editoração: Neila D. Oliveira
Revisão: Adriana Seratto e Luciana Gruber
Projeto Gráfico: Levi Gruber
Capa: Marisa Ferreira e Levi Gruber
Imagem da Capa: Vandir Dorta Jr.
Imagem interna (escudo): © Andrey Kuzmin / Fotolia

IMPRESSO NO BRASIL / Printed in Brazil

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

White, Ellen G., 1827-1915.


Os escolhidos / Ellen G. White ; tradução
Karina Carnassale Deana, Davidson F. Deana. –
1. ed. – Tatuí, SP : Casa Publicadora
Brasileira, 2015.

Título original: Beginning of the end.


ISBN 978-85-345-2169-7

1. Adventistas do Sétimo Dia – Doutrinas


2. Igreja - História 3. Patriarcas (Bíblia)
4. Profetas I. Título.

15-00345 cdd-286.732
Índices para catálogo sistemático:

1. Igreja Adventista do Sétimo Dia : Doutrinas :


Cristianismo : Religião 286.732

Os textos bíblicos citados neste livro foram extraídos


da Nova Versão Internacional, salvo outra indicação.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial,


por qualquer meio, sem prévia autorização escrita do autor e da Editora.

Tipologia: Chaparral Pro Light Display, 12,5/14,8 – 14935/31431


Índice
Prefácio ................................................................................................................................................................................................................ 9
1. Por que Foi Permitido o Pecado? ......................................................................................................................... 11
2. A Criação ...................................................................................................................................................................................................... 18
3. A Difícil Situação do Ser Humano ............................................................................................................... 23
4. O Plano Revelado ......................................................................................................................................................................... 32
5. O Primeiro Assassino........................................................................................................................................................... 38
6. Homens Fiéis a Deus ............................................................................................................................................................. 43
7. Destruído pela Água ............................................................................................................................................................. 50
8. Um Novo Começo ..................................................................................................................................................................... 59
9. O Início da Semana Literal ........................................................................................................................................ 63
10. Línguas Confundidas ...................................................................................................................................................... 67
11. O Pai de Todos os Fiéis .................................................................................................................................................... 72
12. Um Bom Vizinho em Canaã ................................................................................................................................. 77
13. A Prova da Fé .................................................................................................................................................................................. 86
14. O Pecado de Sodoma e Gomorra .................................................................................................................. 94
15. O Casamento Mais Feliz na Bíblia ........................................................................................................ 103
16. Jacó e Esaú ....................................................................................................................................................................................... 109
17. A Fuga e o Exílio de Jacó ............................................................................................................................................ 114
18. A Terrível Noite de Luta............................................................................................................................................. 122
19. A Volta Para Casa ................................................................................................................................................................ 128
20. A Surpreendente História de José ....................................................................................................... 135
21. José e Seus Irmãos .............................................................................................................................................................. 143
22. O Líder do Povo de Deus ....................................................................................................................................... 158
23. As Dez Pragas do Egito ............................................................................................................................................ 168
24. A Primeira Páscoa .............................................................................................................................................................. 180
25. Os Israelitas Deixam o Egito .......................................................................................................................... 184
26. Israel Enfrenta Dificuldades .......................................................................................................................... 190
27. A Lei no Monte Sinai .................................................................................................................................................... 199
28. O Bezerro de Ouro ......................................................................................................................................................... 208
29. O Ódio de Satanás Pela Lei de Deus ................................................................................................. 219
30. A Habitação de Deus em Israel .................................................................................................................. 227
31. O Pecado de Nadabe e Abiú .............................................................................................................................. 238
32. A Graça de Cristo e a Nova Aliança .................................................................................................... 241
33. Terríveis Reclamações ................................................................................................................................................ 248
34. Doze Espiões em Canaã ......................................................................................................................................... 256
35. Corá Lidera uma Rebelião .................................................................................................................................. 262
36. Quarenta Anos no Deserto ............................................................................................................................ 269
37. O Fracasso de Moisés.................................................................................................................................................... 272
38. Por que a Demora? .......................................................................................................................................................... 278
39. A Conquista de Basã .................................................................................................................................................... 287
40. Balaão Tenta Amaldiçoar Israel ............................................................................................................... 291
41. Balaão Leva Israel a Pecar ..................................................................................................................................... 301
42. A Lei de Deus a uma Nova Geração .................................................................................................. 308
43. A Morte de Moisés ............................................................................................................................................................. 313
44. Atravessando o Jordão ............................................................................................................................................. 320
45. A Queda Miraculosa de Jericó .................................................................................................................... 324
46. As Bênçãos e as Maldições ................................................................................................................................. 332
47. Enganados ........................................................................................................................................................................................ 335
48. Enfim, no Lar ............................................................................................................................................................................ 339
49. Últimas Palavras de Josué ................................................................................................................................. 348
50. A Bênção dos Dízimos e Ofertas ............................................................................................................ 352
51. O Cuidado de Deus Pelos Pobres .............................................................................................................. 355
52. As Festas Anuais.................................................................................................................................................................. 360
53. Os Libertadores de Israel ...................................................................................................................................... 364
54. O Mais Forte e Mais Fraco dos Homens ................................................................................. 375
55. O Chamado de Samuel ............................................................................................................................................ 383
56. Eli e Seus Filhos Rebeldes .................................................................................................................................. 387
57. Castigo à Vista ......................................................................................................................................................................... 392
58. As Escolas dos Profetas ............................................................................................................................................ 401
59. O Primeiro Rei ........................................................................................................................................................................ 407
60. O Terrível Erro de Saul ............................................................................................................................................. 416
61. Saul é Rejeitado......................................................................................................................................................................... 423
62. Davi é Ungido Rei .............................................................................................................................................................. 430
63. Davi Enfrenta Golias .................................................................................................................................................... 433
64. A Fuga de Davi ......................................................................................................................................................................... 438
65. A Grandeza do Coração de Davi .............................................................................................................. 446
66. Saul Tira a Própria Vida ......................................................................................................................................... 455
67. Espiritismo Antigo e Moderno ................................................................................................................ 460
68. A Dura Prova de Davi ................................................................................................................................................ 464
69. Davi é Coroado Rei ........................................................................................................................................................ 469
70. O Reinado de Davi ........................................................................................................................................................... 473
71. O Pecado e o Arrependimento de Davi.......................................................................................... 482
72. A Rebelião de Absalão................................................................................................................................................. 489
73. Homem Segundo o Coração de Deus ............................................................................................ 502
Apêndice ............................................................................................................................................................................................ 508
Prefácio
E ste volume é uma
adaptação do livro
From Eternity Past [Desde os Tem-
Exceto quando estiverem indica-
dos, os textos bíblicos foram extraí-
dos da Nova Versão Internacional.
pos Eternos], a edição conden- Muitas pessoas a preferem porque
sada do clássico de Ellen G. White, acham que conseguem compreendê-
Patriarcas e Profetas. O volume con- la com mais facilidade.
densado incluiu todos os relatos e Os Escolhidos é um livro rico em
principais aplicações contidas no informações sobre o relato bíblico
livro original. Além disso, exceto das origens – a origem do pecado,
pelo acréscimo de uma ou outra deste mundo, do plano da salvação
palavra, para uma transição mais e do povo de Deus. Torna as precio-
suave, foram mantidas exatamente sidades encontradas em Patriarcas
as mesmas palavras da Sra. White. e Profetas acessíveis a mais pessoas.
Em Os Escolhidos, foi dado um passo Dessa forma, ajuda a tornar tam-
além nesse sentido. Nele foram fei- bém mais conhecido o início da his-
tas substituições de palavras, ex- tória do “grande conflito” que a Sra.
pressões e construções de frases White relatou de forma tão convin-
para adaptá-las aos leitores do cente nos cinco volumes da série
século 21. O livro, porém, não é uma O Grande Conflito. Que muito mais
paráfrase. Segue o texto da edição leitores possam experimentar o
condensada frase por frase e man- poder transformador desses livros
tém a força da composição literá- em sua vida e da apresentação que
ria da Sra. White. Espera-se que os fazem dos temas bíblicos. Esse é o
novos leitores desenvolvam, assim, nosso desejo e oração.
um novo gosto pelos escritos da Sra.
White e que sejam levados a ler e Depositários do Patrimônio
apreciar os livros originais, embora Literário de Ellen G. White
estejam escritos no estilo de uma
época anterior.
1
Por que Foi
Permitido o Pecado?
“D eus é amor.” Sua natu-
reza, Sua lei são amor.
Sempre foi assim e assim sempre
Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da
Paz” (Is 9:6). “Suas origens estão no
passado distante, em tempos anti-
vai ser. Toda manifestação do poder gos” (Mq 5:2).
criador é uma expressão de amor in- O Pai atuou por meio de Seu
finito. A história do grande conflito Filho na criação de todos os seres
entre o bem e o mal, desde o mo- celestiais. “Pois nEle foram criadas
mento em que se iniciou primei- todas as coisas […], sejam tronos ou
ramente no Céu, revela também o soberanias, poderes ou autoridades”
imutável amor de Deus. (Cl 1:16). Os anjos são ministros de
O Soberano do Universo não es- Deus, que estão prontos a executar
tava sozinho em Sua obra de fazer Sua vontade. No entanto, o Filho,
o bem. Ele tinha um companheiro “o resplendor da glória de Deus e a
para apreciar Seu propósito e par- expressão exata do Seu ser”, “sus-
ticipar de Sua alegria em propor- tentando todas as coisas por Sua
cionar felicidade aos seres criados palavra poderosa” tem a suprema-
(ver Jo 1:1, 2). cia sobre todos eles (Hb 1:3; ver v. 8).
Cristo, o Verbo, era um com o Pai Deus deseja de todas as Suas
eterno, um em natureza, em caráter, criaturas um serviço de amor – ser-
em propósito. “E Ele será chamado viço motivado pela apreciação do
Maravilhoso Conselheiro, Deus Seu caráter. Ele não tem prazer na
12 Os Escolhidos
obediência forçada. Concede a todos corrompeu a sua sabedoria por causa
a liberdade para Lhe prestar ser- do seu esplendor” (Ez 28:17). “Você,
viço voluntário. Enquanto todos os que dizia no seu coração: […] ‘ergue-
seres criados foram leais por amor, rei o meu trono acima das estrelas
houve perfeita harmonia por todo de Deus; […] serei como o Altíssimo’”
o Universo de Deus. Nenhuma nota (Is 14:13, 14). Embora fosse mais
dissonante havia para desfigurar a honrado do que a hoste celestial,
harmonia celestial. ele ousou cobiçar a adoração devida
Entretanto, ocorreu uma mu- unicamente ao Criador. O príncipe
dança nesse estado de felicidade. dos anjos desejou o poder que per-
Houve alguém que usou de forma tencia, por direito, a Cristo somente.
errada a liberdade que Deus con- A perfeita harmonia do Céu
cedeu às Suas criaturas. O pecado foi então quebrada. No conselho
teve sua origem com aquele que, celestial, os anjos insistiam com
abaixo de Cristo, era o mais hon- Lúcifer. O Filho de Deus apresen-
rado por Deus e o mais elevado tou perante ele não só a grandeza,
entre os habitantes do Céu. Lúcifer, a bondade e a justiça do Criador,
“filho da alvorada” (Is 14:12), era mas a natureza imutável de Sua lei.
santo e incontaminado. “Assim diz Desviando-se dela, Lúcifer deson-
o Soberano, o Senhor: ‘Você era o raria o seu Criador e traria ruína
modelo da perfeição, cheio de sabe- sobre si mesmo. Contudo, a adver-
doria e de perfeita beleza. […] Você tência, feita com misericórdia e
foi ungido como um querubim amor infinitos, apenas despertou
guardião, pois para isso Eu o desig- maior resistência. Lúcifer permitiu
nei. Você estava no monte santo de que prevalecessem os sentimentos
Deus e caminhava entre as pedras de inveja que nutria por Cristo e
fulgurantes. Você era inculpável em ficou ainda mais obstinado.
seus caminhos desde o dia em que O Rei do Universo convocou os
foi criado até que se achou maldade exércitos celestiais para uma reu-
em você’” (Ez 28:12, 14, 15). nião e apresentou a verdadeira
Pouco a pouco, Lúcifer cedeu posição de Seu Filho, mostrando
ao desejo de exaltação pessoal. a relação que Ele mantinha com
“Seu coração tornou-se orgulhoso todos os seres criados. O Filho de
só por causa da sua beleza, e você Deus partilhava do trono do Pai,
Por que Foi Permitido o Pecado? 13

e a glória do Ser eterno, existente mais ele cedeu ao sentimento de


por Si mesmo, rodeava a ambos. inveja por Cristo. As altas honras
Ao redor do trono, todos os santos conferidas a Lúcifer não provoca-
anjos estavam reunidos, “milhares vam nenhuma gratidão para com o
de milhares e milhões de milhões” seu Criador. Ele se gloriava em seu
(Ap 5:11). Perante os habitantes do brilho e aspirava ser igual a Deus.
Céu, o Rei declarou que ninguém, Os anjos se alegravam em executar
a não ser Cristo, poderia penetrar suas ordens, e estava ele revestido
inteiramente em Seus propósitos de glória mais do que todos eles.
e executar os poderosos conselhos Apesar disso, o Filho de Deus era
de Sua vontade. Logo Cristo deveria mais exaltado do que ele. “Por que”,
exercer o Seu poder divino na cria- perguntava esse poderoso anjo, “de-
ção da Terra e de seus habitantes. veria Cristo ter a supremacia?”
Lúcifer saiu então para espalhar
A Batalha no Coração o espírito de descontentamento
de Lúcifer entre os anjos. Durante algum
Os anjos reconheceram alegre- tempo, escondeu seu verdadeiro
mente a supremacia de Cristo e ex- propósito, fingindo ser reverente
travasaram seu amor e adoração. para com Deus. Disfarçadamente
Apesar de Lúcifer ter se curvado ele começou a plantar dúvidas com
com eles, existia em seu coração um respeito às leis que governavam os
conflito estranho e violento. A ver- seres celestiais, sugerindo que os
dade e a lealdade estavam lutando anjos não necessitavam dessas leis,
contra a inveja e o ciúme. Por algum pois sua sabedoria era um guia su-
tempo, ele se deixou levar pela in- ficiente. Todos os seus pensamen-
fluência dos santos anjos. Quando tos eram santos; não havia para eles
os cânticos de louvor se elevavam, o maior possibilidade de errar do que
espírito do mal parecia dominado; para o próprio Deus. A exaltação
indescritível amor fazia vibrar todo do Filho de Deus da mesma forma
o seu ser; em harmonia com os ado- como era feita com o Pai foi repre-
radores sem pecado, sua alma se ex- sentada como sendo uma injustiça
pandia em amor para com o Pai e para com Lúcifer. Se esse príncipe
o Filho. Mesmo assim, seu desejo dos anjos pudesse tão somente al-
de supremacia retornou e uma vez cançar a sua verdadeira e elevada
14 Os Escolhidos
posição, grande bem resultaria para descontentes, infelizes e insatis-
todo o exército do Céu, pois era o feitos com o propósito de Deus
seu propósito conseguir liberdade em exaltar a Cristo. Entretanto, os
para todos. Enganos sutis foram ra- anjos que eram leais defenderam a
pidamente ganhando terreno nas sabedoria e a justiça do decreto di-
cortes celestiais por meio dos pla- vino. Cristo era o Filho de Deus, um
nos perversos de Lúcifer. com Ele antes que os anjos fossem
A verdadeira posição do Filho de chamados à existência. Ele sempre
Deus tinha sido a mesma, desde o estivera à direita do Pai. Por que pre-
princípio. No entanto, muitos dos cisava haver discórdia agora?
anjos ficaram cegos devido aos en- Deus foi muito paciente com
ganos de Lúcifer. Infiltrou na mente Lúcifer. O espírito de descontenta-
deles a desconfiança e o desconten- mento era um elemento novo, es-
tamento de forma tão astuta que tranho e inexplicável. O próprio
não perceberam o que ele estava fa- Lúcifer não percebeu para onde es-
zendo. Lúcifer apresentou os pro- tava sendo levado. Mesmo assim,
pósitos de Deus sob uma falsa luz esforços que somente o amor e a sa-
para que os anjos ficassem pouco bedoria infinitos poderiam revelar
a pouco aborrecidos e insatisfeitos. foram feitos para convencê-lo de seu
Ao mesmo tempo em que alegava erro. Ele foi levado a ver qual seria
ser totalmente leal a Deus, insistia o resultado de persistir em revolta.
em afirmar que mudanças eram Lúcifer estava convencido de
necessárias para a estabilidade do que não tinha razão. Viu que “o
governo divino. Assim, enquanto Senhor é justo em todos os Seus ca-
promovia a discórdia às escondidas minhos e é bondoso em tudo o que
e a rebelião, ele fazia parecer que seu faz” (Sl 145:17), que os estatutos di-
único objetivo era promover a leal- vinos são justos e que, como tais,
dade e preservar a harmonia e a paz. ele os deveria reconhecer diante de
Embora não houvesse uma re- todo o Céu. Se ele tivesse feito isso,
belião declarada, a divisão de sen- poderia ter salvado a si mesmo e a
timentos crescia gradualmente muitos anjos. Se estivesse disposto
entre os anjos. Alguns olhavam com a se voltar para Deus, satisfeito por
simpatia para as críticas e suges- preencher o lugar a ele designado
tões sutis de Lúcifer. Eles estavam no grande plano divino, teria sido
Por que Foi Permitido o Pecado? 15

reintegrado em suas funções. Havia todos teriam liberdade. Um grande


chegado o tempo para uma decisão número de anjos declarou seu pro-
final; deveria se render à soberania pósito de aceitá-lo como chefe.
divina, ou se colocar em rebelião Lúcifer esperava conquistar todos os
aberta. Quase chegou à decisão de anjos para o seu lado. Queria se tor-
voltar; mas o orgulho o impediu. nar igual ao próprio Deus e ser obe-
Era um sacrifício grande demais decido por todo o exército celestial.
para quem foi tão altamente hon- Os anjos fiéis ainda insistiam com
rado confessar que tinha cometido ele e seus simpatizantes para que se
um erro! submetessem a Deus, apresentando-
Lúcifer apontou a longanimi- lhes o resultado inevitável caso se
dade de Deus como uma prova da recusassem. Advertiram todos a fe-
superioridade de si mesmo e não char os ouvidos ao raciocínio enga-
do Criador, uma indicação de que o nador de Lúcifer, insistiram com ele
Rei do Universo aceitaria suas con- e seus seguidores para que buscas-
dições. Se os anjos permanecessem sem a presença de Deus sem demora
firmes com ele, declarou, poderiam e confessassem o erro de questionar
ainda conseguir tudo o que dese- Sua sabedoria e autoridade.
jassem. Entregou-se totalmente ao Muitos ficaram inclinados a se
grande conflito contra o seu Criador. arrepender de seu descontenta-
Assim, Lúcifer, o “portador de luz”, mento e ser recebidos novamente no
tornou-se Satanás, “o adversário” de favor do Pai e de Seu Filho. Lúcifer,
Deus e dos seres santos. porém, declarou que os anjos que
se uniram a ele tinham ido muito
Satanás Lidera a Rebelião longe para retroceder; Deus não os
Ao rejeitar com desprezo os ape- perdoaria. Quanto a ele, estava deci-
los dos anjos que permaneceram dido a nunca mais reconhecer a au-
fiéis, ele os chamou de escravos ilu- toridade de Cristo. A única opção
didos. Nunca mais reconheceria a que restava era exigir sua liberdade
supremacia de Cristo. Resolveu re- e adquirir, pela força, os direitos que
clamar a honra que deveria ter sido não lhes haviam sido concedidos.
conferida a ele. Prometeu àqueles Deus permitiu que Satanás le-
que entrassem em suas fileiras um vasse avante sua obra até que o espí-
governo novo e melhor. Disse que rito de descontentamento resultasse
16 Os Escolhidos
em revolta completa. Era necessário fez parecer que era ele quem es-
que seus planos se desenvolvessem tava procurando promover o bem
completamente a fim de que todos do Universo. Seu verdadeiro caráter
pudessem ver sua verdadeira na- devia ser compreendido por todos.
tureza. O governo de Deus incluía Era necessário que ele tivesse tempo
não somente os habitantes do Céu, para se manifestar por meio de suas
mas todos os mundos que Ele tinha obras perversas.
criado. Lúcifer concluiu que, se ele Ele declarou que todo o mal era o
havia conseguido convencer os anjos resultado da administração divina;
do Céu à rebelião, poderia também era seu objetivo aperfeiçoar os esta-
convencer os outros mundos. Todos tutos de Deus. Por isso, Deus per-
os seus atos eram de tal maneira re- mitiu que Lúcifer demonstrasse a
vestidos de mistério, que era difícil natureza de suas pretensões, a fim
tornar clara a verdadeira natureza de mostrar o efeito das mudanças
de sua obra. Mesmo os anjos fiéis por ele propostas na lei divina. Sua
não conseguiam discernir completa- obra deveria condená-lo. Era preciso
mente o seu caráter ou ver para onde que todo o Universo visse o engana-
sua obra estava levando. Tudo o que dor desmascarado.
era simples ele envolvia em mistério
e, distorcendo a verdade, lançava dú- Por que Deus Não
vida sobre as mais claras afirmações Destruiu Satanás?
feitas por Deus. Sua elevada posição Mesmo depois que foi expulso
dava maior força às suas afirmações. do Céu, a Sabedoria infinita não des-
truiu Satanás. A fidelidade das cria-
Deus Não Destruiu Satanás turas de Deus deve estar baseada na
Enquanto Deus podia empregar certeza de Sua justiça e amor. Seria
apenas métodos que fossem coe- difícil para os habitantes do Céu e
rentes com a verdade e a justiça, dos mundos não caídos ver a justiça
Satanás usava o que Deus não usaria de Deus na destruição de Satanás. Se
– a bajulação e o engano. Portanto, ele tivesse sido imediatamente des-
era necessário demonstrar não só truído, alguns teriam servido a Deus
aos habitantes do Céu, mas a todos pelo temor em vez de o fazerem por
os mundos, que o governo de Deus é amor. A influência do enganador não
justo, que Sua lei é perfeita. Satanás teria sido completamente destruída,
Por que Foi Permitido o Pecado? 17

tampouco o espírito de rebelião teria durante todos os tempos que vi-


sido eliminado. Para o bem de todo o riam – um testemunho perpétuo
Universo, ao longo dos séculos sem da natureza do pecado e de seus
fim, ele deveria desenvolver mais terríveis resultados. Assim, a his-
completamente seus princípios, a tória dessa experiência com a rebe-
fim de que suas acusações contra o lião seria uma eterna defesa a todos
governo divino pudessem ser vistas os seres santos para impedir que
sob sua verdadeira luz, e para que a fossem enganados quanto à natu-
justiça de Deus, bem como a imutá- reza da transgressão.
vel natureza de Sua lei, não pudes- “As Suas obras são perfeitas, e
sem nunca mais ser questionadas. todos os Seus caminhos são justos.
A rebelião de Satanás deve- É Deus fiel, que não comete erros;
ria ser uma lição para o Universo, justo e reto Ele é” (Dt 32:4).
2
*
A Criação
“M ediante a palavra
do Senhor foram
feitos os céus, e os corpos celestes,
‘Façamos o homem à Nossa ima-
gem, conforme a Nossa seme-
lhança. Domine ele sobre […] toda
pelo sopro de Sua boca. Pois Ele a Terra […]. Criou Deus o homem
falou, e tudo se fez; Ele ordenou, e à Sua imagem, à imagem de Deus
tudo surgiu” (Sl 33:6, 9). o criou; homem e mulher os criou”
Quando a Terra saiu das mãos de (Gn 1:26, 27).
seu Criador, era extraordinariamente De uma forma bem clara está
bonita. Por toda parte, o solo fértil estabelecida a origem da raça hu-
produzia uma vegetação exuberante. mana. Deus nos criou à Sua ima-
Não existiam pântanos lamacentos gem. Não há razão para supor que
nem desertos áridos. Arbustos gra- evoluímos por meio de lentos graus
ciosos e flores delicadas agradavam a de desenvolvimento, a partir das
vista por toda a parte. O ar era puro formas inferiores da vida animal
e saudável. A paisagem era mais bo- ou vegetal. A Palavra inspirada des-
nita do que os terrenos ornamenta- creve a origem da nossa raça não
dos do palácio mais luxuoso. como estando relacionada ao de-
Depois que a Terra foi chamada senvolvimento de uma linhagem
à existência, repleta de todo tipo de germes, moluscos e quadrú-
de vida animal e vegetal, o homem pedes, mas ao grande Criador.
– a obra-prima do Criador – en- Embora tendo sido formado do pó,
trou em cena. “Então disse Deus: Adão era “filho de Deus” (Lc 3:38).
* Este capítulo é baseado em Gênesis 1 e 2.
A Criação 19

Os seres criados de ordem in- O Primeiro Casamento


ferior não podem compreender Depois da criação de Adão, “o
o conceito de Deus; no entanto, Senhor Deus declarou: ‘Não é bom
foram feitos com a capacidade de que o homem esteja só; farei para
amar e servir ao homem. “Tu o fi- ele alguém que o auxilie e lhe cor-
zeste dominar sobre as obras das responda’” (Gn 2:18). Deus deu a
Tuas mãos; sob os seus pés tudo Adão uma companheira que lhe cor-
puseste: […] e até os animais sel- respondesse, que poderia ser uma
vagens, as aves do céu” (Sl 8:6-8). com ele, em amor e simpatia. Eva
Somente Cristo é “a expressão foi criada de uma costela tirada do
exata” (Hb 1:3) do Pai, mas Adão lado de Adão. Ela não deveria domi-
e Eva foram formados à seme- nar, como a cabeça, nem ser pisada
lhança de Deus. Sua natureza es- sob seus pés, como se fosse inferior,
tava em harmonia com a vontade mas devia estar ao seu lado, como
de Deus, sua mente era capaz de sua igual, amada e protegida por
compreender os propósitos divi- ele. Ela era o seu segundo eu, mos-
nos. Suas afeições eram puras; o trando isso a união íntima que de-
apetite e as paixões estavam sob o veria existir nesse relacionamento.
domínio da razão. Eles eram san- “Além do mais, ninguém jamais
tos e felizes por terem em si a ima- odiou o seu próprio corpo, antes o
gem de Deus e obedecerem à Sua alimenta e dele cuida” (Ef 5:29). “Por
vontade perfeitamente. essa razão, o homem deixará pai e
Quando nossos primeiros pais mãe e se unirá à sua mulher, e eles
saíram das mãos do Criador, a face se tornarão uma só carne” (Gn 2:24).
deles irradiava a luz da vida e da “O casamento deve ser honrado
alegria. Adão era muito mais alto por todos” (Hb 13:4). É uma das duas
que os homens que vivem atual- instituições que, depois da queda,
mente. Eva era um pouco menor Adão trouxe consigo para além dos
em altura; porém, suas formas portais do Paraíso. Quando os prin-
eram nobres e cheias de beleza. cípios divinos são reconhecidos e
Esse casal, sem pecado, não usava obedecidos, o casamento se torna
roupas artificiais; eles estavam uma bênção; preserva a pureza e fe-
vestidos de uma cobertura de luz, licidade do gênero humano e eleva a
semelhante à que os anjos usam. natureza física, intelectual e moral.
20 Os Escolhidos
“Ora, o Senhor Deus tinha plan- descansou de toda a obra que reali-
tado um jardim no Éden, para os zara na criação” (Gn 2:2, 3). Tudo era
lados do leste, e ali colocou o homem perfeito, digno de seu divino Autor;
que formara” (Gn 2:8). Nesse jardim e Ele descansou, não como alguém
havia árvores de toda espécie, mui- que estivesse cansado, mas satisfeito
tas delas carregadas de frutos de- com o trabalho realizado, fruto de
liciosos. Lindas videiras cresciam Sua sabedoria e bondade.
eretas, com seus ramos pendendo Depois de repousar no sétimo
sob o peso de frutos saborosos. dia, Deus o separou como um dia de
O trabalho de Adão e Eva era mol- descanso. Seguindo o exemplo do
dar os ramos da videira, formando Criador, os seres humanos deve-
caramanchões, para fazerem assim, riam repousar nesse dia santo, não
com árvores vivas, um lar para eles só para que pudessem refletir sobre
morarem sob as árvores cobertas de a obra da criação de Deus, mas para
folhas e frutos. No meio do jardim que seu coração se enchesse de amor
estava a árvore da vida, superando e reverência para com o Criador.
em beleza a todas as outras árvo- O sábado foi dado para toda
res. Seu fruto tinha a propriedade a família humana. Ao observá-lo,
de manter a vida para sempre. as pessoas demonstrariam, cheias
“Assim foram concluídos os céus de gratidão, seu reconhecimento a
e a Terra, e tudo o que neles há” Deus como seu Criador e legítimo
(Gn 2:1). “E Deus viu tudo o que Soberano. Que elas eram obra das
havia feito, e tudo havia ficado muito Suas mãos e sujeitas à Sua autoridade.
bom” (Gn 1:31). Nenhuma mancha Deus viu que o sábado era muito
de pecado ou sombra da morte des- importante para os seres humanos,
figurava a bela criação. “As estrelas mesmo no Paraíso. Deveriam deixar
matutinas juntas cantavam e todos de lado os próprios interesses du-
os anjos se regozijavam” (Jó 38:7). rante um dos sete dias. Precisavam
de um sábado que os fizesse se lem-
A Bênção do Sábado brar de Deus e despertasse neles a
Em seis dias a grande obra da gratidão, pois tudo o que desfruta-
criação foi finalizada. Deus “nesse vam vinha das mãos do Criador.
dia descansou. Abençoou Deus o sé- É plano de Deus que o sábado
timo dia e o santificou, porque nele dirija a nossa mente para as obras
A Criação 21

que Ele criou. A beleza que reveste O Belo Jardim do Éden


a Terra é um testemunho do amor Deus colocou os seres humanos
de Deus. As colinas eternas, as altas sob a lei, súditos do governo divino.
árvores, o botão que desabrocha e Ele poderia tê-los criado sem a fa-
as delicadas flores, tudo nos fala de culdade de transgredir a lei. Poderia
Deus. O sábado, que aponta para ter evitado que tocassem no fruto
Aquele que tudo fez, também nos proibido; mas, nesse caso, Adão e
convida a abrir o grande livro da na- Eva não passariam de meros robôs.
tureza e encontrar nele a sabedoria, Se eles não tivessem liberdade de es-
o poder e o amor do Criador. colha, sua obediência seria forçada.
Nossos primeiros pais foram Isso seria contrário ao plano de Deus,
criados inocentes e santos, mas seria indigno dos seres humanos
não estavam isentos da possibili- por Ele criados e teria reafirmado a
dade de praticar o mal. Deus os fez acusação feita por Satanás de que o
seres morais livres. Eles podiam governo de Deus não era justo.
escolher obedecer ou desobedecer. Deus fez os nossos primeiros
Antes de estarem eternamente se- pais pessoas corretas, sem nenhuma
guros, a sua lealdade deveria ser tendência para o mal. Apresentou a
provada. Logo no início, quando o eles as mais fortes motivações pos-
homem passou a existir, Deus co- síveis para que se mantivessem fiéis.
locou uma restrição ao desejo de A obediência era a condição para a
satisfação própria, um sentimento felicidade eterna e o acesso à árvore
fatal que constituiu a base da queda da vida.
de Lúcifer. A árvore do conheci- O lar de nossos primeiros pais
mento devia se tornar uma prova deveria ser um modelo para outros
da obediência, fé e amor de nossos lares, quando seus filhos saíssem
primeiros pais. Estavam proibidos para ocupar a Terra. Hoje, as pessoas
de provar do fruto dessa árvore, se orgulham dos edifícios magnifi-
sob pena de morte. Precisavam ser centes e casas riquíssimas que cons-
expostos às tentações de Satanás; troem, gloriando-se nas obras das
porém, se suportassem a prova, se- próprias mãos, mas Deus colocou
riam colocados fora do seu poder, Adão em um jardim. Esta era uma
para desfrutarem eternamente o lição para todos os tempos – a verda-
favor de Deus. deira felicidade não é encontrada na
22 Os Escolhidos
satisfação do orgulho e do luxo, mas eram não apenas filhos sob o pa-
na comunhão com Deus por meio ternal cuidado de Deus, mas es-
das obras que Ele criou. O orgulho tudantes que recebiam instruções
e a ambição nunca serão satisfeitos; diretamente do Criador, que é ple-
porém, as pessoas verdadeiramente namente sábio. Eles eram visitados
sábias encontrarão prazer real nas pelos anjos e tinham o privilégio de
fontes de alegria que Deus colocou conversar face a face com Aquele
ao alcance de todos. que os havia criado. Estavam cheios
Ao casal no Éden foi confiado o do vigor fornecido pela árvore da
jardim “para cuidar dele e cultivá-lo”. vida, sua capacidade intelectual era
Deus designou o trabalho como somente um pouco menor que a dos
uma bênção para ocupar a mente, anjos. As leis da natureza estavam
fortalecer o corpo e desenvolver as abertas à sua mente pelo infinito
suas habilidades. Por meio da ati- Criador e Mantenedor de todas as
vidade mental e física, Adão en- coisas. Cada criatura vivente, desde
contrava um dos maiores prazeres a poderosa baleia que vive nas águas
de sua santa existência. É um erro dos oceanos até o minúsculo inseto
considerar o trabalho uma maldi- que flutua em um raio de sol, eram
ção, mesmo que ele traga cansaço todos familiares para Adão. Ele deu
e dor. Há pessoas ricas que olham a cada um o seu nome e conhecia a
com desprezo para as classes traba- natureza e os hábitos de todos. Em
lhadoras, mas isso não está em har- cada folha da floresta, em cada es-
monia com o propósito de Deus ao trela, na terra, no ar e no céu, em
criar o homem. Adão não deveria tudo estava escrito o nome de Deus.
ficar na ociosidade. Nosso Criador, A ordem e a harmonia da criação fa-
que compreende o que é melhor lavam da infinita sabedoria e poder.
para a nossa felicidade, designou a Enquanto Adão e Eva permane-
Adão o seu trabalho. A verdadeira cessem fiéis à lei divina, eles esta-
alegria da vida é encontrada apenas riam constantemente adquirindo
por homens e mulheres que se dedi- novos tesouros do conhecimento,
cam ao trabalho. O Criador não pre- descobrindo novas fontes de felici-
parou nem um espaço sequer para a dade e obtendo compreensões cada
prática da preguiça. vez mais claras do imensurável e in-
Adão e Eva, como santo par, falível amor de Deus.
3
A Difícil Situação
do Ser Humano*
N ão estando mais livre
para incitar a rebelião
no Céu, Satanás encontrou um novo
A lei de Deus é uma revelação
da Sua vontade, uma transcri-
ção do Seu caráter, a expressão do
campo para tramar a ruína da raça amor divino e de Sua sabedoria.
humana. Movido pela inveja, deci- A harmonia da criação depende da
diu trazer sobre Adão e Eva a culpa perfeita conformidade com a lei do
e a penalidade do pecado. Ele trans- Criador. Tudo se encontra sob leis
formaria o amor deles em descon- fixas que não podem ser desres-
fiança, e os cânticos de louvor em peitadas. Dentre todos os que ha-
críticas ao seu Criador. Assim, não bitam na Terra, somente os seres
somente mergulharia esses seres humanos são responsáveis diante
inocentes na miséria, mas lançaria da lei moral. Deus lhes concedeu o
a desonra sobre o nome de Deus e poder para compreender a justiça e
causaria grande pesar no Céu. a bondade da Sua lei e deles requer
Mensageiros celestiais revelaram contínua obediência.
a nossos primeiros pais a história da Assim como os anjos, os mora-
queda de Satanás e suas ciladas para dores do Éden tiveram um período
destruí-los, expondo a eles a natu- de tempo para mostrar o que fa-
reza do governo divino que o prín- riam. Poderiam obedecer e viver,
cipe do mal estava tentando destruir. ou desobedecer e morrer. Aquele
* Este capítulo é baseado em Gênesis 3.
24 Os Escolhidos
que não poupou os anjos que peca- separar de seu marido. Ao lado
ram não podia poupá-los também; a dele, correria menos perigo do que
transgressão traria sobre eles a mi- quando estivesse sozinha. Sem
séria e a ruína. se dar conta, ela saiu de perto de
Os anjos avisaram Adão e Eva Adão. Esquecendo-se do aviso do
para estarem atentos contra as ar- anjo, logo estava contemplando,
madilhas de Satanás. Se eles rejei- com uma mistura de admiração
tassem firmemente suas primeiras e curiosidade, a árvore proibida.
insinuações, estariam seguros. Caso O fruto era belo, e ela ficava imagi-
cedessem à tentação, sua natureza nando por que Deus os tinha proi-
se tornaria tão depravada que, por bido de comê-lo.
eles mesmos, não teriam poder nem Aquela era a oportunidade do
disposição para resistir a Satanás. tentador. “Foi isto mesmo que Deus
A árvore do conhecimento se disse: ‘Não comam de nenhum fruto
tornou a prova de sua obediência e das árvores do jardim’?” (Gn 3:1).
amor a Deus. Se eles não atendessem Eva ficou surpresa ao ouvir o eco de
à Sua vontade nesse caso em espe- seus pensamentos. A serpente con-
cial, seriam considerados transgres- tinuou, fazendo elogios à grande
sores. Satanás não iria segui-los com beleza de Eva, e suas palavras a
tentações contínuas; poderia ter agradaram. Em vez de fugir dali, de-
acesso a eles somente quando eles teve-se para ouvir a serpente falar.
se aproximassem da árvore proibida. O que ela não imaginava é que era
Para realizar seu trabalho sem Satanás falando por intermédio da
ser percebido, Satanás utilizou um fascinante serpente.
disfarce. A serpente era uma das Ela respondeu: “Podemos comer
criaturas mais inteligentes e mais do fruto das árvores do jardim, mas
belas. Seu brilho era deslumbrante. Deus disse: ‘Não comam do fruto
Ao pousar na árvore proibida, sabo- da árvore que está no meio do jar-
reando o fruto delicioso, chamava dim, nem toquem nele; do contrá-
a atenção e encantava os olhos. rio vocês morrerão’” (Gn 3:2, 3).
Assim, no jardim onde reinava a Então a serpente disse à mulher:
paz, o destruidor estava à espreita. “Certamente não morrerão! Deus
Os anjos preveniram Eva para sabe que, no dia em que dele come-
que tivesse o cuidado de não se rem, seus olhos se abrirão, e vocês,
A Difícil Situação do Ser Humano 25

como Deus, serão conhecedores do é um engano. Elas estão começando


bem e do mal” (Gn 3:4, 5). a descer por um caminho que con-
Ao provarem dessa árvore, de- duz à degradação e à morte.
clarou ela, alcançariam um estado
mais elevado de vida. Disse ainda A Sutileza do Apelo
que ela mesma tinha comido e de Satanás
adquirido o dom da fala. Insinuou Satanás disse ao santo casal
que, de maneira egoísta, o Senhor que eles só teriam a ganhar se que-
os havia proibido de comê-lo para brassem a lei de Deus. Hoje, mui-
que não se tornassem iguais a Ele; tos afirmam ter mais liberdade
porque aquele fruto proporcionava do que aqueles que obedecem aos
sabedoria e poder. Por isso, Deus mandamentos de Deus e que estes
não permitia que eles provassem têm uma visão estreita da vida.
ou tocassem nele. Disse que a ad- O que é isso senão um eco da voz
vertência divina fora feita simples- do Éden? “Deus sabe que, no dia
mente para intimidá-los. Como seria em que dele comerem” – transgre-
possível que eles morressem? Não direm a ordem divina – “seus olhos
tinham eles comido do fruto da ár- se abrirão, e vocês, como Deus, serão
vore da vida? Deus estava tentando conhecedores do bem e do mal”
impedir que atingissem um grau de (Gn 3:5). Satanás não deixou trans-
desenvolvimento mais nobre e al- parecer que ele tinha sido expulso
cançassem maior felicidade. do Céu. Ele ocultou a própria angús-
Essa tem sido a obra de Satanás tia para arrastar outros à mesma po-
desde os dias de Adão até o pre- sição. Assim, hoje os transgressores
sente. Ele tenta as pessoas a descon- procuram disfarçar o seu verdadeiro
fiar do amor de Deus e a duvidar caráter. Entretanto, estão do lado de
de Sua sabedoria. Em seus esfor- Satanás, pisando a lei de Deus e le-
ços para investigar o que Deus lhes vando outros à ruína eterna.
negou, multidões desprezam as ver- Eva duvidou das palavras de
dades que são essenciais para a sal- Deus, e foi isso que a levou à queda.
vação. Satanás tenta as pessoas a No juízo, as pessoas não serão con-
desobedecer, a acreditar que estão denadas porque creram conscien-
entrando em um campo maravi- ciosamente em uma mentira, mas
lhoso do conhecimento. Tudo isso porque não acreditaram na verdade.
26 Os Escolhidos
Devemos firmar o nosso coração no tinham sido advertidos. Conforme
conhecimento da verdade. Podemos Deus tinha dito, ela deveria mor-
estar certos de que qualquer coisa rer. Em resposta, Eva insistia com
que venha a contradizer a Palavra ele: “Coma!” – repetindo as palavras
de Deus procede de Satanás. da serpente de que certamente não
A serpente apanhou o fruto da morreriam. Ela não via evidência al-
árvore proibida e o colocou nas mãos guma do desagrado de Deus; porém,
de Eva ainda relutante. Fez com que sentia uma deliciosa e estimulante
ela recordasse das próprias palavras, influência vibrando por todo o seu
ao afirmar que Deus os havia proi- corpo com uma nova vida.
bido de tocá-lo, senão morreriam. Adão compreendeu que sua
Vendo que nada de mal acontecia, companheira tinha desobedecido
Eva tomou coragem. Então, quando à ordem de Deus. Travou-se uma
“viu que a árvore parecia agradável terrível batalha em sua mente.
ao paladar, era atraente aos olhos Lamentava ter permitido que Eva
e, além disso, desejável para dela se saísse de perto dele. Entretanto, o
obter discernimento, tomou do seu ato estava consumado; ele teria que
fruto, comeu-o” (Gn 3:6). Enquanto se separar da companhia daquela
comia, sentia como se estivesse en- que tinha sido a sua alegria.
trando em uma esfera mais elevada Como poderia suportar isso?
da existência. Adão tinha desfrutado a compa-
Depois de ter ela mesma trans- nhia de Deus e dos santos anjos.
gredido a ordem divina, Eva se tor- Ele sabia qual era o destino reser-
nou o agente de Satanás para causar vado à raça humana se permane-
a ruína de seu marido. Em um es- cessem fiéis a Deus. Mesmo assim,
tado de estranho entusiasmo fora todas as bênçãos envolvidas desa-
do normal, com as mãos cheias do pareceram de sua vista diante do
fruto proibido, ela saiu à sua pro- receio que tinha de perder aquela
cura e o encontrou. dádiva que, aos seus olhos, era de
Adão parecia surpreso e ao muito maior valor que todas as ou-
mesmo tempo horrorizado. Diante tras. O amor, a gratidão e a leal-
das palavras de Eva, ele respon- dade para com o Criador – tudo foi
deu que aquilo poderia ser uma colocado de lado por amor a Eva.
cilada do inimigo contra quem Ela era uma parte dele mesmo, e
A Difícil Situação do Ser Humano 27

Adão não podia suportar a ideia da Satanás estava exultante. Ten-


separação. Se ela deveria morrer, ele tou a mulher para que ela passasse a
morreria com ela. Não poderiam ser desconfiar do amor de Deus, a duvi-
verdadeiras as palavras da sábia dar de Sua sabedoria e a transgredir
serpente? Nenhum sinal de morte Sua lei; finalmente, por meio dela,
aparecia em Eva, então ele decidiu ocasionou a derrota de Adão!
enfrentar as consequências. Tomou
o fruto e o comeu rapidamente. Triste Mudança
De início, após a sua transgres- O grande Legislador deveria co-
são, Adão imaginou estar entrando municar a Adão e Eva as consequên-
em uma esfera elevada de existên- cias de sua transgressão. Quando
cia. Então o pensamento de seu pe- Adão e Eva eram inocentes e san-
cado o encheu de terror. O amor e a tos, eles ficavam felizes com a apro-
paz que sentiam até então desapa- ximação de seu Criador; naquele
receram, e em seu lugar experimen- momento, porém, fugiram aterro-
taram um sentimento de pecado, rizados. “Mas o Senhor Deus cha-
temor pelo futuro e um grande mou o homem, perguntando: ‘Onde
vazio interior. A veste de luz que os está você?’ E ele respondeu: ‘Ouvi
envolvia desapareceu e, para suprir Teus passos no jardim e fiquei com
sua falta, tentaram fazer uma co- medo, porque estava nu; por isso me
bertura. Não poderiam, enquanto escondi.’ E Deus perguntou: ‘Quem
estivessem sem roupa, enfrentar o lhe disse que você estava nu? Você
olhar de Deus e dos santos anjos. comeu do fruto da árvore da qual
Eles começaram a ver então o lhe proibi comer?’” (Gn 3:9-11).
verdadeiro caráter do pecado. Adão Adão colocou a culpa em sua es-
censurou sua companheira por ter se posa, lançando assim a culpa no
afastado dele e permitido que a ser- próprio Deus: “Foi a mulher que
pente a enganasse. Ambos, porém, me deste por companheira que me
tentavam se convencer de que Deus, deu do fruto da árvore, e eu comi”
que tinha dado a eles tantas evi- (Gn 3:12). Por amor a Eva, ele propo-
dências de Seu amor, iria perdoá- sitalmente preferiu perder a aprova-
los por essa única transgressão; que ção de Deus e uma vida de eterna
não seriam submetidos a um cas- alegria; ali, então, procurou tornar
tigo tão terrível como receavam. sua companheira, e até mesmo o
28 Os Escolhidos
próprio Criador, responsáveis por dela; Este lhe ferirá a cabeça, e você
sua transgressão. Lhe ferirá o calcanhar” (Gn 3:15).
Quando Ele perguntou à mu- Eva foi informada a respeito da
lher: “Que foi que você fez?” Ela tristeza e dor que deveria sofrer:
respondeu: “A serpente me enga- “Multiplicarei grandemente o seu
nou, e eu comi” (Gn 3:13). “Por que sofrimento na gravidez; com sofri-
criaste a serpente?” “Por que per- mento você dará à luz filhos. Seu de-
mitiste que ela entrasse no Éden?” sejo será para o seu marido, e ele a
– essas eram perguntas que esta- dominará” (Gn 3:16). Deus a tinha
vam envolvidas em sua primeira criado igual a Adão. Infelizmente
desculpa. O espírito de justificação o pecado trouxe discórdia e, a par-
própria foi alimentado por nossos tir de então, a união e a harmonia
primeiros pais tão logo se entrega- entre eles seriam mantidas e pre-
ram à influência de Satanás, e ele servadas somente pela submissão
tem se manifestado em todos os fi- da parte de um ou de outro. Eva
lhos e filhas de Adão. tinha sido a primeira a transgredir a
O Senhor pronunciou então a ordem de Deus. Foi por sua insistên-
sentença sobre a serpente: “Uma cia que Adão pecou, assim, a partir
vez que você fez isso, maldita é você desse momento, foi colocada em su-
entre todos os rebanhos domésticos jeição ao seu marido. Dessa forma, o
e entre todos os animais selvagens! abuso da supremacia que foi dada ao
Sobre o seu ventre você raste- homem tem muitas vezes trazido à
jará, e pó comerá todos os dias da mulher bastante amargura e trans-
sua vida” (Gn 3:14). Da mais bela formado sua vida em um fardo.
das criaturas do campo, ela se tor- Eva tinha sido muito feliz ao
nou a mais rasteira e a mais detes- lado do esposo. Entretanto, ela se
tada de todas elas, temida tanto encheu de esperança com a possi-
pelos homens como pelos animais. bilidade de entrar em uma esfera
As palavras dirigidas à serpente a mais elevada que aquela que Deus
seguir foram aplicadas ao próprio lhe havia designado. Ao tentar ele-
Satanás como indicação de sua der- var sua posição original, caiu muito
rota e destruição final: “Porei inimi- mais abaixo do lugar onde estava.
zade entre você e a mulher, entre a Em seus esforços para alcançar
sua descendência e o Descendente posições para as quais Deus não
A Difícil Situação do Ser Humano 29

as habilitou, hoje, muitas pessoas grande misericórdia, mostraria ao


estão deixando vago o lugar onde povo a santidade de Sua lei e os leva-
poderiam ser uma bênção. ria a ver o perigo que corriam se a co-
Para Adão, o Senhor declarou: locassem de lado por pouco que fosse.
“Visto que você deu ouvidos à sua
mulher e comeu do fruto da árvore Um Plano de Restauração
da qual Eu lhe ordenara que não A vida de muitas lutas e cuida-
comesse, maldita é a terra por sua dos que dali em diante caberia à hu-
causa; com sofrimento você se ali- manidade foi uma ordem dada com
mentará dela todos os dias da sua amor, uma forma de disciplina que
vida. Ela lhe dará espinhos e ervas da- se tornou necessária por causa do
ninhas, e você terá que alimentar-se pecado, para impor um limite à sa-
das plantas do campo. Com o suor tisfação do apetite e às paixões e
do seu rosto você comerá o seu pão, desenvolver hábitos de domínio pró-
até que volte à terra, visto que dela prio. Fazia parte do grande plano de
foi tirado; porque você é pó, e ao pó Deus para a restauração do homem.
voltará” (Gn 3:17-19). A advertência dada aos nossos
Deus tinha concedido livre- primeiros pais – “Não [comam] da
mente a Adão e Eva o que era bom e árvore que está no meio do jardim,
retido o mal. Mesmo assim, eles co- não [toquem] nele; do contrário
meram da árvore proibida; por isso, vocês [morrerão]” (Gn 2:17) – não
a partir de então, teriam o conheci- significava que deveriam morrer
mento do mal todos os dias de sua exatamente no dia em que comes-
vida. Em vez de uma vida de traba- sem do fruto proibido. Naquele dia,
lho feliz, teriam que enfrentar uma porém, a sentença irrevogável seria
vida de ansiedade e trabalho árduo. pronunciada. Naquele mesmo dia
Estariam sujeitos a decepções, pesa- estariam condenados à morte.
res, dor e, finalmente, à morte. Para que pudesse possuir uma
Deus fez o primeiro casal para go- existência sem fim, o homem de-
vernar sobre a Terra e sobre todos os veria continuar a comer da ár-
seres viventes. Quando eles se rebe- vore da vida. Não tendo mais esse
laram contra a lei divina, as criatu- direito, sua vitalidade iria dimi-
ras inferiores se rebelaram contra o nuir gradualmente até que a vida
seu domínio. Então o Senhor, em Sua se acabasse. Era plano de Satanás
30 Os Escolhidos
que Adão e Eva comessem da ár- nós argumentam que é impossível
vore da vida e assim perpetuassem obedecer aos seus preceitos. Se isso
uma existência de pecado e de sofri- fosse verdade, por que Adão sofreu
mento. Santos anjos foram comis- a pena máxima por tê-la transgre-
sionados para guardar a árvore da dido? O pecado de nossos primeiros
vida. Ao redor desses anjos flameja- pais trouxe a culpa e a tristeza sobre
vam raios de luz semelhantes a es- o mundo e, se não fosse pela miseri-
padas resplandecentes. A ninguém córdia de Deus, teria mergulhado a
da família de Adão foi permitido ul- raça humana em terrível desespero.
trapassar aquela barreira; por isso é Que ninguém se engane. “O salário
que não há pecadores imortais. do pecado é a morte” (Rm 6:23).
Depois que pecaram, Adão e
Seria Deus Severo Demais? Eva suplicaram para permanecer
Muitas pessoas consideram a no lar de sua inocência e alegria.
onda de desgraças desencadeadas Prometeram que no futuro presta-
pela transgressão de nossos pri- riam total obediência a Deus. Foi
meiros pais como sendo uma con- dito a eles que a sua natureza tinha
sequência terrível demais para um se tornado depravada por causa do
pecado tão pequeno. Se analisassem pecado. Suas forças para resistir ao
mais profundamente essa questão, mal estavam diminuídas. A partir de
poderiam reconhecer o seu erro. Por então, por estarem totalmente cons-
Sua grande misericórdia, a prova cientes de sua culpa, teriam menos
que Deus designou a Adão não era poder para manter a sua integridade.
severa. A própria leveza da proibi- Com grande tristeza, despedi-
ção foi o que tornou o pecado ex- ram-se do belo lar e dali saíram para
cessivamente grande. Se tivesse sido habitar na Terra, onde já estava pre-
designada alguma grande prova a sente a maldição do pecado. A at-
Adão, então aqueles cujo coração mosfera estava sujeita a grandes
se inclinam para o mal se descul- mudanças, e o Senhor, misericor-
pariam dizendo: “Essa é uma ques- diosamente, proveu uma roupa de
tão trivial, e Deus não é tão exigente peles para eles, como uma forma de
a respeito de coisas pequenas.” proteção contra o frio.
Muitos que ensinam que a lei de Ao testemunharem os primei-
Deus não tem mais validade para ros sinais de decadência em uma
A Difícil Situação do Ser Humano 31

flor que murchava ou numa folha seus agradáveis caminhos. Somente


que caía, Adão e sua companheira quando a maldade dos descenden-
lamentaram muito mais profunda- tes de Adão e Eva determinou a
mente do que as pessoas fazem hoje destruição pelas águas do dilúvio,
por seus mortos. Quando as lindas a mão que plantou o Jardim do
árvores deixaram cair suas folhas, Éden o retirou da Terra. Quando
a cena lhes trouxe à mente o fato Deus, no fim, restaurar todas as coi-
cruel de que a morte havia se tor- sas, quando forem criados “novos
nado o fim de todos os viventes. céus e nova Terra”, o Jardim do Éden
O Jardim do Éden permaneceu será restabelecido, mais gloriosa-
na Terra por muito tempo depois que mente adornado que no princípio
seus moradores foram banidos de (Ap 21:1).
4
O Plano Revelado
A queda de Adão e Eva en-
cheu todo o Céu de tris-
teza. Parecia não haver um meio de
O plano da salvação foi estabe-
lecido antes da criação da Terra,
pois Cristo é o “Cordeiro que foi
escape para aqueles que transgredi- morto desde a fundação do mundo”
ram a lei. Os anjos cessaram os seus (Ap 13:8); foi, porém, uma luta para
cânticos de louvor. o Rei do Universo entregar Seu
O Filho de Deus sentiu grande Filho para morrer pela raça cul-
compaixão pela raça caída quando pada. “Deus amou ao mundo de tal
foram apresentadas diante dEle maneira que deu o Seu Filho unigê-
as desgraças do mundo perdido. O nito, para que todo aquele que nEle
amor divino idealizou um plano por crê não pereça, mas tenha a vida
meio do qual o homem, que estava to- eterna” (Jo 3:16, ARA). Oh, quão
talmente desamparado, poderia ser grande é o mistério da redenção!
salvo. A lei de Deus, que havia sido O amor de Deus por um mundo que
quebrada, exigia a vida do pecador. não O amou!
Apenas um Ser igual a Deus poderia Deus Se revelaria em Cristo,
fazer a expiação por sua transgres- “reconciliando consigo o mundo”
são. Ninguém, a não ser Cristo, po- (2Co 5:19). Os seres humanos ti-
deria salvar os pecadores da maldição nham se tornado tão degradados
da lei e levá-los novamente a viver em pelo pecado que era impossível para
harmonia com o Céu. Cristo tomaria eles voltar a viver em harmonia com
sobre Si a culpa e a vergonha do pe- Deus, cuja natureza é de pureza e
cado para resgatar a raça caída. bondade. Cristo poderia comunicar
O Plano Revelado 33

o poder divino para que se unisse ao tinha o poder para redimi-lo. Cristo
esforço humano. Assim, por meio do “por um pouco foi feito menor do
arrependimento para com Deus e que os anjos […] por ter sofrido a
pela fé em Cristo, os filhos caídos de morte” (Hb 2:9). Ao tomar a natu-
Adão poderiam uma vez mais ser “fi- reza humana sobre Ele, Sua força
lhos de Deus” (1Jo 3:2). não seria igual a dos anjos, e eles
Os anjos não se alegraram é que deveriam fortalecê-Lo em
quando Cristo revelou a eles o Seus sofrimentos. Deveriam tam-
plano da redenção. Com pesar e ad- bém guardar os súditos da graça do
miração, ouviam Suas palavras, en- poder dos anjos maus.
quanto Ele lhes dizia como deveria No momento em que os anjos
entrar em contato com a degradação testemunhassem a agonia e a hu-
da Terra, suportar a tristeza, a ver- milhação de seu Senhor, desejariam
gonha e a morte. Ele Se humilharia livrá-Lo de seus assassinos, mas não
descendo à posição do homem para deveriam intervir. Fazia parte do
participar pessoalmente das triste- plano que Cristo sofresse o desprezo
zas e tentações que homens e mu- e maus-tratos de homens ímpios.
lheres teriam que enfrentar, a fim Cristo garantiu aos anjos que,
de “socorrer aqueles que também por Sua morte, Ele resgataria a mui-
estão sendo tentados” (Hb 2:18). tos e recuperaria o reino que tinha
Quando Sua missão como profes- sido perdido por causa da transgres-
sor estivesse terminada, Ele seria são. Os remidos deveriam herdá-lo
submetido a todo tipo de insulto e com Ele. Pecado e pecadores não
tortura que Satanás poderia inspi- mais existiriam, nunca mais per-
rar. Deveria morrer a mais cruel das turbariam a paz do Céu e da Terra.
mortes como um pecador culpado. Então uma inexprimível alegria
Teria que suportar terrível angústia encheu o Céu. Pelas cortes celes-
e a ocultação da face do Pai quando tiais ecoaram os primeiros acordes
os pecados do mundo todo recaís- do cântico que deveria soar sobre
sem sobre Ele. as colinas de Belém: “Glória a Deus
Os anjos se ofereceram para nas alturas, e paz na Terra aos ho-
se tornarem eles mesmos esse sa- mens” (Lc 2:14). “As estrelas matu-
crifício pela raça humana. Apenas tinas juntas cantavam e todos os
Aquele que havia criado o homem anjos se regozijavam” (Jó 38:7).
34 Os Escolhidos
Deus Promete um Salvador sua salvação. Adão e sua compa-
Na sentença pronunciada sobre nheira não seriam abandonados
Satanás no jardim, o Senhor decla- ao domínio de Satanás. Por meio
rou: “Porei inimizade entre você e a do arrependimento e fé em Cristo,
mulher, entre a sua descendência e poderiam novamente se tornar fi-
o Descendente dela; Este lhe ferirá lhos de Deus.
a cabeça, e você Lhe ferirá o calca- Adão e Eva viram, como nunca
nhar” (Gn 3:15). Essa foi a promessa antes, a culpa do pecado e seus re-
de que o poder de Satanás, o grande sultados. Suplicaram que a penali-
adversário, seria finalmente des- dade do pecado não recaísse sobre
truído. Adão e Eva permaneciam Aquele cujo amor tinha sido a fonte
como transgressores diante do justo de toda a sua alegria; em vez disso,
Juiz, mas antes que ouvissem da pediram que recaísse sobre eles e
vida de lutas e tristezas que deve- seus descendentes.
riam enfrentar, que retornariam ao Foi dito a eles que, por ser a lei de
pó, ouviram as palavras que não os Jeová a base do Seu governo, nem
deixariam sem esperança. Eles pode- mesmo a vida de um anjo poderia
riam olhar para o futuro e antever ser aceita como sacrifício pela trans-
a vitória final. gressão. Apenas o Filho de Deus,
Satanás sabia que sua obra para que os havia criado, poderia fazer a
promover a degeneração da natu- expiação por eles. Da mesma forma
reza humana seria interrompida, que a transgressão de Adão trouxe
que de alguma forma o homem sofrimento e morte, o sacrifício de
seria capacitado a resistir ao seu Cristo traria vida e imortalidade.
poder. Mesmo assim, ele se alegrava Quando foi criado, Adão re-
com seus anjos porque, depois de ter cebeu o domínio de toda a Terra.
causado a queda do homem, conse- Entretanto, ao ceder à tentação, ele
guiria tirar o Filho de Deus de Sua se tornou prisioneiro de Satanás.
exaltada posição. Quando Cristo to- O domínio passou para aquele que o
masse sobre Si a natureza humana, tinha vencido. Assim, Satanás pas-
Ele também poderia ser vencido. sou a ser “o deus desta era” (2Co 4:4).
Anjos celestiais revelaram de No entanto, Cristo, por Seu sacrifí-
maneira ainda mais ampla aos nos- cio, iria não somente redimir a fa-
sos primeiros pais o plano para a mília humana, mas restabeleceria
O Plano Revelado 35

o domínio por eles perdido. Tudo o se enchesse de todo tipo de sofri-


que foi perdido pelo primeiro Adão mento. Por meio da satisfação do
será restaurado pelo segundo Adão apetite e das paixões, as pessoas se
(ver Mq 4: 8). tornariam incapazes de apreciar as
Deus criou a Terra para ser habi- grandes verdades do plano da re-
tada por seres santos e felizes. Esse denção. Mesmo assim, Cristo pode-
propósito se cumprirá quando, re- ria suprir as necessidades de todos
novada pelo poder de Deus e liber- que fossem a Ele com fé. Sempre
tada do pecado e da tristeza, ela se haveria alguns que preservariam o
tornar a morada eterna do remidos. conhecimento de Deus e permane-
ceriam puros.
Os Terríveis Frutos As ofertas sacrificais foram orde-
do Pecado nadas como um reconhecimento de
O pecado causou a separação arrependimento pelo pecado e se-
entre Deus e a família humana, e riam também uma confissão de fé
somente a expiação feita por Cristo no prometido Redentor. Para Adão,
poderia transpor o abismo. Deus o primeiro sacrifício foi uma oferta
Se comunicaria com as pessoas por extremamente dolorosa. Sua mão
meio de Cristo e dos anjos. deveria se erguer para tirar a vida
A Adão foi revelado que, em- que só Deus podia dar. Foi a pri-
bora o sacrifício de Cristo fosse meira vez que ele testemunhou a
suficiente para salvar o mundo in- morte. Ele sabia que, se tivesse sido
teiro, muitos escolheriam viver uma obediente a Deus, nenhuma morte
vida de pecado em vez do arrepen- teria ocorrido. Adão tremia com
dimento e obediência. O crime au- o pensamento de que seu pecado
mentaria ao longo das sucessivas faria derramar o sangue de Cristo,
gerações. A maldição do pecado re- o imaculado Cordeiro de Deus. Essa
pousaria mais e mais pesadamente cena lhe trazia um sentimento ví-
sobre a raça humana e sobre a Terra. vido da enormidade da sua trans-
Os dias dos homens e das mulhe- gressão que coisa alguma, a não ser
res seriam abreviados por causa a morte do amado Filho de Deus,
de sua trajetória de pecado; eles se poderia expiar. Uma estrela de
degenerariam em sua força física, esperança iluminou seu tenebroso
moral e intelectual até que o mundo futuro.
36 Os Escolhidos
O Propósito mais Amplo a posse deste mundo “porque”, dizia
da Redenção ele, “eles preferiram a mim como seu
O plano da redenção tinha um governante”. Alegava que era impos-
propósito ainda mais amplo e pro- sível conceder o perdão ao pecador;
fundo que a salvação do homem. que aqueles que pertenciam à raça
Não foi apenas para que os habitan- caída eram todos legítimos súditos
tes deste pequeno mundo pudessem seus e que o mundo era seu. Deus,
dar à lei de Deus a consideração a porém, deu o próprio Filho a fim
ela devida, mas para vindicar o ca- de suportar a penalidade da trans-
ráter de Deus perante o Universo. gressão. Assim, os pecadores pode-
Foi olhando para esse grande resul- riam ser restaurados ao Seu favor
tado de Seu sacrifício, pouco antes e levados novamente para o seu
de Sua crucifixão, que o Salvador lar no Éden. O grande conflito ini-
exclamou: “Chegou a hora de ser ciado no Céu deveria ser decidido
julgado este mundo; agora será ex- aqui no mundo, no próprio campo
pulso o príncipe deste mundo. Mas que Satanás reclamava como seu.
Eu, quando for levantado da Terra, Todo o Universo ficou mara-
atrairei todos a Mim” (Jo 12:31, 32). vilhado diante da humilhação de
A morte de Cristo pela salvação da Cristo para salvar homens e mu-
humanidade justificaria Deus e Seu lheres caídos. Quando Cristo veio
Filho quanto à maneira de lidar com ao mundo em forma humana, todos
a rebelião de Satanás, confirmaria a estavam profundamente interessa-
lei de Deus e revelaria a natureza e dos em acompanhá-Lo ao percorrer
os resultados do pecado. Ele a trilha manchada de sangue,
Desde o princípio, o grande con- desde a manjedoura até o Calvário.
flito girou em torno da lei de Deus. O Céu observava o insulto e a zom-
Satanás procurava provar que Deus baria que Cristo recebia. Os habitan-
era injusto, que Sua lei era imper- tes das cortes celestiais sabiam que
feita e que para o bem do Universo tudo havia sido feito sob a instiga-
era necessário que fosse mudada. ção de Satanás. Todos observavam a
Ao atacar a lei, seu objetivo era abo- batalha entre a luz e as trevas, cada
lir a autoridade de Deus, seu Autor. vez mais violenta. Quando Cristo
Quando Satanás venceu Adão e clamou sobre a cruz: “Está con-
Eva, ele pensou que tinha adquirido sumado!” (Jo 19:30), um grito de
O Plano Revelado 37

triunfo ressoou por todos os mun- então a agonia e a morte do amado


dos e pelo próprio Céu. A grande ba- Filho de Deus teriam sido suporta-
talha estava decidida, e Cristo era das apenas para dar a Satanás exa-
vencedor. Sua morte respondeu à tamente o que ele queria; então o
pergunta se o Pai e o Filho tinham príncipe do mal teria triunfado e
ou não amor suficiente pela huma- suas acusações contra o governo
nidade para exercerem a abnegação divino seriam mantidas. O próprio
e o espírito de sacrifício. Satanás re- fato de Cristo ter suportado o cas-
velou seu verdadeiro caráter como tigo pela desobediência humana é
mentiroso e assassino. A uma só voz, um poderoso argumento de que a lei
o Universo fiel se uniu em reconheci- é imutável; que Deus é justo, miseri-
mento à administração divina. cordioso e abnegado; e que a justiça
Se a lei de Deus tivesse sido abo- e a misericórdia infinitas se unem
lida na cruz, como muitos alegam, na administração de Seu governo.
5
*
O Primeiro Assassino
C aim e Abel, os filhos de
Adão, possuíam um cará-
ter totalmente diferente. Abel via
Eles deveriam demonstrar sua fé no
sangue de Cristo, como a expiação
prometida, oferecendo o primogê-
justiça e misericórdia na maneira nito do rebanho em sacrifício.
como o Criador tratava com a raça Os dois irmãos construíram
caída e aceitava agradecido a espe- seus altares de modo semelhante,
rança da redenção. Caim, porém, per- e cada um trouxe uma oferta.
mitiu que sua mente vagueasse pelo Abel apresentou um sacrifício es-
mesmo caminho que levou Lúcifer à colhendo sua oferta no rebanho.
queda – questionar a justiça e a au- “O Senhor aceitou com agrado Abel
toridade divinas. e sua oferta” (Gn 4:4). Desceu fogo
Esses irmãos foram provados do Céu e consumiu o sacrifício. Mas
para saber se creriam e obedeceriam Caim, desrespeitando a ordem di-
às ordens de Deus. Compreendiam reta do Senhor, apresentou apenas
o sistema de ofertas ordenado por uma oferta dos frutos da terra. Não
Deus. Estavam cientes de que de- houve sinal algum do Céu para mos-
viam expressar sua fé no Salvador, trar que ela havia sido aceita. Abel
a quem as ofertas representavam, e implorou ao irmão que se aproxi-
ao mesmo tempo reconhecer a total masse de Deus de acordo com a
dependência dEle para o perdão. ordem divina, mas seus apelos tor-
Sem derramamento de sangue não naram Caim ainda mais determi-
poderia haver remissão de pecado. nado a seguir a própria vontade.
* Este capítulo é baseado em Gênesis 4:1-15.
O Primeiro Assassino 39

Por ser mais velho, desprezou o con-


(Hb 11:4). Abel viu a si mesmo como
selho de seu irmão. um pecador e enxergou tanto o pe-
Caim se apresentou diante de cado como sua penalidade – a morte
Deus com ressentimento em seu – separando-o de Deus. Ele trouxe
coração. Sua oferta não expressava o cordeiro imolado, reconhecendo
nenhuma tristeza pelo pecado, pois assim as reivindicações da lei que foi
seria um reconhecimento de fra- transgredida. Por meio do sangue der-
queza da sua parte seguir exata- ramado, ele olhou para Cristo mor-
mente o plano indicado por Deus, rendo na cruz. Confiando na expiação
confiando sua salvação completa- que ali seria feita, ele teve a certeza
mente à expiação que seria feita por
de que estava justificado e de que o
um Salvador prometido. Iria se apre-
Criador havia aceitado sua oferta.
sentar diante dEle com os méritos Caim teve a mesma oportu-
de si mesmo. Não levaria o cordeironidade de aceitar essas verdades.
nem misturaria seu sangue com a Deus não escolheu um irmão para
oferta, mas apresentaria seus frutos,
ser aceito e outro rejeitado. Abel es-
produtos do seu trabalho, como um colheu a fé e a obediência; Caim, a
favor feito a Deus. Caim obedeceu ao
incredulidade e a desobediência.
construir o altar, obedeceu ao levar Caim e Abel representam as
um sacrifício, mas prestou apenas duas classes que existirão até o fim
uma obediência parcial. A essência da história da Terra. Uma se bene-
– o reconhecimento da necessidade ficia do sacrifício que foi estabele-
de um Redentor – foi excluída. cido para a salvação do pecador;
Tanto Caim como Abel eram pe- a outra confia nos próprios méri-
cadores e ambos reconheceram a tos. Aqueles que não sentem a ne-
supremacia de Deus quanto à reve- cessidade do sangue de Cristo, que
rência e a adoração. Externamente, se sentem seguros da aprovação de
a aparência de sua religião era a Deus por suas obras, estão come-
mesma até certo ponto; mas, a não tendo o mesmo erro de Caim.
ser por isso, a diferença era grande. Quase toda religião falsa está
baseada no mesmo princípio – o
Diferença entre Caim e Abel homem pode confiar nos próprios es-
“Pela fé Abel ofereceu a Deus forços para obter a salvação. Alguns
um sacrifício superior ao de Caim” alegam que a raça humana pode não
40 Os Escolhidos
apenas se aperfeiçoar, mas se ele- porque Deus não aceitou sua oferta
var e se regenerar por si mesma. Da substituta em lugar do sacrifício por
mesma forma que Caim julgava estar Ele ordenado e também se enfure-
seguro do favor divino, apresen- ceu contra seu irmão, que preferiu
tando uma oferta em que faltava o obedecer a Deus em vez de se unir
sangue do sacrifício, assim também em rebelião contra Ele.
fazem aqueles que esperam elevar a Deus não deixou Caim entregue
humanidade ao padrão divino, inde- a si mesmo, mas Se dispôs a conver-
pendentemente da expiação feita por sar com ele, que se mostrou tão in-
Jesus. A história de Caim nos mostra sensato. “Por que você está furioso?
que a humanidade não tem a tendên- Por que se transtornou o seu rosto?
cia de olhar para cima, para o que é Se você fizer o bem, não será aceito?
divino, mas para as coisas de baixo, Mas se não o fizer, saiba que o pe-
que são satânicas. Cristo é a nossa cado o ameaça à porta” (Gn 4:6, 7).
única esperança (ver Atos 4:12). Se ele confiasse nos méritos do Sal-
A fé verdadeira será revelada por vador prometido e obedecesse às
meio da obediência a todos os man- ordens de Deus, desfrutaria o favor
damentos de Deus. Desde os dias de de Deus.Por outro lado, se ele per-
Adão até o presente, o grande conflito sistisse na descrença e no pecado,
tem sido com relação à obediência à não teria razão para se queixar por
lei de Deus. Em todas as épocas exis- ter sido rejeitado pelo Senhor.
tiram aqueles que se achavam no di- Em vez de reconhecer seu pe-
reito de obter o favor de Deus mesmo cado, Caim continuou a reclamar da
quando deixavam de obedecer a al- injustiça de Deus e a nutrir inveja
gumas de Suas ordens. Entretanto, e rancor contra Abel. Com mansi-
foi pelas obras que “a fé foi aperfei- dão, embora de maneira firme, Abel
çoada” e, sem as obras de obediên- defendeu a justiça e a bondade de
cia, a fé “está morta” (Tg 2:22, 17). Deus. Ele mostrou o erro de Caim e
Aquele que professa conhecer a Deus tentou convencê-lo de que a falha es-
“mas não obedece aos Seus manda- tava nele mesmo. Enfatizou a com-
mentos, é mentiroso, e a verdade não paixão de Deus ao poupar a vida de
está nele” (1Jo 2:4). seus pais quando Ele poderia tê-los
Quando Caim viu que sua oferta punido com a morte instantâ-
havia sido rejeitada, ficou irado nea. Insistiu, dizendo que Deus os
O Primeiro Assassino 41

amava; senão, não teria dado Seu Caim, o assassino, logo foi cha-
Filho, inocente e santo, para sofrer mado para responder por seu crime.
a pena que eles teriam que pagar. “Então o Senhor perguntou a Caim:
Tudo isso fez com que Caim ficasse ‘Onde está seu irmão Abel?’ Res-
ainda mais irado. A razão e a cons- pondeu ele: ‘Não sei; sou eu o res-
ciência lhe diziam que Abel estava ponsável por meu irmão?’” (Gn 4:9).
certo, mas ele estava irado por não Ele recorreu à falsidade para escon-
ter sido compreendido em sua rebe- der sua culpa.
lião. Furioso, ele matou seu irmão.
Assim, em todas as épocas, os A Sentença de Caim
ímpios odiaram aqueles que eram Novamente o Senhor pergun-
melhores do que eles. “Quem pra- tou a Caim: “O que foi que você
tica o mal odeia a luz e não se apro- fez? Escute! Da terra o sangue do
xima da luz, temendo que as suas seu irmão está clamando” (Gn 4:10).
obras sejam manifestas” (Jo 3:20). Caim teve tempo suficiente para re-
O assassinato de Abel foi o pri- fletir. Ele compreendia quão horrí-
meiro exemplo da inimizade entre vel era a natureza do ato que havia
a serpente e a semente da mulher – praticado e a mentira que havia pro-
entre Satanás e Cristo, cada qual com ferido para tentar ocultá-lo; mas ele
seus seguidores. Sempre que, pela fé ainda continuou sendo rebelde, e a
no Cordeiro de Deus, uma pessoa se sentença não mais foi adiada. A voz
recusa a atender ao pecado, Satanás divina pronunciou as terríveis pa-
fica irado. A vida santa de Abel foi lavras: “Agora amaldiçoado é você
um testemunho contra a alegação de pela terra, que abriu a boca para re-
Satanás de que guardar a lei de Deus ceber da sua mão o sangue do seu
é impossível para os seres humanos. irmão. Quando você cultivar a terra,
Quando Caim viu que não podia do- esta não lhe dará mais da sua força.
minar Abel, ficou tão irado que des- Você será um fugitivo errante pelo
truiu a vida do irmão. Onde quer que mundo” (Gn 4:11, 12).
alguém se coloque em defesa da lei Por causa de Sua misericórdia,
de Deus, o mesmo espírito será ma- Deus ainda poupou a vida de Caim
nifestado. Apesar disso, todo mártir e lhe deu a oportunidade de arre-
que morreu por Jesus morreu como pendimento. Mesmo assim, Caim
um vencedor (ver Ap 12:9, 11). viveu somente para endurecer cada
42 Os Escolhidos
vez mais o coração, para estimular natureza dessa rebelião para todo o
a rebelião contra a autoridade di- Universo, reafirmando amplamente
vina e para se tornar o chefe de a Sua sabedoria e justiça na maneira
toda uma linhagem de pecadores de lidar com o mal.
obstinados. Sua influência exerceu Os habitantes de outros mun-
uma força desmoralizadora até que dos observavam com profundo in-
toda a Terra se tornou tão corrupta teresse a condição existente na Terra
e cheia de violência que foi preciso antes do dilúvio. Eles viram os re-
ser destruída. sultados da forma de governo que
A negra história de Caim e de Lúcifer tinha tentado estabelecer
seus descendentes foi um exem- no Céu, colocando de lado a lei de
plo de qual teria sido o resultado Deus. Os pensamentos do coração
de permitir que o pecador vivesse humano eram somente maus, conti-
para sempre a fim de continuar em nuamente (ver Gn 6:5), e em conflito
sua rebelião contra Deus. A paciên- com os princípios divinos da pureza,
cia de Deus não convenceu o ímpio da paz e do amor. Esse foi um exem-
a deixar de ser ousado e desafiador. plo da terrível depravação resultante
Quinze séculos após ter sido pro- da astúcia de Satanás.
nunciada a sentença sobre Caim, o Pelos fatos revelados no desen-
crime e a corrupção inundaram a rolar do grande conflito, Deus tem
Terra. Estava claro que a sentença de a simpatia de todo o Universo, en-
morte sobre a raça caída era não ape- quanto, passo a passo, o Seu grande
nas justa, mas um ato de misericór- plano avança para o cumprimento
dia. Quanto mais tempo os homens final na completa destruição da re-
viviam em pecado, mais degradados belião. Ficará constatado que todos
e imprudentes se tornavam. aqueles que rejeitaram os preceitos
Satanás está em constante ativi- divinos estavam do lado de Satanás
dade para deturpar o caráter e o go- na luta contra Cristo. Quando o
verno de Deus a fim de manter os príncipe deste mundo for julgado
habitantes do mundo sob seus enga- e todos os que se uniram a ele par-
nos. Deus vê o fim desde o princípio. ticiparem de sua sorte, o Universo
Seus planos foram abrangentes e de inteiro exclamará: “Justos e verda-
longo alcance, não somente para pôr deiros são os Teus caminhos, ó Rei
um fim à rebelião, mas demonstrar a das nações!” (Ap 15:3).
6
*
Homens Fiéis a Deus
A dão teve outro filho que
seria o herdeiro da pri-
mogenitura espiritual. O nome Sete,
“Também a Sete nasceu um
filho, a quem deu o nome de Enos.
Nessa época começou-se a invocar
dado a esse filho, significava “desig- o nome do Senhor” (Gn 4:26). A dis-
nado” ou “compensação”; a mãe es- tinção entre as duas classes se tor-
colheu esse nome porque, segundo nou mais evidente – por parte de
ela mesma: “Deus me concedeu um uma havia uma grande profissão de
filho no lugar de Abel, visto que fidelidade a Deus, por parte de outra
Caim o matou’” (Gn 4:25). Sete era havia desprezo e desobediência.
muito mais parecido com Adão do Antes da queda, nossos pri-
que os outros filhos, tinha um cará- meiros pais guardaram o sábado
ter digno e seguia os passos de Abel. que foi instituído no Éden e, de-
Mesmo assim, não herdou mais bon- pois de serem expulsos do Paraíso,
dade natural do que Caim. Sete, eles continuaram a observá-lo.
assim como Caim, herdou a natu- Compreenderam que todos, mais
reza caída de seus pais. No entanto, cedo ou mais tarde, vão entender não
ele recebeu também o conhecimento só que as leis divinas são sagradas
do Redentor e instrução na justiça. e imutáveis, mas que a penalidade
Ele trabalhou como Abel teria traba- para a transgressão certamente se
lhado, caso estivesse vivo, para que seguirá. O sábado foi honrado por
a mente dos pecadores voltasse a re- todos aqueles que permaneceram
verenciar e obedecer ao seu Criador. fiéis a Deus. Entretanto, Caim e seus
* Este capítulo é baseado em Gênesis 4:25-6:2.
44 Os Escolhidos
descendentes não respeitaram o dia sua pureza inicial. Depois de algum
em que Deus descansou. tempo, começaram a se misturar
Caim fundou então uma cidade com os habitantes dos vales. “Os fi-
e deu a ela o nome de seu filho lhos de Deus viram que as filhas dos
mais velho. Ele saiu da presença do homens eram bonitas” (Gn 6:2). Os fi-
Senhor para ir em busca de rique- lhos de Sete desagradaram ao Senhor
zas e prazeres na Terra, tornando- quando eles se casaram com elas.
se o líder daquela grande classe de Muitos adoradores de Deus foram
pessoas que adoravam o deus deste atraídos pelas seduções que estavam
mundo. No que diz respeito aos constantemente diante deles e perde-
meros progressos materiais e ter- ram a santidade de seu caráter. Ao se
restres, os seus descendentes se des- misturarem com a raça corrompida,
tacaram bastante. Entretanto, eram tornaram-se como eles. As restrições
contrários aos propósitos de Deus ao sétimo mandamento deixaram
para a raça humana. Ao assassinato, de ser obedecidas, “e eles escolheram
Lameque, o quinto na descendên- para si aquelas que lhes agradaram”
cia de Caim, acrescentou a poliga- (Gn 6:2). Os filhos de Sete “seguiram
mia. Abel tinha levado uma vida de o caminho de Caim” (Jd 11). Eles não
pastor de ovelhas, e os descenden- apenas mantiveram a mente fixa na
tes de Sete seguiram o mesmo cami- prosperidade e nas alegrias munda-
nho, considerando-se “estrangeiros nas, mas também desprezaram os
e peregrinos na Terra”, em busca de mandamentos do Senhor. O pecado
uma “pátria melhor, isto é, a pátria se espalhou amplamente na Terra.
celestial” (Hb 11:13, 16).
Por algum tempo, as duas classes A Longa Vida de Adão
permaneceram separadas. A descen- Durante quase mil anos, Adão
dência de Caim se espalhou a partir procurou impedir a propagação do
do lugar em que primeiramente se mal. Ele recebeu ordens para instruir
estabeleceu, dispersando-se depois seus descendentes nos caminhos do
pelos vales e planícies onde os filhos Senhor e guardou como um tesouro
de Sete habitavam. Para fugirem de o que Deus lhe havia revelado, repe-
sua influência contaminadora, eles tindo esses ensinos às gerações que
se retiraram para as montanhas, e o sucederam. Por nove gerações, ele
lá mantiveram o culto a Deus em descreveu a santa e feliz condição
Homens Fiéis a Deus 45

em que vivia no Paraíso, repetindo cedo, e aqueles que viviam no temor


a história da sua queda. Contou a de Deus continuavam a crescer em
eles a respeito dos sofrimentos pelos conhecimento e sabedoria por toda a
quais Deus havia lhe ensinado a ne- vida. Comparados a eles, os famosos
cessidade da estrita lealdade à Sua intelectuais de nosso tempo parece-
lei e explicou a respeito das miseri- riam muitas vezes inferiores, tanto
cordiosas provisões feitas para a sua em força física como mental. À me-
salvação. Entretanto, ele tinha que dida que ia diminuindo tanto a ex-
enfrentar frequentemente amargas pectativa de vida das pessoas quanto
reprovações pelo pecado que havia a sua força física, também era redu-
trazido tamanha desgraça sobre zida a sua capacidade mental.
seus descendentes. É verdade que as pessoas hoje
Quando deixou o Éden, o pensa- desfrutam os benefícios daquilo
mento de que deveria morrer fazia que outros que viveram antes delas
com que Adão estremecesse de hor- realizaram. Mentes superdotadas
ror. Cheio de remorso por seu pe- deixaram suas obras para aqueles
cado e lamentando a dupla perda que viriam depois. As vantagens das
pela morte de Abel e a rejeição de pessoas daquele tempo eram muito
Caim, Adão foi dominado pelo peso maiores. Por centenas de anos, ti-
da angústia. Embora a sentença de veram entre eles aquele que foi for-
morte tenha parecido terrível no iní- mado à imagem de Deus. Adão havia
cio, ao contemplar os resultados do aprendido do próprio Criador a his-
pecado por quase mil anos, naquele tória da criação; ele mesmo havia
momento, ele entendeu que era um testemunhado os acontecimentos
ato de misericórdia de Deus pôr fim a ocorridos por mais de nove séculos.
uma vida de sofrimento e de tristeza. Os antediluvianos eram donos de
Os anos que antecederam o di- uma memória poderosa para reter o
lúvio não foram, como muitos ima- que era comunicado a eles e depois
ginavam, uma era de ignorância e transmitir isso de forma intacta aos
de selvageria. As pessoas não ape- seus descendentes. Por centenas de
nas eram dotadas de grande força anos, existiram sete gerações vi-
física e mental, mas tinham vanta- vendo na terra ao mesmo tempo,
gens incomparáveis. Suas faculda- aproveitando entre si o conheci-
des mentais se desenvolviam muito mento e a experiência de todas elas.
46 Os Escolhidos
Longe de ser uma era de trevas O Primeiro Homem
religiosas, foi uma época de grande que Nunca Morreu
luz. Todo o mundo teve a oportuni- Enoque viveu 65 anos e gerou
dade de receber a instrução de Adão. um filho. Depois disso, andou com
Aqueles que temiam ao Senhor ti- Deus por trezentos anos. Ele era um
nham não só a Cristo, mas tam- dos que preservavam a verdadeira
bém os anjos como seus instrutores. fé, os antepassados da Semente
Tiveram uma testemunha silen- prometida. Dos lábios de Adão, ele
ciosa da verdade, o jardim de Deus, aprendeu a respeito da história da
que por muitos séculos permaneceu queda e da graça de Deus, conforme
na Terra. O Éden permanecia bem à revelado na promessa, e confiou na
vista, com sua entrada vedada por vinda do Redentor no futuro.
anjos que a vigiavam. O objetivo do Depois do nascimento de seu
jardim e a história das suas duas primeiro filho, Enoque alcançou
árvores eram fatos indiscutíveis. uma experiência mais elevada.
A existência e suprema autoridade Quando viu o amor do filho por
de Deus eram verdades que as pes- seu pai, sua confiança pura em sua
soas demoraram a questionar en- proteção, ao sentir a profunda ter-
quanto Adão estava entre eles. nura de seu coração por aquele pri-
Apesar da iniquidade que pre- meiro filho, ele entendeu uma lição
valecia, uma linhagem de homens preciosa sobre o maravilhoso amor
santos, seguidores de Deus, viviam de Deus no dom de Seu Filho. O in-
como que na companhia do Céu – finito amor de Deus demonstrado
pessoas com inteligência excepcio- em Cristo acabou se tornando o
nal e talentos maravilhosos. Eles tema de suas meditações, de dia e
tinham uma sagrada missão – de- de noite. Enoque procurou revelar
senvolver um caráter de justiça para esse amor ao povo ao seu redor.
ensinar a lição da santidade, tanto Para ele, andar com Deus não
às pessoas de seu tempo, quanto às era uma forma de arrebatamento
futuras gerações. Apenas poucos ou visão, mas ocorria em todas as
são mencionados na Bíblia, mas atividades da vida diária. Como es-
em todas as épocas Deus teve tes- poso e pai, amigo, cidadão, ele de-
temunhas fiéis, adoradores de cora- monstrava ser um servo inabalável
ção sincero. do Senhor.
Homens Fiéis a Deus 47

Seu coração estava em harmonia de Cristo e de Sua vinda em glória,


com a vontade de Deus; pois “duas acompanhado de todos os santos
pessoas andarão juntas se não es- anjos. Viu também o estado de cor-
tiverem de acordo?” (Am 3:3). Con- rupção do mundo quando Cristo
tinuou a andar de maneira santa viesse pela segunda vez – que ha-
por mais trezentos anos. Sua fé veria uma geração orgulhosa, pre-
se tornava cada vez mais forte, e potente, voluntariosa, que pisava a
maior era o seu amor, com o passar lei e desprezava a obra expiatória.
dos séculos. Ele viu os justos coroados de glória
Enoque era um homem de grande e honra e os ímpios sendo destruí-
conhecimento, honrado com as re- dos pelo fogo.
velações especiais vindas de Deus. Enoque se tornou um pregador
Apesar disso, foi um dos homens da justiça e transmitia as mensa-
mais humildes. Assim ele perma- gens enviadas por Deus a todos os
necia diante do Senhor. Para ele, a que as desejassem ouvir. Na terra
oração era tão importante quanto em que Caim procurou fugir da
a respiração; ele vivia na própria at- presença divina, o profeta relatava
mosfera do Céu. maravilhosas cenas que lhe foram
Por meio dos santos anjos, Deus mostradas em visão. “Vejam”, dizia
revelou a Enoque não apenas o Seu ele, “o Senhor vem com milhares de
propósito de destruir o mundo por milhares de Seus santos, para julgar
um dilúvio, mas também o plano da a todos e convencer todos os ímpios
redenção de uma forma mais ampla, a respeito de todos os atos de impie-
mostrando a ele os grandes acon- dade” (Jd 14, 15).
tecimentos relacionados à segunda Enquanto ele pregava o amor de
vinda de Cristo e ao fim do mundo. Deus em Cristo, reprovava os peca-
Ele não conseguia entender a dos que prevaleciam e advertia que
questão dos mortos. Ele achava o juízo certamente viria sobre o
que tanto os justos como os ímpios transgressor. Não são somente coi-
voltariam ao pó da mesma forma e sas agradáveis que são faladas por
que esse seria o seu fim. Não con- homens santos. Deus coloca nos lá-
seguia ver a vida do justo além do bios de Seus mensageiros verda-
túmulo. Em visão profética, Enoque des que são penetrantes e incisivas
foi instruído a respeito da morte como uma espada de dois gumes.
48 Os Escolhidos
Alguns davam ouvidos às men- Trasladado para o Céu
sagens de advertência, mas as mul- As pessoas daquela geração zom-
tidões seguiam mais ousadamente bavam de Enoque porque ele não
em seus maus caminhos. Assim procurava juntar riquezas neste
também, a última geração zombará mundo. O coração dele estava nos
das advertências dos mensageiros tesouros eternos. Ele viu o Rei em
do Senhor. Sua glória no meio da cidade de Sião.
Em meio a uma vida de muito Tanto a mente quanto o coração e
trabalho, Enoque manteve firme- o estilo de vida de Enoque estavam
mente sua comunhão com Deus. nas coisas celestiais. Quanto maior
Após permanecer por algum tempo era a iniquidade existente, maior era
entre o povo, ele se retirava para ficar o seu anseio pelo lar celestial.
a sós, para saciar a sede e a fome que Por trezentos anos, Enoque
tinha do conhecimento divino. Por andou com Deus. Dia a dia, alme-
viver em constante comunhão com java uma união mais íntima; cada
Deus, Enoque refletia mais e mais a vez mais próximo ficava o seu rela-
imagem divina. Seu rosto brilhava cionamento até que Deus o tomou
com a luz que resplandece no sem- para Si. Depois de andar tanto
blante de Jesus. tempo com Deus na Terra, ele con-
Ao se passarem os anos, a maré da tinuou essa caminhada e passou
transgressão humana avançava cada pelos portais da Cidade Santa –
vez mais, e mais negras se tornavam o primeiro entre os habitantes da
as nuvens do juízo divino. Mesmo Terra a entrar lá.
assim, Enoque continuava em seu ca- Sua falta foi sentida na Terra.
minho, advertindo, apelando, supli- Alguns, tanto justos como ím-
cando e se esforçando para que essa pios, testemunharam sua partida.
tendência regredisse. Embora seus Aqueles que o amavam, procuraram
apelos fossem ignorados por aquele muito por ele, mas sem resultado.
povo pecador e amante dos prazeres, Para eles, Enoque não “foi encon-
Enoque tinha a certeza da aprovação trado” porque Deus o tinha levado.
de Deus. Continuou a lutar contra Pela trasladação de Enoque, o
o mal até que Deus o retirou deste Senhor desejava ensinar uma im-
mundo de pecado e o levou para as portante lição. Havia o perigo de ho-
puras alegrias do Céu. mens e mulheres se desanimarem
Homens Fiéis a Deus 49

por causa dos terríveis resultados de modo que não experimentou a


do pecado de Adão. Muitos estavam morte; […] pois, antes de ser arre-
prontos a clamar: “O que ganhamos batado recebeu testemunho de que
por termos temido ao Senhor e ob- tinha agradado a Deus” (Hb 11:5).
servado as Suas leis, sendo que uma O caráter piedoso desse profeta
pesada maldição recaiu sobre a raça representa o estado de santidade
humana, e a morte será o fim de que deve ser alcançado por aque-
todos nós?” Satanás estava estimu- les que serão “comprados da Terra”
lando a crença de que não há recom- (Ap 14:3) por ocasião da segunda
pensa para os justos nem punição vinda de Cristo. O pecado vai pre-
para os ímpios e que era impossí- valecer, assim como aconteceu no
vel para os seres humanos obede- mundo antes do dilúvio, Muitos
cer aos preceitos divinos. No caso vão se rebelar contra a autoridade
de Enoque, Deus queria mostrar o do Céu. Como Enoque, o povo de
que Ele sempre vai fazer pelos que Deus buscará a pureza de coração,
guardam os Seus mandamentos. As vivendo de acordo com a Sua von-
pessoas eram ensinadas que é possí- tade até que esses justos reflitam
vel obedecer à lei de Deus, que eram a semelhança com Cristo. Vão ad-
capazes de, por Sua graça, resistir vertir o mundo quanto à segunda
à tentação e se tornarem puros e vinda do Senhor e, por seu exem-
santos. A trasladação de Enoque plo de santidade, condenarão os pe-
foi uma prova da veracidade de cados dos infiéis. Da mesma forma
sua profecia a respeito do futuro, como Enoque foi trasladado para
com sua recompensa de vida imor- o Céu, os justos vivos serão tras-
tal para os que forem obedientes e ladados antes da destruição da
de condenação para o transgressor. Terra pelo fogo (ver 1Co 15:51, 52;
“Pela fé Enoque foi arrebatado, 1Ts 4:16-18).
7
*
Destruído pela Água
N os dias de Noé, uma
dupla maldição repou-
sava sobre a Terra, como resultado
sabedoria, hábeis em imaginar as
obras mais engenhosas e extraordi-
nárias; porém, permitiram que sua
do pecado de Adão e do assassinato vida de pecado não tivesse limites.
cometido por Caim. Ainda assim, a Deus havia concedido dons es-
Terra era bela. As colinas eram co- peciais a esses antediluvianos, mas
roadas com árvores majestosas; as eles usaram Sua generosidade para a
planícies exalavam a doce fragrân- exaltação própria, transformando-
cia de milhares de flores. Os frutos os em maldição ao colocarem suas
da Terra eram de uma imensa va- afeições nos dons e não no Doador.
riedade, quase sem limite. As ár- Procuravam se superar uns aos ou-
vores ultrapassavam em tamanho tros na ornamentação e decoração
e perfeita proporção a qualquer de suas moradas com a mais habi-
uma que hoje exista. Sua madeira lidosa mão de obra. Deleitavam-se
era nobre, tão dura quanto pedra, e em cenas de prazer e perversidade.
quase com a mesma durabilidade. Não desejavam conhecer nada mais
O ouro, a prata e as pedras precio- a respeito de Deus e logo passaram a
sas existiam em abundância. negar Sua existência. Glorificavam
A raça humana ainda conser- o gênio humano, adoravam as obras
vava grande parte do vigor que das próprias mãos e ensinavam os
tinha no princípio. Havia mui- filhos a se curvarem diante das ima-
tos gigantes, reconhecidos por sua gens de escultura criadas por eles.
* Este capítulo é baseado em Gênesis 6 e 7.
Destruído pela Água 51

O salmista descreve os efeitos Como resultado, o crime e o sofri-


produzidos no adorador por prestar mento aumentaram rapidamente.
culto aos ídolos: “Tornem-se como Nem o casamento nem os direitos
eles aqueles que os fazem e todos de propriedade eram respeitados.
os que neles confiam” (Sl 115:8). Os homens se divertiam com a vio-
É uma lei do espírito humano que lência. Sentiam prazer em destruir
pela contemplação somos transfor- os animais. O uso da carne como ali-
mados. Se a mente nunca se eleva mento fazia com que eles se tornas-
acima do nível da humanidade, se sem ainda mais sedentos de sangue.
não é levada a contemplar a sabedo- Assim, acabaram desprezando total-
ria e o amor infinitos, o ser humano mente até mesmo a vida humana.
decairá constantemente, e cada vez O mundo estava em sua infância,
mais e mais baixo. “O Senhor viu mas a maldade havia se espalhado
que a perversidade do homem tinha tanto que Deus disse: “Farei desa-
aumentado na Terra e que toda a in- parecer da face da Terra o homem
clinação dos pensamentos do seu que criei” (Gn 6:7). Ele declarou que
coração era sempre e somente para Seu Espírito não ficaria brigando
o mal. […] Ora, a Terra estava cor- para sempre com a raça culpada. Se
rompida aos olhos de Deus e cheia não parassem de pecar, Ele os elimi-
de violência” (Gn 6:5, 11). Sua lei era naria da Sua criação; destruiria os
transgredida, e o resultado foi a prá- animais e a vegetação que fornecia
tica de todo pecado que se podia abundante provisão de alimento, e
imaginar. A justiça foi lançada ao transformaria a linda Terra em um
pó e os clamores dos oprimidos al- vasto cenário de destruição.
cançaram o Céu.
Um Barco Preserva a Vida
Indiferença para com Cento e vinte anos antes do di-
a Vida Humana lúvio, o Senhor revelou a Noé o Seu
A poligamia começou a ser prati- plano e orientou-o a construir uma
cada logo no início, embora fosse con- arca. Noé precisava contar a todos
trária ao plano de Deus. Apesar de que Deus iria trazer um dilúvio de
Deus ter dado uma só esposa a Adão, águas sobre a Terra. Aqueles que acre-
as pessoas decidiram seguir seus de- ditassem na mensagem e se prepa-
sejos pecaminosos após a queda. rassem, por meio do arrependimento
52 Os Escolhidos
e reforma de sua vida, receberiam o “Pela fé Noé, quando avisado a
perdão e seriam salvos. Matusalém e respeito de coisas que ainda não se
seus filhos, que viveram para ouvir a viam, movido por santo temor, cons-
pregação de Noé, ajudaram na cons- truiu uma arca para salvar sua famí-
trução da arca. lia. Por meio da fé ele condenou o
Deus deu a Noé as dimensões mundo e tornou-se herdeiro da jus-
exatas da arca e o instruiu sobre tiça que é segundo a fé” (Hb 11:7).
como construí-la. A sabedoria hu- Enquanto Noé pregava a mensa-
mana não poderia ter idealizado gem de advertência, sua fé era aper-
uma estrutura tão resistente e du- feiçoada e se tornou evidente, um
rável. Deus foi o Arquiteto e Noé exemplo daquele que crê exata-
o construtor-mestre. A arca tinha mente no que Deus diz. Tudo o que
três andares de altura com ape- ele tinha foi empregado na arca.
nas uma porta em um dos lados. Ao começar a construir aquele
A entrada de luz era por cima, e imenso barco, multidões vinham de
os diversos compartimentos esta- todas as direções para ver a estranha
vam dispostos de tal maneira que cena e ouvir as fervorosas palavras
todos eram iluminados. O mate- do pregador.
rial empregado era a madeira de No início, muitos apareciam
cipreste de Gofer, resistente ao apo- para ouvir a mensagem que estava
drecimento por centenas de anos. sendo pregada; porém, não se vol-
A construção dessa imensa estru- taram para Deus em verdadeiro
tura foi um processo bastante lento. arrependimento. Vencidos pela in-
Por causa do tamanho das árvores credulidade que predominava, eles
e da qualidade da madeira, foi exi- se uniram aos seus antigos compa-
gido muito mais trabalho naquela nheiros, rejeitando a mensagem so-
época que nos dias de hoje para pre- lene. Alguns ficaram convencidos e
pará-la. Tudo o que era possível ao teriam atendido ao apelo, mas eram
homem fazer foi feito para a rea- tantos os que zombavam de Noé
lização de um trabalho perfeito. que acabaram entrando no mesmo
Mesmo assim, a arca, por si mesma, espírito, resistiram aos convites de
não era capaz de resistir à tempes- misericórdia e logo se encontraram
tade. Somente Deus poderia preser- entre os mais ousados zombadores.
var Seus servos da fúria das águas. Ninguém vai tão longe no pecado
Destruído pela Água 53

como aqueles que já receberam uma Noé, porém, permanecia como


vez a luz, mas resistiram ao convin- uma rocha em meio à tempestade.
cente Espírito de Deus. A ligação com Deus fez com que ele
Nem todas as pessoas daquela ficasse mais forte ainda na força
geração foram idólatras. Muitos do Poder infinito. Durante cento e
afirmavam ser adoradores de Deus. vinte anos, sua voz solene soou aos
Alegavam que seus ídolos eram re- ouvidos daquela geração, adver-
presentações da Divindade e que, tindo a respeito dos acontecimen-
por meio deles, podiam obter uma tos que, de acordo com a sabedoria
concepção mais clara do Ser divino. humana, eram impossíveis.
Essas pessoas eram as principais a Até então, nunca havia chovido;
rejeitar a pregação de Noé e, final- a terra era regada por uma neblina
mente, declararam que a lei divina ou orvalho. Os rios nunca passavam
não estava mais em vigor, que era dos seus limites e levavam com se-
contrário ao caráter de Deus punir a gurança as suas águas para o mar.
desobediência. Tinham a mente tão Deus fixou leis que impediam as
cegada pela rejeição que realmente águas de transbordar para além de
acreditavam que a mensagem de suas margens (ver Jó 38:11).
Noé não passava de uma ilusão. O tempo foi passando, mas o co-
O mundo tinha se posicionado ração das pessoas, que era muitas
contra a justiça de Deus e Suas leis, vezes tomado pelo medo, começou
e Noé era considerado um fanático. a ficar tranquilo. Eles achavam que
Grandes homens – mundanos, a natureza estava acima do Deus da
honrados e também os sábios – di- natureza. Se a mensagem de Noé es-
ziam: “As ameaças de Deus são ape- tivesse correta, a natureza teria que
nas para nos intimidar e nunca vão se desviar de seu curso. Mostraram
se cumprir. A destruição do mundo desprezo pelos avisos de Deus ao
e a punição dos seres que Ele criou continuar fazendo tudo o que fa-
nunca vão acontecer pelas mãos do ziam antes de receberem as adver-
Criador. Não tenham medo, Noé é tências. Continuaram com suas
um fanático perturbado.” Eles conti- festas e banquetes de glutonarias.
nuaram em sua desobediência e im- Comiam e bebiam, plantavam e
piedade, como se Deus não tivesse construíam, fazendo planos para o
falado por meio de Seu servo. futuro. Afirmavam que, se houvesse
54 Os Escolhidos
qualquer verdade no que Noé dizia, arca, você e toda a sua família, por-
pessoas de renome – os sábios, os que você é o único justo que encon-
que eram mais prudentes e os gran- trei nesta geração” (Gn 7:1). A sua
des homens – estariam a par do que influência e exemplo resultaram em
estava acontecendo. bênçãos. Deus salvou com ele todos
O tempo de graça estava para os membros de sua família.
terminar. A arca estava concluída,
do jeito que o Senhor tinha deter- Um Anjo Fecha a Porta
minado, e nela foram armazenados Os animais do campo e as aves
alimentos para homens e animais. do céu tinham entrado na arca para
Então o servo de Deus fez seu úl- se refugiarem. Noé e sua família
timo e solene apelo ao povo. Noé estavam dentro da arca, “então o
implorou que buscassem refúgio Senhor fechou a porta” (Gn 7:16).
enquanto ainda havia tempo. Mais A porta era tão pesada que era im-
uma vez, eles rejeitaram suas pala- possível ser fechada pelos que esta-
vras e gritaram em zombaria. vam dentro da arca. Mãos invisíveis
De repente, animais de todas as giraram a porta vagarosamente
espécies foram vistos saindo das para o seu lugar. Noé foi fechado
montanhas e das florestas. Eles ca- lá dentro, e aqueles que rejeitaram
minhavam em silêncio até a arca. a misericórdia de Deus ficaram do
As aves saíram em revoada de todas lado de fora. Assim também será
as direções e, em perfeita ordem, en- fechada a porta da misericórdia
traram na arca. Com Noé, os ani- quando Cristo cessar Sua obra de
mais “entraram na arca” (Gn 7:9) de intercessão em favor dos pecado-
dois em dois, e os animais limpos, res, antes de Sua vinda nas nuvens
sete pares de cada espécie. Filósofos do céu. A partir daí, a graça divina
foram chamados para explicar esse não vai mais conter os ímpios, e
acontecimento tão singular. A raça Satanás terá pleno domínio sobre
condenada procurava banir seus aqueles que rejeitaram a misericór-
crescentes temores com diverti- dia divina. Eles vão tentar destruir
mentos ruidosos, parecendo convi- o povo de Deus; mas, assim como
dar sobre eles o castigo da ira divina Noé foi fechado dentro da arca, os
que já tinha despertado. justos também estarão protegidos
Deus ordenou a Noé: “Entre na pelo poder divino.
Destruído pela Água 55

Depois que Noé e sua família Primeiro as pessoas viram seus


entraram na arca, durante sete dias esplêndidos edifícios e os lindos
não houve sinal algum de que cai- jardins e bosques onde haviam co-
ria uma tempestade. Nesse período, locado seus ídolos serem destruí-
sua fé foi provada. Foi um tempo de dos pelos raios que caíam do céu.
triunfo para o mundo lá fora. As pes- Altares onde haviam sido oferecidos
soas ainda zombavam das manifes- sacrifícios humanos eram derruba-
tações do poder de Deus. Multidões dos e os adoradores estremeciam
se reuniam ao redor da arca. Elas diante do poder do Deus vivo.
se divertiam e debochavam daque- A violência da tempestade foi
les que estavam lá dentro, com uma aumentando cada vez mais. O ter-
coragem e arrogância que jamais ti- ror das pessoas e dos animais era
nham demonstrado antes. indescritível. Acima do rugido da
No oitavo dia, nuvens negras se tormenta, era possível ouvir os la-
espalharam pelo céu. Relâmpagos mentos de homens e mulheres que
riscavam o céu, seguidos do baru- haviam desprezado a autoridade
lho assustador dos trovões. Logo, pe- de Deus. O próprio Satanás, que
sadas gotas de chuva começaram a foi obrigado a permanecer entre
cair. O mundo nunca tinha testemu- os elementos em fúria, temeu por
nhado nada parecido, e o coração das sua vida. Ele pronunciava maldi-
pessoas foi tomado pelo medo. Todos ções contra Deus, acusando-O de
se perguntavam: “Será que Noé es- injustiça. Muitos, como Satanás,
tava certo e o mundo está condenado blasfemavam contra Deus. Outros,
à destruição?” Os animais vaguea- em pânico diante do terror, esten-
vam desesperados, de um lado para dendo as mãos para a arca, implora-
outro, no mais intenso terror. Então vam a Noé para que ele os deixasse
“as fontes das grandes profundezas entrar. Finalmente sua consciência
jorraram, e as comportas do céu se havia sido despertada para enten-
abriram” (Gn 7:11). As nuvens trans- derem que há um Deus que governa
bordavam como se fossem podero- nos Céus.
sas cataratas. Os rios ultrapassaram Chamaram pelo Criador com
seus limites e inundaram os vales. todas as suas forças, mas os ouvi-
Jatos de água irrompiam da terra dos dEle não estavam mais aber-
com força indescritível. tos para ouvir seu clamor. Naquela
56 Os Escolhidos
hora terrível, perceberam que a homens e animais lutando entre si
transgressão da lei de Deus havia por um lugar mais alto, onde pudes-
determinado a ruína deles. Mesmo sem firmar os pés, até serem arras-
assim, não se humilharam, não se tados pelas águas.
entristeceram nem sentiram qual- Dos picos mais altos, pessoas
quer aversão pelo mal. Teriam desa- em desespero olhavam para um
fiado novamente o Céu caso o juízo oceano sem praias. As solenes ad-
tivesse sido removido. vertências do servo de Deus não
Alguns se agarraram à arca até mais pareciam motivo de zomba-
serem levados pelas águas revoltas, ria. Aqueles pecadores condenados
ou o local onde se apoiavam se des- suplicavam por mais uma hora de
prendeu ao colidir com as rochas e graça, mais um apelo que viesse
árvores. A pesada arca estremecia dos lábios de Noé! Era preciso que
em cada fibra ao ser chacoalhada o amor em forma de justiça divina
por fortes ventos. Os gritos dos pusesse um fim ao pecado. Os zom-
animais dentro dela exprimiam o badores de Deus morreram na es-
medo e a dor por que estavam pas- curidão das profundezas.
sando. Mesmo assim, a arca conti-
nuou a flutuar em segurança. Anjos As Condições Antes
foram enviados para guardá-la. do Dilúvio
Alguns pais amarraram seus fi- Os pecados que clamaram por
lhos e a si mesmos em cima de gran- vingança sobre o mundo ante-
des animais, porque sabiam que estes diluviano também existem hoje.
se apegariam ao máximo à vida e su- O temor de Deus foi banido do co-
biriam aos lugares mais altos para es- ração humano. Sua lei é tratada com
capar das águas que subiam mais e indiferença e desprezo. “Pois nos
mais. Outros se amarravam às mais dias anteriores ao dilúvio, o povo
altas árvores no topo das colinas ou vivia comendo e bebendo, casando-
montanhas, mas as árvores eram ar- se e dando-se em casamento, até o
rancadas desde a raiz e arremessa- dia em que Noé entrou na arca; e
das para dentro das ondas. À medida eles nada perceberam, até que veio
que as águas subiam, o povo fugia o dilúvio e os levou a todos. Assim
em busca de refúgio nas montanhas acontecerá na vinda do Filho do
mais altas. A todo momento havia homem” (Mt 24:38, 39). Deus não
Destruído pela Água 57

condenou a geração antediluviana ter se extinguido. Essas atrocidades


por comer e beber. Deu a eles os fru- se tornam tão comuns que quase
tos da terra em grande abundância não provocam surpresa. O ímpeto
para suprir suas necessidades físi- das paixões e da ilegalidade, uma vez
cas. O seu pecado foi usar esses dons fora de controle, vão encher a Terra
sem demonstrar gratidão para com de maldição e desolação. O mundo
o Doador, satisfazendo o apetite antediluviano representa a condi-
sem restrições. Era lícito se casarem. ção para a qual se encaminha rapi-
Ele deu instruções especiais sobre damente a sociedade moderna.
esse relacionamento, revestindo-o Deus enviou Noé para advertir o
de santidade e beleza. No entanto, o mundo a fim de que o povo pudesse
casamento foi pervertido para que ser levado ao arrependimento e es-
servisse às paixões. capasse da ameaça de destruição. Ao
se aproximar o tempo da segunda
Condições Semelhantes Hoje vinda de Cristo, o Senhor enviará
Uma condição semelhante existe Seus servos com uma mensagem de
hoje. O apetite é satisfeito sem restri- advertência ao mundo para que este
ções. Mesmo alguns dos que dizem se prepare para esse grande aconte-
ser seguidores de Cristo estão co- cimento. Multidões vivem transgre-
mendo e bebendo com os ímpios. dindo a lei de Deus, e agora, em Sua
A intemperança amortece as facul- misericórdia, Ele os convida a obe-
dades morais e espirituais, levando decer aos Seus sagrados mandamen-
à satisfação das paixões mais bai- tos. O perdão é oferecido a todos os
xas. Multidões se tornam escravas que abandonarem os seus pecados,
da imoralidade e vivem apenas para por meio do arrependimento e fé em
os prazeres sensuais. A extravagân- Cristo. Muitos, porém, ainda rejei-
cia invade a sociedade. As pessoas tam Suas advertências e negam a au-
sacrificam a integridade pelo luxo e toridade da Sua lei.
ostentação. A fraude, o suborno e o De toda a vasta população exis-
roubo são praticados normalmente tente na Terra antes do dilúvio,
sem serem repreendidos. A mídia apenas oito pessoas creram e obe-
traz relatos de crimes cometidos com deceram à Palavra de Deus dada
tanto sangue-frio que o instinto de por meio de Noé. Assim, antes que
preservação da vida humana parece o Legislador venha para punir os
58 Os Escolhidos
desobedientes, os pecadores serão estímulos sensuais impede que as
aconselhados a se arrepender; mas a pessoas sejam impressionadas com
maioria não dará ouvidos a essas as únicas verdades que podem salvá-
advertências. “Antes de tudo saibam las da destruição vindoura.
que, nos últimos dias, surgirão escar- Nos dias de Noé, os filósofos
necedores zombando e seguindo suas declaravam que era impossível o
próprias paixões. Eles dirão: ‘O que mundo ser destruído pela água. Da
houve com a promessa da Sua vinda? mesma forma, hoje, mentes cientí-
Desde que os antepassados morre- ficas tentam mostrar que o mundo
ram, tudo continua como desde o não pode ser destruído pelo fogo.
princípio da criação’” (2Pe 3:3, 4). Quando todos consideraram a profe-
Jesus fez a significativa per- cia de Noé uma ilusão, havia chegado
gunta: “Quando o Filho do homem o tempo de Deus agir. O Legislador é
vier, encontrará fé na Terra?” maior que as leis da natureza. “Assim
(Lc 18:8). “O Espírito diz claramente como foi nos dias de Noé, […] acon-
que nos últimos tempos alguns tecerá exatamente assim no dia em
abandonarão a fé e seguirão espíri- que o Filho do homem for revelado”
tos enganadores e doutrinas de de- (Lc 17:26, 30). “O dia do Senhor,
mônios” (1Tm 4:1) “Saiba disto: nos porém, virá como ladrão. Os céus
últimos dias sobrevirão tempos ter- desaparecerão com um grande es-
ríveis” (2Tm 3:1). trondo […], e a Terra, e tudo o que
nela há, será desnudada” (2Pe 3:10).
Quando a Porta da Graça Quando os líderes religiosos
Se Fechar apontarem para um futuro de lon-
Quando o tempo para a sua sal- gas eras de paz e prosperidade, e o
vação estava chegando ao fim, os mundo estiver absorvido em plan-
antediluvianos se entregaram às tar e edificar, em banquetes e diver-
festas e aos divertimentos mais em- timentos, rejeitando as advertências
polgantes, preenchendo a vida com de Deus e zombando de Seus men-
alegria e prazer. Em nossos dias, sageiros – então é que “a destruição
o mundo está absorvido na busca virá sobre eles de repente, […] e de
do prazer. Um ciclo constante de modo nenhum escaparão” (1Ts 5:3).
8
*
Um Novo Começo
A s águas ultrapassaram
as montanhas mais
altas. O barco foi lançado de um
o topo das montanhas começou a
aparecer, eles enviaram um corvo
para descobrir se havia terra seca.
lado para outro por cinco longos A ave, não encontrando nada a não
meses. A família que estava na arca ser água, continuou a voar, indo e
pensava que não sobreviveria. Foi voltando para a arca. Sete dias de-
uma prova severa, mas Noé não pois, foi enviada uma pomba. Ela
teve a sua fé abalada. não encontrou onde pousar e retor-
Quando as águas começaram a nou para a arca. Noé esperou mais
baixar, o Senhor fez com que a arca sete dias e soltou a pomba nova-
flutuasse até chegar a um lugar se- mente. Quando ela voltou no fim
guro entre as montanhas que ti- da tarde com uma folha de oliveira
nham sido preservadas por Seu no bico, houve grande alegria. Com
poder. Essas montanhas estavam muita paciência, Noé esperou por
a pouca distância umas das outras, mais sete dias e aguardou por ins-
e a arca flutuou até esse local tran- truções especiais para deixar a arca.
quilo. Isso trouxe grande alívio aos Finalmente um anjo abriu a pe-
viajantes cansados de serem arras- sada porta e disse ao patriarca e sua
tados pela tempestade. família que saíssem para a terra
Noé e sua família esperavam an- firme e levassem com eles todos
siosamente sair e pisar na terra no- os animais. Noé não se esqueceu
vamente. Quarenta dias depois que dAquele que os havia preservado
* Este capítulo é baseado em Gênesis 7:20-9:7.
60 Os Escolhidos
por meio de Seu amorável cuidado. a Terra. […] O Meu arco que colo-
Seu primeiro ato foi construir um quei nas nuvens. Será o sinal da
altar e oferecer sacrifício, expres- Minha aliança com a Terra. Quando
sando assim sua gratidão a Deus Eu trouxer nuvens sobre a Terra e
pelo livramento e sua fé em Cristo, nelas aparecer o arco-íris, então Me
o grande sacrifício. Essa oferta lembrarei da Minha aliança com
foi agradável ao Senhor e trouxe vocês e com os seres vivos de todas
bênçãos não só a Noé e sua famí- as espécies [...] que vivem na Terra”
lia, mas a todos os que vivessem (Gn 9:11-16).
sobre a Terra. “O Senhor […] disse A generosidade de Deus e a Sua
a Si mesmo: ‘Nunca mais amaldi- compaixão para com as Suas cria-
çoarei a terra por causa do homem turas é muito grande! Isso não
[…]. Enquanto durar a terra, plan- quer dizer que Deus jamais Se es-
tio e colheita, frio e calor, verão e in- queceria, mas Ele fala em uma lin-
verno, dia e noite jamais cessarão’” guagem que podemos entender.
(Gn 8:21, 22). Noé saiu para uma Quando os filhos perguntassem o
terra desolada; mas antes de fazer significado do arco que aparece no
uma casa para si mesmo, construiu céu, os pais deveriam repetir a his-
um altar para Deus. Ele tinha muito tória do dilúvio e dizer a eles que
pouco gado; mesmo assim, ofereceu o próprio Deus o colocou nas nu-
alegremente uma parte ao Senhor, vens como uma promessa de que
como reconhecimento de que tudo as águas nunca mais inundariam a
era dEle. Da mesma forma, nós de- Terra novamente. Assim, cada gera-
vemos reconhecer Sua misericórdia ção testificaria do amor divino pela
para conosco, dedicando nossa de- humanidade e a confiança em Deus
voção e ofertas à Sua causa. seria fortalecida.
No Céu, algo parecido com um
Sinal da Bondade de Deus arco-íris circunda o trono de Deus
Para que as pessoas não temes- e forma um arco sobre a cabeça de
sem a vinda de outro dilúvio, o Cristo (Ez 1:28; Ap 4:2, 3). Quando
Senhor fez uma promessa que ani- a grande impiedade do homem atrai
mou a família de Noé: “Estabeleço os juízos divinos, o Salvador inter-
uma aliança com vocês: […] nunca cede junto ao Pai, apontando para o
mais haverá dilúvio para destruir arco nas nuvens, para o arco-íris ao
Um Novo Começo 61

redor do trono, como um sinal de Toda a superfície da Terra foi


Sua misericórdia para com o peca- modificada pelo dilúvio. Em todos
dor arrependido. os lugares havia corpos mortos
“É como os dias de Noé, quando sobre a terra. O Senhor não pode-
jurei que as águas de Noé nunca mais ria permitir que ficassem se decom-
tornariam a cobrir a Terra. De modo pondo e contaminando o ar. Um
que agora jurei não ficar irado con- vento forte, que soprou para fazer
tra você, nem tornar a repreendê- as águas secarem, removeu-os com
la. […] Minha fidelidade para com grande força. Em alguns casos, o
você não será abalada, nem será re- vento carregou até os cumes das
movida a Minha aliança de paz’, montanhas, amontoando árvores,
diz o Senhor, que tem compaixão pedras e terra sobre os corpos mor-
de você” (Is 54:9, 10). tos. Dessa mesma forma, a prata e
Quando Noé viu os poderosos o ouro, madeiras de qualidade e
animais selvagens saindo da arca, pedras preciosas, que tinham en-
ele temeu, mas o Senhor enviou um riquecido o mundo antes do dilú-
anjo com a mensagem para lhe dar vio, ficaram ocultos. A violenta ação
segurança: “Todos os animais da das águas acumulou terra e rochas
Terra tremerão de medo diante de sobre esses tesouros, formando
vocês: os animais selvagens, as aves montanhas sobre eles. Deus viu que
do céu, as criaturas que se movem quanto mais Ele fazia homens peca-
rente ao chão e os peixes do mar; dores prosperarem e enriquecerem,
eles estão entregues em suas mãos. mais eles corrompiam os seus cami-
Tudo o que vive e se move servirá nhos diante dEle.
de alimento para vocês. Assim como As montanhas, que antes eram
lhes dei os vegetais, agora lhes dou tão bonitas, passaram a ser ín-
todas as coisas” (Gn 9:2, 3). gremes e irregulares. Rochas aci-
Antes desse tempo, Deus não dentadas e pontiagudas estavam
havia permitido que o homem co- espalhadas por toda a face da
messe alimentos animais; mas Terra. Onde antes estavam os te-
agora que toda erva verde tinha sido souros mais ricos de ouro, prata e
destruída, ele permitiu que comes- pedras preciosas eram vistas as mar-
sem a carne dos animais limpos que cas mais pesadas da maldição. A de-
haviam sido preservados na arca. vastação atingiu mais levemente os
62 Os Escolhidos
territórios que não eram habitados e toda parte haverá terríveis terremo-
onde o número de crimes era menor. tos e erupções.
Quando Jesus voltar, serão vis- Deus destruirá os ímpios da
tas manifestações mais terríveis Terra. Os justos, porém, serão pre-
ainda e que o mundo jamais viu. servados assim como Noé foi guar-
As montanhas arderão como for- dado na arca. Diz o salmista: “Se
nalha e derramarão correntes de você fizer do Altíssimo o seu abrigo,
lavas ao se unirem os raios do céu do Senhor o seu refúgio, nenhum
com o fogo da Terra, destruindo jar- mal o atingirá” (Sl 91:9, 10; ver tam-
dins e campos, vilas e cidades. Por bém verso 14 e Sl 27:5).
9
O Início da Semana Literal
A ssim como o sábado, a se-
mana teve a sua origem
na criação e foi preservada ao longo
dia, devemos deixar o trabalho de
lado para comemorar o descanso
do Criador.
da história bíblica. O próprio Deus O ensino de que foram neces-
determinou qual seria a extensão sários milhares de anos para que
da primeira semana. Era constituída os acontecimentos da primeira se-
por seis dias literais, de 24 horas. Seis mana da criação passassem a exis-
dias foram empregados na obra da tir é uma prova de incredulidade
criação. No sétimo dia, Deus descan- em sua forma mais falsa e peri-
sou, e então o separou como dia de gosa. Seu verdadeiro caráter está
descanso para o homem. “Lembra-te tão disfarçado que é defendido e en-
do dia do sábado para santificá-lo. […] sinado por muitos que professam
Pois em seis dias o Senhor fez os céus crer na Bíblia. “Mediante a palavra
e a Terra, o mar e tudo o que neles do Senhor foram feitos os céus, e
existe, mas no sétimo dia descansou. os corpos celestes, pelo sopro da
Portanto, o Senhor abençoou o sé- Sua boca” (Sl 33:6). A Bíblia não re-
timo dia e o santificou” (Êx 20:8, 11). conhece que houve longas eras em
Essa parece ser uma boa razão, que a Terra evoluiu lentamente do
e bastante convincente também, caos em que se achava. Para cada dia
quando entendemos os dias da que se sucedeu na criação, o regis-
criação como dias literais. Os pri- tro sagrado declara que consistiu de
meiros seis dias da semana nos são tarde e manhã, como todos os ou-
dados para o trabalho. No sétimo tros dias que se seguiram.
64 Os Escolhidos
Os geólogos alegam ter provas Deus que a descoberta dessas coisas
de que a Terra é muito mais antiga firmasse a fé na história inspirada.
do que a Bíblia ensina. Foram desco- Mesmo assim, muitos hoje, com seus
bertos ossos de homens e animais, falsos raciocínios, caem no mesmo
muito maiores do que qualquer um erro que os povos antediluvianos –
existente hoje; com isso, muitos as coisas que Deus deu a eles como
concluem que a Terra foi povoada benefício, eles transformaram em
durante longas eras antes do tempo maldição ao fazerem mau uso delas.
apresentado no registro da criação. Há um esforço constante para
Esse raciocínio tem levado muitos explicar a criação como sendo re-
que afirmam crer na Bíblia a ado- sultado de causas naturais. Até
tarem a opinião de que os dias da mesmo professos cristãos aceitam
criação foram formados por longos o raciocínio humano contrário aos
e indefinidos períodos de tempo. fatos apresentados nas Escrituras.
No entanto, fora da história bí- Muitos se opõem ao estudo das
blica, a geologia não pode provar profecias, especialmente de Daniel
nada. Vestígios encontrados no e Apocalipse, alegando que não po-
solo dão prova de condições que demos entendê-las. Essas mesmas
diferem do que ocorre no presente pessoas aceitam avidamente as su-
em vários aspectos, mas o tempo em posições apresentadas por geólogos
que essas condições existiram pode que contradizem o relato de Moisés.
ser entendido somente com base no A maneira exata como Deus reali-
Registro Inspirado. Na história do zou a obra da criação, Ele jamais re-
dilúvio, a Inspiração explicou o que velou ao homem; a ciência humana
a geologia por si só jamais consegui- não pode penetrar nos segredos do
ria descobrir. Nos dias de Noé, ho- Altíssimo (ver Dt 29:29).
mens, animais e árvores – muitas Aqueles que abandonam a
vezes maiores do que aquelas que Palavra de Deus e procuram expli-
existem hoje – foram soterrados car as obras por Ele criadas com base
e, assim foram preservados como nos princípios científicos estão na-
prova para as gerações posteriores vegando em um oceano desconhe-
de que os povos que habitavam na cido sem mapa ou bússola. Mesmo
Terra naquela época pereceram por as mentes mais privilegiadas, se não
causa de um dilúvio. Era desígnio de forem guiadas pela Palavra de Deus
O Início da Semana Literal 65

em suas pesquisas, ficam desnortea- Ainda assim, os cientistas pen-


das em suas tentativas para encon- sam que podem compreender a sa-
trar uma relação entre a ciência e bedoria de Deus. A ideia de que Ele
a revelação. Aqueles que duvidam está limitado pelas leis que criou
dos registros do Antigo e do Novo é amplamente divulgada. As pes-
Testamento serão levados a dar um soas ignoram a Sua existência ou
passo a mais e passarão a duvidar da acham que têm explicações para
existência de Deus. Então, ao per- tudo, até mesmo para a atuação do
derem sua âncora, ficarão batendo Seu Espírito no coração humano; e
de um lado para outro nas rochas da não mais reverenciam o Seu nome.
incredulidade e do desespero. Muitos ensinam que a natureza
A Bíblia não deve ser provada por é regida por leis fixas, nas quais o
ideias científicas humanas. Céticos, próprio Deus não pode interferir.
por meio de uma compreensão equi- Essa é uma ciência falsa. A natureza
vocada, tanto da ciência como da é serva do Seu Criador. Deus não
revelação, alegam ter encontrado coloca de lado Suas leis; Ele as usa
contradições entre elas; mas, quando continuamente como Seus instru-
corretamente entendidas, elas estão mentos. Há na natureza uma con-
em perfeita harmonia. Moisés es- tínua atividade do Pai e do Filho.
creveu sob a direção do Espírito de Cristo diz: “Meu Pai continua traba-
Deus, e uma teoria verdadeira rela- lhando até hoje, e Eu também estou
cionada à geologia nunca apresen- trabalhando” (Jo 5:17).
tará descobertas que não estejam Com relação a este mundo, a
em harmonia com suas declarações. obra da criação realizada por Deus
está concluída; pois as Suas obras
Harmonia entre a Verdadeira estavam “concluídas desde a cria-
Ciência e a Bíblia ção do mundo” (Hb 4:3). Sua ener-
Na Palavra de Deus são levanta- gia ainda é exercida ao sustentar os
das muitas questões que eruditos ja- objetos de Sua criação. Cada respi-
mais poderão responder. Há muitas ração, cada pulsação é uma prova
coisas comuns no dia a dia que men- do cuidado universal dAquele em
tes humanas nunca poderão enten- quem nós “vivemos, nos movemos
der de uma forma completa, mesmo e existimos” (At 17:28). A mão de
com toda a sua sabedoria. Deus guia os planetas e os mantém
66 Os Escolhidos
em sua posição. Ele “põe em marcha voa mais e mais alto e explora novas
cada estrela do Seu exército celes- profundezas, mas em suas pesqui-
tial, e a todas chama pelo nome. Tão sas nada traz que entre em conflito
grande é o Seu poder e tão imensa a com a revelação divina. O livro da
Sua força, que nenhuma delas deixa natureza e a Palavra Escrita lançam
de comparecer!” (Is 40:26). Por Seu luz um sobre o outro.
poder, a vegetação floresce, as folhas Podemos continuar sempre bus-
aparecem e as flores desabrocham. cando, sempre aprendendo; mas,
Ele “faz crescer a relva nas colinas” ainda assim haverá o infinito à
(Sl 147:8), e por meio dEle os vales nossa frente. As obras da criação são
se tornam férteis. “Os animais da testemunhas do poder e da gran-
floresta […] buscando de Deus o ali- deza de Deus (ver Sl 19:1). Aqueles
mento” (Sl 104:20, 21), e toda criatura que fazem da Palavra Escrita o seu
vivente, desde o menor inseto até o conselheiro encontrarão na ciên-
homem, todos dependem diaria- cia um ponto de apoio para enten-
mente do Seu cuidado providencial. der Deus. “Pois desde a criação do
Toda verdadeira ciência está em mundo os atributos invisíveis de
harmonia com Suas obras; toda ver- Deus, Seu eterno poder e Sua na-
dadeira educação conduz à obediên- tureza divina, têm sido vistos cla-
cia ao Seu governo. A ciência revela ramente, sendo compreendidos por
novas maravilhas à nossa vista; meio das coisas criadas” (Rm 1:20).
10
*
Línguas Confundidas
P ara repovoar a Terra
que estava desolada,
Deus preservou apenas uma família,
as leis divinas, trouxe a esperança
de um futuro mais promissor aos
seus descendentes. Com relação a
a casa de Noé. Deus disse a ele: “Você esses filhos foi declarado: “Bendito
é o único justo que encontrei nesta seja o Senhor, o Deus de Sem! E seja
geração” (Gn 7:1). Apesar disso, já es- Canaã seu escravo. Amplie Deus o
tava prefigurado o caráter de seus território de Jafé; habite ele nas ten-
descendentes por intermédio dos das de Sem, e seja Canaã seu escravo”
três filhos de Noé: Sem, Cão e Jafé. (Gn 9:26, 27). A linhagem de Sem de-
Noé, falando por inspiração di- veria ser a do povo escolhido. Abraão
vina, previu a história das três gran- e o povo de Israel seriam descenden-
des raças que teriam esses homens tes dele, e por meio deste povo é que
como pais. Seguindo a linhagem de Cristo devia vir. E “habite ele [Jafé]
Cão, por meio do filho em vez de o nas tendas de Sem”. Os descenden-
pai, ele declarou: “Maldito seja Canaã! tes de Jafé deveriam participar espe-
Escravo de escravos será para seus ir- cialmente das bênçãos do evangelho.
mãos” (Gn 9:25). O ato antinatural A linhagem de Canaã desceu às
de Cão revelou seu caráter corrupto. mais degradantes formas de paga-
Essas más características se perpetua- nismo. Embora a maldição profética
ram em Canaã e seus descendentes. a tenha condenado à escravidão,
Por outro lado, a reverência de- Deus suportou sua corrupção até
monstrada por Sem e Jafé para com que passaram dos limites. Então
* Este capítulo é baseado em Gênesis 9:25-27; 11:1-9.
68 Os Escolhidos
eles se tornaram escravos dos des- rio Eufrates, atraídos pela beleza da-
cendentes de Sem e Jafé. quele lugar e pela fertilidade do solo.
A profecia de Noé não determi- Ali resolveram construir uma ci-
nou o caráter e o destino de seus fi- dade e nela uma torre tão alta que
lhos; porém, mostrou qual seria o se tornaria a maravilha do mundo.
resultado do caminho que tinham A ordem de Deus era que o povo se
escolhido e do caráter que tinham dispersasse, mas esses construtores
desenvolvido. Como regra, os filhos de Babel decidiram manter sua co-
herdam as disposições e tendências munidade unida e fundar um reino
de seus pais e imitam o seu exem- que finalmente abrangesse toda a
plo. Da mesma forma, a corrupção Terra. Então a cidade se tornaria
e a irreverência de Cão foram re- a capital de um império univer-
produzidas em seus descendentes, sal. Sua glória atrairia a admira-
trazendo maldição sobre eles por ção e os aplausos de todo o mundo.
muitas gerações. A majestosa torre, que alcançaria até
Por outro lado, como foi grande- o céu, tinha por objetivo permane-
mente recompensado o respeito cer como um monumento do poder
de Sem por seu pai e quão nobre e e sabedoria de seus construtores.
honrada é a linhagem de homens Aqueles que foram habitar na
santos que aparece como seus planície de Sinear não acreditavam
descendentes! no pacto feito por Deus de que Ele
Durante algum tempo, os descen- não traria um dilúvio sobre a Terra
dentes de Noé continuaram a viver novamente. Um dos objetivos para
entre as montanhas onde a arca construir a torre era garantir sua se-
ficou ancorada. Ao crescerem em nú- gurança em caso de outro dilúvio.
mero, a apostasia os levou à divisão. Já que tinham conseguido subir à
Aqueles que não queriam mais se altura das nuvens, esperavam en-
lembrar do seu Criador e desejavam tender a causa do dilúvio. O obje-
se libertar das restrições de Sua lei fi- tivo principal do projeto era exaltar
cavam aborrecidos com os ensinos e ainda mais aqueles que o haviam
exemplo de seus vizinhos tementes a idealizado e desviar de Deus a mente
Deus. Depois de algum tempo, deci- das futuras gerações.
diram se separar. Assim, eles se mu- Quando a torre estava parcial-
daram para Sinear, às margens do mente construída, de repente, o
Línguas Confundidas 69

trabalho que estava avançando tam- Senhor foi cumprido por intermé-
bém foi interrompido. Anjos foram dio dos próprios meios pelos quais
enviados para deter o projeto dos alguns haviam tentado impedir que
construtores. A torre havia alcan- ele se realizasse.
çado uma grande altura, e os traba- Que perda! Era plano de Deus
lhadores que estavam em diferentes que, quando as pessoas saíssem
pontos recebiam e passavam para os para habitar as várias partes da
outros os pedidos do material de que Terra, levassem consigo a luz da ver-
necessitavam. À medida que as men- dade. Noé, o fiel pregador da justiça,
sagens eram passadas de um para viveu trezentos e cinquenta anos
outro, a língua foi confundida de tal depois do dilúvio; assim, seus des-
maneira que as instruções transmi- cendentes tiveram a oportunidade
tidas eram frequentemente o oposto de aprender a respeito dos precei-
daquelas que haviam sido dadas. Todo tos divinos e da história sobre como
o trabalho foi interrompido. Os cons- Deus lidou com a raça humana.
trutores não conseguiam explicar a Entretanto, eles não tinham o de-
razão dos estranhos mal-entendi- sejo de preservar o conhecimento
dos entre eles. Em sua ira e decepção, a respeito de Deus; e devido à con-
acusavam uns aos outros. Como prova fusão de línguas, não conseguiram
do desagrado de Deus, raios vindos do mais se comunicar com aqueles que
Céu destruíram a parte superior da poderiam lhes trazer maior luz.
torre e a lançaram ao solo. Satanás estava tentando provo-
car desrespeito para com as ofer-
O Propósito ao Confundir tas sacrificais que simbolizavam a
as Línguas morte de Cristo. Como as pessoas
Até aquela época, todos falavam estavam com a mente obscurecida
a mesma língua. A partir de então, pela idolatria, ele as levou a per-
aqueles que compreendiam a fala verter essas ofertas, sacrificando
uns dos outros se uniram em grupos. os próprios filhos nos altares cons-
Uns foram para uma direção e outros truídos para os seus deuses. Ao se
para outra. “Assim o Senhor os disper- afastarem de Deus, os atributos do
sou dali por toda a Terra” (Gn 11:8). caráter divino – a justiça, a pureza
Essa dispersão foi um meio de po- e o amor – eram substituídos pela
voar a Terra; e assim o propósito do opressão, violência e brutalidade.
70 Os Escolhidos
Os moradores de Babel decidiram de que o Criador do Universo é o
estabelecer um governo indepen- Governante Supremo do Céu e da
dente de Deus. Contudo, alguns entre Terra. Ninguém pode desafiar Seu
eles temiam ao Senhor. Por amor a poder sem colher os resultados!
esses que eram fiéis, o Senhor adiou Existem ainda construtores de
os Seus juízos e concedeu tempo ao torres em nossos dias. Os humanis-
povo para revelar seu verdadeiro ca- tas se atrevem a dar sua sentença
ráter. Os que temiam a Deus tenta- sobre o governo moral de Deus.
ram convencê-los a desistir de seu Desprezam Sua lei e se vangloriam da
plano, mas o povo se uniu em inteligência humana. Então, “quando
seu ousado projeto contra o Céu. Se os crimes não são castigados logo, o
tivessem continuado sem serem im- coração do homem se enche de pla-
pedidos, teriam corrompido o mundo nos para fazer o mal” (Ec 8:11).
em sua infância. Se essa aliança entre
eles tivesse sido permitida, uma A Torre de Babel Atual
grande potência teria surgido para Muitos se desviam dos claros en-
banir a justiça da Terra – e, com ela, sinos da Bíblia e criam doutrinas ba-
a paz, a felicidade e a segurança. seadas em especulações humanas e
Aqueles que temiam ao Senhor em fábulas que agradam aos ouvidos.
clamavam a Ele para que inter- Depois apontam para a sua “torre”
viesse. “O Senhor desceu para ver como se ela fosse um caminho para
a cidade e a torre que os homens subir ao Céu. Lábios eloquentes ensi-
estavam construindo” (Gn 11:5). nam que o pecador não morrerá, que
Em Sua misericórdia para com o a salvação pode ser conseguida sem
mundo, Deus frustrou os planos a obediência à lei de Deus. Se os pro-
dos construtores da torre. Ele con- fessos seguidores de Cristo aceitas-
fundiu a língua, inutilizando assim sem a norma ordenada por Deus, ela
os planos de rebelião. Deus suporta os levaria à verdadeira unidade. En-
por longo tempo a maldade hu- quanto a sabedoria humana for exal-
mana, mas dá oportunidade para tada e colocada acima de Sua santa
o arrependimento. De tempos em Palavra, haverá divisões e dissensão.
tempos, Sua mão invisível é esten- A confusão existente entre cren-
dida para reprimir a iniquidade. ças e denominações que vivem em
O mundo obtém prova inequívoca conflito é muito apropriadamente
Línguas Confundidas 71

representada pelo termo Babilônia, A hora do juízo de Deus se apro-


que a profecia aplica às igrejas xima. Seu soberano poder será reve-
amantes do mundo nos últimos dias lado; as obras do orgulho humano
(ver Ap 14:8; 18:2). cairão por terra.
11
*
O Pai de Todos os Fiéis
D epois que os moradores
de Babel se dispersa-
ram, a idolatria se tornou quase uni-
seu nome e você será uma bênção”
(Gn 12:2). A essa bênção foi acres-
centada a certeza de que o Redentor
versal novamente. O Senhor deixou do mundo viria de sua linhagem:
que os pecadores com seu coração “E por meio de você todos os povos da
endurecido seguissem seus maus ca- Terra serão abençoados” (Gn 12:3).
minhos, e escolheu Abraão, um des- No entanto, como primeira condi-
cendente de Sem, como guardador ção para o cumprimento da pro-
da Sua lei para as futuras gerações. messa deveria ocorrer uma prova
Deus sempre teve um remanescente de fé; foi exigido um sacrifício.
para preservar as preciosas revela- Deus enviou uma mensagem a
ções da Sua vontade. Abraão herdou Abraão: “Saia da sua terra, do meio
esse patrimônio sagrado. Inconta- dos seus parentes e da casa de seu
minado pela apostasia, ele persis- pai, e vá para a terra que Eu lhe mos-
tia fielmente na adoração a Deus. trarei” (Gn 12:1). Abraão devia se
O Senhor comunicou Sua vontade afastar da influência de seus paren-
a Abraão e transmitiu a ele o conhe- tes e amigos. Seu caráter deveria ser
cimento de Sua lei e da salvação que distinto, diferente de todo o mundo.
seria concedida por meio de Cristo. Ele não podia nem mesmo explicar
A Abraão foi dada a promessa: sua atitude para que os amigos en-
“Farei de você um grande povo, e tendessem. Sua família idólatra não
o abençoarei. Tornarei famoso o compreenderia seus motivos.
* Este capítulo é baseado em Gênesis 12.
O Pai de Todos os Fiéis 73

A inquestionável obediência de Deus tem uma obra para eles faze-


Abraão é uma das mais extraordi- rem; a influência dos amigos iria
nárias provas de fé encontradas em atrapalhá-la.
toda a Bíblia (ver Hb 11:8). Con- Quem está pronto, ao receber o
fiando na promessa divina, ele dei- chamado de Deus, a renunciar os
xou sua casa, parentes e a terra planos acariciados, a aceitar novos
natal; partiu, sem saber para onde, deveres e entrar em campos com os
a fim de ir aonde Deus o levasse. quais ainda não está familiarizado?
“Pela fé peregrinou na terra pro- Aqueles que assim fizerem terão a
metida como se estivesse em terra fé que teve Abraão e irão partilhar
estranha; viveu em tendas, bem com ele da “glória eterna” (2Co 4:17;
como Isaque e Jacó, co-herdeiros da ver também Rm 8:18).
mesma promessa” (Hb 11:9). O chamado do Céu veio primeira-
Fortes laços o prendiam ao seu mente a Abraão em “Ur dos Caldeus”,
país, seus parentes e seu lar, porém e, em obediência, ele se mudou para
ele não hesitou em atender ao cha- Harã. Até esse local, a família de seu
mado. Não fez nenhuma pergunta pai o acompanhou. Ali, Abraão per-
a respeito da terra da promessa – maneceu até a morte de Terá.
se o solo era fértil, o clima saudá-
vel. O lugar mais feliz da Terra para Rumo ao Desconhecido
ele seria onde Deus desejava que ele Depois da morte de seu pai, a voz
estivesse. divina ordenou que continuasse.
Muitos ainda são provados Além de Sara, a esposa de Abraão, so-
como foi Abraão. Não ouvem a voz mente Ló decidiu partilhar com ele
de Deus falando diretamente do a vida de peregrinação. Abraão era
Céu, mas Ele os chama por meio dos dono de grandes rebanhos e tinha
ensinos de Sua Palavra e pelos acon- muitos servos. Ele partiu da terra
tecimentos dirigidos por Sua provi- de seus pais para nunca mais voltar,
dência. Pode ser necessário terem levando consigo tudo o que tinha,
que abandonar uma carreira que “todos os bens que havia acumulado
promete riquezas e honra, causar e os seus servos, comprados em Harã”
a separação dos parentes para ini- (Gn 12:5). Em Harã, tanto Abraão
ciar o que parece um caminho de como Sara conduziram outros à ado-
abnegação, dificuldades e sacrifício. ração e ao culto do verdadeiro Deus.
74 Os Escolhidos
Esses foram com ele para a “Terra da do acampamento para o sacrifício
Promessa”, a terra de Canaã. da manhã e da tarde. Quando se
O lugar onde eles ficaram pela mudava para outro lugar, o altar
primeira vez foi Siquém. Abraão permanecia. Os cananeus nôma-
fez seu acampamento sobre a relva des receberam instrução de Abraão;
de um extenso vale, com seus bos- e, sempre que qualquer um desses
ques de oliveiras e fontes que jor- passava pelo altar, também adorava
ravam. Era uma bela e fértil região, o Deus vivo ali.
“uma boa terra, cheia de riachos, […]
terra de trigo e cevada, videiras e fi- Por que Deus Permitiu
gueiras, romãzeiras, azeite de oliva a Prova
e mel” (Dt 8:7, 8). Uma pesada som- Abraão continuou a viajar para o
bra repousava sobre a colina co- sul, e sua fé foi provada novamente.
berta de árvores e a planície cheia Parou de chover, e os rebanhos e o
de árvores frutíferas. Em meio aos gado não encontravam pastagens.
bosques, foram erguidos altares A fome ameaçava todo o acampa-
aos falsos deuses, e sacrifícios hu- mento. Todos estavam atentos para
manos eram oferecidos no alto das ver o que Abraão iria fazer ao en-
colinas mais próximas. frentar dificuldades e mais dificul-
Então “o Senhor apareceu a Abrão dades. Enquanto a confiança dele
e disse: ‘À sua descendência darei esta parecia inabalável, eles sentiam que
terra’” (Gn 12:7). Sua fé foi fortalecida havia esperança; sabiam que Deus
por essa certeza. “Abrão construiu era amigo de Abraão e que Ele ainda
ali um altar dedicado ao Senhor, o estava guiando.
que lhe havia aparecido” (Gn 12:7). Abraão se apegava à promessa:
Ainda como peregrino, logo partiu “Farei de você um grande povo, e
para um lugar próximo a Betel. Ali, o abençoarei. Tornarei famoso o
ele construiu um altar mais uma vez seu nome, e você será uma bênção”
e invocou o nome do Senhor. (Gn 12:2). Ele não iria permitir que
Abraão nos dá um exemplo as circunstâncias abalassem sua fé
digno. A sua vida foi de oração. nas palavras de Deus. Para escapar
Onde quer que armasse sua tenda, da fome, ele desceu até o Egito. Por
próximo a ela, construía um altar e estar passando grande dificuldade,
convidava a todos que faziam parte não voltou para a Caldeia, de onde
O Pai de Todos os Fiéis 75

tinha vindo, mas buscou refúgio qual foram capacitados. Anjos celes-
temporário o mais próximo possí- tiais podem se unir a eles na obra a
vel da Terra da Promessa. ser finalizada na Terra.
O Senhor, em Sua sabedoria,
permitiu essa prova a Abraão para O Lamentável Erro
lhe ensinar lições que se tornariam de Abraão
um benefício para todos os que te- Enquanto estava no Egito,
riam que suportar a aflição. Deus Abraão demonstrou que não es-
não Se esquece nem rejeita aqueles tava livre da fraqueza humana.
que depositam sua confiança nEle. Sua esposa, Sara, era “muito bonita”
As provações que testam mais se- (Gn 12:14), e ele estava certo de que
veramente a nossa fé e fazem pare- os egípcios iriam cobiçar a bela es-
cer que Deus nos abandonou devem trangeira e matar seu marido. Ra-
nos levar para mais perto de Cristo. ciocinou que não estaria mentindo
Devemos depor todos os nossos far- em apresentar Sara como sua irmã,
dos aos Seus pés e experimentar a pois ela era filha de seu pai, embora
paz que Ele nos dará em troca. não fosse filha de sua mãe.
O calor da fornalha é que separa Isso era um engano. Por causa
a impureza do verdadeiro ouro do ca- da demonstração de falta de fé
ráter cristão. É por meio de provações de Abraão, Sara foi colocada em
difíceis e severas que Deus disciplina grande perigo. O rei do Egito or-
Seus servos. Ele vê que alguns têm denou que ela fosse levada ao pa-
habilidades que podem ser emprega- lácio, pretendendo fazer dela sua
das no avanço de Sua obra. Em Sua esposa. O Senhor, em Sua grande
sabedoria, Deus os conduz a posições misericórdia, protegeu Sara e puniu
que provam o seu caráter e revelam a casa real com “graves doenças”
as fraquezas das quais eles mesmos (Gn 12:17). O rei percebeu então que
não têm conhecimento. Ele lhes dá a tinha sido enganado. Ele reprovou
oportunidade de corrigir esses defei- Abraão, dizendo: “O que foi que
tos. Mostra suas fraquezas e os en- você fez comigo? […] Por que disse
sina a se apoiarem inteiramente nEle. que era sua irmã? Foi por isso que
Dessa maneira, são educados, treina- eu a tomei para ser minha mulher.
dos e disciplinados, preparados para Aí está a sua mulher. Tome-a e vá!”
cumprir o grande propósito para o (Gn 12:18, 19).
76 Os Escolhidos
A maneira com que Faraó tra- sobre ele, trazendo novamente juí-
tou Abraão foi amável e generosa, zos sobre a casa real.
mas ele lhe ordenou que deixasse o O caso não poderia ser man-
Egito. Sem saber, esteve a ponto de tido em segredo. Entenderam que o
causar uma grave ofensa a Abraão, Deus a quem Abraão adorava prote-
mas Deus livrou o monarca de co- geria Seu servo e que qualquer mal
meter tão grande pecado. Faraó viu feito a ele seria vingado. É perigoso
naquele estrangeiro um homem causar dano a um dos filhos do Rei
honrado por Deus. Se Abraão per- do Céu. O salmista afirma que Deus
manecesse no Egito, suas rique- “não permitiu que ninguém os opri-
zas, que se multiplicavam cada vez misse, mas a favor deles repreendeu
mais, provavelmente desperta- reis dizendo: ‘Não toquem nos Meus
riam a inveja ou cobiça dos egíp- ungidos; não maltratem Meus pro-
cios, e algum dano poderia recair fetas’” (Sl 105:14, 15).
12
Um Bom Vizinho
*
em Canaã
A braão voltou muito
rico para Canaã, “tanto
em gado como em prata e ouro”
mim e você, ou entre os seus pasto-
res e os meus; afinal somos irmãos!
Aí está a terra inteira diante de você.
(Gn 13:2). Ló estava com ele, e foram Vamos separar-nos. Se você for para
para Betel, onde armaram suas ten- a esquerda, irei para a direita; se for
das novamente. Mesmo em meio a para a direita, irei para a esquerda”
dificuldades e provações, eles ti- (Gn 13:8, 9).
nham vivido juntos em harmonia, Muitas pessoas sob circunstân-
mas em sua prosperidade havia pe- cias semelhantes se apegariam aos
rigo de desentendimento entre eles. seus direitos e preferências pessoais.
As pastagens não eram suficientes Muitos lares e igrejas têm sido divi-
para os rebanhos e o gado que eles didos, tornando a causa da verdade
tinham. Era evidente que deveriam um escândalo e uma desgraça entre
se separar. os ímpios. Os filhos de Deus em todo
Abraão foi o primeiro a pro- o mundo são uma só família, e o
por os planos para manter a paz. mesmo espírito de amor e concilia-
Embora toda aquela terra lhe ti- ção deve governá-los. “Dediquem-se
vesse sido dada por Deus, ele cortes- uns aos outros com amor fraternal.
mente não exigiu esse direito. “Não Prefiram dar honra aos outros mais
haja desavença”, disse ele, “entre do que a si próprios” (Rm 12:10).
* Este capítulo está baseado em Gênesis 13 a 15; 17:1-16; 18.
78 Os Escolhidos
A disposição de fazer aos outros Ao ar livre daqueles planaltos com
como desejaríamos que eles nos fizes- seus bosques de oliveiras e vinhe-
sem evitaria ou acabaria com grande dos, seus campos de cereais e lon-
parte dos problemas da vida. O cora- gas pastagens das colinas ao redor,
ção em que o amor de Cristo é culti- ele armou seu acampamento, con-
vado terá esse amor que cuida “não tente com sua vida simples, dei-
somente dos seus interesses” (Fp 2:4). xando para Ló o perigoso luxo do
Ló não demonstrou gratidão vale de Sodoma.
alguma ao seu generoso tio. Em Abraão não deixou de influen-
vez disso, de forma egoísta, tentou ciar seus vizinhos. Em contraste
tirar todas as vantagens possíveis. com os adoradores de ídolos, sua
“Olhou então Ló e viu todo o vale vida e caráter exerciam uma in-
do Jordão, todo ele bem irrigado […]; fluência poderosa em favor da ver-
era como o jardim do Senhor, como dadeira fé. Sua fidelidade a Deus
a terra do Egito” (Gn 13:10). A re- era inabalável. Tanto sua cordiali-
gião mais fértil de toda a Palestina dade quanto sua bondade inspira-
era o vale do Jordão, que lembrava vam confiança e amizade.
o Paraíso perdido para quem ali pas- Enquanto Cristo habita no co-
sava, e com a mesma beleza e produ- ração, é impossível ocultar a luz de
tividade das planícies enriquecidas Sua presença. Ela se tornará mais
pelo Nilo, que eles haviam deixado radiante à medida que a névoa do
para trás. Havia cidades, ricas e egoísmo e do pecado que nos en-
belas, que convidavam a um comér- volve for se dissipando com a luz
cio lucrativo. Deslumbrado com a do Sol da Justiça.
visão dos benefícios materiais, Ló Aqueles que pertencem ao povo
não levou em conta os problemas de Deus são luz em meio às trevas
morais encontrados lá. Ele “escolheu morais deste mundo. Espalhados
todo o vale do Jordão” e “mudou seu pelos grandes centros, cidades e
acampamento para um lugar pró- vilas, eles são condutos por meio
ximo a Sodoma” (Gn 13:11, 12). Ele dos quais Deus comunicará a um
mal podia imaginar os resultados mundo incrédulo o conhecimento
dessa escolha egoísta! e as maravilhas da Sua graça. É seu
Logo depois da separação, desejo que todos os que recebem a
Abraão se mudou para Hebrom. salvação sejam luz e que seu caráter
Um Bom Vizinho em Canaã 79

brilhe intensamente, revelando o foi despertada, e Abraão decidiu


contraste com as trevas do egoísmo resgatar Ló. Antes, porém, ele bus-
que vêm do coração natural. cou o conselho divino e só depois
Abraão sabia fazer uso da diplo- Abraão se preparou para a guerra.
macia, era corajoso e hábil na guerra. Convocou trezentos e dezoito ser-
Três reis que eram irmãos e gover- vos do seu acampamento, homens
nantes das planícies dos amorreus, ensinados no temor de Deus, a ser-
onde ele habitava, demonstraram viço de seu senhor, e que sabiam
amizade e o convidaram para uma usar as armas. Seus aliados, Manre,
aliança. Assim, eles teriam mais se- Escol e Aner, uniram-se a ele e juntos
gurança, pois o país estava cheio de partiram em perseguição aos inva-
violência e opressão. Logo surgiu a sores. Os elamitas estavam acam-
ocasião em que Abraão teve que so- pados em Dã, na fronteira ao norte
licitar a ajuda dessa aliança. de Canaã. Orgulhosos e entusias-
mados com a vitória, entregaram-se
Resgatado por Abraão às orgias. Abraão se aproximou do
Quedorlaomer, rei de Elão, tinha acampamento à noite. Seu ataque,
invadido Canaã alguns anos antes, extremamente forte e inesperado,
tornando os cananeus sujeitos a concedeu a ele uma rápida vitória.
ele. Vários de seus príncipes se re- O rei de Elão foi morto; e seu exér-
voltaram, e o rei elamita marchou cito, tomado de pânico, fugiu derro-
novamente contra o país para con- tado. Ló e sua família, com todos os
quistá-lo. Cinco reis de Canaã lu- prisioneiros e seus bens, foram re-
taram contra os invasores, apenas cuperados, e os ricos despojos dos
para serem completamente derro- inimigos passaram para as mãos
tados. Os vitoriosos saquearam as dos vitoriosos.
cidades da planície e partiram com Abraão não somente prestou
um rico despojo, além de muitos ca- um grande serviço ao país, mas
tivos, entre os quais estavam Ló e mostrou ser um homem de valor.
sua família. Todos viram que a religião de
Um dos cativos conseguiu esca- Abraão lhe deu coragem não ape-
par e, por meio dele, Abraão soube nas para ficar do lado do que era
do que tinha acontecido com seu so- direito, mas para defender os opri-
brinho. Toda a sua afeição por ele midos. Quando voltou, o rei de
80 Os Escolhidos
Sodoma saiu ao seu encontro para Abraão Teve Medo
honrar o vencedor, pedindo que lhe Abraão sempre foi um homem
devolvesse apenas os prisioneiros. de paz, que evitava ao máximo o
Os despojos pertenciam aos ven- conflito e a discórdia. Ficava horro-
cedores; mas Abraão se recusou a rizado quando se recordava da car-
tirar vantagem dos desafortunados nificina que havia testemunhado.
e solicitou que os aliados recebes- Os exércitos das nações que ele
sem a parte a que tinham direito. havia derrotado certamente tenta-
Poucos teriam resistido à ten- riam uma nova invasão e procura-
tação de ficar com um despojo tão riam se vingar dele. Além do mais,
rico ao serem submetidos a uma ele ainda não tinha tomado posse
prova como essa. O exemplo de de Canaã nem alimentava mais a es-
Abraão é uma reprovação aos am- perança de lhe nascer um herdeiro,
biciosos e egoístas. “De mãos levan- por meio de quem a promessa fosse
tadas”, disse ele, “ao Senhor, o Deus cumprida.
Altíssimo, Criador dos céus e da Em uma visão à noite, ouviu no-
Terra, juro que não aceitarei nada vamente a voz divina: “Não tenha
do que lhe pertence, nem mesmo medo, Abraão! Eu sou o seu escudo;
um cordão ou uma correia de san- grande será a sua recompensa!”
dália, para que você jamais venha (Gn 15:1). Como iria se cumprir
a dizer: ‘Eu enriqueci Abraão’” a promessa da aliança se a dá-
(Gn 14:22, 23). Deus prometeu diva de um filho lhe era negada?
abençoar Abraão, e toda a glória “Ó Soberano Senhor, que me darás,
seria devida a Ele. se continuo sem filhos: […] Um servo
Outro que veio para dar as da minha casa será o meu herdeiro!”
boas-vindas ao vitorioso Abraão (Gn 15:2, 3). Abraão pretendia fazer
foi Melquisedeque, rei de Salém. de seu fiel servo Eliézer seu filho
Como “sacerdote do Deus Altís- adotivo. Então obteve a promessa
simo”, ele pronunciou uma bên- de que um filho dele mesmo seria
ção sobre Abraão e deu graças ao o seu herdeiro. Foi dito a Abraão
Senhor que trouxe tão grande li- que olhasse para as incontáveis es-
vramento por meio de Seu servo. trelas que brilhavam no céu, e de-
“E Abraão lhe deu o dízimo de pois ele ouviu estas palavras: “Assim
tudo” (Gn 14:20). será a sua descendência” (Gn 15:5).
Um Bom Vizinho em Canaã 81

“Abraão creu em Deus e isso lhe foi separados dos idólatras e de que
creditado como justiça” (Rm 4:3). Deus os aceitava como Seu tesouro
O Senhor Se dispôs a fazer um especial. Não deveriam se casar com
concerto com Seu servo. Abraão os pagãos, pois, se fizessem isso, não
ouviu a voz de Deus lhe dizendo apenas seriam tentados a se envol-
que não esperasse pela posse ime- ver em práticas pecaminosas de ou-
diata da Terra Prometida, apon- tras nações, mas também seriam
tando para os sofrimentos de seus induzidos à idolatria.
descendentes antes de entrarem em
Canaã. O plano da redenção lhe foi Abraão Hospeda Anjos
desvendado, tanto na morte de Deus conferiu grandes honras a
Cristo, o grande sacrifício, como na Abraão. Anjos andavam e conver-
Sua vinda em glória. Abraão tam- savam com ele. Quando os juízos
bém viu a Terra restaurada à sua be- de Deus estavam para cair sobre
leza edênica, a ser concedida como Sodoma, o fato não foi encoberto
a herança eterna, em cumprimento dele. Abraão se tornou um interces-
completo e final da promessa. sor diante de Deus pelos pecadores.
Quando fazia quase vinte e cinco Em um dia de verão, no calor do
anos que Abraão estava em Canaã, meio-dia, Abraão estava assentado à
o Senhor apareceu a ele e disse: “De entrada de sua tenda, quando viu de
Minha parte, esta é a Minha aliança longe três viajantes. Antes de che-
com você. Você será o pai de muitas garem à sua tenda, os estranhos
nações” (Gn 17:4). Em sinal do cum- pararam. Sem esperar que lhe pe-
primento dessa aliança, seu nome, dissem qualquer favor, com toda a
que até aquele momento era Abrão, cortesia, Abraão insistiu para que
foi mudado para Abraão, que signi- lhe dessem a honra de permanecer
fica “pai de muitas nações” (Gn 17:5). ali um pouco e tomassem uma re-
O nome de Sarai se tornou Sara – feição. Ele mesmo trouxe água para
“princesa”; porque “dela procederão que pudessem lavar os pés e tirar o
nações e reis de povos” (Gn 17:15, 16). pó da viagem. Separou o alimento
Nessa mesma ocasião, o rito da e, enquanto descansavam em uma
circuncisão foi dado a Abraão para refrescante sombra, permaneceu ao
ser observado por ele e seus descen- lado deles respeitosamente, durante
dentes como um sinal de que eram o tempo em que comiam e bebiam
82 Os Escolhidos
o que lhes tinha providenciado. Ele mesmo faria um exame de sua
Mil anos mais tarde, por inspira- conduta. Se não tivessem passado
ção, o apóstolo fez referência a esse dos limites da misericórdia divina,
ato de cortesia: “Não se esqueçam certamente Deus concederia a eles a
da hospitalidade; foi praticando-a oportunidade de se arrependerem.
que, sem o saber, alguns acolheram Dois dos mensageiros celestiais
anjos” (Hb 13:2). partiram, deixando Abraão a sós
Abraão viu em seus hóspedes com Aquele que ele soube então ser
apenas três viajantes cansados, o Filho de Deus. O homem de fé in-
não imaginando que entre eles es- tercedeu em favor dos habitantes de
tava Um que era divino, sem pecado, Sodoma. Ele os salvou uma vez pela
a quem ele deveria adorar. O ver- espada, e naquele momento tentava
dadeiro caráter dos mensageiros salvá-los pela oração. Ló e sua fa-
celestiais foi então revelado. Eles es- mília ainda estavam morando lá, e
tavam em seu caminho como agen- Abraão procurava livrá-los da fúria
tes da ira de Deus; contudo, para dos juízos divinos.
Abraão eles falaram primeiramente Com profunda humildade, ele
sobre bênçãos. Deus não tem prazer insistiu em seu pedido: “Sei que
na vingança. já fui muito ousado ao ponto de
Abraão tinha honrado a Deus, falar ao Senhor, eu que não passo
por isso o Senhor o honrou, re- de pó e cinza” (Gn 18:27). Não re-
velando a ele os Seus propósi- clamava o favor por causa de sua
tos. “Esconderei de Abraão o que obediência ou sacrifícios que ti-
estou para fazer?”, disse o Senhor vesse feito ao cumprir a vontade
(Gn 18:17). “As acusações contra de Deus. Como pecador que era, ro-
Sodoma e Gomorra são tantas e o gava em favor do pecador. Mesmo
seu pecado é tão grave que desce- assim, Abraão demonstrou a con-
rei para ver se o que eles têm feito fiança de uma criança que faz uma
corresponde ao que tenho ouvido. súplica a seu amado pai. Embora
Se não, Eu saberei” (Gn 18:20, 21). Ló estivesse residindo em Sodoma,
Deus sabia qual era o pecado de ele não participava dos pecados de
Sodoma, mas Ele Se expressou em seus habitantes. Abraão imaginava
linguagem humana para que Sua que poderia haver outros adora-
justiça pudesse ser compreendida. dores do verdadeiro Deus naquela
Um Bom Vizinho em Canaã 83

populosa cidade. Ele rogou: “Longe O testemunho dado pelo pró-


de Ti […] matar o justo com o ímpio prio Deus é: “Abraão Me obedeceu e
[…]. Não agirá com justiça o Juiz de guardou Meus preceitos, Meus man-
toda a Terra?” (Gn 18:25). Ao serem damentos, Meus decretos e Minhas
atendidos os seus pedidos, ele teve leis” (Gn 26:5). “Pois Eu o escolhi, para
a certeza de que, se até mesmo dez que ordene aos seus filhos e aos seus
pessoas justas fossem encontradas descendentes que se conservem no
em Sodoma, a cidade seria poupada. caminho do Senhor, fazendo o que
A oração de Abraão por Sodoma é justo e direito, para que o Senhor
mostra que devemos nutrir ódio faça vir a Abraão o que lhe prometeu”
pelo pecado, mas piedade e amor (Gn 18:19). Foi uma grande honra
pelo pecador. Ao nosso redor as pes- para a qual Abraão foi chamado – ser
soas estão caindo na ruína. A toda pai do povo que foi o guardião da ver-
hora, alguns passam para além do dade de Deus para o mundo, por meio
alcance da misericórdia divina. do qual todas as nações seriam aben-
Onde estão as vozes convidando e çoadas com a vinda do Messias pro-
apelando aos pecadores para fugi- metido. Abraão guardaria a lei e agiria
rem dessa condenação tão terrível? com justiça e retidão. Ele não somente
Onde estão aqueles que estão inter- temeria ao Senhor, mas instruiria sua
cedendo junto a Deus por eles? família a fazer o que é reto.
Toda a casa de Abraão com-
Quem Ora por “Sodoma” preendia mais de mil pessoas. Ali,
Hoje? como em uma escola, recebiam ins-
O espírito de Abraão era o espí- trução que os prepararia para repre-
rito de Cristo, que é o grande inter- sentar a verdadeira fé. Ele era um
cessor em favor do pecador. Cristo educador de chefes de família, e eles
manifestou para com o pecador seguiriam seus métodos no governo
um amor que tão somente a infi- de suas casas.
nita bondade poderia conceber. Na Era necessário unir os membros
agonia da crucifixão, esmagado pelo da família para construir uma bar-
terrível peso dos pecados do mundo reira contra a idolatria que tinha se
todo, Ele orou por Seus assassinos: espalhado naquela região. Abraão
“Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o procurou por todos os meios pro-
que estão fazendo” (Lc 23:34). teger os que estavam com ele, para
84 Os Escolhidos
que não se misturassem com os revelam um sentimentalismo cego e
pagãos e vissem suas práticas idó- egoísta, equivocadamente chamado
latras. Ele teve o cuidado de impres- de amor, que permite aos filhos vi-
sionar a mente com a majestade e verem sob o controle da própria
a glória do Deus vivo, a quem ver- vontade. Isso é uma crueldade para
dadeiramente se deve prestar culto. com a juventude e um grande mal
O próprio Deus separou Abraão para o mundo. A condescendência
de seus parentes idólatras para que dos pais fortalece no jovem o de-
pudesse ensinar e educar a famí- sejo de seguir suas inclinações, em
lia longe das más influências na vez de se submeter aos mandamen-
Mesopotâmia e assim pudesse pre- tos divinos. Assim, eles crescem para
servar a verdadeira fé em sua pu- depois transmitir sua falta de reli-
reza, por meio de seus descendentes. giosidade e espírito rebelde a seus
filhos e netos. A obediência à auto-
A Influência do Viver Diário ridade paterna deveria ser ensinada
Os filhos e a casa de Abraão como o primeiro passo na obediên-
eram ensinados que estavam sob o cia à autoridade de Deus.
governo do Deus do Céu. Não de- O ensino amplamente divulgado
veria haver opressão por parte dos de que as leis de Deus não estão mais
pais, nem desobediência por parte em vigor tem o mesmo efeito que
dos filhos. A influência silenciosa a idolatria sobre a moral do povo.
de sua vida diária era um exem- Os pais não ordenam sua casa de
plo constante. Havia uma fragrân- maneira que observe o caminho do
cia em sua vida e uma nobreza de Senhor. Os filhos, ao formarem o
caráter que revelavam a todos que próprio lar, não se sentem na obriga-
ele estava em constante ligação com ção de ensinar aquilo que eles mes-
o Céu. Ele não desprezava o servo mos não foram ensinados a praticar.
mais humilde. Em sua casa não exis- É por essa razão que há tantas famí-
tia uma lei para o senhor e outra lias sem Deus, e é por isso também
para o servo. Ele tratava a todos que a maldade está tão generalizada.
com justiça e compaixão, como her- É necessário uma reforma – uma
deiros com ele da graça da vida. profunda e ampla reforma. Os pais
Quão poucos em nossos dias necessitam de reforma. Pastores
seguem esse exemplo! Muitos pais também necessitam. Necessitam de
Um Bom Vizinho em Canaã 85

Deus em sua casa. Devem levar a a Deus um sacrifício de oração de


Palavra de Deus à sua família e ensi- manhã e à tarde, enquanto a esposa
nar a seus filhos, de maneira amável e os filhos se unem a ele em oração
e incansável, como viver para agra- e louvor. Jesus terá prazer em per-
dar a Deus. Os filhos que vivem em manecer em um lar assim.
famílias assim estão firmados sobre De todo lar cristão, o amor deve
um fundamento que não pode ser fluir em atos intencionais de bon-
destruído pela onda devastadora da dade, em demonstrações de gentil
incredulidade e da dúvida. e abnegada cortesia. Há lares em
Em muitos lares, os pais acham que Deus é adorado e onde reina o
que não têm condições de dedicar mais verdadeiro amor. Suas miseri-
alguns momentos para agradecer córdias e bênçãos caem como o or-
a Deus pela luz do sol, pela chuva valho da manhã sobre esses que se
e pela proteção dos anjos. Não têm curvam humildemente em oração.
tempo para a oração. Saem para o Uma casa bem ordenada é um
trabalho como o boi ou o cavalo, poderoso testemunho em favor da
sem um pensamento sequer rela- religião cristã. Uma nobre influên-
cionado a Deus ou ao Céu. O Filho cia em atuação na família exerce
de Deus deu a própria vida para res- também sua ação sobre os filhos.
gatá-los; no entanto, eles têm pouco O Deus de Abraão está com eles. O
mais apreciação por Sua bondade Deus do Céu fala a todo pai fiel:
que os animais. “Eu o escolhi, para que ordene aos
Se existiu um tempo em que seus filhos e aos seus descendentes
cada casa deveria ser uma casa de que se conservem no caminho do
oração, esse tempo é hoje. O pai, Senhor, fazendo o que é justo e di-
como sacerdote do lar, deve oferecer reito” (Gn 18:19).
13
*
A Prova da Fé
A braão acreditou na pro-
messa de que teria um
filho, mas não esperou que Deus
Orgulhosa por ser a nova esposa
de Abraão e pela possibilidade de se
tornar a mãe de uma grande nação
cumprisse a Sua palavra de acordo que viria de sua descendência, Hagar
com o Seu tempo e à Sua maneira. ficou cheia de si. Os ciúmes entre Sara
Deus permitiu que a promessa de- e Hagar perturbavam a paz do lar que
morasse a se cumprir para provar a tinha sido tão feliz. Sendo obrigado
fé de Abraão, porém ele não conse- a escutar as reclamações das duas
guiu suportar a prova. mulheres, Abraão tentou restabele-
Já idosa, Sara sugeriu um plano cer a harmonia, mas não conseguiu.
para que a promessa divina se cum- Embora Sara tivesse insistido para
prisse – que Abraão se casasse com que ele se casasse com Hagar, agora
uma de suas servas. A poligamia ela o acusava de ser o errado. Ela que-
não era mais considerada como ria mandar a rival embora. Abraão
pecado, mas não deixava de ser se recusou a permitir isso, porque
uma transgressão da lei de Deus Hagar seria a mãe de seu filho –
com consequências fatais para a que ele tão ansiosamente esperava,
santidade e a paz da família. O ca- o filho da promessa. Mesmo assim,
samento de Abraão com Hagar re- ele ainda deixou Hagar sob o domí-
sultou em mal – não somente para nio de Sara, pois esta era sua senhora.
a sua casa, mas para as gerações “Então Sarai tanto maltratou Hagar
futuras. que esta acabou fugindo” (Gn 16:6).
* Este capítulo é baseado em Gênesis 16; 17:18-20; 21:1-14; 22:1-19.
A Prova da Fé 87

Hagar foi para o deserto. En- aos seus descendentes. De repente,


quanto descansava ao lado de uma ele foi colocado de lado. Mãe e filho
fonte, sozinha e sem amigos, apa- odiaram o filho de Sara.
receu um anjo do Senhor. Cha- A alegria de todos aumentou
mando-a de “Hagar, serva de Sarai” sua inveja, até que Ismael passou a
(Gn 16:8), ele lhe disse: “Volte à zombar abertamente do herdeiro
sua senhora e sujeite-se a ela” da promessa de Deus. Sara viu no
(Gn 16:9). Com a repreensão, porém, espírito de revolta de Ismael uma
ele acrescentou palavras de con- contínua fonte de desentendi-
forto: “Multiplicarei tanto os seus mento e insistiu com Abraão que
descendentes que ninguém os po- mandasse Hagar e Ismael embora
derá contar” (Gn 16:10). Então ela do acampamento.
foi instruída a dar a seu filho o Abraão ficou muito angustiado.
nome de Ismael – “Deus ouvirá”. Como poderia mandar embora
Quando Abraão estava com Ismael, seu filho, a quem ele tanto
quase cem anos de idade, a pro- amava? Confuso, suplicou a dire-
messa de um filho foi renovada: ção divina. Por meio de um anjo, o
“Sara, sua mulher, lhe dará um Senhor o orientou a concordar com
filho, e você lhe chamará Isaque. o desejo de Sara; dessa forma, ele
Com ele estabelecerei a Minha poderia restabelecer a harmonia e
aliança” (Gn 17:19). “E no caso de a felicidade à sua família. O anjo
Ismael”, disse Ele, “levarei em conta prometeu que Deus não abandona-
o seu pedido. Também o abençoa- ria Ismael e que ele se tornaria pai
rei; […] e dele farei um grande povo” de uma grande nação. Abraão obe-
(Gn 17:20). deceu, mas não sem profundo so-
frimento. O coração do pai estava
A Poligamia Traz Sofrimento muito angustiado quando se despe-
O nascimento de Isaque encheu diu de Hagar e de seu filho.
as tendas de Abraão e Sara de ale- A santidade do matrimônio deve-
gria; mas, para Hagar, esse acon- ria ser preservada por todo o tempo.
tecimento destruiu seus maiores Os direitos e a felicidade desse rela-
sonhos. Todos pensavam em Ismael cionamento precisam ser protegi-
como o herdeiro das riquezas de dos com muito cuidado, mesmo que
Abraão e das bênçãos prometidas à custa de grande sacrifício. Sara foi
88 Os Escolhidos
a única verdadeira esposa de Abraão. Abraão era muito rico e consi-
Nenhuma outra pessoa estava auto- derado um príncipe poderoso pelos
rizada a partilhar de seus direitos. governantes de toda aquela região.
Ela não queria que Abraão divi- O Céu parecia ter rodeado de bên-
disse seus sentimentos com outra, e çãos sua vida de sacrifício e paciente
o Senhor não a reprovou por exigir perseverança.
que sua rival fosse banida de casa.
A Ordem para Oferecer
Exemplo para Todas Isaque
as Gerações Em fiel obediência, Abraão tinha
Abraão deveria ser um exem- deixado seu país natal e andado
plo de fé para as gerações futuras. como estrangeiro na terra que de-
Ainda assim, sua fé não foi perfeita. veria receber como herança. Havia
Ele mostrou falta de confiança em aguardado por muito tempo o nas-
Deus quando se casou com Hagar. cimento do herdeiro prometido.
Então, para que alcançasse o nível Seguindo a orientação de Deus,
mais alto de fé, Deus o submeteu a Abraão havia pedido a Ismael e
outra prova, a mais difícil que qual- Hagar que fossem embora. Agora,
quer ser humano jamais foi cha- quando parecia que suas esperan-
mado a suportar. Em uma visão à ças estavam para se realizar, ele re-
noite, Deus ordenou que ele sacri- cebia uma prova maior que todas
ficasse seu filho sobre o monte que as outras.
Deus iria lhe mostrar. A ordem deve ter esmagado
Já com cento e vinte anos de de angústia o coração daquele
idade, Abraão não tinha mais a pai: “Tome seu filho, seu único
força da juventude. No auge da filho, Isaque, a quem você ama […].
idade adulta, é possível enfrentar Sacrifique-o ali como holocausto”
com coragem as dificuldades e afli- (Gn 22:2). Isaque era a luz de seu
ções que fariam o coração desani- lar, a alegria de sua velhice, o her-
mar nos anos da velhice. Apesar deiro da bênção prometida; entre-
disso, Deus havia reservado a prova tanto, Deus lhe ordenou que ele
mais difícil para o momento em que mesmo derramasse o sangue da-
Abraão já estava idoso e desejando quele filho. Para Abraão, isso pare-
o descanso. cia algo impossível.
A Prova da Fé 89

Satanás estava a postos para su- voltou tremendo em desespero. Foi


gerir que ele estava enganado, pois até onde estava Sara, que também
a lei divina ordena: “Não matarás” dormia. Deveria despertá-la? Como
(Êx 20:13). Deus não exigiria o que desejava aliviar o coração e parti-
tinha proibido. Ao sair da sua tenda, lhar com ela essa terrível responsa-
Abraão relembrou a promessa de bilidade! Abraão se conteve. Isaque
que sua descendência seria tão nu- era a sua alegria e o seu orgulho; o
merosa quanto as estrelas. Como amor de mãe poderia se recusar a
Isaque poderia ser morto se essa fazer esse sacrifício.
promessa deveria ser cumprida por
meio dele? Abraão se prostou e orou Três Dias Muito Tristes
como nunca antes para obter alguma Abraão acordou o filho e lhe con-
confirmação da ordem, para saber tou da ordem para irem oferecer sa-
se ele realmente tinha que cumprir crifício em uma montanha distante.
esse terrível dever. Lembrou-se dos Isaque tinha ido adorar várias vezes
anjos que tinham sido enviados para com seu pai; por isso, ele não ficou sur-
revelar o propósito de Deus de des- preso com a notícia. A lenha estava
truir Sodoma e lhe trazido a pro- preparada e colocada sobre o jumento
messa desse mesmo filho Isaque. então partiram com dois servos.
Foi até o lugar onde já havia se en- Pai e filho viajavam em silêncio.
contrado antes com os mensageiros Abraão refletia em seu terrível se-
celestiais, na esperança de receber gredo. Seus pensamentos estavam
outra orientação, mas ninguém apa- naquela mãe amável, orgulhosa do
receu. A ordem de Deus estava clara filho e no dia em que teria que vol-
em seus ouvidos: “Tome seu filho, tar para casa sozinho. Ele bem sabia
seu único filho, Isaque, a quem você que a notícia da morte do filho seria
ama.” Ele deveria obedecer a essa como uma faca cortando seu coração.
ordem. Estava amanhecendo, e ele Aquele dia – o mais longo na
tinha que começar a viagem. vida de Abraão – arrastava-se e ia
Ao retornar à tenda, foi até onde chegando ao fim. Ele passou a noite
Isaque dormia o sono calmo e pro- em oração, esperando ainda que
fundo da juventude e inocência. algum mensageiro celestial viesse
Por um momento, o pai olhou para lhe dizer que o jovem poderia voltar
o rosto de seu querido filho e então intacto para sua mãe, porém nada
90 Os Escolhidos
nem ninguém veio aliviar seu cora- filho à morte. Abraão não quis que
ção angustiado. ninguém, a não ser Deus, testemu-
Outro longo dia. Outra noite de nhasse a cena da separação. Pediu
humilhação e oração. A ordem para que seus servos ficassem mais atrás,
matar seu filho continuava soando dizendo: “Eu e o rapaz vamos até lá.
aos seus ouvidos. Satanás estava Depois de adorarmos, voltaremos”
próximo para lançar dúvida e des- (Gn 22:5).
crença, mas Abraão resistiu às suas A lenha foi colocada sobre
insinuações. Isaque, o pai pegou a faca e as bra-
Quando estavam prontos para ini- sas, juntos começaram a subir em
ciar a jornada do terceiro dia, Abraão direção ao topo da montanha.
viu o sinal prometido, uma nuvem de O jovem finalmente disse: “Meu pai!
glória pairando sobre o Monte Moriá. […] As brasas e a lenha estão aqui,
Estava certo de que a voz que falara mas onde está o cordeiro para o ho-
com ele tinha vindo do Céu. locausto?” (Gn 22:7).
Mesmo naquele momento, não Que prova foi essa! Como aque-
murmurou contra Deus. Havia rece- las carinhosas palavras, “meu pai”,
bido esse filho de forma inesperada. feriram o coração de Abraão! Ele
Aquele que havia lhe concedido esse ainda não poderia lhe dizer. Então
precioso presente tinha o direito de respondeu: “Deus mesmo há de pro-
pedir de volta o que era Seu. Então ver o cordeiro para o holocausto,
a fé lhe renovou a promessa: “Por meu filho” (Gn 22:8).
meio de Isaque que sua descendên- No lugar indicado, construíram
cia há de ser considerada” (Gn 21:12) o altar e colocaram a lenha sobre ele.
– uma descendência numerosa como Depois, com voz trêmula, Abraão re-
os grãos de areia na praia. Isaque era velou a Isaque a mensagem divina.
o filho de um milagre e não poderia
o poder que lhe deu a vida ressuscitá- Educado para Obedecer
lo? Abraão se apegou à palavra di- Com terror e espanto, Isaque
vina: “Levou em conta que Deus pode ficou sabendo da sua sorte, mas
ressuscitar os mortos” (Hb 11:19). não ofereceu nenhuma resistên-
Ninguém a não ser Deus era cia. Poderia ter fugido se quisesse.
capaz de compreender o enorme O idoso pai, exausto com as lutas
sacrifício do pai em entregar seu daqueles três dias terríveis, não
A Prova da Fé 91

poderia ter se oposto à vontade doe seus descendentes: “‘Juro por Mim
jovem forte. Isaque, porém, tinha mesmo’, declara o Senhor, ‘que por
ter feito o que fez, não Me negando
sido educado, desde criança, a obe-
decer prontamente e, ao saber do seu filho, o seu único filho, esteja
propósito de Deus, ele se entregoucerto de que o abençoarei e farei
sem resistir. Partilhava da mesma fé
seus descendentes tão numerosos
de Abraão e sentiu-se honrado em como as estrelas do céu e como a
dar sua vida em oferta a Deus. areia das praias do mar. Sua descen-
As últimas palavras de amor dedência conquistará as cidades dos
um para com o outro foram ditas, que lhe forem inimigos e, por meio
as últimas lágrimas derramadas, dela, todos os povos da Terra serão
o último abraço foi dado. O pai le-
abençoados, porque você Me obede-
vantou a faca. No mesmo instante, ceu’” (Gn 22:16-18).
o Anjo de Deus o chamou do Céu: Desde então, o grande ato de
“Abraão, Abraão!” Ele rapidamente fé praticado por Abraão perma-
respondeu: “Eis-me aqui.” Então ele
nece como uma coluna de luz, ilu-
ouviu novamente a voz: “‘Não toqueminando o caminho dos servos de
no rapaz’, disse o Anjo. ‘Não lhe faça
Deus em todos os tempos. Durante
nada. Agora sei que você teme a Deus,
esses três dias de viagem, Abraão
porque não Me negou seu filho, o seu
teve tempo suficiente para racio-
único filho’” (Gn 22:11, 12). cinar e duvidar de Deus. Ele pode-
Abraão viu “um carneiro preso ria ter pensado que matar seu filho
pelos chifres” e logo a seguir o faria com que fosse considerado um
ofereceu “em lugar de seu filho” assassino, um segundo Caim; seus
(Gn 22:13). Com grande alegria ensinos poderiam ser rejeitados e
e gratidão, Abraão deu um novo desprezados, destruindo assim seu
nome àquele lugar sagrado – “Jeová-
poder para fazer o bem a seus seme-
jiré”, que significa: “O Senhor pro-
lhantes. Poderia ter se justificado,
verá” (Gn 22:14). dizendo que a idade o dispensava
de obedecer, mas ele não se apegou
Promessa Renovada às desculpas. Abraão era humano.
No Monte Moriá, por meio de Suas paixões e afeições eram seme-
um juramento solene, Deus confir- lhantes às nossas, porém ele não
mou novamente a bênção a Abraão parou para ficar pensando na dor
92 Os Escolhidos
que sentia em seu coração. Sabia que Deus “anunciou primeiro as
Deus é justo e reto em tudo aquilo boas-novas a Abraão” (Gl 3:8). A fé
que nos pede para fazer. do patriarca foi firmada no Reden-
‘“Abraão creu em Deus, e isso lhe tor que um dia viria. Cristo disse:
foi creditado como justiça’ e ele foi “Abraão, pai de vocês, regozijou-se
chamado amigo de Deus” (Tg 2:23). porque veria o Meu dia; ele o viu
Paulo diz ainda: “Os que são da fé, estes e alegrou-se” (Jo 8:56). O cordeiro
é que são filhos de Abraão” (Gl 3:7). oferecido em lugar de Isaque repre-
Abraão demonstrou sua fé por meio sentava o Filho de Deus, que seria
de suas obras. “Não foi Abraão, nosso sacrificado em nosso lugar. O Pai,
antepassado, justificado por obras, olhando para Seu Filho, disse ao pe-
quando ofereceu seu filho Isaque cador: “Viva: Eu achei um resgate.”
sobre o altar? Você pode ver que A angústia que Abraão supor-
tanto a fé como as obras estavam tou durante os dias mais negros da-
atuando juntas, e a fé foi aperfei- quela terrível prova foi permitida
çoada pelas obras” (Tg 2:21, 22). para que ele pudesse compreender
Muitos não conseguem enten- uma parte da grandeza do sacrifício
der a relação entre fé e obras. Dizem feito por Deus para a nossa redenção.
eles: “Apenas creia em Cristo e estará Nenhuma outra prova poderia ter
salvo; isso não tem nada que ver com causado em Abraão tamanho sofri-
guardar a lei.” Entretanto, a fé ver- mento como o oferecimento do pró-
dadeira é demonstrada por meio da prio filho. Deus deu Seu Filho para
obediência. O Senhor declara com que sofresse uma morte de agonia e
respeito ao pai dos fiéis: “Abraão Me humilhação. Não foi permitido aos
obedeceu e guardou Meus preceitos, anjos que interferissem, como ha-
Meus mandamentos, Meus decre- viam feito no caso de Isaque. Não
tos e Minhas leis” (Gn 26:5). Tiago houve nenhuma voz que exclamasse:
assim nos diz: “Assim também a fé, “Basta!” Para salvar a raça caída, o Rei
por si só, se não for acompanhada da glória entregou a Sua vida.
de obras, está morta” (Tg 2:17). “Aquele que não poupou Seu
João, que tanto fala de amor, nos próprio Filho, mas O entregou por
diz: “Porque nisto consiste o amor todos nós, como não nos dará jun-
a Deus: em obedecer aos Seus man- tamente com Ele, e de graça, todas
damentos” (1Jo 5:3). as coisas?” (Rm 8:32).
A Prova da Fé 93

Lição para o Universo não envolvia sofrimento, mas a


O sacrifício exigido de Abraão ordem que foi dada a Abraão exigia
não foi somente para o bem de si o mais angustiante sacrifício. Todo o
mesmo nem apenas para benefício Céu contemplava com espanto e ad-
das futuras gerações; serviu tam- miração a inabalável obediência de
bém de instrução para os seres sem Abraão. Todo o Céu admirava sua
pecado, no Céu e em outros mun- lealdade. Ficou provado que as acusa-
dos. A Terra, onde o plano da re- ções de Satanás eram falsas. A aliança
denção está sendo executado, é o feita entre Deus e Abraão provou que
livro de estudos do Universo. Como a obediência será recompensada.
Abraão havia mostrado falta de fé, Quando a ordem foi dada a
Satanás o havia acusado diante dos Abraão para oferecer seu filho, todos
anjos e de Deus. O Senhor desejou os seres celestiais observaram com
provar a lealdade de Seu servo pe- intenso interesse cada passo no cum-
rante todo o Céu, para demonstrar primento dessa ordem. Luz foi lan-
que nada menos que a perfeita obe- çada sobre o mistério da redenção, e
diência pode ser aceita, explicando até mesmo os anjos compreenderam
assim de forma mais clara para eles mais claramente a maravilhosa pro-
o plano da salvação. vidência feita por Deus para a nossa
A prova dada a Adão no Éden salvação (ver 1Pe 1:12).
14
O Pecado de Sodoma
*
e Gomorra
E ntre as cidades do
vale do Jordão estava
Sodoma, que era “como o jardim do
sofrimento. O povo se entregou à
satisfação de seus desejos sensuais.
“Ora, este foi o pecado de sua irmã
Senhor” (Gn 13:10), por sua fertili- Sodoma: ela e suas filhas eram ar-
dade e beleza. Ricas plantações se es- rogantes, tinham fartura de co-
palhavam pelos campos, ao lado dos mida e viviam despreocupadas;
rebanhos e do gado que cobriam as não ajudavam os pobres e os neces-
colinas ao redor. A arte e o comércio sitados. Eram altivas e cometeram
contribuíam para o enriquecimento práticas repugnantes diante de
da orgulhosa cidade. Os tesouros do Mim. Por isso Eu Me desfiz delas,
Oriente enfeitavam seus palácios e conforme você viu” (Ez 16:49, 50).
as caravanas traziam todo tipo de Satanás tem mais sucesso quando
preciosidades para abastecer os mer- faz seus ataques no momento em
cados. Com pouca preocupação ou que as pessoas estão sem ter nada
trabalho, as pessoas tinham condi- para fazer.
ções de viver confortavelmente. Em Sodoma havia prazeres,
A despreocupação e as riquezas orgia, banquetes e bebedeiras. As
endureciam o coração que nunca paixões mais abomináveis não ti-
havia se preocupado com a pobreza nham limites. O povo não apenas
ou vivido sobrecarregado pelo desafiava abertamente a Deus e à
* Este capítulo é baseado em Gênesis 19.
O Pecado de Sodoma e Gomorra 95

Sua lei, mas também se divertia beleza. Multidões em busca de pra-


com a violência. Embora tivessem o zeres iam de um lado para outro,
exemplo do mundo antediluviano e preocupadas em aproveitar as ale-
soubessem de sua destruição, segui- grias do momento.
ram o mesmo caminho de maldade. No cair da noite, dois estranhos se
Quando Ló se mudou para aproximaram dos portões da cidade.
Sodoma, a perversão ainda não era Ninguém poderia imaginar que
tão generalizada e, em Sua miseri- aqueles eram os poderosos porta-
córdia, Deus permitiu que raios de vozes do juízo divino. A multidão
luz brilhassem em meio às trevas despreocupada mal sonhava que,
morais. Abraão não era um estra- por causa da maneira como ha-
nho para o povo de Sodoma, e sua viam tratado aqueles mensageiros
vitória sobre forças muito mais po- celestiais, naquela mesma noite, eles
derosas provocaram espanto e ad- atingiram o auge da transgressão
miração. Ninguém poderia negar que acabou condenando a cidade.
que um poder divino o havia feito
vencedor. Seu espírito nobre e al- Ló Hospeda Anjos
truísta, tão estranho aos habitan- Ali morava um homem que
tes egoístas de Sodoma, foi outra havia demonstrado bondade e aten-
prova de que a religião que ele ção para com os desconhecidos,
honrava era superior. Deus estava convidando-os para irem à sua casa.
falando àquele povo por Sua pro- Ló não imaginava quem eles eram
vidência, mas o último raio de luz e por que estavam ali; mas, ser edu-
havia sido rejeitado, como todos os cado e hospitaleiro era um hábito
outros anteriormente. que ele cultivava – uma lição que
A última noite de Sodoma estava havia aprendido com Abraão. Se
chegando, mas seus moradores não não tivesse cultivado o espírito de
perceberam. Enquanto os anjos se cortesia, poderia ter sido destruído
aproximavam para executar a mis- com Sodoma. Muitos lares fecham
são de destruição, as pessoas so- suas portas a estranhos, e assim dei-
nhavam com prosperidade e prazer. xam do lado de fora mensageiros
O último dia foi como todos os ou- de Deus que trariam grandes bên-
tros. Os raios do pôr do sol banha- çãos. O Senhor Se agrada dos atos
vam a paisagem de incomparável humildes e sinceros de abnegação
96 Os Escolhidos
diária, praticados alegremente e de Os estranhos perguntavam a res-
boa vontade. peito do caráter da cidade, quando
Conhecendo a maneira abusiva em vaias e zombarias a multidão co-
pela qual os estranhos eram trata- meçou a gritar, exigindo que os ho-
dos em Sodoma, Ló encarou como mens fossem levados para fora.
seu dever protegê-los depois que Ló saiu para tentar convencê-los.
entraram na cidade, oferecendo a “Não, meus amigos”, disse ele. “Não
eles um lugar em sua casa. Estava façam essa perversidade!” (Gn 19:7).
assentado no portão quando os Ele usou o termo “amigos” no sen-
viajantes se aproximaram. Ló se tido de vizinhos, esperando ganhar
levantou de seu lugar e foi ao en- a confiança deles. Mesmo assim, a
contro deles. Curvando-se em sinal ira deles se tornou como o rugido de
de cortesia, disse: “Meus senhores, um furacão. Eles zombaram de Ló
por favor, acompanhem-me à casa e o ameaçaram de tratá-lo pior do
do seu servo. Lá poderão […] passar que tinham pensado em fazer com
a noite’ [...]. ‘Não, passaremos a noite seus hóspedes. Eles o teriam feito
na praça’” (Gn 19:2), responderam em pedaços se os anjos de Deus não
eles, parecendo recusar. Eles tinham o tivessem livrado. Os mensageiros
duas razões para responder dessa celestiais “agarraram Ló, puxaram-
maneira – provar a sinceridade de no para dentro e fecharam a porta.
Ló e parecer que desconheciam o Depois feriram de cegueira os ho-
caráter dos habitantes de Sodoma, mens que estavam à porta da casa,
como se pensassem que era seguro dos mais jovens aos mais velhos,
ficar na rua à noite. Ló insistiu em de maneira que não conseguiam
seu convite até que concordaram e encontrar a porta” (Gn 19:10, 11).
foram com ele para casa. Se não tivessem sido atingidos por
A hesitação dos estrangeiros e cegueira dupla, sendo entregues
a insistência de Ló atraiu a aten- à dureza do seu coração, Deus os
ção e, à noite, antes que se acomo- teria atacado de tal forma que de-
dassem, uma multidão pervertida sistiriam de fazer o que pretendiam.
e descontrolada se reuniu ao redor Os pecados revelados naquela úl-
da casa; um grupo imenso, tanto de tima noite não eram maiores do que
jovens como de velhos, todos toma- nas muitas noites anteriores, mas
dos pelas paixões mais desprezíveis. a misericórdia de Deus, durante
O Pecado de Sodoma e Gomorra 97

tanto tempo desprezada, cessou fi- para deixarem a cidade. Apesar da


nalmente de batalhar. Os fogos da urgência, Ló estava demorando. Ele
vingança de Deus já estavam pron- não tinha uma noção real dos vícios
tos para serem acesos. degradantes praticados naquela ci-
Os anjos revelaram a Ló o obje- dade depravada. Não percebia a ter-
tivo de sua missão: “Estamos para rível necessidade de que os juízos de
destruir esse lugar. As acusações Deus precisavam colocar um fim ao
feitas ao Senhor contra este povo pecado. Alguns de seus filhos se ape-
são tantas que Ele nos enviou para garam a Sodoma e o pensamento de
destruir a cidade” (Gn 19:13). Os deixar aqueles a quem tanto amava
estrangeiros a quem Ló havia ten- na Terra parecia insuportável. Era
tado ajudar prometeram protegê-lo difícil abandonar sua casa luxuosa
e também salvar toda a sua famí- e toda a riqueza adquirida durante
lia, que deveria fugir daquela ímpia toda a vida, para sair dali de mãos
cidade. A multidão se cansou e foi vazias, sem nem mesmo saber para
embora; então Ló foi avisar seus fi- onde ir. Confuso e muito triste, ele
lhos. “Saiam imediatamente deste estava demorando demais. Se não
lugar, porque o Senhor está para fosse pelos anjos, todos eles teriam
destruir a cidade!” (Gn 19:14). Eles morrido. Os mensageiros celestiais
riram e disseram que aquilo não o tomaram pela mão, também a sua
passava de superstição. Suas filhas esposa e as filhas, e os levaram para
foram influenciadas pelos maridos. fora da cidade.
Não viram nenhum sinal de perigo. Em todas as cidades da planí-
Eles tinham muitos bens e não acre- cie, eles não conseguiram encontrar
ditaram que a bela Sodoma seria nem mesmo dez pessoas justas. Em
destruída. resposta à oração de Abraão, o único
homem que temia a Deus foi tirado
Ló Perde Tudo às pressas para não ser destruído.
Ló voltou muito triste para casa Com grande firmeza, foi dada a
dizendo que, mesmo apelando, não ordem: “Fuja por amor à vida! Não
havia conseguido convencê-los. olhe para trás e não pare em lugar
Então os anjos lhe disseram que ele nenhum da planície! Fuja para as
deveria chamar a esposa e as duas montanhas, ou você será morto!”
filhas que ainda estavam em casa (Gn 19:17). Lançar um olhar mais
98 Os Escolhidos
demorado sobre a cidade, parar por Novamente foi dada a ordem
um momento que fosse, arrependi- para que se apressassem, pois a
dos por deixar seu lar tão bonito, terrível tempestade de fogo não
teria lhes custado a vida. As violen- demoraria muito a cair. Um dos fu-
tas manifestações dos juízos divi- gitivos olhou para trás, para a ci-
nos estavam apenas aguardando dade condenada, e se tornou um
que esses pobres fugitivos pudes- monumento do juízo de Deus. Se o
sem escapar com segurança. próprio Ló tivesse obedecido e fu-
Ló, confuso e aterrorizado, ar- gido para a montanha sem fazer
gumentava que não poderia fazer objeção, sua esposa também po-
o que os dois visitantes haviam deria ter escapado. Seu exemplo a
lhe dito. Morando naquela cidade teria salvado do pecado que selou
má, sua fé havia se tornado fraca. sua condenação. Sua relutância fez
O Príncipe do Céu estava ao seu com que ela desse pouca importân-
lado, mesmo assim Ló suplicava por cia à advertência divina. Embora
sua vida, como se Deus, que antes seu corpo estivesse na planície, seu
demonstrou tanto amor por ele, não coração tinha ficado em Sodoma;
mais o guardasse. Ele deveria ter por isso ela morreu com a cidade.
confiado totalmente no Mensageiro Ela se rebelou contra Deus porque
divino. “Aqui perto há uma cidade Seus juízos envolveram seus bens
pequena. Está tão próxima que dá e seus filhos na destruição. Achava
para correr até lá. Deixe-me ir para que Deus tinha sido muito severo
lá! Mesmo sendo tão pequena, lá es- com ela, ao exigir que toda a riqueza
tarei a salvo” (Gn 19:20). Zoar ficava que eles demoraram tantos anos
apenas a uns poucos quilômetros para acumular fosse destruída. Em
de Sodoma e, da mesma forma, era vez de aceitar o livramento com gra-
má e estava condenada à destrui- tidão, presunçosamente olhou para
ção. Ló pediu que ela fosse poupada, trás, com o imenso desejo de con-
insistindo que esse era apenas um tinuar vivendo o mesmo estilo de
pequeno pedido. Seu desejo foi aten- vida daqueles que rejeitaram o con-
dido. O Senhor garantiu: “Está bem selho divino.
[...]. Também lhe atenderei esse pe- Há cristãos que dizem: “Não
dido; não destruirei a cidade da qual quero ser salvo, a menos que minha
você fala” (Gn 19: 21). esposa e filhos sejam salvos comigo.”
O Pecado de Sodoma e Gomorra 99

Acham que o Céu não seria Céu sem De repente, como o estrondo de
a presença daqueles a quem tanto um trovão, mesmo sem nenhuma
amam. Será que as pessoas que ali- nuvem no céu, a tempestade desa-
mentam esse tipo de sentimento bou. O Senhor fez chover fogo e en-
não sabem que estão ligadas por xofre sobre as cidades e a planície.
laços muito mais fortes de amor e Palácios e templos, mansões, jar-
lealdade ao seu Criador e Redentor? dins, vinhedos e multidões amantes
Se nossos amigos rejeitam o amor do prazer, inclusive aqueles que na
do Salvador, nós também devería- noite anterior insultaram os men-
mos rejeitar? Cristo pagou um preço sageiros do Céu – todos foram con-
infinito por nossa salvação, e aque- sumidos. A fumaça subia como se
les que dão valor a esse presente não fosse uma grande fornalha. O belo
desprezarão a misericórdia de Deus vale de Sidim se tornou um lugar
porque outros decidem fazer assim. que nunca mais seria reconstruído
O fato de outros desconhecerem as ou habitado – uma testemunha,
justas exigências de Deus deve nos para todas as gerações, da plena
animar a sermos mais prontos para certeza dos juízos de Deus sobre os
honrar a Deus e levar todos os que transgressores.
pudermos a aceitar o Seu amor. Existem pecados maiores do
que aqueles pelos quais Sodoma e
Sodoma é Destruída Gomorra foram destruídas. Aqueles
“Quando Ló chegou a Zoar, o que ouvem o convite do evangelho
sol já havia nascido sobre a Terra” para o arrependimento e não aten-
(Gn 19:23). Os brilhantes raios da dem ao chamado são mais culpados
manhã pareciam trazer somente que os moradores do vale de Sidim.
prosperidade e paz às cidades da O destino de Sodoma é uma séria
planície. A vida ativa e agitada nas advertência, não somente aos que
ruas estava apenas começando. As são culpados por viverem aberta-
pessoas seguiam por vários cami- mente no pecado, mas para todos
nhos, concentradas nos negócios ou aqueles que não levam em conside-
prazeres do novo dia. Os genros de ração a luz e os privilégios envia-
Ló estavam se divertindo à custa dos pelo Céu.
dos temores e advertências dadas O Salvador aguarda uma res-
pelo sogro já idoso. posta à Sua oferta de amor e de
100 Os Escolhidos
perdão com mais carinho e com- homens” (Mt 15:9). A infidelidade
paixão que o coração de um pai na domina em muitas igrejas, não uma
Terra ao perdoar um filho que se re- infidelidade declarada, como a nega-
belou. “Voltem para Mim e Eu vol- ção aberta da Bíblia, mas uma infi-
tarei para vocês” (Ml 3:7). Aquele delidade sutil que enfraquece a fé
que insiste em recusar esse grande na Bíblia como a revelação de Deus.
amor será finalmente deixado em A verdadeira religião tão essencial
trevas. O coração que despreza a mi- à vida deu lugar ao formalismo sem
sericórdia de Deus por longo tempo sentido. Como resultado, a imora-
fica endurecido pelo pecado e não é lidade e a apostasia tomaram
mais capaz de responder à influên- conta. Cristo declarou: “Aconteceu
cia da graça divina. No dia do juízo, a mesma coisa nos dias de Ló. […]
haverá mais tolerância para as cida- Acontecerá exatamente assim no
des da planície do que para aqueles dia em que o Filho do homem for
que conheceram o amor de Cristo e revelado” (Lc 17:28, 30). O mundo
se voltaram para os prazeres do pe- está amadurecendo rapidamente
cado. Nos livros do Céu, Deus man- para a destruição.
tém um registro dos pecados das Nosso Salvador afirmou: “Te-
nações, das famílias e de cada pes- nham cuidado para não sobre-
soa. Ainda são estendidos convi- carregar o coração de vocês de
tes ao arrependimento e ofertas de libertinagem, bebedeira e ansieda-
perdão, mas virá o tempo em que a des da vida, e aquele dia venha so-
folha de registro estará completa, bre vocês inesperadamente. Porque
a decisão pessoal tomada e o destino ele virá sobre todos os que vivem
da pessoa selado de acordo com sua na face de toda a Terra” – a todas as
escolha. Então será dado o sinal para pessoas cujos interesses estão foca-
executar o juízo. dos neste mundo. “Estejam sempre
atentos e orem para que vocês pos-
Outra Sodoma sam escapar de tudo o que está para
No mundo religioso de hoje, acontecer, e estar em pé diante do
pouca importância é dada à mise- Filho do homem” (Lc 21:34-36).
ricórdia de Deus. Multidões anu- Antes da destruição de Sodoma,
lam a lei; “seus ensinamentos não Deus enviou uma mensagem a Ló:
passam de regras ensinadas por “Fuja por amor à vida!” (Gn 19:17).
O Pecado de Sodoma e Gomorra 101

A mesma voz de advertência foi As pessoas continuam so-


ouvida antes da destruição de nhando com prosperidade e paz.
Jerusalém: “Quando virem Jeru- Multidões proclamam: “Paz e se-
salém rodeada de exércitos, vocês gurança”, enquanto o Céu declara
saberão que a sua devastação está que repentina destruição está para
próxima. Então os que estiverem cair sobre o transgressor. Na noite
na Judeia fujam para os montes” anterior à destruição, as cidades
(Lc 21:20, 21). Eles não deveriam da planície se entregaram aos ex-
se demorar, mas fugir o mais rá- cessos e aos prazeres e zombaram
pido possível. dos avisos do mensageiro de Deus.
Houve uma saída, uma clara se- Na mesma noite, a porta da mise-
paração dos ímpios, uma fuga para ricórdia se fechou para sempre aos
salvar a vida. Foi assim nos dias de despreocupados e ímpios habitan-
Noé; assim foi com Ló; aconteceu o tes de Sodoma. Deus não será zom-
mesmo com os discípulos antes da bado para sempre.
destruição de Jerusalém; e assim O mundo em massa rejeitará a
será nos últimos dias. Mais uma vez misericórdia de Deus e será de uma
podemos ouvir a voz de Deus cha- vez destruído para sempre. Aqueles
mando Seu povo para ficar longe da que atenderem às advertências ha-
maldade espalhada por toda parte. bitarão “no abrigo do Altíssimo” e
A imoralidade e a apostasia dos descansarão “à sombra do Todo-
últimos dias foram apresentadas ao Poderoso” (Sl 91:1).
profeta João na visão de Babilônia, Não muito tempo depois,
“a grande cidade que reina sobre os quando Deus viu que era necessá-
reis da Terra” (Ap 17:18). Antes de rio, Zoar também foi destruída. Ló
sua destruição, será feito o convite fugiu para as montanhas e passou
do Céu: “Saiam dela, vocês, povo a viver em uma caverna.
Meu, para que vocês não participem Mesmo assim, a maldição de
dos seus pecados, para que as pragas Sodoma o seguiu. A atitude imo-
que vão cair sobre ela não os atin- ral de suas filhas foi o resultado
jam!” (Ap 18:4). Como nos dias de das más amizades naquela cidade
Noé e de Ló, não pode existir união ímpia. Ló escolheu Sodoma pelos
entre Deus e o mundo, nem busca prazeres e lucros que oferecia, em-
por tesouros terrestres (Mt 6:24). bora tenha mantido o temor de
102 Os Escolhidos
Deus em seu coração. Ele foi salvo inteiramente livre da maldade e or-
como “um tição tirado do fogo” denar bem a sua casa, mas fracassou.
(Zc 3:2), mas sem seus bens e lamen- O resultado está claro diante de nós.
tando a perda da esposa e dos filhos, Assim como Ló, muitos perce-
passou a morar em cavernas, em bem que seus filhos já estão perdi-
uma vida de completa humilhação dos, e apenas conseguem salvar a si
em sua velhice. Ele deu ao mundo mesmos. Toda uma vida de traba-
não uma raça de pessoas justas, mas lho está perdida; não passa de um
duas nações idólatras que se opu- triste fracasso. Se tivessem prati-
seram e guerrearam contra o povo cado a verdadeira sabedoria, seus
de Deus até que foram destruídas, filhos talvez não tivessem ficado
quando se encheu a sua taça de ini- ricos, mas teriam garantido o di-
quidade. Como foram terríveis os reito à herança imortal.
resultados que se seguiram por A herança que Deus prometeu
causa de um passo mal dado! não está neste mundo. Abraão “pe-
“Não esgote suas forças ten- regrinou na terra prometida como
tando ficar rico; tenha bom senso!” se estivesse em terra estranha;
(Pv 23:4). “O avarento põe sua famí- viveu em tendas, bem como Isaque
lia em apuros” (Pv. 15:27). “Os que e Jacó, co-herdeiros da mesma pro-
querem ficar ricos caem em tenta- messa. Pois ele esperava a cidade
ção, em armadilhas e em muitos de- que tem alicerces, cujo arquiteto
sejos descontrolados e nocivos, que e edificador é Deus” (Hb 11:9, 10).
levam os homens a mergulharem Devemos viver neste mundo como
na ruína e na destruição” (1Tm 6:9). peregrinos e estrangeiros, se preten-
Quando Ló entrou em So- demos alcançar “uma pátria melhor,
doma, ele pretendia se manter isto é, a pátria celestial” (Hb 11:16).
15
O Casamento Mais
*
Feliz na Bíblia
A braão estava bem idoso,
mas ainda tinha uma
coisa a fazer. Deus havia nomeado
Nos tempos antigos, os contra-
tos de casamento eram geralmente
feitos pelos pais, e esse era o cos-
Isaque como o próximo guardião da tume entre aqueles que adoravam
lei divina e o pai do povo escolhido, a Deus. Ninguém era obrigado a se
mas ele ainda era solteiro. casar com quem não poderia amar,
Os cananeus eram adoradores mas os jovens eram orientados pela
de ídolos, e Deus proibiu os casa- decisão e bom senso de seus pais te-
mentos entre eles e Seu povo, sa- mentes a Deus. Era considerado uma
bendo que tais uniões levariam à desonra para os pais, e até mesmo
apostasia. Isaque era gentil e sub- um crime, agir de modo contrário.
misso. Se ele se unisse a alguém que Confiante na sabedoria de seu
não temia a Deus, correria o risco de pai, Isaque estava satisfeito em en-
sacrificar o princípio em favor da tregar esse caso a ele, crendo tam-
harmonia. Para Abraão, a escolha de bém que o próprio Deus dirigiria a
uma esposa para seu filho era uma escolha a ser feita. Os pensamentos
questão extremamente importante. de Abraão se voltaram para os pa-
Estava ansioso para que Isaque se rentes de seu pai na Mesopotâmia.
casasse com alguém que não o afas- Eles não estavam livres da idolatria,
taria de Deus. mas tinham o conhecimento do
* Este capítulo é baseado em Gênesis 24.
104 Os Escolhidos
verdadeiro Deus. Isaque não deve- esposa e amigos, ele partiu para a
ria ir até lá, mas talvez fosse possí- longa jornada além de Damasco,
vel encontrar uma jovem na família até as planícies banhadas pelo rio
de seu pai, que estivesse disposta a Eufrates, o grande rio do Oriente.
deixar sua casa e se casar com ele Quando chegou a Harã, a “ci-
para manter a pureza do culto ao dade onde Naor tinha morado”
verdadeiro Deus. (Gn 24:10), parou do lado de fora
Abraão confiou esse importante dos muros, próximo ao poço onde
assunto a Eliézer, “o servo mais as mulheres vinham à tarde para
velho de sua casa” (Gn 24:2), um buscar água. Estava preocupado.
homem experiente e de bom discer- Resultados importantes e de gran-
nimento, que vinha lhe prestando des consequências, não só para a
um serviço fiel por muito tempo. Ele casa de seu senhor, mas para as ge-
exigiu que seu servo fizesse um jura- rações futuras, dependiam da esco-
mento solene, prometendo que não lha que ele fizesse. Lembrando-se de
escolheria uma esposa para Isaque que Deus enviaria o Seu anjo com
entre os cananeus, mas que escolhe- ele, orou pedindo uma clara dire-
ria uma moça da família de Naor, na ção. Na família de seu senhor, ele
Mesopotâmia. Se não conseguisse estava acostumado a sempre agir
encontrar uma moça que quisesse com bondade e hospitalidade e, na-
deixar seu lar e sua família, então o quele momento, pediu que um ato
mensageiro estaria livre de seu jura- de cortesia indicasse a jovem que
mento. Abraão o animou com a cer- Deus tinha escolhido.
teza de que, com a ajuda de Deus, Mal terminou a oração, e a res-
sua missão seria bem-sucedida. “O posta foi dada. Entre as moças que
Senhor, o Deus dos Céus”, disse ele, estavam junto ao poço, as manei-
“que me tirou da casa de meu pai e ras corteses de uma delas atraíram
de minha terra natal […] enviará o a sua atenção. Assim que ela se reti-
Seu anjo adiante de você” (Gn 24:7). rou, o estranho foi ao seu encontro e
O mensageiro partiu sem de- pediu um pouco de água do cântaro
mora. Pegando dez camelos para uso que tinha sobre os ombros. O pe-
de seu grupo e do cortejo nupcial que dido recebeu uma amável resposta,
poderia retornar com ele, levando e ela se ofereceu para tirar água para
também presentes para a futura os camelos também.
O Casamento Mais Feliz na Bíblia 105

Assim, o sinal que pediu rapi- Rebeca Acreditou em Eliézer


damente lhe foi dado. A jovem “era A própria Rebeca foi consultada
muito bonita”, e sua prontidão e cor- para saber se ela estava disposta a
tesia provaram que tinha um bom ir para um lugar tão distante da
coração e uma natureza dinâmica casa de seus pais a fim de se casar
e ativa. Até aí a mão divina estava com o filho de Abraão. Ela acredi-
com ele. O mensageiro perguntou tou que Deus a havia escolhido para
de quem ela era filha e, quando ele ser a esposa de Isaque e disse: “Sim,
soube que o pai da moça era Betuel, quero” (Gn 24:58).
sobrinho de Abraão, “curvou-se em O servo, imaginando a alegria
adoração ao Senhor”. de seu senhor, ficou ansioso para
O mensageiro explicou então à partir e, logo ao amanhecer, eles se
jovem o relacionamento que tinha puseram a caminho na viagem de
com Abraão. Ao voltar para casa, volta para casa. Abraão morava em
ela contou o que tinha acontecido, e Berseba, e Isaque, que estava pas-
Labão, seu irmão, no mesmo instante, toreando os rebanhos numa região
saiu apressado e trouxe o estranho próxima, tinha voltado à tenda
para se hospedar na casa deles. de seu pai para esperar pelo men-
Eliézer não quis comer alimento sageiro que vinha de Harã. “Certa
algum antes de falar da missão que tarde, saiu ao campo para meditar.
o havia levado até ali, da oração Ao erguer os olhos, viu que se apro-
junto ao poço e de tudo o que tinha ximavam camelos. Rebeca tam-
acontecido depois disso. Então ele bém ergueu os olhos e viu Isaque.
disse: “Agora, se quiserem mostrar Ela desceu do camelo e perguntou
fidelidade e bondade a meu senhor, ao servo: ‘Quem é aquele homem
digam-me; e, se não quiserem, di- que vem pelo campo ao nosso en-
gam-me também, para que eu de- contro?’ ‘É meu senhor’, respondeu
cida o que fazer” (Gn 24:49). E a o servo. Então ela se cobriu com o
resposta foi: “Isso vem do Senhor; véu. Depois o servo contou a Isaque
nada lhe podemos dizer, nem a tudo o que havia feito. Isaque levou
favor, nem contra. Aqui está Rebeca; Rebeca para a tenda de sua mãe
leve-a com você e que ela se torne a Sara; fez dela sua mulher, e a amou;
mulher do filho do seu senhor, como assim Isaque foi consolado após a
disse o Senhor” (Gn 24:50, 51). morte de sua mãe” (Gn 24:63-67).
106 Os Escolhidos
Abraão tinha observado o resul- veio de sua descendência foi um
tado dos casamentos entre aqueles povo pagão e perturbador.
que temiam a Deus e os que não te- A esposa de Ló foi uma mulher
miam, desde os dias de Caim até a egoísta, sem religião, e fez tudo para
época em que vivia. As consequên- separar seu marido de Abraão. Se
cias de sua união com Hagar e os não fosse por sua causa, Ló não
casamentos de Ismael e Ló estavam teria ficado em Sodoma. A influên-
diante dele. A influência de Abraão cia de sua esposa e o seu relacio-
sobre seu filho Ismael foi prejudi- namento com o povo dessa ímpia
cada pelo convívio com os paren- cidade o teriam levado a se afastar
tes idólatras de Hagar e pela ligação de Deus, se não fossem as fiéis ins-
de Ismael com esposas descrentes. truções recebidas de Abraão em sua
A inveja de Hagar e das esposas juventude.
que ela escolheu para Ismael cercou É perigoso, para aquele que teme
sua família com uma barreira que a Deus, relacionar-se com aqueles
Abraão se esforçou, mas não con- que não O temem. “Duas pessoas
seguiu ultrapassar. andarão juntas se não estiverem
Os primeiros ensinos de Abraão de acordo?” (Am 3:3). A felicidade
não deixaram de ter algum efeito e o sucesso do casamento depen-
sobre Ismael, mas as influências dem da harmonia entre marido e
de suas esposas resultaram na prá- mulher; mas há uma diferença ra-
tica da idolatria em sua família. dical de gostos, inclinações e obje-
Separado de seu pai e amargurado tivos entre o crente e o descrente.
pelas brigas e discórdias de um lar Por mais puros e corretos que sejam
onde faltava o amor e o temor de os princípios de um, a influência de
Deus, Ismael foi levado a escolher um companheiro ou companheira
a vida selvagem de um chefe de la- descrente terá a tendência de afas-
drões do deserto; “sua mão será con- tar o crente de Deus.
tra todos, e a mão de todos contra Aqueles que entraram para o ca-
ele” (Gn 16:12). No fim da vida, ele se samento quando ainda não eram
arrependeu e voltou ao Deus de seu convertidos, e depois se converte-
pai, mas as marcas de caráter fica- ram, têm maior obrigação de serem
ram e foram transmitidas aos seus fiéis ao seu cônjuge, não importando
descendentes. A poderosa nação que quais sejam as suas diferenças
O Casamento Mais Feliz na Bíblia 107

quanto à fé religiosa. Entretanto, as tarde demais. A mesma falta de sa-


ordens de Deus devem ser colocadas bedoria e domínio próprio que de-
acima de todo relacionamento ter- terminaram a escolha precipitada
reno, mesmo que traga provações e tornam os problemas ainda piores,
perseguição. O espírito de amor e até que o casamento se transforma
fidelidade pode conquistar o côn- em um fardo. Assim, muitos perde-
juge descrente. No entanto, o casa- ram a felicidade nesta vida e a espe-
mento com descrentes é proibido na rança da vida futura.
Bíblia. “Não se ponham em jugo de- Se a Bíblia já foi necessária como
sigual com os descrentes” (2Co 6:14; conselheira, se em algum tempo a
ver também v. 17, 18). direção divina deveria ser buscada
em oração, é ainda mais no mo-
Antes do Casamento mento de dar esse passo que une
Isaque foi o herdeiro das pro- as pessoas para toda a vida.
messas pelas quais o mundo seria Pais e mães jamais deveriam per-
abençoado; mesmo assim, quando der de vista a responsabilidade que
estava com quarenta anos de idade, têm para com a felicidade futura de
permitiu que seu pai escolhesse uma seus filhos. Ao mesmo tempo em
esposa para ele. O resultado desse que Abraão exigia de seus filhos o
casamento traz um belo exemplo respeito à autoridade paterna, sua
de felicidade no lar: “Isaque levou vida diária dava fiel testemunho
Rebeca para a tenda de sua mãe de que essa autoridade não era um
Sara; fez dela sua mulher, e a amou; domínio egoísta ou arbitrário, mas
assim Isaque foi consolado após a que estava fundamentada no amor
morte de sua mãe” (Gn 24:67). e que tinha em vista o bem-estar e
É muito comum encontrar jo- a felicidade deles.
vens que acham que a escolha de Os pais e mães têm o dever de
um companheiro para a vida é uma orientar os sentimentos dos jovens
questão pessoal, que diz respeito a para que sejam colocados naque-
eles somente. Acham-se capazes de les que serão companheiros apro-
fazer a própria escolha sem a ajuda priados para eles. Devem moldar o
dos pais. Alguns anos após o casa- caráter de seus filhos desde os pri-
mento são o bastante para mostrar meiros anos de vida, para que sejam
a eles o seu erro, mas quando já é puros e nobres, atraídos para tudo
108 Os Escolhidos
que seja bom e verdadeiro. Se o O verdadeiro amor é um prin-
amor à verdade, à pureza e à bon- cípio elevado e santo, inteiramente
dade foi colocado desde cedo em seu diferente do amor que é despertado
coração, o jovem procurará a ami- por um impulso, e que morre de re-
zade daqueles que possuem essas pente ao ser duramente provado.
características. Na casa dos pais, os jovens devem se
Pais, procurem ser semelhan- preparar para formar seus próprios
tes ao nosso Pai celestial, que é todo lares. É ali que devem praticar a ab-
amor. Permitam que no lar reine negação, a bondade, a cortesia e a
uma atmosfera de alegria. Isso será simpatia cristã.
de muito maior valor para seus fi- O jovem que sai de um lar assim
lhos do que terras ou dinheiro. Que para se tornar o chefe da própria fa-
o amor no lar seja mantido vivo no mília saberá como promover a feli-
coração de cada um deles para que cidade daquela que escolheu como
possam olhar para trás e relembrar o companheira para toda a vida.
lar de sua infância como um lugar de O casamento, em vez de ser o fim
paz e felicidade bem próximo do Céu. do amor, será apenas o seu começo.
16
*
Jacó e Esaú
J acó e Esaú, os filhos gê-
meos de Isaque, apre-
sentam um nítido contraste entre
desertos, depois voltava para casa
com a caça e com as emocionantes
histórias de sua vida de aventuras.
eles, tanto no caráter como na vida. Jacó era mais ajuizado e esfor-
Antes de nascerem, o anjo de Deus çado, sempre pensava mais no futuro
previu o quanto eles seriam diferen- que no presente, vivia contente com
tes. Em resposta à oração aflita de a vida no lar, ocupado em cuidar dos
Rebeca, o anjo declarou que ela teria rebanhos e cultivar a terra. Sua mãe
dois filhos. Ele revelou a história apreciava sua paciente perseverança,
deles no futuro, dizendo que cada economia e prudência. O cuidado e
um se tornaria o pai de uma pode- atenção que ele dedicava à mãe con-
rosa nação, mas que um seria maior tribuíam mais para a felicidade dela
que o outro, e que o mais novo do- do que os gestos impulsivos de cari-
minaria sobre o mais velho. nho que Esaú demonstrava de vez
Esaú cresceu fazendo a própria em quando. Para Rebeca, Jacó era o
vontade e centralizava todo o seu in- filho mais querido.
teresse no momento em que estava Esaú e Jacó foram ensinados a
vivendo. Sem limites, sua alegria considerar o direito de primogeni-
era viver a vida selvagem e a vida de tura como uma questão de grande
caçador. No entanto, era o favorito importância, pois incluía não só a he-
de seu pai. Esse filho mais velho ex- rança dos bens materiais, mas a lide-
plorava sem medo as montanhas e rança espiritual. Aquele que a recebia
* Este capítulo é baseado em Gênesis 25:19-34; 27.
110 Os Escolhidos
se tornava o sacerdote de sua família, claramente o caráter de seus filhos
e da linhagem de seus descendentes do que seu marido. Convencida de
viria o Redentor do mundo. que a herança da promessa divina
Por outro lado, quem recebesse estava destinada a Jacó, ela repetiu
o direito de primogenitura tinha al- para Isaque as palavras ditas pelo
gumas obrigações. Aquele que her- anjo. Mesmo assim, as afeições do
dasse a bênção deveria dedicar sua pai estavam centralizadas no filho
vida ao serviço de Deus. No casa- mais velho. Ele estava decidido a dar
mento, nas relações familiares, na a Esaú o direito de primogenitura.
vida pública, deveria consultar a Jacó ficou sabendo por sua mãe
vontade de Deus. que o direito de primogenitura de-
Isaque falou com seus filhos a res- veria ser dado a ele e desejava in-
peito desses privilégios e condições, e tensamente receber os privilégios
explicou claramente que Esaú, como dessa bênção. Não era a posse das ri-
o irmão mais velho, era o que tinha quezas de seu pai que ansiosamente
direito à primogenitura. No en- esperava; era o direito de primoge-
tanto, Esaú não se dedicava à devo- nitura que ele mais almejava. Ter co-
ção nem tinha inclinação para viver munhão com Deus como Abraão,
uma vida religiosa. Para ele, as exi- oferecer sacrifícios pelo pecado, ser
gências que acompanhavam o direito o pai do povo escolhido, de onde
de primogenitura não passavam de viria o prometido Messias, tomar
restrições inconvenientes e até de- posse da herança imortal que en-
testáveis. Esaú considerava um fardo volvia as bênçãos da aliança – esses
de escravidão a lei de Deus e a condi- eram os privilégios e a honra que
ção da aliança de Deus com Abraão. Jacó ardentemente desejava.
Decidido a satisfazer a própria Ouvia com atenção tudo o que seu
vontade, o que mais desejava era ter pai dizia a respeito da primogenitura
a liberdade de fazer o que lhe agra- espiritual; guardou cuidadosamente
dasse. Para ele, o poder e as riquezas, na memória o que aprendeu com sua
festas e orgias eram o que trazia feli- mãe. Esse assunto se tornou o foco
cidade. Amava a liberdade sem restri- de sua vida. Apesar disso, Jacó não
ções de sua vida selvagem e errante. tinha um relacionamento pessoal
Rebeca se lembrava das palavras com o Deus a quem ele reverenciava.
do anjo e conseguia diferenciar mais O coração não tinha sido renovado
Jacó e Esaú 111

pela graça divina. Procurava constan- Agora poderia fazer o que quisesse.
temente um meio pelo qual pudesse Para satisfazer prazeres descontro-
conseguir a bênção que era desvalo- lados assim, equivocadamente cha-
rizada por seu irmão, mas que para mados de liberdade, muitos estão
ele era tão preciosa. vendendo seu direito de primogeni-
tura representado por uma herança
Esaú Vende seu Tesouro eterna nos Céus!
Ao voltar para casa certo dia, de- Esaú se casou com duas mulhe-
pois da caçada, com muita fome e can- res hititas. Elas adoravam falsos deu-
sado, Esaú pediu o alimento que seu ses, e a idolatria delas trazia grande
irmão estava preparando. Jacó apro- amargura para Isaque e Rebeca.
veitou o momento para tirar vanta- Esaú tinha transgredido uma das
gem da situação e ofereceu o alimento condições da aliança que proibia o
em troca da primogenitura. “Estou casamento entre o povo escolhido
quase morrendo. De que me vale esse e os pagãos; mesmo assim, Isaque
direito?” (Gn 25:32), exclamou o ca- ainda estava decidido a conceder a
çador precipitado e condescendente ele o direito de primogenitura.
consigo mesmo. Por um prato de len- Os anos se passaram. Isaque, já
tilhas vermelhas, ele abriu mão de sua idoso e cego, sentindo que a morte
primogenitura e confirmou a troca se aproximava, resolveu não de-
com um juramento. Para satisfazer morar mais a dar a bênção ao seu
um desejo do momento, demons- filho mais velho. Sabendo da opo-
trando toda a sua indiferença, ele tro- sição de Rebeca e de Jacó, decidiu
cou a gloriosa herança que o próprio realizar a solene cerimônia em se-
Deus tinha prometido a seus pais. gredo e deu as instruções a Esaú: “Vá
Todo o seu interesse estava no pre- ao campo caçar alguma coisa para
sente. Ele estava pronto a sacrificar as mim. Prepara-me aquela comida
coisas celestiais por prazeres terrenos, saborosa que tanto aprecio e traga-
a trocar um bem futuro por uma sa- me para que eu a coma e o abençoe
tisfação momentânea. antes de morrer” (Gn 27:3, 4).
“Assim Esaú desprezou o seu di- Rebeca contou a Jacó o que tinha
reito de filho mais velho” (Gn 25:34). acontecido, insistindo para que to-
Ao desistir da primogenitura, ele massem uma atitude imediata a fim
sentiu uma sensação de alívio. de que a bênção não fosse concedida
112 Os Escolhidos
a Esaú. Ela afirmou ao filho que, se vida. Essa cena ainda estava vívida
ele seguisse suas instruções, obteria diante dele, anos depois, quando o
o direito de primogenitura conforme mau procedimento de seus filhos
Deus tinha prometido. Jacó não con- apertava seu coração.
cordou facilmente. O pensamento de Assim que Jacó saiu da tenda
enganar seu pai lhe causava grande de seu pai, entrou Esaú. Embora ti-
angústia. Um pecado como esse tra- vesse vendido seu direito de primo-
ria maldição em vez de bênção. genitura, ele estava determinado a
Ele enfim cedeu e começou a co- obter as bênçãos por ela garanti-
locar em ação as sugestões de sua das. Com a bênção da primogeni-
mãe. Jacó não tinha a intenção de tura espiritual, estavam envolvidas
mentir; porém, ao estar na pre- as bênçãos materiais que davam o
sença de seu pai, percebeu que tinha direito de chefiar a família e de rece-
ido muito longe para voltar atrás. ber porção dobrada das riquezas do
Mesmo assim, conseguiu receber a pai. “Meu pai, levante-se e coma da
cobiçada bênção por meio da fraude. minha caça, para que o senhor me
dê sua bênção” (Gn 27:31).
Consequências do Engano Tremendo de espanto e angús-
Jacó e Rebeca foram bem- tia, o idoso pai, já cego, soube do en-
sucedidos em seu plano, mas conse- gano praticado contra ele. Sentiu
guiram apenas aborrecimento e tris- profundamente a decepção que
teza por seu engano. Deus afirmou o filho mais velho também senti-
que Jacó receberia a bênção da pri- ria. No entanto, veio à sua mente,
mogenitura; portanto, Sua palavra no mesmo instante, a convicção de
teria se cumprido se Jacó tivesse es- que a providência de Deus havia
perado que Deus agisse em seu favor. feito acontecer justamente o que
Rebeca se arrependeu amargamente ele estava determinado a impe-
do mau conselho que deu ao filho. dir. Lembrou-se das palavras do
Jacó sentiu o peso da culpa. Ele anjo a Rebeca e viu que Jacó seria
tinha pecado contra seu pai, contra o mais indicado para cumprir os
seu irmão, contra si mesmo e con- propósitos de Deus. Enquanto as
tra Deus. Não levou mais que uma palavras da bênção eram pronun-
hora para ele cometer um ato que lhe ciadas, ele sentia sobre si o Espírito
traria arrependimento para toda a de Inspiração; e confirmou então a
Jacó e Esaú 113

bênção que pronunciou involunta- Na Bíblia, Esaú é chamado de


riamente sobre Jacó: “A ele abençoei; “imoral ou profano” (Hb. 12:16).
e abençoado ele será!” (Gn 27:33). Ele representa aqueles que dão
pouco valor à redenção adquirida
Arrependimento Tardio por Cristo e estão prontos a sacrifi-
Esaú deu pouca importân- car sua herança no Céu pelos bens
cia à bênção quando ainda estava passageiros da Terra. Multidões
ao seu alcance; porém, a partir do vivem sem qualquer preocupa-
momento em que não pôde mais ção ou cuidado pelo futuro. Como
recebê-la, ficou terrivelmente triste Esaú, exclamam: “Comamos e beba-
e com muita raiva. “Meu pai, o se- mos, porque amanhã morreremos”
nhor tem apenas uma bênção? (1Co 15:32). Quando os desejos
Abençoe-me também, meu pai!” do apetite tomam conta, Deus e o
(Gn 27:38). Contudo, o direito de Céu são praticamente desprezados.
primogenitura que ele tão descui- Diante do dever de se purificarem
dadamente trocou, não pôde con- de toda a impureza da carne e do
seguir de volta. “Por uma única espírito, aperfeiçoando a sua san-
refeição” (Hb 12:16), por uma satis- tidade no poder de Deus, sentem-
fação momentânea do apetite que se ofendidos.
nunca foi reprimido, Esaú vendeu Multidões estão vendendo seu
sua herança. direito de primogenitura pela sa-
Quando viu a loucura que tinha tisfação dos sentidos. Sacrificam
feito, já era muito tarde para voltar a saúde, enfraquecem as faculda-
atrás. “Não teve como alterar sua des mentais e perdem o Céu, tudo
decisão, embora buscasse a bên- por um simples prazer temporário
ção com lágrimas” (Hb 12:17). Esaú que os enfraquece e desmoraliza
ainda poderia buscar o favor de ao mesmo tempo. Esaú despertou
Deus, caso se arrependesse, mas não muito tarde para conseguir recupe-
tinha mais como recuperar a primo- rar sua perda. Assim acontecerá no
genitura. Ele ficou muito triste pelos grande dia de Deus com aqueles que
resultados do seu pecado, mas não trocaram sua posição de herdeiros
pelo pecado em si. do Céu por suas satisfações egoístas.
17
*
A Fuga e o Exílio de Jacó
A meaçado de morte por
Esaú, Jacó saiu da casa
de seu pai como fugitivo, mas levava
Ao anoitecer do segundo dia, ele
já estava distante das tendas de seu
pai. Sentia-se rejeitado e sabia que
consigo a bênção paterna. Isaque re- toda aquela inquietação havia re-
novou a promessa da aliança feita a caído sobre ele por causa de seu
ele e orientou o filho para que pro- mau procedimento. O desespero
curasse uma esposa entre a família o incomodava tanto que ele quase
de sua mãe, na Mesopotâmia. deixou de orar. Estava tão solitá-
Jacó partiu para fazer sua via- rio que sentiu necessidade da pro-
gem solitária com o coração profun- teção de Deus como nunca antes.
damente perturbado. Com apenas Em lágrimas, ele confessou seu
um cajado na mão, ele teve que via- pecado e pediu sinceramente que
jar centenas de quilômetros em ter- Deus lhe desse uma prova de que
ras habitadas por tribos selvagens e não o havia abandonado por com-
nômades. Cheio de remorso e medo, pleto. Jacó perdera toda a confiança
procurava evitar as pessoas. Estava em si mesmo e ficou com medo de
com receio de ser seguido pelo irmão que Deus o tivesse rejeitado.
que se havia deixado dominar pela Apesar de tudo, Deus ainda
raiva. Temia ter perdido para sem- tinha misericórdia de Seu servo
pre a bênção que Deus tinha pro- fugitivo e sem qualquer confiança
metido lhe dar, e Satanás estava a em si mesmo. Com grande compai-
postos para atacá-lo com tentações. xão, o Senhor revelou exatamente
* Este capítulo é baseado em Gênesis 28 a 31.
A Fuga e o Exílio de Jacó 115

o que Jacó precisava – um Salvador. cumpriria por meio dele, Jacó teria
Ele tinha pecado, mas Deus revelou forças para se manter fiel.
um caminho pelo qual poderia ser Nessa visão, Jacó ficou sabendo
restaurado ao favor divino. de detalhes do plano da redenção
Cansado, o viajante se deitou no que eram importantes para ele
chão, tendo uma pedra como tra- naquele momento. A escada que
vesseiro. Ao dormir, ele viu uma es- ele viu no sonho era a mesma a que
cada, cuja base estava apoiada na Cristo Se referiu em Sua conversa
Terra enquanto o topo alcançava o com Natanael: “Vocês verão o Céu
Céu. Por essa escada, anjos subiam aberto e os anjos de Deus subindo
e desciam. Acima estava o Senhor e descendo sobre o Filho do homem”
da glória, e do Céu Jacó ouviu a Sua (Jo 1:51). O pecado de Adão e Eva
voz: “Eu sou o Senhor, o Deus de seu separou a Terra do Céu, de maneira
pai Abraão e o Deus de Isaque. […] que os seres humanos não mais
Todos os povos da Terra serão aben- poderiam ter comunhão com seu
çoados por meio de você e da sua Criador. Mesmo assim, o mundo
descendência” (Gn 28:13, 14). Essa não foi deixado sem esperança.
promessa tinha sido feita a Abraão A escada representa Jesus, o meio
e a Isaque, e agora estava sendo re- indicado para a comunicação. Cristo
novada a Jacó. Naquele momento, nos une, em nossa fraqueza e de-
ele ouviu as seguintes palavras de samparo, à fonte de infinito poder.
ânimo e de conforto: “Estou com Tudo isso foi revelado a Jacó no
você e cuidarei de você, aonde quer sonho. Embora no momento sua
que vá; e Eu o trarei de volta a esta mente conseguisse entender apenas
terra. Não o deixarei enquanto não uma parte da revelação, suas gran-
fizer o que lhe prometi” (Gn 28:15). des e misteriosas verdades foram o
O Senhor, em Sua misericórdia, estudo de toda a sua vida, trazendo
revelou o futuro ao fugitivo arre- cada vez mais luz à sua compreensão.
pendido para que pudesse estar Jacó despertou do sono no pro-
preparado para resistir às tenta- fundo silêncio da noite. A visão havia
ções que seriam colocadas diante se acabado. Agora, ele conseguia ver
dele quando estivesse sozinho somente o contorno das colinas so-
entre pessoas idólatras e astutas. litárias sob o céu brilhante e cheio
Sabendo que o propósito de Deus se de estrelas. Tinha consigo o solene
116 Os Escolhidos
sentimento de que Deus estava com livramentos proporcionados por
ele. “Sem dúvida o Senhor está neste Deus, ao abrir caminhos diante
lugar”, disse ele, “mas eu não sabia!” deles quando tudo parecia escuro
[…] “Temível é esse lugar! Não é outro, e ameaçador, animando-os quando
senão a casa de Deus; esta é a porta estavam prontos a desanimar.
dos Céus” (Gn 28:16, 17). Diante de tantas bênçãos inumerá-
“Na manhã seguinte, Jacó pegou veis, deveríamos constantemente
a pedra que tinha usado como tra- nos perguntar: “Como posso retri-
vesseiro, colocou-a em pé como co- buir ao Senhor toda a Sua bondade
luna e derramou óleo sobre o seu para comigo?” (Sl 116:12).
topo” (Gn 28:18). Ele chamou aquele
lugar de Betel, ou “casa de Deus” Por que o Dízimo é Sagrado
(Gn 28:19). Então fez um voto so- Sempre que passamos por um li-
lene: “Se Deus estiver comigo, cui- vramento especial ou bênçãos novas
dar de mim nesta viagem que estou e inesperadas nos são concedidas,
fazendo, prover-me de comida e devemos reconhecer a bondade de
roupa, e levar-me de volta em se- Deus por meio de dádivas e ofertas
gurança à casa de meu pai, então à Sua causa. Assim como recebemos
o Senhor será o meu Deus. E esta continuamente as bênçãos de Deus,
pedra que hoje coloquei como co- devemos também continuamente
luna servirá de santuário de Deus; e Lhe oferecer nossas dádivas.
de tudo o que me deres certamente “De tudo o que me deres”, disse
Te darei o dízimo” (Gn 28:20-22). Jacó, “certamente Te darei o dí-
Jacó não estava tentando fazer zimo” (Gn 28:22). Deveremos nós,
um contrato com Deus. O Senhor que temos a plena luz do evange-
prometeu prosperidade a ele antes lho, ficar satisfeitos em dar a Deus
disso, e esse voto foi feito por um menos do que deram aqueles que
coração cheio de gratidão pela cer- viveram antes de Jesus ter vindo
teza do amor e da misericórdia de ao mundo? Não são nossas obriga-
Deus. Jacó sentiu que tais evidên- ções muito maiores? Como é inútil
cias especiais do favor divino me- tentar contar matematicamente o
reciam uma retribuição. tempo, o dinheiro e o amor, diante
Os cristãos devem sempre lem- de tão imensurável amor e de um
brar com gratidão dos preciosos dom de valor incalculável como
A Fuga e o Exílio de Jacó 117

esse. Dízimos para Cristo! A es- O Amor de Jacó por Raquel


mola mesquinha é uma resposta Antigamente, era costume exi-
vergonhosa para aquilo que teve um gir que o noivo, antes de confirmar
preço tão alto! Da cruz do Calvário, o contrato de casamento, pagasse
Cristo nos pede uma consagração para o pai da noiva uma soma em
sem reservas de tudo o que temos, dinheiro, ou o equivalente em uma
de tudo o que somos. propriedade, de acordo com a sua
Com a fé renovada e a certeza situação financeira. Isso era con-
da presença dos anjos do Céu com siderado uma proteção para o ca-
ele, Jacó “seguiu viagem e chegou à samento. Os pais não achavam
Mesopotâmia” (Gn 29:1). Como foi seguro confiar a felicidade de suas
diferente a sua chegada daquela do filhas a homens que não tivessem
mensageiro de Abraão, quase cem feito as devidas economias para o
anos antes! Eliézer, o servo, che- sustento da família. Se não tives-
gou com uma caravana de ajudan- sem suficiente controle financeiro,
tes montados em camelos, com ricos energia para administrar seus ne-
presentes de ouro e prata. Jacó era gócios e adquirir gado ou terras,
um viajante solitário, com os pés temiam que de nada valeria sua
cansados e doloridos, sem nenhum vida juntos. Também eram toma-
bem, a não ser o seu cajado. Assim das algumas providências para pro-
como aconteceu ao servo de Abraão, var aqueles que não tinham como
Jacó também parou junto ao poço, pagar por uma esposa. Era permi-
e foi ali que ele se encontrou com tido que o noivo trabalhasse para
Raquel, a filha mais nova de Labão. o pai da moça a quem ele amava.
Após falar sobre o seu parentesco, O tempo era determinado pelo
foi bem recebido na casa de Labão. valor do dote exigido. Quando o
Poucas semanas foram necessárias pretendente era fiel e provava ser
para que o pretendente mostrasse digno, recebia a filha como esposa.
o valor de sua prontidão e habili- O dote que o pai recebia geral-
dade. Sendo assim, insistiram com mente era dado à filha quando se
ele para que ficasse. Ficou combi- casasse. Contudo, tanto no caso
nado que Jacó prestaria a Labão de Raquel como no de Lia, tomado
sete anos de trabalho para poder pelo egoísmo, Labão ficou com o
se casar com Raquel. dote que deveria ter dado a elas.
118 Os Escolhidos
Elas se referiram ao dote quando cometeu um engano cruel ao substi-
disseram, pouco antes de deixar tuir Raquel por Lia. O fato de a pró-
a Mesopotâmia: “Não apenas nos pria Lia ter cooperado para a farsa
vendeu como também gastou tudo fez com que Jacó sentisse que não
o que foi pago por nós!” (Gn 31:15). poderia amá-la. Muito indignado,
A exigência de que o noivo deve- ele repreendeu Labão, que lhe ofere-
ria prestar serviço para conseguir se ceu Raquel por outros sete anos de
casar com sua noiva era uma forma serviço. Labão insistiu que Lia não
de evitar casamentos precipitados. deveria ser despedida. Isso colocou
Dava a ele a oportunidade de provar Jacó numa posição muito dolorosa
a profundidade de seu amor, como e difícil, mas ele acabou concor-
também suas habilidades para pro- dando; ficaria com Lia e se casaria
ver o sustento da família. Nos dias com Raquel, que foi sempre aquela
de hoje, as pessoas têm pouca opor- que ele mais amou; porém, sua vida
tunidade de se familiarizar com os foi amargurada pela rivalidade que
hábitos e costumes umas das ou- existia entre as irmãs que se torna-
tras. São praticamente estranhas ram suas esposas.
quando unem sua vida diante do Por vinte anos, Jacó permaneceu
altar. Muitos percebem, quando na Mesopotâmia trabalhando para
já é tarde, que não conseguem se Labão, que tinha em mente obter
adaptar um ao outro, e o resultado todos os benefícios do parentesco
é a angústia e sofrimento ao longo entre eles. Exigiu catorze anos de
de toda a vida. Muitas vezes, a es- trabalho árduo por suas duas filhas
posa e os filhos sofrem com a pre- e, durante o tempo restante, o salá-
guiça ou vícios do marido e pai. Se o rio de Jacó foi mudado dez vezes.
caráter dos pretendentes fosse pro- Mesmo assim, Jacó trabalhou
vado antes do casamento, de acordo com dedicação e fidelidade. Durante
com esse antigo costume, muita in- algumas épocas do ano era necessá-
felicidade poderia ser evitada. rio que estivesse constantemente
Jacó prestou sete anos de fiel com o rebanho nos campos, para
serviço por Raquel, e os anos que guardá-los e evitar que morres-
serviu “lhe pareceram poucos dias, sem de sede na estação da seca, e
pelo tanto que a amava” (Gn 29:20). durante os meses mais frios para
O egoísta e ganancioso Labão que não congelassem com a pesada
A Fuga e o Exílio de Jacó 119

geada que caía durante a noite. Jacó os carrega junto ao Seu coração. Suas
era o chefe dos pastores; os servos ovelhas O amam. “Mas nunca segui-
que ele empregava eram pastores rão um estranho; na verdade, fugi-
ajudantes. Se faltasse alguma ove- rão dele, porque não reconhecem a
lha, o chefe dos pastores sofria o voz de estranhos” (Jo 10:5).
prejuízo e chamava os servos para A igreja de Cristo foi comprada
darem estrita conta se o rebanho com Seu sangue, e todo pastor que
não estivesse se desenvolvendo con- tiver o espírito de Cristo imitará o
forme o esperado. Seu exemplo de abnegação, traba-
lhando constantemente pelo bem
Temos um Pastor Fiel daqueles que estão sob a sua res-
A vida do pastor, em seu cuidado ponsabilidade, e o rebanho crescerá
e amor pelas criaturas indefesas, sob os seus cuidados. “Quando se
ilustra algumas verdades preciosas manifestar o supremo Pastor”, diz
do evangelho. Cristo é comparado o apóstolo Pedro, “vocês receberão a
a um pastor. Ele viu Suas ovelhas imperecível coroa de glória” (1Pe 5:4).
condenadas a morrer nos terrí- Já cansado de trabalhar para
veis caminhos do pecado. Para sal- Labão, Jacó decidiu voltar para
var esses seres errantes, deixou as Canaã. Disse então ao sogro: “Deixe-
honras e glórias da casa de Seu Pai. me voltar para a minha terra natal.
Ele diz: “Procurarei as perdidas e tra- Dê-me as minhas mulheres, pelas
rei de volta as desviadas. Enfaixarei quais o servi, e os meus filhos, e par-
a que estiver ferida e fortalecerei a tirei. Você bem sabe quanto traba-
fraca. […] Eu salvarei o Meu reba- lhei para você.” Labão insistiu para
nho, e elas não mais serão saquea- que ele ficasse, dizendo: “Peço-lhe
das. […] Nem os animais selvagens que fique. […] descobri que o Se-
as devorarão” (Ez 34:16, 22, 28). nhor me abençoou por sua causa”
Sua voz é ouvida chamando as (Gn 30:25-27).
ovelhas ao Seu aprisco, “e será um Jacó respondeu: “O pouco que
abrigo e sombra para o calor do dia, você possuía antes da minha che-
refúgio e esconderijo contra a tem- gada aumentou muito” (Gn 30:30).
pestade e a chuva” (Is 4:6). Ele for- Com o passar do tempo, Labão
talece a fraca, alivia as que sofrem, passou a ter inveja da grande
ajunta os cordeiros em Seus braços e prosperidade de Jacó, que “ficou
120 Os Escolhidos
extremamente rico” (Gn 30:43). irado e decidido a forçar todo o
Assim como o pai, os filhos de grupo a voltar. Os fugitivos esta-
Labão também estavam com inveja, vam realmente em grande perigo.
e suas palavras maldosas chegaram O próprio Deus interveio para
aos ouvidos de Jacó: Ele “‘tomou proteger Seu servo. “Tenho poder
tudo que o nosso pai tinha e jun- para prejudicá-los”, disse Labão, “mas,
tou toda a sua riqueza à custa do na noite passada, o Deus do pai de
nosso pai.’ E Jacó percebeu que a ati- vocês me advertiu: ‘Cuidado! Não diga
tude de Labão para com ele já não nada a Jacó, não lhe faça promessas
era a mesma de antes” (Gn 31:1, 2). nem ameaças” (Gn 31:29). Isso que-
Jacó teria deixado seu astuto ria dizer que ele não deveria obrigar
sogro muito tempo antes, não fosse o Jacó a retornar ou insistir com ele fa-
medo que tinha de se encontrar com zendo promessas lisonjeiras.
Esaú. Percebia que estava em perigo, Labão tinha retido o dote de ca-
por causa dos filhos de Labão que, ao samento de suas filhas e tratava
olharem para a sua riqueza como se Jacó usando de astúcia e grosseria,
fosse deles, poderiam tomá-la pela mas naquele momento o reprovou
violência. Ele se achava em grande por ter partido secretamente e por
perplexidade e angústia. Então lem- não ter dado ao pai a oportunidade
brou-se da graciosa promessa feita de fazer uma festa de despedida, ou
em Betel, e levou o seu caso a Deus. mesmo de se despedir de suas filhas
Por meio de um sonho, sua oração e de seus netos.
foi respondida: “Volte para a terra de Em resposta, Jacó apresentou
seus pais e de seus parentes, e Eu es- claramente a conduta egoísta e am-
tarei com você” (Gn 31:3). biciosa de Labão, e apelou para ele
Os rebanhos e o gado foram re- como testemunho de sua fidelidade
unidos rapidamente e enviados à e honestidade: “Se o Deus de meu
frente, e com suas duas mulheres, pai, o Deus de Abraão, o Temor de
filhos e servos, Jacó atravessou o rio Isaque não estivesse comigo”, disse
Eufrates, apressando-se para chegar Jacó, “certamente você me despediria
a Gileade, nas fronteiras de Canaã. de mãos vazias. Mas Deus viu o meu
Depois de três dias, Labão saiu atrás sofrimento e o trabalho das minhas
deles, alcançando-os no sétimo dia mãos e, na noite passada, Ele mani-
de viagem. Ele estava extremamente festou a Sua decisão” (Gn 31:42).
A Fuga e o Exílio de Jacó 121

Labão não poderia negar os entre nós. Então Jacó fez um jura-
fatos e propôs uma aliança de paz. mento em nome do Temor de seu
Jacó concordou e uma pilha de pe- pai Isaque” (Gn 31:49, 53).
dras foi erguida como símbolo da- Para confirmar a aliança, as duas
quele pacto. A essa coluna, Labão partes realizaram um banquete.
deu o nome de Mispá, “Torre de Passaram a noite reunidos amiga-
Vigia”, dizendo: “Que o Senhor nos velmente e, ao amanhecer, Labão e
vigie, a mim e a você, quando es- seu grupo partiram para casa. Com
tivermos separados um do outro. essa separação, acabou toda a ligação
[…] Que o Deus de Abraão, o Deus que havia entre os filhos de Abraão e
de Naor, o Deus do pai deles julgue os moradores da Mesopotâmia.
18
*
A Terrível Noite de Luta
C om muitos pressentimen-
tos, Jacó refez todo o cami-
nho pelo qual passou como fugitivo
Mais uma vez o Senhor deu a
Jacó um sinal do cuidado divino;
dois exércitos de anjos celestiais
vinte anos antes. Seu pecado por avançavam com seu grupo para ser-
ter enganado seu pai estava sempre vir de proteção. Jacó se lembrou da
diante dele. Sabia que seu longo exílio visão em Betel tanto tempo antes,
era o resultado direto daquele pecado. e seu coração sobrecarregado ficou
Pensava nesse ato dia e noite e, com a mais leve. Os mensageiros divinos
consciência pesada, a caminhada se que lhe trouxeram esperança e cora-
tornava muito triste. Ao aparecerem à gem ao fugir de Canaã deveriam ser
distância as colinas de sua terra natal, os guardas durante o seu retorno.
todo o seu passado voltou claramente “Quando Jacó os avistou, disse: ‘Este
diante dele. Com a lembrança de seu é o exército de Deus!’” (Gn 32:2).
pecado vieram também as promessas Mesmo assim, Jacó sentiu que
divinas de auxílio e direção. deveria fazer alguma coisa para
Teve medo quando pensou em garantir sua segurança. Então en-
Esaú. Seu irmão poderia ser levado viou mensageiros a Esaú com uma
à violência contra ele, não somente saudação, na esperança de que seu
pelo desejo de vingança, mas para irmão a receberia de bom grado.
obter a posse da riqueza que du- Os servos foram enviados ao “meu
rante tanto tempo tinha conside- senhor Esaú”. Eles deveriam se re-
rado como sua. ferir a seu senhor como “teu servo
* Este capítulo é baseado em Gênesis 32-33.
A Terrível Noite de Luta 123

Jacó”. Para afastar o temor de que Um Anjo Luta com Jacó


ele tinha retornado para reclamar Esse encontro aconteceu em
a herança, Jacó teve o cuidado de uma região solitária e montanhosa,
declarar em sua mensagem: “Tenho onde habitavam animais selvagens
bois e jumentos, ovelhas e cabras, e se escondiam ladrões e assassinos.
servos e servas” (ver Gn 32:4, 5). Desprotegido, Jacó se prostrou em
Esaú, porém, não enviou res- terra, em profunda angústia. Era
posta alguma à amigável mensa- meia-noite. Tudo o que ele mais pre-
gem. Parecia certo que Esaú estava zava na vida estava exposto ao pe-
vindo em busca da vingança. O ter- rigo e à morte. Mais amargo ainda
ror invadiu o acampamento. “Jacó era o pensamento de que o seu pe-
encheu-se de medo e foi tomado de cado é que havia atraído esse perigo
angústia” (Gn 32:7). Seu grupo, de- sobre os inocentes.
sarmado e indefeso, estava com- Inesperadamente, uma forte
pletamente despreparado para um mão pousou sobre ele. Pensou que
confronto inimigo. De seus imen- fosse um inimigo procurando tirar
sos rebanhos, ele enviou presentes sua vida. Na escuridão, os dois luta-
generosos a Esaú, com uma mensa- ram, tentando vencer um ao outro.
gem amigável novamente. Fez tudo Nenhum dos dois falou uma só pa-
o que estava ao seu alcance a fim de lavra, mas Jacó lutou com todas as
reparar a falta que tinha para com suas forças e não cedeu por um mo-
seu irmão e afastar o perigo que os mento sequer. Enquanto lutava para
ameaçava. Então ele suplicou pela defender a própria vida, a culpa pe-
proteção divina: “Não sou digno de sava em seu coração; seus pecados
toda a bondade e lealdade com que pareciam estar sempre diante dele
trataste o Teu servo. […] Livra-me, para o separar de Deus.
rogo-Te, das mãos de meu irmão Mesmo na terrível situação em
Esaú, porque tenho medo que ele que se encontrava, ele se lembrou
venha nos atacar, tanto a mim, como das promessas divinas. A luta con-
às mães e às crianças” (Gn 32:10, 11). tinuou até quase o romper do dia,
Jacó decidiu passar a noite em ora- quando o estranho colocou o dedo
ção, a sós com Deus. O Senhor pode- na coxa de Jacó e ele ficou manco
ria abrandar o coração de Esaú. NEle instantaneamente. Jacó compreen-
estava a única esperança de Jacó. deu então que tinha lutado com um
124 Os Escolhidos
mensageiro celestial. Foi por isso confiado nas promessas de Deus e
que, em seu esforço quase sobre-hu- havia procurado, pelos próprios es-
mano, não conseguiu a vitória. Era forços, fazer aquilo que Deus teria
Cristo, “o Anjo do concerto”. Jacó es- realizado a Seu tempo e de acordo
tava aleijado e sofrendo a dor mais com a Sua providência. Como prova
terrível que já havia sentido, mas de que ele tinha sido perdoado, seu
não O quis largar. Arrependido e nome foi mudado para outro que
humilhado, ele se agarrou ao Anjo. manteria viva a lembrança de sua
“Ele chorou e implorou o Seu favor” vitória. “Seu nome”, disse o anjo,
(Os 12:4), suplicando uma bênção. “não será mais Jacó, mas sim Israel,
Tinha que ter a certeza de que seu porque você lutou com Deus e com
pecado estava perdoado. O Anjo homens e venceu” (Gn 32:28).
insistiu: ‘“Deixe-me ir, pois o dia O momento de crise em sua vida
já desponta’. Mas Jacó Lhe respon- tinha passado. A dúvida, a perplexi-
deu: ‘Não Te deixarei ir, a não ser dade e o remorso tinham amargu-
que me abençoes’” (Gn 32:26). Ele rado sua vida; mas, a partir daquele
tinha a confiança daquele que con- momento, tudo estava mudado.
fessa a própria indignidade, e ainda Sentia a doce paz de estar recon-
assim crê na fidelidade de um Deus ciliado com Deus. Jacó não estava
que mantém a palavra do concerto. mais com medo de se encontrar com
Jacó “lutou com o Anjo e saiu seu irmão. Deus poderia mover o
vencedor” (Os 12:4). Esse mortal, fa- coração de Esaú para que aceitasse
lível e pecador, venceu com a ajuda sua demonstração de humildade e
da Majestade do Céu. Firmou suas arrependimento.
mãos trêmulas nas promessas de Enquanto Jacó lutava com o Anjo,
Deus, e o coração do Amor Infinito outro mensageiro celeste foi enviado
não poderia deixar de atender à sú- a Esaú. Em sonho, Esaú viu seu irmão,
plica do pecador. que durante vinte anos tinha vivido
fora da sua terra como fugitivo; tes-
De Jacó para “Israel” temunhou sua angústia ao saber
Jacó viu então claramente o que sua mãe estava morta; ele o viu
erro que o havia levado ao pecado rodeado pelos exércitos de Deus.
de obter o direito de primogeni- O Deus de seu pai estava com ele.
tura pelo engano. Ele não tinha Os dois grupos finalmente se
A Terrível Noite de Luta 125

aproximaram um do outro; o chefe representa a prova pela qual o povo


do deserto conduzindo seus ho- de Deus deverá passar exatamente
mens de guerra, e Jacó com suas antes da segunda vinda de Cristo.
esposas e filhos, servos e servas, se-
“Ouvem-se gritos de pânico, de
guidos por longas filas de rebanhos
pavor e não de paz. […] Como será
e gado. Apoiado em seu cajado, Jacó
terrível aquele dia! Sem compara-
passou à frente, pálido e manque-ção! Será tempo de angústia para
jando, em consequência de sua luta
Jacó; mas ele será salvo” (Jr 30:5, 7).
recente. Ele andava devagar e peno- Quando Cristo finalizar Sua
samente, mas seu rosto estava ilu-
obra de mediação em nosso favor, co-
minado, irradiando paz e alegria.meçará então esse tempo de angús-
Ao ver aquele coxo sofredor, tia. O caso de cada pessoa terá sido
“Esaú correu ao encontro de Jacó e
decidido e não haverá sangue expia-
abraçou-se ao seu pescoço. […]. E eles
tório para purificar do pecado. O so-
choraram” (Gn 33:4). Até mesmo o lene anúncio será feito: “Continue o
coração dos rudes soldados de Esaú
injusto a praticar a injustiça; conti-
foi tocado. Não conseguiam enten-nue o imundo na imundícia; con-
der a razão da mudança ocorrida tinue o justo a praticar justiça;
em seu capitão. e continue o santo a santificar-
Em sua noite de angústia, Jacó
se” (Ap 22:11). Assim como Jacó foi
aprendeu como é vão o auxílio ofe-
ameaçado de morte por seu irado
recido pelo homem, quão infundadairmão, da mesma forma o povo de
é a confiança no poder humano. Deus estará em perigo por causa
Desamparado e sentindo-se in- dos ímpios. Os justos clamarão a
digno, ele suplicou a promessa daDeus por livramento dia e noite.
misericórdia de Deus para o peca- Satanás acusou Jacó diante dos
dor arrependido. Aquela promessa anjos de Deus, reivindicando o di-
reito de destruí-lo por causa do seu
foi a certeza que teve de que Deus
o perdoaria e o aceitaria. pecado. Tentou impor sobre ele o
sentimento de culpa pretendendo
“Tempo da Angústia desencorajá-lo e quebrar sua liga-
de Jacó” ção com Deus. Quando Jacó orou
A experiência de Jacó durante fervorosamente e em lágrimas, o
aquela noite de luta e angústia Mensageiro celeste, para provar
126 Os Escolhidos
sua fé, também o lembrou de seu pe- preservado a sua vida de forma tão
cado e tentou se desvencilhar dele. misericordiosa. Assim, no tempo
No entanto, Jacó tinha aprendido de angústia, se o povo de Deus che-
que Deus é misericordioso. Ao rever gasse a ter pecados não confessa-
sua vida, foi quase levado ao deses- dos diante deles, quando fossem
pero, mas ele se agarrou firmemente torturados pelo temor e angústia,
ao Anjo e, clamando sinceramente, o desespero acabaria com sua fé e
com brados angustiantes, insistiu eles não conseguiriam ter confiança
em seu pedido e prevaleceu. para pleitear com Deus por seu li-
vramento. Contudo, eles não terão
A Luta Final faltas ocultas a revelar. Seus peca-
A experiência do povo de Deus dos terão sido apagados pelo sangue
será semelhante a essa em sua úl- expiatório de Cristo, e não conse-
tima luta contra os poderes do mal. guirão mais se lembrar deles.
Deus vai provar sua fé, sua perseve- Todos aqueles que procuram
rança, sua confiança em Seu poder. desculpar ou ocultar seus pecados, e
Satanás tentará aterrorizá-los com permitem que eles permaneçam nos
o pensamento de que seus peca- livros do Céu, sem serem confessa-
dos foram grandes demais para ser dos e perdoados, serão vencidos por
perdoados. Ao reverem sua vida Satanás. Quanto mais exaltada for
passada, suas esperanças se sub- a sua profissão e mais honrada a po-
mergirão. Ao se lembrarem, porém, sição que ocupam, mais certa é a vi-
da misericórdia de Deus e de seu tória do grande adversário.
sincero arrependimento, vão se ape- A história de Jacó é para nós
gar às Suas promessas. Sua fé não uma certeza de que Deus não rejeita
falhará porque suas orações não são aqueles que foram atraídos ao pe-
respondidas imediatamente. A ex- cado, mas que retornaram a Ele em
pressão de seu coração será: “Não Te verdadeiro arrependimento. Deus
deixarei ir, a não ser que me aben- ensinou a Seu servo que apenas a
çoes” (Gn 32:26). graça divina poderia lhe conceder
Se Jacó não tivesse se arrepen- a bênção que tão ardentemente de-
dido de seu pecado antes, por con- sejava. De modo semelhante acon-
seguir o direito de primogenitura tecerá com aqueles que viverão nos
pelo engano, Deus não poderia ter últimos dias. Em nossa fraqueza e
A Terrível Noite de Luta 127

indignidade, devemos confiar nos ganhas pelo talento, educação, ri-


méritos de um Salvador que foi cru- queza ou favor dos homens; são aque-
cificado e ressuscitou. Ninguém ja- las recebidas na sala de audiência de
mais perecerá enquanto fizer isso. Deus, quando a fé sincera, em agonia,
A experiência de Jacó é um tes- lança mão do braço forte da oração.
temunho do poder da oração per- Todos aqueles que se apegarem
severante. É agora que temos que às promessas de Deus, como fez
aprender essa lição de que devemos Jacó, e forem fervorosos e perse-
viver uma fé inabalável. As maio- verantes como ele foi, serão bem-
res vitórias não são aquelas que são sucedidos como ele.
19
*
A Volta para Casa
D epois que atravessou
o Jordão, “Jacó che-
gou a salvo à cidade de Siquém, em
e tristeza; dois irmãos estavam en-
volvidos no crime de assassinato;
uma cidade inteira foi destruída e
Canaã” (Gn 33:18). Ali, “por cem seus moradores assassinados em
peças de prata, comprou dos filhos represália ao ato irresponsável de
de Hamor, pai de Siquém, a parte do um jovem impetuoso. O início de
campo onde tinha armado acam- tudo, o que levou a consequências
pamento. Ali edificou um altar” tão terríveis foi porque a filha de
(Gn 33:19, 20). Foi ali também que Jacó saiu “para conhecer as mulhe-
cavou o poço ao lado do qual Jesus res daquela terra” (Gn 34:1), asso-
Se assentou dezessete séculos mais ciando-se com os descrentes. Quem
tarde. No calor do meio-dia, o Filho busca prazeres entre aqueles que
de Jacó, o Salvador, descansou junto não temem a Deus está atraindo as
a esse poço e falou aos Seus ouvin- tentações.
tes, que O escutavam maravilhados, A cruel traição que Simeão e
a respeito daquela “fonte de água a Levi armaram contra os siquemi-
jorrar para a vida eterna” (Jo 4:14). tas foi um terrível pecado. A notí-
O tempo em que Jacó e seus fi- cia da vingança encheu de horror o
lhos permaneceram em Siquém coração de Jacó. Amargurado pelo
acabou em violência e derrama- engano e violência que seus filhos
mento de sangue. A única filha praticaram, ele disse: “Vocês me pu-
que ele tinha foi levada à vergonha seram em grandes apuros, atraindo
* Este capítulo é baseado em Gênesis 34; 35 e 37.
A Volta para Casa 129

sobre mim o ódio dos cananeus e Relembrando a Primeira


ferezeus, habitantes desta terra. Experiência em Betel
Somos poucos, e se eles juntarem Com profunda emoção, Jacó re-
suas forças e nos atacarem, eu e a petiu a história de sua primeira vi-
minha família seremos destruídos” sita a Betel e de como o Senhor lhe
(Gn 34:30). apareceu à noite em visão. Seu cora-
Jacó entendeu que havia mo- ção ficou comovido; seus filhos tam-
tivo para que todos se humilhas- bém foram tocados por um poder
sem profundamente. A crueldade e que dominou a todos. Ele utilizou o
a falsidade estavam estampadas no meio mais eficaz a fim de prepará-los
caráter de seus filhos. Os falsos deu- para tomarem parte na adoração a
ses e a idolatria tinham ganhado Deus quando chegassem a Betel.
terreno, até certo ponto, dentro da “Então entregaram a Jacó todos os
sua família. deuses estrangeiros que possuíam e
Enquanto Jacó estava assim, os brincos que usavam nas orelhas,
prostrado em angústia, o Senhor e Jacó os enterrou ao pé da grande
lhe ordenou que fosse para o sul, até árvore, próximo a Siquém” (Gn 35:4).
Betel. A lembrança desse lugar lhe Deus fez com que o medo to-
trazia à mente não apenas a visão masse conta dos habitantes da terra
dos anjos e das promessas da mise- para que não tentassem se vingar
ricórdia de Deus, mas do voto que do massacre ocorrido em Siquém.
ele tinha feito ali, reafirmando que Os viajantes chegaram a Betel em
o Senhor seria o seu Deus. Decidido segurança. Ali, o Senhor apareceu a
a limpar sua casa da contaminação Jacó mais uma vez e renovou com
da idolatria, antes de ir para esse ele a promessa da aliança.
lugar sagrado, ele deu instruções De Betel, eram apenas dois dias
a todos: “Livrem-se dos deuses es- de viagem até Hebrom, mas essa jor-
trangeiros que estão entre vocês, nada trouxe muita dor pela morte
purifiquem-se e troquem de roupa. de Raquel. Duas vezes ele havia tra-
Venham! Vamos subir a Betel, onde balhado sete anos, por amor a ela.
farei um altar ao Deus que me ouviu O amor que tinha por Raquel tor-
no dia da minha angústia e que tem nou mais leve o seu trabalho, pois
estado comigo por onde tenho an- havia sido um amor profundo e
dado” (Gn 35:2, 3). duradouro.
130 Os Escolhidos
Antes de morrer, Raquel lhe separação entre Jacó e Esaú fazia
deu um segundo filho. Já quase ex- parte do plano de Deus com relação
pirando, ela deu o nome de Benoni a Jacó. Como os dois irmãos eram
à criança, “o filho da minha dor”, tão diferentes um do outro quanto à
mas o pai preferiu chamá-lo de fé que professavam, era melhor que
Benjamim, “o filho da minha mão vivessem separados.
direita” ou “minha força”. Tanto Esaú como Jacó tinham
Quando Jacó chegou ao fim liberdade para viver de acordo com
de sua viagem, ele “foi visitar seu os mandamentos de Deus e receber
pai Isaque em Manre, […], que é o Seu favor, mas os dois irmãos se-
Hebrom” (Gn 35:27). Ali perma- guiram caminhos totalmente di-
neceu durante os últimos dias de ferentes e a vida de cada um deles
vida de seu pai. Para Isaque, bas- continuou a se diferenciar cada vez
tante doente e cego, a bondade e a mais uma da outra.
atenção desse filho que havia ficado Não houve nenhuma preferência
tanto tempo longe de casa foi um arbitrária da parte de Deus para que
conforto durante os anos de soli- Esaú fosse excluído das bênçãos da
dão e perda de seus entes queridos. salvação. Não há outra decisão, a não
Jacó e Esaú se encontraram junto ser a que é tomada pela própria pes-
ao leito de morte de seu pai. Os sen- soa, pela qual ela venha a se perder.
timentos do irmão mais velho esta- Deus estabeleceu em Sua Palavra as
vam completamente mudados. Jacó, condições para que todos sejam can-
muito satisfeito com as bênçãos es- didatos à vida eterna – obediência
pirituais da primogenitura, cedeu aos Seus mandamentos, por meio
para o irmão mais velho a herança da fé em Cristo. Ele apresenta como
das riquezas de seu pai – a única modelo o caráter que está em har-
herança que Esaú buscava ou apre- monia com a Sua lei, e todo aquele
ciava. Não estando mais separados que atingir essa norma entrará no
pela inveja ou ódio, eles se despedi- reino do Céu. Com relação à nossa
ram e Esaú foi morar no Monte Seir. salvação final, essa é a única eleição a
Deus, que é rico em bênçãos, con- que a Palavra de Deus faz referência.
cedeu a Jacó as bênçãos seculares, Eleita é toda pessoa que opera
além da bênção mais elevada que ele a própria salvação com temor e
buscava – a bênção espiritual. Essa tremor, que veste a armadura e
A Volta para Casa 131

combate o bom combate da fé. frutos ainda mais amargos no ca-


É escolhido todo aquele que ora fer- ráter de seus filhos. Esses filhos
vorosamente, busca as Escrituras, desenvolveram graves defeitos.
foge da tentação, mantém firme a A vida em família revelou os resulta-
sua fé e é obediente a toda palavra dos da poligamia. Esse terrível mal
que sai da boca de Deus. As provi- faz secar as fontes do amor e sua
sões para a redenção são oferecidas influência enfraquece os laços mais
a todos; os resultados serão desfru- sagrados. O ciúme das várias mães
tados por aqueles que cumprirem provocou amargura nos relaciona-
as condições. mentos familiares. Os filhos cresce-
Esaú desprezou as bênçãos da ram mal-humorados e insubmissos.
aliança. Por sua escolha deliberada, A vida do pai foi entristecida pela
ele se separou do povo de Deus. Jacó ansiedade e a dor.
escolheu a herança da fé. Ele se es- Apesar disso, um deles tinha
forçou por obter essa herança pela um caráter totalmente diferente –
astúcia, traição e falsidade; mesmo o filho mais velho de Raquel, José,
assim, Deus permitiu que seu pe- cuja rara beleza pessoal parecia re-
cado fosse um meio de correção fletir a beleza interior do seu espí-
para ele. Jacó nunca se desviou do rito e do seu coração. Puro, ativo e
seu propósito ou renunciou à sua alegre, o rapaz possuía sinceridade
escolha. Jacó saiu um homem di- e firmeza moral. Ele dava atenção
ferente daquela noite de luta. Sua às instruções de seu pai e tinha pra-
autoconfiança foi destruída. Mesmo zer em obedecer a Deus. As qualida-
depois, em lugar da falsidade e do des que depois o distinguiram no
engano, sua vida foi marcada pela Egito – gentileza, lealdade e veraci-
simplicidade e verdade. Os ele- dade – já estavam evidentes. Depois
mentos indesejáveis do seu caráter da morte de sua mãe, ele se apegou
foram consumidos no fogo da for- mais intimamente ao pai. O cora-
nalha; o verdadeiro ouro da fé reve- ção de Jacó estava ligado a esse filho
lada em Abraão e Isaque mostrou de sua velhice. Ele “gostava mais de
seu brilho na vida de Jacó. José do que de qualquer outro filho”
O pecado de Jacó e a cadeia (Gn 37:3).
de acontecimentos que dele se Esse carinho pelo filho viria a
originaram levaram a produzir se tornar a causa de problemas e
132 Os Escolhidos
tristezas. Jacó foi imprudente em levantou e ficou em pé, e os seus fei-
demonstrar sua preferência por xes se ajuntaram ao redor do meu e
José, e isso provocou a inveja dos se curvaram diante dele” (Gn 37:7).
outros filhos. José tentou bondo- “Então você vai reinar sobre
samente corrigir seus irmãos, mas nós? Quer dizer que você vai nos
isso apenas aumentou ainda mais o governar?” (Gn 37:8), exclamaram
ódio e o ressentimento. Não supor- os seus irmãos irados e cheios de in-
tava ver os irmãos pecando contra veja. Pouco tempo depois, ele teve
Deus e levou o problema ao seu pai. outro sonho, que também contou
aos irmãos: “Desta vez o Sol, a Lua
O Presente e Sonhos e onze estrelas se curvavam diante
Com profunda emoção, Jacó im- de mim” (Gn 37:9). O pai, que estava
plorou que não trouxessem vergo- presente, falou em tom de reprova-
nha sobre seu nome e, acima de tudo, ção: “Será que eu, sua mãe, e seus
que não desonrassem a Deus desres- irmãos, viremos a nos curvar até
peitando daquela maneira as Suas o chão diante de você?” (Gn 37:10).
leis. Envergonhados porque sua mal- Apesar da aparente severidade
dade tinha sido revelada, os moços de suas palavras, Jacó acreditava
pareceram estar arrependidos, mas que o Senhor estava revelando o fu-
apenas esconderam os seus verda- turo a José.
deiros sentimentos, que se tornaram Enquanto o rapaz estava ali,
mais cruéis ao verem que suas faltas diante dos irmãos, o Espírito de
tinham sido expostas. Inspiração fazia o seu rosto brilhar.
O presente do pai a José, uma Não puderam deixar de admirar o
túnica muito cara, usada somente irmão, mas odiavam a pureza com
por pessoas importantes, provocou que ele reprovava os seus pecados.
neles a suspeita de que ele preten- Os irmãos tinham que se mudar
dia ignorar os filhos mais velhos e de um lugar para outro para encon-
conceder o direito de primogenitura trar pasto para os seus rebanhos.
para o filho de Raquel. Logo depois desses acontecimen-
Certo dia, o rapaz contou a eles tos, os irmãos foram para Siquém.
um sonho que teve. “Estávamos Algum tempo se passou sem que
amarrando os feixes de trigo no mandassem notícias, e o pai come-
campo, quando o meu feixe se çou a se preocupar com a segurança
A Volta para Casa 133

deles por causa da crueldade que ti- o devorou. Veremos então o que será
nham cometido contra os siquemi- dos seus sonhos” (Gn 37:20).
tas. Assim, mandou que José fosse à Rúben não poderia suportar a
procura deles. Se Jacó soubesse dos ideia de assassinar seu irmão e pro-
verdadeiros sentimentos de seus fi- pôs que jogassem José vivo em um
lhos para com José, não o teria en- poço e o deixassem ali para mor-
viado sozinho até onde estavam. rer. Ele pretendia resgatar o irmão
Com alegria no coração, José se secretamente e mandá-lo de volta
despediu de seu pai, e nenhum dos para seu pai. Depois de convencer
dois poderia imaginar o que aconte- todos a aceitarem seu plano, Rúben
ceria até o dia em que viessem a se saiu, temendo que suas reais inten-
reencontrar. Quando José chegou a ções fossem descobertas.
Siquém, seus irmãos e os rebanhos José chegou sem ter ideia do
não estavam mais lá. Perguntou a perigo que corria. Em vez de ser
respeito deles, e foi informado de saudado como esperava, ficou ater-
que estavam em Dotã. Ele se apres- rorizado com a ira e os olhares de
sou, esquecendo o cansaço, tendo vingança dirigidos a ele. Seus ir-
em mente aliviar as preocupações mãos o agarraram e tiraram sua
de seu pai e encontrar os irmãos a túnica. Suas zombarias e ameaças
quem ele ainda amava. revelavam um propósito mortal.
Seus irmãos o viram se apro- Ele implorava que o deixassem, mas
ximando, mas, em seu ódio, nem se recusavam a ouvi-lo. Aqueles ho-
pensaram na longa viagem que ele mens cheios de ódio o arrastaram
tinha feito para encontrá-los na- à força até um poço muito fundo
quele lugar, no seu cansaço e fome, que havia por perto, empurraram
ou no direito de ser bem recebido e o irmão para dentro dele e o deixa-
no amor fraternal. Ao olharem para ram ali para morrer.
a sua túnica, o símbolo do amor de
seu pai, ficaram enfurecidos. “Lá Vendido como Escravo
vem aquele sonhador!” (Gn 37:19). Logo se aproximou um grupo de
A inveja e a vingança dominavam viajantes – uma caravana de ismae-
seus sentimentos. “É agora! Vamos litas a caminho do Egito com suas
matá-lo e jogá-lo num destes poços, mercadorias. Judá sugeriu então
e diremos que um animal selvagem que vendessem seu irmão em vez
134 Os Escolhidos
de o deixarem a morrer. Assim, ele que tinham cometido. Mataram
estaria fora do seu caminho, e não um cabrito, mergulharam a túnica
seriam culpados do seu sangue, de José no sangue do animal e a le-
“afinal”, insistiu, “é nosso irmão, é varam para seu pai, dizendo que
nosso próprio sangue” (Gn 37:27). a tinham encontrado no campo.
Todos concordaram, e José foi ra- “Achamos isto. Veja se é a túnica de
pidamente tirado do poço. teu filho” (Gn 37:32). Eles não esta-
Quando ele viu os mercadores, a vam preparados para ver a terrí-
terrível verdade caiu como um raio vel dor de coração e o sofrimento
sobre ele. Tornar-se um escravo era indescritível que foram obriga-
algo que ele temia mais do que a pró- dos a testemunhar. “É a túnica de
pria morte. Aterrorizado e em agonia, meu filho!”, disse Jacó. “Um ani-
apelou para cada um de seus irmãos, mal selvagem o devorou! José foi
mas foi em vão. Alguns tiveram pena despedaçado!” (Gn 37:33). Seus fi-
dele, mas todos achavam que tinham lhos procuraram confortá-lo, mas
ido longe demais para voltar atrás. ele “rasgou suas vestes, vestiu-se de
José contaria para o pai. Com o co- saco e chorou muitos dias por seu
ração endurecido pelo ódio, eles o en- filho.[...] ‘Chorando descerei à se-
tregaram nas mãos dos mercadores pultura para junto de meu filho’”
pagãos. A caravana seguiu seu cami- (Gn 37:34), clamava em desespero.
nho e logo se perdeu de vista. Os moços, aterrorizados com o
Rúben voltou ao poço, mas José que tinham feito, além de temerem
não estava mais lá. Quando soube o a condenação de seu pai, tinham
que tinha acontecido com ele, achou ainda que se manter em silêncio
que era melhor se unir aos seus ir- sobre sua culpa, que até para eles
mãos para tentar encobrir o crime parecia grande demais.
20
A Surpreendente
*
História de José
E nquanto isso, José es-
tava a caminho do
Egito, levado pelos donos da ca-
Ainda assim, essa experiência
seria uma bênção para ele. Em pou-
cas horas, ele aprendeu coisas que
ravana que o haviam comprado. nem mesmo vários anos poderiam
Mesmo de longe, o jovem conseguia lhe ter ensinado. Seu pai agira de
ver as colinas entre as quais esta- forma errada para com ele, com
vam as tendas de seu pai. Chorou seu favoritismo e falta de disci-
amargamente ao pensar em seu plina. Isso deixou seus irmãos ira-
amoroso pai, em sua solidão e so- dos e provocou a atitude cruel que
frimento. Ainda soavam em seus o separou de seu lar. Havia defeitos
ouvidos as palavras dolorosas e em seu caráter que tinham sido es-
os insultos dirigidos a ele diante timulados. Ele estava se tornando
de suas súplicas desesperadas em exigente e cheio de si. Sentia que
Dotã. Com o coração tremente ele não estava preparado para lidar
olhou para o futuro. Sozinho e sem com as dificuldades que estavam
amigos, qual seria o seu destino na- diante dele na vida cruel e de aban-
quela terra estranha para onde es- dono de um escravo.
tava indo? Por algum tempo, José Então seus pensamentos se vol-
se entregou a uma tristeza e terror taram para o Deus de seu pai. Várias
incontroláveis. vezes tinha ouvido a história da
* Este capítulo é baseado em Gênesis 39-41.
136 Os Escolhidos
visão de Jacó quando saiu de sua lealdade a Deus. Estava rodeado de
casa como um exilado e fugitivo. cenas e sons indesejáveis, mas era
Contaram a ele a respeito das pro- como se nada visse ou ouvisse. Ele
messas do Senhor a Jacó e como, na não permitia que seus pensamen-
hora da necessidade, os anjos vie- tos se ocupassem com coisas proi-
ram para ensinar, confortar e pro- bidas. O desejo de alcançar o favor
teger. Tinha aprendido do amor de dos egípcios não o fazia abrir mão
Deus em dar um Redentor. Todas de seus princípios. Não fazia qual-
essas preciosas lições vividamente quer esforço para ocultar o fato de
vieram à tona. José tinha certeza de que era um adorador de Jeová.
que o Deus de seus pais seria o seu “O Senhor estava com José, de
Deus. Entregou-se completamente modo que este prosperou.” Seu pa-
ao Senhor ali mesmo e orou para trão “percebeu que o Senhor estava
que o Guarda de Israel estivesse com ele e que o fazia prosperar em
com ele em seu exílio. tudo o que realizava” (Gn 39:2, 3).
Todo o seu ser tremeu diante da A confiança de Potifar em José au-
elevada resolução de se mostrar fiel mentava dia a dia e, finalmente, ele
a Deus, de agir como um súdito do o promoveu a seu mordomo, com
Rei do Céu. Ele enfrentaria as pro- total controle sobre todos os seus
vações em sua vida com coragem bens. “Assim deixou ele aos cuida-
e cumpriria fielmente o seu dever. dos de José tudo o que tinha, e não
A terrível experiência de um único se preocupava com coisa alguma,
dia fez com que deixasse de ser exceto com sua própria comida”
uma criança mimada, para se tor- (Gn 39:6).
nar um homem ponderado, corajoso O dinamismo, prontidão, zelo e
e confiante. energia de José eram coroados pela
Quando chegou ao Egito, José foi bênção divina; mesmo seu senhor
vendido a Potifar, capitão da guarda idólatra aceitava isso como o se-
real. Durante dez anos, foi exposto gredo de sua prosperidade. Deus era
a tentações em meio à idolatria, ro- glorificado pela fidelidade de Seu
deado de toda pompa da realeza, da servo. Era seu objetivo que o crente
riqueza e cultura da mais alta nação em Deus aparecesse em marcante
civilizada que existia na época. contraste com os adoradores de ído-
Mesmo assim, José manteve a sua los. Assim, a luz da graça celestial
A Surpreendente História de José 137

resplandeceria em meio às trevas na Terra; e, fossem quais fossem


do paganismo. as consequências, seria fiel ao seu
O capitão chegou a considerar Senhor no Céu. O primeiro pensa-
José como um filho, em vez de um mento de José foi em Deus. “Como
escravo. O jovem foi levado a entrar poderia eu, então, cometer algo tão
em contato com homens de posi- terrível e pecar contra Deus?”, disse
ção e elevado nível intelectual, ad- ele (Gn 39:9). Os jovens devem sem-
quirindo não apenas conhecimento pre se lembrar de que, onde quer
das ciências, idiomas e negócios, que estejam, o que quer que façam,
mas também uma educação neces- sempre se encontram na presença
sária para ser o futuro primeiro- de Deus. Nada em nossa conduta
ministro do Egito. deixa de ser observado por Ele.
Não podemos ocultar nossos cami-
Tentação Quase Invencível nhos do Altíssimo. Para cada ação
A esposa do senhor de José ten- há uma testemunha invisível. Cada
tou induzir o jovem a transgredir a ato, cada palavra, cada pensamento
lei de Deus. Ele tinha permanecido é tão claramente observado como
incontaminado da corrupção que se houvesse apenas uma pessoa
enchia aquela terra pagã, mas essa no mundo todo.
tentação, tão repentina, tão forte, José sofreu por manter sua in-
tão sedutora – como deveria lidar tegridade. Sua tentadora se vingou,
com ela? fazendo com que fosse colocado na
José bem sabia o que a recusa lhe prisão. Se Potifar tivesse acredi-
traria. De um lado estavam a cum- tado na acusação feita por sua es-
plicidade, os favores e as recompen- posa, contra José, o jovem hebreu
sas; do outro, a desgraça, a prisão, e teria perdido a vida, mas a simpli-
talvez a morte. Toda a sua vida fu- cidade e lealdade que tinham carac-
tura dependia da decisão do mo- terizado sua conduta eram prova de
mento. José seria fiel a Deus? Com sua inocência. Para salvar a reputa-
inexprimível ansiedade, os anjos ção da casa de seu senhor, ele sofreu
olhavam para aquela cena. a desonra e a escravidão.
A resposta de José revela o No início, José foi tratado severa-
poder do princípio religioso. Ele não mente pelos carcereiros. O salmista
trairia a confiança de seu senhor diz: “Machucaram-lhe os pés com
138 Os Escolhidos
correntes e com ferros prenderam- futuro. Quando inspirados por um
lhe o pescoço, até cumprir-se a sua motivo justo, toda palavra bondosa
predição e a palavra do Senhor con- falada aos aflitos, todo ato realizado
firmar o que dissera” (Sl 105:18, 19). para aliviar os oprimidos e tudo o
que for dado aos necessitados resul-
José na Prisão tarão em bênçãos para o doador.
O verdadeiro caráter de José O padeiro-chefe do rei e o
brilhou mesmo na prisão. Os anos copeiro-chefe tinham sido presos
de serviço fiel que havia prestado por um ato errado que cometeram
foram pagos da maneira mais cruel; e ficaram sob a responsabilidade de
porém, ainda assim, não ficou de- José. Num dia pela manhã, ele per-
primido ou perdeu a confiança. Ele cebeu que pareciam muito tristes e
tinha paz e deixou seu caso nas bondosamente perguntou por que
mãos de Deus. Não ficava pensando estavam daquele jeito. Explicaram
nas injustiças cometidas contra ele que cada um deles havia tido um
e procurava aliviar as tristezas dos sonho fora do comum e queriam
outros. Mesmo na prisão, encon- muito saber qual era o seu signifi-
trou um trabalho que poderia fazer. cado. “Não são de Deus as interpre-
Deus o estava preparando, na escola tações?”, disse José. “Contem-me os
da aflição, para um propósito maior, sonhos” (Gn 40:8).
e ele não se recusou a receber a dis- Depois que cada um contou
ciplina necessária. Aprendeu lições o sonho que teve, José revelou o
de justiça, simpatia e misericórdia seu significado. Em três dias, o co-
que o prepararam para usar o poder peiro seria reintegrado ao seu cargo
com sabedoria e compaixão. e daria o copo nas mãos do Faraó,
Aos poucos, José foi ganhando como fazia antes, mas o padeiro-
a confiança do carcereiro da prisão, chefe seria morto por ordem do rei.
que acabou confiando a ele a guarda Nos dois casos aconteceu conforme
de todos os prisioneiros. Sua con- havia sido predito.
duta na prisão – sua integridade, O copeiro do rei tinha demons-
sua simpatia por aqueles que viviam trado profunda gratidão por José,
em angústia e sofrimento – abriu pela feliz interpretação do sonho e
o caminho para que se tornasse por muitos atos de bondade e aten-
um homem próspero e honrado no ção. Por sua vez, José, referindo-se à
A Surpreendente História de José 139

prisão injusta a que havia sido con- lembrasse do próprio sonho; com
denado, suplicou que seu caso fosse ele, veio à sua lembrança o pedido
levado perante o rei. “Quando tudo de José e o remorso por seu esqueci-
estiver indo bem com você”, disse ele, mento e ingratidão. Imediatamente,
“lembre-se de mim e seja bondoso ele informou ao rei como seu sonho
comigo; fale de mim ao Faraó e tire- e o sonho do padeiro-chefe tinham
me desta prisão, pois fui trazido à sido interpretados por um escravo
força da terra dos hebreus, e tam- hebreu e como as predições haviam
bém aqui nada fiz para ser jogado se cumprido.
neste calabouço” (Gn 40:14, 15). Era humilhante para o Faraó
O copeiro-chefe viu que seu consultar um escravo, mas ele es-
sonho tinha se realizado em todos tava disposto a fazer isso para que
os detalhes; mas quando foi restau- sua mente perturbada se acalmasse.
rado ao favor real, ele se esqueceu José foi enviado imediatamente ao
daquele que o havia ajudado. José palácio; tirou suas roupas de prisio-
permaneceu como prisioneiro por neiro e foi levado à presença do rei.
mais dois anos. A esperança que “O Faraó disse a José: ‘Tive um
tinha começado a arder em seu sonho que ninguém consegue inter-
coração, pouco a pouco foi se apa- pretar. Mas ouvi falar que você, ao
gando, e às outras provações foi ouvir um sonho, é capaz de inter-
acrescentada a mais amarga dor da pretá-lo.’ Respondeu-lhe José: ‘Isso
ingratidão. não depende de mim, mas Deus
Entretanto, a mão divina estava dará ao Faraó uma resposta favo-
pronta para abrir as portas da pri- rável’” (Gn 41:15, 16). José, modes-
são. Em uma noite, o rei do Egito tamente, recusou a honra de possuir
teve dois sonhos que indicavam sabedoria superior. Somente Deus
aparentemente o mesmo aconteci- pode explicar esses mistérios.
mento e pareciam estar prevendo O Faraó começou então a relatar
uma grande calamidade. Os magos seus sonhos: “Sonhei que estava em
e sábios não puderam dar a inter- pé, à beira do Nilo, quando saíram
pretação. A perplexidade do rei au- do rio sete vacas, belas e gordas, que
mentava e o terror se espalhou por começaram a pastar entre os juncos.
todo o palácio. A agitação geral Depois saíram outras sete, raquíti-
fez com que o copeiro-chefe se cas, muito feias e magras. Nunca vi
140 Os Escolhidos
vacas tão feias em toda a terra do deve estabelecer supervisores para
Egito. As vacas magras e feias come- recolher um quinto da colheita do
ram as sete vacas gordas que tinham Egito durante os sete anos de far-
aparecido primeiro. Mesmo depois tura. Eles deverão recolher o que
de havê-las comido, não parecia que puderem nos anos bons que virão
o tivessem feito, pois continuavam e fazer estoques de trigo que, sob
tão magras como antes. Então acor- o controle do Faraó, serão armaze-
dei. Depois tive outro sonho. Vi sete nados nas cidades. Esse estoque ser-
espigas de cereal, cheias e boas, que virá de reserva para os sete anos de
cresciam num mesmo pé. Depois fome que virão sobre o Egito, para
delas, brotaram outras sete, mur- que a terra não seja arrasada pela
chas e mirradas, ressequidas pelo fome” (Gn 41:33-36).
vento leste. As espigas magras en- A interpretação foi racional e
goliram as sete espigas boas. Contei coerente. A política recomendada
isso aos magos, mas ninguém foi era sólida e não tinha como ser co-
capaz de explicá-lo” (Gn 41:17-24). locada em dúvida. A quem pode-
ria ser confiada a execução desse
A Interpretação do Sonho plano? A preservação da nação de-
do Faraó penderia da sabedoria dessa esco-
“‘O Faraó teve um único sonho’, lha. Por algum tempo, a questão
disse-lhe José. ‘Deus revelou ao dessa indicação esteve em estudo.
Faraó o que Ele está para fazer’” Por meio do copeiro-chefe, o mo-
(Gn 41:25). Haveria sete anos de narca ficou sabendo da sabedoria e
muita fartura. Os campos e hortas prudência demonstradas por José
produziriam em grande quanti- na administração da prisão. Era
dade, como nunca antes. Esse pe- evidente que ele tinha uma habi-
ríodo seria seguido por sete anos de lidade administrativa superior.
fome. “A fome que virá depois será Em todo o reino, José foi o único
tão rigorosa que o tempo de fartura homem dotado de sabedoria para
não será mais lembrado na terra” indicar o perigo que ameaçava o
(Gn 41:31). “Procure agora o Faraó”, país e o preparo necessário que de-
disse ele, “um homem criterioso e veria ser feito para enfrentar uma
sábio e coloque-o no comando da situação como aquela. Não havia
terra do Egito. O Faraó também ninguém, entre os oficiais do rei,
A Surpreendente História de José 141

tão bem qualificado para conduzir atinge a humilde flor no vale ar-
os negócios da nação naquele mo- ranca pela raiz a frondosa árvore
mento de crise. “Será que vamos no topo da montanha. Assim tam-
achar alguém como este homem, bém, aqueles que mantiveram
em quem está o espírito divino?” sua integridade na vida humilde
(Gn 41:38), perguntou o rei aos seus que levavam podem ser arrasta-
conselheiros. dos pelas tentações que aparecem
com o êxito e as honras mundanas.
De Prisioneiro a O caráter de José resistiu da mesma
Primeiro-Ministro forma tanto à prova da adversi-
Foi feito então a José o surpreen- dade como da prosperidade. Ele
dente anúncio: “Uma vez que Deus era um estrangeiro em terra pagã,
lhe revelou todas essas coisas, não separado de sua família, mas acre-
há ninguém tão criterioso e sábio ditava que a mão divina tinha di-
como você. Você terá o comando rigido completamente a sua vida.
de meu palácio, e todo o meu povo Com inabalável confiança em Deus,
se sujeitará às suas ordens. Somente desempenhava fielmente os deve-
em relação ao trono serei maior que res do cargo que ocupava. A aten-
você. […] Em seguida o Faraó tirou do ção do rei e dos grandes homens
dedo o seu anel-selo e o colocou no do Egito foi dirigida ao verdadeiro
dedo de José. Mandou-o vestir de Deus, e eles aprenderam a respei-
linho fino e colocou uma corrente tar os princípios revelados na vida
de ouro em seu pescoço. Também de José como adorador de Jeová.
o fez subir em sua segunda car- Em seus primeiros anos, José se-
ruagem real, e à frente os arautos guiu o seu dever e não a inclinação.
iam gritando: ‘Abram caminho!’” A integridade, a simples confiança, a
(Gn 41:39, 40, 42, 43). nobre natureza do jovem produziram
Da prisão, José foi elevado a go- frutos em seus atos quando homem.
vernador de toda a terra do Egito, As circunstâncias variadas que
uma posição altamente honrada, encontramos dia a dia são destina-
mas também cercada de perigos. das a provar a nossa fidelidade e
Ninguém pode ocupar uma ele- a nos qualificar para maiores res-
vada posição sem estar sujeito ponsabilidades. Ao se apegar aos
ao perigo. A tempestade que não princípios, a mente se acostuma
142 Os Escolhidos
a atender às exigências do dever Um caráter reto tem maior valor
acima do prazer e da vontade. que o ouro de Ofir. Sem ele, nin-
A mente assim disciplinada não os- guém pode alcançar uma elevada
cila entre o que é certo e o errado posição. A formação de um caráter
como a cana balança ao vento. Pela nobre representa o trabalho de uma
fidelidade nas pequenas coisas, ad- vida inteira. Deus oferece as opor-
quirem forças para serem fiéis nas tunidades; o êxito depende do uso
coisas maiores. que fazemos delas.
21
*
José e seus Irmãos
S ob a direção de José, foram
construídos imensos arma-
zéns em toda a terra do Egito para
A fome também atingiu com
força o país em que Jacó vivia. Ao
ouvir falar da grande provisão feita
guardar todo o excedente da colheita pelo rei do Egito, dez dos filhos de
esperada. Durante os sete anos em Jacó viajaram até lá para comprar
que houve comida, a quantidade de cereais. Foram encaminhados ao
grãos armazenados foi muito além representante do rei e, assim como
do que se poderia calcular. outros compradores, apresentaram-
Então começaram os sete anos se diante do governador da terra.
de fome, de acordo com a predição “Curvaram-se diante dele com o
de José. “Houve fome em todas as rosto em terra. […] José reconheceu
terras, mas em todo o Egito havia os seus irmãos, mas eles não o reco-
alimento. Quando todo o Egito co- nheceram” (Gn 42:6, 8). Seu nome
meçou a sofrer com a fome, o povo hebreu foi mudado por outro que
clamou ao Faraó por comida, e foi dado pelo rei, e era bem pouca
este respondeu a todos os egípcios: a semelhança entre o primeiro-
‘Dirijam-se a José e façam o que ele ministro do Egito e o jovem que
disser.’ Quando a fome já se havia eles tinham vendido aos ismaeli-
espalhado por toda a terra, José tas. Quando José viu seus irmãos
mandou abrir os locais de armaze- se curvarem diante dele, seus so-
namento e começou a vender trigo nhos e as cenas do passado surgi-
aos egípcios” (Gn 41:54-56). ram vividamente diante dele. Com
* Este capítulo é baseado em Gênesis 41:54-56; 42 a 50.
144 Os Escolhidos
seu olhar aguçado, logo percebeu sozinho, deixando seu irmão na pri-
que Benjamim não estava entre são? Isso faria parecer que eles ti-
eles. Será que ele também havia nham sido mortos ou se tornado
sido vítima da crueldade e traição escravos. Se Benjamim fosse trazido,
deles? Decidiu então saber a ver- seria apenas para acabar tendo a
dade. “Vocês são espiões!”, disse ele. mesma sorte deles. Decidiram ficar e
“Vieram para ver onde a nossa terra sofrer juntos, em vez de causar mais
está desprotegida” (Gn 42:9). tristezas ao pai pela perda do único
Os irmãos responderam: “Não, filho que lhe restava. Assim, todos
meu senhor, teus servos vieram foram lançados na prisão.
comprar comida. […] Teus servos
são homens honestos, e não es- Homens Arrependidos
piões” (Gn 42:10, 11). Desejou tirar Os filhos de Jacó tinham pas-
alguma informação deles, com rela- sado por uma mudança de caráter.
ção à sua casa, mas sabia o quanto Antes, eles eram invejosos, tempe-
suas declarações poderiam não ser ramentais, enganadores, cruéis e
verdadeiras. Ele repetiu a acusação, vingativos; mas, depois que foram
e eles responderam: “Teus servos provados pelas dificuldades, mos-
eram doze irmãos, todos filhos do traram-se mais abnegados, leais uns
mesmo pai, na terra de Canaã. O ca- com os outros, dedicados ao seu pai
çula está agora em casa com o pai, e e, mesmo sendo já adultos, estavam
o outro já morreu” (Gn 42:13). sujeitos à sua autoridade.
Afirmando estar em dúvida a Os três dias que estiveram pre-
respeito da história que eles haviam sos no Egito foram de amargura e
contado, o governador declarou que tristeza, ao refletirem sobre seus pe-
eles deveriam permanecer no Egito cados. Se Benjamim não pudesse ser
até que um deles fosse e trouxesse trazido, sua condenação como es-
o irmão mais moço. Se não fizes- piões parecia certa.
sem isso seriam tratados como No terceiro dia, José mandou
espiões. Os filhos de Jacó não pu- que seus irmãos fossem levados pe-
deram concordar porque o tempo rante ele. Não poderia detê-los por
necessário para tudo isso faria suas mais tempo. Talvez seu pai e suas
famílias passarem fome; e quem famílias já estivessem sofrendo pela
entre eles poderia fazer a viagem falta de alimento. “Eu tenho o temor
José e seus Irmãos 145

de Deus. Se querem salvar sua vida”, novamente levado para a prisão.


disse ele, “façam o seguinte: Se vocês No tratamento cruel que prati-
são homens honestos, deixem um caram contra seu irmão, Simeão
de seus irmãos aqui na prisão, en- foi o instigador e principal men-
quanto os demais voltam, levando tor do plano.
trigo para matar a fome das suas Antes de permitir que seus ir-
famílias. Tragam-me, porém, o seu mãos partissem, José deu ordens
irmão caçula, para que se compro- para que recebessem o suprimento
vem as suas palavras e vocês não de trigo e também que o dinheiro
tenham que morrer” (Gn 42:18-20). de cada um fosse escondido na boca
José se comunicava com eles do saco. No caminho, um dos ir-
por meio de um intérprete. Não po- mãos abriu o saco e ficou surpreso
dendo nem de longe imaginar que ao encontrar sua bolsa com a prata.
o governador entendia o que fala- Os outros ficaram alarmados e dis-
vam, eles conversavam livremente seram: “Que é isto que Deus fez co-
uns com os outros em sua presença. nosco?” (Gn 42:28).
“Certamente estamos sendo puni- Jacó, muito ansioso, estava
dos pelo que fizemos a nosso irmão. aguardando a volta de seus filhos, e
Vimos como ele estava angustiado quando eles chegaram, todo o acam-
quando nos implorava por sua vida, pamento se reuniu animadamente
mas não lhe demos ouvidos; por em volta deles enquanto contavam
isso nos sobreveio esta angústia” ao pai tudo o que tinha acontecido.
(Gn 42:21). Rúben, que tinha idea- O coração de todos eles estava cheio
lizado um plano para libertar José de temor. A conduta do governador
em Dotã, acrescentou: “Eu não lhes egípcio parecia envolver alguma
disse que não maltratassem o me- coisa mal-intencionada, e seus te-
nino? Mas vocês não quiseram me mores foram confirmados quando,
ouvir! Agora teremos que prestar ao abrirem os sacos, o dinheiro foi
contas do seu sangue” (Gn 42:22). encontrado em cada um deles. Em
José, que entendia tudo o que angústia, o idoso pai exclamou:
diziam, não pôde dominar suas “Vocês estão tirando meus filhos
emoções. Saiu e chorou. Quando de mim! Já fiquei sem José, agora
voltou, ordenou que Simeão fosse sem Simeão e ainda querem levar
amarrado diante de seus olhos e Benjamim. Tudo está contra mim!
146 Os Escolhidos
[…] Meu filho não descerá com por seu irmão e também assumir a
vocês; seu irmão está morto, e ele é culpa para sempre caso deixasse de
o único que resta. Se qualquer mal levar Benjamim de volta ao seu pai.
lhe acontecer na viagem que estão Jacó não poderia mais se
por fazer, vocês farão estes meus ca- recusar a dar o seu consentimento.
belos brancos descerem à sepultura Disse aos filhos que levassem ao go-
com tristeza” (Gn 42:36, 38). vernador um presente com algumas
Entretanto, a seca continuou, e o coisas que o seu país devastado pela
suprimento de trigo levado do Egito fome ainda tinha para oferecer: “Um
estava quase se acabando. Mais e pouco de bálsamo, um pouco de mel,
mais negra era a sombra da fome algumas especiarias e mirra, algu-
que se aproximava. O idoso pai via mas nozes de pistache e amêndoas.
a necessidade que passavam nos Levem prata em dobro. […] Peguem
rostos ansiosos de todos no acam- também o seu irmão e voltem àquele
pamento. Então ele disse: “Voltem homem” (Gn 43:11-13). Quando seus
e comprem um pouco mais de co- filhos estavam prontos para par-
mida para nós” (Gn 43:2). tir para uma viagem tão incerta, o
Judá respondeu: “O homem nos idoso pai se levantou e, erguendo
advertiu severamente: ‘Não voltem as mãos ao Céu, proferiu esta ora-
à minha presença, a não ser que ção: “Que o Deus todo-poderoso lhes
tragam o seu irmão’. Se enviares o conceda misericórdia diante daquele
nosso irmão conosco, desceremos e homem, para que ele permita que o
compraremos comida para ti. Mas seu outro irmão e Benjamim voltem
se não o enviares conosco, não ire- com vocês” (Gn 43:14).
mos, porque foi assim que o homem Viajaram mais uma vez para o
falou: ‘Não voltem à minha presença, Egito e se apresentaram diante de
a não ser que tragam o seu irmão’” José. Ao olhar para Benjamim, que
(Gn 43:3-5). Vendo que seu pai co- também era filho de sua mãe, José
meçava a ceder, ele disse: “Deixa o ficou muito comovido. Conseguiu es-
jovem ir comigo e partiremos ime- conder a emoção, mas ordenou que
diatamente, a fim de que tu, nós e fossem levados à sua casa para par-
nossas crianças sobrevivamos e não ticiparem de um almoço com ele. Os
venhamos a morrer’” (Gn 43:8). Ele irmãos ficaram muito amedronta-
se ofereceu para ser o responsável dos, com receio de serem acusados
José e seus Irmãos 147

por causa do dinheiro encontrado nos laram? Ainda está vivo?” “Teu servo,
sacos. Imaginavam que tivesse sido nosso pai, ainda vive e passa bem”,
colocado de propósito com o objetivo foi a resposta. “E se curvaram para
de encontrarem uma razão para que prestar-lhe honra.” (Gn 43:27, 28).
fossem feitos escravos. Como prova Então olhou para Benjamim e disse:
de sua inocência, informaram ao ad- “É este o irmão caçula de quem me
ministrador da casa que tinham tra- falaram?” E acrescentou: “Deus lhe
zido de volta o dinheiro encontrado conceda graça, meu filho” (Gn 43:29);
nos sacos e também mais dinheiro mas José ficou muito emocionado
para comprar o alimento; e acrescen- ao ver o irmão e não conseguiu
taram: “Não sabemos quem pôs a dizer mais nada. “Entrando em seu
prata em nossa bagagem” (Gn 43:22). quarto, chorou” (Gn 43:30).
“‘Fiquem tranquilos’, disse o admi- Quando José conseguiu se re-
nistrador. ‘Não tenham medo. O seu compor, voltou para junto dos
Deus e o Deus de seu pai foi quem lhes irmãos. Pelas leis das classes so-
deu um tesouro em suas bagagens, ciais, os egípcios eram proibidos
porque a prata de vocês eu recebi’” de comer com pessoas de qual-
(Gn 43:23). Os irmãos ficaram alivia- quer outra nação. Por essa razão,
dos. Assim que Simeão foi libertado foi posta uma mesa separada para
da prisão e se uniu a eles, sentiram os filhos de Jacó, enquanto o go-
que Deus tinha sido verdadeiramente vernador, devido à sua alta posi-
misericordioso com todos. ção, comia sozinho, e os egípcios
também tinham mesas separadas.
Os Sonhos se Cumprem Quando todos se assentaram, os ir-
Novamente mãos ficaram surpresos ao ver que
Quando o governador se en- foram colocados um após o outro,
controu novamente com eles, en- exatamente de acordo com a idade
tregaram a ele os seus presentes e de cada um. “Então lhes serviram
humildemente “curvaram-se diante da mesa de José” (v. 34), mas a por-
dele até o chão” (Gn 43:26). De novo ção de Benjamim era cinco vezes
seus sonhos lhe vieram à mente. Ele maior que a de qualquer um deles.
cumprimentou os irmãos e se apres- Com isso, esperava descobrir se o
sou em perguntar: “Como vai o pai de irmão mais novo era olhado com
vocês, o homem idoso de quem me fa- a mesma inveja e ódio que foram
148 Os Escolhidos
demonstrados a ele. Imaginando consideradas uma proteção contra
ainda que José não compreendia a o assassinato por envenenamento.
sua língua, os irmãos conversavam Diante da acusação do adminis-
normalmente entre si, dando a ele trador, os viajantes responderam:
uma boa oportunidade para conhe- “Por que o meu senhor diz isso?
cer seus verdadeiros sentimentos. Longe dos seus servos fazer tal
José ainda queria provar seus ir- coisa! Nós lhe trouxemos de volta,
mãos mais uma vez. Antes de saí- da terra de Canaã, a prata que en-
rem do Egito, ordenou que seu copo contramos na boca de nossa ba-
de prata fosse colocado no saco de gagem. Como roubaríamos prata
mantimentos do irmão mais novo. ou ouro da casa do seu senhor? Se
algum dos seus servos for encon-
A Prova Final de trado com ela, morrerá; e nós, os
Arrependimento demais, seremos escravos do meu
Alegremente eles partiram de senhor” (Gn 44:7-9).
volta para a casa de seu pai. Simeão e “Concordo”, disse o administra-
Benjamim foram com eles; seus ani- dor. “Somente quem for encontrado
mais estavam carregados de trigo, e com ela será meu escravo. Os de-
todos achavam que tinham escapado mais estarão livres” (Gn 44:10).
em segurança dos perigos que pare- A busca começou logo em se-
ciam cercá-los. No entanto, tinham guida. “Cada um deles descarregou
apenas chegado aos arredores da ci- depressa a sua bagagem e abriu-a”
dade, quando foram surpreendidos (Gn 44:11), e o administrador exa-
pelo administrador do governador, minou cada uma delas, começando
que bastante irado perguntou a eles: pela de Rúben, em ordem, até chegar
“Por que retribuíram o bem com o ao mais moço. A taça foi encontrada
mal? Não é esta a taça que meu se- na bagagem levada por Benjamim.
nhor usa para beber e fazer adivi- Os irmãos rasgaram suas roupas
nhações? Vocês cometeram grande com um sentimento de completa
maldade!” (Gn 44:4, 5). Eles achavam desgraça e lentamente retornaram
que essa taça tinha o poder de des- para a cidade. Pela própria promessa
cobrir qualquer substância venenosa que haviam feito, Benjamim estava
que nela fosse colocada. Taças desse condenado à escravidão. Eles acom-
tipo tinham muito valor, pois eram panharam o administrador até
José e seus Irmãos 149

o palácio e, ao encontrarem o go- conosco, logo que meu pai, que é tão
vernador, curvaram-se até o chão apegado a ele, perceber que o jovem
diante dele. não está conosco, morrerá. Teus ser-
“Que foi que vocês fizeram?”, vos farão seu velho pai descer seus
disse ele. “Vocês não sabem que um cabelos brancos à sepultura com
homem como eu tem poder para tristeza. Além disso, teu servo ga-
adivinhar?” (Gn 44:15). José pre- rantiu a segurança do jovem a seu
tendia saber se realmente tinham pai, dizendo-lhe: ‘Se eu não o trou-
se arrependido do seu pecado. xer de volta, suportarei essa culpa
Judá respondeu: “O que diremos diante de ti pelo resto da minha
a meu senhor? Que podemos falar? vida!’ Por isso, agora te peço, por
Como podemos provar nossa ino- favor, deixa o teu servo ficar como
cência? Deus trouxe à luz a culpa escravo do meu senhor no lugar do
dos teus servos. Agora somos es- jovem e permite que ele volte com
cravos do meu senhor, como tam- seus irmãos. Como poderei eu vol-
bém aquele que foi encontrado com tar a meu pai sem levar o jovem co-
a taça” (Gn 44:16). migo? Não! Não posso ver o mal que
“Longe de mim fazer tal coisa!”, sobreviria a meu pai” (Gn 44:30-34).
foi a resposta. “Somente aquele que José estava satisfeito. Tinha visto
foi encontrado com a taça será meu em seus irmãos os frutos do verda-
escravo. Os demais podem voltar em deiro arrependimento. Deu ordens
paz para a casa do seu pai” (Gn 44:17).
para que todos se retirassem, exceto
aqueles homens. Então, chorando em
O Apelo de Judá alta voz, ele exclamou: “Eu sou José!
Em profunda angústia, Judá se Meu pai ainda está vivo?” (Gn 45:3).
aproximou do governador. De ma-
neira eloquente, ele descreveu a Reconciliação!
dor de seu pai pela perda de José Os irmãos de José ficaram sem
e sua dificuldade em permitir que entender, calados, cheios de medo e
Benjamim fosse com eles ao Egito, espantados. O governador do Egito
por ser ele o único filho de Raquel, era o seu irmão José, a quem eles in-
o filho a quem Jacó tanto amava. vejavam e teriam matado, mas que
“Agora, pois, se eu voltar a teu acabaram vendendo como escravo!
servo, a meu pai, sem levar o jovem Todos os seus maus-tratos passaram
150 Os Escolhidos
diante deles. Lembraram-se de como todo o palácio e governador de todo
odiavam seus sonhos e de tudo o o Egito. Voltem depressa a meu pai
que fizeram para impedir que se e digam-lhe: ‘Assim diz o seu filho
cumprissem; porém, nada mais fi- José: Deus me fez senhor de todo
zeram do que desempenhar o seu o Egito. Vem para cá, não te demo-
papel para que eles se realizassem. res. Tu viverás na região de Gósen
Naquele momento em que estavam […] tu, os teus filhos, os teus netos,
completamente sob seu poder, sem as tuas ovelhas, os teus bois e todos
dúvida ele iria se vingar de tudo o os teus bens. Eu te sustentarei ali,
que tinha sofrido. porque ainda haverá cinco anos de
Ao ver o quanto estavam con- fome. Do contrário, tu, a tua família
fusos, ele disse bondosamente: e todos os teus rebanhos acabarão na
“Cheguem mais perto”. Quando se miséria’” (Gn 45:7-11). “Então ele se
aproximaram, ele continuou: “Eu lançou chorando sobre o seu irmão
sou José, seu irmão, aquele que Benjamim e o abraçou, e Benjamim
vocês venderam ao Egito! Agora, não também o abraçou, chorando. Em se-
se aflijam nem se recriminem por guida beijou todos os seus irmãos e
terem me vendido para cá, pois foi chorou com eles. E só depois os seus
para salvar vidas que Deus me en- irmãos conseguiram conversar com
viou adiante de vocês” (Gn 45:3, 4). ele” (Gn 45:14, 15). Eles confessaram
Sentindo que já tinham sofrido o com muita humildade o seu pecado e
suficiente por sua crueldade para suplicaram que os perdoasse.
com ele, procurou com muita gene- A notícia do que tinha aconte-
rosidade aliviar seus temores e tirar cido foi rapidamente levada ao rei.
deles a amargura por continuarem Ele confirmou o convite do governa-
se condenando. dor à sua família, dizendo: “Eu lhes
“Deus me enviou à frente de darei o melhor da terra do Egito”
vocês para lhes preservar um rema- (Gn 45:18). Os irmãos de José foram
nescente nesta terra e para salvar- enviados com grande suprimento
lhes a vida com grande livramento! de alimentos e de tudo o que neces-
Assim, não foram vocês que me sitavam para trazer todas as famí-
mandaram para cá, mas sim o pró- lias e os servos para o Egito.
prio Deus. Ele me tornou ministro Os filhos de Jacó voltaram para
do Faraó, e me fez administrador de a casa de seu pai com estas alegres
José e seus Irmãos 151

novas: “José ainda está vivo! Na ver- A promessa de inumeráveis


dade ele é o governador de todo o descendentes, como as estrelas do
Egito” (Gn 45:26). No começo, Jacó céu, tinha sido dada a Abraão, mas,
ficou cheio de espanto; quase não até aquela época, o povo escolhido
podia acreditar no que ouvia; mas tinha aumentado muito vagarosa-
quando viu a longa caravana, com car- mente. Naquela época, a terra de
ros e animais, e quando se deu conta Canaã estava sob o domínio de po-
de que Benjamim estava junto dele derosas tribos pagãs que não seriam
novamente, ficou convencido. Com tiradas de lá até “a quarta geração”
imensa alegria, exclamou: “Basta! (Gn 15:16). Para se tornar um povo
Meu filho José ainda está vivo. Irei numeroso, os descendentes de Israel
vê-lo antes que eu morra” (Gn 45:28). deveriam ou expulsar os habitan-
Mais um ato de humilhação tes da terra ou se dispersar entre
restava para aqueles dez irmãos. eles. Se eles se misturassem aos ca-
Eles confessaram então para o pai naneus estavam em perigo de ser
o engano e a crueldade que trou- atraídos à idolatria. Por outro lado,
xeram tantos anos de amargura à o Egito oferecia as condições ne-
sua vida, e também à deles, durante cessárias para o cumprimento do
todo aquele tempo. Jacó nunca po- plano divino. Uma região do país,
deria imaginar que fossem capazes bem regada e fértil estava à dis-
de cometer um pecado tão vil, mas posição deles, proporcionando as
ele perdoou seus filhos pelo erro co- condições necessárias e todas as
metido e os abençoou. vantagens para o seu rápido cresci-
O pai e seus filhos, com todas mento. Permaneceriam como um
as suas famílias, seus rebanhos e povo distinto e separado, excluído
o gado, além de outros que faziam da participação da idolatria rei-
parte do acampamento, logo esta- nante no país.
vam a caminho do Egito. Numa Quando chegaram ao Egito, todo
visão à noite, veio a palavra divina: o povo se encaminhou para a terra
“Não tenha medo de descer ao Egito, de Gósen. José foi para lá em sua car-
porque lá farei de você uma grande ruagem oficial, acompanhado de uma
nação. Eu mesmo descerei ao Egito grande comitiva. Apenas um pensa-
com você e certamente o trarei de mento enchia a sua mente, uma sau-
volta” (Gn 46:3, 4). dade imensa que fazia seu coração
152 Os Escolhidos
vibrar. Ao ver os viajantes se apro- consciente superioridade, levantou
ximando, o amor cujos sentimentos as mãos e abençoou Faraó.
tinham sido reprimidos por tantos Em sua primeira saudação a
anos não mais poderia ser contro- José, Jacó falou como se estivesse
lado. Ele desceu de sua carruagem pronto para morrer, depois de ter
e correu para saudar seu pai. “Assim colocado um ponto final tão feliz
que o viu, correu para abraçá-lo e, em sua longa ansiedade e tristeza.
abraçado a ele, chorou longamente. Ainda seriam concedidos a ele mais
E Israel disse a José: ‘Agora já posso dezessete anos na tranquila e afas-
morrer, pois vi o seu rosto e sei que tada terra de Gósen. Esses anos
você ainda está vivo’” (Gn 46:29, 30). foram um feliz contraste com os
José desejava livrar seus irmãos anos turbulentos que Jacó tinha vi-
das tentações a que estariam ex- vido até então. Ele viu em seus filhos
postos em uma corte pagã; assim, evidências de verdadeiro arrependi-
ele os aconselhou a dizer ao Faraó mento. Sua família estava rodeada
qual era exatamente a sua ocupa- de todas as condições necessárias
ção. Os filhos de Jacó seguiram esse para o desenvolvimento de uma
conselho, sendo cuidadosos tam- grande nação. Sua fé se apegou à cer-
bém em declarar que tinham vindo teza da promessa de que no futuro
para estar apenas por um tempo seriam levados para viver em Canaã
naquela terra, e não para se torna- outra vez. Ele mesmo estava cercado
rem habitantes permanentes, re- de toda demonstração de amor
servando assim a eles o direito de e favor que o primeiro-ministro
partirem quando desejassem. do Egito poderia lhe conceder.

O Fim da Vida de Jacó Jacó Reconhece os Filhos


Não muito tempo depois de ter de José
chegado ao Egito, José levou seu pai Outra questão importante que
para ser apresentado ao Faraó. Jacó necessitava de atenção – os filhos
era um estranho nas cortes reais, de José deveriam ser formalmente
mas, em meio às grandiosas cenas reconhecidos como parte dos filhos
da natureza, manteve sua comu- de Israel. Ao vir para a sua última
nhão com um Governante mais visita ao seu pai, José levou con-
poderoso. Naquele momento, em sigo Efraim e Manassés. Por meio
José e seus Irmãos 153

de sua mãe, esses jovens estavam li- Não havia nenhuma queixa dos dias
gados à mais alta ordem do sacer- do passado. Ele não considerava mais
dócio egípcio e a posição de seu pai suas provações e tristezas coisas que
abria diante deles os caminhos da recaíram sobre ele. Em sua memó-
riqueza e da honra, caso preferis- ria guardava apenas as lembranças
sem se unir aos egípcios. Contudo, da misericórdia e amorável bondade
era desejo de José que eles se unis- de Deus, que estiveram com Jacó du-
sem ao povo do seu pai. Com isso, rante toda a sua peregrinação.
ele demonstrou sua fé na promessa Todos os filhos de Jacó foram
do concerto, renunciando em favor reunidos ao redor de seu leito de
de seus filhos todas as honras que a morte. “Então Jacó chamou seus
corte do Egito oferecia para ter um filhos e disse: Ajuntem-se a meu
lugar entre as menosprezadas tribos lado para que eu lhes diga o que
de pastores, às quais foram confia- lhes acontecerá nos dias que virão”
dos os oráculos de Deus. (Gn 49:1).
Disse Jacó a José: “Os seus dois
filhos que lhe nasceram no Egito, Jacó Prediz o Futuro
antes da minha vinda para cá, serão de seus Filhos
reconhecidos como meus; Efraim e O espírito de inspiração repou-
Manassés serão meus, como são sou sobre Jacó, e em visão profé-
meus Rúben e Simeão” (Gn 48:5). tica foi apresentado diante dele o
Deveriam ser reconhecidos como futuro de seus descendentes. Um
seus e se tornarem chefes de tribos após outro, os nomes de seus filhos
distintas. foram mencionados, foi descrito
Ao se aproximarem, o patriarca o caráter de cada um, e a história
os abraçou e os beijou, colocando so- futura da tribo foi também breve-
lenemente as mãos sobre a cabeça mente predita.
deles para abençoá-los. Então ele
orou: “Que o Deus a quem serviram Rúben, você é meu primogênito,
meus pais Abraão e Isaque, o Deus minha força, o primeiro sinal do
que tem sido o meu pastor em toda meu vigor, superior em honra,
a minha vida até o dia de hoje, o Anjo superior em poder (Gn 49:3).
que me redimiu de todo o mal, aben- Mesmo assim, o terrível pecado de
çoe estes meninos” (Gn 48:15, 16). Rúben em Edar fez com que ele
154 Os Escolhidos
se tornasse indigno da bênção da não recebeu nenhuma herança, ex-
primogenitura. Jacó continuou: ceto quarenta e oito cidades. Sua fi-
Turbulento como as águas, já não delidade, quando as outras tribos se
será superior (Gn 49:4). apostataram, assegurou sua indica-
ção para o sagrado serviço do san-
O sacerdócio foi dado a Levi, tuário. Dessa maneira, a maldição
tanto o reino quanto a promessa se transformou em bênção.
messiânica a Judá, enquanto que
a José coube a dupla porção da he- Judá, seus irmãos o louvarão, sua
rança. A tribo de Rúben nunca se mão estará sobre o pescoço dos
sobressaiu em Israel e não foi tão seus inimigos; os filhos de seu
numerosa quanto a de Judá, José pai se curvarão diante de você.
ou Dã, e estava entre as primeiras a […]
serem levadas para o cativeiro. O cetro não se apartará de Judá,
Os próximos foram Simeão e nem o bastão de comando de
Levi. Eles haviam se unido em seus seus descendentes, até que venha
atos de crueldade para com os sique- Aquele a quem ele pertence,
mitas e tinham sido os maiores cul- e a Ele as nações obedecerão
pados na venda de José. (Gn 49:8-10).

Eu os dividirei pelas terras de Jacó e O leão, o rei da selva, é um sím-


os dispersarei em Israel (Gn 49:7). bolo bastante apropriado para essa
tribo. Dela vieram Davi e o Filho
Moisés, em sua última bênção de Davi, Siló, o verdadeiro “Leão
a Israel, antes de entrar em Canaã, da tribo de Judá”, a quem todos os
não fez referência alguma a Simeão. poderes finalmente se curvarão e
Na divisão das terras para as tribos, todas as nações honrarão.
essa tribo recebeu apenas uma pe- Jacó predisse um futuro prós-
quena parte do que era destinado a pero para a maioria de seus filhos.
Judá, e as famílias que depois se tor- Então ele falou sobre José, e o co-
naram mais poderosas formaram ração do pai transbordou ao pedir
diversas colônias e se estabelece- as bênçãos sobre “a fronte daquele
ram em territórios fora das fron- que foi separado de entre os seus ir-
teiras da Terra Santa. Levi também mãos” (Gn 49:26).
José e seus Irmãos 155

José é uma árvore frutífera, árvore Nuvens negras se acumularam em


frutífera à beira de uma fonte, seu caminho, mas o pôr do sol no
cujos galhos passam por cima fim de seus dias foi claro, e a luz do
do muro. Céu iluminou seus últimos momen-
Com rancor arqueiros o ataca- tos. Dizem as Escrituras: “Mesmo
ram, atirando-lhe flechas com depois do anoitecer, haverá clari-
hostilidade. dade” (Zc 14:7). “Considere o ínte-
Mas o seu arco permaneceu firme, gro, observe o justo; há futuro para
os seus braços fortes, ágeis para o homem de paz” (Sl 37:37).
atirar, pela mão do Poderoso de A Inspiração registra fielmente
Jacó […]. as falhas de homens bons que se
As bênçãos de seu pai são superio- destacaram por terem recebido o
res às bênçãos dos montes an- favor de Deus. Isso tem dado aos
tigos, às delícias das colinas incrédulos um motivo para zom-
eternas. Que todas essas bên- barem da Bíblia. Entretanto, uma
çãos repousem sobre a cabeça de das mais fortes evidências da vera-
José, sobre a fronte daquele que cidade das Escrituras é que ela não
foi separado de entre os seus ir- minimiza os fatos nem oculta os pe-
mãos. (Gn 49:22-26). cados de seus grandes personagens.
Se a Bíblia tivesse sido escrita por
Jacó era um homem bastante pessoas não inspiradas, certamente
sentimental; seu amor por seus fi- teria apresentado seus ilustres per-
lhos era forte e terno. Perdoou todos sonagens de maneira mais elogiosa.
os filhos e os amou até o fim. Em sua Somos encorajados em nos-
ternura paternal, ele teria pronun- sos esforços para alcançar a jus-
ciado apenas palavras de ânimo e tiça quando examinamos onde
esperança, mas o poder de Deus re- outros lutaram, pois eles passa-
pousou sobre ele e, sob a influência ram por desânimo e tristezas exa-
da Inspiração, foi levado a declarar a tamente como nós. Ao analisarmos
verdade, mesmo que fosse dolorosa. as tentações pelas quais eles passa-
Os últimos anos de Jacó foram ram, percebemos que mesmo assim
de tranquilidade e descanso depois eles venceram pela graça de Deus.
dos dias turbulentos e fatigan- Embora algumas vezes tenham sido
tes pelos quais ele havia passado. vencidos, eles se reergueram e foram
156 Os Escolhidos
abençoados por Deus. Da mesma entristeceu porque seus irmãos
forma, nós também podemos nos pensavam que ele ainda mantinha o
tornar vencedores no poder de espírito de vingança. “Não tenham
Jesus. Por outro lado, o registro da medo”, disse ele. “Estaria eu no lugar
vida de cada um deles pode servir de Deus? Vocês planejaram o mal
de advertência para nós. Deus vê o contra mim, mas Deus o tornou em
pecado em Seus mais favorecidos e bem, para que hoje fosse preservada
lida com suas falhas até com mais a vida de muitos. Por isso, não te-
severidade que naqueles que têm nham medo. Eu sustentarei vocês e
menos luz e responsabilidade. seus filhos” (Gn 50:19-21).
Depois do sepultamento de
Jacó, os irmãos de José volta- Vendo Cristo em José
ram a ficar com o coração cheio A vida de José é um exemplo da
de temor. Tinham consciência da vida de Cristo. Foi a inveja que mo-
própria culpa e suspeitaram então tivou os irmãos a venderem José
que José traria sobre eles a puni- como escravo; esperavam impe-
ção pelo crime que haviam come- dir que o irmão se tornasse maior
tido e que havia sido adiada por do que eles. Estavam certos de que
tanto tempo. Não ousaram apare- não mais seriam importunados por
cer diante dele pessoalmente, mas seus sonhos, depois de terem eli-
enviaram uma mensagem: “Antes minado todas as possibilidades de
de morrer, teu pai nos ordenou que realização. Deus dirigiu suas ações
te disséssemos o seguinte: ‘Peço- para que viesse a acontecer exata-
lhe que perdoe os erros e pecados mente o que eles haviam tentado
de seus irmãos que o trataram com evitar. Igualmente, os sacerdotes
tanta maldade!’ Agora, pois, perdoa e líderes judeus tinham inveja de
os pecados dos servos do Deus de Cristo. Mataram Jesus para que Ele
teu pai” (Gn 50:16:17). não Se tornasse rei; mas, ao assim
Essa mensagem tocou o cora- agirem, foi esse mesmo resultado
ção de José e ele chorou. Mais ani- que obtiveram.
mados, seus irmãos vieram e se Pelo tempo que passou como
prostraram diante dele com estas escravo no Egito, José se tornou
palavras: “Aqui estamos. Somos o salvador da família de seu pai.
teus escravos!” (Gn 50:18). José se Contudo, esse fato não diminuiu
José e seus Irmãos 157

a culpa de seus irmãos. Da mesma povo. Durante todos aqueles anos,


forma, a crucificação de Cristo por sua fé em Deus para levar Israel de
Seus inimigos fez com que Ele Se volta à Terra da Promessa se man-
tornasse o Redentor da humani- teve inabalável.
dade, o Salvador da raça caída e o Quando percebeu que seu fim
Governante do mundo todo. O crime estava próximo, seu último ato foi
de Seus malfeitores foi simples- mostrar como sua vida estava li-
mente tão hediondo que era como gada à vida de Israel. Suas últimas
se a mão guiadora de Deus não esti- palavras foram: “Deus certamente
vesse dirigindo os acontecimentos. virá em auxílio de vocês e os tirará
José foi falsamente acusado e desta terra, levando-os para a terra
lançado na prisão, por causa de sua que prometeu com juramento a
lealdade. Da mesma forma, Cristo Abraão, a Isaque e a Jacó”(Gn. 50:24).
foi menosprezado e rejeitado não só Também fez com que os filhos de
porque Sua vida era justa e abnegada, Israel jurassem solenemente que le-
mas porque ela era uma reprovação variam seus ossos com eles de volta
ao pecado. Embora não fosse culpado para a terra de Canaã. “Morreu José
de falta alguma, Ele foi condenado com a idade de cento e dez anos.
pelas declarações de falsas testemu- E, depois de embalsamado, foi co-
nhas. A paciência de José diante da locado num sarcófago no Egito”
injustiça, sua disposição em perdoar (Gn 50:26).
e a nobreza de sua generosidade para Ao longo dos séculos de lutas
com seus irmãos desnaturados re- que se seguiram, o caixão em que
presentam não apenas o sofrimento José estava sepultado se tornou
resignado do Salvador diante do ódio um testemunho para Israel de que
e abuso de homens maus, mas prin- eles eram peregrinos no Egito.
cipalmente o Seu perdão a todos que Para eles, aquele caixão era uma
vão a Ele, confessando os seus peca- lembrança de que deveriam man-
dos com humildade. ter suas esperanças na Terra da
José viveu para testemunhar o Promessa, pois o tempo do livra-
crescimento e a prosperidade de seu mento certamente viria.
22
O Líder do Povo
*
de Deus
E m reconhecimento
ao trabalho que José
havia prestado a todo o povo do
No entanto, com o passar do
tempo, o grande homem que foi
usado por Deus para salvar o Egito
Egito, os filhos de Jacó receberam morreu. “Então subiu ao trono do
não somente uma parte do país Egito um novo rei, que nada sabia
como sua nova casa, mas ficaram sobre José” (Êx 1:8). Não que ele não
também livres de pagar os impos- soubesse tudo o que José fez pela
tos e tiveram todo o alimento de nação, mas porque não queria reco-
que precisaram durante os anos nhecer o que havia sido feito. Queria
de fome. O rei reconheceu publi- de todas as formas que tudo fosse
camente que foi por causa do Deus esquecido. “Disse ele ao seu povo:
de José que o Egito teve tanta co- Vejam! O povo israelita é agora nu-
mida enquanto outras nações es- meroso e mais forte que nós. Temos
tavam morrendo com a falta de que agir com astúcia, para que não
alimento. Ele viu também que a ad- se tornem ainda mais numerosos
ministração de José tinha enrique- e, no caso de guerra, aliem-se aos
cido grandemente o reino, e como nossos inimigos, lutem contra nós
agradecimento tratou a família de e fujam do país” (Êx 1:9, 10).
Jacó com muita consideração e o Os israelitas “eram férteis, pro-
que tinha de melhor. liferaram, tornaram-se numerosos
* Este capítulo é baseado em Êxodo 1-4.
O Líder do Povo de Deus 159

e fortaleceram-se muito, tanto que trabalho lhes dava oportunidade,


encheram o país” (Êx 1:7). Apesar para que destruíssem as crianças
disso, eles tinham se mantido uma hebreias do sexo masculino assim
raça sem mistura, não tinham nada que nascessem. Satanás sabia que
em comum com os egípcios, nem deveria surgir um libertador entre
nos costumes, nem na religião, e o os israelitas, e, usando o rei para des-
número deles, que aumentava cada truir os meninos, esperava frustrar
vez mais, parecia agora uma ameaça os propósitos divinos. No entanto,
para o rei e seu povo. as mulheres temiam a Deus e decidi-
Muitos eram não apenas operá- ram não obedecer a essa ordem cruel.
rios habilidosos, mas inteligentes e O rei, indignado com o fracasso
contribuíram grandemente para o de seu plano, fez uma lei mais agres-
enriquecimento do Egito. O rei preci- siva. “O Faraó ordenou a todo o seu
sava de trabalhadores como eles para povo: ‘Lancem ao Nilo todo menino
a construção de seus grandes palá- recém-nascido, mas deixem viver as
cios e templos. Por isso, ele os com- meninas” (Êx 1:22).
parou com egípcios que haviam se
vendido ao reino, bem como tudo o Nascido na Pior Época
que tinham. Depois, foram coloca- Enquanto esse decreto estava em
dos encarregados para cuidar deles, pleno vigor, nasceu um menino, filho
“e os sujeitaram a cruel escravidão. de Arão e Joquebede, que eram israe-
Tornaram-lhes a vida amarga, im- litas da tribo de Levi. Os pais, confian-
pondo-lhes a árdua tarefa de prepa- tes de que o tempo da libertação de
rar o barro e fazer tijolos, e executar Israel estivesse chegando e que Deus
todo tipo de trabalho agrícola; […]. levantaria um libertador para Seu
Todavia, quanto mais eram oprimi- povo, decidiram que seu filhinho não
dos, mais numerosos se tornavam e poderia ser sacrificado. A fé em Deus
mais se espalhavam” (Êx 1:13, 14, 12). fortaleceu o coração dos pais, “e não
O rei e seus conselheiros espe- temeram o decreto do rei” (Hb 11:23).
ravam dominar os israelitas com o A mãe escondeu o filho por
trabalho duro, fazendo com que di- três meses. Então, percebendo que
minuíssem em número e mudassem não era mais seguro tentar escon-
seu espírito independente. Foram der o bebê, preparou um cestinho
dadas ordens às mulheres, cujo de junco e passou betume e piche
160 Os Escolhidos
para não entrar água; deitou o bebê Doze Anos Muito Breves
ali dentro e colocou o cesto entre Deus ouviu a oração daquela mãe.
os juncos à margem do rio. A irmã Com profunda gratidão, ela iniciou
do menino, Miriã, ficou por perto, a alegre tarefa de educar seu filho
olhando atentamente para ver o que para Deus. Sabia que em breve de-
aconteceria com seu irmãozinho. veria entregá-lo à sua “mãe”, a filha
Estavam ali também outros vi- do rei, para ser rodeado de influên-
gias. A mãe confiou seu filho aos cias que poderiam afastá-lo de Deus.
cuidados de Deus, e anjos invisíveis Esforçou-se por ensinar a ele o temor
cuidavam do bebê enquanto dormia. a Deus e o amor à verdade e à justiça.
Os anjos levaram a filha do Faraó até Mostrou-lhe a loucura e o pecado da
aquele local. O pequeno cesto des- idolatria, e o ensinou, desde os pri-
pertou a sua curiosidade e, ao olhar meiros anos a se curvar e a orar ao
para aquele lindo bebê que come- Deus vivo, que era o único que po-
çou a chorar, seu coração ficou cheio deria ouvi-lo e ajudá-lo em qualquer
de compaixão; seus sentimentos de dificuldade.
simpatia se estenderam à mãe des- Ela manteve o menino em sua
conhecida que tentou por esse meio casa tanto quanto foi possível, mas
salvar a vida de seu precioso filhi- teve que entregá-lo quando estava
nho. Ela decidiu que o menino deve- com aproximadamente doze anos.
ria ser salvo; ela o adotaria como seu. Daquela humilde choupana, foi le-
Miriã, percebendo que o menino vado para o palácio real, para a filha
estava sendo aceito com ternura, ar- do Faraó, e ela “o adotou” (Êx 2:10).
riscou-se a chegar mais perto e disse Mesmo ali, ele não se esquecia das
finalmente: “A senhora quer que eu lições aprendidas ao lado de sua
vá chamar uma mulher dos hebreus mãe. Eram uma proteção contra o
para amamentar e criar o menino?” orgulho, a incredulidade e o vício
(Êx 2:7). A permissão foi dada. que aumentava cada vez mais entre
A irmã correu até sua mãe com os esplendores da corte.
a feliz notícia e voltou com ela até Toda a vida futura de Moisés
onde estava a filha do Faraó. “Leve e a grande missão que ele cumpriu
este menino e amamente-o para como líder de Israel são um teste-
mim, e eu lhe pagarei por isso”, disse munho da importância da obra rea-
a princesa (Êx. 2:9). lizada por uma mãe cristã. Nenhum
O Líder do Povo de Deus 161

outro trabalho pode se igualar a esse. tornar seu neto adotivo seu sucessor
A mãe está lidando com o desenvolvi- ao trono, e o jovem Moisés foi edu-
mento da mente e caráter dos filhos, cado para ocupar essa elevada posi-
trabalhando não somente para a vida ção. “Moisés foi educado em toda a
neste mundo, mas para a eternidade. sabedoria dos egípcios e veio a ser po-
Ela está semeando as sementes que deroso em palavras e obras” (At 7:22).
vão brotar e produzir frutos, que Sua habilidade como líder militar fez
podem ser tanto para o bem, como com que se tornasse o favorito nos
para o mal. Sua obra não é pintar exércitos do Egito, e era geralmente
belas formas em uma tela ou fazer es- respeitado como uma alta persona-
culturas no mármore, mas imprimir lidade. Satanás tinha sido derrotado
na mente humana a imagem divina. em seu propósito. O mesmo decreto
As impressões produzidas na mente que condenava os filhos dos hebreus
permanecerão por toda a vida. Os fi- à morte foi revertido por Deus para
lhos são colocados aos cuidados dos possibilitar a educação e preparo do
pais para serem ensinados, não para futuro líder de Seu povo.
serem herdeiros de um trono de um Os anciãos de Israel foram ins-
império na Terra, mas para serem truídos por anjos de que o tempo
como reis e rainhas para Deus, e assim para a sua libertação estava pró-
reinarem por toda a eternidade. ximo e que Moisés era o homem que
No dia solene do juízo, os regis- Deus usaria para realizar essa obra.
tros revelarão que muitos crimes Os anjos instruíram Moisés também,
foram cometidos como resultado da revelando-lhe que Jeová o havia esco-
ignorância e da negligência daque- lhido para quebrar o cativeiro de Seu
les que tinham o dever de guiar os povo. Moisés tinha em mente que de-
filhos no caminho do bem. Os regis- veriam obter sua liberdade em uma
tros revelarão também que muitos batalha e esperava liderar as forças
que têm abençoado o mundo com hebreias contra os exércitos do Egito.
sua mente brilhante, com a verdade
e a santidade, devem seu sucesso a Como o Jovem Moisés
uma mãe cristã que por eles orava. foi Provado
Na corte de Faraó, Moisés rece- Pelas leis do Egito, todos aque-
beu a melhor educação social, po- les que ocupavam o trono dos fa-
lítica e militar. O monarca decidiu raós deveriam se tornar membros
162 Os Escolhidos
da classe sacerdotal. Moisés, como o grandes povos da Terra, para bri-
mais provável herdeiro, deveria ser lhar nas cortes do mais glorioso
formalmente iniciado nos mistérios reino e para empunhar o cetro do
da religião nacional. Contudo, ele poder. Como historiador, poeta, fi-
não estava convencido de que de- lósofo, general de exércitos e legis-
veria participar do culto aos deu- lador, ninguém se igualava a ele.
ses. Foi ameaçado com a perda da Apesar de ter o mundo a seus pés, ele
coroa e advertido de que poderia teve força moral para recusar toda ri-
ser deserdado pela princesa se per- queza, grandeza e fama, “preferindo
sistisse em praticar a fé professada ser maltratado com o povo de Deus”
por seu povo. Mesmo assim, ele es- (Hb 11:25).
tava inabalável em sua determina- O majestoso palácio de Faraó e
ção de não adorar a nenhum outro, o trono foram apresentados como
senão ao único Deus, o Criador do uma forma de sedução a Moisés;
céu e da Terra. Tentou convencer mas ele sabia que eram nas formas
os sacerdotes e adoradores, mos- e costumes das cortes que estavam
trando a eles como era sem sentido entronados os prazeres pecamino-
sua supersticiosa reverência a obje- sos que fazem o povo se esquecer
tos insensíveis. Por algum tempo, de Deus. Ele olhava para além do
sua resistência foi aceita devido à lindo palácio, para além da coroa,
elevada posição que possuía e pela podendo ver as mais altas honras
consideração que o rei e o povo ti- que os santos do Altíssimo recebe-
nham para com ele. rão em um reino incontaminado
“Pela fé Moisés, já adulto, recusou pelo pecado. Pela fé, ele viu uma
ser chamado filho da filha do Faraó, coroa que jamais se acabará e que
preferindo ser maltratado com o o Rei do Céu colocará na cabeça do
povo de Deus a desfrutar os prazeres vencedor. Essa fé o levou a se unir à
do pecado durante algum tempo. Por humilde, pobre e desprezada nação
amor de Cristo, considerou sua de- que preferiu obedecer a Deus em vez
sonra uma riqueza maior do que os te- de servir ao pecado.
souros do Egito, porque contemplava Moisés permaneceu na corte
a sua recompensa” (Hb 11:24-26). do palácio até os quarenta anos.
Moisés estava preparado para as- Visitava seus irmãos no cativeiro
sumir o primeiro posto entre os e os animava com a certeza de que
O Líder do Povo de Deus 163

Deus iria agir em favor do seu livra- imediatamente, mas Moisés, per-
mento. Certo dia, ao ver um egíp- cebendo o perigo que corria, fugiu
cio ferir um israelita, Moisés lutou para a Arábia.
contra ele e o matou. A não ser o is- O Senhor o dirigiu nessa cami-
raelita, ninguém mais testemunhou nhada, e ele encontrou um lar na
esse ato, e Moisés imediatamente casa de Jetro, o sacerdote e prín-
enterrou o corpo na areia. Ele mos- cipe de Midiã, que também era um
trou que estava pronto para assu- adorador de Deus. Passado algum
mir a causa de seu povo e esperava tempo, Moisés se casou com uma
vê-los se erguerem para recupe- das filhas de Jetro; e ali, como guar-
rar sua liberdade. “Ele pensava que dador de seus rebanhos, ele perma-
seus irmãos compreenderiam que neceu quarenta anos.
Deus o estava usando para salvá-los, Não era a vontade de Deus liber-
mas eles não o compreenderam” tar seu povo por meio da guerra,
(At 7:25). Ainda não estavam pre- como Moisés pensava, mas por Seu
parados para a liberdade. grande poder, para que a glória fosse
No dia seguinte, Moisés viu dois dada a Ele somente. Moisés não es-
hebreus brigando um com o outro. tava preparado para a sua grande
Um deles, naturalmente, estava er- obra. Ele ainda tinha que apren-
rado. Moisés chamou a atenção do der a mesma lição de fé que havia
ofensor, que no mesmo instante sido ensinada a Abraão e a Jacó –
revidou dizendo que ele não tinha não confiar na força nem na sabe-
direito algum de interferir, e rude- doria humana, mas no poder de
mente o acusou pelo crime: “Quem o Deus para cumprir Suas promes-
nomeou líder e juiz sobre nós? Quer sas. Na escola da abnegação e das
matar-me como matou o egípcio?” dificuldades, ele deveria aprender
(Êx 2:14). a exercer a paciência e a controlar
O caso logo chegou aos ouvi- seus instintos. Seu coração deveria
dos do Faraó. Disseram ao rei que estar completamente em harmonia
esse ato significava muito mais, que com Deus, antes de ensinar o conhe-
Moisés planejava liderar seu povo cimento da Sua vontade a Israel e
contra os egípcios, derrubar o go- demonstrar um cuidado paternal
verno e assentar-se no trono. O rei sobre todos aqueles que necessitas-
determinou que ele deveria morrer sem de seu auxílio.
164 Os Escolhidos
Às Vezes é Preciso solene, ele via a majestade do Deus
Desaprender Altíssimo e, em contraste, conse-
No Egito, Moisés aprendeu mui- guia compreender quão impoten-
tas coisas que precisava desaprender. tes eram os deuses do Egito. Ali, seu
As influências do ambiente em que orgulho e presunção foram esmaga-
havia crescido tinham deixado pro- dos. Os efeitos causados pelo luxo
fundas impressões em sua mente em do Egito desapareceram. Moisés
desenvolvimento e, até certo ponto, se tornou humilde, reverente e
haviam moldado seus hábitos e o “muito paciente, mais do que qual-
caráter. O tempo poderia remover quer outro que havia na Terra”
essas impressões. Renunciar ao erro (Nm 12:3), e também forte na fé.
e aceitar a verdade exigiria uma tre- Enquanto os anos se passavam,
menda luta por parte de Moisés. suas orações por Israel eram eleva-
Deus seria o seu Ajudador quando o das dia e noite. Ali, sob a inspira-
conflito se tornasse severo demais ção do Espírito Santo, ele escreveu
para a força humana suportar. o livro de Gênesis. Os longos anos
“Se algum de vocês tem falta passados na solidão do deserto
de sabedoria, peça-a a Deus, que a abençoaram ricamente o mundo
todos dá livremente, de boa von- em todas as épocas.
tade; e lhe será concedida” (Tg 1:5).
Entretanto, Deus não comunicará O Tempo de Libertação se
a luz divina aos homens enquanto Aproxima!
estiverem satisfeitos em permane- “Muito tempo depois, morreu o
cer nas trevas. Para receberem o au- rei do Egito. Os israelitas gemiam e
xílio divino, eles devem reconhecer clamavam debaixo da escravidão; e o
sua fraqueza e deficiências; devem seu clamor subiu até Deus. […] Deus
concentrar seus pensamentos na olhou para os israelitas e viu a si-
grande mudança que Deus deseja tuação deles” (Êx 2:23, 25). O tempo
realizar neles; devem despertar e se para a libertação tinha chegado.
esforçar para manter uma vida de Os propósitos de Deus se cum-
oração sincera e perseverante. pririam de tal forma que aca-
Cercado pelas encostas das altas bariam com o orgulho humano.
montanhas, Moisés estava sozi- O libertador se apresentaria
nho com Deus. Naquele cenário como um humilde pastor, levando
O Líder do Povo de Deus 165

somente uma vara em sua mão, mas não quis ir e disse: “Quem sou eu
Deus tornaria aquela vara o sím- para apresentar-me ao Faraó e tirar
bolo do Seu poder. os israelitas do Egito?” (Êx 3:11).
Enquanto pastoreava seus reba- Moisés pensou na cegueira, na
nhos, certo dia, perto de Horebe, “o ignorância e na incredulidade de seu
Monte de Deus” (Êx 3:1), Moisés viu povo. Muitos não conheciam quase
um arbusto em chamas; queimava, nada a respeito de Deus. “Quando
mas não se consumia. Quando se eu […] lhes disser: ‘O Deus dos seus
aproximou, uma voz que vinha do antepassados me enviou a vocês’,
fogo o chamou pelo nome. Com os lá- e eles me perguntarem: ‘Qual é o
bios trêmulos, ele respondeu: “Eis-me nome dEle? Que direi?’ Disse Deus
aqui.” Foi avisado para não se apro- a Moisés: ‘Eu Sou o que Sou. […] Eu
ximar de maneira irreverente: “‘Tire Sou me enviou a vocês” (Êx 3:13, 14).
as sandálias dos pés, pois o lugar em Deus ordenou a Moisés que reu-
que você está é terra santa. […] Eu sou nisse primeiramente os anciãos de
o Deus de seu pai, o Deus de Abraão, Israel que sofriam havia muito tempo
o Deus de Isaque, o Deus de Jacó’. por causa da escravidão e transmi-
Então Moisés cobriu o rosto por- tisse a eles a mensagem enviada por
que teve medo de olhar para Deus” Deus. Então ele deveria ir perante o
(Êx 3:4-6). rei e dizer: “O Senhor, o Deus dos he-
Com muita reverência por estar breus, veio ao nosso encontro. Agora,
diante de Deus, ele continuou ou- deixe-nos fazer uma caminhada de
vindo: “De fato tenho visto a opres- três dias, adentrando o deserto, para
são sobre o Meu povo no Egito, oferecermos sacrifícios ao Senhor, o
tenho escutado o seu clamor, por nosso Deus” (Êx 3:18).
causa dos seus feitores, e sei quanto Moisés foi avisado antecipada-
eles estão sofrendo. Por isso desci mente de que o Faraó iria resistir ao
para livrá-los das mãos dos egíp- apelo. A coragem do servo de Deus
cios e tirá-los daqui para uma terra não deveria falhar. O Senhor ma-
boa e vasta, onde manam leite e nifestaria Seu poder. “Por isso es-
mel […]. Vá, pois, agora; Eu o envio tenderei a Minha mão e ferirei os
ao Faraó para tirar do Egito o Meu egípcios com todas as maravilhas
povo, os israelitas” (Êx 3:7, 8, 10). que realizarei no meio deles. Depois
Admirado e aterrorizado, Moisés disso ele os deixará sair” (Êx 3:20).
166 Os Escolhidos
O Senhor declarou: “Quando a mão no peito e, quando a tirou,
vocês saírem, não sairão de mãos ele viu que estava como a outra. Por
vazias. Todas as israelitas pedirão meio desses sinais, seu povo e tam-
às suas vizinhas, e às mulheres que bém o Faraó ficariam convencidos
estiverem hospedando em casa, ob- de que um Ser mais poderoso do
jetos de prata e de ouro, e roupas, que o rei do Egito certamente es-
que vocês porão em seus filhos e em tava entre eles.
suas filhas” (Êx 3:21, 22). Os egíp-
cios tinham enriquecido pelo tra- Moisés Fica Relutante
balho injustamente exigido dos Cheio de angústia e medo, o
israelitas, e era justo que recebessem servo de Deus alegou que não se
a recompensa pelos anos de traba- expressava bem: “Ó Senhor! Nunca
lho que prestaram. Deus os ajudaria tive facilidade para falar […]. Não
para que os egípcios fossem genero- consigo falar bem!” (Êx 4:10).
sos para com eles. Os pedidos dos Moisés pediu que fosse esco-
escravos seriam atendidos. lhida outra pessoa. Depois que o
Que prova Moisés poderia dar Senhor prometeu remover todas
ao seu povo de que tinha sido ver- as dificuldades e que seria bem-su-
dadeiramente enviado por Deus? cedido, qualquer outra queixa sobre
“E se eles não acreditarem em mim”, sua incapacidade revelaria falta de
disse ele, “nem quiserem me ouvir e confiança em Deus. Envolvia um re-
disserem: ‘O Senhor não lhe apare- ceio de que Deus talvez não pudesse
ceu’?” (Êx 4:1). A voz lhe disse que capacitá-lo ou de que teria cometido
jogasse sua vara ao chão. Assim um erro na escolha da pessoa.
que a jogou, “ela se transformou Arão, seu irmão mais velho, que
numa serpente. Moisés fugiu dela” tinha usado diariamente a língua
(Êx 4:3). A voz lhe ordenou que a dos egípcios, era capaz de se expres-
pegasse, e ela se transformou em sar por meio dela perfeitamente.
vara na sua mão. Então a voz lhe Deus disse a Moisés que Arão viria
disse para colocar a mão no peito, para se encontrar com ele. As pa-
debaixo da roupa. Ele obedeceu e lavras a seguir, ditas pelo Senhor,
“quando a retirou, ela estava le- foram uma ordem incondicional:
prosa; parecia neve” (Êx 4:6). Depois “Você falará com ele e lhe dirá
lhe disse que colocasse novamente o que ele deve dizer. […] E ele será o
O Líder do Povo de Deus 167

seu porta-voz diante do povo. E leve revelou que seus inimigos já esta-
na mão esta vara; com ela você fará vam todos mortos.
os sinais milagrosos” (Êx 4:15-17). No caminho, quando vinha de
Moisés não pôde mais resistir, por- Midiã, um anjo apareceu a Moisés
que não tinha mais desculpas. de maneira assustadora, como se
Depois que aceitou a tarefa, quisesse destruí-lo. Nenhuma ex-
Moisés se dedicou a ela de todo o plicação foi dada, mas Moisés se
coração, depositando total con- lembrou de que não tinha dado a
fiança no Senhor. Deus abençoou devida importância a uma das or-
sua obediência imediata e ele se tor- dens divinas. Tinha negligenciado o
nou eloquente, cheio de esperança, rito da circuncisão de seu filho mais
autoconfiante e devidamente pre- novo. Essa negligência da parte do
parado para a maior obra já con- líder escolhido de Israel diminuiria
fiada a um ser humano. a importância das leis e conselhos
A pessoa adquirirá força e efi- de Deus diante do povo. Zípora, te-
ciência ao aceitar as responsabili- mendo que o marido fosse morto,
dades que Deus coloca sobre ela. realizou ela mesma esse ritual, e
Por mais humilde que seja sua po- o anjo permitiu que Moisés conti-
sição ou limitações que possua, nuasse sua viagem. Sua vida pode-
aquela que depositar sua confiança ria ser preservada unicamente por
na força divina e realizar seu traba- meio da proteção dos santos anjos.
lho com fidelidade alcançará a ver- Enquanto ele vivesse na negligência
dadeira grandeza. Sentir as próprias de um dever conhecido, não estaria
fraquezas já é um indício do reco- seguro, pois poderia não ser prote-
nhecimento da importância da obra gido pelos anjos de Deus.
a ela designada. Tal pessoa terá em No tempo de angústia, justa-
Deus seu conselheiro e sua força. mente antes da volta de Cristo, os
Lá no fundo, Moisés temia tanto fiéis serão mantidos e protegidos
o Faraó quanto os egípcios que ha- pela intervenção dos anjos, mas
viam projetado sua ira contra ele não haverá segurança para a pes-
quarenta anos antes; isso fez com soa que transgredir a lei de Deus.
que ficasse com receio de voltar ao Os anjos não podem proteger aque-
Egito. Depois que se dispôs a obe- les que estão desrespeitando qual-
decer à ordem divina, o Senhor lhe quer um dos mandamentos divinos.
23
*
As Dez Pragas do Egito
I nstruído por anjos, Arão
saiu ao encontro de seu
irmão, na solidão do deserto, pró-
“Quem é o Senhor, para que eu
Lhe obedeça e deixe Israel sair?”, per-
guntou o monarca. “Não conheço o
ximo a Horebe. Ali, Moisés contou Senhor, e não deixarei Israel sair”
a Arão “tudo o que o Senhor lhe (Êx 5:2).
tinha mandado dizer, e também fa- Em resposta, Moisés e Arão dis-
lou-lhe de todos os sinais milagro- seram: “O Deus dos hebreus veio ao
sos que lhe havia ordenado realizar” nosso encontro. Agora, permite-nos
(Êx 4:28). Juntos seguiram viagem caminhar três dias no deserto, para
para o Egito, a fim de se reunirem oferecer sacrifícios ao Senhor, o nosso
com os anciãos de Israel. “E eles cre- Deus; caso contrário, Ele nos atingirá
ram. Quando o povo soube que o com pragas ou com a espada” (Êx 5:3).
Senhor decidira vir em seu auxílio, A ira do rei se acendeu. “Moisés e
tendo visto a sua opressão, curvou- Arão, por que vocês estão fazendo o
se em adoração” (Êx 4:31). povo interromper suas tarefas?”, disse
Com uma mensagem para o rei, ele. “Voltem ao trabalho!” (Êx 5:4).
os dois irmãos entraram no palá- O reino acabou sofrendo grande
cio dos faraós como embaixadores perda pela interferência desses es-
do Rei dos reis: “Assim diz o Senhor, trangeiros. Ao pensar nisso, ele acres-
o Deus de Israel: ‘Deixe o Meu povo centou: “Essa gente já é tão numerosa,
ir para celebrar-Me uma festa no de- e vocês ainda os fazem parar de tra-
serto’” (Êx 5:1). balhar!” (Êx 5:5).
* Este capítulo é baseado em Êxodo 5-10.
As Dez Pragas do Egito 169

Durante o cativeiro, os israelitas Os encarregados indicaram ofi-


tinham perdido, até certo ponto, o ciais dos próprios israelitas para
conhecimento da lei de Deus e, de fiscalizarem o trabalho. Quando a
maneira geral, tinham desrespei- ordem do rei entrou em vigor, o povo
tado o sábado. As cobranças feitas se espalhou por toda a terra para
por seus encarregados tornaram juntar as sobras, por não encontra-
a observância do sábado aparen- rem mais palha, mas viram que era
temente impossível. Então Moisés impossível produzir a mesma quan-
mostrou ao povo que a obediência tidade de tijolos de antes. Por não
a Deus era a condição para o seu li- terem conseguido, os oficiais he-
vramento. Os esforços feitos para breus foram cruelmente espancados.
restaurar a observância do sábado Esses oficiais foram até a pre-
passaram a ser notadas por seus sença do rei para apresentar suas
opressores. (Ver Apêndice, Nota 1.) queixas. O Faraó respondeu ao pe-
O rei, profundamente pertur- dido deles com ironia: “Preguiçosos
bado, suspeitou que os israelitas esti- é o que vocês são! Preguiçosos! Por
vessem armando um plano de revolta isso andam dizendo: ‘Iremos ofere-
no trabalho. Faria com que não res- cer sacrifícios ao Senhor’” (Êx 5:17).
tasse nenhum tempo livre para eles Ele ordenou que voltassem ao traba-
planejarem uma rebelião. Imediata- lho e disse que de forma alguma suas
mente, adotou medidas para tornar o tarefas seriam aliviadas. Ao voltarem,
trabalho mais difícil e acabar com seu encontraram Moisés e Arão, e protes-
espírito de independência. O mate- taram: “O Senhor os examine e os jul-
rial de construção mais comum era o gue! Vocês atraíram o ódio do Faraó
tijolo cozido ao sol, e esse era um tra- e dos seus conselheiros sobre nós, e
balho que empregava grande número lhes puseram nas mãos uma espada
de escravos. Como a palha cortada para que nos matem” (Êx 5:21).
era misturada com o barro, eram ne- Moisés ficou angustiado. Os so-
cessárias grandes quantidades dela. frimentos do povo tinham aumen-
O rei ordenou então que a palha não tado. Por todo o país jovens e idosos
fosse mais fornecida; os próprios tra- lamentavam em desespero. Todos
balhadores tinham que ir procurá- se uniram para acusá-lo pela mu-
la, e exigiu que fosse feita a mesma dança desastrosa que acabou pio-
quantidade de tijolos. rando todas as suas condições de
170 Os Escolhidos
vida. Com o coração cheio de amar- divindades que os israelitas chama-
gura, Moisés saiu e apresentou o seu vam de deuses falsos; no entanto,
clamor diante de Deus: “Senhor, por eram uma nação rica e poderosa.
que maltrataste este povo? Afinal, Diziam que seus deuses os haviam
por que me enviaste? Desde que abençoado, ajudando-os a prosperar
me dirigi ao Faraó para falar em e dando a eles os israelitas como ser-
Teu nome, ele tem maltratado este vos. O próprio Faraó se orgulhava
povo, e Tu de modo algum libertaste de que o Deus dos hebreus não po-
o Teu povo!” (Êx 5:22, 23). deria livrá-los das suas mãos.
A resposta que recebeu foi: Palavras como essas destruíam
“Agora você verá o que farei ao Faraó. as esperanças de muitos israelitas.
Por Minha mão poderosa, ele os dei- Era verdade que eram escravos,
xará ir; por Minha mão poderosa, ele seus filhos tinham sido mortos e
os expulsará do seu país” (Êx 6:1). a vida deles havia se tornado um
Os anciãos de Israel procuravam fardo; mas continuavam adorando
animar a fé dos irmãos, pois havia ao Deus do Céu. Certamente Ele não
sido muito abalada. Eles repetiam os deixaria assim nesse cativeiro
as promessas feitas a seus pais e as de idólatras. Contudo, aqueles que
palavras proféticas de José que já eram fiéis a Deus compreendiam
predizia a libertação de todo o povo que era porque Israel tinha se afas-
da escravidão do Egito. Alguns ou- tado do Senhor, pelo desejo de mui-
viam e acreditavam. Outros rejei- tos de se casarem com aqueles que
tavam e acabavam perdendo as pertenciam às nações pagãs, le-
esperanças. Os egípcios, ao serem vando-os assim à idolatria, que o
informados do que estava sendo Senhor tinha permitido que se tor-
divulgado entre os escravos, come- nassem escravos. Cheios de con-
çaram a zombar de suas expectati- fiança, asseguravam aos outros que
vas e negavam com desdém o poder Ele logo acabaria com a escravidão.
de Deus. Com desprezo e cheios de Os israelitas ainda não esta-
ironia, eles diziam: “Se o seu Deus é vam preparados para o livramento.
justo e misericordioso, e Seu poder Não tinham fé suficiente em Deus.
é maior do que dos deuses dos egíp- Muitos se contentavam em viver no
cios, por que Ele não fez de vocês cativeiro para não ter que enfrentar
um povo livre?” Eles adoravam as dificuldades ao se mudarem para
As Dez Pragas do Egito 171

uma terra estranha; e os costumes tirasse Israel por meio de uma sur-
de alguns tinham se tornado tão se-preendente manifestação do Seu
melhantes aos dos egípcios que pre-poder. Antes que cada praga caísse,
feriam permanecer no Egito. Assim, Moisés deveria descrever como
o Senhor conduziu os acontecimen- seria e quais as consequências, para
tos para que o espírito tirano do rei
que o rei pudesse ter a escolha de se
do Egito fosse mais amplamente de- livrar dela. Cada castigo rejeitado
monstrado e Ele também pudesse seria seguido de outro mais severo,
Se revelar ao Seu povo. A tarefa deaté que seu orgulhoso coração se
Moisés teria sido muito menos es- humilhasse, e ele reconhecesse o
tressante se muitos dos israelitas Criador do céu e da Terra como o
não tivessem se tornado tão cor- Deus vivo e verdadeiro. O Senhor
rompidos, a ponto de não deseja- castigaria o povo do Egito por sua
rem deixar o Egito. A Bíblia afirmaidolatria e reduziria ao silêncio o
que “eles não lhe deram ouvidos, por
seu orgulho para que outras nações
causa da angústia e da cruel escra-pudessem ouvir a respeito de Seus
vidão que sofriam” (Êx 6:9). poderosos atos e tremessem diante
Novamente a mensagem divina deles, e para que Seu povo se afas-
veio a Moisés: “Vá dizer ao Faraó, rei
tasse da adoração aos ídolos e Lhe
do Egito, que deixe os israelitas saí-
prestasse um culto genuíno.
rem do país” (Êx 6:11). Desanimado, Mais uma vez, Moisés e Arão en-
ele respondeu: “Se os israelitas não
traram na sala do trono do rei do
me dão ouvidos, como me ouvirá o Egito. Ali estavam os dois repre-
Faraó?” (Êx 6:12). Ele foi instruído
sentantes da raça escravizada, ro-
a levar Arão consigo para falarem deados por altas colunas, adornos
com Faraó e novamente dizerem reluzentes, belos quadros e escultu-
que “tinham ordem para tirar do ras dos deuses pagãos. O rei pediu
Egito os israelitas” (Êx. 9:13). que realizassem algo sobrenatural
como prova de que sua missão era
O Egito Ainda Poderia divina. Arão pegou a vara e a lançou
Ser Salvo diante do Faraó. Ela se tornou uma
Moisés foi informado de que o serpente. O monarca mandou cha-
Faraó não cederia antes que Deus mar “os sábios e feiticeiros”, e “cada
enviasse os juízos sobre o Egito e um deles jogou ao chão uma vara, e
172 Os Escolhidos
estas se transformaram em serpen- verdadeiros os prodígios que Deus
tes. Mas a vara de Arão engoliu as realizou por meio de Moisés.
varas deles” (Êx 7:11, 12). O rei, mais Satanás deu a ele exatamente o que
decidido do que nunca, afirmou que ele desejava. Fez Moisés e Arão pare-
seus magos tinham tanto poder cerem apenas magos e encantadores
quanto Moisés e Arão. Ele acusou e que a mensagem que traziam não
os servos do Senhor de serem im- merecia ser considerada como vinda
postores; porém, pelo poder divino, de um Ser superior. Assim, a imita-
foi impedido de fazer mal a eles. ção de Satanás fez com que Faraó
endurecesse o coração e não ficasse
As Imitações de Satanás convencido. Satanás esperava tam-
Na verdade, não foram os fei- bém abalar a fé de Moisés e de Arão.
ticeiros que transformaram suas O príncipe do mal sabia muito
varas em serpentes; mas, por meio bem que Moisés prefigurava Cristo,
da mágica, ajudados pelo grande en- que viria para destruir o reinado
ganador, eles conseguiram produzir do pecado na família humana. Ele
esse efeito. O príncipe do mal possui sabia que quando Cristo aparecesse,
toda sabedoria e poder de um anjo grandes milagres seriam realizados
caído, mas não tem o poder de criar como prova de que Ele tinha sido
ou dar vida; esse é um atributo con- enviado por Deus.
ferido somente a Deus. Satanás pro- Ao imitar a obra de Deus, reali-
duziu uma imitação. zada por meio de Moisés, Satanás
Aos olhos humanos, as varas esperava não somente impedir o li-
foram transformadas em serpen- vramento de Israel, mas, no futuro,
tes. Faraó e sua corte acreditaram destruir a fé nos milagres de Cristo,
que isso tinha acontecido. Embora fazendo com que parecessem ape-
o Senhor tenha feito com que a ser- nas o resultado do poder humano.
pente verdadeira engolisse as serpen-
tes falsas, Faraó não considerou esse As Pragas
um ato realizado pelo poder de Deus, Moisés e Arão foram instruídos
mas uma espécie de mágica superior a ir até a margem do rio na manhã
à dos seus encantadores. seguinte. Como as cheias do Nilo
Faraó procurava alguma des- eram consideradas uma fonte de ali-
culpa para não aceitar como sendo mento e riqueza para todo o Egito,
As Dez Pragas do Egito 173

o rio era adorado como um deus, Quando Faraó viu que não con-
e o rei costumava ir diariamente às seguiam, ficou um tanto humi-
margens do rio para fazer suas de- lhado. Mandou chamar Moisés e
voções pessoais. Os dois irmãos re- Arão e disse: “Orem ao Senhor para
petiram novamente a mensagem que Ele tire estas rãs de mim e do
para ele, e então estenderam a vara meu povo; então deixarei o povo
e bateram com ela na água. Aquele ir e oferecer sacrifícios ao Senhor”
córrego, que para eles era sagrado, (Êx 8:8). Eles pediram ao rei que dis-
foi transformado em sangue. Os sesse quando deveriam orar para
peixes morreram e o rio cheirava que a praga fosse removida. O rei
mal. Da mesma forma, a água nas marcou para o dia seguinte, espe-
casas e nos poços foi transformada rando que as rãs desaparecessem
em sangue, mas “os magos do Egito por si mesmas; assim sofreu uma
fizeram a mesma coisa por meio de grande humilhação por ter que se
suas ciências ocultas. O coração de submeter ao Deus de Israel. A praga
Faraó se endureceu, […] deu-lhes continuou até o tempo especificado,
as costas e voltou para o seu palá- e então elas morreram em todo o
cio. Nem assim o Faraó levou isso Egito, mas logo começaram a apo-
a sério” (Êx 7:22, 23). Durante sete drecer e a poluir o ar.
dias a praga continuou, mas isso O Senhor poderia ter feito com
não mudou o pensamento do Faraó. que elas retornassem ao pó em um
Novamente Arão estendeu a instante, mas não fez isso para que o
vara, e rãs começaram a sair do rio. rei e seu povo não dissessem que era
Elas se espalharam pelas casas, en- algum tipo de encantamento feito
traram nos quartos onde dormiam por seus magos. Depois de mortas,
e até dentro dos fornos e amassa- eles fizeram grandes montes delas,
deiras. Os egípcios consideravam a uma prova de que esse trabalho não
rã um animal sagrado e não as des- havia sido realizado por obra de
truíram; mas essa praga repugnante magia, e que se tratava, na verdade,
e cheia de lodo enchia até o palá- de um juízo vindo do Deus do Céu.
cio do Faraó, e o rei estava desespe- “Mas quando o Faraó percebeu
rado para tirá-las de lá. Parecia que que houve alívio, obstinou-se em
os magos tinham produzido rãs, seu coração” (Êx 8:15). Por ordem de
mas não conseguiam removê-las. Deus, Arão estendeu a mão com a
174 Os Escolhidos
vara, e o pó da terra se tornou em pio- pediu que os servos de Deus interce-
lhos por toda a terra do Egito. Faraó dessem diante dEle para que a praga
chamou os magos para fazerem o fosse removida. Eles prometeram
mesmo, mas eles não conseguiram. fazer isso, mas o advertiram para
Os próprios magos reconheceram: que não lidasse com eles tentando
“Isso é o dedo de Deus” (Êx 8:19). enganá-los. A praga cessou, mas o
Apesar das evidências, o rei ainda coração rebelde do rei se endureceu,
permanecia inflexível. e ele ainda se recusou a ceder.
Outro juízo se seguiu. Moscas Um ataque mais terrível se se-
encheram as casas, e “e em todo o guiu – uma peste que atingiu todo
Egito a terra foi arruinada pelas o gado do Egito. Tanto os animais
moscas” (Êx 8:24). Essas moscas sagrados como os de carga – vacas,
eram grandes e venenosas, e sua bois e ovelhas, cavalos, camelos e ju-
picada era extremamente dolo- mentos – foram destruídos. Foi cla-
rosa. Como foi predito, essa praga ramente anunciado que os hebreus
não chegou à terra de Gósen. estavam livres dessa praga. Faraó,
depois que enviou mensageiros à
Faraó Endurece o Coração casa dos israelitas, constatou que
Faraó finalmente deu aos israe- era realmente verdade: “nenhum
litas a permissão para sacrificarem animal dos israelitas havia mor-
no Egito, mas eles se recusaram. rido” (Êx 9:7). Ainda assim o rei se
“Isso não seria sensato”, respondeu recusou a ceder.
Moisés. […] “Se oferecermos sacri- A seguir, o Senhor disse a Moisés
fícios que lhes pareçam sacrilégio, que tirasse um punhado de cinza
isso não os levará a nos apedrejar?” de um forno, dando-lhe a seguinte
(Êx 8:26). Os animais que os he- ordem: “Moisés a espalhará no ar,
breus deveriam sacrificar estavam diante do Faraó” (Êx 9:8). As mi-
entre aqueles que os egípcios consi- núsculas partículas se espalharam
deravam sagrados. Matar um deles, por toda a terra do Egito, e onde
mesmo que fosse por acidente, era quer que caíssem, produziam bo-
um crime punido com a morte. lhas que se arrebentavam em feri-
Moisés novamente fez a pro- das purulentas que “começaram a
posta de irem a caminho de três estourar nos homens e nos animais”
dias ao deserto. O rei concordou e (Êx 9:10). Até ali, os sacerdotes e os
As Dez Pragas do Egito 175

magos tinham incentivado Faraó o Faraó, o Senhor manifestou Sua


em sua obstinação; porém, dessa ira contra a adoração a outros deu-
vez, a praga também os alcançou. ses e Sua determinação para punir
Atingidos por uma doença repug- a crueldade e a opressão.
nante e dolorosa, eles não conse- Com relação a Faraó, o Senhor
guiram mais lutar contra o Deus declarou: “Mas Eu vou endurecer o
de Israel. Os magos não foram ca- coração dele, para não deixar o povo
pazes nem de proteger a si mesmos. ir” (Êx 4:21). Nenhum poder sobre-
O coração do Faraó se endure- natural endureceu o coração do rei;
ceu mais ainda. Então o Senhor lhe foram as sementes da rebelião por
enviou uma mensagem: “Mandarei ele semeadas quando rejeitou o pri-
desta vez todas as Minhas pragas meiro milagre que produziram os
contra você, contra os seus conse- seus resultados. Como ele teve a ou-
lheiros e contra o seu povo, para que sadia de continuar cada vez mais
você saiba que em toda a Terra não firme em sua teimosia, seu coração
há ninguém como Eu. […] Mas Eu o foi ficando mais e mais endurecido,
mantive em pé exatamente com este até o dia em que ele foi chamado
propósito: mostrar-lhe o Meu poder” para ver o corpo frio e sem vida dos
(Êx 9:14, 16). Por Sua providência, primogênitos.
Deus dirigiu os acontecimentos
para que aquele rei fosse colocado Como se Desenvolve
no trono exatamente no tempo in- a Teimosia
dicado para a libertação de Israel. Deus nos fala por meio de Seus
Embora a misericórdia de Deus servos para nos advertir contra o
tivesse se retirado da vida desse or- pecado. Se uma pessoa se nega a cor-
gulhoso Faraó, sua vida havia sido rigir os próprios erros, o poder di-
preservada para que, por meio de vino não impede os resultados de
sua teimosia, o Senhor pudesse re- seus atos. Tais pessoas estão endu-
velar Suas maravilhas no Egito. recendo o coração contra a influên-
Foi permitido que o povo sofresse cia do Espírito Santo.
a cruel opressão dos egípcios para Aquele que cede à tentação uma
que não se enganassem a respeito vez, cederá mais facilmente a se-
da degradante influência da idola- gunda vez. Sempre que volta a co-
tria. Por Sua maneira de lidar com meter o mesmo pecado, seu poder
176 Os Escolhidos
de resistência diminui, os olhos estiverem nos campos, que não ti-
ficam cegados e a convicção vai se verem sido abrigados, serão atin-
extinguindo. Deus não opera mi- gidos pelo granizo e morrerão”
lagres para impedir as consequên- (Êx 9:19). Ninguém jamais tinha
cias. “Pois o que o homem semear, visto uma tempestade como aquela
isso também colherá” (Gl 6:7). Dessa que estava sendo anunciada. A no-
maneira, multidões ouvem com a tícia se espalhou rapidamente, e
mais fria indiferença as verdades todos os que creram na palavra do
que anteriormente faziam vibrar Senhor recolheram seu gado, en-
seu coração. Semearam a negligên- quanto os outros que desprezaram
cia e a resistência à verdade, e é isso o aviso deixaram seus animais no
o que colhem. campo. Assim, mesmo em meio ao
Algumas pessoas acalmam a juízo, a misericórdia de Deus foi
consciência culpada dizendo para manifestada e se pôde ver quantos
si mesmas: “Posso mudar meu modo foram levados a crer em Deus.
errado de agir quando eu quiser.” A tempestade veio – trovões e
Pensam que, depois de deixarem as granizo misturado com fogo. “Nunca
influências do grande rebelde, elas houve uma tempestade de granizo
conseguirão mudar de líder quando como aquela em todo o Egito, desde
estiverem cercadas pelo perigo. que este se tornou uma nação. Em
Acontece que isso não se faz tão fa- todo o Egito o granizo atingiu tudo
cilmente. Uma vida de satisfação o que havia nos campos, tanto ho-
pecaminosa deformou de tal ma- mens como animais; destruiu toda
neira seu caráter que não têm mais a vegetação, além de quebrar todas
condições de receber a imagem de as árvores” (Êx 9:24, 25). Ruína e
Jesus. Se nenhuma luz tivesse bri- desolação marcaram o caminho do
lhado em seu caminho, a misericór- anjo destruidor. Somente a terra de
dia teria agido em seu favor; mas, Gósen foi poupada.
após a luz ter sido rejeitada por
tanto tempo, ela será retirada. Faraó Finalmente Cede
A seguir, Faraó foi ameaçado Todo o Egito se estremecia
com uma praga de granizo. “Agora, diante dos juízos divinos. Faraó
mande recolher os seus rebanhos mandou chamar rapidamente os
[…]. Todos os homens e animais que dois irmãos e disse: “Desta vez eu
As Dez Pragas do Egito 177

pequei. O Senhor é justo; eu e o meu Céu. Moisés avisou o monarca de


povo é que somos culpados. Orem que seria enviada uma praga de ga-
ao Senhor! Os trovões de Deus e o fanhotos que cobriria toda a terra e
granizo já são demais. Eu os deixa- comeria toda erva verde que havia
rei ir; não precisam mais ficar aqui” restado. Eles encheriam as casas
(Êx 9:27, 28). e até o próprio palácio. Disse que
Moisés sabia que a luta ainda essa seria uma calamidade que nem
não tinha terminado. As confis- “seus pais nem seus antepassados
sões e as promessas de Faraó não jamais viram, desde o dia em que
eram resultado de uma mudança ra- se fixaram nesta terra até o dia de
dical em seus pensamentos; foram hoje” (Êx 10:6).
ditas por causa do terror e angús- Os conselheiros de Faraó esta-
tia pelo quais ele passava. Mesmo vam aterrorizados. O país tinha so-
assim, Moisés prometeu atender ao frido grandes perdas com a morte
seu pedido, pois não desejava dar do gado. Muitas pessoas haviam
ao Faraó mais nenhuma oportuni- morrido com a chuva de granizo.
dade para demonstrar sua teimosia. As florestas tinham sido derruba-
O profeta saiu ignorando a fúria da das e a colheita estava destruída.
tempestade. Faraó e todos os seus Os egípcios estavam perdendo ra-
conselheiros foram testemunhas pidamente tudo o que tinham ga-
do poder de Jeová em preservar a nhado com o trabalho dos hebreus.
vida de Seu mensageiro. Assim que Toda a terra estava ameaçada pela
Moisés saiu da cidade, e ergueu fome. Os príncipes e oficiais se reu-
as mãos ao Senhor, os trovões e o niram em volta do rei e insistiram:
granizo cessaram e a chuva parou “Até quando este homem será uma
(Êx 9:29). Assim que o rei se refez ameaça para nós? Deixa os homens
de seus temores, seu coração voltou irem prestar culto ao Senhor, o Deus
a se rebelar. deles. Não percebes que o Egito está
Então o Senhor Se propôs a arruinado?” (Êx 10:7).
dar uma prova indiscutível da di- Faraó mandou chamar Moisés e
ferença que Ele estabeleceu entre Arão novamente e disse a eles: “Vão
Israel e os egípcios. Todas as nações e prestem culto ao Senhor, o seu
deveriam saber que os hebreus es- Deus. Mas, digam-me, quem irá?”
tavam sob a proteção do Deus do (Êx 10:8).
178 Os Escolhidos
Faraó Endurece o Coração Assim eles fizeram, e um forte vento
Novamente ocidental levou os gafanhotos na di-
A resposta foi: “Temos que levar reção do Mar Vermelho. Apesar de
todos: os jovens e os velhos, os nos- tudo, o teimoso rei ainda se man-
sos filhos e as nossas filhas, as nos- teve firme em seu propósito.
sas ovelhas e os nossos bois, porque O povo do Egito estava entrando
vamos celebrar uma festa ao Senhor” em desespero, e estavam cheios de
(Êx 10:9). temor quanto ao futuro. Toda a
O rei se enfureceu e gritou: nação adorava Faraó como um re-
“De forma alguma! Só os homens presentante do seu deus; mas mui-
podem ir prestar culto ao Senhor, tos estavam convencidos de que ele
como vocês têm pedido. E Moisés e estava lutando contra Aquele que
Arão foram expulsos da presença do tornava as forças da natureza em
Faraó” (Êx 10:11). O Faraó simulava agentes da Sua vontade. Os escra-
ter profundo interesse no bem-estar vos hebreus estavam ficando cada
do povo e grande cuidado por seus vez mais confiantes no livramento.
filhos, mas seu verdadeiro interesse Em todo o Egito, havia um temor
era manter as mulheres e crianças oculto de que a raça escravizada se
para, assim, garantir o retorno dos levantasse para se vingar de todo
homens. mal que tinham recebido. Em todos
Então Moisés estendeu sua os lugares o povo se perguntava:
vara sobre a terra, e soprou um “O que acontecerá depois disso?”
vento oriental que trouxe os gafa- De repente, desceu sobre a
nhotos. “Nunca antes houve tantos terra do Egito uma densa escuri-
gafanhotos, nem jamais haverá” dão. As trevas eram tantas que po-
(Êx 10:14). Eles encheram o ar até deriam “ser apalpadas” (Êx 10:21).
que o céu se escureceu, e devoraram Estava difícil até para respirar.
toda a vegetação que restava. “Ninguém pôde ver ninguém, nem
Faraó mandou chamar imedia- sair do lugar durante três dias. To-
tamente o profeta e disse: “Pequei davia, todos os israelitas tinham
contra o Senhor, o seu Deus, e con- luz nos locais em que habitavam”
tra vocês! […] Orem ao Senhor, o seu (Êx 10:23). O Sol e a Lua eram ado-
Deus, para que leve esta praga mor- rados pelos egípcios, mas essas tre-
tal para longe de mim” (Êx 10:16, 17). vas misteriosas atingiram o povo
As Dez Pragas do Egito 179

e seus deuses igualmente. (Ver gritou ele. “Trate de não aparecer


Apêndice, Nota 2.) Por mais ter- nunca mais diante de mim! No dia
rível que fosse, esse juízo era uma em que vir a minha face, você mor-
prova da compaixão de Deus e de rerá” (Êx 10:28).
Seu desejo de não causar destrui- Moisés respondeu: “Será como
ção. Ele daria tempo ao povo para disseste; nunca mais verei a tua
refletir e se arrepender antes de face” (Êx 10:29).
trazer sobre eles a última e mais “E o próprio Moisés era tido em
terrível das pragas. alta estima no Egito pelos conselhei-
No fim do terceiro dia de tre- ros do Faraó e pelo povo” (Êx 11:3).
vas, Faraó chamou Moisés e con- O rei não ousava fazer mal a ele,
cordou em permitir que o povo porque o povo o considerava como
partisse, contanto que ficassem os o único que tinha poder para remo-
rebanhos e o gado. “Nem um casco ver as pragas. Eles desejavam que os
de animal será deixado”, respon- israelitas tivessem a permissão para
deu Moisés firmemente (Êx 10:26). deixar o Egito. O rei e os sacerdotes
A ira do rei explodiu descontrolada- é que negaram os pedidos de Moisés
mente. “Saia da minha presença!”, até o fim.
24
*
A Primeira Páscoa
Q uando Moisés fez o pe-
dido de libertação de
Israel ao rei do Egito pela primeira
uma vez mais veio diante dele com
a terrível mensagem: “Assim diz o
Senhor: ‘Por volta da meia-noite,
vez, ele advertiu o Faraó de que po- passarei por todo o Egito. Todos os
deriam cair as mais terríveis pragas. primogênitos do Egito morrerão,
“Israel é o Meu primeiro filho, e Eu desde o filho mais velho do Faraó,
já lhe disse que deixe o Meu filho herdeiro do trono, até o filho mais
ir para prestar-Me culto. Mas você velho da escrava que trabalha no
não quis deixá-lo ir; por isso matarei moinho, e também todas as pri-
o seu primeiro filho” (Êx 4:22, 23). meiras crias do gado. Haverá grande
Deus tem um terno cuidado pranto em todo o Egito, como nunca
pelos seres formados à Sua imagem. houve antes nem jamais haverá.
Se a perda de suas colheitas, de seus Entre os israelitas, porém, nem se-
rebanhos e do gado tivesse levado o quer um cão latirá contra homem
Egito ao arrependimento, os filhos ou animal.’ Então vocês saberão que
não teriam sido atingidos. Como a o Senhor faz distinção entre o Egito
nação resistiu até as últimas con- e Israel” (Êx 11:4-8).
sequências a ordem divina, o golpe Antes de executar essa sentença,
final estava pronto para ser dado. o Senhor deu instruções aos filhos de
Moisés tinha sido proibido de Israel, por meio de Moisés, a respeito
aparecer novamente na presença do de sua partida do Egito e sobre como
Faraó, sob pena de morte; entretanto, poderiam se prevenir contra o juízo
* Este capítulo é baseado em Êxodo 11; 12:1-32.
A Primeira Páscoa 181

que estava para cair. Cada família, A Páscoa Aponta para Cristo
sozinha ou reunida com outras, de- A Páscoa deveria ser um ato
veria matar um cordeiro ou um ca- tanto comemorativo como sim-
brito “sem defeito”, e com um feixe de bólico, que apontava não somente
hissopo espalhar o sangue “nas late- para a libertação da escravidão
rais e nas vigas superiores das por- do Egito, mas para o maior livra-
tas das casas” (Ex 12:7) para que o mento que Cristo iria realizar no
anjo destruidor, ao vir à meia-noite, futuro, libertando Seu povo do ca-
não entrasse ali. Deveriam comer a tiveiro do pecado. O cordeiro do
carne assada, com pão sem fermento sacrifício representa “o Cordeiro de
e ervas amargas, naquela noite, con- Deus”, em quem está a nossa única
forme Moisés os orientou: “Cinto no esperança de salvação. O apóstolo
lugar, sandálias nos pés e cajado na Paulo assim escreveu: “Pois Cristo,
mão. Comam apressadamente. Esta é nosso Cordeiro pascal, foi sacrifi-
a Páscoa do Senhor” (Êx 12:11). cado” (1Co 5:7). Não bastava que o
O Senhor declarou ainda: cordeiro da Páscoa fosse morto; seu
“Naquela mesma noite passarei pelo sangue deveria ser aspergido nos
Egito e matarei todos os primogê- portais. Da mesma forma, os méri-
nitos, tanto dos homens como dos tos do sangue de Cristo devem ser
animais, e executarei juízo sobre aspergidos em nossa vida. Devemos
todos os deuses do Egito. Eu sou crer que Ele não somente morreu
o Senhor! O sangue será um sinal pelo mundo, mas que morreu por
para indicar as casas em que vocês nós, individualmente.
estiverem; quando Eu vir o sangue, O hissopo simbolizava purifica-
passarei adiante. A praga de destrui- ção. “Purifica-me com hissopo, e fi-
ção não os atingirá quando Eu ferir carei puro; lava-me e mais branco do
o Egito” (Êx 12:12, 13). que a neve serei” (Sl 51:7).
Para celebrar esse grande livra- O cordeiro deveria ser preparado
mento, Israel deveria realizar a festa inteiro; nenhum osso poderia ser
da Páscoa todos os anos, por todas quebrado; assim como nenhum osso
as gerações futuras – “É o sacrifício do Cordeiro de Deus, que morreu por
da Páscoa ao Senhor, que passou nós, seria quebrado (ver Jo 19:36).
sobre as casas dos israelitas no Egito A carne deveria ser comida. Não
e poupou nossas casas” (Êx 12:27). basta crermos em Cristo para o
182 Os Escolhidos
perdão dos pecados; pela fé, deve- a festa, não com o fermento velho,
mos receber constantemente a nu- nem com o fermento da maldade e
trição espiritual que dEle provém, da perversidade, mas com os pães
por meio de Sua Palavra. Cristo sem fermento, os pães da sinceri-
disse: “Se vocês não comerem a dade e da verdade” (1Co 5:7, 8).
carne do Filho do homem e não Antes de conseguirem a li-
beberem o Seu sangue, não terão berdade, os escravos precisavam
vida em si mesmos. Todo aquele demonstrar sua fé no grande livra-
que come a Minha carne e bebe o mento. Deveriam colocar o sangue
Meu sangue tem a vida eterna. […] em suas casas e separar-se dos egíp-
As palavras que Eu lhes disse são es- cios, cada um com a própria famí-
pírito e vida” (Jo 6:53, 54, 63). Os se- lia, e ficar reunidos dentro de suas
guidores de Cristo devem receber a casas. Todos os que deixassem de
Palavra de Deus em si mesmos para seguir as instruções do Senhor per-
que ela se torne a força que lhes deriam o seu primogênito pela mão
move a vida e as ações. Pelo poder do destruidor.
de Cristo devem ser transformados
à Sua semelhança e refletir os atri- Como a Fé Deve Ser
butos divinos. Demonstrada
O cordeiro tinha que ser comido O povo precisava dar prova
com ervas amargas, representando a de sua fé por meio da obediência.
amargura da escravidão no Egito. Da Assim, todos aqueles que esperam
mesma forma, quando nos alimen- ser salvos pelo sangue de Cristo
tamos de Cristo, devemos fazê-lo também devem compreender que
com arrependimento no coração têm algo a fazer para alcançar a sal-
por nossos pecados. O pão não le- vação. Necessitamos nos desviar do
vedado – pão sem fermento – tam- pecado para a obediência. Somos
bém tinha um significado. Todos salvos pela fé, e não pelas obras;
os que receberem vida e nutrição porém, nossa fé deve ser demons-
em Cristo devem se afastar do fer- trada por meio das obras. Devemos
mento do pecado. Paulo assim escre- apreciar e utilizar toda ajuda que
veu à igreja de Corinto: “Livrem-se Deus proveu para nós; precisamos
do fermento velho, para que sejam crer e obedecer a todas as reivindi-
massa nova […]. Por isso, celebremos cações divinas.
A Primeira Páscoa 183

Quando Moisés transmitiu a para se desencadear naquela noite.


Israel as providências tomadas por A marca do sangue – o sinal da pro-
Deus para a sua libertação, “o povo teção do Salvador – estava em suas
curvou-se em adoração” (Êx 12:27). portas, e o destruidor não entrou.
Muitos dos egípcios foram levados À meia-noite, “houve grande
a reconhecer o Deus dos hebreus pranto no Egito, pois não havia
como o único Deus verdadeiro, e casa que não tivesse um morto”.
estes pediram para se abrigar nos Todo primogênito daquela terra,
lares de Israel quando o anjo des- “desde o filho mais velho de Faraó,
truidor passasse por sua terra. Eles herdeiro do trono, até o filho mais
foram alegremente recebidos e se velho do prisioneiro que estava no
comprometeram a servir a Deus e calabouço, e também todas as pri-
a sair do Egito com Seu povo. meiras crias do gado” tinham sido
Os israelitas obedeceram às ins- atingidos (Êx. 12:29-33). O orgu-
truções dadas por Deus. Suas fa- lho de cada casa tinha sido derru-
mílias foram reunidas, o cordeiro bado. Gritos e choro enchiam o ar.
pascal foi morto, a carne foi assada O rei e seus oficiais estavam apavo-
ao fogo, e foram também prepara- rados diante de tanto horror. Com a
dos os pães e as ervas amargas. O pai arrogância lançada em terra, Faraó
e sacerdote da casa aspergiu o san- “mandou chamar Moisés e Arão e
gue nos portais. Depressa e em silên- lhes disse: ‘Saiam imediatamente do
cio, o povo comeu o cordeiro pascal. meio do meu povo, vocês e os israe-
Pais e mães tomavam nos braços litas! Vão prestar culto ao Senhor,
seus amados primogênitos, ao pen- como vocês pediram […], e abençoem
sarem no golpe terrível que estava a mim também’” (Êx 12:31, 32).
25
Os Israelitas
*
Deixam o Egito
A ntes do amanhecer, o
povo de Israel estava a
caminho. Durante as pragas, aos
das pragas. Esse grupo foi um pro-
blema constante e um embaraço
para Israel.
poucos, os israelitas tinham se O povo levou consigo “grandes
reunido em Gósen. Algumas provi- rebanhos, tanto de bois como de
dências tinham sido tomadas para ovelhas e cabras” (Êx 12:38). Antes
a necessária organização e controle de deixar o Egito, o povo exigiu uma
das multidões que estavam a cami- recompensa pelo trabalho que não
nho. Elas já estavam divididas em foi pago, e os escravos saíram com
grupos sob a responsabilidade dos muitas riquezas que receberam de
líderes indicados. seus opressores.
Assim partiram, “cerca de seis- “No dia em que se completaram
centos mil homens a pé, além de os quatrocentos e trinta anos, todos
mulheres e crianças. Grande multi- os exércitos do Senhor saíram do
dão de estrangeiros de todo tipo se- Egito” (Êx 12:41). Os israelitas leva-
guiu com eles” (Êx 12:37, 38) – não ram com eles os ossos de José que,
somente aqueles que estavam mo- durante os anos sombrios do cati-
tivados pela fé no Deus de Israel, veiro, mantinham viva diante deles
mas também um número muito a promessa da libertação de Israel.
maior que desejava apenas escapar Em vez de seguirem o caminho
* Este capítulo é baseado em Êxodo 12:34-51; 13-15.
Os Israelitas Deixam o Egito 185

direto para Canaã, atravessando o povo de dia, nem a coluna de fogo,


país dos filisteus, o Senhor os con- de noite” (Êx 13:20-22). Diz o sal-
duziu para o sul, rumo às praias do mista: “Ele estendeu uma nuvem
Mar Vermelho. “Pois disse: ‘Se eles para lhes dar sombra, e fogo para
se defrontarem com a guerra, tal- iluminar a noite” (Sl 105:39; ver
vez se arrependam e voltem para também 1Co 10:1, 2). Ela servia de
o Egito’” (Êx 13:17). Os filisteus os proteção contra o calor abrasador,
considerariam escravos fugitivos de e sua sombra e umidade proporcio-
seus senhores e não pensariam duas navam um ar refrescante e agradá-
vezes antes de guerrear contra eles. vel em meio à aridez e o ar seco do
Os israelitas tinham pouco conheci- deserto. À noite, tornava-se uma co-
mento de Deus e sua fé nEle ainda luna de fogo que iluminava o acam-
era bem pequena; teriam ficado pamento e lhes dava a certeza da
aterrorizados e desanimados. Não contínua presença divina.
tinham armas, não tinham o cos- Viajaram pelo caminho longo e
tume de guerrear e estavam depri- entediante daquela terra deserta. Já
midos devido ao longo período de estavam ficando cansados de andar
cativeiro, além da responsabilidade por aqueles lugares cheios de mon-
que tinham com as mulheres e os fi- tes e vales, e alguns começaram a
lhos, as ovelhas e o gado. Ao guiá-los ficar com medo de serem perse-
pelo caminho do Mar Vermelho, o guidos pelos egípcios. A nuvem ia
Senhor demonstrou ser verdadeira- adiante, e eles a seguiam. Então o
mente um Deus de cuidado e amor. Senhor orientou Moisés para que
eles se desviassem pela encosta de
A Coluna de Nuvem um penhasco rochoso e acampas-
“Os israelitas partiram de Sucote sem junto ao mar. Deus lhe revelou
e acamparam em Etã, junto ao de- que Faraó viria persegui-los, mas
serto. Durante o dia o Senhor ia que Deus seria honrado em seu
adiante deles numa coluna de livramento.
nuvem, para guiá-los no caminho, Os conselheiros de Faraó disse-
e de noite, numa coluna de fogo, ram ao rei que seus escravos tinham
para iluminá-los, e assim poderiam fugido para nunca mais voltar.
caminhar de dia e de noite. A co- Os grandes homens do reino, refa-
luna de nuvem não se afastava do zendo-se de seus temores, alegaram
186 Os Escolhidos
que as pragas tinham sido o resul- coração do povo de Israel. A maioria
tado de causas naturais. “O que foi deles correu para Moisés com suas
que fizemos? Deixamos os israeli- queixas: “Foi por falta de túmulos
tas saírem e perdemos os nossos no Egito que você nos trouxe para
escravos!”, clamavam amargurados morrermos no deserto? […] Antes
(Êx 14:5). ser escravos dos egípcios do que
Faraó reuniu suas forças, “man- morrer no deserto” (Êx 14:11, 12).
dou aprontar a sua carruagem e Na verdade, não havia possi-
levou consigo o seu exército. Levou bilidade alguma de livramento, a
todos os carros de guerra do Egito, menos que o próprio Deus inter-
inclusive seiscentos dos melhores viesse; como tinham sido levados
desses carros, cada um com um ofi- àquela situação em obediência à
cial no comando” (Êx 14:6, 7), cava- ordem divina, Moisés não temia as
leiros, capitães e todos os soldados. consequências. Sua calma conduziu
O próprio rei, acompanhado por a resposta segura ao povo: “Não te-
grandes homens de seu reino, lide- nham medo. Fiquem firmes e vejam
rou o exército atacante. Os egípcios o livramento que o Senhor lhes
temiam que sua submissão forçada trará hoje, porque vocês nunca mais
ao Deus de Israel tivesse provocado verão os egípcios que hoje veem.
o ridículo diante de outras nações. O Senhor lutará por vocês; tão so-
Se conseguissem sair com grande mente acalmem-se” (Êx 14:13, 14).
demonstração de poder e trouxes- Pela falta de disciplina e domí-
sem de volta os fugitivos, salva- nio próprio, o povo se tornou vio-
riam sua reputação e recuperariam lento e irracional. Seus gritos e
os serviços e seus escravos. lamentos eram altos e profundos.
Os hebreus estavam acampa- Tinham seguido a maravilhosa co-
dos ao lado do mar, que parecia luna de nuvem como um sinal de
uma barreira intransponível diante Deus para que avançassem, mas ela
deles, enquanto um monte difícil de não os teria conduzido pelo lado
subir bloqueava a passagem pelo contrário da montanha, por um
sul, impedindo que avançassem. caminho que não tinha passagem?
De repente, viram ao longe o brilho Como estavam com a mente iludida,
das armaduras e as carruagens se o Anjo de Deus parecia ser um sinal
movendo. O terror tomou conta do de desgraça.
Os Israelitas Deixam o Egito 187

Enquanto o exército egípcio se até o meio do mar. No fim da ma-


aproximava, a coluna de nuvem se drugada, do alto da coluna de fogo
ergueu majestosamente para o céu, e de nuvem, o Senhor viu o exército
passou sobre os israelitas e desceu dos egípcios e o pôs em confusão”
para ficar entre eles e o exército do (Êx 14:23, 24).
rei. Os egípcios não puderam mais Trovões ecoavam e os relâmpa-
ver o acampamento dos hebreus e gos riscavam o céu. Os egípcios fica-
foram forçados a parar. Ao se apro- ram confusos e cheios de espanto.
ximarem as trevas da noite, a coluna Tentaram voltar pelo mesmo cami-
de nuvem se tornou em uma grande nho até a praia, mas Moisés esten-
luz para os hebreus, clareando todo deu sua vara, e os altos muros de
o acampamento. água se uniram violentamente, tra-
A esperança retornou ao cora- gando o exército egípcio em suas es-
ção de Israel. O Senhor então falou curas profundezas.
a Moisés: “Diga aos israelitas que Ao amanhecer, Israel pôde ver
sigam avante. Erga a sua vara e es- o que restava de seus poderosos
tenda a mão sobre o mar, e as águas inimigos – corpos vestidos com
se dividirão para que os israelitas armadura arremessados à praia.
atravessem o mar em terra seca” Do mais terrível perigo, Jeová
(Êx 14:15, 16). trouxe completo livramento, e o
Assim que Moisés estendeu a coração deles se voltou para o Se-
vara, as águas se dividiram e Israel nhor em gratidão e fé. O Espírito
entrou pelo meio do mar em terra de Deus repousou sobre Moisés e
seca, enquanto as águas se erguiam ele dirigiu o povo em um cântico
como um muro de cada lado. A luz triunfante de gratidão, o primeiro
vinda da coluna de fogo enviada por e um dos mais sublimes que a hu-
Deus iluminava o caminho, mos- manidade já conheceu.
trando a passagem enorme aberta As mulheres de Israel deram
através das águas. início ao cântico. Miriã, a irmã de
Moisés, ia à frente, guiando-as com
O Fim do Exército de Faraó tamborim e danças. Por todo o de-
“Os egípcios os perseguiram, e serto e pelo mar soavam as alegres
todos os cavalos, carros de guerra e palavras do coro, e as montanhas
cavaleiros do Faraó foram atrás deles ecoavam e ressoavam as palavras
188 Os Escolhidos
de seu cântico de louvor: “Cantem Os Remidos Cantarão
ao Senhor, pois triunfou gloriosa- “Quem Me oferece sua grati-
mente” (Êx 15:21). dão”, diz o Criador, “honra-Me”
Esse cântico não pertence ao (Sl 50:23). Todos os habitantes do
povo judeu somente. Ele aponta Céu se unem em louvor a Deus.
para o futuro, para a destruição de Vamos todos aprender o cântico
todos os inimigos da justiça e para dos anjos agora para que possamos
a vitória final do Israel de Deus. cantá-lo quando nos unirmos ao
O profeta de Patmos viu a multi- Seu grandioso coral.
dão vestida de branco, “os que ti- Deus levou os hebreus para a
nham vencido”, em pé sobre “algo fortaleza das montanhas junto ao
semelhante a um mar de vidro mis- mar para que pudesse manifestar
turado com fogo”, segurando “har- Seu poder e derrubar completa-
pas que lhes haviam sido dadas mente, de maneira inconfundível,
por Deus, e cantavam o cântico de o orgulho de seus opressores. Ele es-
Moisés, servo de Deus, e o cântico colheu esse meio para provar a fé
do Cordeiro” (Ap 15:2, 3). do povo de Israel e fortalecer sua
Ao nos libertar da escravidão confiança nEle. Se o povo tivesse fi-
do pecado, Deus realizou um livra- cado para trás quando Moisés orde-
mento muito maior que o dos israe- nou que avançassem, Deus jamais
litas no Mar Vermelho. Assim como teria aberto o caminho no mar para
eles, devemos louvar ao Senhor com eles. Foi “pela fé” que “o povo atra-
o coração e com a nossa voz, pois vessou o Mar Vermelho como em
“grandes e maravilhosas são as terra seca” (Hb 11:29). Ao desce-
Tuas obras” (Ap 15:3) para com os rem marchando para dentro das
filhos dos homens! Que compaixão, águas, mostraram que acredita-
que amor incomparável o Senhor vam na ordem de Deus proferida
nos mostrou ao nos unir a Ele para por Moisés. Então o Poderoso de
que nos tornássemos um especial Israel dividiu o mar para preparar
tesouro para o próprio Deus! Que um caminho para os seus pés.
sacrifício fez nosso Redentor para Muitas vezes, a vida fica cercada
que pudéssemos ser chamados fi- de perigos, e parece difícil cumprir
lhos de Deus! nossos deveres. A imaginação nos
Os Israelitas Deixam o Egito 189

leva à beira da ruína. Nessas horas, sombras de incerteza desaparecerem


nós podemos ouvir claramente a voz e não houver mais perigo algum de
de Deus nos dizendo: “Avancem!” fracasso ou derrota, nunca, absoluta-
Devemos obedecer à Sua ordem, mente, vão obedecer; mas a fé insiste
mesmo que nossos olhos não consi- corajosamente em avançar. O cami-
gam enxergar através da escuridão nho pelo qual Deus nos guia pode se
e que sintamos as ondas geladas ba- estender através do deserto ou pas-
tendo em nossos pés. Aqueles que de- sar pelo meio do mar, mas é um ca-
cidem só obedecer quando todas as minho seguro.
26
Israel Enfrenta
*
Dificuldades
D o Mar Vermelho, o
povo de Israel iniciou
sua jornada mais uma vez, guiado
Mara, o local mais próximo onde
ficavam fontes, as águas eram im-
próprias para o uso. Com tristeza
pela coluna de nuvem. Todos es- no coração, ele ouviu os gritos de
tavam cheios de alegria pelo novo alegria: “Água! Água!”, ecoando pelo
sentimento de liberdade que desfru- acampamento. Homens, mulheres e
tavam e porque todo o desconten- crianças se apressaram alegremente
tamento que havia entre eles agora para chegar ao oásis. De repente, ou-
havia sido acalmado. viu-se um grito de angústia da mul-
No entanto, por três dias du- tidão – a água era amarga!
rante a viagem, não conseguiam Em seu desespero, o povo culpou
encontrar água. As reservas que Moisés, sem se lembrar de que a pre-
trouxeram com eles tinham se aca- sença de Deus naquela nuvem mis-
bado. Não havia nada para aliviar teriosa o havia guiado, assim como
sua terrível sede, enquanto se ar- a eles também. Moisés fez o que eles
rastavam extremamente cansados se esqueceram de fazer; clamou fer-
sobre as planícies que ardiam com vorosamente pela ajuda de Deus.
o calor do sol. Moisés, que estava O Senhor “lhe indicou um arbusto.
familiarizado com aquela região, Ele o lançou na água, e esta se tor-
sabia o que outros ignoravam: em nou boa” (Êx 15:25). Ali Deus fez
* Este capítulo é baseado em Êxodo 15:22-27; 16-18.
Israel Enfrenta Dificuldades 191

uma promessa a Israel: “Se vocês provisões de alimentos fossem aca-


derem atenção ao Senhor, o seu bando para que o seu coração se vol-
Deus, e fizerem o que Ele aprova, tasse para Aquele que tinha sido o
se derem ouvidos aos Seus man- seu Libertador. Se pedissem socorro
damentos e obedecerem a todos a Ele em sua necessidade, ainda lhes
os Seus decretos, não trarei sobre concederia provas de Seu amor e
vocês nenhuma das doenças que Eu cuidado. Era um pecado e falta de
trouxe sobre os egípcios, pois Eu sou fé pensarem que eles ou seus filhos
o Senhor que os cura” (Êx 15:26). poderiam morrer de fome.
De Mara, o povo foi para Elim, Era necessário que encontrassem
onde encontrou “doze fontes de dificuldades e suportassem prova-
água e setenta palmeiras” (Êx 15:27). ções. Deus os estava tirando de um
Ali acamparam por vários dias. estado de corrupção e vergonha para
Quando fez um mês que tinham ocuparem uma honrosa posição
saído do Egito, as provisões de ali- entre as nações e estarem em con-
mento que levaram começaram a dições de receber sagradas respon-
acabar. Como seria possível alimen- sabilidades. Se tivessem mantido a
tar um número tão grande de pes- fé nEle, diante de tudo o que havia
soas? Até os líderes e anciãos do sido feito pelo povo, teriam supor-
povo se juntaram para se queixar tado com bom ânimo as dificulda-
contra os representantes de Deus: des, a falta de alimento e até mesmo
“Quem dera a mão do Senhor nos ti- um grande sofrimento. Eles se es-
vesse matado no Egito! Lá nos sen- queceram da bondade e do poder
távamos ao redor das panelas de de Deus ao libertá-los da escravi-
carne e comíamos pão à vontade, dão. Esqueceram-se de como seus fi-
mas vocês nos trouxeram a este lhos tinham sido poupados quando
deserto para fazer morrer de fome o anjo destruidor matou os primo-
toda essa multidão!” (Êx 16:3). gênitos do Egito. Esqueceram-se
Por enquanto, eles ainda não também da grande demonstra-
estavam passando fome, mas te- ção do poder divino diante do Mar
miam pelo futuro. Em sua imagi- Vermelho. Esqueceram-se ainda de
nação, viam seus filhos morrendo que seus inimigos, ao tentarem per-
de fome. O Senhor permitiu que as segui-los, tinham sido todos sub-
dificuldades os cercassem e que as mersos pelas águas do mar.
192 Os Escolhidos
Em vez de dizerem: “Deus fez e o temor entristecem o Espírito
grandes coisas por nós; éramos es- de Deus. Não é a vontade de Deus
cravos, mas Ele está fazendo de nós que Seu povo se sobrecarregue de
uma grande nação”, falavam somente cuidados.
das dificuldades que encontravam Nosso Senhor não nos diz que
na viagem e de quando terminaria não há perigos em nosso caminho,
sua cansativa peregrinação. mas nos mostra um refúgio que
Nestes dias em que vivemos, nunca falha. Ele convida o cansado
Deus deseja que Seu povo examine e o que está sobrecarregado de cui-
as provações pelas quais passou o dados: “Venham a Mim, todos os
antigo Israel para que aprenda como que estão cansados e sobrecarre-
deve se preparar para a Canaã ce- gados, e Eu lhes darei descanso.
lestial. Muitos olham para os israe- Tomem sobre vocês o Meu jugo e
litas daquele tempo e se admiram aprendam de Mim, pois sou manso
de sua incredulidade. Acham que e humilde de coração, e vocês encon-
não teriam sido assim tão ingratos. trarão descanso para as suas almas”
Quando sua fé é testada, mesmo (Mt 11:28, 29). Em vez de viver mur-
diante de pequenas provações, não murando e nos queixando, a ex-
demonstram ter mais fé ou paciên- pressão do nosso coração deveria
cia que o antigo Israel. Eles se quei- sempre ser: “Bendiga o Senhor a
xam da maneira como Deus decidiu minha alma! Não esqueça nenhuma
purificá-los. Embora suas necessi- de Suas bênçãos!” (Sl 103:2).
dades presentes sejam supridas, Deus conhecia todas as necessi-
muitos vivem em constante medo dades de Israel. Ele disse ao seu líder:
de que a pobreza recaia sobre eles “Eu lhes farei chover pão do Céu!”
e que seus filhos venham a sofrer. (Êx 16:4). Foram dadas instruções
Em vez de os obstáculos os levarem para que o povo juntasse uma por-
a buscar a ajuda de Deus, afastam-se ção para cada dia e juntasse em dobro
dEle, permitindo que a ansiedade e no sexto dia, para que fosse mantida
o descontentamento os dominem. a sagrada observância do sábado.
Por que somos ingratos e cheios Moisés deu à congregação a cer-
de desconfiança? Jesus é nosso teza de que suas necessidades se-
amigo. Todo o Céu está interessado riam atendidas, que o Senhor daria a
em nosso bem-estar. A ansiedade eles “carne para comer ao entardecer
Israel Enfrenta Dificuldades 193

e pão à vontade pela manhã”, e acres- teve demais, e não faltou a quem
centou: “Quem somos nós? Vocês tinha recolhido pouco” (Êx 16:18).
não estão reclamando de nós, mas
do Senhor” (Êx 16:8). Eles deveriam O Sábado Foi Honrado
saber que o Altíssimo era o seu Líder, No sexto dia, o povo colhia dois
e não somente Moisés. gômeres para cada pessoa. Os líde-
No fim do dia, o acampamento res perguntaram a Moisés por que
foi rodeado de vários bandos de co- estavam fazendo aquilo. Sua res-
dornizes, o suficiente para alimen- posta foi: “Foi isso que o Senhor
tar toda a multidão. Pela manhã, ordenou: ‘A manhã será dia de
havia sobre o solo do deserto uma descanso, sábado consagrado ao
pequena substância redonda: “Era Senhor. Assem e cozinhem o que
branco como semente de coen- quiserem. Guardem o que sobrar
tro” (Êx 16:31). Eles o chamaram até a manhã seguinte’” (Ex 16:23).
de “maná”. Então Moisés disse: Assim eles fizeram e viram que o ali-
“Este é o pão que o Senhor lhes mento não se deteriorou. ‘“Comam
deu para comer” (Ex 16:15). Os is- hoje’, disse Moisés, ‘pois hoje é o sá-
raelitas viram que havia alimento bado do Senhor. Hoje, vocês não o
em grande quantidade para todos. encontrarão no terreno”’ (Êx 16:25).
“O povo saía recolhendo o maná nas Deus ordena que Seu santo dia
redondezas, e o moía num moinho seja observado hoje de maneira
manual ou socava-o num pilão; de- tão sagrada como foi no tempo de
pois cozinhava o maná e com ele Israel. Devemos fazer do dia ante-
fazia bolos.” “[…] tinha gosto de bolo rior ao sábado um dia de preparação
de mel” (Nm 11:7, 8; Êx 16:31). a fim de que tudo esteja pronto para
Foi dito aos israelitas que juntas- as horas sagradas. Não devemos
sem um gômer [aproximadamente permitir que nossas ocupações ve-
três litros] por dia, para cada pes- nham a invadir esse tempo sagrado
soa, e que não deixassem nada para de forma alguma. Deus aconse-
a manhã seguinte. A quantidade lhou que se deve cuidar dos doen-
para o dia deveria ser recolhida pela tes nesse dia; que o trabalho que for
manhã, pois tudo o que ficasse no preciso ser feito para proporcionar
solo derreteria com o calor do sol. a eles conforto é uma obra de mise-
“Quem tinha recolhido muito não ricórdia e não uma transgressão do
194 Os Escolhidos
sábado; mas todo trabalho desne- chegarem às fronteiras de Canaã”
cessário deve ser evitado. O traba- (Êx 16:35). Durante quarenta anos,
lho que é negligenciado até o início foram diariamente lembrados do
do sábado deve ficar sem ser feito infalível e terno amor de Deus. O
até o pôr do sol desse dia. Senhor deu a eles “o pão dos Céus.
Os israelitas testemunhavam Os homens comeram o pão dos
um milagre triplo para impressio- anjos” (Sl 78:24, 25) – isto é, o ali-
nar a sua mente com relação à santi- mento que foi providenciado para
dade do sábado: porção dobrada da eles, pelos anjos. Eram ensinados
quantidade do maná caía no sexto cada dia que estavam tão ampara-
dia; no sétimo dia o maná não caía; dos em suas necessidades como se
e a porção necessária para o sábado estivessem rodeados pelos ondulan-
se conservava fresca e pura. tes campos de trigo das férteis pla-
nícies de Canaã.
O Sábado Antes do Sinai O maná era o símbolo dAquele
Dentro do contexto em que Deus que foi enviado por Deus para dar
fez cair o maná, temos provas cla- vida ao mundo. O próprio Senhor
ras de que o sábado não se origi- Jesus disse: “Eu sou o Pão da vida.
nou quando a lei foi dada no Sinai. Os seus antepassados comeram o
Antes de os israelitas chegarem ao maná no deserto, mas morreram.
Sinai, compreendiam que Deus es- Todavia, aqui está o pão que desce
perava que guardassem o sábado. do Céu [...]. Se alguém comer deste
A cada sexta-feira, quando eles re- pão, viverá para sempre. Este pão é a
colhiam porção dobrada do maná Minha carne, que Eu darei pela vida
como preparação para o sábado, a do mundo” (Jo 6:48-51).
natureza sagrada do dia de repouso Depois que partiram do de-
era fixada em sua mente. Quando serto de Sim, os israelitas se acam-
alguns deles saíram no sábado para param em Refidim. Lá não havia
colher o maná, o Senhor pergun- água. Então, mais uma vez, eles não
tou: “Até quando vocês se recusarão confiaram na providência de Deus.
a obedecer aos Meus mandamentos O povo foi se queixar a Moisés. “Dê-
e às Minhas instruções?” (Êx 16:28). nos água para beber”, gritavam ira-
“Os israelitas comeram maná dos. “Por que você nos tirou do Egito:
durante quarenta anos, […] até Foi para matar de sede a nós, aos
Israel Enfrenta Dificuldades 195

nossos filhos e aos nossos rebanhos?” Era o Filho de Deus que, velado
(Êx 17:2, 3). Quando a necessidade pela coluna de nuvem, estava ao
de alimentos foi suprida com abun- lado de Moisés e fez jorrar a fonte
dância, eles se lembraram, cheios de de água viva. Toda a congregação
vergonha, da sua incredulidade e pro- viu a glória do Senhor; mas, se a
meteram confiar no Senhor no fu- coluna de nuvem tivesse sido re-
turo; mas fracassaram na primeira movida, teriam sido mortos pelo
prova de fé. A coluna de nuvem que grande esplendor dAquele que nela
os guiava parecia esconder um terrí- Se ocultava.
vel mistério. “Quem Moisés pensava A incredulidade do povo era
que era?” “Qual era o seu objetivo ao tremendamente ofensiva e Moisés
tirá-los do Egito?” Tinham o coração tinha medo de que os juízos divinos
cheio de suspeita e desconfiança. recaíssem sobre eles. Ele deu àquele
No auge da indignação, os israelitas lugar o nome de Massá, “tentação”, e
ameaçaram apedrejar Moisés. Meribá, “contenda”, que ficou como
um marco para que o pecado deles
Água da Rocha fosse lembrado.
Em angústia, Moisés clamou ao
Senhor: “Que farei com esse povo?” A Guerra Contra Amaleque
(Êx 17:4). O Senhor lhe ordenou Um novo perigo ameaçava os
então que chamasse os anciãos de israelitas. Por terem murmurado
Israel, pegasse a vara com a qual tanto contra o Senhor, Ele permi-
tinha realizado maravilhas no Egito tiu que fossem atacados por seus
e passasse à frente do povo. Então inimigos. Os amalequitas saíram
o Senhor lhe disse: “Eu estarei à sua contra eles e atacaram os mais
espera no alto da rocha do monte fracos e cansados que tinham fi-
Horebe. Bata na rocha, e dela sairá cado para trás. Moisés deu ordens
água para o povo beber” (Êx 17:5, 6). a Josué para que escolhesse um
Ele obedeceu, e as águas brota- grupo de soldados de várias tribos e
ram em uma corrente viva que su- os guiasse na luta contra o inimigo,
priu todo o acampamento. Em Sua enquanto ele estaria em um monte
grande misericórdia, o Senhor fez mais próximo com a vara de Deus
da vara o Seu instrumento para li- em sua mão. Assim, no dia seguinte,
bertar o povo. Josué e seus soldados atacaram o
196 Os Escolhidos
inimigo, enquanto Moisés, Arão e os esforços para derrotar o inimigo
Hur ficaram na colina, observando de Israel e de Deus.
a batalha lá do alto. Com os braços Pouco antes de sua morte, Moi-
estendidos para o céu e segurando sés enviou ao povo este solene apelo:
a vara de Deus em sua mão direita, “Lembrem-se do que os amalequitas
Moisés orava para que os exérci- lhes fizeram no caminho, quando
tos de Israel vencessem. Eles per- vocês saíram do Egito. Quando
ceberam que, enquanto as mãos de vocês estavam cansados e exaus-
Moisés estavam estendidas para tos, eles se encontraram com vocês
cima, Israel estava vencendo; mas, no caminho e eliminaram todos os
quando ele baixava os braços, o ini- que ficaram para trás; não tiveram
migo vencia. Como Moisés estava temor de Deus. […] Vocês farão com
ficando muito cansado, Arão e Hur que os amalequitas sejam esqueci-
seguraram seus braços até o pôr do dos debaixo do céu. Não se esque-
sol, quando o inimigo foi derrotado. çam!” (Dt 25:17-19). Com relação a
O ato de Moisés foi muito sig- esse povo ímpio, o Senhor decla-
nificativo, pois mostra que Deus rou: “O Senhor fará guerra contra
tinha o destino de Israel em suas os amalequitas de geração em ge-
mãos. Enquanto mantivessem sua ração!” (Êx 17:16).
confiança no Senhor, Ele lutaria por Os amalequitas não ignoravam
eles, ajudando-os a vencer seus ini- o caráter de Deus e Sua suprema au-
migos. Por outro lado, sempre que toridade, mas decidiram desafiar o
deixassem de se apegar ao Senhor e Seu poder. As maravilhas realizadas
passassem a confiar em si mesmos, por Moisés diante dos egípcios se
ficariam fracos e o inimigo prevale- tornou assunto de zombaria entre
ceria contra eles. eles. Fizeram um voto, diante de
A força divina deve ser combi- seus deuses, de que destruiriam
nada com o esforço humano. Moisés os hebreus e se vangloriavam, di-
sabia que Deus não lutaria em favor zendo que Israel não tinha forças
de Israel enquanto o povo perma- suficientes para enfrentá-los. Eles
necesse inativo. Durante todo o não tinham recebido nenhuma
tempo em que o grande líder in- ameaça dos israelitas. A agressão
tercedia junto ao Senhor, Josué e que fizeram não foi motivada por
seus bravos soldados faziam todos qualquer provocação por parte dos
Israel Enfrenta Dificuldades 197

israelitas. Foi para desafiar a Deus é trazida, e eu decido entre as par-


que procuraram destruir Seu povo. tes, e ensino-lhes os decretos e leis de
Os amalequitas eram pecadores in- Deus” (Êx 18:16). Jetro se opôs a essa
subordinados já por muito tempo. situação, dizendo: “O que você está fa-
Em Sua misericórdia, Deus os cha- zendo não é bom. Você e seu povo fi-
mava ao arrependimento apesar de carão esgotados, pois essa tarefa lhe
tudo; mas, quando os homens é pesada demais. Você não pode exe-
de Amaleque atacaram as fileiras cutá-la sozinho” (Êx 18:17, 18). Ele
cansadas e indefesas de Israel, se- aconselhou Moisés a nomear pes-
laram o destino de sua nação. Sobre soas capazes, tementes a Deus, como
todos aqueles que amam e temem chefes de mil, outros como chefes de
a Deus, Ele estende Sua mão como cem, de cinquenta e de dez. Esses
um escudo protetor; cuidem para homens deveriam julgar questões
não ferir essa mão, pois ela maneja de menor importância, enquanto os
a espada da justiça. casos mais difíceis e importantes de-
Jetro, o sogro de Moisés, que veriam ainda ser levados a Moisés.
morava não muito longe do lugar Esse conselho foi aceito, e trouxe não
onde estavam acampados, decidiu somente alívio a Moisés, mas contri-
visitar os hebreus e levar consigo a buiu para que fosse estabelecida uma
esposa de Moisés e seus dois filhos. ordem mais perfeita entre o povo.
Moisés, o grande líder, saiu alegre- O fato de ter sido escolhido para
mente para se encontrar com eles e instruir outros não levou Moisés a
os trouxe para a sua tenda. concluir que ele mesmo não necessi-
tava de instrução. O líder escolhido
O Sábio Conselho de Jetro de Israel ouviu com atenção as su-
Pouco depois que chegou ao gestões do piedoso e sábio sacerdote
acampamento, Jetro viu quão pesa- de Midiã e adotou o plano por ele
das eram as responsabilidades que proposto.
Moisés levava. Traziam a ele não só De Refidim, o povo continuou
questões de interesses e deveres com sua jornada seguindo para onde se
relação ao povo, mas também todas movia a coluna de nuvem. A rota
as controvérsias que surgiam entre que fizeram os levou através de ári-
eles. Moisés lhe disse: “Toda vez que das planícies, íngremes encostas
alguém tem uma questão, esta me e desfiladeiros rochosos. Então se
198 Os Escolhidos
depararam como o Monte Sinai que Senhor reuniu Seu povo para que
se erguia diante deles com solene pudesse impressionar os israelitas
majestade. A coluna de nuvem re- e fazê-los entender a santidade de
pousou sobre o seu cume, e o povo Seus mandamentos, declarando de
espalhou suas tendas pela planície. viva voz Sua santa lei. Grandes e
Ali seria sua morada durante quase radicais mudanças deveriam ocor-
um ano. À noite, a coluna de fogo rer neles, pois as influências degra-
lhes dava a certeza da proteção di- dantes da escravidão e da idolatria
vina e, enquanto dormiam profun- tinham deixado suas marcas nos
damente, o pão do Céu caía suave hábitos e no caráter do povo de
por todo o acampamento. Israel. Deus estava agindo para
Ali, Israel deveria receber a erguê-los a um nível moral mais
mais maravilhosa revelação que elevado, transmitindo a eles o co-
Deus já fez à humanidade. Ali, o nhecimento de Si mesmo.
27
*
A Lei no Monte Sinai
P ouco tempo depois
que os israelitas acam-
param no Sinai, Moisés foi cha-
foi: “Faremos tudo o que o Senhor
ordenou” (Êx 19:8). Assim, eles fize-
ram um concerto solene com Deus e
mado ao monte para se encontrar se comprometeram a aceitá-Lo como
com Deus. Israel seria levado a um seu Soberano, tornando-se plena-
íntimo e especial relacionamento mente submissos à Sua autoridade.
com o Altíssimo – para se organi- Deus pretendia fazer da oca-
zar como igreja e como nação sob o sião em que pronunciaria Sua lei
governo de Deus. uma cena de inspiradora e admirá-
“Vocês viram o que fiz ao Egito vel grandeza. Tudo o que estivesse li-
e como os transportei sobre asas gado ao serviço de Deus deveria ser
de águias e os trouxe para junto de considerado com a maior reverên-
Mim. Agora, se Me obedecerem fiel- cia. O Senhor disse a Moisés: “Vá ao
mente e guardarem a Minha aliança, povo e consagre-o hoje e amanhã.
vocês serão o Meu tesouro pessoal Eles deverão lavar as suas vestes e
dentre todas as nações. Embora toda estar prontos no terceiro dia, por-
a Terra seja Minha, vocês serão para que nesse dia o Senhor descerá sobre
Mim um reino de sacerdotes e uma o Monte Sinai, à vista de todo o
nação santa” (Êx 19:4-6). povo” (Êx 19:10, 11). Todos deveriam
Moisés retornou ao acampa- ocupar o seu tempo em solene pre-
mento e repetiu a mensagem divina paração para comparecer diante de
aos anciãos de Israel. A resposta deles Deus. Eles e suas roupas deveriam
* Este capítulo é baseado em Êxodo 19-24.
200 Os Escolhidos
estar livres de impureza. Deveriam escravidão” (Êx 20:2). Aquele que
se dedicar à reflexão pessoal, jejum os havia tirado do Egito, que abriu
e oração para que seu coração pu- o mar para que passassem e derro-
desse ser purificado de todo pecado. tou Faraó com seu exército – era Ele
Na manhã do terceiro dia, o topo quem estava proclamando Sua lei.
do Monte Sinai estava coberto por Deus honrou os hebreus ao
uma pesada nuvem, que ia descendo fazer deles os guardiães e defenso-
cada vez mais escura e compacta até res da Sua lei, mas eles deveriam
que ele foi totalmente envolvido em considerá-la um depósito sagrado
trevas e terrível mistério. Então se para todo o mundo. Os preceitos
ouviu um som como o de trombeta, dos Dez Mandamentos são adap-
convocando o povo para se encon- tados ao modo de vida das pessoas
trar com Deus. Relâmpagos ilumina- em todos os lugares e foram dados
vam a densa escuridão e os trovões para instrução e governo de todos.
ecoavam entre as montanhas ao São dez leis curtas, abrangentes e
redor. “O Monte Sinai estava coberto cheias de autoridade, que combi-
de fumaça, pois o Senhor tinha des- nam o nosso dever para com Deus
cido sobre ele em chamas de fogo. […] e para com o próximo, todos basea-
todo o monte tremia violentamente” dos no grande e fundamental prin-
(Êx 19:18). Os filhos de Israel treme- cípio do amor: ‘“Ame o Senhor, o seu
ram de medo e caíram prostrados Deus, de todo o seu coração, de toda
diante do Senhor. Até Moisés excla- a sua alma, de todas as suas forças e
mou: “Estou apavorado e trêmulo!” de todo o seu entendimento’ e ‘ame
(Hb 12:21). o seu próximo como a si mesmo”’
A seguir, cessaram os trovões; a (Lc 10:27). Nos Dez Mandamentos,
trombeta parou de tocar; a terra es- esses princípios são aplicados à
tava quieta. Houve um período de nossa vida.
solene silêncio e então se ouviu a voz (1) “Não terás outros deuses
de Deus falando através da densa es- além de Mim” (Êx 20:3). Qualquer
curidão que O envolvia no monte, coisa que acariciamos, que tenda a
rodeado por Seus anjos. Nesse minimizar o nosso amor a Deus ou
monte, o Senhor proclamou Sua lei. venha a interferir no culto que deve
“Eu sou o Senhor, o teu Deus, ser prestado somente a Ele, fazemos
que te tirou do Egito, da terra da disso um deus.
A Lei no Monte Sinai 201

(2) “Não farás para ti nenhum punidos pela culpa de seus pais, a
ídolo, nenhuma imagem de qual- não ser que participem dos seus pe-
quer coisa no Céu, na Terra, ou nas cados. Mesmo assim, por herança e
águas debaixo da terra. Não te pros- exemplo, os filhos se tornam parti-
trarás diante deles nem lhes presta- cipantes dos pecados de seus pais.
rás culto” (Êx 20:4). Más tendências, apetite pervertido
e moral corrompida, assim como as
A Lei e o Comportamento enfermidades físicas e a degenera-
Humano ção são passadas de pai para filho
Muitas nações pagãs diziam até a terceira e quarta geração.
que suas imagens eram apenas “Mas trato com bondade até mil
símbolos por meio dos quais ado- gerações aos que Me amam e obe-
ravam a Divindade, mas Deus decem aos Meus mandamentos”
declarou que tal culto é pecado. (Êx 20:6). Para aqueles que são fiéis
A intenção de representar o Eterno em Seu serviço, Deus promete mi-
por meio de objetos materiais re- sericórdia, não somente até a ter-
baixa nossos conceitos de Deus. ceira e quarta geração, como a ira
Nossa mente é atraída para a cria- dirigida àqueles que O desprezam,
tura e não para o Criador. Quando mas a milhares de gerações.
os conceitos a respeito de Deus são (3) Não tomarás em vão o nome
rebaixados, da mesma forma o do Senhor, o teu Deus, pois o Senhor
homem também é degradado. não deixará impune quem tomar o
“Eu, o Senhor, o teu Deus, sou Seu nome em vão” (Êx 20:7).
Deus zeloso” (Êx 20:5). A íntima re- Esse mandamento nos proíbe de
lação de Deus com Seu povo é re- usar o nome de Deus de maneira des-
presentada pela relação que há no cuidada. Ao mencionar Deus impen-
casamento. Sendo que a idolatria é sadamente na conversação comum
o adultério espiritual, o desagrado e pela frequente repetição irrefle-
de Deus contra ela é bem apropria- tida de Seu nome, nós O desonra-
damente chamado de ciúme. mos. “Santo e temível é o Seu nome!”
“Castigo os filhos pelos pecados (Sl 111:9). Devemos pronunciá-
de seus pais até a terceira e quarta lo com reverência e solenidade.
geração daqueles que Me despre- (4) “Lembra-te do dia de sábado,
zam” (Êx 20:5). Os filhos não são para santificá-lo. Trabalharás seis
202 Os Escolhidos
dias e neles farás todos os teus os cuidados de que necessitam; mas
trabalhos, mas o sétimo dia é o todo trabalho desnecessário deve
sábado dedicado ao Senhor, o teu ser estritamente evitado. Para san-
Deus. Nesse dia não farás trabalho tificar o sábado, não devemos nem
algum, nem tu, nem teus filhos ou mesmo permitir que nossa mente se
filhas, nem teus servos ou servas, fixe nas coisas do mundo. O man-
nem teus animais, nem os estran- damento inclui todos aqueles que
geiros que morarem em tuas cida- estão dentro das nossas “portas”.
des. Pois em seis dias o Senhor fez Os que fazem parte da família
os céus e a Terra, o mar e tudo o que devem deixar de lado suas ocupa-
neles existe, mas no sétimo dia des- ções diárias durante as horas sa-
cansou. Portanto, o Senhor aben- gradas. Todos devem se unir para
çoou o sétimo dia e o santificou” prestar a Ele um culto voluntário
(Êx 20:8-11). em Seu santo dia.
O sábado não é apresentado (5) Honra teu pai e tua mãe, a
como uma nova instituição, mas fim de que tenhas vida longa na
como um tempo que foi estabe- terra que o Senhor, o teu Deus,
lecido desde a criação. Ao apon- te dá” (Êx 20:12). Os pais têm o
tar para Deus como Aquele que direito a um grau de amor e res-
fez os céus e a Terra, distingue o peito que a nenhuma outra pessoa
verdadeiro Deus dos falsos deu- devem ser dados. Rejeitar a legí-
ses. Assim, o sábado é um sinal de tima autoridade dos pais é rejei-
nossa lealdade a Ele. O quarto man- tar também a autoridade de Deus.
damento é o único entre os dez que O quinto mandamento requer que
traz tanto o nome como o título do os filhos não somente respeitem,
Legislador, o único que mostra por sejam submissos e obedeçam aos
autoridade de quem a lei foi dada. seus pais, mas que deem a eles
Portanto, ele contém o selo de Deus. amor e ternura, aliviem suas preo-
O Senhor nos deu seis dias para cupações, tenham respeito pelo
trabalhar, e Ele pede que façamos seu nome, cuidem deles e os con-
nosso trabalho nesses seis dias. fortem na velhice. Pede também
Atos necessários e de misericórdia que seja dado o devido respeito aos
são permitidos no sábado. Os doen- pastores e àqueles a quem Ele deu
tes e os que sofrem precisam receber autoridade.
A Lei no Monte Sinai 203

(6) “Não matarás” (Êx 20:13). Proíbe negócios duvidosos e requer


Todos os atos de injustiça que de o pagamento justo de dívidas e sa-
alguma forma abreviam a vida; o lários. Toda tentativa de obter van-
espírito de ódio e vingança ou a con- tagem pela ignorância, fraqueza ou
descendência com qualquer senti- infelicidade de outros é registrada
mento que leve à prática de atos como fraude nos livros do Céu.
ofensivos em relação aos outros (até (9) “Não darás falso testemunho
mesmo desejar intimamente o mal contra o teu próximo” (Êx 20:16).
de alguém, pois “qualquer que se Toda intenção de enganar se consti-
irar contra seu irmão estará sujeito tui uma falsidade. Um olhar, um mo-
a julgamento” (Mt 5:22); negligen- vimento da mão, uma expressão do
ciar o cuidado de um necessitado, de rosto podem representar uma falsi-
maneira egoísta; condescendência dade tão eficaz quanto o que se diz
própria ou excesso de trabalho que por palavras. É falsidade até mesmo
venha a prejudicar a saúde – todas a declaração de fatos feita de forma
essas coisas, em maior ou menor enganosa para induzir ao erro. Toda
grau, são uma forma de transgres- tentativa de prejudicar a reputação do
são do sexto mandamento. nosso próximo, pela difamação, calú-
(7) “Não adulterarás” (Êx 20:14). nia ou injúria, e até mesmo a ocul-
A lei de Deus requer pureza não so- tação intencional da verdade para
mente na vida exterior, mas também prejudicar outros se constitui em
quanto às intenções e emoções secre- transgressão do nono mandamento.
tas do coração. Cristo, que ensinou (10) “Não cobiçarás a casa do teu
de maneira mais abrangente nossos próximo. Não cobiçarás a mulher
deveres para com a lei de Deus, de- do teu próximo, nem seus servos
clarou que um mau pensamento ou ou servas, nem seu boi ou jumento,
um olhar é verdadeiramente tão pe- nem coisa alguma que lhe pertença”
cado quanto o ato ilícito. (Êx 20:17). O décimo mandamento
(8) “Não furtarás” (Êx 20:15). atinge a própria raiz de todos os pe-
Essa é uma proibição que condena cados; proíbe o desejo egoísta, do
o sequestro de pessoas e o tráfico qual nasce o ato pecaminoso. A pes-
de escravos, guerras de conquista, soa que se recusa a ceder até mesmo
furto e roubo. Exige estrita integri- a um desejo pecaminoso com relação
dade nos mínimos detalhes da vida. a alguma coisa que pertença a outro
204 Os Escolhidos
não será culpada de ter cometido um chamadas de “juízos”, porque os juí-
ato ilícito para com ninguém. zes deveriam julgar de acordo com
Deus proclamou Sua lei com essas normas. Diferente dos Dez
demonstrações do Seu poder e gló- Mandamentos, elas foram entre-
ria para que Seu povo jamais se es- gues particularmente a Moisés.
quecesse daquela cena. Ele desejava A primeira dessas leis estava re-
mostrar a todos a santidade e a imu- lacionada aos servos. Um hebreu
tabilidade da Sua lei. não poderia ser vendido para ser es-
cravo por toda a vida. Seu período
A Lei do Amor de trabalho era limitado a seis anos;
Ao ser apresentada a grande no sétimo ano deveria ser posto em
regra da justiça de Deus diante do liberdade. Era permitido ter escra-
povo, as pessoas puderam com- vos que não fossem israelitas, mas
preender, como nunca antes, quão sua vida e a própria pessoa eram es-
ofensivo é o pecado e quão grande tritamente guardadas. O assassino
era a sua culpa à vista de um Deus de um escravo deveria ser punido;
santo. Eles clamaram a Moisés: “Fala um ferimento causado a um escravo
tu mesmo conosco, e ouviremos. por seu senhor, ainda que fosse a
Mas que Deus não fale conosco, perda de um dente, dava ao escravo
para que não morramos” (Êx 20:19). o direito à liberdade.
O líder respondeu: “Não tenham Os israelitas deveriam cuidar
medo! Deus veio prová-los, para que para não manter o espírito de cruel-
o temor de Deus esteja em vocês e dade, como aquele pelo qual tinham
os livre de pecar” (Êx 20:20). sofrido sob as ordens dos capata-
Com a mente cegada e perver- zes egípcios. A lembrança de sua
tida pela escravidão e o paganismo, amarga experiência no cativeiro
o povo não estava preparado para deveria fazer com que se colocas-
compreender completamente a sem no lugar do servo, e assim de-
amplitude dos princípios dos dez monstrassem amor e misericórdia.
preceitos dados por Deus. Foram Os direitos das viúvas e órfãos
assim acrescentadas algumas ins- eram especialmente preservados.
truções como ilustração e aplica- Se os maltratarem, “e eles clama-
ção dos princípios expressos nos rem a Mim”, diz o Senhor, “Eu certa-
Dez Mandamentos. Essas leis foram mente atenderei ao seu clamor. Com
A Lei no Monte Sinai 205

grande ira matarei vocês à espada; dosamente como fundamentos da


suas mulheres ficarão viúvas e seus lei nacional e, assim como os dez
filhos, órfãos” (Êx 22:23, 24). Os es- preceitos, eram a condição para o
trangeiros que se unissem a Israel de- cumprimento das promessas de
veriam ser protegidos do mal e da Deus a Israel.
opressão. “Não oprima o estrangeiro. Então foi dada esta mensagem
Vocês sabem o que é ser estrangeiro, ao povo: “Eis que envio um Anjo à
pois foram estrangeiros no Egito” frente de vocês para protegê-los por
(Êx 23:9). todo o caminho e fazê-los chegar ao
Era proibido cobrar juros de em- lugar que preparei. Prestem atenção
préstimos feitos aos pobres. As vestes e ouçam o que Ele diz. Não se rebe-
ou o cobertor de um homem pobre, lem contra Ele” (Êx 23:20, 21). Cristo
que tivessem sido tomados como ga- na coluna de nuvem e de fogo foi o
rantia, deveriam ser restituídos ao seu Líder. Ao mesmo tempo em que
anoitecer. Os juízes eram advertidos havia símbolos ou “tipos” que apon-
a não perverterem a justiça, atuando tavam para a vinda de um Salvador,
em favor de uma causa falsa ou rece- havia também um Salvador pre-
bendo suborno. A mentira e a calúnia sente, que dava as ordens a Moisés
eram proibidas, e os atos de bondade para que ele as transmitisse ao
deveriam ser praticados mesmo para povo, e que foi posto diante deles
com inimigos pessoais. como único canal de bênção.
Novamente o povo foi lembrado
da sagrada obrigação que todos ti- Como Foi Feita a
nham para com o sábado. Foram “Antiga Aliança”
designadas festas anuais, quando “Quando Moisés se dirigiu ao
todos os homens da nação deve- povo”, depois que desceu do monte,
riam se reunir perante o Senhor, le- “e transmitiu-lhes todas as palavras
vando suas ofertas de gratidão e as e ordenanças do Senhor, eles respon-
primícias de Sua generosidade nas deram em uníssono: ‘Faremos tudo
colheitas. O objetivo de todos esses o que o Senhor ordenou’” (Êx 24:3).
regulamentos foi declarado: “Vocês Então eles reafirmaram o con-
serão Meu povo santo” (Êx 22:31). certo. Moisés construiu um altar
Essas leis deveriam ser registra- ao pé do monte e, ao lado dele, er-
das por Moisés e guardadas cuida- gueu doze colunas, “representando
206 Os Escolhidos
as doze tribos de Israel” (Êx 24:4), Moisés e “Josué, seu auxiliar”
como testemunho de sua aceita- foram chamados para se encontrar
ção da aliança. A seguir, “Moisés com Deus. O líder indicou Arão e
leu o Livro da Aliança para o povo” Hur para que, auxiliados pelos an-
(Êx 24:7). Todos tinham a liberdade ciãos, dirigissem o povo em seu
de escolher se concordariam com as lugar. Moisés esperou ser chamado
condições da aliança. Eles ouviram à sala de audiência do Altíssimo.
a lei de Deus sendo proclamada, e Sua paciência e obediência foram
seus princípios foram aplicados a provadas, mas ele não abandonou
várias situações para que pudessem seu posto. Até mesmo esse servo
saber o quanto essa aliança envol- favorecido de Deus não poderia se
via. Mais uma vez o povo respondeu aproximar de Sua presença ime-
unanimemente: “Faremos fielmente diatamente e suportar Sua glória.
tudo o que o Senhor ordenou” (Êx Durante seis dias, ele deveria dedi-
24:7). “Quando Moisés terminou de car sua vida a Deus, examinando
proclamar todos os mandamentos o coração pela meditação e oração.
da Lei a todo o povo, levou sangue No sétimo dia, que era o sábado,
[…] e aspergiu o próprio livro e todo Moisés foi chamado para dentro da
o povo, dizendo: ‘Este é o sangue da nuvem. “Moisés entrou na nuvem […].
aliança que Deus ordenou que vocês E permaneceu no monte quarenta
obedeçam” (Hb 9:19, 20). dias e quarenta noites” (Êx 24:18).
“Moisés, Arão, Nadabe, Abiú e se-
tenta autoridades de Israel subiram Deus Exalta os Escravos
e viram o Deus de Israel, sob cujos Durante todo o tempo em que
pés havia algo semelhante a um pavi- ficou no monte, Moisés recebeu ins-
mento de safira, como o Céu em seu truções para a construção de um
esplendor” (Êx 24:9, 10). Os setenta santuário no qual a presença di-
anciãos deveriam ajudar Moisés a vina se manifestaria de modo es-
governar Israel, e Deus pôs o Seu pecial. “E farão um santuário para
Espírito sobre eles. Eles não viram Mim, e Eu habitarei no meio deles”,
Deus como Ele é, mas viram a glória foi a ordem de Deus (Êx 25:8). Pela
de Sua presença. Ficaram meditando terceira vez a guarda do sábado foi
em Sua glória, pureza e misericórdia ordenada. “Isso será um sinal per-
até que pudessem se aproximar dEle. pétuo entre Mim e os israelitas”,
A Lei no Monte Sinai 207

o Senhor declarou, “a fim de que sai- pessoal do Rei dos reis. Deus os se-
bam que Eu sou o Senhor, que os parou do mundo, fez deles os guar-
santifica. […] Quem fizer algum tra- diães da Sua lei e, por meio deles, era
balho nesse dia será eliminado do Seu propósito preservar na Terra o
meio do seu povo” (Êx 31:17, 13, 14). conhecimento de Si mesmo.
A partir de então, o povo foi hon- Assim, a luz do Céu deveria res-
rado com a permanente presença de plandecer em um mundo em tre-
seu Rei. “E habitarei no meio dos is- vas. Uma voz apelando a todos os
raelitas e serei o seu Deus. […] E o povos para saírem da idolatria e ser-
lugar será consagrado pela Minha virem ao Deus vivo seria ouvida. Se
glória” (Êx 29:45, 43). os israelitas fossem fiéis no cumpri-
Depois de terem sido uma raça de mento da responsabilidade a eles
escravos por tanto tempo, os israeli- confiada, Deus seria a sua defesa e
tas foram exaltados acima de todos Ele os exaltaria acima de todas as
os povos, tornando-se o tesouro outras nações.
28
*
O Bezerro de Ouro
E nquanto esteve no
monte, a ausência de
Moisés causou um clima de espera
que Ele poderia fazer. Se tivessem
procurado obter uma compreen-
são mais clara das ordens dadas
e apreensão para Israel. O povo por Deus e, de coração humilde,
aguardava ansiosamente a sua O buscassem, teriam sido protegi-
volta. Como estavam acostuma- dos contra a tentação. Mas logo se
dos a representações materiais da tornaram descuidados, indiferentes
divindade no Egito, foi difícil para e sem consideração para com as leis;
eles confiar em um Ser invisível e isso aconteceu especialmente com
passaram a depender de Moisés a “mistura de gente”, aqueles que
para sustentar sua fé. Agora esta- saíram do Egito com eles. Estavam
vam sem ele. As semanas foram impacientes para retomar logo o ca-
se passando, e Moisés não voltava. minho para a terra que manava leite
Para muitos no acampamento, pa- e mel. Essa boa terra foi prometida
recia que seu líder teria desertado a eles sob a condição de obediência,
ou que havia sido consumido pelo mas se esqueceram desse compro-
fogo devorador. misso. Alguns sugeriram que a me-
Durante o período de espera, ti- lhor opção era voltar para o Egito;
veram tempo para meditar na lei mas, quer seguissem para Canaã
de Deus, de acordo com tudo o que ou voltassem para o Egito, a maior
tinham ouvido, e preparar o cora- parte do povo decidiu não mais es-
ção para receber novas revelações perar por Moisés.
* Este capítulo é baseado em Êxodo 32-34.
O Bezerro de Ouro 209

Os que pertenciam à “mistura tinham sugerido, se resolvessem


de gente” foram os primeiros a co- voltar ao Egito, teriam o favor dos
meçar a reclamar e demonstrar sua egípcios ao levarem uma imagem
impaciência, e foram os líderes da à frente deles como seu deus. (Ver
apostasia. Entre as coisas que os Apêndice, Nota 3.)
egípcios tinham como símbolos de
suas divindades estava o boi ou o Em vez de Líder, Servo
bezerro. Por sugestão daqueles que Arão foi fraco ao contestar o pe-
praticaram a idolatria no Egito, foi dido do povo. Sua indecisão e timidez
feito um bezerro para ser adorado. naquele momento crítico apenas fi-
O povo desejava ter alguma imagem zeram com que as pessoas se tornas-
para representar Deus e que fosse sem mais decididas ainda. Um delírio
à frente deles em lugar de Moisés. cego e irracional pareceu tomar conta
Os grandes prodígios realizados no da multidão. Alguns permaneceram
Egito e no Mar Vermelho tinham fiéis à sua aliança com Deus, mas a
por objetivo firmar sua fé em um maioria deles se uniu na apostasia.
Deus invisível, todo-poderoso e o Alguns, que se arriscaram a denun-
grande Ajudador de Israel. O desejo ciar a construção da imagem como
do povo por alguma manifestação idolatria, foram espancados e, por
visível de Sua presença foi atendido fim, acabaram perdendo a vida.
com a presença da coluna de nuvem Arão também temeu por sua se-
e de fogo, e pela revelação de Sua gurança e, em vez de se posicionar
glória no Monte Sinai. Mesmo com nobremente em honra a Deus, ele se
a nuvem de Sua presença diante rendeu às exigências da multidão.
deles, ainda assim voltaram o cora- Por conta própria, eles trouxeram
ção para a idolatria no Egito. seus ornamentos e, com isso, ele
Na ausência de Moisés, a auto- moldou um bezerro à semelhança
ridade legal tinha sido concedida a dos deuses do Egito.
Arão, e uma multidão se reuniu ao O povo exclamava: “Eis aí os
redor de sua tenda. A nuvem, disse- seus deuses, ó Israel, que tiraram
ram eles, estava permanentemente vocês do Egito!” (Êx 32:4). Arão não
no monte, e não mais iria guiá-los apenas permitiu tamanho insulto
em suas viagens. Queriam ter uma a Jeová, ele fez ainda mais: Ao ver
imagem em seu lugar. Conforme a satisfação do povo com o bezerro
210 Os Escolhidos
de ouro, construiu um altar diante que você tirou do Egito, corrompeu-
dele e anunciou: “Amanhã haverá se. Muito depressa se desviaram da-
uma festa dedicada ao Senhor. Na quilo que lhes ordenei” (Êx 32:7, 8).
manhã seguinte, ofereceram holo- A aliança de Deus com Seu povo
caustos e sacrifícios de comunhão. tinha sido quebrada, e Ele declarou
O povo se assentou para comer e a Moisés: “Deixe-Me agora, para
beber, e levantou-se para se entre- que a Minha ira se acenda contra
gar à farra” (Êx 32:5, 6). eles, e Eu os destrua. Depois farei de
Uma religião que permite ao você uma grande nação” (Êx 32:10).
povo se entregar aos prazeres egoís- O povo de Israel, especialmente
tas e sensuais agrada tanto às mul- aquela “multidão mista”, estaria
tidões hoje como nos dias de Israel. sempre inclinada a se rebelar con-
Ainda existem Arões fracos e com- tra Deus, a se queixar de seu líder
placentes na igreja, que cedem aos e a entristecê-lo com sua increduli-
desejos daqueles que não são conver- dade e obstinação. Por seus pecados,
tidos, induzindo-os assim ao pecado. já tinham perdido o favor de Deus.
Se Deus resolvesse destruir
Promessa Quebrada Israel, quem poderia pleitear por
Apenas poucos dias haviam se eles? Moisés viu um fundo de espe-
passado desde que os hebreus esti- rança onde parecia haver somente
veram trementes diante do Monte o desânimo e a fúria divina. As pa-
Sinai e ouviram as palavras do lavras ditas por Deus: “Deixe-Me
Senhor: “Não terás outros deuses agora”, ele entendeu não como uma
além de Mim” (Êx 20:3). A glória de proibição, mas sim como uma opor-
Deus ainda pairava sobre o topo do tunidade para interceder pelo caso
monte, à vista da congregação; mas deles; se ele suplicasse fervorosa-
“fizeram um bezerro, adoraram um mente, Deus pouparia Seu povo.
ídolo de metal. Trocaram a Glória Deus deu a entender que iria
deles pela imagem de um boi que rejeitar Seu povo. Falou deles a
come capim” (Sl 106:19, 20). Moisés como “seu povo, que você
No monte, Moisés foi avisado tirou do Egito”. Moisés negou que
da apostasia que estava ocorrendo a liderança de Israel pertencesse a
no acampamento. “Desça”, o Senhor ele. Não eram dele, mas de Deus –
disse a Moisés, “porque o seu povo, “Teu povo, que tiraste do Egito com
O Bezerro de Ouro 211

grande poder e forte mão”. Moisés nação. Deus Se agradou de sua fi-
ainda insistiu: “Por que diriam os delidade, de sua integridade e con-
egípcios: ‘Foi com intenção maligna fiou a ele a grande responsabilidade
que Ele os libertou, para matá-los de guiar Israel à Terra Prometida.
nos montes’?” (Êx 32:11, 12). Quando Moisés e Josué desce-
Durante os poucos meses desde ram do monte e se aproximaram
que Israel havia deixado o Egito, do acampamento, viram o povo gri-
a notícia de seu maravilhoso li- tando e dançando ao redor de seu
vramento tinha se espalhado por ídolo – era uma cena de verdadeira
todas as nações ao redor. O pavor orgia pagã, uma imitação das festas
repousava sobre esses povos pagãos. idólatras do Egito. Quão diferente
Todos observavam para ver o que o era do solene e reverente culto dedi-
Deus de Israel ia fazer por Seu povo. cado a Deus! Moisés ficou desolado.
Se fossem destruídos, seus inimigos Acabava de sair da presença da gló-
triunfariam. Os egípcios alegariam ria de Deus e não estava preparado
que suas acusações eram verdadei- para aquela abominável demonstra-
ras – em vez de levar Seu povo ao ção da degradada condição de Israel.
deserto para sacrificar, Ele fez com Para demonstrar o horror com que
que fossem sacrificados. A destrui- viu tamanha ofensa cometida, atirou
ção do povo a quem Ele tanto exal- as tábuas de pedra ao chão, e elas se
tou, traria difamação ao Seu nome. quebraram diante de todo o povo,
Que imensa responsabilidade têm mostrando com isso que eles tinham
aqueles que são altamente honra- quebrado a sua aliança com Deus e,
dos por Deus de tornar o Seu nome assim, Deus estava quebrando a Sua
um louvor aqui na Terra! aliança com eles também.
Enquanto Moisés intercedia por
Israel, o Senhor ouviu as suas súpli- Moisés Castiga os
cas e atendeu à sua abnegada oração. Transgressores
Deus provou o amor de Seu servo Moisés pegou o ídolo e o atirou
por aquele povo ingrato, e Moisés no fogo. A seguir, ele o reduziu a pó
resistiu nobremente à prova. A pros- e espalhou na corrente de água que
peridade do povo escolhido de Deus descia do monte. Assim, ele mos-
era mais importante para ele do que trou a completa inutilidade do deus
se tornar o pai de uma poderosa que eles estavam adorando.
212 Os Escolhidos
O grande líder convocou seu glória na imagem de um bezerro.
irmão culpado de permitir tão Deus havia confiado a ele o governo
grande pecado. Arão tentou se de- do povo na ausência de Moisés, mas
fender ao relatar os clamores do ele permitira a rebelião. “O Senhor
povo, alegando que, se não tivesse irou-Se contra Arão a ponto de que-
feito conforme pediram, teria sido rer destruí-lo” (Dt 9:20). Sua vida foi
morto. “Eles me disseram: ‘Faça para poupada em resposta à fervorosa in-
nós deuses que nos conduzam, pois tercessão de Moisés; Arão se arre-
não sabemos o que aconteceu com pendeu de seu grande pecado, e foi
esse Moisés, o homem que nos tirou restaurado ao favor de Deus.
do Egito.’ Então eu disse a eles: ‘Quem
tiver enfeites de ouro, traga-os Como Arão Estimulou
para mim.’ O povo trouxe-me o a Rebelião
ouro, eu o joguei no fogo e surgiu Se Arão tivesse tido a coragem
esse bezerro!’’’ (Êx 32:23, 24). Ele de permanecer do lado direito, po-
queria levar Moisés a acreditar que deria ter evitado a apostasia. Se
tinha acontecido um milagre, que o tivesse se mantido firme em sua
ouro havia se transformado em um lealdade a Deus e lembrado o povo
bezerro por um poder sobrenatu- da solene aliança que tinha feito
ral. Suas desculpas de nada adianta- com Ele, o mal teria sido evitado.
ram. Foi tratado, com justiça, como Sua tolerância em atender aos de-
o principal culpado. sejos do povo fez com que os israeli-
O próprio Arão, “que fora consa- tas se aventurassem a ir mais longe
grado ao Senhor” (Sl 106:16), tinha no pecado do que jamais poderiam
feito o ídolo e anunciara a festa. imaginar.
Ele não conseguiu impedir os idó- Para se justificar, Arão tentou
latras de desafiar o Céu. Ele não se responsabilizar o povo por sua fra-
abalou ao proclamarem diante da queza em ceder ao pedido deles;
imagem fundida: “Eis aí os seus deu- mesmo assim, enchiam-se de admi-
ses, ó Israel, que tiraram vocês do ração por sua bondade e paciência.
Egito” (Êx 32:4). Ele tinha estado O espírito condescendente de Arão e
com Moisés no monte e lá pôde con- o desejo de agradar o povo cegaram
templar a glória do Senhor. Havia seus olhos para que não visse a enor-
sido ele que transformara aquela midade da ofensa por ele permitida.
O Bezerro de Ouro 213

Suas decisões custaram a vida de parte daquela “mistura de gente”


milhares. Em contraste, estava a continuou em rebelião. Em nome do
conduta de Moisés. Ao executar fiel- “Senhor, o Deus de Israel”, Moisés
mente os juízos de Deus, demons- ordenou àqueles que se mantiveram
trava que o bem-estar de Israel era livres da idolatria que empunhas-
mais precioso para ele do que a pros- sem suas espadas e matassem a
peridade, a honra ou a vida. todos os que persistiam na rebelião.
Deus deseja que Seus servos pro- “E naquele dia morreram cerca de
vem sua lealdade a Ele ao repreen- três mil dentre o povo” (Êx 32:28).
derem fielmente o pecado, por mais Os líderes da rebelião foram elimi-
doloroso que seja esse ato. Aqueles nados, porém os que se arrepende-
que são honrados por terem rece- ram foram poupados.
bido uma missão divina não devem As pessoas devem ser cuida-
se exaltar ou negligenciar os deveres dosas quanto à maneira de jul-
desagradáveis, mas realizar a obra gar e condenar os outros. Quando
de Deus com inabalável fidelidade. Deus ordena que executem a sen-
Se não fosse imediatamente re- tença que Ele deu com relação ao pe-
primida, a rebelião permitida por cado, o Senhor deve ser obedecido.
Arão se desencadearia em verda- Aqueles que realizaram esse ato
deira atrocidade e levaria a nação doloroso demonstraram, ao cum-
à ruína. O mal deveria ser elimi- prirem essa ordem, sua indigna-
nado com total severidade. Moisés ção contra a rebelião e a idolatria.
convocou o povo e disse: “Quem O Senhor honrou a fidelidade por
é pelo Senhor, junte-se a mim” eles demonstrada ao fazer uma
(Êx 32:26). Aqueles que não se uni- menção especial à tribo de Levi.
ram aos outros em apostasia de- A justiça contra os traidores de-
veriam ficar à direita; os que eram veria ser executada para a manuten-
culpados, mas que se arrependeram, ção do governo divino. Até mesmo
ficaram à esquerda. Foi constatado nisso a misericórdia de Deus foi
que a tribo de Levi não havia to- demonstrada: Ele deu liberdade de
mado parte no culto idólatra. Entre escolha e oportunidade de arrepen-
as demais tribos havia um grande dimento a todos. Somente aqueles
número que expressou seu arrepen- que persistiram na rebelião é que
dimento. Uma multidão, a maior foram eliminados.
214 Os Escolhidos
Por que a Punição Assim aconteceria no Sinai. Se
Era necessário que esse pecado a transgressão não fosse punida,
fosse punido para que se tornasse os mesmos resultados seriam vis-
uma advertência às nações vizi- tos outra vez. A Terra teria se tor-
nhas quanto ao desagrado de Deus nado tão corrompida como nos
pela idolatria. Dali em diante, toda dias de Noé. Grandes males te-
vez que os israelitas condenassem riam se seguido, maiores ainda
a idolatria, seus inimigos lança- que aqueles que ocorreram por
riam sobre eles a acusação de que ter sido poupada a vida de Caim.
o povo que alegava ter Jeová como Foi pela misericórdia de Deus que
seu Deus tinha feito um bezerro milhares sofreram o castigo para
de ouro e o adorado em Horebe. que não houvesse a necessidade de
Embora fossem obrigados a reco- executar os juízos sobre milhões.
nhecer essa triste verdade, Israel Para salvar a muitos, Ele teve que
poderia apontar para o terrível punir uns poucos.
destino dos transgressores como Além do mais, como o povo
prova de que seu pecado não tinha havia rejeitado a proteção divina,
sido desculpado. toda a nação ficou exposta ao
O amor, não menos que a jus- poder dos inimigos. Logo teriam
tiça, exigia que fosse aplicada a caído como presa de seus pode-
pena. Deus remove aqueles que de- rosos adversários. Foi necessário,
cidem continuar em rebelião para para o bem de Israel, que esse pe-
que não levem outros à ruína. Ao cado fosse punido o mais rápido
poupar a vida de Caim, Deus de- possível.
monstrou o resultado de permitir Não foi demonstrada menos mi-
que o pecado fique sem punição. sericórdia aos próprios pecadores
Sua vida e tudo o que ensinou aos que foram eliminados, impedidos
outros levou ao estado de corrup- assim de seguir o seu mau cami-
ção que determinou a destruição do nho. Se a vida deles tivesse sido
mundo inteiro pelo dilúvio. A histó- poupada, o mesmo espírito que os
ria do povo antediluviano é um tes- levou a se rebelarem contra Deus
temunho de que a grande paciência teria resultado em ódio e conflitos
de Deus e as restrições feitas por entre eles mesmos. Acabariam se
Ele não refrearam a sua maldade. destruindo uns aos outros.
O Bezerro de Ouro 215

Amor Semelhante que não apenas o nome deles fos-


ao de Cristo sem apagados, mas também o seu;
Quando o povo começou a enten- ele não suportaria ver os juízos de
der quão grande era a sua culpa, en- Deus caírem sobre aqueles que ti-
cheu-se de temor, receando que todos nham sido tão miraculosamente li-
os ofensores fossem eliminados. Então bertos por Sua graça. A intercessão
Moisés prometeu interceder por eles de Moisés por Israel ilustra a me-
diante de Deus mais uma vez. diação de Cristo em favor dos peca-
“Vocês cometeram um grande dores. O Senhor não permitiu que
pecado”, disse ele. “Mas agora subirei Moisés carregasse a culpa do trans-
ao Senhor, e talvez possa oferecer gressor, como Cristo fez, e Ele res-
propiciação pelo pecado de vocês” pondeu a Moisés: “Riscarei do Meu
(Êx 32:30). Em sua confissão diante livro todo aquele que pecar contra
de Deus, ele disse: “Ah, que grande Mim” (Êx 32:33).
pecado cometeu este povo! Fizeram Em profunda tristeza, o povo se-
para si deuses de ouro. Mas agora, pultou os seus mortos. Três mil caí-
eu Te rogo, perdoa-lhes o pecado; se ram ao fio da espada; pouco depois,
não, risca-me do Teu livro que escre- uma praga invadiu o acampamento;
veste” (Êx 32:31, 32). e então veio até eles a mensagem
Na oração de Moisés, nossa de que a presença divina não mais
mente é dirigida para os registros os acompanharia em sua jornada:
celestiais, nos quais estão inscritos “Eu não irei com vocês, pois vocês
os nomes de todos, e os seus atos fiel- são um povo obstinado, e Eu pode-
mente registrados, quer sejam bons, ria destruí-los no caminho.” Então
quer sejam maus. O livro da vida Deus ordenou a Moisés que dissesse
contém os nomes de todos os que aos israelitas: “Agora tirem os seus
entregaram a vida a Deus. Se qual- enfeites, e Eu decidirei o que fazer
quer um desses continuou obstina- com vocês” (Êx 33:3, 5). Em penitên-
damente no pecado, endurecendo o cia e humilhação, “do monte Horebe
coração contra a influência de Seu em diante, os israelitas não usaram
Santo Espírito, no juízo, seu nome mais nenhum enfeite” (Êx 33:6).
será apagado do livro da vida. Por ordem divina, a tenda que
Se o povo de Israel fosse rejei- tinha servido como local temporá-
tado pelo Senhor, Moisés preferiria rio de culto foi levada para “fora do
216 Os Escolhidos
acampamento”. Essa era mais uma eles: “Se me vês com agrado, revela-
prova de que Deus tinha retirado me os Teus propósitos, para que eu
deles a Sua presença. O povo sen- Te conheça e continue sendo aceito
tiu profundamente essa repreen- por Ti. Lembra-Te de que esta nação
são. Para as multidões que tinham é o Teu povo” (Êx 33:13).
a consciência pesada, parecia que O Senhor respondeu: “Eu mesmo
uma grande calamidade estava o acompanharei, e lhe darei des-
sendo anunciada. canso” (Ex 33:14). Ainda assim,
Apesar de tudo, não foram dei- Moisés não estava satisfeito. Ele orou
xados sem esperança. A tenda foi para que o favor de Deus fosse resta-
armada fora do acampamento, e belecido ao Seu povo e que o sinal vi-
Moisés a chamou de “Tenda do sível de Sua presença continuasse a
Encontro” (Êx 33:7). Todos os que guiá-los em sua viagem: “Se não fores
se sentiam verdadeiramente arre- conosco, não nos envies. Como se sa-
pendidos e desejavam voltar para o berá que eu e o Teu povo podemos
Senhor eram orientados a ir até lá contar com o Teu favor, se não nos
para confessarem os seus pecados e acompanhares?” (Êx 33:15, 16).
buscarem Sua misericórdia. Quando Então o Senhor disse a Moisés:
retornavam às suas tendas, Moisés “Farei o que Me pede, porque tenho
entrava na Tenda do Encontro. Me agradado de você e o conheço
O povo aguardava por algum sinal pelo nome.” O profeta ainda não
de que suas intercessões por eles parou de suplicar. Ele fez um pe-
fossem aceitas. Quando a coluna de dido que nenhum ser humano Lhe
nuvem desceu e permaneceu à en- tinha feito antes: “Peço-Te que me
trada do tabernáculo, o povo chorou mostres a Tua glória” (Êx 33:17, 18).
de alegria. “Todos prestavam adora-
ção em pé, cada qual na entrada de Moisés Vê a Glória de Deus
sua própria tenda” (Êx 33:10). Em resposta ao pedido de
Moisés, palavras cheias de graça
A Necessária Ajuda de Deus foram pronunciadas: “Diante de
Moisés tinha aprendido que, para você farei passar toda a Minha bon-
liderar o povo com êxito, ele deveria dade” (Êx 33:19). Moisés foi cha-
contar com a ajuda de Deus. Suplicou mado novamente para ir ao alto
pela certeza da presença divina com do monte. Então, a mão que fez o
O Bezerro de Ouro 217

mundo, aquela mão “que transporta adorou” (Êx 34:8). O Senhor bon-
montanhas sem que elas o saibam” dosamente prometeu renovar Seu
(Jó 9:5), tirou essa criatura do pó favor a Israel e fazer maravilhas
e o colocou na fenda da rocha, en- como jamais tinham sido feitas “na
quanto a glória de Deus e toda a Sua presença de nenhum outro povo do
bondade passavam diante dele. mundo” (Êx 34:10). Durante todo
Para Moisés, essa experiência foi esse tempo, assim como no prin-
a certeza de que tudo aquilo era in- cípio, Moisés foi miraculosamente
finitamente de maior valor para ele sustentado. Por ordem de Deus, ele
do que toda a sabedoria do Egito ou preparou duas tábuas de pedra e as
todas as suas realizações como es- levou com ele ao topo do monte; e
tadista ou chefe militar. Nenhum uma vez mais o Senhor “escreveu
poder, habilidade ou conhecimento nas tábuas as palavras da aliança:
terrenos pode tomar o lugar da per- os Dez Mandamentos” (Êx 34:28,
manente presença de Deus. ver Apêndice, Nota 4).
Moisés ficou sozinho na pre- O rosto de Moisés resplandecia
sença do Eterno e não teve medo, com uma luz deslumbrante quando
pois sua vida estava em harmonia ele desceu do monte. Tanto Arão
com a vontade de seu Criador. “Se eu como o povo “tiveram medo de
acalentasse o pecado no coração, o aproximar-se dele” (Êx 34:30). Ao
Senhor não me ouviria” (Sl 66:18). ver como estavam com medo, trans-
Todavia, “o Senhor confia os Seus mitiu a eles a promessa de reconci-
segredos aos que O temem, e os leva liação com Deus. Ouviram em sua
a conhecer a Sua aliança” (Sl 25:14). voz todo o amor e simpatia e, final-
A Divindade passou por Moisés e mente, um dos homens teve coragem
proclamou sobre Si: “Senhor, Senhor, para se aproximar dele. Muito admi-
Deus compassivo e misericordioso, rado e sem conseguir falar, ele apon-
paciente, cheio de amor e de fideli- tou silenciosamente para o rosto de
dade, que mantém o Seu amor a mi- Moisés e então para o Céu. O grande
lhares e perdoa a maldade, a rebelião líder entendeu o que ele queria dizer.
e o pecado. Contudo, não deixa de Conscientes de sua culpa, não pode-
punir o culpado” (Êx 34:6, 7). riam suportar a luz celestial que os
“Imediatamente Moisés pros- teria enchido de alegria se tivessem
trou-se com o rosto em terra, e O sido obedientes a Deus.
218 Os Escolhidos
Moisés cobriu o rosto com um A glória que refletia no sem-
véu e continuou fazendo isso todas blante de Moisés é uma prova de
as vezes que voltava ao acampa- que, quanto mais íntima for a nossa
mento, depois de estar em comu- comunhão com Deus e mais claro
nhão com Deus. o conhecimento que temos de Seus
Pela presença dessa brilhante preceitos, mais plenamente estare-
luz, Deus tinha por objetivo im- mos em harmonia com a imagem
pressionar Israel com o exaltado divina.
caráter de Sua lei e com a glória Assim como Moisés, o interces-
do evangelho revelado por meio sor de Israel, escondeu o seu rosto,
de Cristo. Enquanto Moisés estava Cristo, o divino Mediador, também
no monte, Deus lhe apresentou não escondeu Sua divindade na huma-
somente as tábuas da lei, mas tam- nidade quando veio à Terra. Se Ele
bém o plano da salvação. Ele viu o tivesse vindo revestido do esplen-
sacrifício de Cristo prefigurado em dor do Céu, seres humanos pecado-
todos os tipos e símbolos da era ju- res não suportariam a glória de Sua
daica; e a luz celestial que irradiava presença. Por isso, Ele Se humilhou
do Calvário era nada menos do que e veio “à semelhança de homem pe-
a glória da lei de Deus que também cador” (Rm 8:3), para que pudesse
brilhava no rosto de Moisés. alcançar a raça caída e reerguê-la.
29
O Ódio de Satanás
Pela Lei de Deus
O primeiro esforço de Satanás
para derrubar a lei de Deus
– que ele iniciou entre os seres sem
Mais uma vez, Satanás foi derro-
tado; e, mais uma vez, ele recorreu ao
engano com a esperança de conver-
pecado no Céu – pareceu, por algum ter a derrota em vitória. Procurou
tempo, estar funcionando. Milhares retratar Deus como injusto por
de anjos foram seduzidos. O apa- ter permitido que nossos primei-
rente triunfo de Satanás resultou ros pais transgredissem a Sua lei.
em derrota e perda, separação de “Sendo que Deus sabia qual seria o
Deus e expulsão do Céu. resultado, por que Ele permitiu que
Quando o conflito foi reiniciado Suas criaturas fossem colocadas à
na Terra, parecia que Satanás havia prova e trouxessem sofrimento e
obtido vantagem de novo. Por morte?” Os filhos de Adão, volun-
causa da transgressão, o homem tariamente, deram ouvidos ao ten-
se tornou seu prisioneiro. Parecia tador e reclamaram contra o único
então estar aberto o caminho para Ser que poderia salvá-los do poder
Satanás estabelecer um reino inde- destruidor de Satanás.
pendente e desafiar a autoridade Ainda hoje, muitas pessoas
não apenas de Deus, mas de Seu repetem a mesma queixa de re-
Filho. O plano da salvação permi- volta contra Deus. Não percebem
tiu que o homem voltasse a viver que, se Deus privasse os seres hu-
em harmonia com Deus. manos da liberdade de escolha,
220 Os Escolhidos
Ele os tornaria nada mais do que Satanás começou a armar suas
robôs. Assim como os habitantes ciladas para seduzir e destruir
de todos os outros mundos, nós esse povo. Os filhos de Jacó foram
devemos passar pela prova da obe- tentados a se casar com pessoas
diência, mas nunca sermos colo- idólatras e a adorar seus ídolos.
cados em uma posição em que Entretanto, a fidelidade de José
seja necessário cedermos ao mal. foi um testemunho da verdadeira
Nenhuma tentação ou prova é per- fé. Satanás lutou para apagar essa
mitida além do que somos capazes luz por meio da inveja dos irmãos
de suportar. de José, fazendo com que ele fosse
Com o crescimento da popula- vendido como escravo, mas a von-
ção, quase o mundo todo se uniu tade de Deus prevaleceu.
em rebelião. Era como se Satanás Ao se manter fiel a Deus, tanto
tivesse conseguido sair vitorioso na casa de Potifar como na prisão,
mais uma vez; porém, a Terra foi José foi educado e preparado para
purificada de toda a sua contami- ocupar o cargo de primeiro-ministro
nação moral por meio do dilúvio. da nação. Sua influência foi sentida
em toda a terra do Egito e o conhe-
Por que Deus Escolheu Israel cimento do verdadeiro Deus se es-
Assim diz o profeta: “Ainda que palhou amplamente até os lugares
se tenha compaixão do ímpio, ele mais distantes. Os sacerdotes idóla-
não aprenderá a justiça; […] e não vê tras ficaram alarmados. Instigados
a majestade do Senhor” (Is 26:10). por Satanás, em sua hostilidade
Foi assim após o dilúvio. Os habi- para com o Deus do Céu, usaram de
tantes da Terra se rebelaram con- todos os meios para apagar essa luz.
tra o Senhor. Era a segunda vez Depois que Moisés fugiu do
que o mundo rejeitava a aliança Egito, a idolatria voltou a preva-
com Deus. Tanto o povo que viveu lecer. Ano após ano, as esperan-
antes do dilúvio como os descen- ças dos israelitas iam se acabando.
dentes de Noé rejeitaram a auto- O povo e o rei zombavam do Deus
ridade divina. Deus então fez uma de Israel. Esse espírito de oposição
aliança com Abraão e escolheu para foi aumentando até o ponto em que
Si um povo a fim de que este se tor- se revelou por meio do confronto
nasse o guardador da Sua lei. entre o Faraó e Moisés. Quando o
O Ódio de Satanás Pela Lei de Deus 221

líder hebreu se apresentou diante Ao chegar o tempo da liberta-


do rei com a mensagem enviada ção de Israel, Satanás se propôs a
pelo “Senhor, o Deus de Israel”, não manter aquele povo, mais de dois
foi por desconhecer o verdadeiro milhões de pessoas, na ignorân-
Deus, mas o desafio ao Seu poder cia, superstição, cegueira e escravi-
que o inspirou a perguntar: “Quem dão para que pudesse apagar de sua
é o Senhor, para que eu Lhe obedeça mente a lembrança de Deus.
[...]? Não conheço o Senhor, e não Quando Moisés realizou os pro-
deixarei Israel sair” (Êx 5:2). Do iní- dígios diante do rei, Satanás tentou
cio ao fim, a oposição de Faraó foi contrafazê-los e resistir à vontade
motivada pelo ódio e o desafio. de Deus. Isso apenas preparou o ca-
Nos dias de José, o Egito tinha minho para maiores demonstrações
sido um refúgio para Israel. Deus foi de Seu poder e de Sua glória.
honrado pela bondade demonstrada Deus “fez o Seu povo sair cheio
ao Seu povo, e então Aquele que é mi- de júbilo, e Seus escolhidos com
sericordioso e compassivo deu tempo cânticos alegres […] para que obe-
para que cada juízo por Ele enviado decessem aos Seus decretos e guar-
realizasse a sua obra. Os egípcios ti- dassem as Suas leis” (Sl 105:43, 45).
veram a prova do poder de Jeová e Durante o cativeiro no Egito,
todos os que quisessem poderiam se muitos israelitas tinham perdido
submeter a Deus e escapar de Seus grande parte do que conheciam
juízos. A obstinação do rei apenas re- sobre a lei de Deus e misturaram
sultou no avanço do conhecimento os princípios da lei com os costu-
do verdadeiro Deus e levou muitos mes e tradições pagãos. O Senhor
egípcios a se entregarem a Ele. os levou até o Sinai e, de lá, Ele pro-
A grande idolatria dos egípcios e clamou Sua lei.
sua crueldade durante a última parte Até mesmo enquanto Deus pro-
da peregrinação dos hebreus em suas clamava Sua lei no Sinai, Satanás es-
terras deveria ter feito os israelitas se tava preparando suas armadilhas
afastarem da idolatria e os levado a para levar o povo a pecar. Ao conduzi-
fugir para o Deus de seus pais em los à idolatria, destruiria o signifi-
busca de refúgio. Satanás cegou a cado e a importância de todo o culto.
mente deles, levando-os a imitar as Afinal, como pode o homem adorar
práticas de seus senhores pagãos. aquilo que é representado por uma
222 Os Escolhidos
obra criada por ele mesmo? Se dessa colocaram ao lado de Satanás foram
maneira o povo se esquecesse de seu eliminados, o povo, humilhado e ar-
relacionamento com Deus e se pros- rependido, foi misericordiosamente
trasse diante desses objetos repul- perdoado. Todo o Universo foi tes-
sivos e insensíveis, então as más temunha das cenas do Sinai; todos
paixões do coração não teriam restri- viram o contraste entre o governo
ções e Satanás poderia controlá-los de Deus e o de Satanás.
sem nenhum limite.
Ali mesmo, junto ao Sinai, O Verdadeiro Sinal
Satanás deu início ao seu plano para de Lealdade
abolir a lei de Deus, levando avante A reivindicação divina quanto
a mesma obra que havia começado à reverência e adoração acima
no Céu. Durante os quarenta dias de todos os deuses dos idólatras
em que Moisés esteve no monte está baseada no fato de que Ele
com Deus, Satanás ficou insti- é o Criador. Assim diz o profeta
gando a dúvida, a apostasia e a rebe- Jeremias: “Mas o Senhor é o Deus
lião. Quando o líder do povo saiu da verdadeiro […]. Foi Deus quem fez
presença da glória divina com a lei a Terra com o Seu poder, firmou o
à qual eles tinham prometido obe- mundo com a Sua sabedoria e es-
decer, encontrou o povo da aliança tendeu os céus com o Seu entendi-
ajoelhado em adoração diante de mento. […] Esses homens são todos
uma imagem de ouro. estúpidos e ignorantes; cada ouri-
Satanás planejou destruir todo ves é envergonhado pela imagem
o povo. Como demonstraram estar que esculpiu. Suas imagens escul-
completamente corrompidos, Sata- pidas são uma fraude, elas não têm
nás acreditava que o Senhor se afas- fôlego de vida. São inúteis, são obje-
taria deles. Assim estaria garantida tos de zombaria. Quando vier o jul-
a extinção da semente de Abraão, gamento delas, perecerão” (Jr 10:10,
destinada a preservar o conheci- 12, 14, 15). O sábado, como um me-
mento do Deus vivo, da qual de- morial do poder criador de Deus,
veria vir a verdadeira Semente que aponta para Ele como Aquele que
deveria vencer Satanás. Entretanto, fez o Céu e a Terra. É uma testemu-
o grande rebelde mais uma vez foi nha constante de Sua grandeza, sa-
derrotado. Enquanto aqueles que se bedoria e amor. Se o sábado tivesse
O Ódio de Satanás Pela Lei de Deus 223

sido sempre observado como um pouco respeito e, quando o marido


tempo sagrado, nunca teria exis- morria, tinha que se submeter à au-
tido um ateu ou um idólatra. toridade do filho mais velho. Moisés
O sábado se originou no Éden; é ordenou a obediência dos filhos e
tão antigo como o próprio mundo filhas; mas, ao Israel se afastar do
e foi observado por todos os pa- Senhor, o quinto mandamento,
triarcas, desde a criação. Quando a assim como os outros, passou a ser
lei foi proclamada no Sinai, as pri- desrespeitado.
meiras palavras do quarto manda- Satanás “foi homicida desde o
mento foram: “Lembra-te do dia de princípio” (Jo 8:44), e assim que
sábado para santificá-lo” (Êx 20:8), conseguiu dominar a raça hu-
mostrando que o sábado não foi mana, não somente tentou os ho-
colocado como dia de guarda nessa mens a se odiarem e matarem uns
época. Ele nos aponta para a sua aos outros, mas tornou a violação
origem na criação. O objetivo de do sexto mandamento uma parte
Satanás era derrubar esse grande de sua religião.
memorial. Se os homens pudessem As nações pagãs foram levadas
ser levados a se esquecer de seu a crer que os sacrifícios humanos
Criador, não fariam esforços para eram necessários para que eles con-
resistir ao poder do mal e Satanás seguissem o favor de seus deuses, e
os faria seus prisioneiros. os atos mais terríveis de crueldade
O ódio de Satanás para com a lei foram cometidos sob as várias for-
de Deus o levou a fazer guerra con- mas de idolatria. Entre elas estava o
tra cada um dos Dez Mandamentos. costume de fazer seus filhos passa-
O desprezo à autoridade dos pais rem pelo fogo diante de seus ídolos.
logo conduz para a desobediên- Quando um deles saía sem danos,
cia à autoridade de Deus; por isso, o povo acreditava que suas ofertas
Satanás tem se esforçado para di- tinham sido aceitas. Consideravam
minuir a obrigação imposta pelo que aquele que tinha conseguido se
quinto mandamento. Em muitas livrar era favorecido pelos deuses.
nações pagãs, os pais eram aban- Esse filho passava a receber uma
donados ou mortos assim que se série de benefícios e era muito res-
tornassem incapazes de cuidar de peitado a partir de então. Por mais
si mesmos. A mãe era tratada com terríveis que fossem os seus crimes,
224 Os Escolhidos
nunca recebia qualquer punição. Deus Vencerá a Batalha
Por outro lado, se um filho fosse Multidões dão ouvidos aos en-
queimado ao passar pelo fogo, sua ganos de Satanás e se colocam em
sorte estava selada; a ira dos deu- oposição a Deus. Mesmo em meio
ses somente seria aplacada tirando à operação do mal, os propósitos
a vida da vítima. Em tempos de de Deus avançam para o seu cum-
grande apostasia essas horríveis primento. O Senhor está revelando
práticas pecaminosas chegaram a sua justiça e benevolência a todos
ser praticadas pelos israelitas. os seres inteligentes por Ele cria-
A transgressão do sétimo man- dos. Toda a raça humana se tornou
damento também foi praticada logo transgressora da lei de Deus. Ainda
no início, em nome da religião. Ritos assim, pelo sacrifício de Seu filho,
sexuais pervertidos e baixos se tor- todos podem se voltar para Deus.
naram parte do culto pagão. Os pró- Por meio da graça de Cristo, são ca-
prios deuses eram representados pacitados a obedecer à lei do Pai. Ao
como sendo impuros, e seus adora- longo dos séculos, Deus tem reunido
dores davam rédeas às mais baixas um povo que, conforme Ele afirma,
paixões. As festas religiosas eram “tem a Minha lei no coração” (Is 51:7).
caracterizadas por atos de impureza A maneira como Deus lida com
praticados abertamente. a rebelião irá desmascarar a obra
A poligamia foi um dos peca- que tem continuado encoberta por
dos que trouxeram a ira de Deus tanto tempo. Os resultados de se co-
sobre o mundo antediluviano. locar de lado os preceitos divinos es-
Ainda assim, após o dilúvio, a po- tarão inequívocos diante de todos
ligamia se tornou generalizada. os seres inteligentes criados. A lei de
Por meio de esforços calculados, Deus será reivindicada. Na presença
Satanás buscava perverter a ins- de todo o Universo como testemu-
tituição do casamento, enfraque- nha, o próprio Satanás confessará a
cer suas obrigações e minimizar a justiça do governo de Deus e a im-
sua santidade. Não existia maneira parcialidade da Sua lei.
mais segura pela qual ele pudesse Os terrores do Sinai deveriam re-
desfigurar a imagem de Deus no presentar as cenas do juízo para o
ser humano e abrir as portas para povo. O som da trombeta convocava
o sofrimento e a imoralidade. Israel para se encontrar com Deus.
O Ódio de Satanás Pela Lei de Deus 225

A voz do Arcanjo e a trombeta de feita por Ele. “Então os reis da Terra,


Deus convocarão os vivos e os mor- os príncipes, os generais, os ricos, os
tos de toda a Terra para estarem poderosos” – se esconderão “em ca-
diante da presença de seu Juiz. No vernas e entre as rochas das mon-
grande dia do juízo, Cristo virá “na tanhas” e dirão às montanhas e às
glória de Seu Pai, com Seus anjos” rochas: “Caiam sobre nós e escon-
(Mt 16:27). Todas as nações estarão dam-nos da face dAquele que está
reunidas diante de Sua presença. assentado no trono. […] Pois chegou
Quando Cristo vier em glória com o grande dia da ira deles; e quem po-
Seus santos anjos, toda a Terra será derá suportar?” (Ap 6:15-17).
iluminada com a extraordinária luz Satanás tem defendido que bons
de Sua presença. “Nosso Deus vem! resultados poderiam vir com a trans-
Certamente não ficará calado! À Sua gressão, mas ficará constatado que “o
frente vai um fogo devorador, e, ao salário do pecado é a morte” (Rm 6:23).
Seu redor, uma violenta tempestade. “‘Pois certamente vem o dia, ardente
Ele convoca os altos Céus e a Terra, como uma fornalha. Todos os arro-
para o julgamento de Seu povo” gantes e todos os malfeitores serão
(Sl 50:3, 4). “Isso acontecerá quando como palha, e aquele dia, que está
o Senhor Jesus for revelado lá dos chegando, ateará fogo neles’, diz o
Céus, com os Seus anjos poderosos, Senhor dos Exércitos. ‘Não sobrará
em meio às chamas flamejantes. Ele raiz ou galho algum’” (Ml 4:1).
punirá os que não conhecem a Deus Em meio à tempestade do juízo
e os que não obedecem ao evangelho divino, os filhos de Deus não terão
de nosso Senhor Jesus” (2Ts 1:7, 8). motivos para temer. “O Senhor será
Quando Moisés saiu da presença um refúgio para o Seu povo, uma
divina, no monte, o Israel culpado fortaleza para Israel” (Jl 3:16).
não suportava a luz que glorificava o O grande plano da redenção tem
seu rosto. Muito menos os pecadores o propósito de trazer o mundo de
poderão olhar para o Filho de Deus volta ao favor de Deus. Tudo o que foi
quando Ele aparecer na glória de Seu perdido pelo pecado será restaurado.
Pai, rodeado por todos os Seus san- Não somente a raça humana será
tos anjos, para executar o juízo sobre restaurada, mas toda a Terra, para
os transgressores da Sua lei e aque- se tornar o lar eterno daqueles que
les que rejeitaram a obra de expiação foram obedientes. Então se cumprirá
226 Os Escolhidos
o propósito original de Deus na cria- toda a sua oposição, agressividade e
ção. “Os santos do Altíssimo recebe- procurou destruir, serão honrados
rão o reino e o possuirão para sempre; por todo o Universo sem pecado.
sim, para todo o sempre” (Dn 7:18). “Assim o Soberano, o Senhor, fará
Os sagrados mandamentos de nascer a justiça e o louvor diante de
Deus, aos quais Satanás demonstrou todas as nações” (Is 61:11).
30
A Habitação de Deus
*
em Israel
A ordem foi dada a Moisés
enquanto ele estava no
monte com Deus: “E farão um san-
uma “representação do verda-
deiro”, “cópias das coisas que estão
nos Céus” (Hb 9:23), uma represen-
tuário para Mim, e Eu habitarei no tação em miniatura do templo ce-
meio deles” (Êx 25:8). Ele recebeu lestial onde Cristo, o nosso grande
todas as orientações necessárias Sumo Sacerdote, deveria ministrar
para a construção do tabernáculo. em favor do pecador. Deus deu a
Por causa de sua apostasia, os is- Moisés uma visão do santuário ce-
raelitas não tinham mais direito lestial e ordenou que fizesse tudo
à bênção da presença divina; con- de acordo com o modelo que lhe foi
tudo, quando foram aceitos por apresentado.
Deus novamente, o grande líder Para a construção do santuário,
levou avante a ordem divina. foi necessária uma grande quanti-
O próprio Deus entregou a dade dos mais preciosos materiais.
Moisés o projeto para o santuá- No entanto, o Senhor aceitava ape-
rio, com instruções quanto ao seu nas aqueles que eram ofertados
tamanho, forma, os materiais a voluntariamente.
serem empregados e cada peça dos Todo o povo respondeu ao apelo.
móveis que deveria conter. Os lu- “E todos os que estavam dispos-
gares santos, feitos à mão, eram tos, cujo coração os impeliu a isso,
* Este capítulo é baseado em Êxodo 25-40; Levítico 4; 16.
228 Os Escolhidos
trouxeram uma oferta ao Senhor altura. No entanto, era uma estru-
para a obra da Tenda do Encontro. tura magnífica. A madeira era de acá-
[…] Todos os que se dispuseram, cia, menos sujeita a se deteriorar que
tanto homens como mulheres, qualquer outra que pudesse ser en-
trouxeram joias de ouro de todos contrada na região do Sinai. As pa-
os tipos: broches, brincos, anéis e or- redes eram feitas de tábuas verticais,
namentos” (Êx 35:21, 22). com encaixes de prata, e sustentadas
Enquanto o santuário estava firmemente por colunas e armações
sendo construído, homens, mulhe- para encaixe. Revestidas de ouro,
res e crianças continuaram trazendo davam a aparência de ouro maciço.
suas ofertas até que os responsáveis
pelo trabalho acharam que já tinham Dois Compartimentos,
muito mais do que poderiam usar. Duas Fases
“Então Moisés ordenou que fosse O edifício era dividido em dois
feita esta proclamação em todo o compartimentos por um belo véu, e
acampamento: ‘Nenhum homem outro véu semelhante vedava a en-
ou mulher deverá fazer mais nada trada do primeiro compartimento.
para ser oferecido ao santuário’” Eram confeccionados nas mais
(Êx 36:6). A dedicação, zelo e libera- belas cores – azul, púrpura e escar-
lidade dos israelitas são um exem- lata – com querubins trabalhados
plo digno de ser imitado. Todos os em fios de ouro e prata que repre-
que amam o culto a Deus manifes- sentavam a hoste angélica.
tarão o mesmo espírito de sacrifício A tenda sagrada estava rodeada
na preparação de uma casa onde o por um espaço descoberto, cha-
Senhor possa se encontrar com eles. mado de pátio. A entrada ficava na
Deveríamos doar o necessário para extremidade oriental, fechada por
a realização do trabalho de forma cortinas de bela confecção, mas in-
espontânea, para que os construto- feriores às do santuário. O edifício
res possam dizer como aqueles que podia ser visto pelo povo do lado
construíam o tabernáculo: “Não tra- de fora. No pátio, próximo à en-
gam mais ofertas!” trada, ficava o altar de bronze para
O tabernáculo era pequeno, com as ofertas queimadas, ou holocaus-
não mais de vinte metros de com- tos. Sobre esse altar eram queima-
primento e seis de largura e seis de dos todos os sacrifícios feitos com
A Habitação de Deus em Israel 229

fogo ao Senhor, e suas pontas eram revestido de ouro. Toda manhã


aspergidas com o sangue expiató- e toda tarde, o sacerdote deveria
rio. Entre o altar e a porta do ta- queimar incenso sobre o altar; no
bernáculo estava a pia, que também grande Dia da Expiação, suas pon-
era de cobre, feita com os espelhos tas eram tocadas com sangue da
que tinham sido ofertas voluntárias oferta pelo pecado e também era as-
doadas pelas mulheres de Israel. Na pergido com sangue. O fogo desse
pia, os sacerdotes deveriam lavar as altar tinha sido aceso pelo próprio
mãos e os pés, toda vez que entra- Deus. Dia e noite o santo incenso
vam no tabernáculo sagrado ou se espalhava seu perfume por esses
aproximavam do altar para ofere- compartimentos sagrados, e tam-
cer uma oferta queimada ao Senhor. bém poderia ser sentido do lado de
No primeiro compartimento do ta- fora, ao redor do tabernáculo.
bernáculo, o lugar santo, estavam a Além do véu interior, estava o
mesa dos pães da presença – tam- santo dos santos, o ponto central
bém chamados de pães da propo- da cerimônia simbólica da expia-
sição –, o candelabro e o altar de ção e intercessão, o elo de ligação
incenso. A mesa dos pães ficava do entre o Céu e a Terra. Nesse com-
lado norte; era revestida de ouro partimento estava a arca, reves-
puro. Nessa mesa, a cada sábado, os tida de ouro por dentro e por fora,
sacerdotes colocavam doze pães, em contendo as duas tábuas de pedra
duas pilhas. No lado sul ficava o can- com os Dez Mandamentos. Era cha-
delabro com sete lâmpadas. Os bra- mada “a arca do testemunho” ou
ços do candelabro eram decorados “arca da aliança”, por serem os Dez
com flores artisticamente trabalha- Mandamentos a base da aliança
das, todas confeccionadas em uma feita entre Deus e Israel.
só peça de ouro maciço. As lâmpa- A cobertura da arca era chamada
das nunca eram apagadas todas ao de propiciatório. Era feita de uma
mesmo tempo, para que o ambiente peça de ouro maciço, com dois que-
ficasse iluminado dia e noite. rubins sobre ela, um de cada lado,
Bem em frente ao véu que sepa- também de ouro maciço. A posição
rava o lugar santo do lugar santís- dos querubins, com o rosto voltado
simo, e local da presença de Deus, um para o outro, e olhando reveren-
estava o altar de incenso, todo temente para baixo, na direção da
230 Os Escolhidos
arca, representava a reverência que das glórias do templo de Deus no
a hoste celestial tem para com a lei Céu, o grande centro da obra rea-
de Deus e o seu interesse no plano lizada em favor da nossa redenção.
da redenção. A construção do tabernáculo
Na parte de cima do propicia- foi realizada em aproximadamente
tório estava o shekinah, a manifes- meio ano. Quando foi finalizada,
tação da presença divina. Quando Moisés examinou todo o traba-
necessário, mensagens divinas lho dos construtores “e viu que ti-
eram comunicadas ao sumo sacer- nham feito tudo como o Senhor
dote por uma voz que vinha de den- tinha ordenado. Então Moisés os
tro da nuvem. abençoou” (Êx 39:43). O povo de
A lei de Deus, que estava den- Israel se juntou ao redor para ver a
tro da arca, era a grande regra de sagrada obra construída. A coluna
justiça e juízo. Essa lei condenava o de nuvem se moveu e parou sobre
transgressor à morte; mas, acima da o santuário, “e a glória do Senhor
lei, estava o propiciatório. Por meio encheu o tabernáculo” (Êx 40:34).
da obra expiatória, era concedido o Houve uma revelação da majes-
perdão ao pecador arrependido. “O tade divina e, por algum tempo,
amor e a fidelidade se encontrarão; a nem mesmo Moisés pôde entrar ali.
justiça e a paz se beijarão” (Sl 85:10). Com profunda emoção, o povo con-
templou admirado o sinal de que
Pálido Reflexo da Glória Deus havia aceitado a obra das suas
Celestial mãos. Um solene temor repousava
Linguagem alguma é capaz de sobre todos. A alegria que sentiam
descrever a glória do cenário apre- em seu coração transbordava em lá-
sentado dentro do santuário. As grimas. Deus havia consentido em
paredes revestidas de ouro que re- ir morar com eles.
fletiam a luz vinda do candelabro Nos dias de Abraão, o sacerdócio
dourado; a mesa e o altar de incenso, era considerado um direito do filho
que brilhavam com o ouro, além do mais velho. A partir dessa época, em
segundo véu, a arca sagrada, e sobre lugar do filho mais velho, o Senhor
ela o santo shekinah, a manifesta- aceitou a tribo de Levi para reali-
ção da presença de Jeová – tudo era zar a obra do santuário. No en-
nada mais que um pálido reflexo tanto, somente a Arão e seus filhos
A Habitação de Deus em Israel 231

era permitido servir como reais sa- e romãs nas cores azul, púrpura e
cerdotes diante do Senhor; os de- escarlate. O éfode, uma veste mais
mais que pertenciam à tribo eram curta, era preso por um cinto com
encarregados das responsabilidades as mesmas cores. O éfode não tinha
do tabernáculo e de seu mobiliário. mangas e em suas ombreiras bor-
Os sacerdotes usavam uma ves- dadas em ouro eram colocadas
timenta especial. A veste do sacer- duas pedras de ônix, que traziam
dote comum era de linho branco, os nomes das doze tribos de Israel.
tecida em uma só peça, amarrada à Sobre o éfode estava o peitoral,
cintura por um cinto branco, tam- colocado sobre os ombros e preso
bém de linho, bordado em azul, púr- por um cordão azul. As bordas eram
pura e vermelho. Na cabeça, usava formadas de várias pedras precio-
um turbante de linho, ou mitra, sas, as mesmas que formam os doze
completando seu traje exterior. fundamentos da cidade de Deus.
Os sacerdotes deveriam deixar seus O Senhor declarou: “Toda vez que
sapatos no pátio, antes de entrarem Arão entrar no Lugar Santo, levará
no santuário, e também lavar as os nomes dos filhos de Israel sobre o
mãos e os pés antes de iniciarem as seu coração no peitoral de decisões,
solenidades no tabernáculo. Dessa como memorial permanente pe-
maneira, ficava clara a lição de que rante o Senhor” (Êx 28:29). Assim,
aqueles que se aproximassem da Cristo, o grande Sumo Sacerdote, ao
presença de Deus deveriam remo- pleitear, com Seu sangue, em favor
ver toda contaminação. do pecador, traz sobre o coração o
As vestes do sumo sacerdote nome de todo crente arrependido.
foram feitas com muita dedicação À direita e à esquerda do peitoral
e cuidado, usando tecidos, metais havia duas grandes pedras conheci-
e pedras de grande valor. Assim re- das como Urim e Tumim. Quando
presentavam a elevada posição que levavam questões perante o Senhor
ocupava. Além do traje de linho para serem decididas, se a pedra da
usado pelo sacerdote comum, ele direita ficasse iluminada, era um
usava uma vestimenta azul, tam- sinal do consentimento ou apro-
bém confeccionada em uma só vação de Deus e, se uma nuvem co-
peça. Em toda a volta, a barra era brisse a pedra à esquerda, era prova
decorada com campainhas de ouro de negação ou reprovação.
232 Os Escolhidos
Todas as coisas ligadas à roupa temor por causa dos próprios peca-
e às vestes dos sacerdotes tinham dos ou por causa do próprio sacer-
por objetivo impressionar o povo dote, pois ele poderia ter sido morto
com a santidade de Deus e a pureza pela glória do Senhor.
requerida daqueles que iam à Sua
presença. O Ministério Diário
Toda manhã e toda tarde, um
Prefiguração das Coisas cordeiro de um ano era queimado
Celestiais sobre o altar, simbolizando a con-
Não somente o santuário, mas sagração diária da nação e sua
o ministério dos sacerdotes eram constante dependência do sangue
uma “cópia e sombra daquele que expiatório de Cristo. Somente “uma
está nos Céus” (Hb 8:5). O minis- oferta sem mácula” poderia ser um
tério consistia de duas partes: um símbolo da perfeita pureza de Jesus,
ministério diário e outro anual. que Se ofereceria como “um cor-
O ministério diário era realizado no deiro sem mancha e sem defeito”
altar dos holocaustos, no pátio do (1Pe 1:19). O apóstolo Paulo diz:
tabernáculo e no lugar santo; o mi- “Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas
nistério anual era realizado no lugar misericórdias de Deus que se ofe-
santíssimo. reçam em sacrifício vivo, santo e
Nenhum olho mortal, a não ser agradável a Deus; este é o culto ra-
o do sumo sacerdote, deveria ver o cional de vocês” (Rm 12:1). Aqueles
compartimento interno do san- que O amam de todo o coração de-
tuário. Somente uma vez ao ano, o sejarão prestar a Ele o melhor ser-
sumo sacerdote poderia entrar ali. viço de sua vida e buscarão colocar
Em reverente silêncio o povo aguar- toda a força de seu ser em harmo-
dava a sua volta, elevando em seu nia com a vontade divina.
coração fervorosas orações pelas Quando o sacerdote oferecia
bênçãos divinas. Diante do propi- o incenso, era levado mais direta-
ciatório, o sacerdote fazia a expia- mente à presença de Deus do que
ção por Israel, e Deus, na nuvem de em qualquer outro ato do minis-
glória, encontrava-Se com ele. Se o tério diário. A glória de Deus, que
sumo sacerdote demorasse mais do se manifestava sobre o propiciató-
que de costume, o povo se enchia de rio, ficava parcialmente visível no
A Habitação de Deus em Israel 233

primeiro compartimento. Ao ofe- deveriam examinar o coração e


recer o incenso perante o Senhor, confessar os seus pecados. Suas pe-
o sacerdote olhava na direção da tições subiam com a nuvem de in-
arca e, quando a glória divina des- censo, enquanto, pela fé, recebiam
cia sobre o propiciatório, enchia o os méritos do Salvador prometido,
lugar santíssimo, ou muitas vezes representado pelo sacrifício expia-
os dois compartimentos, e o sacer- tório. Tempos depois, quando os
dote tinha que ir para a porta do ta- judeus foram espalhados como es-
bernáculo. Assim como o sacerdote cravos em terras distantes, ainda
olhava com fé para o propiciatório, voltavam o rosto para Jerusalém na
que ele não poderia ver, o povo de hora do sacrifício e elevavam suas
Deus hoje deve dirigir suas orações orações ao Deus de Israel. Os cris-
a Cristo, o grande Sumo Sacerdote tãos veem nesse costume um exem-
que intercede em seu favor no san- plo para a oração da manhã e da
tuário celestial. noite. Deus contempla com grande
O incenso representa os méri- prazer aqueles que se curvam pela
tos e a intercessão de Cristo, Sua manhã e à noite para buscar o per-
perfeita justiça que, pela fé, é atri- dão e apresentar os pedidos de bên-
buída ao Seu povo, e é somente ela çãos de que necessitam.
que torna aceitável a Deus o culto de Os pães da presença eram
seres pecadores. Deveriam se apro- uma oferta perpétua, que faziam
ximar de Deus por meio do sangue parte do sacrifício diário. Estavam
e do incenso – símbolos que apon- sempre na presença do Senhor
tavam para o grande Mediador, por (Êx 25:30), como reconhecimento
meio de quem unicamente a mise- da dependência de Deus, tanto para
ricórdia e a salvação poderiam ser o alimento físico como para o espi-
concedidas ao pecador arrependido. ritual, recebidos somente pela me-
Quando os sacerdotes entra- diação de Cristo. Deus alimentou
vam no lugar santo pela manhã e Israel com o pão do Céu, e ainda
à tarde, o sacrifício diário estava dependiam de Sua generosidade,
pronto para ser oferecido sobre o tanto para o alimento físico como
altar, no pátio. Essa era uma ocasião para as bênçãos espirituais. O maná
de grande interesse; os adorado- e o pão da presença apontavam para
res reunidos junto ao tabernáculo Cristo, o Pão vivo. Ele mesmo disse:
234 Os Escolhidos
“Eu sou o Pão vivo que desceu do À medida que os pecados de Israel
Céu” (Jo 6:51). Os pães eram removi- eram transferidos para o santuário,
dos cada sábado e substituídos por os lugares santos ficavam contami-
pães novos. nados, e era necessária uma cerimô-
A parte mais importante do mi- nia especial para removê-los. Deus
nistério diário era a cerimônia em ordenou que fosse feita uma obra
favor daquele que pecou. O pecador de expiação, ou purificação, para
arrependido trazia a sua oferta à cada um dos compartimentos sa-
porta do tabernáculo e, colocando grados, assim como pelo altar, para
a mão sobre a cabeça da vítima, “purificá-lo e santificá-lo das impu-
confessava seus pecados, transfe- rezas dos israelitas” (Lv 16:19).
rindo-os assim, de maneira sim- Uma vez ao ano, no grande dia
bólica, para a vítima inocente que da expiação, o sumo sacerdote en-
seria sacrificada. Depois o animal trava no lugar santíssimo para rea-
era morto pelas mãos de seu dono, lizar a purificação do santuário. Ele
então o sacerdote levava o san- levava dois bodes para a porta do
gue até o lugar santo e o aspergia tabernáculo e lançava sortes sobre
diante do véu, atrás do qual estava eles, “uma para o Senhor e a outra
a arca contendo a lei que o pecador para Azazel” [ou bode emissário]
transgrediu. Com essa cerimônia, (Lv 16:8). O bode sobre o qual caía
por meio do sangue, o pecado era a primeira sorte deveria ser morto
transferido simbolicamente para o como oferta pelos pecados do povo.
santuário. Em alguns casos, o san- O sacerdote levava o sangue para
gue não era levado para o lugar dentro do véu e o aspergia sobre o
santo (ver Apêndice, Nota 5), mas propiciatório. “Assim fará propiciação
a carne era comida pelo sacerdote, pelo lugar santíssimo por causa das
conforme a orientação de Moisés, impurezas e das rebeliões dos israe-
que disse: “Foi-lhes dada para retirar litas, quaisquer que tenham sido os
a culpa da comunidade” (Lv 10:17). seus pecados. Fará o mesmo em favor
As duas cerimônias simbolizavam da Tenda do Encontro” (Lv 16:16).
a transferência do pecado do peca- “Então colocará as duas mãos
dor arrependido para o santuário. sobre a cabeça do bode vivo e con-
Essa cerimônia era realizada dia fessará todas as iniquidades e re-
após dia, em todos os dias do ano. beliões dos israelitas, todos os seus
A Habitação de Deus em Israel 235

pecados, e os porá sobre a cabeça do o pecador não estava inteiramente


bode. Em seguida enviará o bode livre da condenação da lei. No dia da
para o deserto aos cuidados de um expiação, o sumo sacerdote, após ter
homem designado para isso. O bode oferecido um sacrifício pela congre-
levará consigo todas as iniquida- gação, dirigia-se ao lugar santíssimo
des deles para um lugar solitário” com o sangue e o aspergia sobre o
(Lv 16:21, 22). Até que o bode fosse propiciatório, que estava acima das
enviado, o povo não deveria se con- tábuas da lei.
siderar livre do fardo de seus peca- Dessa forma eram satisfeitas as
dos. Todo o Israel ficaria esperando, reivindicações da lei que exigia a
de coração humilde e contrito, en- vida do pecador. Então, em sua po-
quanto era realizada a obra da ex- sição de mediador, o sacerdote to-
piação. Todo trabalho precisava ser mava sobre si os pecados e, ao sair
deixado e a congregação inteira de- do santuário, levava com ele todo
veria passar o dia em solene humi- o peso da culpa de Israel. Colocava
lhação diante de Deus, com oração, suas mãos sobre a cabeça do bode
jejum e profundo exame de coração. emissário e confessava “todas as ini-
quidades e rebeliões dos israelitas,
Verdades Ensinadas pelo todos os seus pecados” (Lv 16:21).
Dia da Expiação Quando o bode era enviado dali,
Essa cerimônia anual ensinava esses pecados eram considerados
importantes verdades a respeito separados do povo para sempre.
da obra de expiação. Nas ofertas Essa cerimônia era realizada como
pelo pecado, apresentadas durante uma “cópia e sombra daquele que
o ano, um substituto seria aceito está nos Céus” (Hb 8:5).
em lugar do pecador, mas o san-
gue da vítima não fazia a expiação O Santuário Celestial
completa pelo pecado. Provia ape- O santuário terrestre era “uma
nas o meio pelo qual o pecado era ilustração para os nossos dias” do
transferido para o santuário. Pela local em que as ofertas e sacrifícios
oferta do sangue, o pecador confes- são oferecidos; esses dois lugares
sava a culpa de sua transgressão e santos eram “cópias das coisas que
expressava fé nAquele que tiraria estão nos céus” (Hb 9:9, 23). Cristo,
o pecado do mundo. Mesmo assim, nosso grande Sumo Sacerdote,
236 Os Escolhidos
“serve no santuário, no verdadeiro ensinar as importantes verdades re-
tabernáculo que o Senhor erigiu, e lacionadas ao santuário celestial e
não o homem” (Hb 8:2). à obra realizada em prol da reden-
O apóstolo João recebeu uma ção do homem.
visão do templo de Deus no Céu. Depois de Sua ascensão, nosso
Nessa visão, viu que “diante dEle Salvador deveria iniciar Sua obra
estavam acesas sete lâmpadas de como nosso Sumo Sacerdote. “Pois
fogo”. Ele viu um anjo “que trazia um Cristo não entrou em santuá-
incensário de ouro. […] A ele foi dado rio feito por homens, uma sim-
muito incenso para oferecer com as ples representação do verdadeiro;
orações de todos os santos sobre Ele entrou nos Céus, para agora se
o altar de ouro diante do trono” apresentar diante de Deus em nosso
(Ap 4:5; 8:3). O profeta teve per- favor” (Hb 9:24).
missão para ver o primeiro com- O ministério sacerdotal de
partimento do santuário celestial. Cristo consistia de duas gran-
Novamente, “foi aberto o santuário des divisões, cada uma ocupando
de Deus nos Céus”, e ele olhou para um período de tempo e tendo um
além do véu, no santo dos santos. lugar distinto no santuário celestial.
Ali, ele viu “a arca da Sua aliança” O ministério terrestre, um símbolo
(Ap 11:19), representada pelo re- do ministério celestial, consistia de
cipiente sagrado construído por duas divisões – o serviço diário e o
Moisés para conter a lei de Deus. anual – e a cada um era destinado
Paulo declara que “o tabernáculo um compartimento do tabernáculo.
e todos os utensílios das suas ceri- Quando subiu ao Céu, Cristo ficou
mônias”, quando completos, são “có- diante da presença de Deus para in-
pias das coisas que estão nos Céus” terceder, com Seu sangue, em favor
(Hb 9:21, 23). João diz que viu o san- daqueles que creram e se arrepen-
tuário no Céu. Aquele santuário em deram. Como símbolo da Sua inter-
que Jesus ministra em nosso favor é cessão, no serviço diário, o sacerdote
o grande santuário original. O san- aspergia o sangue do sacrifício no
tuário construído por Moisés era lugar santo, em favor do pecador.
uma cópia do santuário celestial. Embora o sangue de Cristo
O santuário terrestre e todo o tenha o poder de libertar o peca-
seu cerimonial tinham por objetivo dor arrependido da condenação da
A Habitação de Deus em Israel 237

lei, isso não apaga o pecado que fica o deserto e separados para sempre
registrado no santuário até a expia- da congregação.
ção final. Da mesma forma, nos ce- Como Satanás é o único respon-
rimoniais simbólicos do santuário sável por todos os pecados que cau-
terrestre, o sangue da oferta remo- saram a morte do Filho de Deus, a
via o pecado do penitente, mas ele justiça exige que ele sofra a puni-
permanecia no santuário até o dia ção final. A obra de Cristo para a
da expiação. redenção de homens e mulheres
No grande dia do juízo final, os e para a purificação do Universo
mortos serão “julgados segundo o da contaminação do pecado es-
que estava registrado nos livros” tará encerrada quando os pecados
(Ap 20:12). Então os pecados de forem colocados sobre Satanás,
todos aqueles que se arrependeram que receberá a condenação final.
serão eliminados dos livros do Céu. Igualmente, o ciclo anual do ceri-
Assim, o santuário está livre, ou pu- monial simbólico também se encer-
rificado, do registro do pecado. Nos rava com a purificação do santuário
serviços simbólicos do santuário e confissão dos pecados sobre a ca-
terrestre, essa grande obra realizada beça do bode emissário.
para apagar os pecados era repre- Nos serviços do tabernáculo, o
sentada pelas cerimônias do dia da povo era ensinado todos os dias a
expiação, a purificação do santuá- respeito das grandes verdades re-
rio pela remoção dos pecados que lacionadas à morte de Cristo e Seu
o contaminavam. ministério no santuário celestial.
Na expiação final, os pecados da- Uma vez ao ano, a mente de todos
queles que se arrependeram serão era levada a contemplar os aconte-
apagados dos registros do Céu, para cimentos finais do grande conflito
nunca mais ser lembrados. Assim entre Cristo e Satanás, a purificação
também, no cerimonial simbó- final do Universo tanto do pecado
lico, os pecados eram levados para como de pecadores.
31
O Pecado de Nadabe
*
e Abiú
D epois da dedicação do
tabernáculo, os sa-
cerdotes foram consagrados à sua
a ordem de Deus ao utilizarem “fogo
profano”. Pegaram o fogo comum e
não o fogo sagrado provido pelo
sagrada função. Essas cerimônias próprio Deus. Por causa desse pe-
duraram sete dias; no oitavo dia, cado, desceu fogo do Senhor e os de-
Arão ofereceu os sacrifícios que vorou diante de todo o povo.
Deus ordenou, e revelou a Sua glória Abaixo de Moisés e Arão, Na-
de maneira surpreendente – fogo dabe e Abiú eram os que ocupavam
desceu do céu e consumiu a oferta posição mais elevada em Israel.
que estava sobre o altar. Em uma Assim como os setenta anciãos, eles
só voz, o povo se ergueu em acla- haviam sido honrados de modo es-
mações de louvor e adoração, cur- pecial pelo Senhor por terem rece-
vando-se com o rosto em terra. bido permissão para contemplar
Pouco tempo depois, uma ter- a Sua glória no monte. Tudo isso
rível calamidade caiu sobre a fa- tornou o pecado deles mais grave.
mília de Arão, o sumo sacerdote. As pessoas que recebem maior luz e,
Seus dois filhos pegaram cada um como os príncipes de Israel, sobem
o seu incensário e queimaram in- o monte, recebendo o privilégio de
censo neles, como cheiro suave pe- manter comunhão com Deus na luz
rante o Senhor. Eles transgrediram de Sua glória, não devem pensar que
* Este capítulo é baseado em Levítico 10:1-11.
O Pecado de Nadabe e Abiú 239

podem pecar sem sofrer as conse- daquilo que determinou. Deus não
quências e que Deus não irá punir pôs em Sua Palavra ordem alguma
com rigor o seu pecado. Grandes pri- que possamos obedecer ou desobe-
vilégios requerem santidade e inte- decer, de acordo com a nossa von-
gridade à altura da luz recebida. tade, e não sofrer as consequências.
Grandes bênçãos jamais dão per- “Então Moisés disse a Arão e a
missão para pecar. seus filhos Eleazar e Itamar: ‘Não
Nadabe e Abiú não foram ensi- andem descabelados, nem rasguem
nados a ter domínio próprio. A falta as roupas em sinal de luto, senão
de firmeza de seu pai o levou a ser vocês morrerão […], porquanto o
desleixado com a disciplina dos fi- óleo da unção do Senhor está sobre
lhos. Permitiu que seus filhos se- vocês’” (Lv 10:6, 7). O grande líder
guissem a própria vontade. Eles se lembrou ao seu irmão as palavras
acostumaram tanto a fazer o que do Senhor: “À vista de todo o povo
bem entendiam que nem mesmo glorificado serei” (Lv 10:3). Arão
o desempenho da função mais sa- ficou em silêncio. A morte de seus
grada teve o poder de interromper filhos por tão terrível pecado – ele
seus hábitos errados. Eles não com- percebeu que aquele pecado era o re-
preenderam a necessidade da es- sultado da negligência dele mesmo
trita obediência às ordens de Deus. ao seu dever – esmagava de angús-
A equivocada tolerância de Arão tia o coração do pai. Ele não deveria
para com seus filhos os levou a se deixar transparecer, por qualquer
tornarem alvos dos juízos divinos. demonstração de tristeza, que sim-
patizava com o pecado. A congrega-
Obediência Parcial não ção não poderia ser levada a achar
é Aceita que a falha estava com Deus.
Deus não aceita uma obediên- O Senhor desejava ensinar Seu
cia parcial. Não era o bastante que povo a reconhecer a justiça de Suas
nessa hora solene, quase tudo esti- correções para que outros também
vesse de acordo com as Suas instru- temessem. Deus reprova aquela
ções. Ninguém se engane em pensar falsa simpatia que tenta desculpar o
que qualquer uma das ordens de pecado. Aqueles que erram não con-
Deus não seja tão essencial ou que seguem entender a enormidade de
Ele aceitará outra coisa no lugar sua transgressão e, sem o poder do
240 Os Escolhidos
Espírito Santo para convencê-los, aqueles que ocupavam posições
ficam quase cegos em relação ao seu de responsabilidade deveriam ser
pecado. Os servos de Cristo têm o muito temperantes a fim de man-
dever de mostrar aos que erram o ter a mente clara e distinguir entre
perigo que correm. Muitos são le- o certo e o errado.
vados à ruína como resultado dessa A mesma obrigação repousa
falsa e enganosa simpatia. sobre todo seguidor de Cristo.
Nadabe e Abiú jamais teriam “Vocês, porém, são geração eleita, sa-
cometido aquele pecado fatal se cerdócio real, nação santa, povo ex-
antes não estivessem sob o efeito clusivo de Deus” (1Pe 2:9). Quando
do vinho que tomavam livremente. se faz uso das bebidas alcoólicas,
Por sua intemperança, não estavam os resultados são os mesmos do
mais qualificados para o desempe- caso daqueles sacerdotes de Israel.
nho da função sagrada. Tinham a A mente perde a sensibilidade para
mente confusa e as percepções mo- o pecado e o coração fica insensível,
rais tão adormecidas que não con- até que a distinção entre o sagrado
seguiam fazer a diferença entre o e o comum perca a sua importância
sagrado e o comum. Deus fez então e não faça mais diferença. “Assim,
uma advertência a Arão e aos seus quer vocês comam, bebam ou façam
dois filhos vivos: “Você e seus filhos qualquer outra coisa, façam tudo
não devem beber […] antes de en- para a glória de Deus” (1Co 10:31).
trar na Tenda do Encontro, senão Uma séria e terrível advertência é
vocês morrerão” (Lv 10:9). O uso de dirigida à igreja de Cristo em todos
bebidas alcoólicas impede as pes- os tempos: “Se alguém destruir
soas de compreenderem a santidade o santuário de Deus, Deus o des-
das coisas sagradas ou o valor das truirá; pois o santuário de Deus,
exigências feitas por Deus. Todos que são vocês, é sagrado” (1Co 3:17).
32
A Graça de Cristo
e a Nova Aliança
A o serem criados, Adão
e Eva tinham conheci-
mento da lei de Deus. Estavam fa-
escolheu Abraão, de quem Ele de-
clarou: “Abraão Me obedeceu e
guardou Meus preceitos, Meus
miliarizados com suas exigências, mandamentos, Meus decretos e
e seus princípios estavam escritos Minhas leis” (Gn 26:5). Deus lhe deu
em seu coração. Quando caíram em o ritual da circuncisão, uma prática
pecado, a lei não foi mudada, mas que deveria ser mantida como um
Deus deu a eles a promessa de um sinal de que permaneceriam sepa-
Salvador. As ofertas sacrificais apon- rados da idolatria e obedeceriam
tavam para a morte de Cristo como à lei de Deus. A falha dos descen-
a grande oferta pelo pecado. dentes de Abraão em cumprir esse
A lei de Deus foi transmitida de compromisso foi a causa de sua
pai para filho por meio de sucessi- escravidão no Egito. Pela influên-
vas gerações, mas foram poucos cia de suas relações com os idóla-
os que lhe obedeceram. O mundo tras e por sua submissão forçada
se tornou tão mau que foi neces- aos egípcios, os princípios divinos
sário purificá-lo de sua corrupção se tornaram ainda mais corrompi-
por meio do dilúvio. Noé ensinou dos com os ensinos depravados do
os Dez Mandamentos aos seus des- paganismo. Foi por esse motivo que
cendentes. Como o homem nova- o Senhor desceu na nuvem sobre o
mente se afastou de Deus, o Senhor Sinai e proclamou Sua lei em tão
242 Os Escolhidos
grande majestade para que todo o Duas Leis: a Moral
povo ouvisse. e a Cerimonial
Mesmo então, Ele não confiou Muitos confundem esses dois sis-
Sua lei à memória de um povo que temas utilizando textos que falam
tão facilmente poderia esquecê-la, da lei cerimonial para provar que a
mas a escreveu em tábuas de pedra. lei moral foi abolida, mas essa é uma
Deus não parou ao dar a eles os Dez distorção da Bíblia. O sistema ceri-
Mandamentos. Ordenou a Moisés monial consistia de símbolos que
que escrevesse juízos e leis, dando apontavam para Cristo, para o Seu
instruções detalhadas sobre o que sacrifício e sacerdócio. Os hebreus
Ele requeria. Essas instruções ape- deveriam cumprir o ritual da lei ce-
nas ampliavam os princípios dos rimonial com seus sacrifícios e orde-
Dez Mandamentos, de maneira nanças até que o tipo encontrasse o
mais específica, para proteger sua antítipo – o símbolo se tornasse reali-
santidade. dade – na morte de Cristo. Então de-
Se os descendentes de Abraão ti- veria cessar todo o sistema de ofertas
vessem se mantido fiéis à aliança, sacrificais. É essa lei que Cristo “re-
que tinha a circuncisão como um moveu, pregando-a na cruz” (Cl 2:14).
sinal, não haveria necessidade de Referindo-se à lei dos Dez Man-
proclamar a lei no Sinai ou gravá-la damentos, o salmista escreveu: “A
em tábuas de pedra. Tua Palavra, Senhor, para sempre
O sistema sacrifical também foi está firmada nos Céus” (Sl 119:89).
pervertido. Por meio dos longos con- O próprio Cristo afirma: “Não pen-
tatos com os idólatras, Israel tinha sem que vim abolir a Lei. […] Digo-lhes
misturado muitos costumes pagãos a verdade: Enquanto existirem céus e
à sua forma de adoração; assim, o terra, de forma alguma desaparecerá
Senhor deu ao povo instruções pre- da Lei a menor letra ou o menor traço,
cisas a respeito do serviço sacrifi- até que tudo se cumpra” (Mt 5:17, 18).
cal. Toda a lei cerimonial foi dada Aqui Jesus ensina que os preceitos da
a Moisés, e ele a escreveu em um lei de Deus serão mantidos enquanto
livro. A lei dos Dez Mandamentos os céus e a Terra existirem.
foi escrita pelo próprio Deus, nas Com relação à lei proclamada no
tábuas de pedra, e guardadas den- Sinai, Neemias diz: “Tu desceste ao
tro da arca da aliança. Monte Sinai; dos céus lhes falaste.
A Graça de Cristo e a Nova Aliança 243

Deste-lhes ordenanças justas, leis raça caída tem sido feita por meio
verdadeiras, decretos e mandamen- de Cristo. Foi o Filho de Deus que
tos excelentes” (Ne 9:13). Paulo, “o fez a promessa da redenção a nossos
apóstolo dos gentios”, declara: “De primeiros pais. Adão, Noé, Abraão,
fato, a lei é santa, o mandamento é Isaque, Jacó e Moisés compreende-
santo, justo e bom” (Rm 7:12). ram a abrangência do evangelho.
Embora a morte de Cristo tenha Esses homens santos dos tempos
colocado um fim à lei dos tipos e passados mantinham comunhão
sombras, não diminuiu a obrigação com o Salvador que viria ao nosso
para com a lei moral. O próprio fato mundo em forma humana.
de que foi necessário Cristo mor- Cristo foi o guia dos hebreus no
rer para que se tornasse possível a deserto, o Anjo que ia adiante deles,
expiação da transgressão dessa lei encoberto pela coluna de nuvem.
prova que ela é imutável. Foi Ele quem deu a lei a Israel. (Ver
Apêndice, Nota 6.) Em meio à gló-
Cristo, o Mediador ria que desceu sobre o Sinai, Cristo
da Nova Aliança proclamou os Dez Mandamentos da
Alguns afirmam que Cristo veio lei de Seu Pai. Foi Ele que deu a lei a
para abolir o Antigo Testamento. Moisés, gravada em tábuas de pedra.
Apresentam a religião dos hebreus Cristo falou ao Seu povo por
como nada mais que meras for- meio dos profetas. O apóstolo Pedro
mas e cerimônias. Isso é um erro. declara que os profetas “que falaram
Ao longo de todos os séculos após da graça destinada a vocês investi-
a queda, “Deus em Cristo estava re- garam e examinaram, procurando
conciliando consigo o mundo” (2Co saber o tempo e as circunstâncias
5:19). Cristo era o fundamento e o para os quais apontava o Espírito
centro do sistema sacrifical. Desde de Cristo que neles estava, quando
que nossos primeiros pais peca- lhes predisse os sofrimentos de
ram, o Senhor entregou o mundo Cristo e as glórias que se seguiriam
nas mãos de Cristo para que, por àqueles sofrimentos” (1Pe 1:10, 11).
Sua obra como Mediador, redi- É a voz de Cristo que nos fala por
misse a humanidade perdida e con- meio do Antigo Testamento. “O tes-
firmasse a autoridade da lei de Deus. temunho de Jesus é o espírito de
Toda a comunicação entre o Céu e a profecia” (Ap 19:10).
244 Os Escolhidos
Enquanto esteve pessoalmente Desde que o Salvador derramou
na Terra, Jesus direcionou a mente Seu sangue e voltou para o Céu “para
do povo para o Antigo Testamento. [...] Se apresentar diante de Deus em
“Vocês estudam cuidadosamente nosso favor” (Hb 9:24), uma luz tem
as Escrituras, porque pensam que brilhado da cruz do Calvário e do
nelas vocês têm a vida eterna. E santuário celestial. O evangelho de
são as Escrituras que testemu- Cristo dá sentido à lei cerimonial.
nham a Meu respeito” (Jo 5:39). À medida que novas verdades são re-
Naquela época, os livros do Antigo veladas, podemos ver de forma mais
Testamento eram a única parte intensa o caráter e os propósitos de
existente da Bíblia. Deus. Cada novo raio de luz propor-
A lei cerimonial foi dada por ciona uma compreensão mais clara
Cristo. Mesmo depois que ela dei- do plano da redenção. Encontramos
xou de ser observada, o grande após- nova beleza e força na Palavra inspi-
tolo Paulo declarou ser ela gloriosa rada e estudamos suas páginas com
e digna de seu divino Originador. interesse cada vez maior.
A nuvem de incenso que subia ao Não era o propósito de Deus que
Céu com as orações de Israel re- Israel levantasse um muro de sepa-
presenta a Sua justiça, pois é ape- ração entre eles e seus semelhantes.
nas por meio dela que a oração do O coração do Amor Infinito circun-
pecador se torna aceitável a Deus. dava todos os habitantes da Terra,
A vítima sangrando sobre o altar procurando Se revelar a eles e torná-
testemunhava de um Redentor que los participantes de Seu amor e de
um dia viria. Assim, ao longo de sé- Sua graça. Sua bênção foi concedida
culos de trevas e apostasia, a fé foi ao povo escolhido para que pudesse
mantida viva no coração humano abençoar outros.
até a vinda do Messias prometido. Abraão não se excluiu do povo que
Jesus era a Luz do mundo antes vivia ao seu redor. Manteve relações
de vir à Terra em forma humana. de amizade com os reis das nações vi-
O primeiro raio de luz que pene- zinhas e, por meio dele e de sua in-
trou nas trevas do pecado veio de fluência, o Deus do Céu foi revelado.
Cristo, e dEle vem todo raio da luz Deus Se manifestou ao povo do
celestial que brilha sobre os mora- Egito por meio de José. Por que o
dores da Terra. Senhor desejou exaltar José de forma
A Graça de Cristo e a Nova Aliança 245

tão grandiosa entre os egípcios? luz, em vez de permitir que ela bri-
Ele o colocou no palácio do rei para lhasse entre os povos ao seu redor,
que a luz do Céu brilhasse longe e fechando-se em seu orgulhoso exclu-
perto. José foi um representante de sivismo como se o amor e o cuidado
Cristo. Os egípcios deveriam ver em de Deus fossem somente deles.
seu benfeitor o amor de seu Criador A aliança da graça foi feita a
e Redentor. Por meio de Moisés, Deus princípio no Éden. Após a queda do
também fez brilhar uma luz ao lado homem, Deus prometeu que a se-
do trono do maior reino da Terra mente da mulher feriria a cabeça
para que todos pudessem ter o conhe- da serpente. Essa aliança oferecia a
cimento do Deus vivo e verdadeiro. todos o perdão e a graça auxiliadora
Quando Israel foi libertado do de Deus para obedecer, por meio
Egito, o conhecimento do poder de da fé em Cristo. Prometia também
Deus se espalhou por toda a parte. a vida eterna sob a condição de fi-
Séculos após o êxodo, os sacerdotes delidade à lei de Deus. Assim, os
filisteus ainda lembravam o povo patriarcas receberam a esperança
das pragas do Egito e os advertia a da salvação, por intermédio dessa
não se oporem ao Deus de Israel. aliança feita com Ele.
Deus renovou essa mesma
Por que Deus Escolheu Israel aliança com Abraão, ao lhe fazer a
Deus chamou os filhos de Israel promessa: “Por meio dela, todos os
para Se revelar por meio deles a todos povos da Terra serão abençoados”
os habitantes da Terra. Para esse pro- (Gn 22:18). Abraão creu em Cristo
pósito, Ele ordenou que se conservas- para perdão dos pecados. Foi essa fé
sem como um povo diferente das que lhe foi atribuída como justiça.
nações idólatras ao seu redor. A aliança com Abraão mantinha
Tanto naquela época quanto hoje também a autoridade da lei de
era muito importante que o povo de Deus. O testemunho de Deus a
Deus se mantivesse puro e incontami- respeito de Seu servo foi: “Abraão
nado. Deus não desejava que Seu povo Me obedeceu e guardou Meus pre-
se excluísse do mundo e assim dei- ceitos, Meus mandamentos, Meus
xasse de exercer sua influência sobre decretos e Minhas leis” (Gn 26:5).
os outros. Foi seu coração perverso e Embora essa aliança tenha sido
incrédulo que os levou a esconder a feita com Adão e renovada com
246 Os Escolhidos
Abraão, não poderia ser confir- a amá-Lo e confiar nEle. Ele os ligou
mada até a morte de Cristo. Ela a Si ao libertá-los do cativeiro.
existia pela promessa feita por Na verdade, eles não compreen-
Deus; foi aceita pela fé, porém, ao diam muito bem a santidade de
ser garantida por Cristo, foi cha- Deus, a imensa maldade de seu cora-
mada de “a nova aliança”. A lei de ção, sua completa incapacidade para
Deus foi a base de Sua aliança, que obedecer à lei de Deus por si mes-
era simplesmente um pacto para mos e a necessidade de um Salvador.
levar os pecadores a viverem nova- Deus deu a eles a Sua lei com a
mente em harmonia com a vontade promessa de lhes conceder gran-
divina, colocando-os onde pode- des bênçãos sob a condição de obe-
riam obedecer à lei de Deus. diência: “Agora, se Me obedecerem
A outra aliança – chamada nas fielmente e guardarem a Minha
Escrituras de “a antiga aliança” – foi aliança, […] serão para Mim um reino
feita no Sinai, entre Deus e Israel, de sacerdotes e uma nação santa”
e foi confirmada pelo sangue de (Êx 19:5, 6). O povo não compreen-
um sacrifício. A aliança feita com dia quão maldoso era o seu coração e
Abraão, confirmada por meio do que, sem Cristo, era impossível guar-
sangue de Cristo, é chamada de dar a lei de Deus. Achando que conse-
“segunda aliança”, ou “nova aliança”, guiriam se manter fiéis pela própria
porque o sangue pelo qual foi selada força, o povo declarou: “Faremos fiel-
foi derramado depois do sangue da mente tudo o que o Senhor ordenou”
primeira aliança. (Êx 24:7). Sem duvidar, eles entraram
Se a aliança feita com Abraão em aliança com Deus. Contudo, pou-
oferecia a promessa da redenção, cas semanas se passaram até que-
por que foi feita outra aliança no brarem sua aliança e se curvarem
Sinai? Durante os anos de cati- em adoração ao bezerro de ouro. Ao
veiro, o povo havia perdido grande reconhecerem seu pecado e a neces-
parte do conhecimento que tinha sidade de perdão, foram levados a
de Deus e dos princípios da aliança sentir a necessidade do Salvador re-
feita com Abraão. Quando os liber- velado na aliança feita com Abraão e
tou do Egito, o propósito de Deus simbolizado pelas ofertas sacrificais.
era revelar a eles o Seu poder e mi- Estavam preparados para valorizar
sericórdia para que fossem levados as bênçãos da nova aliança.
A Graça de Cristo e a Nova Aliança 247

A Nova Aliança e a sido, pois, justificados pela fé, temos


Justificação pela Fé paz com Deus, por nosso Senhor
As condições da antiga aliança Jesus Cristo” (Rm 5:1). “Anulamos
eram: obedeça e viva: “Maldito então a lei pela fé? De maneira ne-
quem não puser em prática as pa- nhuma! Ao contrário, confirmamos
lavras desta lei” (Dt 27:26). A nova a lei” (Rm 3:31). “Porque, aquilo que
aliança foi estabelecida com “melho- a lei fora incapaz de fazer por estar
res promessas”, promessas de per- enfraquecida pela carne, Deus o fez,
dão e da graça divina, para mudar enviando Seu próprio Filho, à seme-
o coração e levá-los a viver em har- lhança do homem pecador, como
monia com a lei de Deus. “‘Esta é a oferta pelo pecado. E assim conde-
aliança que farei com a comunidade nou o pecado na carne, a fim de que
de Israel depois daqueles dias’, de- as justas exigências da lei fossem
clara o Senhor: ‘Porei a Minha lei no plenamente satisfeitas em nós, que
íntimo deles e a escreverei nos seus co- não vivemos segundo a carne, mas
rações. […] Porque Eu lhes perdoarei segundo o Espírito” (Rm 8:3, 4).
a maldade e não Me lembrarei mais Começando com a primeira pro-
dos seus pecados’” (Jr 31:33, 34). messa evangélica e perpassando
A mesma lei que foi gravada pela era patriarcal e judaica até o
em tábuas de pedra é escrita pelo presente, podemos ver que os pro-
Espírito Santo nas tábuas do cora- pósitos de Deus no plano da re-
ção quando aceitamos a justiça de denção têm se desenvolvido pouco
Cristo. Seu sangue expia os nossos a pouco. As nuvens foram removi-
pecados. Sua obediência é aceita em das, o nevoeiro e as sombras de-
nosso favor. Então, pela graça de sapareceram, e Jesus, o Redentor
Cristo, andaremos como Ele andou. do mundo, é revelado. Aquele que
Por meio do profeta, Ele declarou proclamou a lei no Sinai é o mesmo
a respeito de Si mesmo: “Tenho que pregou o sermão no monte.
grande alegria em fazer a Tua von- Os grandes princípios do amor a
tade, ó Meu Deus; a Tua lei está no Deus são apenas uma repetição do
fundo do Meu coração” (Sl 40:8). que Ele disse por meio de Moisés.
O apóstolo Paulo apresenta a re- O Instrutor é o mesmo, tanto nos
lação entre a fé e a lei na nova aliança tempos do Antigo como do Novo
de uma forma bem clara: “Tendo Testamento.
33
*
Terríveis Reclamações
O sistema de governo de Israel
era muito bem organizado;
impressionante por ser simples e com-
Para cada tribo foi determinada
uma posição. Deveriam marchar e
acampar ao lado de sua bandeira,
pleto. Deus era o centro do governo, como o Senhor tinha ordenado (ver
o governante de Israel. Moisés estava Nm 2:2, 17). A grande multidão que
na posição de chefe para administrar acompanhou os israelitas quando
a lei em Seu nome. Depois, um concí- saíram do Egito deveria ficar nos
lio de setenta homens foi escolhido limites do acampamento e seus fi-
para auxiliar Moisés nos negócios ge- lhos estavam excluídos da comu-
rais da nação. Vieram em seguida os nidade até a terceira geração (ver
sacerdotes, que consultavam o Senhor Dt 23:7, 8).
no santuário. Chefes ou príncipes Ordem absoluta e regras de hi-
governavam as tribos. Abaixo deles giene rigorosas foram impostas.
foram colocados os “chefes de mil, de Essas leis eram essenciais para pre-
cem, de cinquenta e de dez” (Dt 1:15). servar a saúde de um grupo tão
O acampamento dos hebreus foi grande de pessoas. Era necessário
separado em três grandes divisões. manter perfeita ordem e pureza.
No centro ficava o tabernáculo, a Deus declarou: “Pois o Senhor, o seu
morada do Rei invisível. Em torno Deus, anda pelo seu acampamento
dele ficavam os sacerdotes e levitas. para protegê-los e entregar-lhes os
Ao redor ficavam acampadas todas seus inimigos. O acampamento terá
as outras tribos. que ser santo” (Dt 23:14).
* Este capítulo é baseado em Números 10-12.
Terríveis Reclamações 249

Em todas as viagens de Israel, Esperando entrar rapidamente na


“a arca da aliança do Senhor foi terra, os exércitos de Israel come-
à frente deles [...] para encon- çaram a marchar outra vez quando
trar um lugar para descansarem” a nuvem deu sinal para seguirem
(Nm 10:33). Com suas trombetas de em frente. Quantas bênçãos pode-
prata, os sacerdotes foram instruí- riam esperar, agora que tinham ofi-
dos por Moisés para darem sinais cialmente sido reconhecidos como o
que serviriam de comunicação com povo escolhido do Altíssimo?
o povo. Era o dever dos líderes de Muitos relutaram para deixar
cada companhia dar instruções cla- o lugar em que ficaram acampa-
ras sobre cada movimento conforme dos por tanto tempo. O cenário es-
eram indicados pelas trombetas. tava tão associado com a presença
Deus é um Deus de ordem. Tudo de Deus e dos santos anjos que pa-
o que está ligado ao Céu está em recia muito sagrado para que fosse
perfeita ordem; estrita disciplina deixado para trás com certa indi-
marca os movimentos de todos os ferença, ou mesmo com alegria.
anjos. O sucesso somente pode ser Ao sinal das trombetas, todos olha-
alcançado por meio de ações harmo- ram ansiosos para ver em que dire-
niosas e bem ordenadas. Deus não ção a nuvem seguiria. Quando ela se
exige menos de nós hoje do que exi- moveu em direção ao oriente, onde
giu do povo de Israel naqueles dias. podiam ver apenas grupos de mon-
O próprio Deus dirigiu os israe- tanhas isoladas e negras, um senti-
litas em suas viagens. A descida da mento de tristeza e dúvida surgiu
coluna de nuvem indicava o local no coração de muitos.
em que deveriam acampar; e en- Ao seguirem viagem, o caminho
quanto tivessem que ficar acampa- se tornou mais difícil. Seu percurso
dos, a nuvem permanecia parada passava por barrancos e terras sem
sobre o tabernáculo. Quando fosse vida, “terra árida e cheia de covas,
a hora de continuar a viagem, ela terra de seca e de trevas, terra pela
subia bem alto e ficava acima da qual ninguém passa e onde nin-
tenda sagrada. guém vive” (Jr 2:6). A caminhada
Havia uma distância de apenas era lenta e difícil, e as multidões não
onze dias de viagem entre o Sinai estavam preparadas para suportar
e Cades, nas fronteiras de Canaã. os perigos e incômodos do caminho.
250 Os Escolhidos
O Povo Exige Carne seu controle com mais facilidade.
Depois de três dias de viagem, as Desde o tempo em que induziu
reclamações foram ouvidas aberta- Eva a comer do fruto proibido, ele
mente. Elas tiveram origem com a tem levado muitos a pecarem por
“mistura de gente”, e muitos deles meio do apetite. A intemperança no
não paravam de procurar defeitos comer e no beber prepara o cami-
na maneira como Moisés os guiava, nho para o desrespeito a todos os
apesar de saberem que ele estava deveres morais.
seguindo a nuvem. O desconten- Deus tirou os israelitas do Egito
tamento é contagioso, e logo se es- para que pudessem viver na terra
palhou pelo acampamento. de Canaã como um povo puro,
Começaram a clamar, pedindo santo e feliz. Se estivessem dispos-
carne para comer. Muitos dos egíp- tos a negar o apetite, a fraqueza e
cios que estavam entre eles tinham se a doença nunca seriam conheci-
acostumado a uma dieta bem variada das no meio deles. Seus descenden-
e eles foram os primeiros a se queixar. tes teriam possuído forças físicas,
Deus poderia ter dado carne mentais e espirituais, claras percep-
como deu o maná, mas era Seu pro- ções da verdade e do dever, discerni-
pósito dar a eles o alimento mais mento aguçado e juízo equilibrado.
adaptado às suas necessidades. Diz o salmista: “Deliberadamente
O apetite pervertido deveria ser puseram Deus à prova, exigindo o
posto em uma condição mais sau- que desejavam comer. Duvidaram
dável, a fim de que pudessem usar de Deus, dizendo: ‘Poderá Deus
o alimento originalmente dado à fa- preparar uma mesa no deserto?
mília humana, os frutos da terra, [...] Conseguirá também dar-nos de
que Deus deu a Adão e Eva no Éden. comer? Poderá suprir de carne o Seu
Por essa razão, os israelitas foram povo?’ O Senhor os ouviu e enfu-
privados de comer carne. receu-Se; com fogo atacou Jacó, e
Satanás tentou os israelitas a Sua ira levantou-Se contra Israel”
considerar essa restrição como in- (Sl 78:18-21). Eles tinham sido tes-
justa e cruel. Viu que a satisfação temunhas da majestade, do poder e
de cada desejo do apetite pode levar da misericórdia de Deus, e sua incre-
à sensualidade e por esse meio o dulidade e descontentamento trou-
povo poderia ser submetido ao xeram sobre eles uma culpa ainda
Terríveis Reclamações 251

maior. Tinham se comprometido a Mas agora perdemos o apetite; nunca


obedecer à Sua autoridade. A murmu- vemos nada, a não ser esse maná!’”
ração dos israelitas se transformou (Nm 11:4-6). Apesar das dificulda-
em rebelião; por isso, tinham que des, não havia um só que estivesse
receber castigo imediato para que fraco em todas as tribos.
Israel fosse preservado do caos e Moisés ficou desanimado. Em
da ruína. “Fogo da parte do Senhor seu amor pelo povo, tinha orado
queimou entre eles e consumiu al- para que seu nome fosse riscado do
gumas extremidades do acampa- livro da vida em vez de eles serem
mento” (Nm 11:1). Os mais culpados destruídos, e agora essa era a sua
entre os que reclamavam foram recompensa. Eles o culpavam por
mortos pelo relâmpago da nuvem. todas as dificuldades que tinham,
e até por sofrimentos imaginários.
Exigências e Rebelião Em sua angústia, foi tentado a des-
Aterrorizado, o povo implorou crer de Deus. Sua oração era quase
a Moisés que intercedesse junto ao uma queixa: “Por que trouxeste esse
Senhor em seu favor. Moisés aten- mal sobre o Teu servo? […] [Por] que
deu o pedido, e o fogo se apagou. colocaste sobre os meus ombros a
Em vez de levar os sobreviventes responsabilidade de todo esse povo?
a se humilharem e se arrepende- […] Eles ficam se queixando […]: ‘Dê-
rem, esse terrível juízo pareceu ape- nos carne para comer!’ Não posso
nas fazer com que murmurassem levar todo esse povo sozinho; essa
ainda mais. De todos os lados se via responsabilidade é grande demais
o povo reunido à porta de suas ten- para mim” (Nm 11:11, 13, 14).
das, chorando e lamentando. “Um O Senhor não apenas atendeu
bando de estrangeiros que havia no à oração de Moisés, mas também o
meio deles encheu-se de gula, e até orientou a escolher setenta homens
os próprios israelitas tornaram a que possuíssem bom senso e expe-
queixar-se, e diziam: ‘A h, se tivésse- riência para dividir com eles suas
mos carne para comer! Nós nos lem- responsabilidades. A influência des-
bramos dos peixes que comíamos ses homens ajudaria a acabar com a
de graça no Egito, e também dos rebelião, embora, com o tempo, gra-
pepinos, das melancias, dos alhos- ves males pudessem resultar da pro-
porós, das cebolas e dos alhos. moção que receberam. Eles nunca
252 Os Escolhidos
teriam sido escolhidos se Moisés ti- vontade do Senhor honrar aqueles
vesse manifestado uma fé que cor- homens na presença da congrega-
respondesse às provas do poder e ção para que a confiança neles fosse
bondade de Deus que ele tanto teste- estabelecida.
munhou. Se ele tivesse confiado mais Um vento forte soprou do mar
em Deus, o Senhor o teria guiado e trouxe então bandos de codorni-
continuamente e concedido forças zes, “e as fez cair por todo o acam-
para enfrentar cada dificuldade. pamento, a uma altura de noventa
Moisés anunciou a indicação centímetros, espalhando-as em
dos setenta anciãos. As instruções todas as direções num raio de um
do grande líder a esses homens que dia de caminhada” (Nm 11:31).
foram escolhidos poderiam ser- Durante todo aquele dia e aquela
vir como modelo de integridade noite e durante todo o dia seguinte,
para juízes e legisladores dos tem- o povo saiu e recolheu o alimento
pos atuais: “Atendam as deman- que, por meio de um milagre, havia
das de seus irmãos e julguem com sido enviado a eles. Conseguiram
justiça, não só as questões entre os pegar grandes quantidades. Tudo o
seus compatriotas, mas também que não necessitavam para uso na-
entre um israelita e um estrangeiro. quele momento, eles secaram para
Não sejam parciais no julgamento! conservar. Assim, o estoque de co-
Atendam tanto o pequeno como o mida foi suficiente para o mês in-
grande. Não se deixem intimidar teiro, conforme a promessa.
por ninguém, pois o veredito per- Deus deu ao povo algo que não
tence a Deus” (Dt 1:16, 17). era para o seu bem porque eles in-
“O Senhor desceu na nuvem e sistiram em seu desejo. Então eles
lhe falou, e tirou do Espírito que sofreram as consequências. O povo
estava sobre Moisés e o pôs sobre comeu sem limites e sua glutona-
as setenta autoridades. Quando ria foi imediatamente punida. “E
o Espírito veio sobre elas, profe- Ele o feriu com uma praga terrível”
tizaram, mas depois nunca mais (Nm 11:33). Os mais culpados entre
tornaram a fazê-lo” (Nm 11:25). eles foram feridos logo que prova-
Assim como os discípulos no Dia ram o alimento cobiçado.
do Pentecostes, eles foram cheios do Em Hazerote, o próximo local em
“poder do Alto” (Lucas 24:49). Foi a que acamparam depois de partirem
Terríveis Reclamações 253

de Taberá, uma prova ainda mais Miriã encontrou motivos para


amarga esperava por Moisés. Arão queixa em acontecimentos que ti-
e Miriã ocupavam uma posição de nham sido dirigidos especialmente
grande honra e liderança em Israel. por Deus. Ela não aprovava o casa-
Ambos participaram com Moisés na mento de Moisés. Foi uma ofensa
libertação dos hebreus. Miriã, do- para sua família e para o orgulho da
tada com os dons da poesia e da mú- nação israelita ele ter escolhido uma
sica, liderou as mulheres de Israel no mulher de outra nação, em vez de es-
cântico e na dança junto às praias do colher uma esposa entre os hebreus.
Mar Vermelho. No coração do povo Ela tratava Zípora com um desprezo
e nas honras do Céu, ela estava ape- que mal conseguia disfarçar.
nas abaixo de Moisés e Arão. Embora fosse chamada de “mu-
Quando foram indicados os se- lher cusita”, a esposa de Moisés era
tenta anciãos, Moisés não consultou midianita e, portanto, descendente
Miriã nem Arão, e eles ficaram com de Abraão. Ela era diferente dos he-
ciúmes. Acharam que sua posição e breus por ter a pele um pouco mais
autoridade tinham sido menospreza- escura. Mesmo não sendo israelita,
das. Consideravam-se participantes Zípora adorava o verdadeiro Deus.
do cargo de liderança tanto quanto Era tímida, acanhada e bastante
Moisés e acharam desnecessária a in- sensível diante do sofrimento. Por
dicação de outros auxiliares. essa razão, quando estava a cami-
nho do Egito, Moisés concordou que
O Pecado da Inveja ela retornasse para Midiã.
Moisés compreendeu a própria Quando Zípora voltou para
fraqueza e fez de Deus seu conse- junto do marido no deserto, viu que
lheiro. Arão, porém, julgava-se su- as responsabilidades de Moisés es-
perior, confiava menos em Deus tavam sugando suas forças e desa-
e fracassou na questão do culto bafou essa preocupação com Jetro.
idólatra no Sinai. Miriã e Arão, Então Jetro deu conselhos ao genro
cegados pela inveja e ambição, dis- para que este não ficasse sobrecar-
seram: “Será que o Senhor tem fa- regado. Essa era a principal razão
lado apenas por meio de Moisés? da antipatia de Miriã por Zípora.
[…] Também não tem Ele falado por Ela considerava a esposa de Moisés
meio de nós?” (Nm 12:2). como sendo a causa do suposto
254 Os Escolhidos
descaso manifestado a ela e a Arão. ficou leprosa; “sua aparência era
Se Arão tivesse permanecido firme como a da neve” (Nm 12:10). Arão
pelo que é certo, poderia ter impe- foi poupado, mas recebeu uma se-
dido o mal; mas, em vez de mostrar vera repreensão por meio do castigo
a Miriã sua má conduta, passou a de Miriã. Com o orgulho esmagado
demonstrar simpatia para com seus até o pó, Arão confessou seu pecado
sentimentos e a compartilhar de e suplicou que sua irmã não viesse
seus ciúmes. a morrer por causa daquela doença
Moisés suportou as acusações repugnante e mortal.
dos irmãos em silêncio e sem se Em resposta às orações de
queixar. Moisés “era um homem Moisés, Miriã foi curada da lepra,
muito paciente, mais do que qual- mas ficou excluída do acampa-
quer outro que havia na Terra” mento durante sete dias. Toda a
(Nm 12:3), e é por isso que ele rece- multidão permaneceu em Hazerote,
beu sabedoria e orientações divinas aguardando a sua volta.
mais do que os outros. Essa manifestação do desagrado
Deus escolheu Moisés. Miriã e do Senhor tinha por objetivo repri-
Arão, por causa de suas murmu- mir o crescente espírito de descon-
rações, foram culpados de desleal- tentamento e rebelião. A inveja é
dade não somente para com o líder uma das características mais satâ-
escolhido, mas para com o pró- nicas que podem existir no coração
prio Deus. “Então o Senhor desceu humano. Foi a inveja que no prin-
numa coluna de nuvem e, pondo-se cípio causou a discórdia no Céu, e
à entrada da Tenda, chamou Arão e a condescendência com esse senti-
Miriã” (Nm 12:5). O pedido que fi- mento tem produzido males incal-
zeram para receber o dom profético culáveis no mundo.
não foi negado, mas uma comunica- A Bíblia nos ensina a não fa-
ção mais próxima foi concedida a zermos acusações contra aqueles
Moisés. Com ele Deus falava face a a quem Deus chamou para serem
face. “‘Por que não temeram em cri- Seus embaixadores. “Não aceite
ticar Meu servo Moisés?’ Então a ira acusação contra um presbítero, se
do Senhor acendeu-se contra eles, e não for apoiada por duas ou três
Ele os deixou” (Nm 12:8:9). Como testemunhas” (1Tm 5:19). Aquele
prova do desagrado de Deus, Miriã que pôs sobre os homens a pesada
Terríveis Reclamações 255

responsabilidade de serem líderes e repreensão para todos os que cedem


instrutores de Seu povo responsa- ao sentimento de inveja e murmu-
bilizará o povo pela maneira como ração contra aqueles a quem Deus
trata Seus servos. O juízo que re- confiou a responsabilidade de levar
caiu sobre Miriã deveria ser uma avante a Sua obra.
34
*
Doze Espiões em Canaã
O s israelitas estavam acam-
pados em Cades, no deserto
de Parã, que não ficava distante das
missão. Os espiões trouxeram vá-
rias espécies de frutos para provar
a fertilidade do solo. Trouxeram um
fronteiras da Terra Prometida. Ali, cacho de uvas tão grande que teve
o povo propôs que fossem envia- que ser carregado por dois homens.
dos espiões para verificar como era Também trouxeram figos e romãs
o país. Moisés apresentou o pedido nela produzidos abundantemente.
diante do Senhor e Ele deu permis- O povo ouvia com atenção en-
são. Os homens foram escolhidos quanto o relatório era apresentado
e Moisés disse para irem e obser- a Moisés. “Entramos na terra à qual
varem como era o país, se o povo você nos enviou”, os espiões começa-
era forte ou fraco, poucos ou mui- ram, “onde manam leite e mel com
tos; que observassem também como fartura! Aqui estão alguns frutos
era o solo, se era fértil, e trouxessem dela” (Nm 13:27). O povo ficou en-
alguns frutos da terra. tusiasmado; estavam ansiosos por
Eles foram e examinaram toda a obedecer à voz do Senhor, subir e
terra, voltando depois de quarenta tomar posse da terra o mais rápido
dias. A notícia da volta dos espiões possível.
foi recebida com grande alegria. No entanto, todos os espiões,
O povo correu ao encontro dos com exceção de dois deles, descre-
mensageiros que tinham escapado veram com exagero os perigos en-
a salvo dos perigos de sua arriscada contrados na terra, transmitindo
* Este capítulo é baseado em Número 13 e 14.
Doze Espiões em Canaã 257

ao povo os sentimentos de incre- o que os outros disseram; os muros


dulidade que tinham no coração, eram altos e os cananeus muito
cheios de desânimo plantado por fortes. Apenas fez o povo lembrar
Satanás. A descrença desses espiões que Deus havia prometido a terra
lançou uma sombra escura sobre a Israel. “Subamos e tomemos posse
o povo. O extraordinário poder de da terra”, insistiu Calebe. “É certo
Deus, tantas vezes demonstrado que venceremos!” (Nm 13:30).
em favor da nação escolhida, foi Os dez o interromperam e co-
esquecido. O povo não parou para meçaram a descrever os obstáculos.
pensar na forma maravilhosa que o “Não podemos atacar aquele povo”,
Senhor havia usado para libertá-los disseram, “é mais forte do que
de seus opressores, como Ele abrira nós. […] Todos os que vimos são de
o caminho através do mar e des- grande estatura. […] Parecíamos ga-
truíra os exércitos inimigos de fanhotos” (Nm 13:31-33).
Faraó que os perseguiam. Deixaram
Deus fora da questão como se ti- Revolta e Motim Declarado
vessem que depender somente do Ao escolherem o caminho er-
poder humano. rado, esses homens se opuseram
Em sua descrença, eles repe- com muita teimosia não apenas a
tiram o erro já cometido antes, Calebe e Josué, mas a Moisés e ao
quando murmuraram contra Moi- próprio Deus. Eles distorceram a
sés e Arão. “É esse, então, o fim de verdade para manter sua má in-
todas as nossas grandes esperan- fluência. É uma terra que “devora
ças?”, diziam eles. Acusaram seus os que nela vivem”, disseram. Essa
líderes de enganar o povo e trazer informação não era apenas nega-
grande angústia sobre Israel. tiva, mas mentirosa. Os espiões
Lamentos de agonia se ergue- disseram que o país era frutífero e
ram em meio às vozes do povo que que o povo era de grande estatura, o
murmurava confuso. Mantendo-se que seria impossível se o clima fosse
em defesa da palavra de Deus com realmente tão ruim que “devorava
coragem, Calebe fez tudo o que es- os moradores”.
tava ao seu alcance para desfazer a Revolta e motim declarado
má influência de seus companhei- foram o resultado imediato. O
ros infiéis. Ele não disse nada contra povo parecia ter perdido a razão.
258 Os Escolhidos
Amaldiçoaram Moisés e Arão, es- fossem pão. A proteção deles se foi,
quecendo-se de que o Anjo da pre- mas o Senhor está conosco. Não te-
sença de Deus, encoberto pela nham medo deles!” (Nm 14:7-9).
coluna de nuvem, estava testemu- Pela aliança com Deus, a terra
nhando toda aquela demonstra- estava garantida a Israel. O relató-
ção terrível de ira. Não demorou rio falso dado pelos espiões infiéis
muito e os sentimentos se volta- foi aceito. Todo o povo foi enganado.
ram contra Deus: “‘Por que o Senhor Os traidores tinham feito a sua
está nos trazendo para esta terra? obra. Se fossem apenas os dois ho-
Só para nos deixar cair à espada? mens que trouxessem as más notí-
Nossas mulheres e nossos filhos cias, e os outros dez os animassem a
serão tomados como despojo de possuir a terra em nome do Senhor,
guerra.’ [...] E disseram uns aos ou- o povo teria aceitado o conselho dos
tros: ‘Escolheremos um chefe e vol- dois e não dos outros dez, por causa
taremos para o Egito’” (Nm 14:3, 4). de sua perversa incredulidade.
Assim eles estavam acusando não Em sua rebelião, o povo quis ape-
somente Moisés, mas o próprio drejar Calebe e Josué. Perderam a
Deus de os enganar, prometendo razão e se lançaram contra eles com
uma terra que não conseguiriam gritos enlouquecidos, quando, de
conquistar. repente, as pedras caíram de suas
Calebe e Josué tentaram acal- mãos e eles começaram a tremer
mar o tumulto. Correram para o de medo. Deus interveio. A glória
meio do povo, e suas vozes pene- de Sua presença, como uma luz fla-
trantes foram ouvidas acima da mejante, iluminou o tabernáculo.
tempestade de reclamações cheias Ninguém ousou prosseguir. Os es-
de revolta: “A terra que percorremos piões que trouxeram as más notí-
em missão de reconhecimento é ex- cias se agacharam cheios de terror
celente. Se o Senhor Se agradar de e correram para suas tendas.
nós, Ele nos fará entrar nessa terra, Moisés se levantou e entrou no
onde manam leite e mel com far- tabernáculo. Então o Senhor decla-
tura, e a dará a nós. Somente não rou a ele: “Eu os ferirei com praga
sejam rebeldes contra o Senhor. E e os destruirei, mas farei de você
não tenham medo do povo da terra, uma nação maior e mais forte do
pois nós os devoraremos como se que eles” (Nm 14:12). Mais uma
Doze Espiões em Canaã 259

vez, Moisés suplicou em favor de vocês rejeitaram” (Nm 14:28, 29, 31).
seu povo: “Mas agora, que a força E quanto a Calebe, Ele declarou:
do Senhor se manifeste, segundo “Mas, como o Meu servo Calebe tem
prometeste: ‘O Senhor é muito pa- outro espírito e Me segue com inte-
ciente e grande em fidelidade.’ […] gridade, Eu o farei entrar na terra
Segundo a Tua grande fidelidade, que foi observar, e seus descenden-
perdoa a iniquidade deste povo, tes a herdarão” (Nm 14:24). Assim
como a este povo tens perdoado como os espiões passaram qua-
desde que saíram do Egito até agora” renta dias em sua jornada de reco-
(Nm 14:17-19). nhecimento naquela terra, o povo
O Senhor prometeu poupar de Israel vaguearia pelo deserto du-
Israel da destruição imediata; mas, rante quarenta anos.
por causa de sua incredulidade e
covardia, Ele não poderia exercer Falso Arrependimento
Seu poder para vencer os inimigos. Quando Moisés transmitiu ao
Portanto, em Sua misericórdia, or- povo a decisão divina, eles soube-
denou que voltassem para o Mar ram que sua punição era justa. Os
Vermelho. dez espiões infiéis, feridos pela praga
Em sua rebelião, o povo tinha enviada por Deus, morreram diante
exclamado: “Quem dera tivésse- dos olhos de todo o Israel e, diante
mos morrido no Egito! Ou neste do que aconteceu a eles, o povo en-
deserto!” (Nm 14:2). Agora a sua ora- tendeu qual seria a sua condenação.
ção seria atendida. “Diga-lhes: Juro Pareciam então que tinham se
pelo Meu nome, declara o Senhor, arrependido com sinceridade, mas
que farei a vocês tudo o que pedi- eles estavam mais tristes pelo re-
ram: Cairão neste deserto os cadá- sultado de sua má conduta do que
veres de todos vocês, de vinte anos pelo sentimento de ingratidão e
para cima, que foram contados no desobediência que demonstra-
recenseamento e que se queixa- ram. Quando viram que o Senhor
ram contra Mim. […] Mas, quanto não mudou a sentença que tinha
aos seus filhos, sobre os quais vocês dado, seu espírito rebelde se reve-
disseram que seriam tomados como lou novamente e disseram que não
despojo de guerra, Eu os farei en- voltariam mais para o deserto. Ao
trar para desfrutarem a terra que ordenar que voltassem, Deus estava
260 Os Escolhidos
testando sua aparente submissão tudo o que o Senhor, o nosso Deus,
e provou que ela não era real. Seu ordenou” (Dt 1:41). Ficaram terri-
coração não estava mudado, e eles velmente cegados por causa de sua
precisavam apenas de um pretexto transgressão. O Senhor nunca or-
para darem início a outra rebelião denou que “subissem e lutassem”.
semelhante. Se tivessem ficado sin- Não era Seu propósito que tomas-
ceramente tristes pelo pecado no sem posse da Terra Prometida pela
momento em que ele lhes foi apon- guerra, mas pela obediência estrita
tado, a sentença não teria sido pro- às Suas ordens.
nunciada; mas eles ficaram tristes “Pecamos”, disseram eles, reco-
apenas pelo castigo que receberam. nhecendo que a falta estava neles,
Sua tristeza não era uma demons- e não em Deus, a quem acusaram
tração de arrependimento sincero e com crueldade de ter deixado de
não podia liberá-los do castigo. cumprir Suas promessas. Embora
O povo passou aquela noite se la- essa confissão não significasse um
mentando; no entanto, pela manhã verdadeiro arrependimento, serviu
resolveu se redimir de sua covardia. para confirmar a justiça de Deus.
Quando Deus ordenou que se levan- O Senhor ainda age de modo se-
tassem e conquistassem a terra, eles melhante para que Seu nome seja
se recusaram; e agora, ao mandar glorificado, ao levar as pessoas a re-
que se retirassem daquele lugar, conhecerem Sua justiça. Deus usa
continuaram sendo rebeldes. a oposição e os obstáculos para re-
Deus havia lhes dado o privilé- velar as obras das trevas. Mesmo
gio e o dever de entrar na terra de que aqueles que instigam o mal não
Canaã no tempo por Ele indicado; estejam totalmente mudados, as
porém, devido à sua desobediên- confissões são feitas para vindicar
cia, essa permissão tinha sido ne- a honra do nome de Deus e justifi-
gada. Diante da proibição divina, car os fiéis que reprovam tais ações,
Satanás os instigou a fazer a mesma que sofrem oposição e são calunia-
coisa que haviam se recusado dos. Assim acontecerá quando a ira
quando Deus ordenou, levando-os de Deus for derramada no fim dos
a se rebelarem pela segunda vez. tempos. Cada pecador será levado
“Pecamos contra o Senhor. Nós a ver e reconhecer que sua conde-
subiremos e lutaremos, conforme nação é justa.
Doze Espiões em Canaã 261

A Rebelião Piora a Situação desfiladeiros perigosos e subidas ín-


Desprezando a sentença divina, gremes. O número imenso de he-
os israelitas se prepararam para breus apenas tornou a derrota mais
conquistar Canaã. Achavam-se pre- terrível. Grandes rochas vinham ro-
parados para a luta. Contrariando lando com um barulho estrondoso,
a ordem de Deus e a solene proibi- deixando em seu caminho um ras-
ção de seus líderes, eles saíram para tro de sangue dos mortos. Aqueles
enfrentar os exércitos do inimigo. que conseguiram chegar ao topo
Moisés correu até eles para dar do monte, exaustos com a escalada,
a advertência: “Por que vocês estão foram expulsos com grandes per-
desobedecendo à ordem do Senhor? das. O exército de Israel foi comple-
Isso não terá sucesso! Não subam, tamente derrotado.
porque o Senhor não está com Os inimigos de Israel, que espe-
vocês. Vocês serão derrotados pelos ravam com temor a aproximação do
inimigos” (Nm 14:41, 42). poderoso exército, encheram-se de
Os cananeus ouviram falar do confiança para enfrentá-los. Tudo
poder misterioso que parecia estar o que ouviram a respeito das coisas
guardando esse povo e convocaram maravilhosas que Deus fizera em
um exército poderoso para expul- favor de Seu povo passaram a con-
sar os invasores. O exército atacante siderar como falsas. Para eles, não
não tinha líder. Nenhuma oração foi havia mais razão para temerem.
feita para que Deus lhes desse a vi- Essa primeira derrota de Israel en-
tória. Mesmo não sendo capacita- cheu os cananeus de coragem e de-
dos para a guerra, esperavam acabar terminação e tornou a conquista da
com os inimigos com um ataque sur- terra muito mais difícil.
presa. Presunçosamente desafiaram Israel não teve escolha, a não
o inimigo que não ousou atacá-los. ser recuar e fugir de seus adversá-
Os cananeus se reuniram em rios vitoriosos, e ir para o deserto
um planalto rochoso, onde se po- sabendo que uma geração inteira
deria chegar apenas por meio de morreria ali.
35
*
Corá Lidera uma Rebelião
O s juízos que caíram sobre
os israelitas acalmaram as
murmurações e a revolta por algum
ambiciosos e combinaram dividir
as honras do sacerdócio com Corá.
O sentimento que havia entre o
tempo, mas o espírito de rebelião povo favorecia os objetivos de Corá.
ainda estava no coração do povo. Na amargura de sua frustração, as
Armaram então uma conspiração dúvidas, a inveja e o ódio que sen-
planejada com cuidado para tirar tiam antes voltaram, e eles começa-
a autoridade dos líderes indicados ram a criticar o paciente líder mais
pelo próprio Deus. uma vez. Esqueceram-se de que es-
Corá, o líder desse movimento, tavam sob a direção divina, de que
primo de Moisés, era um homem de a presença de Cristo ia adiante deles
habilidade e influência. Ficou des- e que Moisés recebia dEle todas as
contente com seu cargo e desejava instruções.
exercer a função digna de sacerdote. Não querendo aceitar a sentença
Por algum tempo, Corá se opôs à au- de morrerem no deserto, passaram
toridade de Moisés e Arão em se- a acreditar que não era Deus, e sim
gredo, pois não ousava se rebelar Moisés que havia pronunciado esse
abertamente. Então ele desenvol- castigo. Embora os sinais do desa-
veu um plano audacioso para der- grado de Deus para com a rebelião
rubar tanto a autoridade civil como anterior fossem recentes, a lição não
a religiosa. Datã e Abirão, dois prín- foi levada a sério.
cipes, aderiram aos seus planos Aquele que lê os segredos do
* Este capítulo é baseado em Número 16 e 17.
Corá Lidera uma Rebelião 263

coração, deu ao Seu povo o aviso e si mesmos e uns aos outros pen-
as instruções necessárias para que sando que Moisés e Arão tinham,
não fosse enganado por esses ho- por eles mesmos, assumido os car-
mens mal-intencionados. Os israe- gos que ocupavam, que esses dois
litas viram os juízos de Deus caírem líderes tinham se exaltado ao as-
sobre Miriã por causa de sua inveja e sumirem o sacerdócio e o governo.
queixas contra Moisés. O Senhor de- Diziam que eles não eram mais san-
clarou: “Com ele falo face a face. […] tos que o povo e que isso seria o sufi-
Por que não temeram criticar meu ciente para estarem no mesmo nível
servo Moisés?” (Nm 12:8). Essas ins- de seus irmãos que também eram
truções não foram dadas a Arão e favorecidos com a presença e pro-
Miriã somente, mas a todo Israel. teção de Deus.
Corá e seus companheiros que
participavam da conspiração esti- O Método de Corá:
veram entre aqueles que subiram ao Elogiar o Povo
monte com Moisés e viram a glória Corá e seus companheiros ape-
divina. Mas abrigaram em seu co- laram para o apoio da congregação.
ração uma tentação leve, a princí- Declararam ser um erro dizer que
pio, até que sua mente passou a ser as queixas do povo tinham trazido
controlada por Satanás. De início, a ira de Deus sobre eles. Diziam que
falavam em segredo uns com os ou- o povo não tinha cometido nenhum
tros sobre o seu descontentamento, erro, pois desejavam apenas fazer
e depois com os dirigentes de Israel. valer os seus direitos. Afirmavam
Por fim, acabaram realmente acre- que Moisés era um governador au-
ditando que estavam agindo moti- toritário, que considerava o povo
vados por seu zelo para com Deus. pecador, sendo que eles eram um
Conseguiram convencer du- povo santo.
zentos e cinquenta príncipes. Com Aqueles que deram ouvidos
o apoio desses homens influentes, a Corá passaram a acreditar que
eles se sentiram confiantes de que suas dificuldades teriam sido evi-
poderiam melhorar muito a admi- tadas se Moisés tivesse agido de
nistração de Moisés e Arão. maneira diferente. Concluíram que
O ciúme deu lugar à inveja, e tinham sido expulsos de Canaã em
a inveja à rebelião. Enganaram a consequência da má administração
264 Os Escolhidos
de Moisés e de Arão. Se Corá fosse Senhor está no meio deles. Então,
o seu líder e os animasse, estimu- por que vocês se colocam acima da
lando suas boas ações sem ficar assembleia do Senhor?” (Nm 16:3).
apontando seus pecados, eles te- Moisés não tinha suspeitado
riam uma jornada bem melhor. Em dessa trama planejada cuidado-
vez de ficarem vagueando pelo de- samente “e, quando ouviu isso,
serto, teriam seguido para a Terra prostrou-se com o rosto em terra”
Prometida. (Nm 16:4), apresentando a Deus
O sucesso de Corá ao falar com uma súplica silenciosa. Levantou-se
o povo aumentou a sua confiança. depois calmo e forte. Tinha acabado
Afirmava que Deus o havia autori- de receber a orientação divina. “Pela
zado a fazer uma mudança no go- manhã o Senhor mostrará quem
verno antes que fosse tarde demais. Lhe pertence e fará aproximar-se
dEle aquele que é santo, o homem
Acusação Injusta a quem Ele escolher” (Nm 16:5).
Muitos não aceitaram as acusa- Aqueles que pretendiam ser sacer-
ções de Corá contra Moisés. Lem- dotes deveriam vir cada um com
bravam-se de como esse líder seu incensário e oferecer incenso no
trabalhava de forma paciente e ab- tabernáculo. Até mesmo os sacerdo-
negada por todos, e a consciência os tes Nadabe e Abiú tinham sido des-
perturbava. Assim, Corá viu que era truídos por ousarem oferecer “fogo
necessário encontrar alguma ati- estranho”, desrespeitando a ordem
tude egoísta da parte do líder. Fez divina. Entretanto, Moisés desafiou
novamente a antiga acusação de que seus acusadores a levar a questão
ele os havia levado até ali para mor- perante Deus, caso desejassem se
rerem no deserto a fim de ficar com arriscar a seguir em frente com isso.
todos os seus bens. Em uma conversa particular com
Assim que o movimento ganhou Corá e seus companheiros levitas,
força suficiente para garantir uma Moisés disse: “Não lhes é suficiente
luta aberta, Corá acusou Moisés e que o Deus de Israel os tenha sepa-
Arão publicamente de roubarem a rado do restante da comunidade de
autoridade. “Basta!”, disseram os Israel e os tenha trazido para junto
conspiradores. “A assembleia toda de Si a fim de realizarem o traba-
é santa, cada um deles é santo, e o lho do tabernáculo do Senhor [...]?
Corá Lidera uma Rebelião 265

Ele trouxe você e todos os seus ir- Apelou solenemente a Deus, na pre-
mãos levitas para junto dEle, e agora sença da congregação, e implorou
vocês querem também o sacerdó- que Ele fosse o seu juiz.
cio? É contra o Senhor que você e
todos os seus seguidores se ajunta- A Grande Prova
ram! Quem é Arão para que se quei- No dia seguinte, os duzentos e
xem contra ele?” (Nm 16:9-11). cinquenta príncipes, liderados por
Datã e Abirão não tinham assu- Corá, apresentaram-se com seus in-
mido uma atitude tão ousada como censários, enquanto o povo estava
Corá, e Moisés os chamou para reunido do lado de fora, aguar-
comparecerem diante dele, a fim dando o resultado. Não foi Moisés
de ouvir as acusações que tinham que os reuniu para ver a derrota de
contra ele. Cheios de arrogância, re- Corá e seu grupo. Os rebeldes, em
cusaram-se a reconhecer sua autori- sua presunção cega, convocaram o
dade: “Não lhe basta nos ter tirado povo para testemunhar sua vitória.
de uma terra onde manam leite e Grande parte da congregação se po-
mel para matar-nos no deserto? sicionou ao lado de Corá.
E ainda quer se fazer chefe sobre Corá se retirou da assembleia
nós? Além disso, você não nos levou para se reunir com Datã e Abirão,
a uma terra onde manam leite e mel, quando Moisés, acompanhado dos
nem nos deu uma herança de cam- setenta anciãos, desceu com um úl-
pos e vinhas. Você pensa que pode timo aviso aos homens que tinham
cegar os olhos destes homens? Nós se recusado a ir até ele. Sob a dire-
não iremos!” (Nm 16:13, 14). ção de Deus, Moisés disse ao povo:
Assim, eles declararam que “Afastem-se das tendas desses ím-
não mais se submeteriam a ser pios! Não toquem em nada do que
guiados como homens cegos, ora pertence a eles, senão vocês serão
para Canaã, ora para o deserto, de eliminados por causa dos pecados
acordo com os ambiciosos planos deles” (Nm 16:26). O povo obedeceu,
de Moisés. Eles o retrataram como pois o sentimento de aproximação
o pior tirano e usurpador de todos. de um juízo repousava sobre todos.
Também o responsabilizaram por Os chefes dos rebeldes se viram aban-
sua expulsão de Canaã. donados por aqueles que tinham en-
Moisés não procurou se defender. ganado, mas permaneceram cada
266 Os Escolhidos
qual com sua família à porta de suas A congregação inteira teve sua
tendas, em desafio à ordem divina. culpa, pois, em maior ou menor
Moisés então declarou para que grau, todos demonstraram alguma
toda a congregação ouvisse: “Assim simpatia para com eles. Aqueles que
vocês saberão que o Senhor me en- se permitiram ser enganados ainda
viou para fazer todas essas coisas e tiveram tempo de se arrepender.
que isso não partiu de mim. Se estes Jesus, o Anjo que ia adiante dos
homens tiverem morte natural, […] hebreus, estava procurando salvá-los
então o Senhor não me enviou. Mas, da destruição. Os juízos de Deus
se o Senhor fizer acontecer algo to- tinham vindo muito perto, como
talmente novo, e a terra abrir a sua um apelo para se arrependerem.
boca e os engolir, junto com tudo o Se aceitassem a liderança divina po-
que é deles, e eles descerem vivos ao deriam ser salvos. Contudo, sua re-
Sheol [sepultura], então vocês sabe- belião não foi curada. Naquela noite,
rão que estes homens desprezaram eles voltaram aterrorizados para
o Senhor” (Nm 16:28-30). suas tendas, mas não arrependidos.
Assim que ele acabou de falar, a Tinham sido elogiados por Corá
terra se abriu e os rebeldes caíram até acreditarem que eram um povo
vivos no abismo, com tudo o que pos- muito bom, injustiçado e maltra-
suíam, e “pereceram, desaparecendo tado por Moisés. Alimentaram a
do meio da assembleia” (Nm 16:33). esperança de que uma nova ordem
O povo fugiu, condenando-se como de coisas estivesse para ser estabe-
participantes do pecado. lecida, na qual a reprovação seria
Os juízos ainda não tinham ter- substituída pelo elogio, e a ansie-
minado. Desceu fogo da nuvem e dade e o conflito pela comodidade.
consumiu os duzentos e cinquenta Os homens que morreram tinham
príncipes que tinham oferecido in- proferido palavras agradáveis e de-
censo. Esses homens não foram monstrado grande interesse e amor
destruídos com os líderes dos cons- por eles, e o povo concluiu que, de
piradores. Foi permitido que vissem alguma forma, Moisés tinha sido a
o seu fim e tivessem a oportunidade causa da destruição deles.
de se arrepender. Como eles concor- Os israelitas se propuseram
davam com os rebeldes, acabaram a matar Moisés e Arão. Aquela
partilhando de sua condenação. noite de prova não foi passada em
Corá Lidera uma Rebelião 267

arrependimento e confissão, mas mortos e os vivos, e a praga cessou”


em encontrar um meio para rejei- (Nm 16:47, 48), mas não até que ca-
tar as evidências de que eram os torze mil e setecentas pessoas fos-
maiores pecadores. Eles ainda ali- sem mortas.
mentavam ódio contra os homens O povo então não teve outra saída
designados por Deus e se uniram a não ser crer na indesejável verdade
para resistir à autoridade deles. de que deveria morrer no deserto.
“No dia seguinte, toda a comu- “Nós morreremos!”, exclamaram eles.
nidade de Israel começou a queixar- “Estamos perdidos, estamos todos
se contra Moisés e Arão, dizendo: perdidos!” (Nm 17:12). Eles confessa-
‘Vocês mataram o povo do Senhor’” ram que tinham pecado, rebelando-
(Nm 16:41). E estavam a ponto de se contra seus líderes, e que Corá e
agir violentamente contra seus fiéis seus companheiros tiveram uma pu-
e abnegados líderes. nição justa da parte de Deus.
Não existem ainda hoje os mes-
O Amor de Moisés por Israel mos males que originaram a ruína
A glória divina apareceu na de Corá? O orgulho e a ambição
nuvem sobre o tabernáculo, e uma estão espalhados por toda a parte,
voz falou a Moisés: “Saia do meio abrindo as portas para a inveja e luta
dessa comunidade para que Eu acabe pelo poder. As pessoas estão longe
com eles imediatamente” (Nm 16:45). de Deus e sendo arrastadas para
Nessa terrível crise, Moisés se as fileiras de Satanás sem perceber.
demorou, demonstrando o inte- Assim como Corá e seus companhei-
resse de um verdadeiro pastor pelo ros, muitos pensam, planejam e tra-
rebanho ao seu cuidado. Suplicou balham tão desesperadamente para
que Deus não destruísse o povo que se engrandecer e conquistar a sim-
Ele mesmo havia escolhido. patia de outros, que estão prontos
Entretanto, o responsável por a deturpar a verdade, caluniando e
executar o juízo já tinha saído; a traindo os servos do Senhor. Ao re-
praga estava fazendo sua obra de petirem seus atos de falsidade, aca-
morte. Por orientação de seu irmão, bam acreditando que tudo é verdade.
Arão pegou um incensário, foi para Os hebreus não estavam dispos-
o meio da congregação e “fez expia- tos a se submeter às orientações e
ção por eles. Arão se pôs entre os restrições do Senhor. Não aceitavam
268 Os Escolhidos
ser corrigidos e reprovados. Esse era foram suficientes para convencê-los;
o segredo de suas murmurações con- atribuíam todas elas a fontes hu-
tra Moisés. Ao longo de toda a histó- manas ou satânicas. O povo fez o
ria da igreja, os servos de Deus têm mesmo. Embora estivessem diante
enfrentado o mesmo espírito. da mais convincente prova do de-
A rejeição da luz obscurece a sagrado de Deus, atribuíam Seus
mente e endurece o coração, tor- juízos a Satanás, afirmando que
nando mais fácil dar o próximo Moisés e Arão causaram a morte de
passo no pecado e rejeitar uma luz homens bons e santos. Cometeram
ainda mais clara, até que os hábitos o pecado contra o Espírito Santo.
errados acabam se firmando. Aquele “Todo aquele que disser uma pala-
que prega a Palavra de Deus e con- vra contra o Filho do homem”, disse
dena o pecado, muitas vezes é visto Cristo, “será perdoado; mas quem
com ódio por outras pessoas. Para falar contra o Espírito Santo não
acalmar a consciência com menti- será perdoado” (Mt 12:32). É por
ras, os que alimentam o ciúme, que meio do Espírito Santo que Deus
se sentem ofendidos, semeiam a dis- Se comunica conosco, e aqueles que
córdia na igreja e enfraquecem as rejeitam essa ação como sendo de
mãos daqueles que trabalham para origem satânica, cortam o canal de
o seu crescimento. comunicação entre eles e o Céu.
Os invejosos e os críticos pro- Se rejeitamos a obra do Espírito,
curam deturpar cada avanço feito não há mais o que Deus possa fazer
por aqueles a quem Deus chamou por nós. Ficamos desligados de Deus
para liderar Sua obra. Foi assim no e o pecado não tem remédio para
tempo de Lutero, dos irmãos Wesley curar a si mesmo. “Deixem-no só!”
e de outros reformadores. Assim é (Os 4:17), é a ordem divina. Então,
hoje também. “já não resta sacrifício pelos peca-
Corá e seus companheiros rejei- dos, mas tão somente uma terrível
taram a luz até que se tornaram tão expectativa de juízo e de fogo in-
cegos que as mais surpreendentes tenso que consumirá os inimigos
manifestações do poder divino não de Deus” (Hb 10:26, 27).
36
Quarenta Anos no Deserto
P or quase quarenta anos
o povo de Israel esteve
longe de tudo e de todos no imenso
em sua jornada por este grande de-
serto. Nestes quarenta anos o Se-
nhor, o seu Deus, tem estado com
e distante deserto. Na rebelião de vocês, e não lhes tem faltado coisa
Cades, eles rejeitaram a Deus, e du- alguma” (Dt 2:7). Deus cuidou de
rante aquele tempo Deus os rejeitou. Israel mesmo durante todos esses
Como tinham provado ser infiéis à anos em que foram obrigados a
Sua aliança, não deveriam receber o viver na solidão do deserto: “Deste
sinal dessa aliança, o rito da circun- o Teu bom Espírito para instruí-los.
cisão. O desejo de voltarem à terra do […] No deserto, […] as roupas deles
cativeiro mostrou que eram indignos não se gastaram nem os seus pés fi-
da liberdade; e a Páscoa, criada para caram inchados” (Ne 9:20, 21).
comemorar a libertação do cativeiro O deserto serviu como um ins-
não deveria ser celebrada. trumento para educar a geração
No entanto, o serviço do ta- que crescia, enquanto se preparava
bernáculo continuou sendo reali- para entrar na Terra Prometida.
zado, como uma prova de que Deus Moisés disse a eles: “Assim como
não havia abandonado Seu povo um homem disciplina o seu filho, da
por completo. Pelo cuidado divino, mesma forma o Senhor, o seu Deus,
suas necessidades ainda eram su- os disciplina”, “para humilhá-los e
pridas. “Pois o Senhor, o seu Deus, pô-los à prova, a fim de conhecer
os tem abençoado em tudo o que suas intenções, se iriam obedecer aos
vocês têm feito. Ele cuidou de vocês Seus mandamentos ou não. Assim,
270 Os Escolhidos
Ele […] os deixou passar fome. Mas até que fosse conhecida a vontade de
depois os sustentou com maná, que Deus. O próprio Deus pronunciou a
nem vocês nem os seus antepassa- sentença. Por determinação divina,
dos conheciam, para mostrar-lhes o homem que blasfemou foi condu-
que nem só de pão viverá o homem, zido para fora do acampamento e
mas de toda palavra que procede da apedrejado. Aqueles que foram tes-
boca do Senhor” (Dt 8:5, 2, 3). temunhas do seu pecado colocaram
“Em toda a aflição do Seu povo as mãos sobre a cabeça dele, testi-
Ele também Se afligiu, e o Anjo da ficando dessa maneira, a verdade
Sua presença os salvou. Em Seu da acusação contra ele. Então eles
amor e em Sua misericórdia Ele os atiraram as primeiras pedras, e o
resgatou; foi Ele que sempre os le- povo que estava por perto se uniu
vantou e os conduziu nos dias pas- a eles na execução da sentença.
sados” (Is 63:9). [Ver Lv 24:14; Dt 17:7.]
A revolta de Corá resultou na
morte de catorze mil pessoas de Punição aos Transgressores
Israel. Casos isolados de rebelião re- Se o pecado desse homem ti-
velaram o mesmo espírito de desres- vesse ficado sem punição, outros
peito para com a autoridade divina. seriam influenciados a praticá-lo e,
Numa ocasião, um daqueles que como resultado, muitas vidas aca-
pertenciam à “mistura de gente” bariam sendo sacrificadas.
que subiu do Egito com Israel saiu As pessoas que subiram do Egito
da área destinada aos estrangeiros com os israelitas diziam adorar o
no acampamento e entrou na área verdadeiro Deus, que tinham re-
dos israelitas, declarando ter di- nunciado à idolatria, mas assim
reito de armar sua tenda ali. Surgiu mesmo estavam de certa forma
uma discussão entre ele e um israe- corrompidos pela idolatria e irreve-
lita, e o caso foi levado aos juízes, rência. Eles espalhavam pelo acam-
que decidiram contra o estrangeiro. pamento suas práticas idólatras e
Enfurecido com essa decisão, reclamações contra Deus.
ele amaldiçoou o juiz e blasfemou Não muito tempo depois, um
contra o nome de Deus. Foi levado à deles transgrediu o sábado. O anún-
presença de Moisés imediatamente. cio de que o Senhor deserdaria
O homem foi colocado sob guarda Israel tinha despertado o espírito
Quarenta Anos no Deserto 271

de rebelião. Alguém do povo, irado mandamento. A blasfêmia recebia a


por ser excluído de Canaã e decidido mesma punição que a transgressão
a mostrar seu desafio à lei de Deus, do sábado. Embora Deus não casti-
ousou transgredir o quarto man- gue mais a transgressão de Sua lei
damento, saindo para pegar lenha por meio de punições terrenas, no
no sábado. Durante o tempo em juízo final, a morte será o destino
que passaram no deserto, foi estri- daqueles que violam os Seus sagra-
tamente proibido fazer fogo no sé- dos mandamentos.
timo dia. A proibição não deveria Ao longo dos quarenta anos no
continuar na terra de Canaã, mas deserto, o povo era lembrado da
no deserto não era necessário usar guarda do sábado, cada semana,
o fogo para aquecer. Isso represen- pelo milagre do maná. Deus usou o
tava uma transgressão deliberada profeta para declarar: “Profanaram
e voluntária do quarto manda- os Meus sábados” (Ez 20:13-24).
mento – não por ignorância, mas Isso está registrado entre as razões
por presunção. pelas quais a primeira geração foi
Moisés levou o caso perante o excluída da Terra Prometida.
Senhor e foi dada esta orientação: Quando terminou o período
“O homem terá que ser executado. de peregrinação, “a comunidade de
Toda a comunidade o apedrejará Israel chegou ao deserto de Zim
fora do acampamento” (Nm 15:35). e ficou em Cades” (Nm 20:1). Ali,
Os pecados de blasfêmia e de Miriã morreu e foi sepultada. A tra-
transgressão voluntária do sábado jetória desde a cena de alegria nas
recebiam a mesma punição, pois re- praias do Mar Vermelho até a se-
velavam uma atitude de desprezo pultura no deserto, que colocou um
para com a autoridade de Deus. fim à longa vida de peregrinação de
Muitos rejeitam o sábado de- Miriã, representa também a histó-
clarando que ele não passa de uma ria de vida de milhões que saíram
instituição judaica e insistem que, do Egito com grandes esperanças.
se ele tivesse que ser observado, a O pecado tirou a taça de bênçãos de
pena de morte deveria ser usada seus lábios. Será que a próxima ge-
para punir a transgressão desse ração aprenderia a lição?
37
*
O Fracasso de Moisés
A corrente de águas vivas
que serviu para refres-
car Israel no deserto fluiu primeira-
Assim como águas vivificantes
fluíam da rocha ferida, também
Cristo, “castigado por Deus”, “tras-
mente da rocha que Moisés feriu em passado por causa das nossas trans-
Horebe. Em todas as suas peregri- gressões”, “esmagado por causa de
nações, onde quer que houvesse ne- nossas iniquidades” (Is 53:4, 5), a
cessidade, um milagre fazia a água torrente de salvação, flui em favor
jorrar ao lado do acampamento. de uma raça perdida. Da mesma
Era Cristo que proporcionava a forma que a rocha foi ferida uma
refrescante corrente de água para vez, “assim também Cristo foi ofe-
Israel. “E beberam da mesma bebida recido em sacrifício uma única vez,
espiritual; pois a bebiam da Rocha para tirar os pecados de muitos”
espiritual que os acompanhava, e (Hb 9:28). Nosso Salvador não deve-
essa Rocha era Cristo” (1Co 10:4). ria ser sacrificado uma segunda vez.
Ele era a fonte de todas as bênçãos Para aqueles que buscam as bênçãos
físicas e espirituais. “Não tiveram de Sua graça, é necessário somente
sede quando Ele os conduziu atra- pedi-las em nome de Jesus; então
vés dos desertos; Ele fez a água fluir fluirá novamente o sangue doador
da rocha para eles; fendeu a rocha da vida, simbolizado pela água viva
e a água jorrou” (Is 48:21). “E jor- que fluía para Israel.
rou água, que escorreu como um rio Pouco antes de os hebreus che-
pelo deserto” (Sl 105:41). garem a Cades, a corrente viva
* Este capítulo é baseado em Números 20:1-13.
O Fracasso de Moisés 273

que por tantos anos jorrou ao a oportunidade de andar um pouco


lado do acampamento secou. O mais pela fé, e não pela vista. Con-
Senhor iria prová-los para ver se tudo, a primeira prova revelou o
confiariam em Sua providência mesmo espírito demonstrado por
ou revelariam a mesma incredu- seus antepassados. Esqueceram-se
lidade de seus antepassados. da mão que por tantos anos havia
Eles já podiam avistar as colinas suprido suas necessidades. Em vez de
de Canaã; estavam a uma pequena se voltarem para Deus em busca de
distância de Edom, o caminho pelo auxílio, reclamavam em desespero:
qual deveriam ir a Canaã. Deus deu “Quem dera tivéssemos morrido
a direção a Moisés: “E diga ao povo: quando os nossos irmãos caíram
‘Vocês estão passando pelo territó- mortos perante o Senhor!” (Nm 20:3)
rio de seus irmãos, os descenden- – referiam-se à rebelião de Corá.
tes de Esaú. […] Eles terão medo de Moisés e Arão foram até a porta
vocês. […] Vocês lhes pagarão com do tabernáculo e se curvaram com
prata a comida que comerem e a o rosto em terra. Moisés então re-
água que beberem’” (Dt 2:4-6). cebeu a mensagem: “Pegue a vara, e
Essas orientações seriam sufi- com o seu irmão Arão reúna a co-
cientes para explicar por que foi cor- munidade e diante desta fale àquela
tado o seu suprimento de água; logo rocha, e ela verterá água. Vocês tira-
iriam passar por uma região bem re- rão água da rocha” (Nm 20:8).
gada e fértil, um caminho que os le- Os dois irmãos eram já idosos.
varia direto para a terra de Canaã. Havia muito tempo suportavam
O fato de a miraculosa corrente de a rebelião de Israel. Então Moisés
água secar deveria ter sido encarado perdeu a paciência. “Escutem, rebel-
como motivo de alegria, um sinal des”, ele exclamou, “será que teremos
de que a sua a peregrinação no de- que tirar água desta rocha para lhes
serto tinha terminado. Entretanto, dar?” (Nm 20:10). Em vez de falar à
o povo parecia ter perdido toda a es- rocha, como Deus lhe ordenou, ele a
perança de que Deus os levaria para feriu duas vezes com a vara.
Canaã e começaram a clamar pelas A água jorrou em abundância,
bênçãos do deserto. mas um grande erro foi cometido.
A água parou de correr antes de Moisés falou demonstrando grande
chegarem a Edom. Tinham então irritação: “Escutem, rebeldes”, disse
274 Os Escolhidos
ele. Essa acusação era verdadeira, do povo. Poderiam ter colocado a
mas a verdade não deve ser dita questão diante do povo de maneira
com ira e impaciência. Quando ele que conseguissem suportar a prova.
mesmo decidiu acusá-los, ofendeu Poderiam ter acalmado a murmura-
o Espírito de Deus. Estava evidente ção antes de pedir a Deus que agisse
a sua falta de domínio próprio. Isso no lugar deles. Quantos males te-
deu motivo para o povo questionar riam sido evitados!
se a sua conduta no passado tinha A rocha, um símbolo de Cristo,
sido dirigida por Deus. Encontraram tinha sido ferida uma vez, assim
agora a desculpa que procuravam como Cristo também deveria ser
para rejeitar as reprovações que oferecido uma vez. Moisés deveria
Deus tinha enviado por meio de somente falar à rocha, assim como
Seu servo. temos apenas que pedir as bênçãos
em nome de Jesus. Ao ferir a rocha
Falta de Confiança em Deus pela segunda vez, Moisés destruiu
Moisés demonstrou falta de o significado desse belo símbolo
confiança em Deus. Quando disse: de Cristo. Mais que isso, Moisés
“Será que temos que tirar água desta e Arão assumiram um poder que
rocha para lhes dar?”, perguntou pertence somente a Deus. Os líde-
como se o Senhor não fosse cum- res de Israel deveriam ter aprovei-
prir o que havia prometido. “Vocês tado a ocasião para impressionar o
não confiaram em Mim para hon- povo quanto à reverência para com
rar Minha santidade à vista dos is- Deus e lhes fortalecer a fé em Seu
raelitas” (Nm 10:12), disse o Senhor poder e em Sua bondade. Quando
aos dois irmãos. Quando faltou exclamaram irados: “Será que temos
água, sua fé na promessa de Deus que tirar água desta rocha para lhes
foi abalada pela rebelião do povo. dar?”, eles se colocaram no lugar de
A primeira geração foi condenada a Deus, como se todo o poder esti-
morrer no deserto por causa da sua vesse com eles. Moisés perdeu de
incredulidade. Será que essa geração vista o seu Auxiliador todo-pode-
também seria condenada? roso e, ao agir por si mesmo, sem
Cansados e desanimados, Moi- a força divina, manchou o registro
sés e Arão não fizeram esforço de sua vida com uma demonstra-
algum para se opor ao sentimento ção de fraqueza humana. O homem
O Fracasso de Moisés 275

que poderia ter permanecido firme a Deus, ele não poderia guiá-los
e abnegado até o fim de sua carreira à Terra Prometida. Pediu que refle-
foi vencido. tissem sobre a severa punição que
Dessa vez, Deus não pronunciou ele havia recebido e pensassem em
nenhum juízo sobre aqueles que como Deus considerava as murmu-
tanto provocaram Moisés e Arão; rações do povo, cada vez que um
toda a reprovação caiu sobre os líde- simples homem era acusado por eles
res. Moisés e Arão sentiram-se ofen- por causa dos juízos que recaíram
didos e perderam de vista o fato de sobre si mesmos devido aos pecados
que a murmuração do povo não que cometiam. Moisés contou aos is-
era contra eles, mas contra Deus. raelitas como havia suplicado a Deus
Ao olharem para si mesmos, caí- que voltasse atrás na sentença dada,
ram no pecado sem perceber e não mas seu pedido havia sido negado.
conseguiram levar as pessoas a ver Em todas as suas jornadas, ao
a grande ofensa que tinham come- se queixarem das dificuldades pelo
tido contra Deus. caminho, Moisés dizia a eles: “As
“O Senhor, porém, disse a Moisés suas murmurações não são contra
e a Arão: ‘Como vocês não confiaram nós, e sim contra o Senhor”. “Não
em Mim para honrar Minha santi- fui eu, mas sim Deus, que os liber-
dade à vista dos israelitas, vocês não tou.” Com as palavras precipita-
conduzirão esta comunidade para a das – “Será que teremos que tirar
terra que lhes dou’” (Nm 20:12). Eles água?” – Moisés praticamente ad-
morreriam antes de atravessar o mitiu as acusações feitas pelo povo.
Jordão. Eles não pecaram de forma Portanto, seu erro foi confirmá-los
voluntária ou premeditada; tinham em sua incredulidade e justificar
sido vencidos por uma tentação ines- suas murmurações. O Senhor ti-
perada, e o seu arrependimento foi raria para sempre essa impressão
imediato e sincero. O Senhor acei- de sua mente impedindo Moisés de
tou o seu arrependimento, mas, por entrar na Terra Prometida. Ali es-
causa do mal que seu pecado pode- tava a prova definitiva de que seu
ria causar entre o povo, Ele não po- líder não era Moisés, mas o pode-
deria remover a punição. roso Anjo de quem o Senhor disse:
Moisés então disse ao povo que, “Eis que envio um Anjo à frente de
por ter deixado de dar a glória devida vocês para protegê-los por todo o
276 Os Escolhidos
caminho e fazê-los chegar ao lugar com tão grande luz e conhecimento
que preparei. Prestem atenção e tornava o seu pecado ainda mais
ouçam o que Ele diz. […], pois nEle grave. A fidelidade do passado não
está o Meu nome” (Êx 23:20, 21). anula um ato errado sequer. Maior
luz e maiores privilégios recebidos
Deus não Age com somente tornam a falta menos des-
Parcialidade culpável e a punição mais severa.
“Todavia, por causa de vocês, O pecado de Moisés foi um pe-
o Senhor irou-Se contra mim” cado comum. O salmista diz que ele
(Dt 3:26), disse Moisés. Toda a con- “falou sem refletir” (Sl 106:33). De
gregação sabia da transgressão. Se acordo com o julgamento humano,
Deus a tivesse passado por alto, o pode parecer algo pequeno, mas se
povo teria pensado que a impaciên- Deus tratou com tanta severidade
cia de um líder, sob grande provo- esse pecado em Seu servo mais fiel
cação, poderia ser desculpada. e honrado, Ele não o desculpará em
Quando foi declarado que Moisés outros. O espírito de exaltação pró-
e Arão não poderiam entrar em pria e a tendência de culpar outros
Canaã por causa daquele único pe- desagrada a Deus. Quanto mais im-
cado, o povo entendeu que Deus não portante for a posição que a pessoa
age com parcialidade. ocupa, maior é a necessidade de cul-
Nos tempos futuros, todos deve- tivar a paciência e a humildade.
riam ver que o Deus do Céu é impar- Se aqueles que ocupam posições
cial, que jamais justifica o pecado. de responsabilidade tomam para si
A bondade e o amor de Deus O as honras devidas a Deus, Satanás
movem a lidar com o pecado como conquista uma vitória. Todo im-
um mal que é fatal à paz e felicidade pulso ligado à nossa natureza e
do Universo. toda tendência do coração neces-
Deus perdoou o povo por trans- sitam estar, momento a momento,
gressões maiores, mas não poderia sob a direção do Espírito de Deus.
proceder da mesma forma com o Portanto, quanto maior for a luz
pecado dos líderes e dos liderados. que recebemos, quanto mais des-
Moisés tinha sido honrado por Ele frutamos o favor divino, cada vez
acima de qualquer outra pessoa na mais humildemente devemos andar
Terra. O fato de ter sido abençoado diante do Senhor, suplicando com fé
O Fracasso de Moisés 277

que Ele dirija cada motivo, cada de- que sofremos, a transgressão é um
sejo que temos. ato nosso. Não está em nenhum
As responsabilidades colocadas poder da terra nem do inimigo e
sobre Moisés foram muito gran- seus anjos obrigar qualquer pessoa
des. Poucas pessoas serão tão pro- a praticar o mal. Por mais severa ou
vadas como ele foi. Mesmo assim, inesperada que seja a tentação, Deus
isso não desculpa o pecado dele. Não provê o auxílio, e nós podemos ven-
importa quão grande seja a pressão cer por Sua força.
38
*
Por que a Demora?
O acampamento de Israel
em Cades estava bem pró-
ximo das fronteiras de Edom, e
poderão passar por aqui; se tenta-
rem, nós os atacaremos com a es-
pada” (Nm 20:18).
tanto Moisés como o povo deseja- Os líderes de Israel enviaram um
vam muito seguir pelo caminho que segundo pedido para o rei, com uma
atravessava esse país para chegarem promessa: “Iremos pela estrada prin-
à Terra Prometida. Então enviaram cipal; se nós e os nossos rebanhos be-
uma mensagem ao rei edomita: bermos de tua água, pagaremos por
“Assim diz o teu irmão Israel: […] ela. Queremos apenas atravessar a
Agora estamos em Cades, cidade da pé, e nada mais” (Nm 20:19).
fronteira do teu território. Deixa- “Vocês não poderão atravessar”
nos atravessar a tua terra. Não pas- (Nm 20:20), foi a resposta. Bandos
saremos por nenhuma plantação ou armados de edomitas já estavam de
vinha, nem beberemos água de poço prontidão em pontos estratégicos, e
algum. Passaremos pela estrada do os hebreus estavam proibidos de re-
rei e não nos desviaremos nem para correr à força. Eles deveriam fazer
a direita nem para a esquerda, até a longa jornada ao redor da terra
que tenhamos atravessado o teu de Edom.
território” (Nm 20:14-17). Se o povo tivesse confiado em
A esse pedido feito com toda Deus, o Capitão do exército do
cortesia, o rei edomita enviou uma Senhor os teria guiado através de
resposta ameaçadora: “Vocês não Edom. Os habitantes da terra, em
* Este capítulo é baseado em Números 20:14-29; 21:1-9.
Por que a Demora? 279

vez de reagir com hostilidade, te- os moradores de Canaã, que tinham


riam atendido a esse pedido. Como enchido a medida de sua iniquidade;
os israelitas não agiram conforme mas os edomitas ainda poderiam
a ordem dada por Deus, perderam se arrepender e era necessário que
a grande oportunidade. Quando es- fossem tratados com misericórdia.
tavam prontos para fazer o pedido Deus manifesta compaixão antes de
ao rei, ele foi recusado. Por todo o decretar os juízos.
tempo, desde que saíram do Egito, Os israelitas foram proibidos
Satanás esteve sempre em ativi- até mesmo de se vingar da afronta
dade, lançando obstáculos em seu recebida quando lhes recusaram
caminho a fim de não herdarem permissão de passar por suas ter-
Canaã. Por sua incredulidade, abri- ras. Não deveriam esperar possuir
ram várias vezes a porta para dar qualquer parte da terra de Edom.
oportunidade a ele. Deus lhes prometeu uma grande
Quando Deus diz a Seus filhos herança, mas precisavam entender
para avançarem, Satanás os induz que eles não eram os únicos que ti-
a desagradar ao Senhor pela hesita- nham direitos na terra e excluir
ção e demora. Ele procura despertar todos os outros. Precisavam cuidar
o espírito de briga, murmuração ou para não fazer injustiça aos edomi-
incredulidade e assim privá-los das tas. Poderiam negociar com eles, pa-
bênçãos que Deus deseja conceder. gando por tudo o que recebessem.
Os servos de Deus devem estar sem- Como um estímulo para confia-
pre prontos. Qualquer demora de rem em Deus e obedecer à Sua pa-
sua parte é um tempo a mais para lavra, eram lembrados: “O Senhor,
Satanás agir e os derrotar. o seu Deus os tem abençoado […];
Os edomitas eram descenden- não lhes tem faltado coisa alguma”
tes de Abraão e Isaque. Por amor a (Dt 2:7). Seu Deus era rico em recur-
esses Seus dois servos, Deus lhes sos. Deveriam exemplificar o prin-
deu o Monte Seir por herança. Eles cípio: “Ame cada um o seu próximo
não deveriam ser perturbados, a como a si mesmo” (Lv 19:18).
menos que se colocassem além da Se tivessem passado por Edom
Sua misericórdia por causa dos como era o plano de Deus, a pas-
seus pecados. Os hebreus tinham o sagem teria se tornado uma bên-
dever de destruir completamente ção para os edomitas. Teriam se
280 Os Escolhidos
familiarizado com o povo de Deus cabeça branca. Sua vida longa e cheia
e Seu culto, e teriam visto como o de acontecimentos tinha sido mar-
Deus de Jacó fez prosperar aque- cada pelas mais sérias provações e
les que O amavam e O temiam. maiores honras jamais conferidas
A incredulidade de Israel impediu a qualquer homem. Todas as suas
que tudo isso acontecesse. Eles te- habilidades tinham sido desenvolvi-
riam que atravessar o deserto no- das, exaltadas e dignificadas pela co-
vamente e saciar sua sede na fonte municação com o Infinito. Seu rosto
miraculosa, da qual não mais ne- evidenciava grande capacidade inte-
cessitariam caso tivessem somente lectual, firmeza, fortes afeições e no-
confiado nEle. breza de propósitos.
Moisés e Arão passaram mui-
A Morte de Arão tos anos lutando contra inúmeros
Assim, todo o povo de Israel vol- perigos, mas chegara o tempo em
tou, seguindo em sua jornada por que deveriam se separar. Andavam
terras secas que pareciam muito bem devagar, pois cada momento
mais cansativas depois de terem que passavam na companhia um
contemplado à distância a paisa- do outro era precioso. A subida
gem verdejante das colinas e vales era íngreme e exaustiva e, ao para-
de Edom. Olhando da cordilheira rem frequentemente para descan-
para o sombrio deserto se eleva o sar, conversavam sobre o futuro.
Monte Hor, cujo topo deveria ser o O cenário de suas peregrinações
local da morte de Arão e de seu se- no deserto se estendia diante deles.
pultamento. Quando os israelitas Na planície abaixo estavam acam-
chegaram a essa montanha, Deus padas as vastas hostes de Israel, por
ordenou a Moisés: quem esses homens escolhidos ha-
“Leve Arão e seu filho Eleazar viam dedicado a melhor parte de
para o alto do Monte Hor. Tire as ves- sua vida e tinham feito grandes
tes de Arão e coloque-as em seu filho sacrifícios. Em algum lugar, além
Eleazar, pois Arão será reunido aos das montanhas de Edom, estava
seus antepassados” (Nm 20:25, 26). o caminho que conduzia à Terra
Juntos, esses dois homens já bem Prometida, a terra cujas bênçãos
idosos e o jovem subiram a monta- Moisés e Arão não iriam desfrutar.
nha. Moisés e Arão estavam com a Uma tristeza solene se estampava
Por que a Demora? 281

em seu rosto ao se lembrarem do comunicava ao povo a vontade de


que os havia impedido de entrar na Deus. Entrava no lugar santíssimo
terra prometida a seus pais. no dia da expiação, mas “nunca sem
O trabalho de Arão por Israel sangue” (Hb 9:7), como mediador de
estava concluído. Quarenta anos Israel. Foi a exaltada natureza da sa-
antes, com a idade de oitenta e grada função como representante
três anos, Deus o havia chamado de nosso grande Sumo Sacerdote
para se unir a Moisés em sua de- que tornou tão grande o pecado de
safiadora missão. Tinha susten- Arão em Cades.
tado as mãos do grande líder Com profunda tristeza, Moisés
quando os exércitos hebreus entra- removeu de Arão as santas vestes e
ram na batalha contra Amaleque. as colocou sobre Eleazar, seu sucessor,
Teve o privilégio de subir o Monte por determinação divina. Foi negado
Sinai e contemplar a glória divina. a Arão o privilégio de oficiar como
O Senhor o havia honrado com a sacerdote de Deus em Canaã por
santa consagração de sumo sacer- causa de seu pecado em Cades – de
dote e o mantivera na sagrada fun- oferecer o primeiro sacrifício naquela
ção pelas terríveis manifestações do bela terra. Moisés deveria continuar
juízo divino na destruição de Corá e guiando o povo até as fronteiras de
seus seguidores. Quando seus dois Canaã, mas não entraria ali. Se esses
filhos foram mortos por desrespei- servos de Deus tivessem suportado a
tarem a expressa ordem divina, ele prova, diante da rocha em Cades, sem
não se rebelou e nem mesmo se murmurar, quão diferente teria sido
queixou. No entanto, o registro de o seu futuro! Um ato errado jamais
sua vida tão nobre ficou manchado pode ser desfeito. Por vezes, o traba-
quando ele se rendeu aos clamores lho de uma vida inteira não é capaz
do povo e fez o bezerro de ouro no de recuperar o que se perdeu em um
Sinai e quando se uniu a Miriã ao simples momento de tentação ou de
criticar Moisés. Tanto ele quanto negligência.
Moisés ofenderam a Deus em Cades, Quando o povo olhou ao seu
desobedecendo à ordem de falar à redor, para a vasta congregação, viu
rocha para que dela jorrasse água. que quase todos os adultos que saí-
Arão trazia os nomes das tri- ram do Egito tinham morrido no
bos de Israel em seu peito. Ele deserto. Todos tiveram um mau
282 Os Escolhidos
pressentimento ao se lembrarem da próximos para assistir ao seu fune-
sentença pronunciada contra Moisés ral. Aquela sepultura solitária es-
e Arão. Alguns tinham conheci- teve para sempre oculta da vista de
mento dos objetivos dessa miste- Israel. Deus não é honrado com o
riosa jornada ao topo do Monte Hor, exibicionismo e gastos extravagan-
e sua preocupação com os líderes au- tes feitos ao devolver o corpo ao pó.
mentava com as amargas lembran- A morte de Arão fez com que
ças e acusações contra si mesmos. Moisés se lembrasse de que seu fim
estava próximo. Ele sentiu profun-
Lições da Morte de Arão damente a perda daquele que por
Moisés e Eleazar foram vistos tantos anos partilhou de suas ale-
descendo vagarosamente a encosta grias e tristezas. Moisés teria que
da montanha. As vestes sacerdotais continuar sua obra sozinho, mas ele
estavam sobre Eleazar, mostrando sabia que Deus era seu amigo, e nEle
que ele seria o sucessor de seu pai na se apoiou com mais força ainda.
função sagrada. Quando o povo se Pouco depois de partirem do
reuniu, Moisés disse que Arão tinha Monte Hor, os israelitas sofreram
morrido em seus braços no alto do uma derrota na batalha contra
Monte Hor e que eles o haviam se- Arade, um dos reis cananeus. Como
pultado lá. A congregação rompeu buscaram ajuda em Deus, o auxílio
em choro e lamentação. “Toda a divino foi concedido a eles e os ini-
nação de Israel pranteou por ele du- migos foram destruídos. Em vez de
rante trinta dias” (Nm 20:29). motivar a gratidão, essa vitória fez
As Escrituras trazem apenas um com que o povo ficasse orgulhoso e
simples registro: “Ali Arão morreu e confiante em si mesmo.
foi sepultado, e o seu filho Eleazar foi Eles continuaram sua jornada
o seu sucessor como sacerdote” em direção ao sul, através de um
(Dt 10:6). Em marcante contraste, vale muito quente, sem sombra ou
nos dias de hoje, as cerimônias fú- qualquer vegetação. Estavam can-
nebres de pessoas de alta posição sados e com sede. Novamente não
são muitas vezes oportunidades conseguiram suportar a prova de fé
para demonstrações extravagantes e paciência. Ao pensarem somente
de luxo. Quando Arão morreu, só no lado sombrio das circunstân-
estavam dois de seus amigos mais cias que enfrentavam, separaram-se
Por que a Demora? 283

mais ainda de Deus. Perderam de água, de serpentes e escorpiões vene-


vista o fato de que se não tivessem nosos. Ele tirou água da rocha para
murmurado quando a água parou vocês” (Dt 8:15). Em todo o caminho
de jorrar em Cades, teriam pou- eles tinham encontrado água, o pão
pado toda a jornada ao redor de do Céu, paz e segurança debaixo da
Edom. Eles se iludiam em seu orgu- sombra da nuvem durante o dia e da
lho, dizendo que já teriam tomado coluna de fogo à noite. Anjos cuida-
posse da Terra Prometida se Deus ram deles ao subirem as montanhas
e Moisés não tivessem interferido. cheias de rochas ou ao atravessarem
Depois de tornarem a situa- os caminhos difíceis do deserto.
ção muito mais difícil do que era Entre eles, não havia nenhum que es-
o intuito de Deus, passaram a ali- tivesse fraco. Seus pés não incharam
mentar amargos pensamentos nas longas jornadas nem as suas rou-
com relação à maneira com que o pas se desgastaram. Deus fechara a
Senhor lidava com eles, e acabaram boca das feras selvagens e dos répteis
ficando descontentes com tudo. venenosos da floresta e do deserto
O Egito parecia mais desejável que diante deles.
a liberdade e a terra para a qual
Deus os estava conduzindo. A Mão Protetora
de Deus é Removida
O que Acontece Protegidos pelo poder divino,
na Incredulidade não conseguiram ver os incontá-
“Mas o povo ficou impaciente no veis perigos que os rodeava. Em sua
caminho e falou contra Deus e con- falta de fé, só esperavam a morte,
tra Moisés, dizendo: ‘Por que vocês e então o Senhor permitiu que a
nos tiraram do Egito para morrer- morte viesse até eles. As serpentes
mos no deserto? Não há pão! Não há venenosas que infestavam o de-
água! E nós detestamos esta comida serto eram chamadas de serpentes
miserável!’” (Nm 21:4, 5). ardentes porque sua picada causava
Moisés apresentou diante do uma inflamação violenta e morte
povo o grande pecado que cometiam. rápida. Quando a mão de Deus foi
Somente o poder de Deus os tinha retirada, um grande número de pes-
preservado “pelo imenso e pavoroso soas foi atacado por essas criaturas
deserto, por aquela terra seca e sem venenosas.
284 Os Escolhidos
Em quase todas as tendas havia morrido, e, quando Moisés levan-
pessoas agonizando ou mortas. tou a serpente sobre a vara, alguns
Muitas vezes, o silêncio da noite não acreditaram que, se apenas lan-
era quebrado por gritos de dor que çassem um olhar para o símbolo de
significavam novas vítimas. Todos metal, estariam curados; e morre-
estavam ocupados em cuidar dos ram em sua incredulidade.
sofredores ou tentando proteger Muitos, entretanto, tiveram fé
aqueles que ainda não tinham sido na provisão feita por Deus. Pais,
picados. Comparadas ao sofrimento mães, irmãos e irmãs estavam an-
que passavam naquela hora, as pro- siosamente ocupados em ajudar os
vações e dificuldades anteriores pa- amigos sofredores, já quase à morte,
reciam nunca ter existido. para que conseguissem fixar o olhar
O povo foi então até Moisés desfalecido na serpente. Embora
com suas confissões e súplicas: fracos e agonizantes, se pudessem
“Pecamos quando falamos contra olhar tão somente uma única vez,
o Senhor e contra você” (Nm 21:7). seriam curados.
Pouco tempo antes, eles o haviam
acusado de ser o causador de todas Símbolo do Salvador
as suas angústias e aflições. Assim A serpente de bronze levantada
que tiveram que enfrentar uma di- no deserto tinha como objetivo
ficuldade de verdade, correram para ensinar a Israel uma importante
ele como o único capaz de interce- lição. Eles não poderiam salvar a si
der por eles diante de Deus. “Ore mesmos dos efeitos do veneno em
pedindo ao Senhor que tire as ser- suas feridas; somente Deus pode-
pentes do meio de nós” (Nm 21:7). ria curá-los. Eles deveriam demons-
Deus ordenou a Moisés que fi- trar sua fé na provisão feita por Ele.
zesse uma serpente de bronze e a Deveriam olhar para viver. Ao olhar
erguesse no meio do povo. Todos os para a serpente, eles demonstravam
que tinham sido picados deveriam sua fé. Sabiam que não havia dom
olhar para ela e encontrariam alí- algum na serpente em si, mas ela
vio. Foi enviada a todo povo a alegre era um símbolo de Cristo.
notícia de que todos os que fossem Antes disso, muitos levavam
picados poderiam olhar para a ser- ofertas a Deus e achavam que assim
pente e viver. Muitos já tinham estavam fazendo a expiação pelos
Por que a Demora? 285

próprios pecados. O Senhor dese- perdoa. A fé é um dom de Deus, mas


java ensinar a eles que seus sacrifí- a disposição para exercitá-la é nossa.
cios não tinham mais poder que a A fé é a mão pela qual o pecador se
serpente de bronze, mas o propósito apodera do oferecimento da graça e
era dirigir a mente deles a Cristo, a da misericórdia divinas.
grande oferta pelo pecado. Muitos têm se apegado à ideia
“Da mesma forma como Moi- de que poderiam fazer algo para se
sés levantou a serpente no deserto, tornarem dignos das bênçãos. Eles
assim também é necessário que o olham para si mesmos e duvidam
Filho do homem seja levantado, de que Jesus é o todo-suficiente
para que todo o que nEle crer não Salvador. Não devemos pensar que
pereça, mas tenha a vida eterna” nossos próprios méritos nos sal-
(Jo 3:14, 15). Todos os que já viveram varão. Cristo é a nossa única espe-
na Terra sentiram a picada mortal rança de salvação.
daquela “antiga serpente, chamada Ao olharmos para a maldade de
o Diabo ou Satanás” (Ap 12:9). nosso coração, não devemos ficar
Os efeitos fatais do pecado podem com medo de não ter um Salvador
ser removidos somente pela provisão ou que Ele não tenha misericórdia
feita por Deus. Os israelitas salvaram de nós. É nesse momento que Jesus
sua vida porque acreditaram na pa- está nos convidando a irmos até Ele
lavra de Deus e confiaram no meio para sermos salvos.
provido para a sua cura. Da mesma Muitos israelitas não reconhe-
forma, o pecador pode olhar para ceram o auxílio vindo por meio do
Cristo e viver, receber o perdão por remédio indicado pelo Céu. Eles
meio da fé em Seu sacrifício expia- sabiam que sem a ajuda divina a
tório. Cristo tem poder e o dom para morte era certa, mas continua-
curar o pecador arrependido. ram a lamentar até os olhos fica-
Embora os pecadores não pos- rem embaçados, quando poderiam
sam se salvar, eles ainda têm algo ter conseguido a cura instantânea.
a fazer para garantir a salvação. Ao olharmos para a nossa desampa-
“Quem vier a Mim”, diz Cristo, “Eu rada condição sem Cristo, não de-
jamais rejeitarei” (Jo 6:37). Devemos vemos nos entregar ao desânimo,
ir a Ele; e quando nos arrependemos, mas confiar inteiramente nos mé-
devemos crer que Ele nos aceita e ritos de um Salvador crucificado e
286 Os Escolhidos
ressurreto. Olhe e viva. Jesus sal- Deus dá prova suficiente na qual a
vará a todos que forem a Ele. fé deve se basear, e se essa prova não
Nenhum daqueles que confiam for aceita, a mente será deixada em
nos méritos de Cristo perecerá. trevas. Se aqueles que foram picados
Muitos vagueiam nos labirin- pelas serpentes tivessem parado
tos da filosofia em busca de razões para duvidar e questionar antes de
que jamais encontrarão, e ao mesmo decidirem olhar, teriam morrido.
tempo rejeitam as provas que Deus É nosso dever olhar, e o olhar da fé
teve o prazer de lhes conceder. nos concederá vida.
39
*
A Conquista de Basã
D epois de passarem
para o sul de Edom,
os israelitas partiram para o norte
lutando contra os moabitas e con-
quistando parte de seu território.
O caminho para o Jordão estava den-
em direção à Terra Prometida. tro desse território, e Moisés enviou
O caminho agora era formado por uma mensagem amigável a Seom, o
uma planície grande e elevada, re- rei amorreu: “Deixa-nos passar pela
frescada por uma brisa suave – tua terra [...]. Por prata nos venderás
uma agradável mudança do vale tanto a comida que comermos como
seco em que estavam. Eles se- a água que bebermos. Apenas deixa-
guiam viagem, felizes e cheios de nos passar a pé” (Dt 2:27, 28).
esperança. Deus disse: “Não per- A resposta foi um decidido não,
turbem os moabitas nem os pro- e todos os exércitos dos amorreus
voquem à guerra, pois não darei a foram convocados para combater
vocês parte alguma da terra deles, os invasores. Esse imenso exército
pois já entreguei a região de Ar aterrorizou os israelitas. No que
aos descendentes de Ló” (Dt 2:9). diz respeito à habilidade na guerra,
A mesma ordem foi repetida com os inimigos tinham vantagem.
relação aos amonitas, que também Do ponto de vista humano, os
eram descendentes de Ló. amorreus rapidamente colocariam
O povo de Israel logo chegou ao um fim em Israel.
país dos amorreus. Esse povo forte Moisés manteve o olhar fixo na
e guerreiro tinha cruzado o Jordão, coluna de nuvem. Essa evidência
* Este capítulo é baseado em Deuteronômio 2; 3:1-11.
288 Os Escolhidos
da presença de Deus ainda estava único verdadeiro Deus. Os amor-
com eles. Ao mesmo tempo, ele ins- reus conheciam todos os milagres
truiu o povo a fazer tudo o que o operados por Deus para tirar Israel
poder humano seria capaz para se do Egito. Eles poderiam ter conhe-
preparar para a guerra. O inimigo cido a verdade, mas rejeitaram a luz
estava confiante de que extermina- e se apegaram a seus ídolos.
ria os israelitas. Entretanto, o Dono Quando o Senhor conduziu Seu
de toda a Terra enviou esta mensa- povo às fronteiras de Canaã pela se-
gem a Israel: “Vão agora e atraves- gunda vez, essas nações pagãs re-
sem o ribeiro do Arnom. Vejam que ceberam outra prova de Seu poder.
Eu entreguei em suas mãos o amor- Viram que Deus estava com Israel
reu Seom, rei de Hesbom, e a terra na vitória sobre o rei Arade e os ca-
dele. Comecem a ocupação, entrem naneus, e no milagre operado para
em guerra contra ele. Hoje mesmo salvar aqueles à beira da morte por
começarei a infundir pavor e medo causa da picada das serpentes. Em
de vocês em todos os povos debaixo todas as suas viagens e acampamen-
do céu. Quando ouvirem da fama de tos os israelitas não fizeram mal
vocês, tremerão e ficarão angustia- algum ao povo ou às suas proprie-
dos” (Dt 2:24). dades. Ao chegarem à fronteira dos
amorreus, Israel pediu permissão
Amor Revelado às Nações para passar pelo país, prometendo
Ímpias observar as mesmas regras que ti-
Essas nações nas fronteiras de nham observado em suas relações
Canaã teriam sido poupadas se com outras nações. Quando o rei
não tivessem se levantado contra amorreu recusou o pedido, e cheio
o povo de Israel em desafio à pala- de arrogância reuniu seus exércitos
vra de Deus. O Senhor prometeu a para a batalha, a taça de sua iniqui-
Abraão: “Na quarta geração, os seus dade ficou cheia, e Deus exerceria
descendentes voltarão para cá, por- Seu poder para derrotá-los.
que a maldade dos amorreus ainda Os israelitas cruzaram o rio
não atingiu a medida completa” Arnom e avançaram contra o ini-
(Gn 15:16). Deus os poupou durante migo. Travou-se um combate, e
quatrocentos anos a fim de lhes dar os exércitos de Israel venceram.
prova inequívoca de que Ele era o Logo tomaram posse do país dos
A Conquista de Basã 289

amorreus. O Capitão do exército gigante o aguardava. Ogue tinha


do Senhor derrotou os inimigos de habilmente escolhido o local da
Seu povo. Ele teria feito o mesmo batalha. A cidade de Edrei ficava à
trinta e oito anos antes, se Israel ti- beira de um platô grande e elevado
vesse confiado nEle. que se erguia da planície, e era co-
O exército de Israel avançou cheio berto de rochas pontiagudas. A ci-
de ânimo e logo chegou em um país dade só podia ser alcançada através
que colocaria à prova sua coragem e de trilhas estreitas, íngremes e di-
fé em Deus. Diante deles estava o po- fíceis de subir. Em caso de derrota,
deroso reino de Basã, cheio de gran- suas forças poderiam se refugiar
des cidades de pedra que até hoje naquele deserto de rochas, onde
atraem a admiração do mundo – seria impossível de serem seguidas
“Foram sessenta. […] Todas elas eram pelos estrangeiros.
fortificadas com muros altos, por-
tas e trancas. Além delas havia mui- Moisés Confiou em Deus
tas cidades sem muros” (Dt 3:4, 5). Certo da vitória, o rei saiu com
As casas eram construídas de enor- seu imenso exército para a planície
mes pedras negras; eram tão imen- aberta. Quando os hebreus viram
sas que era impossível que essas aquele gigante de gigantes que se
construções fossem conquistadas sobressaía entre os soldados de seu
por qualquer força que viesse contra exército, quando viram a fortaleza
elas. Era um país repleto de caver- aparentemente inconquistável que
nas desertas e fortalezas rocho- servia de trincheira para milhares
sas. Os habitantes, descendentes de de soldados se esconderem, o co-
uma raça de gigantes, tinham altura ração de muitos tremeu de medo.
e força maravilhosas, e eram tão co- Mesmo assim, Moisés estava calmo
nhecidos por sua violência e cruel- e firme; o Senhor tinha dito a res-
dade que se tornaram o terror de peito do rei de Basã: “Não tenha
todas as nações vizinhas. Ogue, o rei, medo dele, pois Eu o entreguei em
destacava-se por sua altura mesmo suas mãos, com todo o seu exército,
em meio a uma nação de gigantes. e dei-lhe também a terra dele. Você
A coluna de nuvem se moveu fará com ele como fez com Seom,
para frente, e o exército hebreu rei dos amorreus, que habitava em
avançou para Edrei, onde o rei Hesbom” (Dt 3:2).
290 Os Escolhidos
Nem poderosos gigantes, nem ci- avançar contra os inimigos e lutar
dades muradas, nem fortalezas ro- contra exércitos bem treinados e
chosas poderiam resistir ao Capitão preparados para resistir a eles.
do exército do Senhor. O Senhor li- A geração passada tinha fra-
derou o exército, e o Senhor venceu cassado. Agora, a prova era muito
em favor de Israel. O rei gigante e seu mais severa do que quando Deus
exército foram destruídos, e os israe- ordenou que Israel avançasse pela
litas logo tomaram posse do país in- primeira vez. As dificuldades au-
teiro. Assim, aquele povo estranho, mentaram muito desde que o povo se
que tinha se rendido à idolatria abo- recusou a avançar quando lhe foi
minável, foi exterminado da Terra. dada a ordem.
Deus ainda coloca Seu povo à
O Erro Fatal de Israel prova. Se ele fracassa, o Senhor o leva
Muitos se lembravam dos even- novamente para o mesmo ponto, e
tos que quase quarenta anos antes na segunda vez a prova é ainda mais
condenaram Israel à longa peregri- severa do que na primeira.
nação pelo deserto. O relato dos es- O Deus poderoso de Israel é
piões a respeito da Terra Prometida nosso Deus. NEle podemos con-
estava correto em muitos aspectos. fiar e, se obedecermos às Suas or-
As cidades eram muradas e muito dens, Ele operará em nosso favor
grandes, e eram habitadas por gi- assim como fez por Seu povo an-
gantes. Agora, eles podiam ver o tigo. Algumas vezes, o caminho es-
erro fatal da geração passada em tará tão bloqueado por obstáculos,
não confiar no poder de Deus. Isso aparentemente insuperáveis, que
os havia impedido de entrar de ime- desencorajará aqueles que cedem ao
diato na boa terra. desânimo; mas Deus diz: “Avante!”
Deus tinha prometido ao povo As dificuldades que enchem nosso
que, se eles obedecessem à Sua voz, coração de terror desaparecerão à
Ele iria à frente e lutaria por eles. medida que avançarmos no cami-
O Senhor expulsaria os habitantes nho da obediência em humilde con-
da terra. Contudo, Israel tinha que fiança em Deus.
40
Balaão Tenta
*
Amaldiçoar Israel
P reparando-se para in-
vadir Canaã o mais
rápido possível, os israelitas acam-
nuvem, e os hebreus ocupavam as
gigantescas fortalezas.
Os moabitas não ousavam ar-
param ao lado do Jordão acima do riscar um ataque contra Israel, mas
local em que esse rio deságua no assim como fez Faraó, decidiram
Mar Morto, exatamente na mar- usar de feitiçaria para combater
gem oposta à planície de Jericó, a obra de Deus. O povo de Moabe
nas fronteiras de Moabe. Os moa- tinha forte ligação com os midiani-
bitas não tinham sido incomodados tas, e Balaque, o rei de Moabe, garan-
por Israel, embora tivessem obser- tiu a cooperação deles contra Israel
vado com grande apreensão tudo por meio da mensagem: “Essa multi-
o que havia acontecido nos países dão devorará tudo o que há ao nosso
vizinhos. Os amorreus, que os ti- redor, como o boi devora o capim do
nham forçado a bater em retirada, pasto” (Nm 22:4). Balaão, o midia-
haviam sido conquistados pelos he- nita, era conhecido por ter poderes
breus. Israel agora dominava o ter- sobrenaturais, e sua fama chegou à
ritório que os amorreus haviam terra de Moabe. Assim, mensageiros
tomado de Moabe. Os exércitos de foram enviados para conseguirem
Basã tinham caído diante do mis- que lançasse seus encantamentos e
terioso poder envolto na coluna de adivinhações contra Israel.
* Este capítulo é baseado em Números 22-24.
292 Os Escolhidos
Os embaixadores logo deram pelos valiosos presentes provoca-
início à longa viagem. Ao encon- ram a cobiça e, ao mesmo tempo
trarem Balaão, transmitiram a ele em que professava obedecer à von-
a mensagem do rei: “Um povo que tade de Deus, procurava satisfazer
saiu do Egito cobre a face da terra os desejos de Balaque.
e se estabeleceu perto de mim. À noite, o anjo do Senhor apare-
Venha agora lançar uma maldição ceu a Balaão com a mensagem: “Não
contra ele, pois é forte demais para vá com eles. Você não poderá amal-
mim. Talvez então eu tenha condi- diçoar este povo, porque é povo
ções de derrotá-lo e de expulsá-lo abençoado” (Nm 22:12).
da terra. Pois sei que aquele que
você abençoa é abençoado, e aquele Porta Aberta para Satanás
que você amaldiçoa é amaldiçoado” Pela manhã, Balaão despediu os
(Nm 22:5, 6). mensageiros, mas não contou a eles
No passado, Balaão tinha sido o que o Senhor tinha dito. Irado por
um profeta de Deus, mas havia suas visões de riqueza e honra desa-
apostatado e se entregado à cobiça. parecerem, exclamou: “Voltem para a
Quando os mensageiros lhe trans- sua terra, pois o Senhor não permitiu
mitiram a mensagem, ele sabia que eu os acompanhe” (Nm 22:13).
muito bem que seu dever era recu- Balaão amava “o salário da in-
sar as recompensas de Balaque e justiça” (2Pe 2:15). O pecado da
dispensar os embaixadores. Mesmo cobiça tinha destruído sua inte-
assim, ele se arriscou ao não se afas- gridade. Por meio desse único pe-
tar da tentação e insistiu para que cado, Satanás conquistou o controle
os embaixadores ficassem com ele completo sobre ele. O tentador apre-
aquela noite, declarando que não senta lucros e honras mundanas
poderia dar resposta até que pe- para desviar as pessoas do serviço
disse o conselho do Senhor. Balaão de Deus. Assim, muitos são conven-
sabia que sua conduta não pode- cidos a deixar o caminho da inte-
ria prejudicar Israel, mas seu orgu- gridade completa. Um passo errado
lho foi exaltado com as palavras: torna o próximo mais fácil, e eles
“Aquele que você abençoa é aben- se tornam cada vez mais impru-
çoado, e aquele que você amaldiçoa é dentes. Farão as coisas mais terrí-
amaldiçoado” (Nm 22:6). A sedução veis ao se entregarem ao domínio
Balaão Tenta Amaldiçoar Israel 293

da cobiça e à sede por poder. Muitos ele pudesse consultar a Deus mais
se gabam de serem capazes de dei- uma vez.
xar de lado a integridade completa À noite, o Senhor apareceu a
por um tempo e mudar de atitude Balaão e disse: “Visto que esses ho-
quando bem quiserem. Eles estão mens vieram chamá-lo, vá com eles,
se emaranhando na armadilha de mas faça apenas o que Eu lhe dis-
Satanás, e raramente escapam. ser” (Nm 22:20). Até esse ponto o
Quando os mensageiros conta- Senhor permitiria que Balaão se-
ram a Balaque sobre a resposta ne- guisse a própria vontade, pois es-
gativa do profeta, eles não deram a tava determinado em assim fazer.
entender que Deus o tinha proibido. Ele escolheu o próprio caminho e
Supondo que a demora de Balaão então tentou conseguir a aprovação
significava apenas conseguir uma do Senhor.
recompensa mais valiosa, o rei en- Hoje, milhares seguem um ca-
viou príncipes em maior número e minho semelhante. Seu dever está
mais dignos do que os primeiros, revelado de forma clara na Bíblia
com a autoridade de aceitar quais- ou indicado pelas circunstâncias e
quer condições que Balaão exigisse. pela razão; mas, como as evidências
A mensagem urgente de Balaque foi: são contrárias aos seus desejos, eles
“Que nada o impeça de vir a mim, as colocam de lado e apenas pare-
porque o recompensarei generosa- cem buscar a Deus para saber o seu
mente e farei tudo o que você me dever. Fazem orações longas e fervo-
disser. Venha, por favor, e lance rosas para receber luz. Entretanto,
para mim uma maldição contra este com Deus não se brinca. Ele mui-
povo” (Nm 22:16, 17). tas vezes permite que tais pessoas
Em resposta, Balaão decla- sigam os próprios desejos e sofram
rou ser muito honesto, íntegro e o resultado. “O Meu povo não quis
que nenhuma quantia de ouro ou ouvir-Me [...]. Por isso os entreguei
prata poderia convencê-lo a agir ao seu coração obstinado, para se-
contra a vontade de Deus. No en- guirem os seus próprios planos”
tanto, desejava atender ao pedido (Sl 81:11, 12). Quando alguém vê
do rei. Embora Deus já tivesse reve- claramente o dever, não tome a li-
lado a Sua vontade, ele insistiu que berdade de ir a Deus em oração para
os mensageiros ficassem para que ser dispensado de o cumprir.
294 Os Escolhidos
A Jumenta “Enxerga” e a pobre jumenta, tremendo de ter-
Mais do que o Profeta ror, deitou-se debaixo de Balaão.
Incomodados com a demora de A raiva de Balaão não teve limites,
Balaão e na expectativa de outra e com uma vara ele espancou o ani-
resposta negativa, os mensageiros mal com mais crueldade ainda do
de Moabe deram início à viagem de que antes. Deus abriu então a boca
volta para seu país sem mais con- do animal, e “por uma jumenta [...]
sultá-lo. Toda desculpa para aten- que falou com voz humana” Ele
der ao pedido de Balaque tinha sido “refreou a insensatez do profeta”
removida. Balaão estava decidido (2Pe 2:16). “Que foi que eu lhe fiz”,
a conseguir a recompensa. Com a disse a jumenta, “para você bater em
jumenta que costumava montar, mim três vezes?” (Nm 22:28).
partiu com pressa, ansioso para Furioso, Balaão respondeu ao
conquistar o cobiçado prêmio. animal como se falasse com um
No entanto, “o Anjo do Senhor ser racional: “Você me fez de tolo!
pôs-se no caminho para impedi-lo Quem dera eu tivesse uma espada
de prosseguir” (Nm 22:22). Balaão na mão; eu a mataria agora mesmo”
não viu o mensageiro divino, mas o (Nm 22:29).
animal viu e se desviou da estrada Os olhos de Balaão foram então
para o campo. Com pancadas cruéis, abertos, e ele viu o anjo de Deus
Balaão trouxe a jumenta de volta parado empunhando uma espada
para o caminho. Outra vez, em um pronto para o matar. Aterrorizado,
lugar estreito entre duas paredes, “Balaão inclinou-se e prostrou-se,
o anjo apareceu. A jumenta, pro- rosto em terra” (Nm 22:31). Disse
curando evitar a figura ameaçadora, o anjo: “Eu vim aqui para impedi-lo
apertou o pé de seu dono contra a de prosseguir porque o seu caminho
parede. Balaão não sabia que Deus me desagrada. A jumenta me viu e
estava bloqueando o caminho. Ficou se afastou de mim por três vezes.
furioso e surrou sem dó o animal, Se ela não se afastasse, certamente
forçando-o a continuar. eu já o teria matado; mas a jumenta
Novamente, “num lugar estreito, eu teria poupado” (Nm 22:32-33).
onde não havia espaço para desviar- Balaão devia a sua vida ao
se, nem para a direita nem para a es- pobre animal que ele tinha tra-
querda” (Nm 22:26), o anjo apareceu, tado de forma tão cruel. O homem
Balaão Tenta Amaldiçoar Israel 295

que afirmava ser um profeta do Aproxima-se o dia em que um juízo


Senhor estava tão cego pela cobiça será pronunciado contra aqueles
e ambição que não pôde enxergar o que maltratam as criaturas de Deus.
anjo de Deus visível ao seu animal.
“O deus desta era cegou o enten- Balaão não Consegue
dimento dos descrentes” (2Co 4:4). Amaldiçoar Israel
Quantos se apressam para cami- Ao ver o mensageiro de Deus,
nhos proibidos, transgredindo as Balaão exclamou aterrorizado:
leis divinas, e não conseguem en- “Pequei. Não percebi que estavas
xergar que Deus e Seus anjos estão parado no caminho para me impe-
contra eles! Assim como Balaão, dires de prosseguir. Agora, se o que
eles ficam com raiva daqueles que estou fazendo te desagrada, eu vol-
querem impedir a sua ruína. tarei” (Nm 22:34). O Senhor per-
“O justo cuida bem dos seus mitiu que ele prosseguisse viagem,
rebanhos, mas até os atos mais mas o poder divino controlaria as
bondosos dos ímpios são cruéis” suas palavras. Deus daria evidên-
(Pv 12:10). Poucos percebem como cias a Moabe de que os hebreus esta-
deveriam o grande pecado de mal- vam sob a proteção do Céu, e Ele fez
tratar os animais, ou deixá-los a isso ao mostrar o quão impotente
sofrer pela falta de cuidados. Os era Balaão para proferir uma mal-
animais foram criados para nos ser- dição contra o povo.
vir, mas não temos o direito de lhes O rei de Moabe, informado da
causar dor com tratamento rude. chegada de Balaão, saiu para encon-
Aqueles que maltratam um ani- trá-lo. Ao expressar admiração pela
mal porque ele está sob o seu domí- demora de Balaão diante das ricas
nio são ao mesmo tempo covardes recompensas que o aguardavam, o
e tiranos. Muitos não se dão conta profeta respondeu: “Seria eu capaz
de que a sua crueldade um dia será de dizer alguma coisa? Direi so-
conhecida, pois os pobres animais mente o que Deus puser em minha
mudos não a podem revelar. Se os boca” (Nm 22:38). Balaão lamentou
olhos dessas pessoas se abrissem, muito essa restrição, pois temia que
elas veriam um anjo de Deus em suas intenções não se realizassem.
pé como testemunha para testifi- O rei, com os principais ho-
car contra elas no tribunal celestial. mens do reino, escoltou Balaão “aos
296 Os Escolhidos
lugares altos de Baal”, onde ele podia “Quem pode contar o pó de Jacó
ver o acampamento hebreu. Mal sa- ou o número da quarta parte de
biam os israelitas o que estava acon- Israel?
tecendo tão perto deles! Quão pouco Morra eu a morte dos justos,
sabiam do cuidado de Deus, esten- e seja o meu fim como o deles!”
dido sobre eles de dia e de noite! (Nm 23:7-10).
Balaão tinha algum conheci-
mento das ofertas de sacrifício dos Olhando Balaão para o acam-
hebreus e esperava que, ao oferecer pamento de Israel, ficou impres-
sacrifícios ainda melhores, ele ga- sionado com a evidência de sua
rantiria o sucesso de seus projetos prosperidade. Disseram-lhe que
malignos. Foram construídos sete os israelitas eram uma multidão
altares, e ele ofereceu um sacrifício rude, desorganizada, que infestava
em cada um. Depois, foi sozinho o país em bandos desordeiros, uma
para um “lugar alto” para se encon- peste e terror às nações vizinhas.
trar com Deus. No entanto, o que ele viu era justa-
O rei ficou ao lado do sacrifí- mente o oposto de tudo isso. Ele viu
cio com os nobres e príncipes de a grande extensão e perfeita organi-
Moabe, aguardando a volta do pro- zação de seu acampamento, sendo
feta. Finalmente ele voltou, e o povo tudo caracterizado pela disciplina e
aguardou as palavras que paralisa- ordem. Balaão viu o favor com que
riam para sempre aquele estranho Deus olhava a Israel, e como o Seu
poder em favor dos odiados israeli- povo escolhido era diferente dos
tas. Balaão disse: outros. Eles não deveriam ficar no
mesmo nível das outras nações, mas
“Balaque trouxe-me de Arã, ser exaltados acima de todas elas.
o rei de Moabe buscou-me nas mon- Eles deveriam ser “um povo que vive
tanhas do oriente. separado e não se considera como
‘Venha, amaldiçoe a Jacó para mim’, qualquer nação” (Nm 23:9). De que
disse ele, maneira impressionante essa pro-
‘venha, pronuncie ameaças contra fecia se cumpriu na história poste-
Israel! rior de Israel! Através de todos os
“Como posso amaldiçoar a quem anos, eles permaneceram como um
Deus não amaldiçoou? [...] povo distinto.
Balaão Tenta Amaldiçoar Israel 297

Balaão Vê o Favor de Deus as palavras que foram forçadas aos


por Israel seus lábios pelo poder divino. “Será
Balaão viu o crescimento e a que não devo dizer o que o Senhor
prosperidade do verdadeiro Israel põe em minha boca?” (Nm 23:12).
de Deus até o fim dos tempos, o
favor especial do Altíssimo por Balaão Tenta Outra Vez
aqueles que O amam e temem. Balaque concluiu que o espetá-
Viu-os amparados por Seu braço ao culo impressionante apresentado
entrarem no vale escuro da sombra pelo vasto acampamento dos he-
da morte. Ele os observou saindo breus havia intimidado Balaão de
de seus túmulos, cheios de glória, tal forma que ele não ousou pra-
honra e imortalidade. Contemplou ticar sua magia contra eles. O rei
os resgatados, alegrando-se na gló- decidiu levar o profeta para algum
ria infinita da Terra renovada. Ao ponto onde ele pudesse ver ape-
ver a coroa de glória em cada fronte nas uma pequena parte do acam-
e a vida eterna de felicidade, pro- pamento. Mais uma vez foram
feriu a oração solene: “Morra eu a construídos sete altares, e ofereci-
morte dos justos, e seja o meu fim dos os mesmos sacrifícios como da
como o deles!” (Nm 23:10). primeira vez. O rei e seus príncipes
Se Balaão estivesse disposto a ficaram ao lado dos sacrifícios, en-
aceitar a luz dada por Deus, teria quanto Balaão saiu para se encon-
cortado toda ligação com Moabe. trar com Deus. O profeta recebeu
Teria se voltado para Deus em arre- mais uma mensagem divina sobre
pendimento profundo. Na verdade, a qual ele não tinha poder algum
Balaão amava o salário da injustiça. para mudar ou ignorar.
Balaque esperava uma maldição Quando apareceu, Balaque per-
que caísse como uma praga que en- guntou: “O que o Senhor disse?”
fraquecesse Israel, e exaltado ex- (Nm 23:17). A resposta encheu de ter-
clamou: “Que foi que você me fez? ror o coração do rei e dos príncipes:
Eu o chamei para amaldiçoar meus
inimigos, mas você nada fez senão “Deus não é homem para que minta,
abençoá-los!” (Nm 23:11). Balaão [...]
afirmou ter falado com cuidadosa Recebi uma ordem para abençoar;
atenção para com a vontade de Deus Ele abençoou, e não o posso mudar.
298 Os Escolhidos
“Nenhuma desgraça se vê em Jacó, ousou praticar sua magia. Olhando
nenhum sofrimento em Israel. para as tendas de Israel, a mensa-
O Senhor, o seu Deus, está com eles; gem divina veio aos seus lábios:
o brado de aclamação do Rei está
no meio deles” (Nm 23:19-21). “Quão belas são as suas tendas, ó
Jacó,
O grande mágico tinha tentado As suas habitações, ó Israel!
usar seu poder de encantamento; Como vales estendem-se, como jar-
mas, enquanto Israel estivesse sob dins que margeiam rios […].
a proteção divina, nenhum povo ou “O seu rei será maior do que Agague;
nação, mesmo auxiliado por todo O seu reino será exaltado. […]
o poder de Satanás, seria capaz de “Sejam abençoados os que os
vencê-los. O mundo inteiro ficaria abençoarem,
admirado diante da obra maravi- e amaldiçoados os que os amaldi-
lhosa de Deus em favor de Seu povo çoarem!” (Nm 24:5-9).
– que um homem fosse de tal ma-
neira controlado pelo poder divino Balaão profetizou que o rei de
a ponto de, em vez de amaldiçoar, Israel seria maior do que Agague.
pronunciar ricas e preciosas pro- Esse era o nome dado aos reis dos
messas em forma de bela poesia. No amalequitas, que nessa época era
futuro, quando Satanás inspirasse uma nação muito poderosa. Se
homens maus a caluniar e destruir Israel permanecesse fiel a Deus, ven-
o povo de Deus, essa história servi- ceria todos os seus inimigos. O rei
ria para animá-los e fortalecer a sua de Israel era o Filho de Deus. Seu
fé no Senhor. trono um dia seria estabelecido na
O rei de Moabe, desanimado e an- Terra e Seu poder seria exaltado
gustiado, exclamou: “Não os amal- acima de todos os reinos terrestres.
diçoe nem os abençoe!” (Nm 23:25),
e decidiu tentar mais uma vez. Balaão Perde Tudo o que
Levou Balaão para o Monte Peor, Tentou Ganhar
onde havia um templo dedicado ao Balaque foi tomado pela frustra-
culto imoral de Baal. Ali, eles ofere- ção, medo e raiva. Ficou indignado
ceram a mesma quantidade de sa- por Balaão ter lhe dado uma mínima
crifícios, mas Balaão nem mesmo esperança de uma resposta positiva.
Balaão Tenta Amaldiçoar Israel 299

Considerou com desdém a atitude poder controlador do Espírito de


oportunista e enganadora do pro- Deus o deixou, e ele foi dominado
feta, e exclamou cheio de ira: “Agora, pela cobiça. Estava pronto para
fuja para a sua casa! Eu disse que fazer qualquer coisa a fim de ga-
lhe daria generosa recompensa, mas nhar a recompensa prometida por
o Senhor o impediu de recebê-la” Balaque. Balaão sabia que a pros-
(Nm 24:11). Balaão respondeu que peridade de Israel dependia de sua
o rei tinha sido avisado desde o iní- obediência a Deus. Não existia meio
cio de que ele poderia falar apenas de derrotar os israelitas a não ser le-
a mensagem de Deus. vando-os a pecar.
Antes de voltar para o seu povo, Ele voltou para Moabe e apre-
Balaão proferiu uma bela profecia sentou seus planos ao rei – separar
a respeito do Redentor do mundo os filhos de Israel de Deus, induzin-
e da destruição final dos inimigos do-os à idolatria. Se eles pudessem
de Deus: ser levados a participar do culto
imoral oferecido a Baal e Astarote,
“Eu O vejo, mas não agora; eu O seu Protetor onipotente Se torna-
avisto, mas não de perto. ria seu inimigo, e eles seriam presa
Uma estrela surgirá de Jacó; um fácil das nações guerreiras e cruéis
cetro se levantará de Israel. ao seu redor. O rei aceitou o plano, e
Ele esmagará as frontes de Moabe e Balaão ficou para ajudar a colocá-lo
o crânio de todos os descenden- em ação.
tes de Sete” (Nm 24:17). Balaão testemunhou o sucesso
de seu plano diabólico. Viu cair a
Ele concluiu predizendo a des- maldição de Deus sobre o Seu povo
truição completa de Moabe e Edom, e milhares sofrerem sob o Seu juízo.
de Amaleque e dos quenitas, não A justiça divina que puniu o pecado
deixando assim ao rei moabita ne- em Israel não permitiu que os ten-
nhum raio de esperança. tadores escapassem. Na guerra de
Frustradas as esperanças por Israel contra os midianitas, Balaão
riqueza e honras, e ciente de que foi morto. Ele pressentiu que seu
tinha trazido sobre si o desagrado fim estava próximo ao exclamar:
de Deus, Balaão voltou da missão “Morra eu a morte dos justos, e seja o
que ele próprio tinha escolhido. O meu fim como o deles!” (Nm 23:10).
300 Os Escolhidos
Na verdade, ele não escolheu viver prestes a estabelecer. Tanto Balaão
a vida do justo; morreu com os ini- como Judas receberam grande luz,
migos de Deus. mas um único pecado acariciado en-
O fim de Balaão foi semelhante venenou todo o caráter e causou sua
ao de Judas. Os dois tentaram unir o destruição.
serviço de Deus à cobiça por riquezas Pouco a pouco, um pecado acari-
e fracassaram por completo. Balaão ciado degradará o caráter. A condes-
reconhecia o verdadeiro Deus; Judas cendência com um mau hábito que
acreditava em Jesus. Balaão espe- seja derruba as defesas da mente
rava fazer do serviço a Jeová uma e abre caminho para Satanás nos
escada pela qual ganharia riquezas desviar. O único caminho seguro é
e honras mundanas. Judas esperava, orar, assim como fazia Davi: “Meus
pela sua ligação com Cristo, garantir passos seguem firmes nas Tuas ve-
riquezas e posição no reino terrestre redas; os meus pés não escorrega-
que pensava que o Messias estava ram” (Sl 17:5).
41
Balaão Leva
*
Israel a Pecar
C om fé renovada em Deus os
vitoriosos exércitos de Israel
voltaram de Basã e estavam confian-
eles encontrariam um mal mais
mortal do que os exércitos de ho-
mens armados ou de animais selva-
tes na conquista imediata de Canaã. gens do deserto. Aquele país, repleto
Apenas o rio Jordão os separava da de vantagens naturais, tinha sido
Terra Prometida. Do outro lado do rio contaminado por seus habitantes.
viam uma rica planície regada por ria- No culto público a Baal, as cenas
chos e sombreada por palmeiras com mais degradantes entravam em
seus frutos. Na extremidade ociden- ação. Por todos os lados havia luga-
tal estavam as torres e os palácios de res conhecidos pela idolatria e pela
Jericó, “a cidade das palmeiras”. imoralidade sexual. Até mesmo os
No lado oriental do Jordão havia nomes sugeriam a perversão.
uma planície com vários quilôme- A mente dos israelitas se acos-
tros de largura e que se estendia por tumou com os pensamentos degra-
um longo trecho às margens do rio. dantes que eram constantemente
Esse vale protegido era de clima tro- sugeridos. A vida de comodidade
pical. Ali, os israelitas acamparam produziu um efeito desmorali-
e encontraram um lugar agradável zante, e eles se afastaram de Deus
de descanso nos bosques de acácia. para uma condição na qual seriam
Em meio a esse cenário atraente, presa fácil da tentação.
* Este capítulo é baseado em Números 25.
302 Os Escolhidos
Durante o período em que fica- lealdade a Jeová. O vinho lhes en-
ram acampados ao lado do Jordão, fraqueceu os sentidos e derrubou as
Moisés se dedicou aos preparativos barreiras do domínio próprio. Des-
para a ocupação de Canaã. O grande respeitando a consciência por meio
líder ficou completamente empe- de ações indecentes, renderam-se à
nhado em seu trabalho. Todavia, idolatria. Ofereceram sacrifícios nos
esse período de tranquilidade se altares pagãos e participaram de ri-
mostrou o mais tentador ao povo. tuais degradantes.
Antes que muitas semanas se pas- O veneno se espalhou como uma
sassem, sua história foi manchada infecção mortal pelo acampamento
pelos desvios mais terríveis da vir- de Israel. Aqueles que teriam con-
tude e integridade. quistado seus inimigos na bata-
Mulheres midianitas come- lha, foram vencidos pelas ciladas
çaram a entrar discretamente no das mulheres pagãs. Os príncipes e
acampamento. Essas mulheres ti- os líderes estavam entre os primei-
nham como objetivo induzir os he- ros a transgredir, e eram tantos os
breus a transgredir a lei de Deus e culpados entre o povo que a apos-
levá-los à idolatria. Elas esconde- tasia se tornou nacional. “Israel se
ram esses objetivos com o disfarce juntou à adoração a Baal-Peor”
da amizade. (Nm 25:3). Quando Moisés se deu
Por sugestão de Balaão, o rei de conta do mal, os israelitas não ape-
Moabe anunciou uma grande festa nas estavam participando do culto
em honra aos seus deuses. Em se- sensual no Monte Peor, como tam-
gredo, ficou combinado que Balaão bém praticavam os rituais pagãos
convenceria os israelitas a participar. dentro do acampamento de Israel.
Eles o consideravam um profeta de O idoso líder se encheu de indigna-
Deus, e assim Balaão não teve muita ção, e a ira de Deus foi despertada.
dificuldade para conseguir o que pre- As práticas pecaminosas fize-
tendia. Um grande número de pes- ram aos israelitas aquilo que todos
soas se uniu a ele para testemunhar os encantamentos de Balaão não pu-
as festividades. Atraídos pela mú- deram fazer – elas os separaram de
sica e pela dança, seduzidos pela Deus. Uma terrível praga caiu sobre
beleza das mulheres dedicadas ao o acampamento, e por causa dela
culto pagão, eles abriram mão de sua milhares morreram. Deus ordenou
Balaão Leva Israel a Pecar 303

que os líderes em apostasia fossem depois disso, a praga cessou. O sa-


mortos, e essa ordem foi obedecida cerdote que executou o juízo divino
imediatamente. Os corpos foram foi honrado perante todo Israel.
expostos diante de todo Israel para
que a congregação, vendo que os lí- Fineias Intercede pelos
deres tinham sido tratados com se- Israelitas
veridade, pudesse ter uma profunda Fineias “desviou a Minha ira
percepção da aversão de Deus ao seu de sobre os israelitas” (Nm 25:11),
pecado. Todos entenderam que o cas- foi a mensagem divina. “Ele foi ze-
tigo era justo, e com lágrimas e humi- loso pelo seu Deus e fez propiciação
lhação o povo confessou seu pecado. pelos israelitas” (Nm 25:13).
Enquanto choravam diante de Os juízos enviados sobre Israel
Deus à porta do tabernáculo, Zinri, destruíram os sobreviventes da
um dos nobres de Israel, entrou no vasta multidão que, quase quarenta
acampamento acompanhado de anos antes, haviam recebido a sen-
uma prostituta midianita e a levou tença de que “iriam morrer no de-
para sua tenda. Nunca o vício foi serto”. Durante o acampamento nas
tão ousado ou mais obstinado. planícies do Jordão, “nenhum deles
Zinri mostrava seu pecado “como estava entre os que foram contados
Sodoma” (Is 3:9) e ainda se gloriava por Moisés e pelo sacerdote Arão
em sua vergonha. quando contaram os israelitas no
Os sacerdotes e líderes esta- deserto do Sinai. [...] Nenhum deles
vam curvados ao chão em sinal sobreviveu, exceto Calebe, filho
de tristeza e humilhação, rogando de Jefoné, e Josué, filho de Num”
ao Senhor que poupasse Seu povo, (Nm 26:64, 65).
quando esse príncipe em Israel Deus enviou Seus juízos sobre
exibiu seu pecado à vista da con- Israel por ter cedido às seduções dos
gregação, como que a desafiar a vin- midianitas, mas os tentadores não
gança de Deus e zombar dos juízes escapariam da ira da justiça divina.
da nação. Fineias, filho de Eleazar, “Vingue-se dos midianitas pelo que
o sumo sacerdote, levantou-se, e fizeram aos israelitas”, foi a ordem
apanhando uma lança “seguiu o de Deus a Moisés. “Depois disso
israelita até o interior da tenda” você será reunido aos seus antepas-
(Nm 25:8) e matou os dois. Logo sados.” Mil homens foram escolhidos
304 Os Escolhidos
de cada uma das tribos e enviados vítimas de suas prostitutas. Esse é o
sob a liderança de Fineias. “Lutaram poder que uma mulher, a serviço de
então contra Midiã, conforme o Satanás, exerce para destruir vidas.
Senhor tinha ordenado a Moisés, e “Muitas foram as suas vítimas; os
mataram todos os homens. Entre que matou são uma grande multi-
os mortos estavam os cinco reis de dão” (Pv 7:26). José foi tentado da
Midiã. Também mataram à espada mesma forma. Sansão traiu a sua
Balaão, filho de Beor” (Nm 31:1-8). força, entregando-a nas mãos dos fi-
Esse foi o fim daqueles que tra- listeus também pela mesma arma-
maram contra o povo de Deus. dilha . Aqui Davi tropeçou. Salomão,
Quando os homens “planejam con- o mais sábio dos reis, tornou-se es-
tra a vida dos justos”, o Senhor “fará cravo da paixão e sacrificou sua inte-
cair sobre eles os seus crimes, e os gridade ao mesmo poder fascinante.
destruirá por causa dos seus peca- Satanás tem estudado com dia-
dos” (Sl 94:21, 23). bólica intensidade durante milhares
de anos, e ao longo de sucessivas ge-
Homens Fortes Vencidos rações tem trabalhado para destruir
por Mulheres os príncipes de Israel pelas mesmas
Quando os hebreus transgredi- tentações tão bem-sucedidas em
ram a lei de Deus cedendo à tenta- Baal-Peor. Ao nos aproximarmos
ção, ficaram sem defesa. Quando o do fim do tempo, nas fronteiras da
povo de Deus é fiel aos Seus man- Canaã celestial, Satanás intensifi-
damentos, “não há magia que possa cará seus esforços para impedir o
contra Jacó, nem encantamento con- povo de Deus de entrar na boa terra.
tra Israel” (Nm 23:23). Por isso, Sata- Ele preparará tentações para aque-
nás exerce todas as suas artimanhas les que exercem o ministério sa-
para atraí-los ao pecado. Se aqueles grado. Se puder levá-los a poluir a
que professam ser guardadores da mente, poderá destruir muitos ou-
lei de Deus transgridem seus man- tros por intermédio deles. Por meio
damentos, eles se tornam incapazes de amizades mundanas, dos encan-
de enfrentar os inimigos. tos da beleza, da busca por prazer,
Os israelitas que não puderam de diversões, de festas ou bebidas,
ser vencidos pela guerra ou pelos ele tenta o povo de Deus a transgre-
encantamentos de Midiã foram dir o sétimo mandamento.
Balaão Leva Israel a Pecar 305

Aqueles que desonrarem a ima- dos descrentes. Não é ser rígido de-
gem de Deus e mancharem o templo mais excluir a companhia daque-
do próprio corpo não terão limites les que exercem influência para nos
para praticar qualquer desonra a desviar de Deus. Ao mesmo tempo
Deus que satisfaça o desejo do co- em que oramos: “Não nos deixes
ração depravado. É impossível ao es- cair em tentação” (Mt 6:13), deve-
cravo da paixão perceber a sagrada mos nos afastar da tentação tanto
obrigação imposta pela lei de Deus, quanto possível.
apreciar a obra da expiação, ou dar Quando os israelitas estavam
o devido valor à vida. Bondade, pu- em uma situação de comodidade e
reza, verdade, reverência para com segurança, foram atraídos pelo pe-
Deus e amor pelas coisas sagradas – cado. A comodidade e a condescen-
tudo isso é consumido pelo fogo da dência consigo mesmos deixaram a
imoralidade. O coração se torna um fortaleza do coração sem proteção,
deserto sombrio e desolado. Seres e pensamentos pervertidos encon-
formados à imagem de Deus são ar- traram passagem livre. Os traido-
rastados ao nível dos animais. res dentro dos muros destruíram as
fortalezas do princípio e atraíram
Os Perigos da Amizade com Israel ao poder de Satanás. É assim
os Ímpios que Satanás busca arruinar as pes-
Levando os seguidores de Cristo soas. Um longo processo de pre-
a se associarem com descrentes e se paração, desconhecido ao mundo,
unirem a eles em diversões, Satanás ocorre no coração antes de o cris-
é mais bem-sucedido em induzi-los tão cometer pecado aberto. A mente
ao pecado. Deus exige de Seu povo não desce de uma só vez da pureza
hoje uma distinção tão grande do e santidade para a depravação, cor-
mundo nos costumes, hábitos e rupção e crime. Ao alimentar pensa-
princípios da mesma forma que exi- mentos impuros, o pecado uma vez
giu de Israel no passado. As adver- odiado se torna prazeroso.
tências que fez aos hebreus para não Não podemos andar nas ruas
se misturarem com os descrentes de nossas cidades sem nos depa-
não eram mais explícitas do que as rar com notícias surpreendentes
que proíbem os cristãos de se con- de crimes, apresentadas em algum
formarem ao espírito e costumes romance ou a serem representadas
306 Os Escolhidos
em algum teatro. A atitude dos que cruéis da tentação. A oração de Davi
são imorais e pervertidos é mantida deve ser a súplica de toda pessoa:
diante do povo por meio de jornais e “Cria em mim um coração puro, ó
revistas, e tudo que pode estimular a Deus, e renova dentro de mim um
paixão lhe é apresentado em forma espírito estável” (Sl 51:10).
de histórias empolgantes. Ouvem No entanto, temos uma obra a
tanto sobre o crime e, com tanto in- fazer a fim de resistir à tentação.
teresse se demoram nessas coisas, Aqueles que não querem ser presas
que a consciência fica endurecida. das artimanhas de Satanás devem
Muitas diversões comuns entre guardar bem as avenidas do cora-
aqueles que professam ser cristãos ção; evitar ler, ver ou ouvir qual-
levam aos mesmos resultados da- quer coisa que sugira pensamentos
quelas praticadas pelos pagãos no impuros. Isso exigirá oração fervo-
passado. Por meio do teatro, Satanás rosa e vigilância constante. A in-
tem operado durante séculos para fluência permanente do Espírito
excitar a paixão e exaltar o vício. Ele Santo atrairá a mente para cima e
emprega o teatro, a dança e o jogo levará a pensar em coisas puras e
para abrir a porta à satisfação sen- santas. “Como pode o jovem man-
sual. Em todo ajuntamento por pra- ter pura a sua conduta? Vivendo de
zer em que se alimenta o orgulho ou acordo com a Tua palavra.” “Guardei
se satisfaz o apetite, onde a pessoa é no coração”, diz o salmista, “a Tua
levada a se esquecer de Deus e a per- palavra para não pecar contra Ti”
der de vista os interesses eternos, ali (Sl 119:9, 11).
está Satanás amarrando suas cor- O pecado de Israel em Bete-Peor
rentes ao redor da vítima. trouxe os juízos de Deus sobre a
nação. Os mesmos pecados podem
Como Vencer a Tentação não ser punidos de forma tão ime-
O coração deve ser renovado diata hoje, mas a natureza determi-
pela graça divina. Todo aquele que nou punições terríveis, punições que
busca desenvolver um caráter vir- virão sobre cada transgressor mais
tuoso longe da graça de Cristo está cedo ou mais tarde. Esses pecados,
construindo uma casa sobre a areia mais do que quaisquer outros, têm
movediça. Com certeza, ela será causado a terrível degradação física
destruída em meio às tempestades e moral de nossa raça e o peso da
Balaão Leva Israel a Pecar 307

doença e miséria com que o mundo há o julgamento. “Aqueles que pra-


é amaldiçoado. As pessoas podem ticam essas coisas não herdarão o
ser bem-sucedidas em esconder seu Reino de Deus” (Gl 5:21), mas terão
pecado dos outros, mas colherão o sua parte com Satanás e os anjos
resultado em forma de sofrimento, maus no “lago de fogo”, que “é a se-
doença ou morte. Além desta vida gunda morte” (Ap 20:14).
42
A Lei de Deus a uma
*
Nova Geração
O Senhor anunciou a Moi-
sés que tinha chegado o
tempo para tomar posse de Canaã.
seus próprios olhos, pois você não
atravessará o Jordão” (Dt 3:26-27).
Sem reclamar, Moisés se subme-
Enquanto o idoso profeta contem- teu à ordem de Deus. Sua grande
plava a Terra Prometida, com pro- preocupação agora era com Israel.
fundo fervor suplicou: “Ó Soberano Com o coração transbordando, ele
Senhor, Tu começaste a mostrar ao proferiu a oração: “Que o Senhor, o
Teu servo a Tua grandeza e a Tua Deus que a todos dá vida, designe
mão poderosa! Que Deus existe no um homem como líder desta co-
céu ou na terra que possa realizar munidade para conduzi-los […],
as Tuas obras e os Teus feitos pode- para que a comunidade do Senhor
rosos? Deixa-me atravessar, eu Te não seja como ovelhas sem pastor”
suplico, e ver a boa terra do outro (Nm 27:16, 17).
lado do Jordão, a bela região mon- A resposta veio: “Chame Josué,
tanhosa e o Líbano!” (Dt 3:24-25). filho de Num, homem em quem está
A resposta foi: “Basta! [...] Não o Espírito, e imponha as mãos sobre
me fale mais sobre isso. Suba ao ele. Faça-o apresentar-se ao sacer-
ponto mais alto do Pisga e olhe para dote Eleazar e a toda a comunidade
o norte, para o sul, para o leste, e e o comissione na presença deles.
para o oeste. Veja a terra com os Dê-lhe parte da sua autoridade para
* Este capítulo é baseado em Deuteronômio 3 a 6; 28.
A Lei de Deus a uma Nova Geração 309

que toda a comunidade de Israel lhe Senhor fez por vocês no Egito, como
obedeça” (Nm 27:18-20). vocês viram com os seus próprios
Josué, um homem de sabedoria, olhos?” (Dt 4:32-34).
habilidade e fé, foi escolhido para “Mas foi porque o Senhor os
ser o sucessor de Moisés. Ele foi es- amou e por causa do juramento que
colhido de forma muito solene para fez aos seus antepassados. Por isso
ser o líder de Israel. As palavras do Ele os tirou com mão poderosa e os
Senhor a respeito de Josué foram redimiu da terra da escravidão, do
transmitidas por meio de Moisés à poder do faraó, rei do Egito. Saibam,
congregação: “Toda a comunidade portanto, que o Senhor, o seu Deus, é
dos israelitas seguirá suas instru- Deus; Ele é o Deus fiel, que mantém a
ções” (Nm 27:21). aliança e a bondade por mil gerações
Moisés ficou em pé diante do daqueles que O amam e obedecem
povo para dar suas últimas adver- aos Seus mandamentos” (Dt 7:8, 9).
tências e admoestações; seu rosto O povo de Israel muitas vezes
estava iluminado com uma santa se sentiu impaciente e rebelde por
luz. Tinha os cabelos brancos por causa da longa peregrinação pelo
causa da idade, mas o corpo estava deserto, mas essa demora para
ereto e os olhos eram claros e for- tomar posse de Canaã não foi culpa
tes. Com profundo sentimento, des- de Deus. Ele lamentava mais do que
creveu o amor e a misericórdia do eles por não poder levá-los de ime-
Protetor todo-poderoso. diato à Terra Prometida e mostrar
“Perguntem de um lado ao outro Seu grande poder diante de todas
do céu: Já aconteceu algo tão gran- as nações. Por causa de sua falta
dioso ou já se ouviu algo parecido? de confiança em Deus, eles não es-
Que povo ouviu a voz de Deus fa- tavam preparados para entrar em
lando do meio do fogo, como vocês Canaã. Se seus pais tivessem obede-
ouviram, e continua vivo? Ou que cido pela fé às orientações de Deus,
deus decidiu tirar uma nação do seguido Suas instruções, teriam há
meio de outra para lhe perten- muito tempo se estabelecido em
cer, com provas, sinais, maravi- Canaã, como povo próspero, santo
lhas e lutas, com mão poderosa e e feliz. Essa demora desonrou a
braço forte, e com feitos temíveis e Deus e desmereceu a Sua glória à
grandiosos, conforme tudo o que o vista das nações ao redor.
310 Os Escolhidos
Moisés disse: “Eu lhes ensinei “Uma boa terra, cheia de riachos e
decretos e leis, como me ordenou o tanques de água, de fontes que jor-
Senhor, o meu Deus, para que sejam ram nos vales e nas colinas; terra de
cumpridos na terra na qual vocês trigo e cevada, videiras e figueiras,
estão entrando para dela tomar de romãzeiras, azeite de oliva e mel;
posse. Vocês devem obedecer-lhes terra onde não faltará pão e onde
e cumpri-los, pois assim os outros não terão falta de nada; terra onde
povos verão a sabedoria e o discer- as rochas têm ferro e onde vocês
nimento de vocês. Quando eles ou- poderão extrair cobre das colinas.”
virem todos estes decretos dirão: “É uma terra da qual o Senhor, o seu
‘De fato esta grande nação é um Deus, cuida; os olhos do Senhor, o
povo sábio e inteligente’” (Dt 4:5, 6). seu Deus, estão continuamente
Ele desafiou a multidão hebreia: sobre ela, do início ao fim do ano”
“Pois, que grande nação tem um (Dt 11:11; 8:7-9; 11:12).
Deus tão próximo como o Senhor, “O Senhor, o seu Deus, os con-
o nosso Deus, sempre que O invo- duzirá à terra que jurou aos seus
camos?” (Dt 4:7). As leis que Deus antepassados, Abraão, Isaque e
deu ao Seu povo antigo eram mais Jacó, dar a vocês, terra com gran-
sábias, melhores e mais humanas do des e boas cidades que vocês não
que aquelas das nações mais civili- construíram, com casas cheias de
zadas da Terra. As leis de Deus tra- tudo o que há de melhor, de coi-
zem a marca divina. sas que vocês não produziram, com
Essas palavras devem ter co- cisternas que vocês não cavaram,
movido muito o coração dos filhos com vinhas e oliveiras que vocês
de Israel ao se lembrarem de que não plantaram. Quando isso acon-
Moisés, aquele que descrevia as bên- tecer, e vocês comerem e ficarem
çãos da boa terra de forma tão ma- satisfeitos, tenham cuidado! Não
ravilhosa, tinha sido, por causa de esqueçam o Senhor.” “Tenham o
seu pecado, impedido de participar cuidado de não esquecer a aliança
da herança de seu povo: que o Senhor, o seu Deus, fez com
“Mas a terra em que vocês, atra- vocês [...]. Pois o Senhor, o seu Deus,
vessando o Jordão, vão entrar para é Deus zeloso; é fogo consumidor.”
dela tomar posse, é terra de mon- (Dt 6:10-12; 4:23, 24). Se fizessem
tes e vales, que bebe chuva do céu.” mal à vista do Senhor, então, disse
A Lei de Deus a uma Nova Geração 311

Moisés: “Vocês serão rapidamente “Entretanto, se vocês não […] se-


eliminados da terra, da qual estão guirem cuidadosamente todos os
tomando posse ao atravessar o Seus mandamentos e decretos que
Jordão” (Dt 4:26). hoje lhes dou, todas estas maldições
Moisés completou o trabalho de cairão sobre vocês e os atingirão:
escrever todas as leis, decretos e or- […] Vocês serão motivo de horror e
denanças que Deus tinha lhe dado objeto de zombaria e de riso para
e as regras a respeito do sistema de todas as nações para onde o Senhor
sacrifícios. O livro que continha os levar. […] Então o Senhor os es-
essas coisas foi guardado por segu- palhará pelas nações, de um lado ao
rança ao lado da arca. outro da terra. […] No meio daque-
las nações vocês não encontrarão
Bênçãos Condicionais repouso, nem mesmo um lugar de
O grande líder ainda estava com descanso para a sola dos pés. Lá o
muito receio de que o povo se afas- Senhor lhes dará coração desespe-
tasse de Deus. Por meio de um belo e rado, olhos exaustos de tanto espe-
emocionante discurso, ele apresen- rar, e alma ansiosa. Vocês viverão
tou ao povo as bênçãos que seriam em constante incerteza, cheios de
deles se obedecessem, e as maldições terror, dia e noite, sem nenhuma se-
que resultariam da transgressão: gurança na vida. De manhã dirão:
“Se vocês obedecerem fielmente ‘Quem me dera fosse noite!’ E de
ao Senhor, o seu Deus, e seguirem noite: ‘A h, quem me dera fosse dia!’”
cuidadosamente todos os Seus (Dt 28:15, 37, 64-67).
mandamentos que hoje lhes dou, Pelo Espírito de inspiração,
[…] vocês serão abençoados na ci- olhando através dos séculos, Moisés
dade e serão abençoados no campo. descreveu as cenas terríveis da
Os filhos do seu ventre serão aben- ruína final de Israel como nação, e a
çoados, como também as colhei- destruição de Jerusalém pelos exér-
tas da sua terra e os cordeiros dos citos romanos. Os horríveis sofri-
seus rebanhos. A sua cesta e a sua mentos do povo, séculos mais tarde,
amassadeira serão abençoadas. […] durante o cerco de Jerusalém por
O Senhor enviará bênçãos aos seus Tito, foram descritos em detalhes:
celeiros e a tudo o que as suas mãos “Ela sitiará todas as cidades da sua
fizerem” (Dt 28:1-8). terra, até que caiam os altos muros
312 Os Escolhidos
fortificados em que vocês confiam. seus antepassados, Abraão, Isaque
Sitiará todas as suas cidades, em e Jacó” (Dt 30:19, 20).
toda a terra. […] Vocês comerão o A fim de gravar essas verdades
fruto do seu próprio ventre, a carne de forma ainda mais profunda na
dos filhos e filhas. [...] Nada lhe so- mente de todos, o grande líder as ex-
brará devido aos sofrimentos que o pressou em sagrada poesia. O povo
seu inimigo lhe infligirá durante o recebeu ordem para memorizar essa
cerco” (Dt 28:52, 53, 55). história poética e ensiná-la aos fi-
“A mulher mais gentil e delicada lhos e aos netos, para que jamais
entre vocês, tão delicada e gentil que fosse esquecida.
não ousaria encostar no chão a sola No futuro, quando os filhos per-
do pé, será mesquinha com o ma- guntassem: “O que significam estes
rido a quem ama e com o filho e a preceitos, decretos e ordenanças que
filha [...] que gerar. Pois a intenção o Senhor, o nosso Deus, ordenou a
dela é comê-los secretamente du- vocês?” Os pais, então, deveriam re-
rante o cerco e no sofrimento que petir a história, relatando a maneira
o seu inimigo infligirá a vocês em graciosa com que Deus os havia tra-
suas cidades” (Dt 28:56, 57). tado – como o Senhor tinha agido
Moisés terminou com estas para libertá-los a fim de que pudes-
palavras impressionantes: “Hoje sem obedecer à Sua lei: “O Senhor
invoco os céus e a terra como tes- nos ordenou que obedecêssemos a
temunhas contra vocês, de que co- todos estes decretos e que temêsse-
loquei diante de vocês a vida e a mos o Senhor, o nosso Deus, para
morte, a bênção e a maldição. Agora que sempre fôssemos bem-suce-
escolham a vida, para que vocês e didos e que fôssemos preservados
os seus filhos vivam, e para que em vida, como hoje se pode ver.
vocês amem o Senhor, o seu Deus, E, se nós nos aplicarmos a obedecer
ouçam a Sua voz e se apeguem fir- a toda esta lei perante o Senhor, o
memente a Ele. Pois o Senhor é a nosso Deus, conforme Ele nos or-
sua vida, e Ele lhes dará muitos denou, esta será a nossa justiça”
anos na terra que jurou dar aos (Dt 6:20-25).
43
*
A Morte de Moisés
M isturada com Seu
amor e misericór-
dia, em todo o procedimento de
Na presença da multidão, Moisés,
em nome de Deus, dirigiu estas pa-
lavras de santa animação ao seu su-
Deus com Seu povo, há a mais no- cessor: “Seja forte e corajoso, pois
tável evidência de Sua justiça estrita você conduzirá os israelitas à terra
e imparcial. O grande Governador que lhes prometi sob juramento,
das nações declarou que Moisés não e Eu mesmo estarei com você”
conduziria Israel à boa terra. Nem (Dt 31:23). Em seguida, ele se diri-
as súplicas mais fervorosas do servo giu aos anciãos e oficiais do povo,
de Deus puderam reverter Sua sen- dando-lhes a ordem solene de obe-
tença. Mesmo assim, Moisés fiel- decerem fielmente às instruções que
mente tentou preparar a congregação lhes tinha dado da parte de Deus.
para entrar na herança prometida. Ao olhar o povo para aquele
Por ordem de Deus, Moisés e Josué homem idoso, que logo seria re-
foram ao tabernáculo, enquanto a co- tirado deles, lembraram-se ainda
luna de nuvem veio e ficou sobre a com mais gratidão de sua ternura
porta. Ali, de maneira muito solene, paternal, de seus sábios conselhos
o povo foi confiado aos cuidados de e de seu trabalho incansável. Com
Josué. A obra de Moisés como líder amargura, eles se lembraram de que
de Israel estava terminada. o mau comportamento deles havia
Ainda assim, ele se esqueceu de si incitado Moisés a cometer o pecado
mesmo em seu interesse pelo povo. pelo qual deveria morrer.
* Este capítulo é baseado em Deuteronômio 31 a 34.
314 Os Escolhidos
Deus não queria que eles di- Israel. Mais uma vez o Espírito de
ficultassem a vida de seu futuro Deus repousou sobre ele e, usando a
líder como fizeram com a de Moisés. linguagem mais bela e tocante, pro-
Deus fala com Seu povo pelas bên- nunciou uma bênção sobre cada uma
çãos que lhes dá, e quando elas não das tribos, finalizando com uma
recebem o devido valor, fala ao povo bênção especial sobre todas elas:
pela retirada dessas bênçãos.
Naquele mesmo dia Moisés rece- “O Deus eterno é o seu refúgio,
beu a ordem: “Suba […] até o monte E para segurá-lo estão os braços
Nebo […], e contemple Canaã, a terra eternos. […]
que dou aos israelitas como proprie- Somente Israel viverá em segu-
dade. Ali, na montanha que você rança; a fonte de Jacó está se-
tiver subido, você morrerá e será gura numa terra de trigo e de
reunido aos seus antepassados” vinho novo, onde os céus gote-
(Dt 32:49, 50). Moisés deveria par- jam orvalho.
tir para uma nova e misteriosa mis- Como você é feliz, Israel!
são. Deveria sair para entregar a vida Quem é como você, povo salvo pelo
nas mãos do Criador. Ele sabia que Senhor?
iria morrer sozinho; nenhum amigo Ele é o seu abrigo, o seu ajudador.”
terrestre receberia permissão para Dt 33:27-29
dar apoio a Moisés em suas últimas
horas. Havia um mistério e um es- Moisés saiu da congregação, e em
panto em torno dessa cena, fazendo silêncio e sozinho subiu o “monte
com que sentisse um aperto no cora-Nebo, ao topo do Pisga” (Dt 34:1).
ção. A prova mais severa para Moisés
No solitário pico do monte, Moisés
era ser separado do povo com quem ficou em pé e contemplou com visão
sua vida estivera unida por tanto clara a paisagem diante de si.
tempo. Com fé inabalável, ele confiou Longe, a oeste, estavam as águas
a si mesmo e ao seu povo ao amor e azuis do Mar Mediterrâneo. Ao
à misericórdia de Deus. norte, o Monte Hermom se erguia
em direção ao céu. Mais além estava
A Última Bênção de Moisés Basã, cenário da vitória de Israel. Ao
Pela última vez Moisés se apre- sul ficava o deserto, onde os israelitas
sentou à congregação do povo de tinham vagueado por tanto tempo.
A Morte de Moisés 315

A sós, Moisés relembrou sua vida feito uma sábia decisão ao prefe-
de privação e sofrimento desde que rir suportar a aflição junto ao povo
havia deixado as honras da corte e de de Deus em vez de desfrutar por
um reino que poderia ter sido seu no algum tempo os prazeres do pecado.
Egito para arriscar seu futuro ao lado Ao recordar sua experiência,
do povo escolhido de Deus. Ele se uma ação errada manchava o re-
lembrou dos longos anos no deserto gistro. Se aquela transgressão pu-
com os rebanhos de Jetro, o apareci- desse ser apagada, sentia que estaria
mento do Anjo na sarça ardente e o pronto para morrer. A ele foi garan-
chamado para libertar Israel. Viu de tido que o arrependimento e a fé no
novo os grandes milagres do poder Sacrifício prometido eram tudo o
de Deus manifestados em favor do que Deus exigia, e mais uma vez
povo escolhido e Sua paciente mise- Moisés confessou seu pecado e su-
ricórdia durante os anos de peregri- plicou o perdão em nome de Jesus.
nação e rebelião. De todos os adultos Ali, Moisés teve uma vista pa-
do vasto exército que deixou o Egito, norâmica da Terra Prometida – não
apenas dois foram achados dignos de uma vista vaga, incerta e ofuscada
entrar na Terra Prometida. Sua vida pela distância, mas clara, distinta
de provação e sacrifício parecia ter e bela para a sua visão deslum-
sido quase em vão. brada. Naquele cenário, Moisés a
No entanto, sabia ter recebido contemplou não como se encon-
de Deus essa missão e trabalho. trava naquele momento, mas como
Quando foi chamado pela primeira se tornaria com a bênção de Deus.
vez para tirar Israel do cativeiro, ele Havia montanhas revestidas de ce-
teve receio de assumir essa respon- dros, colinas acinzentadas pelos oli-
sabilidade, mas não rejeitou o dever. vais e que exalavam o perfume das
Mesmo na ocasião em que o Senhor vinhas, grandes planícies verdejan-
propôs liberá-lo e destruir o rebelde tes que brilhavam com suas flores
Israel, Moisés não pôde aceitar. Ele e com seus frutos abundantes, pal-
tinha recebido evidências especiais meiras, campos ondulantes de trigo
do favor de Deus; tinha alcançado e cevada, vales ensolarados ao som
uma rica experiência na comunhão melodioso dos riachos e do cântico
com o amor de Deus durante a per- dos pássaros, belas cidades e lindos
manência no deserto. Sentiu ter jardins, lagos ricos “na abundância
316 Os Escolhidos
dos mares”, rebanhos a pastarem nas Seu ministério de amor e simpatia e
colinas e em meio às rochas os te- os milagres que realizaria. Viu-O ser
souros acumulados da abelha silves- rejeitado por uma nação orgulhosa
tre. Era na verdade uma terra como e incrédula. Espantado, ele ouviu a
a que ele, inspirado pelo Espírito de arrogante exaltação da lei de Deus,
Deus, tinha descrito a Israel. ao mesmo tempo em que despreza-
vam e rejeitavam Aquele por quem
Moisés Antevê a História a lei tinha sido dada. Viu Jesus no
de Israel Monte das Oliveiras Se despedindo
Moisés viu o povo escolhido em com lágrimas nos olhos da cidade
Canaã; cada uma das tribos em seu que Ele amava.
respectivo território. Teve uma visão Quando Moisés assistiu a rejei-
de sua história – a longa e triste his- ção final por parte daquele povo
tória de sua apostasia e punição. por quem tinha trabalhado, orado
Viu-os espalhados entre as nações, a e se sacrificado, por quem esteve
glória deixar Israel, sua bela cidade disposto a ter o próprio nome ris-
em ruínas e o povo levado cativo cado do livro da vida, ao ouvir as
para terras estrangeiras. Viu-os de terríveis palavras: “Eis que a casa
volta à terra de sua herança, e por de vocês ficará deserta” (Mt 23:38),
fim trazidos sob o domínio de Roma. seu coração ficou muito angustiado.
Recebeu permissão para ver o Lágrimas de amargura rolaram dos
primeiro advento de nosso Salvador. seus olhos, compartilhando da tris-
Viu Jesus como um bebê em Belém. teza do Filho de Deus.
Ouviu as vozes do coro angelical
entoar o alegre cântico de louvor Moisés Vê a Crucifixão
a Deus e paz na Terra. No céu da e a Terra Renovada
noite, Moisés viu a estrela a guiar Moisés seguiu o Salvador ao
os homens sábios do Oriente até Getsêmani. Viu a agonia no jardim,
Jesus, e uma grande luz lhe inun- a traição, a zombaria e açoites, e a
dou a mente ao recordar as palavras crucifixão. Viu que assim como ele
proféticas: “Uma estrela surgirá mesmo tinha levantado a serpente
de Jacó; um cetro se levantará de de bronze no deserto, o Filho de
Israel” (Nm 24:17). Testemunhou a Deus deveria ser levantado, para
vida humilde de Cristo em Nazaré, “que todo o que nEle crer tenha a
A Morte de Moisés 317

vida eterna” (Jo 3:15). Mágoa, indig- nas terras estrangeiras aceitarem a
nação e horror encheram o coração fé. Ele se alegrou com o crescimento
de Moisés ao testemunhar a hipo- e a prosperidade de Israel.
crisia e ódio satânico da nação ju- Agora outra cena passou diante
daica contra o Redentor. dele. Foi mostrado a Moisés de que
Ouviu o grito de agonia de maneira Satanás levaria os judeus
Cristo: “Meu Deus! Meu Deus! Por a rejeitarem a Cristo enquanto pro-
que Me abandonaste?” (Mc 15:34). fessavam honrar a lei de Seu Pai.
Viu-O deitado no túmulo novo de Agora viu o mundo sob um engano
José. As trevas do desespero pa- semelhante, declarando aceitar a
reciam envolver o mundo. Moisés Cristo enquanto rejeita a lei de Deus.
olhou novamente e viu Jesus sair Ouviu o grito furioso dos sacerdo-
como vencedor e subir ao Céu, es- tes e anciãos: “Fora”, “Crucifica-O,
coltado por anjos em adoração e li- crucifica-O”. Então ouviu dos pro-
derando uma multidão de cativos fessos ensinadores cristãos o pro-
resgatados da sepultura. testo: “Fora com a lei!”
Moisés contemplou os discípu- Viu o sábado ser pisado e ser
los de Jesus ao saírem para levar o substituído por outro dia de ado-
Seu evangelho ao mundo. Apesar de ração. Moisés se encheu de es-
Israel “segundo a carne” ter fracas- panto e horror. Como podiam
sado em ser a luz do mundo, apesar aqueles que confiavam em Cristo
de terem perdido as Suas bênçãos colocar de lado a lei que é o funda-
como povo escolhido, ainda assim mento de Seu governo no Céu e na
Deus não desprezou os filhos de Terra? Com alegria, Moisés viu a lei
Abraão. Todos os que por meio de de Deus ainda honrada e exaltada
Cristo se tornassem filhos da fé se- por uns poucos fiéis. Viu a última
riam contados como descendentes grande luta dos poderes terrestres
de Abraão, herdeiros das promes- para destruir aqueles que guardam
sas da aliança. Assim como Abraão, a lei de Deus. Ouviu Deus proferir,
eles eram chamados para tornar co- de Sua santa habitação, o concerto
nhecidos ao mundo a lei de Deus e o de paz entre Ele e os que guarda-
evangelho de Seu Filho. Moisés viu ram a Sua lei. Contemplou a se-
a luz do evangelho brilhar por meio gunda vinda de Cristo em glória, os
dos discípulos de Jesus e milhares justos mortos ressuscitarem para a
318 Os Escolhidos
vida imortal, e os santos vivos tras- mantido em segredo. Anjos de Deus
ladados sem ver a morte, e juntos enterraram o corpo de Seu servo fiel
subirem com cânticos de alegria e vigiaram o túmulo solitário.
para a cidade de Deus. Ele não deveria ficar por muito
Ainda outra cena se abriu diante tempo no túmulo. O próprio Cristo,
de seus olhos – a Terra livre da com os anjos que sepultaram Moisés,
maldição, mais linda do que a boa desceu do Céu para chamar o santo
Terra da Promessa que havia pouco que dormia. Satanás exultou por ter
lhe tinha sido apresentada. Ali não sido bem-sucedido em levar Moisés
havia pecado, e a morte não podia a pecar e assim se colocar sob o do-
entrar. Com inexplicável alegria, mínio da morte. O grande adversá-
Moisés contemplou a cena, um li- rio declarou que a sentença divina:
vramento ainda mais glorioso do “Porque você é pó, e ao pó voltará”
que jamais poderia imaginar em (Gn 3:19), dava a ele posse dos mor-
suas esperanças mais radiantes. O tos. O poder da sepultura nunca
Israel de Deus finalmente entrava tinha sido quebrado até então, e ele
na boa terra depois que as peregri- reclamava como seus cativos todos
nações terrestres haviam passado os que se achavam no túmulo, para
para sempre. nunca serem libertados.
Sua visão volta à realidade e Ao se aproximarem do túmulo o
seus olhos repousam sobre a terra Príncipe da vida e os seres resplan-
de Canaã ao longe. Então, como decentes, Satanás ficou apreensivo
um guerreiro cansado, ele se deita pelo seu domínio. Ele se levantou
para descansar. “Moisés, o servo para contestar a invasão do terri-
do Senhor, morreu ali, em Moabe, tório que alegava ser seu. Declarou
como o Senhor dissera. Ele o se- que até mesmo Moisés não tinha
pultou em Moabe, no vale que fica sido capaz de guardar a lei de Deus.
diante de Bete-Peor, mas até hoje Moisés havia tomado para si a gló-
ninguém sabe onde está localizado ria devida a Jeová, o mesmo pecado
seu túmulo” (Dt 34:5, 6). Se o povo que fez com que ele fosse banido do
soubesse onde se localizava o seu tú- Céu, e por essa transgressão estava
mulo, muitos teriam corrido perigo sob o seu domínio. O maior dos trai-
de cometer idolatria com o seu corpo dores repetiu as acusações originais
sem vida. Por essa razão, o local foi que fez, que Deus foi injusto com ele.
A Morte de Moisés 319

Cristo poderia tê-lo lembrado glorificado, e subiu com seu Liber-


da obra cruel que seus enganos ha- tador à Cidade de Deus.
viam realizado no Céu, causando Deus excluiu Moisés de Canaã
a ruína de um grande número de para ensinar uma lição que jamais
seus habitantes. Poderia ter apon- devemos esquecer – que o Senhor
tado as mentiras ditas no Éden exige obediência estrita e que todos
que levaram Adão a pecar e trou- devem cuidar para não tomar para
xeram a morte à raça humana. Po- si a glória que é devida a seu Criador.
deria ter lembrado Satanás de que Ele não poderia atender ao pedido
tinha sido obra dele ainda tentar de Moisés para partilhar a herança
Israel a reclamar e a se rebelar, es- de Israel, mas Ele não Se esqueceu,
gotando a tolerante paciência de nem abandonou o Seu servo. No
seu líder, e ainda o surpreendendo topo do Pisga, Deus chamou Moisés
em um momento de descuido no para uma herança muito mais glo-
pecado pelo qual caiu sob o poder riosa do que a Canaã terrestre.
da morte. No entanto, Cristo con- No monte da transfiguração,
fiou tudo isso ao Seu Pai, dizendo: Moisés estava presente com Elias,
“O Senhor o repreenda!” (Jd 9). O que tinha sido transladado. Assim,
Salvador não entrou em discus- a oração de Moisés finalmente se
são com Seu adversário, mas na- cumpriu. Ele estava na “boa mon-
quele momento, ali mesmo, iniciou tanha”, dentro da herança de seu
a obra de quebrar o poder de Sata- povo, dando testemunho dAquele
nás e de trazer o morto à vida. Ali em quem todas as promessas de
estava uma prova da supremacia Israel estavam centralizadas. Essa
de Jesus. A presa foi tirada de Sa- é a última cena revelada aos olhos
tanás; os justos mortos viveriam mortais na história desse homem
outra vez. Moisés saiu do túmulo tão honrado pelo Céu.
44
*
Atravessando o Jordão
S omente depois de seu líder
ter sido retirado deles é
que Israel percebeu de fato o valor
e auxiliador, se eles andassem no ca-
minho de Seus mandamentos.
Josué era agora o reconhecido
de seus sábios conselhos, de sua ter- líder de Israel. Corajoso, persistente,
nura paternal e de sua fé inabalável. destituído de interesses egoístas e,
Moisés estava morto, mas sua acima de tudo, inspirado por uma
influência permaneceria viva. fé viva em Deus – esse era o caráter
Mesmo depois de o sol desapare- do homem divinamente escolhido
cer atrás das colinas, sua luz ainda para liderar os exércitos de Israel. Ele
ilumina o pico das montanhas. Da tinha ocupado o posto de primeiro-
mesma forma, as obras dos santos ministro de Moisés, e por sua fideli-
e bons iluminam o mundo muito dade sincera e despretensiosa, firmeza
tempo depois de sua morte. “O justo quando outros vacilaram e determi-
jamais será abalado; para sempre se nação para manter a verdade em meio
lembrarão dele” (Sl 112:6). ao perigo, deu prova de sua capacidade
Embora os israelitas estivessem para ser o sucessor de Moisés.
cheios de tristeza por sua grande Josué olhou para a obra diante
perda, não foram deixados sozi- dele com grande ansiedade, mas
nhos. A coluna de nuvem repou- a certeza dada por Deus removeu
sava sobre o tabernáculo durante o seus temores: “Assim como estive
dia e a coluna de fogo à noite. Deus com Moisés, estarei com você; nunca
ainda estava disposto a ser seu guia o deixarei, nunca o abandonarei.
* Este capítulo é baseado em Josué 1 a 5:12.
Atravessando o Jordão 321

[...] Você conduzirá este povo para portões. Os habitantes da cidade,


herdar a terra que prometi sob ju- aterrorizados e cheios de suspeita,
ramento aos seus antepassados.” estavam em alerta, e os mensagei-
“Todo lugar onde puserem os pés ros correram grande perigo, mas
Eu darei a vocês” (Js 1:5, 6, 3). foram preservados por Raabe,
“Somente seja forte e muito co- uma mulher de Jericó, sob o risco
rajoso! Tenha o cuidado de obedecer de perder a própria vida. Como re-
a toda a lei que o Meu servo Moisés compensa à sua bondade, eles pro-
lhe ordenou [...]. Não deixe de falar as meteram que a protegeriam quando
palavras deste Livro da Lei e de me- a cidade fosse tomada.
ditar nelas de dia e de noite.” “Não se
desvie dela, nem para a direita nem O Povo de Jericó Fica
para a esquerda [...]. Só então os seus Apavorado
caminhos prosperarão e você será Os espiões voltaram com a notí-
bem-sucedido” (Js 1:7, 8). cia: “Sem dúvida o Senhor entregou
A primeira mensagem de Deus a terra toda em nossas mãos; todos
para Josué tinha sido: “Agora, pois, estão apavorados por nossa causa”
você e todo este povo preparem-se (Js 2:24). Em Jericó lhes disseram:
para atravessar o rio Jordão e entrar “Temos ouvido como o Senhor
na terra que Eu estou para dar aos is- secou as águas do Mar Vermelho
raelitas” (Js 1:2). Josué sabia que não perante vocês quando saíram do
importava o que Deus ordenasse, Ele Egito, e o que vocês fizeram a leste
providenciaria os meios para Seu do Jordão com Seom e Ogue, os dois
povo cumprir. Nessa fé, o corajoso reis amorreus que vocês aniquila-
líder imediatamente deu início aos ram. Quando soubemos disso, o
preparativos para avançarem. povo desanimou-se completamente,
Em frente ao acampamento is- e por causa de vocês todos perde-
raelita estava a fortificada cidade de ram a coragem, pois o Senhor, o
Jericó, a chave de todo o país. Ela seu Deus, é Deus em cima nos céus
apresentaria um grande obstáculo e embaixo na terra” (Js 2: 10, 11).
a Israel. Assim, Josué enviou dois Imediatamente foram dadas or-
jovens como espiões para tirar in- dens para o povo se preparar para
formações sobre a população, os re- avançar. O povo deveria levar um su-
cursos e a resistência dos muros e primento de comida para três dias, e
322 Os Escolhidos
o exército deveria estar pronto para a novecentos metros separava a arca
batalha. Partindo do acampamento, do povo. Todos observavam com pro-
a multidão desceu à margem do fundo interesse os sacerdotes avan-
Jordão. Todos sabiam que sem o au- çarem para a margem do Jordão.
xílio divino não poderiam esperar Viram a arca sagrada se mover com
atravessar o rio. Naquela época do firmeza em direção ao rio agitado
ano, a neve que derretia das monta- e violento até os sacerdotes mergu-
nhas tinha aumentado o volume do lharem os pés na água. De repente,
Jordão a tal ponto de fazê-lo trans- a correnteza do lado de cima parou
bordar, sendo impossível atraves- de correr, enquanto a correnteza do
sá-lo. Era da vontade de Deus que a lado de baixo escoou totalmente, e o
travessia do Jordão fosse miraculosa. leito do rio ficou descoberto.
Por instrução divina, Josué or- Os sacerdotes avançaram para o
denou que o povo abandonasse meio do canal, e ali ficaram em pé,
seus pecados e se livrasse de toda enquanto toda a multidão desceu e
impureza exterior, “pois amanhã”, atravessou para o outro lado. O poder
ele disse, “o Senhor fará maravi- que segurou as águas do Jordão era o
lhas entre vocês” (Js 3:5). A “arca da mesmo que tinha aberto o Mar Ver-
aliança” deveria ir à frente. Ela de- melho para a geração passada qua-
veria ser retirada pelos sacerdotes renta anos antes. Depois que todo o
de seu lugar ao centro do acampa- povo passou, a arca foi levada para
mento e levada em direção ao rio. a margem ocidental. Os sacerdotes
“Assim saberão que o Deus vivo mal colocaram “os pés em terra seca”
está no meio de vocês e que cer- (Js 4:18) e as águas represadas foram
tamente expulsará de diante de soltas, em uma poderosa inundação,
vocês os cananeus [...]. Vejam, a arca no canal natural do rio.
da aliança do Soberano de toda a Enquanto os sacerdotes que car-
terra atravessará o Jordão à frente regavam a arca ainda estavam no
de vocês” (Js 3:10, 11). meio do Jordão, doze homens, um
No momento indicado, iniciou- de cada tribo, pegaram cada um
se o movimento para a frente, com uma pedra do leito do rio onde os
a arca abrindo caminho, carregada sacerdotes estavam em pé e levaram
aos ombros dos sacerdotes. Um es- para o lado ocidental. Essas pedras
paço vazio de aproximadamente deveriam formar um monumento
Atravessando o Jordão 323

no primeiro lugar de acampamento povo de voltar para a terra da escra-


além do rio, conforme disse Josué: vidão e por quebrar a aliança. Agora,
“Para que todos os povos da terra porém, os anos de rejeição tinham
saibam que a mão do Senhor é pode- terminado. O sinal da aliança foi
rosa e para que vocês sempre temam restaurado. O rito da circuncisão foi
o Senhor, o seu Deus” (Js 4:24). realizado naqueles que tinham nas-
Esse milagre foi uma segurança cido no deserto. O Senhor declarou
para Israel da presença e proteção a Josué: “Hoje removi de vocês a hu-
contínua de Deus, demonstrando milhação sofrida no Egito” (Js 5:9).
que Ele agiria em seu favor por in- As nações pagãs tinham zom-
termédio de Josué assim como havia bado do Senhor e de Seu povo por-
feito por meio de Moisés. O Senhor que os hebreus haviam fracassado
declarou a Josué antes da travessia do em tomar posse de Canaã logo de-
Jordão: “Hoje começarei a exaltá-lo pois de deixarem o Egito. Seus
à vista de todo o Israel, para que sai- inimigos triunfaram por Israel va-
bam que estarei com você como es- guear por tanto tempo no deserto, e
tive com Moisés” (Js 3:7). em tom de gozação declararam que
Quando a notícia de que Deus o Deus dos hebreus não era capaz
tinha segurado as águas do Jordão de conduzi-los à Terra Prometida.
para os filhos de Israel chegou aos O Senhor, porém, manifestou de
reis dos amorreus e dos cananeus, forma clara e direta Seu poder e
o coração deles tremeu de medo. favor em abrir o Jordão diante de
Para os cananeus, para todo Israel e Seu povo, e seus inimigos não mais
para o próprio Josué, ali estava uma poderiam zombar deles.
prova definitiva de que o Deus vivo, Eles celebraram a Páscoa, e “um
o Rei do Céu e da Terra, estava com dia depois de comerem do produto
Seu povo. Ele não os deixaria nem da terra, o maná cessou. Já não
os desampararia. havia maná para os israelitas, e na-
Os hebreus montaram seu pri- quele mesmo ano eles comeram do
meiro acampamento em Canaã a fruto da terra de Canaã” (Js 5:12).
uma pequena distância do Jordão. Os longos anos de peregrinação no
A suspensão da Páscoa e do rito da deserto chegaram ao fim. Os pés de
circuncisão tinha sido uma prova do Israel estavam finalmente pisando
desagrado do Senhor pelo desejo do na Terra Prometida.
45
A Queda Miraculosa
*
de Jericó
O s hebreus entraram em
Canaã, mas ainda não a ha-
viam conquistado. Ela era habitada
fortalezas maciças, essa orgulhosa
cidade desafiava o Deus de Israel.
Jericó era dedicada especialmente a
por um povo poderoso e pronto Astarote, a deusa da Lua. Ali se reu-
para se opor à invasão de seu ter- niam todos os aspectos mais imorais
ritório. Seus cavalos e carros de ba- e degradantes na religião dos cana-
talha de ferro, seu conhecimento neus. Com os terríveis resultados
do local e seu preparo para a guerra de seu pecado em Bete-Peor ainda
lhes davam grande vantagem. Além vivos na memória, o povo de Israel
disso, o país era guardado por “ci- apenas pôde olhar para essa cidade
dades grandes, com muros que vão pagã com repugnância e horror.
até o céu” (Dt 9:1). No conflito que Josué considerou a invasão de
tinham à frente, Israel poderia es- Jericó como o primeiro passo para
perar por sucesso unicamente na a conquista de Canaã. Retirando-se
certeza de uma força que não lhe do acampamento para meditar e
pertencia. orar, Josué avistou um impressio-
A grande e rica cidade de Jericó nante guerreiro armado “empu-
estava localizada apenas a uma pe- nhando uma espada”. À pergunta
quena distância de seu acampa- de Josué: “Você é por nós, ou por
mento em Gilgal. Protegida por nossos inimigos?”, o guerreiro
* Este capítulo é baseado em Josué 5:13-15; 6; 7.
A Queda Miraculosa de Jericó 325

respondeu: “Venho na qualidade de o mistério da cena aterrorizou o


Comandante do exército do Senhor” coração dos sacerdotes e do povo.
(Js 5:13-14). O misterioso estranho De novo inspecionaram suas fortes
era Cristo, o exaltado Ser. Cheio de defesas, certos de que elas seriam
temor e respeito, Josué caiu sobre o capazes de resistir ao mais forte
seu rosto e O adorou. Então, ouviu ataque. Muitos ridicularizavam a
esta promessa: “Saiba que entreguei ideia de que qualquer mal lhes pu-
nas suas mãos Jericó, seu rei e seus desse acontecer por meio daquelas
homens de guerra” (Js 6:2), e recebeu demonstrações incomuns. Outros
instruções para conquistar a cidade. ficavam aterrorizados ao observar
Em obediência à ordem di- a marcha a cada dia. Eles se lem-
vina, Josué convocou os exércitos bravam de que no passado o Mar
de Israel. Não deveriam fazer ne- Vermelho se abrira perante esse
nhum ataque, mas apenas cami- povo, e que uma passagem tinha
nhar ao redor da cidade, carregando acabado de ser aberta para eles no
a arca de Deus e tocando trombetas. rio Jordão.
A arca de Deus, rodeada pelo brilho
da glória divina, era carregada por O Método Simples de Deus
sacerdotes vestidos nos trajes espe- Durante seis dias Israel fez o cir-
ciais para exercer sua sagrada fun- cuito da cidade. Chegou o sétimo
ção. O exército de Israel os seguia. dia, e assim que surgiu o primeiro
Essa era a comitiva que circundou a raio de luz, Josué convocou os exér-
cidade condenada. citos do Senhor. Dessa vez, eles de-
Não se ouvia som algum, a não veriam marchar sete vezes ao redor
ser os passos daquela grande multi- de Jericó, e ao forte toque das trom-
dão e o toque solene das trombetas, betas deveriam gritar bem alto, pois
ecoando pelas colinas e ressoando Deus lhes entregaria a cidade.
pelas ruas de Jericó. O imenso exército marchou de
Admirados e alarmados, os vi- forma solene ao redor dos muros.
gias reportaram tudo às autorida- Tudo estava em silêncio, a não ser
des. Quando viram aquela multidão pelo som cadenciado da marcha.
poderosa marchar ao redor da ci- Os vigias em cima dos muros obser-
dade uma vez por dia, com a arca vavam cada vez com mais temor ao
sagrada e os sacerdotes assistentes, terminar o primeiro circuito e em
326 Os Escolhidos
seguida vir o segundo, depois o ter- Todos os habitantes e todos os
ceiro, o quarto, o quinto e o sexto. seres vivos foram mortos. Apenas
Qual poderia ser o objetivo desses a fiel Raabe com seus familiares
movimentos misteriosos? foram poupados em cumprimento
Eles não tiveram que esperar à promessa feita pelos espiões.
muito. Ao término da sétima volta, Os palácios e os templos da cidade,
a longa procissão parou. As trombe- suas magníficas mansões com toda a
tas, que por algum tempo tinham luxuosa mobília, ricas cortinas e caro
estado em silêncio, agora soaram vestuário, foram queimados. Aquilo
em um toque tão forte que sacudiu que não pudesse ser destruído pelo
a própria terra. Os muros de pedra fogo, “toda a prata, todo o ouro e
sólida, com suas torres e defesas ma- todos os utensílios de bronze e de
ciças, tremeram e se desprenderam ferro” (Js 6:19), deveria ser dedicado
de seu alicerce, e com um estrondo se ao serviço do tabernáculo. Jericó
despedaçaram no chão. Os habitan- nunca deveria ser reconstruída como
tes de Jericó ficaram paralisados de fortaleza. Ameaças de juízos foram
terror. Os exércitos de Israel entra- lançadas a qualquer um que preten-
ram e conquistaram a cidade. desse refazer os muros que o poder
Os israelitas não conseguiram divino tinha derrubado.
a vitória por si mesmos. A cidade e A destruição final do povo de
tudo o que nela havia deveriam ser Jericó foi um cumprimento das
dedicados como sacrifício a Deus ordens antes dadas a respeito dos
porque eram as primícias da terra. habitantes de Canaã: “Quando o
Na conquista de Canaã, os israelitas Senhor, o seu Deus, as tiver dado a
não deveriam lutar por si mesmos, vocês, e vocês as tiverem derrotado,
nem buscar riquezas ou exalta- então vocês as destruirão total-
ção própria, mas a glória de Jeová, mente.” “Nas cidades das nações que
seu Rei. A ordem tinha sido dada: o Senhor, o seu Deus, lhes dá por he-
“Fiquem longe das coisas consagra- rança, não deixem vivo nenhum ser
das, não se apossem de nenhuma que respira” (Dt 7:2, 20:16).
delas, para que não sejam destruí- Para muitos, essas ordens pare-
dos. Do contrário trarão destrui- cem contrárias ao espírito de amor
ção e desgraça ao acampamento de e misericórdia demonstrado em ou-
Israel” (Js 6:18). tras partes da Bíblia. Na verdade,
A Queda Miraculosa de Jericó 327

essas foram instruções de sabedo- e contaminar a Terra. Tanto o amor


ria e bondade infinitas. Deus es- quanto a justiça exigiam que esses
tava prestes a estabelecer Israel em rebeldes a Deus e inimigos da hu-
Canaã. Eles não apenas deveriam manidade fossem destruídos.
ser os herdeiros da verdadeira reli- “Pela fé caíram os muros de
gião, mas responsáveis por espalhar Jericó” (Hb 11:30). O Comandante
seus princípios ao redor do mundo. do exército do Senhor Se comuni-
Os cananeus tinham se entregado cou apenas com Josué, e não com
às degradações do paganismo, e era o restante da congregação. Cabia a
necessário que o país fosse limpo de eles crer ou duvidar das palavras de
qualquer coisa que viesse a impedir Josué. Não poderiam ver o exército
o cumprimento dos propósitos gra- de anjos que os acompanhava sob
ciosos de Deus. a liderança do Filho de Deus. Eles
Os habitantes tinham recebido bem poderiam ter pensado: “Que
várias oportunidades de arrependi- ridículo, marchar todo dia em volta
mento. Quarenta anos antes, os juí- dos muros da cidade, tocando trom-
zos enviados sobre o Egito haviam betas de chifres de carneiro. Isso não
testificado do poder do Deus de pode fazer nada contra aquelas for-
Israel. A derrota de Midiã, Gileade talezas enormes.” Entretanto, Deus
e Basã tinha agora mostrado que desejava impressionar a mente do
Jeová era superior a todos os deu- povo com o fato de que a sua força
ses. Sua aversão à impureza havia não estava na sabedoria ou poder
sido demonstrada nos juízos envia- humanos, mas unicamente no Deus
dos sobre Israel por participar dos de sua salvação. O Senhor fará gran-
rituais abomináveis de Baal-Peor. des coisas por aqueles que confiam
Os habitantes de Jericó sabiam de nEle. Se eles puserem sua inteira
todos esses eventos. Embora eles te- confiança nEle e Lhe obedecerem
nham se recusado a obedecer, mui- fielmente, Deus ajudará Seus filhos
tos partilhavam da convicção de fiéis em toda emergência.
Raabe de que o Deus de Israel “é
Deus em cima nos Céus e embaixo Derrota em Ai
na Terra” (Js 2:11). Assim como o Logo depois da queda de Jericó,
povo antediluviano, os cananeus vi- Josué se preparou para atacar Ai, uma
viam apenas para blasfemar do Céu cidade pequena em meio às colinas a
328 Os Escolhidos
poucos quilômetros a oeste do Vale do de Deus. Angustiado e apreensivo,
Jordão. Espiões relataram que havia com as autoridades de Israel, “ras-
poucos habitantes, e pouca força seria gou as vestes, prostrou-se, rosto em
necessária para conquistá-la. terra, diante da arca do Senhor, co-
A grande vitória que Deus con- brindo de terra a cabeça, e ali per-
cedeu aos israelitas fez com que maneceu até a tarde” (Js 7:6).
eles confiassem em si mesmos. “Ah, Soberano Senhor”, clamou,
Fracassaram em perceber que ape- “por que fizeste este povo atravessar
nas o auxílio divino poderia ga- o Jordão? Foi para nos entregar nas
rantir a eles o sucesso. Até mesmo mãos dos amorreus e nos destruir?
Josué fez seus planos para a con- [...] Que poderei dizer, Senhor, agora
quista de Ai sem buscar o conselho que Israel foi derrotado por seus ini-
de Deus. migos? Os cananeus e os demais ha-
Os israelitas começaram a olhar bitantes desta terra saberão disso,
para os seus inimigos com desdém. nos cercarão e eliminarão o nosso
Esperavam uma vitória fácil e pen- nome da terra. Que farás, então,
saram que três mil homens seriam pelo Teu grande nome?” (Js 7:7-9).
suficientes para conquistar o lugar. A resposta foi: “Levante-se! Por
Marcharam quase até a porta da ci- que você está aí prostrado? Israel
dade, apenas para encontrar uma pecou. Violou a aliança que Eu lhe or-
forte resistência. Tomados pelo pâ- denei”. Esse era um momento para
nico diante do grande número de ação imediata e decidida, e não para
inimigos bem preparados à sua desespero e lamentação. Havia um pe-
frente, fugiram em confusão ladeira cado secreto no acampamento, e ele
abaixo. Os cananeus “perseguiram deveria ser descoberto e removido.
os israelitas desde a porta da cidade “Não estarei mais com vocês, se não
[...] e os feriram na descida”. Apesar destruírem do meio de vocês o que foi
de o prejuízo ter sido pequeno no consagrado à destruição” (Js 7:10, 12).
que diz respeito a números – trinta
e seis homens mortos – a derrota foi Nação Afetada pelo Pecado
desanimadora. “O povo desanimou- de uma Família
se completamente” (Js 7:5). Um dos escolhidos para execu-
Josué reconheceu nessa der- tar os juízos de Deus havia deso-
rota uma expressão do desagrado bedecido à Sua ordem. E a nação
A Queda Miraculosa de Jericó 329

foi responsabilizada pela culpa escondidos no chão da minha tenda,


do transgressor: “Apossou-se de com a prata por baixo” (Js 7:20, 21).
coisas consagradas, roubou-as, Mensageiros retiraram a terra do
escondeu-as e as colocou junto de lugar indicado, e “lá estavam es-
seus bens” (Js 7:11). A sorte deveria condidas as coisas, com a prata por
ser lançada para detectar o culpado. baixo. Retiraram-nas da tenda e as
Isso levou algum tempo, deixando a levaram a Josué [...] e as puseram pe-
questão em dúvida para que o povo rante o Senhor” (Js 7:22, 23).
sentisse a sua responsabilidade e “Por que você nos causou esta
fosse levado a examinar o coração desgraça?”, disse Josué. “Hoje o Se-
e se humilhasse perante Deus. nhor lhe causará desgraça”. Por ter
De manhã bem cedo, Josué re- sido o povo responsabilizado pelo
uniu o povo, e deu início à cerimô- pecado de Acã e sofrido suas con-
nia solene e impressionante. Passo sequências, todos deveriam tomar
a passo a investigação prosseguiu. parte em sua punição. “E todo o Is-
Mais e mais perto se aproximava rael o apedrejou” (Js 7:25). No livro
a terrível prova. Foi indicada pri- de Crônicas está escrita a sua me-
meiro a tribo, depois a família, mória: “O filho de Carmi foi Acar.
então a casa, a seguir o homem, e Ele causou desgraça a Israel ao vio-
o dedo de Deus apontou Acã, filho lar a proibição de se apossar das coi-
de Carmi, da tribo de Judá, como o sas consagradas” (1Cr 2:7).
perturbador de Israel. Acã cometeu esse pecado em de-
Em seguida, de modo solene, safio às advertências mais diretas
Josué ordenou que Acã admitisse e solenes e às manifestações mais
a verdade. Esse homem miserável grandiosas do poder de Deus. O fato
fez uma confissão detalhada do de que a vitória de Israel tinha sido
crime: “É verdade que pequei con- alcançada unicamente pelo poder
tra o Senhor, o Deus de Israel. O que divino, de que eles não tomaram
fiz foi o seguinte: quando vi entre Jericó pela força de si mesmos, deu
os despojos uma bela capa feita na peso solene à ordem que os proibia
Babilônia, dois quilos e quatrocen- de participar dos despojos. Deus
tos gramas de prata e uma barra havia destruído aquela fortaleza; e a
de ouro de seiscentos gramas, eu cidade, com tudo o que nela estava,
os cobicei e me apossei deles. Estão deveria ser dedicada somente a Ele.
330 Os Escolhidos
Acã Não se Arrepende (Lc 12:15); “Entre vocês não deve
Entre os milhões de israeli- haver nem sequer menção […] de
tas, apenas um homem tinha ou- cobiça” (Ef 5:3). Temos como exem-
sado transgredir a ordem de Deus. plo o terrível fim de Acã, de Judas,
A cobiça de Acã foi despertada por de Ananias e Safira. Antes de todos
aquela rica capa de Sinear. Mesmo esses, temos o exemplo de Lúcifer.
estando face a face com a morte, Apesar de todas essas advertências,
ele a chamou de “bela capa feita na a cobiça está por toda a parte.
Babilônia” (Js 7:21). Ele se apossou Em todo lugar podemos ver seu
do ouro e da prata dedicados ao te- rastro pegajoso. Ela cria discórdia
souro do Senhor; roubou de Deus os na família; provoca a inveja e o
primeiros frutos da terra de Canaã. ódio do pobre contra o rico; ins-
Raramente a transgressão do dé- pira o rico a oprimir o pobre. Esse
cimo mandamento é repreendida. mal não existe apenas no mundo,
No entanto, as lições da história de mas também na igreja. Mesmo ali
Acã revelam a enormidade desse pe- é comum encontrar o egoísmo, a
cado, e seus terríveis resultados. cobiça, a negligência da caridade
Acã nutriu a cobiça por riquezas e o roubo a Deus “nos dízimos e
até que isso se tornou um hábito, nas ofertas”. Muitos frequentam
prendendo-o em algemas quase regularmente os cultos da igreja,
impossíveis de serem quebradas. enquanto entre os seus bens estão
O pensamento de trazer desastre escondidos lucros ilegais, coisas que
sobre Israel o teria enchido de hor- Deus amaldiçoou. Por uma “bela
ror, mas suas percepções estavam capa feita na Babilônia”, multidões
tão amortecidas pelo pecado que, sacrificam a sua esperança do Céu.
ao chegar a tentação, ele caiu como O clamor dos pobres e sofredores
presa fácil. não é atendido; a luz do evangelho é
Nós somos proibidos de cobi- desviada de seu caminho; a prática
çar, assim como Acã foi proibido de contradiz o discurso cristão. O co-
pegar os despojos de Jericó. Somos biçoso que se chama de cristão con-
advertidos: “Vocês não podem ser- tinua a ajuntar tesouros. “Pode um
vir a Deus e ao Dinheiro” (Mt 6:24). homem roubar de Deus? Contudo
“Cuidado! Fiquem de sobreaviso vocês estão Me roubando” (Ml 3:8),
contra todo tipo de ganância” diz o Senhor.
A Queda Miraculosa de Jericó 331

A Diferença entre a que o dedo de Deus apontou para ele.


Confissão Genuína e Quando já não poderia mais escon-
a Forçada der seu pecado, admitiu a verdade.
Por causa do pecado de uma Há uma grande diferença entre
só pessoa o desagrado de Deus re- admitir fatos após serem compro-
cairá sobre a igreja até que a trans- vados e confessar pecados conheci-
gressão seja descoberta e removida. dos apenas por nós mesmos e Deus.
A influência mais temida pela igreja A confissão de Acã serviu apenas
não é a dos oponentes diretos, in- para mostrar que seu castigo era
fiéis e blasfemos, mas a dos incoe- justo. Seu arrependimento não foi
rentes que impedem as bênçãos do sincero, não houve tristeza pelo pe-
Deus de Israel e causam o enfra- cado, nem mudança de propósito,
quecimento de Seu povo. Com ar- nem aversão ao mal.
rependimento profundo e exame de Da mesma forma, o culpado con-
coração, cada um procure descobrir fessará quando estiver diante do
os pecados secretos que têm afas- tribunal de Deus, depois de cada
tado a presença de Deus. caso ter sido decidido ou para vida
Acã viu os exércitos de Israel re- ou para morte. Um terrível senso
tornarem de Ai derrotados e de- da medonha expectativa do juízo
sanimados, mesmo assim não se arrancará de cada culpado o reco-
apresentou e confessou seu pecado. nhecimento de seu pecado. Tais
Viu Josué e as autoridades curvados confissões, porém, não podem sal-
em terra, com uma tristeza profunda var o pecador.
demais para expressar em palavras. Quando os registros do Céu
Ainda assim permaneceu em silêncio. forem abertos, o Juiz não declarará
Ouviu o anúncio de que um grande ao pecador a sua culpa, mas lançará
crime tinha sido cometido e ouviu até um olhar penetrante e convincente,
mesmo, de forma clara, de que crime e cada ação, cada atitude tomada na
se tratava, mas seus lábios estavam vida, será vividamente gravada na
fechados. Ele se encheu de terror ao memória do malfeitor. Os pecados
ver sua tribo ser apontada, em se- por tanto tempo escondidos dos
guida sua família e sua casa! Ainda olhos humanos serão então procla-
assim não fez confissão alguma até mados ao mundo inteiro.
46
As Bênçãos e
*
as Maldições
A pós a execução da sen-
tença de Acã, Josué re-
cebeu ordem para reunir todos os
Assim, em obediência, homens,
“mulheres, crianças, e os estran-
geiros que viviam no meio deles”
homens de guerra para atacar Ai (Js 8:35) partiram de Gilgal e mar-
mais uma vez. O poder de Deus es- charam pelo país de seus inimigos
tava com Seu povo e logo conquis- até o vale de Siquém, próximo do
taram a cidade. centro daquela terra. Apesar de es-
O povo estava ansioso para se tarem cercados por inimigos não
estabelecer em Canaã. Eles ainda conquistados, “o terror de Deus
não tinham casas ou terras para caiu [...] sobre as cidades ao redor”
suas famílias e, para consegui-las, (Gn 35:5), e os hebreus não foram
precisavam expulsar os cananeus. atacados ou ameaçados.
Um dever maior, porém, exigia sua Ali, tanto Abraão como Jacó ha-
atenção. Eles deveriam renovar a viam armado suas tendas. Ali, Jacó
aliança de lealdade a Deus. comprou o campo em que as tribos
As últimas orientações de deveriam sepultar o corpo de José.
Moisés incluíam instruções para Ali também estava o poço que Jacó
oferecer um culto especial nos mon- cavou.
tes Ebal e Gerizim, em Siquém, para O local escolhido era ideal para
o reconhecimento da lei de Deus. ser o teatro no qual aquela cena
* Este capítulo é baseado em Josué 8.
As Bênçãos e as Maldições 333

impressionante deveria ser repre- de Cristo, representada pelo altar


sentada. O lindo vale, com campos de sacrifício.
verdes pontilhados de bosques de Seis tribos ficaram no Monte Ge-
oliveiras, regados de riachos que rizim, as outras em Ebal, e os sacer-
brotavam de fontes vivas e enfei- dotes com a arca ocuparam o vale
tado de flores silvestres, apresen- entre os montes. Na presença da
tava-se como um convite entre as enorme congregação, Josué leu as
colinas secas. Ebal e Gerizim fica- bênçãos que seriam recebidas por
vam em lados opostos no vale, mas meio da obediência à lei de Deus.
quase se aproximavam um do outro. Todas as tribos em Gerizim res-
O sopé de ambos os montes pare- ponderam: “Amém”. Ele, então, leu
cia formar um púlpito natural. Cada as maldições, e as tribos em Ebal de
palavra dita em um era claramente igual maneira concordaram, unindo-
ouvida no outro. Os lados da mon- se milhares e milhares de vozes para
tanha ficavam um pouco para trás, a resposta solene. A seguir, foi feita
oferecendo assim espaço para a a leitura da lei de Deus, como tam-
grande congregação. bém dos estatutos e dos juízos en-
Um monumento de pedras gran- tregues por Moisés.
des foi construído no Monte Ebal. No Sinai, Israel havia recebido
Nessas pedras, preparadas com an- a lei da boca de Deus, e seus sagra-
tecedência com uma cobertura de dos mandamentos, escritos com a
argamassa, Josué escreveu a lei – Sua mão, foram guardados em se-
não apenas os Dez Mandamentos gurança na arca. Agora, ela tinha
proferidos no Sinai e gravados em sido escrita mais uma vez em um
tábuas de pedra, mas também a lei local onde todos poderiam ler por
transmitida por Moisés e escrita em si mesmos as condições da aliança
um livro. Além desse monumento, que deveria prevalecer enquanto ti-
ele construiu um altar de pedras vessem a posse da terra de Canaã.
não cortadas e nele ofereceu sa- Não fazia muitas semanas desde
crifícios ao Senhor. Por causa da que Moisés tinha lido todo o livro de
transgressão da lei de Deus, Israel Deuteronômio em discurso ao povo;
merecia receber com justiça a Sua entretanto, Josué de novo leu a lei.
ira, e eles a teriam sentido imedia- Não apenas os homens de Is-
tamente, se não fosse pela expiação rael, mas todas as mulheres e as
334 Os Escolhidos
crianças ouviram a leitura da lei, poder enganador contra elas. Deus
pois era importante que elas tam- Se permitiu falar Ele mesmo com o
bém soubessem de seu dever. Moi- povo usando a própria voz, escre-
sés ordenou: “Ao final de cada vendo com a própria mão a lei viva
sete anos, […] quando todo o Is- confiada à humanidade como um
rael vier apresentar-se ao Senhor, guia perfeito. Por estar Satanás tão
o seu Deus, no local que Ele es- pronto a desviar nossas afeições das
colher, vocês lerão esta lei pe- promessas e exigências do Senhor,
rante eles para que a escutem. é necessário ser perseverante para
Reúnam o povo, homens, mulhe- fixá-las firmemente na mente.
res e crianças, e os estrangeiros que Os fatos e as lições da história
morarem nas suas cidades, para bíblica devem ser apresentados em
que ouçam e aprendam a temer o linguagem simples e adaptados ao
Senhor, o seu Deus, e sigam fiel- entendimento dos jovens. Os pais
mente todas as palavras desta lei. podem atrair o interesse dos filhos
Os seus filhos, que não conhecem para a variedade de conhecimento
esta lei, terão que ouvi-la e aprender encontrado nas páginas sagradas.
a temer o Senhor, o seu Deus, en- Eles mesmos devem estar interes-
quanto vocês viverem na terra da sados. Aqueles que desejam que
qual tomarão posse quando atra- seus filhos amem e reverenciem
vessarem o Jordão” (Dt 31:10-13). a Deus devem falar de Sua bon-
dade, Sua majestade e Seu poder,
Devemos Estudar a Bíblia conforme estão revelados em Sua
com Perseverança Palavra e nas obras da criação.
Satanás está sempre em ativi- Cada capítulo e cada verso da
dade. Ele se esforça para perverter Bíblia é uma mensagem de Deus
o que Deus falou, para obscurecer a para nós. Se estudada e obedecida,
compreensão e levar as pessoas ao ela guiará o povo de Deus, assim
pecado. Deus está constantemente como o povo de Israel foi guiado,
procurando proteger as pessoas, para pela coluna de nuvem durante o
que Satanás não consiga usar seu dia e pela coluna de fogo à noite.
47
*
Enganados
D e Siquém, os israelitas
voltaram para o acam-
pamento em Gilgal. Ali, um grupo
da veracidade das palavras dos
estranhos.
“Talvez vocês vivam perto de
estranho os visitou, dizendo que vi- nós”, disseram. A essa pergunta, os
nham de um país distante. Pela apa- visitantes responderam: “Somos
rência que tinham, isso parecia ser seus servos”. Quando Josué lhes
verdade. As roupas estavam velhas e perguntou diretamente: “Quem
gastas, as sandálias remendadas, a co- são vocês? De onde vocês vêm?”,
mida embolorada e os couros que ser- eles continuaram: “Este nosso pão
viam como vasilhas de vinho estavam estava quente quando o embrulha-
rachados e amarrados, como que con- mos em casa no dia em que saímos
sertados às pressas durante a viagem. de viagem para cá. Mas vejam como
Em seu país “distante” – que agora está seco e esmigalhado. Estas
afirmavam ficar bem longe da vasilhas de couro que enchemos de
Palestina – eles ouviram das ma- vinho eram novas, mas agora estão
ravilhas que Deus havia realizado rachadas. E as nossas roupas e san-
e foram enviados para fazer uma dálias estão gastas por causa da
aliança com Israel. Os hebreus ti- longa viagem (Js 9:7, 8, 12, 13).
nham sido avisados para não fazer Os hebreus “não consulta-
qualquer tipo de aliança com os idó- ram o Senhor. Então Josué fez um
latras de Canaã, e surgiu uma dú- acordo de paz com eles, garantindo
vida na mente dos líderes a respeito poupar-lhes a vida, e os líderes da
* Este capítulo é baseado em Josué 9 e 10.
336 Os Escolhidos
comunidade o confirmaram com ju- Como os Gibeonitas
ramento” (Js 9:14, 15). A aliança foi se Tornaram Escravos
estabelecida. Três dias depois, Israel Permitiu-se que os gibeonitas
descobriu a verdade. “Souberam que vivessem, mas ficaram como escra-
eram vizinhos e que viviam perto vos ligados ao santuário para faze-
deles” (Js 9:16). Os gibeonitas recor- rem todo o trabalho servil. “Mas
reram ao engano para salvar a vida. naquele dia [Josué] fez dos gibeo-
Os israelitas ficaram ainda mais nitas lenhadores e carregadores de
indignados quando, depois de três água para a comunidade e para o
dias de viagem, eles chegaram às cida- altar do Senhor” (Js 9:27). Os gi-
des dos gibeonitas, próximas ao cen- beonitas aceitaram essas condições
tro do país. Entretanto, os príncipes com gratidão, alegres por manterem
se recusaram a quebrar a aliança, ape- a vida sob qualquer circunstância.
sar de ter sido conseguida por meio “Estamos agora nas suas mãos”, dis-
do engano, pois “haviam feito um ju- seram a Josué. “Faça conosco o que
ramento em nome do Senhor, o Deus lhe parecer bom e justo” (Js 9:25).
de Israel” e os filhos de Israel “não os Gibeom, a maior cidade desse
atacaram” (Js 9:18). Os gibeonitas se povo, “era tão importante como uma
comprometeram a renunciar à idola- cidade governada por um rei; [...] e
tria e a aceitar o culto a Jeová. Assim, todos os seus homens eram bons
a preservação de sua vida não foi uma guerreiros” (Js 10:2). Uma prova
transgressão da ordem de Deus para clara do terror que os israelitas cau-
destruir os idólatras cananeus. saram aos habitantes de Canaã está
Apesar de a aliança ter sido esta- no fato de que o povo de uma cidade
belecida pelo engano, não deveria ser poderosa como essa tenha recorrido
desconsiderada. Nenhuma conside- a um meio de escape tão humilhante
ração de lucro, vingança ou interesse para salvar a vida.
próprio pode, de qualquer maneira, Os gibeonitas, porém, teriam
afetar a natureza de um juramento se saído melhor se tivessem abor-
ou compromisso. “Quem poderá subir dado Israel de forma honesta.
o monte do Senhor?” E “entrar no seu O engano trouxe a eles apenas des-
Santo Lugar?” Aquele “que mantém a graça e escravidão. Deus tinha to-
sua palavra, mesmo quando sai pre- mado providências para que todos
judicado” (Sl 24:3; 15:4). os que renunciassem ao paganismo
Enganados 337

e se unissem a Israel também rece- as passagens para a Palestina central


bessem as bênçãos da aliança. Com e do sul, e Israel deveria conservá-la
poucas exceções, tal povo poderia a fim de conquistar o território.
usufruir os mesmos favores e pri- Os gibeonitas, cercados pelos
vilégios concedidos a Israel. inimigos, ficaram com medo de
Os gibeonitas poderiam ter sido que Josué rejeitasse seu apelo por
recebidos nessas condições. Para os causa do engano que praticaram.
cidadãos daquela cidade real, em Como eles se submeteram a Israel
que “todos os seus homens eram e aceitaram o culto a Deus, Josué
bons guerreiros” (Js 10:2), foi uma sentiu-se obrigado a protegê-los.
grande humilhação se tornarem Então o Senhor o encorajou: “Não
lenhadores e carregadores de água. tenha medo desses reis”, foi a men-
Assim, em todas as suas gerações, sagem divina, “Eu os entreguei nas
sua condição de escravos testifica- suas mãos. Nenhum deles conse-
ria de que Deus odeia a falsidade. guirá resistir a você.” “Josué partiu
de Gilgal com todo o seu exército,
O Longo Dia de Josué inclusive com os seus melhores
A submissão de Gibeom en- guerreiros” (Js 10:8, 7).
cheu os reis de Canaã de pavor. Mal os reis aliados tinham reu-
Eles imediatamente deram pas- nido seus exércitos ao redor da cidade
sos para se vingar daqueles que fi- quando Josué os atacou. O imenso
zeram paz com os invasores. Cinco exército fugiu dos hebreus pela gar-
dos reis cananeus se aliaram para ganta da montanha acima, para Bete-
atacar Gibeom. Os gibeonitas es- Horom, e do topo desceram correndo
tavam despreparados para se de- o precipício do outro lado. Ali, uma
fender e enviaram uma mensagem violenta chuva de granizo caiu sobre
para Josué em Gilgal: “Não aban- eles. “O Senhor lançou sobre eles
done os seus servos. Venha depressa! grandes pedras de granizo, que ma-
Salve-nos! Ajude-nos, pois todos os taram mais gente do que as espadas
reis amorreus que vivem nas mon- dos israelitas” (Js 10:11).
tanhas se uniram contra nós!” Enquanto os amorreus fugiam
(Js 10:6). O perigo ameaçava não em pânico, Josué olhou do alto e viu
apenas o povo de Gibeom, mas tam- que o dia seria curto demais para
bém Israel. Aquela cidade controlava cumprir sua missão. Se não fossem
338 Os Escolhidos
derrotados, os inimigos voltariam O segredo do sucesso é a união do
para lutar outra vez. “Josué excla- poder divino com o esforço hu-
mou ao Senhor, na presença de Israel: mano. O homem que ordenou:
‘Sol, pare sobre Gibeom! E você, ó lua, “Sol, pare sobre Gibeom! E você,
sobre o vale de Aijalom!’ O sol parou, ó lua, sobre o vale de Aijalom!”
e a lua se deteve, até a nação vingar- (Js 10:12) é o mesmo homem que
se dos seus inimigos. [...] O sol parou se curvou em terra durante horas
no meio do céu e por quase um dia em oração em Gilgal. As pessoas de
inteiro não se pôs” (Js 10:12, 13). oração são pessoas de poder.
Antes do anoitecer, a promessa Esse poderoso milagre é uma
de Deus a Josué se cumpriu. O ini- prova de que a criação está sob o
migo foi entregue em suas mãos. controle do Criador. Nesse mila-
Os eventos daquele dia permanece- gre, todos os que exaltam a natu-
ram por muito tempo na memória reza acima do Deus da natureza
de Israel. “Nunca antes nem depois são repreendidos.
houve um dia como aquele, quando Pela própria vontade, Deus con-
o Senhor atendeu a um homem. voca as forças da natureza para
Sem dúvida o Senhor lutava por derrotar a força de Seus inimigos
Israel!” (Js 10:14). “O sol e a lua pa- – “relâmpagos e granizo, neve e ne-
raram em suas moradas, diante do blina, vendavais que cumprem o que
reflexo de Tuas flechas voadoras, Ele determina” (Sl 148:8). Sabemos
diante do lampejo de Tua lança re- de uma batalha maior que será tra-
luzente. Com ira andaste a passos vada nas cenas finais da história
largos por toda a terra e com indig- da Terra, quando “O Senhor abriu
nação pisoteaste as nações. Saíste o Seu arsenal e trouxe para fora as
para salvar o Teu povo” (Hc 3:11-13). armas da Sua ira” (Jr 50:25).
Josué recebeu a promessa de que João, o revelador, descreve a des-
Deus derrotaria esses inimigos de truição que ocorrerá quando “uma
Israel; no entanto, esforçou-se o má- forte voz que vinha do trono”, anun-
ximo que pôde como se o sucesso ciar: “Está feito!” Ele diz: “Caíram
dependesse unicamente dos exér- sobre os homens, vindas do céu,
citos de Israel. Ele fez tudo o que a enormes pedras de granizo, de
força humana poderia fazer, e então cerca de trinta e cinco quilos cada”
suplicou com fé pelo auxílio divino. (Ap 16:17, 21).
48
*
Enfim, no Lar
A vitória em Bete-Horom
foi seguida pela con-
quista do sul de Canaã. “Josué con-
junto às águas de Merom, para lutar
contra Israel” (Js 11:4, 5).
Mais uma vez Josué recebeu
quistou a região toda, incluindo a uma mensagem de ânimo: “Não
serra central, o Neguebe, a Sefelá e tenha medo deles, porque amanhã
as vertentes. [...] Também subjugou a esta hora os entregarei todos mor-
todos esses reis e conquistou suas tos a Israel” (Js 11:6).
terras numa única campanha, pois Perto do lago Merom Josué ata-
o Senhor, o Deus de Israel, lutou por cou o acampamento dos reis alia-
Israel” (Js 10:40, 42). dos, “e o Senhor os entregou nas
As tribos do norte da Palestina, mãos de Israel, que os derrotou e os
aterrorizadas pelo sucesso dos exér- perseguiu […] sem deixar sobrevi-
citos de Israel, entraram agora em vente algum” (Js 10:8). Ao comando
aliança contra eles. “Saíram com de Deus, os carros de guerra foram
todas as suas tropas, um exército queimados e os cavalos aleijados,
imenso” (Js 11:4). Esse exército era fazendo com que ficassem inutili-
muito maior do que qualquer outro zados para a batalha. Os israelitas
que os israelitas tinham encontrado não deveriam confiar em carros de
em Canaã – “tão numeroso como a guerra ou cavalos, mas “no nome do
areia da praia, além de um grande Senhor seu Deus”.
número de cavalos e carros. Todos As cidades foram tomadas uma
esses reis se uniram e acamparam por uma, e Hazor, a capital de todos
* Este capítulo é baseado em Josué 10:40-43; 11; 14 a 22.
340 Os Escolhidos
os reinos da aliança, foi queimada. do Senhor. Calebe agora lembra
A guerra continuou por vários anos; Josué da promessa feita naquela
mas, ao terminar, Josué dominava ocasião, como recompensa por sua
Canaã. “E a terra teve descanso da fidelidade: “Certamente a terra em
guerra” (Js 11:23). que você pisou será uma herança
O poder dos cananeus tinha sido perpétua para você e para os seus
quebrado, mas eles não tinham sido descendentes, porquanto você foi
completamente expulsos. Josué, inteiramente fiel ao Senhor, o meu
porém, deveria continuar a guerra. Deus” (Js 14:9). Calebe, portanto,
O território inteiro, tanto as partes pediu que lhe fosse dado Hebrom.
já conquistadas como as que ainda Ali tinha sido o lar de Abraão,
tinham que ser dominadas, deveria Isaque e Jacó. Eles estavam enter-
ser repartido entre as tribos. Cada rados na caverna de Macpela.
tribo tinha o dever de conquistar Hebrom era a sede dos temidos
por completo a própria herança. Se o enaquins, cuja aparência impres-
povo se mostrasse fiel a Deus, Ele ex- sionante havia aterrorizado os es-
pulsaria seus inimigos diante deles. piões e destruído a coragem de todo
A localização de cada tribo era es- Israel. Esse era o lugar que Calebe,
colhida por sorteio. O próprio Moisés confiando na força de Deus, esco-
tinha determinado as fronteiras do lheu por herança.
território, conforme deveria ser di- “Pois bem, o Senhor manteve-
vidido entre as tribos, e havia indi- me vivo, como prometeu”, disse ele.
cado um príncipe de cada tribo para “E foi há quarenta e cinco anos que
auxiliar na distribuição. Os levitas ele disse isso a Moisés [...]. Por isso
receberam por herança quarenta e aqui estou hoje, com oitenta e cinco
oito cidades em várias partes do país. anos de idade! Ainda estou tão forte
como no dia em que Moisés me en-
Calebe Pede o Lugar viou; tenho agora tanto vigor para ir
mais Difícil à guerra como tinha naquela época.
Calebe e Josué foram os únicos Dê-me, pois, a região montanhosa
dos doze espiões que tinham apre- que naquela ocasião o Senhor me
sentado um bom relatório da Terra prometeu. Na época, você ficou
Prometida, animando o povo a se sabendo que os enaquins lá vi-
levantar e se apossar dela no nome viam com suas cidades grandes e
Enfim, no Lar 341

fortificadas; mas, se o Senhor esti- buscar novas conquistas para o bene-


ver comigo, eu os expulsarei de lá, fício da nação e para a glória de Deus.
como Ele prometeu” (Js 14:10-12). Os covardes e rebeldes haviam
O pedido de Calebe foi imediata- morrido no deserto, mas os espiões
mente concedido. “Josué abençoou justos comeram das uvas de Escol.
Calebe, filho de Jefoné, e lhe deu [Escol foi o lugar em que, quarenta
Hebrom por herança”, “pois ele foi anos antes, os espiões tinham cor-
inteiramente fiel ao Senhor, o Deus tado o cacho de uvas que precisou
de Israel” (Js 14:13, 14). Calebe creu ser carregado em uma vara por
na promessa de Deus de que Ele lhes dois homens. Ver Números 13:23.]
daria a posse de Canaã. Havia su- Os descrentes tinham visto seus
portado a longa peregrinação pelo temores se concretizarem. Haviam
deserto, participado dos desapon- declarado ser impossível herdar
tamentos e do trabalho dos culpa- Canaã, e de fato não a herdaram.
dos. Não reclamou, mas exaltou a Aqueles que confiaram na força do
misericórdia de Deus em mantê-lo Poderoso Auxiliador entraram na
vivo no deserto quando seus irmãos boa terra. Pela fé os antigos heróis
foram mortos. Ele não pediu um ter- “conquistaram reinos, [...] escapa-
ritório já conquistado, mas um lugar ram do fio da espada; da fraqueza
que, mais do que todos, os espiões ti- tiraram força, tornaram-se podero-
nham julgado ser impossível de con- sos na batalha e puseram em fuga
quistar. O corajoso e velho guerreiro exércitos estrangeiros.” “Esta é a vi-
queria dar ao povo um exemplo que tória que vence o mundo: a nossa fé”
honraria a Deus e animaria as tri- (Hb 11:33, 34; 1Jo 5:4).
bos a conquistarem o território que Outro pedido revelou um espí-
a geração anterior tinha considerado rito totalmente diferente de Calebe.
inconquistável. Os filhos de José, da tribo de Efraim
Confiando que Deus estaria com e a metade da tribo de Manassés,
ele, Calebe “expulsou de Hebrom os exigiram uma porção dupla de
três […] descendentes de Enaque” terra. A porção que receberam era
(Js 15:14). Em seguida, tendo con- a mais rica do território, incluindo a
quistado a terra para si e para a sua planície fértil de Sarom. Entretanto,
casa, não se estabeleceu a fim de apro- muitas das principais cidades do
veitar sua herança, mas continuou a vale ainda estavam sob o domínio
342 Os Escolhidos
dos cananeus, e as tribos não que- expulsá-los” (Js 17:17, 18). Com a
riam enfrentar a tarefa e o perigo de ajuda de Deus, eles não precisavam
conquistar sua herança. Desejavam ter medo dos carros de ferro.
uma porção adicional de território Agora o tabernáculo deveria ser
já conquistado. A tribo de Efraim removido de Gilgal para sua loca-
era uma das maiores de Israel, bem lização permanente, em Siló, uma
como a que o próprio Josué per- pequena cidade no território de
tencia. “Por que nos deste apenas Efraim, perto do centro do país e
um quinhão, uma só porção de he- de fácil acesso para todas as tribos.
rança?”, disseram. “Somos um povo Ali, parte do território tinha sido
numeroso” (Js 17:14). dominada, de forma que os adora-
A resposta do inflexível líder foi: dores não seriam atacados. “Toda a
“Se vocês são tão numerosos, e se os comunidade dos israelitas reuniu-
montes de Efraim têm pouco espaço se em Siló e ali armou a Tenda do
para vocês, subam, entrem na flo- Encontro” (Js 18:1).
resta e limpem o terreno para vocês A arca permaneceu em Siló por
na terra dos ferezeus e dos refains” trezentos anos até que, por causa
(Js 17:15). dos pecados da casa de Eli, ela foi
A resposta revelou o real motivo capturada pelos filisteus.
da reclamação. Faltava-lhes fé e co-
ragem para expulsar os cananeus. Siló se Torna uma
“Os montes não são suficientes para Advertência
nós; além disso todos os cananeus O serviço do santuário foi trans-
que vivem na planície possuem car- ferido para o templo em Jerusalém,
ros de ferro” (Js 17:16). e Siló foi arruinada. Muito tempo
Se os efraimitas tivessem a cora- depois, Deus usou o destino de Siló
gem e fé de Calebe, inimigo algum como uma advertência a Jerusalém.
permaneceria em seu caminho. “Portanto, vão agora a Siló”, decla-
Com firmeza, Josué confrontou o rou o Senhor a Jeremias, “o Meu
desejo que tinham de evitar a difi- lugar de adoração, onde primeiro
culdade e o perigo: “Vocês são nume- fiz uma habitação em honra ao
rosos e poderosos”, disse. “Embora Meu nome, e vejam o que Eu lhe fiz
os cananeus possuam carros de por causa da impiedade de Israel, o
ferro e sejam fortes, vocês poderão Meu povo. [...] Eu farei a este templo
Enfim, no Lar 343

que leva o Meu nome, no qual vocês dos juízes. O vingador poderia
confiam, o lugar de adoração que dei perseguir o criminoso e matá-lo
a vocês e aos seus antepassados, o onde quer que fosse encontrado.
mesmo que fiz a Siló” (Jr 7:12, 14). O Senhor não aboliu esse costume,
“Quando terminaram de dividir mas tomou providências para ga-
a terra” (Js 19:49), Josué apresen- rantir a segurança daqueles que ti-
tou seu pedido. Ele não pediu um rassem a vida por acidente.
grande território, mas uma sim- As cidades de refúgio poderiam
ples cidade, Timnate-Sera, “a por- ser alcançadas dentro de meio dia
ção que resta”. O conquistador, em de viagem a partir de qualquer
vez de ser o primeiro a escolher os ponto do território. As estradas
despojos conquistados, esperou até que levavam até elas eram manti-
que os mais humildes dentre o povo das sempre em bom estado. Havia
tivessem sido servidos para então placas com a palavra Refúgio em le-
apresentar seu pedido. tras nítidas e legíveis, para que o
fugitivo não se demorasse nem por
Cidades de Refúgio um momento. O assassino deveria
Das cidades destinadas aos le- receber um julgamento justo pelas
vitas, seis foram escolhidas como devidas autoridades e receber a pro-
cidades de refúgio, “para onde po- teção da cidade de refúgio somente
derá fugir quem tiver matado al- se fosse inocente de assassinato in-
guém sem intenção. Elas serão tencional. O culpado era entregue
locais de refúgio [...], a fim de que ao vingador. Após a morte do sumo
alguém acusado de assassinato não sacerdote, porém, todos os que esti-
morra antes de apresentar-se para vessem refugiados nas cidades es-
julgamento perante a comunidade” tavam livres para voltar para casa.
(Nm 35:11, 12). Foi necessário No julgamento por assassinato,
tomar essa misericordiosa provi- o acusado não deveria ser conde-
dência porque a responsabilidade de nado pelo depoimento de apenas
punir o assassino recaía sobre o pa- uma testemunha, mesmo que a evi-
rente mais próximo ou sobre o her- dência da culpa fosse forte. “Quem
deiro imediato da vítima. Nos casos matar uma pessoa terá que ser
em que se provava a culpa, não era executado como assassino me-
preciso esperar pelo julgamento diante depoimento de testemunhas.
344 Os Escolhidos
Mas ninguém será executado me- da lei de Deus. Eles podem fugir
diante o depoimento de apenas uma para lá em busca de segurança con-
testemunha” (Nm 35:30). Foi Cristo tra a segunda morte. Poder algum
quem deu por intermédio de Moisés pode tirar das Suas mãos os que
essas instruções a Israel e, quando nEle buscam perdão.
esteve pessoalmente na Terra como A pessoa que fugia para a cidade
Grande Mestre, Ele repetiu a lição de de refúgio não poderia se demorar.
que o depoimento de uma só pes- Não havia tempo para dizer adeus
soa não deve livrar ou condenar. aos queridos. O cansaço era esque-
A opinião de uma única pessoa não cido, ignoravam-se as dificuldades.
deve resolver questões em debate. O fugitivo não ousava diminuir o
“Qualquer acusação seja confirmada passo até que estivesse seguro den-
pelo depoimento de duas ou três tes- tro dos limites da cidade.
temunhas” (Mt 18:16). A perda de tempo e o descuido
Nenhuma expiação ou resgate poderiam roubar dos fugitivos a sua
poderia livrar uma pessoa que se única chance de vida. Assim, a demora
provou ser culpada. “Não aceitem e a indiferença podem resultar na des-
resgate pela vida de um assassino; truição da vida. Satanás, o grande
ele merece morrer. Certamente adversário, persegue cada transgres-
terá que ser executado.” “Não pro- sor da santa lei de Deus, e todos os
fanem a terra onde vocês estão. que não buscarem abrigo no refúgio
O derramamento de sangue pro- eterno serão presa do destruidor.
fana a terra, e só se pode fazer pro- O prisioneiro que em qualquer
piciação em favor da terra em que se ocasião saísse da cidade de refúgio
derramou sangue, mediante o san- se tornava alvo fácil do vingador do
gue do assassino que o derramou” sangue. Assim, hoje, não basta que
(Nm 35:31, 33). A segurança e pureza os pecadores creiam em Cristo para
da nação exigiam que o pecado de obter o perdão do pecado; pela fé
assassinato fosse punido com rigor. e obediência, eles devem permane-
As cidades de refúgio eram um cer nEle.
símbolo do refúgio provido por
Cristo. Ao derramar o próprio san- Uma Guerra Civil Evitada
gue, o Salvador providenciou um re- Duas tribos, Gade e Rúben,
tiro seguro para os transgressores assim como a metade da tribo de
Enfim, no Lar 345

Manassés, haviam recebido sua as tentações em sua vida isolada e


herança antes de cruzar o Jordão. peregrina para cair nos costumes
As vastas planícies e ricas flores- das tribos pagãs que viviam nas
tas de Gileade e Basã tinham atra- fronteiras de seu território.
tivos que não se encontravam na Enquanto Josué e outros líderes
própria Canaã. As duas tribos e ainda estavam inquietos com pres-
meia, com o desejo de se estabe- sentimentos preocupantes, notí-
lecer ali, comprometeram-se em cias estranhas chegaram até eles.
enviar a sua cota de homens ar- Ao lado do Jordão, as duas tribos e
mados para acompanhar seus ir- meia tinha construído um grande
mãos além do Jordão e participar altar semelhante ao altar de sacrifí-
das batalhas até que eles também cio em Siló. Sob pena de morte, a lei
tivessem recebido sua herança. de Deus proibia o estabelecimento
Quando as dez tribos entraram de qualquer outro ponto de adora-
em Canaã, quarenta mil dos “ho- ção além do santuário, pois isso des-
mens das tribos de Rúben, de Gade viaria o povo da fé verdadeira.
e da metade da tribo de Manassés Foi decidido que deveriam ser
[…] preparados para a guerra pas- enviados representantes para obter
saram perante o Senhor, rumo à das duas tribos e meia uma explica-
planície de Jericó” (Js 4:12, 13). ção de sua atitude. Foram escolhi-
Eles lutaram corajosamente du- dos dez príncipes, um de cada tribo.
rante anos ao lado de seus irmãos. O líder era Fineias, que se distin-
Por se unirem a eles nos conflitos, guiu por seu zelo nos acontecimen-
também partilharam dos despojos. tos em Peor.
Voltaram “para casa com as rique- Certos de que seus irmãos
zas que juntaram: grandes reba- eram culpados, os representantes
nhos, prata, ouro, bronze e ferro, e se dirigiram a eles com ásperas re-
muitas roupas” (Js 22:8). Tudo isso preensões. Fazendo com que se
deveria ser dividido com os que ha- lembrassem de como os juízos ti-
viam permanecido com as famílias nham caído sobre Israel por terem
e os rebanhos. se unido a Baal-Peor. Fineias de-
Com o coração apreensivo, Josué clarou aos filhos de Gade e Rúben
observou parte do povo israelita que se não estivessem dispostos a
partir, sabendo quão fortes seriam viver naquela terra sem um altar de
346 Os Escolhidos
sacrifício, eles seriam bem-vindos
dificuldades de um simples desen-
em participar das posses e privilé-
tendimento, e sem a prática da cor-
gios das tribos do outro lado do rio.
tesia e paciência, podem ocorrer
Em resposta, os acusados expli-
sérios resultados. As dez tribos de-
caram que não tinham intenção de
cidiram agir pronta e rigidamente;
oferecer sacrifícios naquele altar,
mas em vez de perguntar com edu-
mas mantê-lo como uma testemu-cação a respeito dos fatos relaciona-
nha de que, apesar de separados pelo
dos ao caso, foram aos irmãos com
rio, eles pertenciam à mesma fé de
reprovação e condenação. Se o povo
seus parentes em Canaã. Temeram
de Gade e Rúben tivessem retrucado
que nos anos futuros seus filhos pu-
no mesmo espírito, uma guerra po-
dessem ser excluídos, como que não
deria ter sido o resultado. Ao mesmo
fazendo parte de Israel. Aquele altar,
tempo em que é importante tratar
construído à semelhança do altar do
o pecado com firmeza, é igualmente
Senhor em Siló, serviria de testemu-
importante evitar o julgamento rís-
nha de que seus construtores tam-
pido e a suspeita infundada.
bém eram adoradores do Deus vivo. A censura e a repreensão nunca
Com grande felicidade os repre-
recuperaram alguém que estivesse
sentantes aceitaram a explicação, e
em uma posição de erro, mas mui-
tos são dessa forma afastados do ca-
o povo se uniu em alegria e louvor
a Deus. minho direito e levados a endurecer
As tribos de Gabe e de Rúben
o coração contra a convicção da ver-
colocaram uma inscrição no altar
dade. Uma abordagem mansa e cor-
explicando o propósito de ter sido
tês pode salvar os que erram.
construído. Disseram: “Um Teste- Embora buscassem promover
munho Entre Nós de que o Senhor
com sinceridade a causa da verda-
é Deus” (Js 22:34). Dessa forma, eles
deira religião, os rubenitas foram
tentaram evitar futuros desenten-
julgados falsamente e repreendidos
dimentos e remover uma possível
com severidade. Mesmo assim, eles
fonte de tentação. ouviram com cortesia e paciência as
acusações antes de procurarem se
Como Evitar Conflitos defender e, então, explicaram deta-
Desnecessários lhadamente suas motivações e pro-
Muitas vezes, surgem sérias varam sua inocência.
Enfim, no Lar 347

Mesmo sob falsa acusação, os é um com o Pai, para que o mundo


que estão com a razão podem se pudesse crer que Deus O havia
manter calmos e sensatos. Deus enviado. Essa oração comovente
sabe a verdade a respeito de todas atravessa os séculos, mesmo até
as coisas que as pessoas compreen- os nossos dias. Embora não deva-
dem ou interpretam mal, e pode- mos sacrificar um princípio sequer
mos com segurança deixar nosso da verdade, deve ser nosso cons-
caso em Suas mãos. Ele defenderá a tante objetivo alcançar esse estado
causa daqueles que confiarem nEle. de unidade. Jesus disse: “Com isso
Um pouco antes de Sua crucifi- todos saberão que vocês são Meus
xão, Cristo orou para que Seus dis- discípulos, se vocês se amarem uns
cípulos fossem um assim como Ele aos outros” (Jo 13:35).
49
Últimas Palavras
*
de Josué
Q uando as guerras e con-
quistas terminaram, Josué
foi para o retiro tranquilo de seu lar
tinham uma boa parte da terra
prometida a Israel, e Josué insistiu
para que o povo não se esquecesse
em Timnate-Sera. “Passado muito da ordem do Senhor de expulsar
tempo, depois que o Senhor concedeu aquelas nações idólatras.
a Israel descanso de todos os inimi- Todas as tribos já tinham ido
gos ao redor, Josué [...] convocou todo embora para os seus lares, o exército
o Israel, com as autoridades, os líde- tinha se dispersado, e recomeçar a
res, os juízes e os oficiais” (Js 23:1, 2). guerra parecia uma tarefa difícil e
Sentindo os efeitos da velhice duvidosa. Josué, no entanto, decla-
e percebendo que seu trabalho rou: “O Senhor, o seu Deus, as ex-
em breve terminaria, Josué ficou pulsará da presença de vocês. Ele
muito preocupado com o futuro de as empurrará de diante de vocês, e
seu povo. “Vocês mesmos viram”, vocês se apossarão da terra delas,
disse ele, “tudo o que o Senhor, o como o Senhor lhes prometeu.
seu Deus, fez com todas essas na- Façam todo o esforço para obedecer
ções por amor a vocês; foi o Senhor, e cumprir tudo o que está escrito no
o seu Deus, que lutou por vocês” Livro da Lei de Moisés, sem se des-
(Js 23:3). Apesar de os cananeus viar, nem para a direita nem para a
terem sido dominados, eles ainda esquerda” (Js 23:5, 6).
* Este capítulo é baseado em Josué 23 e 24.
Últimas Palavras de Josué 349

Deus tinha fielmente cumprido Antes da morte de Josué, os líde-


a promessa feita a eles. “Vocês res e os representantes das tribos se
sabem, lá no fundo do coração e da reuniram mais uma vez em Siquém.
alma”, disse ele, “que nenhuma das Nenhum outro lugar, em todo o ter-
boas promessas que o Senhor, o seu ritório conquistado, possuía tantas
Deus, lhes fez deixou de cumprir- recordações sagradas. Ali estavam
se. Todas se cumpriram; nenhuma os montes Ebal e Gerizim, as teste-
delas falhou” (Js 23:14). munhas silenciosas dos votos que
Assim como Deus havia cum- agora se reuniam para renovar na
prido Suas promessas, Ele também presença do líder prestes a morrer.
cumpriria as Suas ameaças. “Mas, Deus tinha dado a eles uma terra
assim como cada uma das boas pela qual não trabalharam, cidades
promessas do Senhor, o seu Deus, que não construíram e vinhedos e
se cumpriu, também o Senhor fará olivais que não plantaram. Josué re-
cumprir-se em vocês todo o mal com cordou a história de Israel uma vez
que os ameaçou […]. Se violarem a mais, relembrando as obras mara-
aliança [com] o Senhor […], a ira do vilhosas de Deus para que todos ti-
Senhor se acenderá contra vocês, vessem a oportunidade de sentir
e vocês logo desaparecerão da boa Seu amor e misericórdia e pudes-
terra que Ele lhes deu” (Js 23:15, 16). sem servi-Lhe “com integridade e fi-
Em toda a maneira de Deus tratar delidade” (Js 24:14).
as Suas criaturas, Ele tem mantido Por ordem de Josué, a arca tinha
os princípios da justiça, revelando o sido trazida de Siló. Esse símbolo da
pecado em seu verdadeiro caráter – presença de Deus aprofundaria a
demonstrando que seu resultado impressão que ele desejava produ-
certo é a miséria e a morte. Nunca zir no povo. Depois de apresentar a
houve nem nunca haverá perdão in- bondade de Deus para com Israel, ele
condicional do pecado. Tal perdão en- os convidou a escolher a quem ser-
cheria de espanto o Universo dos seres viriam. Até certo ponto, eles ainda
não caídos. Deus fielmente apontou adoravam ídolos às escondidas, e
os resultados do pecado, e se essas Josué tentou naquele momento
advertências não fossem verdadei- levá-los à decisão de banir esse pe-
ras, como poderíamos ter certeza de cado de Israel. “Se, porém, não lhes
que Suas promessas se cumpririam? agrada servir ao Senhor”, disse ele,
350 Os Escolhidos
“escolham hoje a quem irão servir” que os amorreus serviram e que foi
(Js 24:15). Josué não queria cons- a razão de serem destruídos!
trangê-los a servir a Deus, mas dese- “Mas, eu e a minha família”,
java que tomassem essa decisão por declarou Josué, “serviremos ao
livre vontade. Servir ao Senhor ape- Senhor” (Js 24:15). O povo sentiu
nas pela esperança de recompensa o mesmo zelo santo que inspirou o
ou por medo da punição era algo coração do líder, e responderam sem
inaceitável. A hipocrisia e o mero hesitar: “Longe de nós abandonar o
culto formal seriam mais ofensivos Senhor para servir outros deuses!”
a Deus do que a apostasia declarada. (Js 24:16).
No entanto, antes que pudessem
A Importância da Escolha fazer qualquer reforma duradoura,
Certa deveriam sentir sua completa inca-
O idoso líder insistiu para que o pacidade de obedecer por si mes-
povo considerasse o que ele tinha mos a Deus. Enquanto confiassem
lhes apresentado. Se lhes parecia na justiça própria, seria impossível
mal servir ao Senhor, a fonte do conseguir o perdão; não poderiam
poder e de bênçãos, que escolhes- atender às exigências da lei perfeita
sem naquele dia a quem iriam servir de Deus, e em vão se comprome-
– “aos deuses que os seus antepas- tiam a servir-Lhe. Somente pela fé
sados serviram”, do meio de quem em Cristo poderiam garantir o per-
Abraão foi chamado a sair, “ou aos dão do pecado e receber força para
deuses dos amorreus, em cuja terra obedecer à lei de Deus. Deveriam
vocês estão vivendo” (Js 24:15). confiar totalmente nos méritos do
Essas últimas palavras repre- prometido Salvador.
sentaram uma forte repreensão a Com profunda seriedade re-
Israel. Os deuses dos amorreus não petiram o juramento de lealdade:
tinham sido capazes de proteger “Serviremos ao Senhor, o nosso
seus adoradores. Por causa de seus Deus, e Lhe obedeceremos” (Js 24:24).
pecados degradantes, aquela nação “Naquele dia Josué fez um
ímpia havia sido destruída, e a boa acordo com o povo em Siquém, e lhe
terra que uma vez possuíram tinha deu decretos e leis. […] Depois Josué
sido entregue ao povo de Deus. Que despediu o povo, e cada um foi para
tolice para Israel escolher os deuses a sua propriedade” (Js 24:25, 28).
Últimas Palavras de Josué 351

Sua missão estava cumprida. Ele de seu trabalho: “Israel serviu ao


“foi inteiramente fiel ao Senhor”. O Senhor durante toda a vida de Josué
mais nobre testemunho em favor de e dos líderes que lhe sobreviveram e
seu caráter como líder é a história da que sabiam de tudo o que o Senhor
geração que viveu sob a influência fizera em favor de Israel”(Js 24:31).
50
A Bênção dos Dízimos
e Ofertas
N o sistema hebreu, um
décimo de todos os ga-
nhos do povo era separado para fi-
para adquirir riquezas. Em reco-
nhecimento de que todas as coisas
provêm dEle, o Senhor determinou
nanciar o culto público a Deus. que Lhe devolvêssemos uma parte
“Todos os dízimos [...] pertencem ao de Seus abundantes dons.
Senhor; são consagrados ao Senhor” “Todos os dízimos [...] pertencem
(Lv 27:30). ao Senhor.” A forma de expressão
O sistema dos dízimos não sur- aqui usada é a mesma encontrada
giu com os hebreus. Desde os tempos na lei do sábado. “O sétimo dia
mais antigos o Senhor declarava que é o sábado do Senhor teu Deus”
o dízimo era dEle. Abraão devolveu (Êx 20:10). Deus reservou uma por-
dízimos a Melquisedeque, sacerdote ção especial de nosso tempo e de
de Deus (Gn 14:20). Jacó prome- nossos recursos, e não podemos, sem
teu ao Senhor: “De tudo o que me culpa, usar tanto um quanto outro
deres certamente Te darei o dízimo” para servir aos nossos interesses.
(Gn 28:22). Deus é a fonte de toda O dízimo era dedicado exclusiva-
bênção recebida por Suas criaturas, mente aos levitas, que foram sepa-
e a Ele devemos a nossa gratidão. rados para o serviço do santuário.
O Senhor declara: “Tanto a No entanto, o dízimo não deveria
prata quanto o ouro Me pertencem” de forma alguma ser o limite das
(Ag 2:8). Deus é quem nos dá força contribuições para fins religiosos.
A Bênção dos Dízimos e Ofertas 353

O tabernáculo, assim como o templo O Segredo da Prosperidade


mais tarde, foi todo construído com Diz Salomão, o sábio: “Há quem
ofertas voluntárias; e a fim de finan- dê generosamente, e vê aumentar
ciar as manutenções necessárias e suas riquezas; outros retêm o que
outras despesas, Moisés determinou deveriam dar, e caem na pobreza”
que periodicamente cada pessoa (Pv 11:24). O apóstolo Paulo ensina
contribuísse com meio siclo para “o a mesma lição no Novo Testamento:
serviço da Tenda do Encontro” (ver “Aquele que semeia pouco, também
Êx 30:12-16). De tempos em tempos, colherá pouco, e aquele que semeia
o povo trazia ofertas pelo pecado e com fartura, também colherá far-
ofertas de gratidão a Deus. Além tamente. […] Deus é poderoso para
disso, provisões generosas eram fei- fazer que lhes seja acrescentada
tas para os pobres. toda a graça, para que em todas as
Era sempre lembrado ao povo coisas, em todo o tempo, tendo tudo
que Deus era o verdadeiro proprie- o que é necessário, vocês transbor-
tário de seus campos, rebanhos e dem em toda boa obra” (2Co 9:6-8).
gado. Que Ele lhes enviava a luz do A intenção de Deus era que
sol e a chuva para o plantio e a co- Israel fosse portador de luz para
lheita, e que Ele os havia feito mor- toda a Terra. O Senhor determinou
domos de Seus bens. que a propagação da luz e da ver-
Quando os israelitas se reuniam dade na Terra dependeria do teste-
no tabernáculo, carregados com os munho e das ofertas daqueles que
primeiros frutos do campo, do pomar têm recebido o dom celestial. Ele po-
e do vinhedo, eles reconheciam publi- deria ter feito dos anjos os represen-
camente a bondade de Deus. Quando tantes de Sua verdade, mas em Seu
o sacerdote aceitava as doações, o amor e sabedoria, Ele chamou ho-
ofertante dizia: “O meu pai era um mens e mulheres para se tornarem
arameu errante”, e descrevia a per- Seus colaboradores, escolhendo-os
manência no Egito e a aflição de que para fazer essa obra.
Deus libertou Israel. “Ele nos trouxe Nos dias de Israel, os dízimos e
a este lugar e nos deu esta terra, terra as ofertas voluntárias eram neces-
onde manam leite e mel. E agora trago sários para manter o serviço divino.
os primeiros frutos do solo que Tu, ó Deveria o povo de Deus dar menos
Senhor, me deste” (Dt 26:5, 9, 10). hoje? Cristo estabeleceu o princípio
354 Os Escolhidos
de que nossas ofertas a Deus devem do tabernáculo foi muito bem-
ser proporcionais à luz e aos privi- sucedido. Ele não fez uma grande
légios que temos recebido. “A quem festa. Não convidou o povo para
muito foi dado, muito será exigido” cenas de alegria, dança e diversão.
(Lc 12:48). “Vocês receberam de graça; Tampouco fez sorteios ou rifas.
deem também de graça” (Mt 10:8). O Senhor instruiu Moisés a acei-
Diante do sacrifício sem igual do glo- tar as ofertas de todos os que doas-
rioso Filho de Deus, não deveríamos sem não só de vontade própria, mas
expressar nossa gratidão por meio de com gratidão. As ofertas vieram em
ofertas mais generosas? tão grande quantidade que Moisés
Quando a obra do evangelho se pediu que o povo parasse de tra-
expande, é exigido maior apoio finan- zer doações, pois eles tinham dado
ceiro a fim de sustentá-la, assim como mais do que poderia ser usado.
aconteceu no passado. Isso aumenta Deus nos fez Seus adminis-
ainda mais a importância da lei dos tradores. O Senhor diz: “Hon-
dízimos e das ofertas em nossos dias. rarei aqueles que Me honram”
Se o povo de Deus sustentasse a Sua (1Sm 2:30). “Deus ama quem dá
causa de forma mais liberal por meio com alegria” (2Co 9:7), e quando
das ofertas voluntárias, Ele seria Seu povo Lhe trouxer dons e ofer-
honrado e muito mais pessoas se- tas com o coração agradecido, e
riam alcançadas para Cristo. “não com pesar ou por obrigação”,
O plano de Moisés para arre- Sua bênção o acompanhará, assim
cadar recursos para a construção como Ele prometeu.
51
O Cuidado de Deus
Pelos Pobres
P ara ajudar o povo a se
reunir para o serviço
religioso com mais facilidade, como
hospedando levitas e os pobres.
Esse dízimo proporcionaria recur-
sos para a prática da caridade e da
também para arrecadar recursos hospitalidade.
para socorrer os pobres, Deus exi- Outra providência foi tomada em
giu um segundo dízimo de todo favor dos pobres. Depois do reconhe-
o lucro. A respeito do primeiro dí- cimento dos direitos de Deus, não
zimo, o Senhor declarou: “Dou aos existe nada que mais caracterize as
levitas todos os dízimos em Israel” leis dadas por Moisés do que um espí-
(Nm 18:21). O segundo dízimo, por rito liberal, amoroso e hospitaleiro de-
um período de dois anos deveria ser monstrado para com o pobre. Embora
levado ao local em que o santuário es- Deus tenha prometido abençoar Seu
tava localizado. Depois de apresenta- povo, Ele declarou que sempre have-
rem uma oferta de gratidão a Deus e ria pobres na Terra. Naquele tempo,
separar uma porção para o sacerdote, assim como hoje, as pessoas pode-
os ofertantes deveriam usar o que riam enfrentar problemas, enfermi-
restava para oferecer uma festa reli- dades e perda de propriedades; porém,
giosa em que o levita, o estrangeiro, o enquanto o povo de Israel seguiu as
órfão e a viúva pudessem participar. instruções de Deus, não houve men-
A cada terceiro ano, o segundo digos entre eles nem qualquer pessoa
dízimo deveria ser usado em casa, sofrendo por falta de comida.
356 Os Escolhidos
A lei de Deus dava ao pobre o di- disposição do estrangeiro, do órfão
reito a uma certa parte dos frutos da e da viúva, e mesmo dos animais do
terra. Uma pessoa que estivesse pas- campo (Êx 23:10, 11; Lv 25:5).
sando fome tinha a liberdade de en- Se por acaso no sexto ano a terra
trar no campo, no pomar ou na vinha produzisse apenas o suficiente para
do vizinho para conseguir alimento. suprir as necessidades do povo,
Todos os frutos que ficavam como fariam para sobreviver du-
no campo, pomar ou vinha após rante o ano em que não faziam a
a colheita pertenciam aos pobres. colheita? A promessa de Deus ofe-
“Quando vocês estiverem fazendo a recia uma grande provisão: “Saibam
colheita de sua lavoura”, disse Moisés, que Eu lhes enviarei a Minha bên-
“e deixarem um feixe de trigo para ção no sexto ano”, disse o Senhor, “e
trás, não voltem para apanhá-lo. [...] a terra produzirá o suficiente para
Quando sacudirem as azeitonas das três anos. Quando vocês estiverem
suas oliveiras, não voltem para colher plantando no oitavo ano, comerão
o que ficar nos ramos. [...] E quando ainda da colheita anterior e dela
colherem as uvas da sua vinha, não continuarão a comer até a colheita
passem de novo por ela. Deixem o do nono ano” (Lv 25:21, 22).
que sobrar para o estrangeiro, para o O ano sabático deveria ser uma
órfão e para a viúva. Lembrem-se de bênção tanto para a terra quanto
que vocês foram escravos no Egito; por para o povo. O solo, ficando em des-
isso lhes ordeno que façam tudo isso” canso por uma estação, produziria
(Dt 24:19-22; ver também Lv 19:9, 10). muito mais depois. O povo estava
livre do trabalho pesado do campo.
A Misericórdia de Deus Todos desfrutavam mais lazer, opor-
Pelos Pobres tunidade de restaurar a condição fí-
Cada sétimo ano uma provisão sica, mais tempo para a meditação
especial era feita em favor do pobre. e o estudo dos ensinos do Senhor e
Na época do plantio, que ocorria para a instrução de sua família.
após a colheita; o povo não deveria No ano sabático, os escravos he-
semear. Não deveria podar a vinha breus deveriam ser libertados. “E,
na primavera e não deveria colher quando o fizer, não o mande embora
nada, quer do campo ou da vinha. de mãos vazias. Dê-lhe com genero-
A produção desse ano deveria ficar à sidade dos animais do seu rebanho e
O Cuidado de Deus Pelos Pobres 357

do produto da sua eira e do seu tan- ano do cancelamento, o dinheiro em-


que de prensar uvas. Dê-lhe con- prestado não poderia ser mais recu-
forme a bênção que o Senhor, o seu perado. “Se houver algum israelita
Deus, lhe tem dado” (Dt 15:13, 14). pobre, [...] não endureçam o coração,
O salário do trabalhador deveria nem fechem a mão para com o seu
ser pago prontamente: “Paguem-lhe irmão pobre. [...] Cuidado! Que ne-
o seu salário diariamente, antes do nhum de vocês alimente este pensa-
pôr do sol, pois ele é necessitado e mento ímpio: ‘O sétimo ano, o ano
depende disso” (Dt 24:15). do cancelamento das dívidas, está
Instruções especiais também se aproximando, e não quero ajudar
foram dadas sobre como tratar es- o meu irmão pobre’. Ele poderá ape-
cravos fugitivos: “Se um escravo lar para o Senhor contra você, e você
refugiar-se entre vocês, não o en- será culpado desse pecado.” “Sempre
treguem nas mãos do seu senhor. haverá pobres na Terra. Portanto, Eu
Deixem-no viver no meio de vocês lhe ordeno que abra o coração para
[...] e em qualquer cidade que ele esco- o seu irmão israelita, tanto para o
lher. Não o oprimam” (Dt 23:15, 16). pobre como para o necessitado de sua
Para os pobres, o sétimo ano era terra”, “e emprestem-lhe liberalmente
um ano de cancelamento de dívidas. o que ele precisar” (Dt 15:7, 9, 11 e 8).
Os hebreus deveriam emprestar di- Ninguém precisa ficar com medo
nheiro sem juros aos irmãos neces- de que sua generosidade o levará à po-
sitados. Era proibido tirar proveito breza. “Vocês emprestarão a muitas
dos pobres: “Se alguém do seu povo nações”, disse Deus, “mas de nenhuma
empobrecer e não puder sustentar- tomarão emprestado. Vocês domina-
se, ajudem-no como se faz ao estran- rão muitas nações, mas por nenhuma
geiro e ao residente temporário, para serão dominados” (Dt 15:6).
que possa continuar a viver entre
vocês. Não cobrem dele juro algum, Evitando Extremos de
mas temam o seu Deus, para que o Riqueza ou Pobreza
seu próximo continue a viver entre Depois de “sete vezes sete anos”
vocês. Vocês não poderão exigir dele vinha o grande ano de libertação –
juros nem emprestar-lhe manti- o jubileu. “Então façam soar a trom-
mento visando lucro” (Lv 25:35-37). beta [...] por toda a terra de vocês.
Se a dívida não fosse quitada até o Consagrem o quinquagésimo ano
358 Os Escolhidos
e proclamem libertação por toda terra não poderá ser vendida defi-
a terra a todos os seus moradores. nitivamente, porque ela é Minha, e
Este lhes será um ano de jubileu, vocês são apenas estrangeiros e imi-
quando cada um de vocês voltará grantes” (Lv 25:23). Deus era o dono
para a propriedade da sua família legítimo, o proprietário original.
e para o seu próprio clã” (Lv 25:9, 10). A mente de todos deveria ser im-
“No décimo dia do sétimo mês; pressionada com o fato de que os
no Dia da Expiação” (Lv 25:9), soava pobres têm o mesmo direito dos
a trombeta do jubileu, convidando ricos a um lugar no mundo de Deus.
todos os filhos de Jacó a darem as Nosso misericordioso Criador
boas-vindas ao ano de libertação. tomou providências como essas para
Como no ano sabático, a terra amenizar o sofrimento, para trazer
não deveria ser semeada ou cei- algum raio de esperança, fazer bri-
fada, e tudo o que fosse produzido lhar alguma centelha de luz na vida
era considerado propriedade de di- dos desafortunados e necessitados.
reito dos pobres. Os escravos he- Grandes males resultariam do
breus que não tivessem recebido a acúmulo contínuo de riquezas por
liberdade no ano sabático, nesse ano parte de uma classe e de pobreza
deveriam ser libertados. por outra. O senso de desigualdade
O que distinguia em especial o despertaria as paixões da classe
ano do jubileu era o retorno de toda mais pobre. Haveria um sentimento
a propriedade de terra à família do de aflição e desespero que tenderia
proprietário original. Ninguém tinha a desmoralizar a sociedade e abrir
a liberdade de negociar sua terra. a porta aos crimes de toda espécie.
Tampouco deveria vendê-la, a menos As regras que Deus estabeleceu ti-
que a pobreza o forçasse a fazer isso. nham como objetivo promover a
Quando a pessoa ou qualquer um igualdade social. O ano sabático e o
de seus parentes desejasse resgatar jubileu corrigiriam em grande parte
a propriedade, o comprador não po- as coisas que tinham dado errado
deria se recusar a vendê-la de volta. na ordem social e política da nação.
Se não fosse resgatada, a propriedade Essas regras, feitas para aben-
voltava ao proprietário original ou çoar os ricos da mesma forma que
aos herdeiros no ano do jubileu. os pobres, serviam para limitar a ga-
O Senhor declarou a Israel: “A nância e cultivar um espírito nobre
O Cuidado de Deus Pelos Pobres 359

de bondade. Incentivando a boa von- pessoas pobres entre nós. O coração


tade entre todas as classes, elas pro- do Redentor se compadece de Seus
moviam a estabilidade do governo. filhos terrestres mais humildes.
Todos nós estamos ligados um Ele nos diz que eles são Seus repre-
ao outro na grande teia da huma- sentantes na Terra, colocados entre
nidade. Aquilo que pudermos fazer nós para despertar em nosso cora-
para o bem de outros refletirá em ção o amor que Ele sente pelos so-
bênçãos a nós mesmos. A lei da de- fredores e oprimidos. Ele considera
pendência mútua atinge todas as todo ato de crueldade ou negli-
classes da sociedade. Os pobres gência praticado contra eles como
não dependem mais dos ricos do sendo praticado contra Ele mesmo.
que os ricos dos pobres. Enquanto Se a lei que Deus fez para aben-
uma classe pede para participar das çoar os pobres tivesse continuado a
bênçãos que Deus concedeu aos vi- ser seguida, quão diferente seria a
zinhos mais ricos, a outra classe condição moral, espiritual e econô-
precisa do serviço fiel, da força do mica do mundo hoje! A grande po-
cérebro, ossos e músculos, que são breza que agora vemos espalhada
os recursos dos pobres. por todo lugar não existiria.
Os princípios que Deus estabe-
O Plano de Deus para leceu evitariam os terríveis males
Resolver Problemas Sociais que resultam da opressão dos pobres
Muitas pessoas defendem com pelos ricos e da suspeita e do ódio
grande entusiasmo que todos nós dos ricos pelos pobres. Ao mesmo
deveríamos repartir de igual ma- tempo em que esses princípios im-
neira as bênçãos materiais recebidas. pediriam que uma pessoa ajuntasse
Contudo, essa nunca foi a intenção riquezas, eles também impediriam
do Criador. As diferentes condições a ignorância e a pobreza de milha-
de vida são um dos meios usados por res de pessoas, cujo trabalho mal
Deus para desenvolver o caráter. Ele pago é o meio usado para acumular
quer que todos os que têm bens mate- grandes fortunas. Esses princípios
riais se considerem administradores solucionariam de forma pacífica
de Seus recursos, que Ele lhes confiou os problemas que hoje ameaçam o
para abençoar os necessitados. mundo com atitudes ilegais e com
Cristo disse que sempre haverá derramamento de sangue.
52
*
As Festas Anuais
O povo de Israel estava ro-
deado de tribos violentas
e guerreiras, ansiosas para se apo-
A primeira festa, a Páscoa, era
comemorada no mês de Abibe, o
primeiro mês do ano judaico, que cor-
derar de suas terras. No entanto, responde ao fim do mês de março e
três vezes ao ano, todas as pessoas início de abril. O frio do inverno
que tivessem condições de viajar tinha passado, a temporada de chuva
deveriam deixar suas casas e ir ao acabado e toda a natureza se alegrava
lugar onde era realizada a assem- com o frescor e a beleza da primavera.
bleia, próximo ao centro do país. O pasto verde cobria as colinas e os
O que poderia impedir que essas vales, e as flores silvestres enfeitavam
casas desprotegidas fossem ata- os campos. A lua, já quase cheia, tor-
cadas pelos inimigos e destruídas nava as noites bastante agradáveis.
pelo fogo e pela espada? O que evi- Por toda a terra, grupos de via-
taria uma invasão que poderia levar jantes seguiam rumo a Jerusalém.
Israel ao cativeiro? Pastores, criadores de gado, pesca-
Deus prometeu ser o protetor dores do Mar da Galileia, fazendei-
de Seu povo. “Expulsarei nações de ros e filhos dos profetas das escolas
diante de você e ampliarei o seu sagradas – todos se dirigiam para o
território. Quando você subir três lugar onde a presença de Deus era
vezes por ano para apresentar-se ao revelada. Muitos iam a pé. As cara-
Senhor, o seu Deus, ninguém cobi- vanas se tornavam muito grandes
çará a sua terra” (Êx 34:24). até chegarem à cidade santa.
* Este capítulo é baseado em Levítico 23.
As Festas Anuais 361

A alegria da natureza desper- “Grande é o Senhor, e digno de todo


tava o louvor no coração de Israel. louvor na cidade do nosso Deus.
O povo cantava lindos salmos he- Seu santo monte, belo e majes-
braicos que exaltavam a glória e toso,é a alegria de toda a Terra.
a majestade de Jeová. Ao som da Como as alturas do Zafom é o
trombeta e dos címbalos, erguiam- monte Sião, a cidade do grande
se centenas de vozes em ações de Rei” (Sl 48:1, 2).
graças, formando um grande coral: “Abram as portas da justiça para mim,
pois quero entrar para dar gra-
“Alegrei-me quando me disseram: ças ao Senhor” (Sl 118:19).
‘Vamos à casa do Senhor!’”
(Sl 122:1). Todas as casas de Jerusalém fi-
cavam de portas abertas para rece-
Ao olharem ao redor e verem as ber os viajantes, e a hospedagem era
colinas onde os pagãos havia muito oferecida gratuitamente. Como não
tempo ofereciam seus sacrifícios, os havia acomodações para todos, mui-
filhos de Israel cantavam: tos armavam suas barracas onde ti-
vesse algum espaço na cidade e nas
“Levanto os meus olhos para os colinas ao redor.
montes e pergunto: De onde me A Páscoa era festejada no décimo
vem o socorro? O meu socorro quarto dia do mês, à tarde. As ceri-
vem do Senhor, que fez os céus mônias solenes e impressionantes
e a terra” (Sl 121:1, 2). comemoravam a libertação do ca-
tiveiro no Egito e apontavam para
Quando alcançavam o topo o sacrifício futuro que libertaria da
das colinas e contemplavam a ci- escravidão do pecado. Quando o
dade santa, olhavam com reverente Salvador deu Sua vida no Calvário,
temor para a multidão de adorado- o significado da Páscoa foi cum-
res que se dirigia para o templo. Ao prido, e teve início a celebração da
ouvirem as trombetas dos levitas Ceia do Senhor, como um memorial
anunciando o início do culto sa- do mesmo acontecimento que até
grado, eles se inspiravam naquele aquele momento era simbolizado
momento e cantavam: pela Páscoa.
362 Os Escolhidos
O Significado das Festas justamente após o grande Dia da
Logo após a Páscoa, começavam Expiação, quando o povo tinha a
os sete dias de comemoração da certeza de que seus pecados esta-
Festa dos Pães Asmos. As primícias, vam perdoados. Em paz com Deus,
ou seja, os primeiros frutos da co- com a colheita terminada e tranqui-
lheita do ano, eram apresentados ao los porque os trabalhos do novo ano
Senhor no segundo dia da festa. O ainda não tinham começado, o povo
sacerdote agitava um feixe de cereal podia dedicar todo o tempo às fes-
diante do altar de Deus em reconhe- tividades sagradas e alegres do mo-
cimento de que tudo pertencia a Ele. mento. Todas as famílias deveriam
A colheita não poderia ser feita até fazer o máximo possível para par-
que essa cerimônia fosse realizada. ticipar das celebrações e hospedar
Cinquenta dias depois de ofe- com alegria os servos, os levitas, os
recer os primeiros frutos, ocor- estrangeiros e os pobres.
ria o Pentecostes, a festa da ceifa. Assim como a Páscoa, a Festa
Como uma expressão de gratidão dos Tabernáculos comemorava
pelo grão, dois pães assados com fer- acontecimentos passados. Como
mento eram apresentados a Deus. lembrança de sua peregrinação
O Pentecostes era comemorado por no deserto, o povo deveria deixar
apenas um dia. suas casas e se abrigar em cabanas
No sétimo mês era comemorada ou caramanchões, cobertos com
a Festa dos Tabernáculos, ou da co- “folhagens das tamareiras, galhos
lheita. Com essa festa o povo reco- frondosos e salgueiros” (Lv 23:40).
nhecia as ricas bênçãos de Deus Nessas reuniões anuais, o co-
derramadas sobre os frutos do ração de idosos e jovens era moti-
pomar, das oliveiras e das vinhas. vado no serviço de Deus. Ao mesmo
Essa era a última grande festa do tempo em que pessoas de diferen-
ano que reunia todo o povo. A co- tes lugares do país se encontravam
lheita estava nos celeiros; os frutos, ali, os laços que os uniam a Deus e
o azeite e o vinho estavam armaze- uns aos outros eram fortalecidos.
nados, e o povo então trazia ofertas Assim como Israel comemorava o
de gratidão a Deus. livramento realizado por Deus em
Essa festa era uma ocasião favor de seus antepassados e como
de grande felicidade. Acontecia Ele miraculosamente os tinha
As Festas Anuais 363

preservado durante suas viagens tava não somente para a peregrina-


depois que saíram do Egito, deve- ção no deserto, mas para o futuro,
mos também recordar com gratidão o grande dia da colheita final.
os meios que Ele providenciou para O Senhor enviará Seus ceifeiros para
nos tirar das trevas para a preciosa juntar o joio em feixes para ser lan-
luz de Sua graça e verdade. çado no fogo e colher o trigo para o
Aqueles que moravam distante Seu celeiro. Nesse tempo, os ímpios
do tabernáculo passavam mais de serão destruídos. Eles serão “como
um mês por ano viajando para as- se nunca tivessem existido” (Ob 16).
sistir às festas anuais. Esse exem- Todas as vozes se unirão em alegre
plo de devoção deveria nos ajudar louvor a Deus no Universo inteiro.
a compreender a importância do Quando aqueles que foram res-
culto religioso, a necessidade de co- gatados pelo Senhor estiverem re-
locar nossos interesses seculares e unidos em segurança na Canaã
egoístas abaixo daqueles que são es- celestial, libertos para sempre da
pirituais e eternos. Perdemos muito escravidão do pecado, eles “exulta-
quando deixamos de nos reunir e rão com alegria indizível e gloriosa”
animar uns aos outros no serviço de (1Pe 1:8). Então a grande obra de
Deus. Todos nós somos filhos de um Cristo estará terminada, e os peca-
mesmo Pai, e dependemos uns dos dos eliminados para sempre.
outros para sermos felizes. Quando
cultivadas de forma correta, as nos- “E os que o Senhor resgatou voltarão.
sas afinidades sociais nos unem em Entrarão em Sião com cânticos
simpatia e compaixão para com ou- de alegria; duradoura alegria co-
tras pessoas e nos trazem felicidade. roará sua cabeça. […] E a tristeza
A Festa dos Tabernáculos apon- e o suspiro fugirão” (Is 35:10).
53
*
Os Libertadores de Israel
S atisfeitas com o território
já conquistado, as tribos
de Israel perderam o entusiasmo
prestem culto, nem sigam as suas
práticas. Destruam-nos totalmente
e quebrem as suas colunas sagradas”
e pararam de guerrear. “Quando (Êx 23:24). Enquanto fossem obe-
Israel se tornou forte, impôs tra- dientes, Deus dominaria seus ini-
balhos forçados aos cananeus, mas migos: “Mandarei adiante de vocês
não os expulsou completamente” o Meu terror, que porá em confu-
(Jz 1:28). são todas as nações que vocês en-
De Sua parte, o Senhor cum- contrarem. […] Causarei pânico entre
priu fielmente as promessas que os heveus, os cananeus e os hititas
fez a Israel. Cabia a eles finalizar para expulsá-los de diante de vocês.
o trabalho de expulsar os habitan- Não os expulsarei num só ano, pois
tes daquela terra. No entanto, dei- a terra se tornaria desolada e os ani-
xaram de fazer o que deveriam ter mais selvagens se multiplicariam,
feito. Em suas negociações com os ameaçando vocês. Eu os expulsarei
cananeus, não obedeceram à ordem aos poucos, até que vocês sejam nu-
do Senhor e deixaram de cumprir a merosos o suficiente para tomarem
condição sob a qual foi prometida a posse da terra. […] Não façam aliança
eles a posse de Canaã. com eles nem com seus deuses. Não
No Sinai, Deus os advertiu con- deixem que esses povos morem na
tra a idolatria: “Não se curvem terra de vocês, senão eles os levarão
diante dos deuses deles, nem lhes a pecar contra Mim, porque prestar
* Este capítulo é baseado em Juízes 6-8; 10.
Os Libertadores de Israel 365

culto aos deuses deles será uma ar- instruções de Josué, a idolatria não
madilha para vocês” (Êx 23:27-33). avançou tanto, mas os pais prepara-
Deus colocou Seu povo em ram o caminho para a apostasia de
Canaã para deter a onda de imora- seus filhos. Os hábitos simples cul-
lidade, a fim de que esse mal não se tivados pelos hebreus mantinham a
espalhasse pelo mundo. Ele daria sua saúde física, mas o seu relacio-
em suas mãos nações maiores e namento com os pagãos levou-os à
mais poderosas que os cananeus. condescendência com o apetite e às
“E vocês despojarão nações maio- paixões, que pouco a pouco foram
res e mais fortes do que vocês. […] enfraquecendo suas forças morais.
O seu território se estenderá do de- Por causa de seus pecados, os is-
serto do Líbano e do Rio Eufrates raelitas foram separados de Deus e
ao Mar Ocidental” (Dt 11:23, 24). não conseguiram mais vencer seus
Eles preferiram a comodidade e a inimigos. Assim, eles foram domi-
satisfação própria. Deixaram esca- nados pelas próprias nações que de-
par as oportunidades para terminar veriam ter destruído.
de conquistar a terra, e por muitas “Abandonaram o Senhor, o Deus
gerações foram perturbados pelos dos seus antepassados, que os havia
sobreviventes desses povos idóla- tirado do Egito” (Jz 2:12). “Eles O ir-
tras, que eram como “farpas em ritaram com os altares idólatras;
seus olhos e espinhos em suas cos- com os seus ídolos Lhe provocaram
tas” (Nm 33:55). ciúmes”. Portanto, o Senhor “aban-
Os israelitas “misturaram-se donou o tabernáculo de Siló, a tenda
com as nações e imitaram as suas onde habitava entre os homens.
práticas”. Uniram-se em casamento Entregou o símbolo do Seu poder ao
com os cananeus, e a idolatria se es- cativeiro, e o seu esplendor nas mãos
palhou como praga por toda a terra. do adversário” (Sl 78:58, 60, 61).
“Sacrificaram seus filhos e suas fi- Mesmo assim, Deus não desam-
lhas aos demônios. […] E a terra foi parou completamente o Seu povo.
profanada pelo sangue deles. […] Por Houve sempre um grupo de pessoas
isso acendeu-se a ira do Senhor con- que se mantiveram fiéis ao Senhor; e
tra o Seu povo e Ele sentiu aversão de tempos em tempos Ele chamava
por Sua herança” (Sl 106:35, 37-40). homens fiéis e valentes para acabar
Até morrer a geração que recebeu com a idolatria e livrar os israelitas
366 Os Escolhidos
de seus inimigos. Quando o liber- os cereais nos campos começavam
tador morria, e o povo ficava sem a amadurecer e ficavam até que os
ter alguém que os guiasse, pouco a últimos frutos da terra fossem co-
pouco voltavam para os seus ídolos. lhidos. Saqueavam toda a colheita
Assim, a história de apostasias e de dos campos, roubavam e maltrata-
severas punições, de confissões e vam os moradores da terra. Assim,
de livramento, sempre se repetia. os israelitas que moravam em re-
giões abertas eram obrigados a bus-
A Triste História da car refúgio em fortalezas ou mesmo
Contínua Apostasia encontrar abrigo nas cavernas entre
O rei da Mesopotâmia, o rei de as montanhas. Essa opressão con-
Moabe, e depois deles os filisteus e tinuou por sete anos. Então, como
cananeus de Hazor, liderados por o povo em sua angústia confessou
Sísera, tornaram-se um por um os seus pecados, Deus levantou mais
perseguidores de Israel. Otoniel, uma vez um líder para lutar por eles.
Sangar, Eúde, Débora e Baraque Deus chamou a Gideão para
foram levantados como libertado- que libertasse seu povo. Nessa oca-
res de seu povo. Apesar disso, “de sião, ele estava ocupado em sepa-
novo os israelitas fizeram o que o rar o trigo. Com medo de bater o
Senhor reprova, e durante sete anos trigo onde todos o vissem, foi até
Ele os entregou nas mãos dos midia- um local próximo à prensa de vinho.
nitas” (Jz 6:1). A época da colheita das uvas ia de-
Os midianitas tinham sido quase morar, e ninguém ainda estava
destruídos pelos israelitas nos dias dando atenção às vinhas. Enquanto
de Moisés, mas desde aquela época Gideão trabalhava escondido ali,
haviam se tornado mais numero- pensava com tristeza na condição
sos e poderosos. Estavam sedentos de Israel e o que poderia ser feito
por vingança; e, quando a proteção para acabar com a opressão.
do Senhor foi retirada de Israel,
chegou então a oportunidade. Toda O Chamado de Gideão
a nação sofreu com a destruição que Inesperadamente, o “Anjo do
causaram. Como uma praga de ga- Senhor” apareceu e disse a Gideão
fanhotos, eles se espalharam por estas palavras: “O Senhor está com
toda a região. Chegavam assim que você, poderoso guerreiro” (Jz 6:12).
Os Libertadores de Israel 367

“‘A h, Senhor’, Gideão respondeu, compatriotas, tinha construído


‘se o Senhor está conosco, por que um grande altar a Baal, em Ofra.
aconteceu tudo isso? Onde estão O Senhor ordenou a Gideão que
todas as Suas maravilhas que os destruísse esse altar e construísse
nossos pais nos contam: […] Mas um altar a Deus sobre a rocha onde
agora o Senhor nos abandonou e antes a oferta havia sido consu-
nos entregou nas mãos de Midiã’” mida. Ali, ele deveria oferecer outra
(Jz 6:13). vez sacrifício ao Senhor. A oferta de
O Mensageiro do Céu respon- sacrifício a Deus era apresentada
deu: “Com a força que você tem, vá pelos sacerdotes e deveria ser ofe-
libertar Israel das mãos de Midiã. recida sobre o altar em Siló; mas
Não sou Eu quem o está enviando?” Aquele que estabeleceu o ritual do
(Jz 6:14). sacrifício tinha poder para mudar
Gideão desejava ter algum sinal as condições exigidas. Gideão deve-
de que Aquele que estava falando ria declarar guerra à idolatria antes
com ele era o Anjo da Aliança, que de sair para batalhar contra os ini-
tinha realizado tantos atos podero- migos de seu povo.
sos em favor de Israel no passado. Gideão realizou o trabalho em
Foi correndo para a sua tenda e, segredo. Fez tudo em uma noite,
com o pouco alimento que tinha, com a ajuda de seus servos. Os mo-
preparou um cabrito e pães sem radores de Ofra ficaram furiosos
fermento, depois os trouxe e colo- quando chegaram para prestar seu
cou diante dEle. Então o Anjo lhe culto a Baal na manhã seguinte.
disse: “Apanhe a carne e os pães Joás, que ficou sabendo da visita do
sem fermento, ponha-os sobre esta Anjo, defendeu o filho. “Vocês vão
rocha e derrame o caldo” (Jz 6:20). defender a causa de Baal? Estão ten-
Gideão obedeceu à ordem e rece- tando salvá-lo? Quem lutar por ele
beu o sinal que desejava: com o ca- será morto pela manhã!” (Jz 6:31).
jado na mão, o Anjo tocou a carne e Se Baal não foi capaz de defender
os pães sem fermento. Uma chama seu próprio altar, como seus adora-
subiu da rocha e consumiu o sacrifí- dores poderiam confiar nele para
cio. Depois o Anjo desapareceu. protegê-los?
O pai de Gideão, Joás, que Então desistiram de todo o mal
partilhava da apostasia de seus que pensaram fazer contra Gideão.
368 Os Escolhidos
Quando ele fez soar a trombeta de contava apenas com trinta e dois
guerra, os moradores de Ofra foram mil homens. Com o grande exército
os primeiros a se reunir para defen- inimigo diante de seus olhos, veio
der sua causa. Mensageiros foram ainda a palavra do Senhor: “Você
enviados à tribo de Manassés, sua tem gente demais, para Eu entregar
própria tribo, e também às tribos Midiã nas suas mãos. A fim de que
de Aser, Zebulom e Naftali, e todos Israel não se orgulhe contra Mim,
atenderam ao chamado. dizendo que a sua própria força o
libertou, anuncie, pois, ao povo que
Como Ter Certeza? todo aquele que estiver tremendo
Gideão orou: “Quero saber se de medo poderá ir embora do monte
vais libertar Israel por meu inter- Gileade” (Jz 7:2, 3). Aqueles que não
médio, como prometeste. Vê, colo- estavam dispostos a enfrentar o pe-
carei uma porção de lã na eira. Se o rigo e as dificuldades não contri-
orvalho molhar apenas a lã e todo buiriam para aumentar a força dos
o chão estiver seco, saberei que tu exércitos de Israel.
libertarás Israel por meu intermé- Gideão ficou surpreso com a
dio, como prometeste” (Jz 6:36, 37). declaração de que seu exército era
Pela manhã, a lã estava úmida, en- grande demais. O Senhor viu o or-
quanto a terra estava seca. Então gulho e a incredulidade no cora-
surgiu uma dúvida porque a lã ab- ção de Seu povo. Animados com
sorve a umidade do ar; o teste po- os apelos feitos por Gideão, os ho-
deria não ser decisivo. Assim, ele mens prontamente haviam se alis-
pediu o sinal contrário. Seu pedido tado para lutar, mas muitos se
foi atendido: “Somente a lã estava encheram de medo quando viram o
seca; o chão estava todo coberto de exército dos midianitas. Se Israel ti-
orvalho” (Jz 6:40). vesse vencido, esses homens teriam
Cheio de confiança, Gideão li- tomado a glória para si, em vez de
derou seu exército para lutar con- atribuírem a vitória a Deus.
tra os invasores. “Os midianitas,
os amalequitas e todos os outros Apenas Trezentos Homens
povos que vinham do leste haviam Gideão obedeceu à ordem do
se instalado no vale” (Jz 7:12). Todo Senhor e, muito preocupado, viu
o exército sob o comando de Gideão mais de dois terços de seu exército
Os Libertadores de Israel 369

voltar para casa. Mais uma vez, a pa- O exército israelita estava no
lavra do Senhor veio a ele: “Ainda há topo de uma colina, observando
gente demais. Desça com eles à beira o vale onde os invasores estavam
d’água, e Eu separarei os que ficarão acampados, “numerosos como nu-
com você. Se Eu disser: ‘Este irá com vens de gafanhotos. Assim como
você, ele irá; mas, se Eu disser: Este não se pode contar a areia da praia,
não irá com você, ele não irá” (Jz 7:4). também não se podia contar os seus
O povo foi levado para perto da camelos” (Jz 7:12). Gideão tremeu
água, esperando atacar o inimigo o ao pensar no combate que acon-
mais rápido possível. Alguns, apres- teceria na manhã seguinte. Então
sados, pegaram um pouco de água o Senhor disse a ele para que des-
na mão e a beberam enquanto anda- cesse ao acampamento dos midia-
vam; mas quase todos se ajoelharam nitas. Lá, ele ouviria alguma coisa
e vagarosamente beberam a água. para ficar mais animado.
Aqueles que tomaram água com as Aguardando ali, na escuridão e
mãos eram apenas trezentos entre em silêncio, ele ouviu um soldado
os dez mil. Esses foram os escolhi- contar um sonho ao seu compa-
dos; todos os demais receberam per- nheiro: “‘Tive um sonho’, dizia ele.
missão para voltar para casa. ‘Um pão de cevada vinha rolando
Aqueles que estavam mais dentro do acampamento midianita,
preocupados em atender às pró- e atingiu a tenda com tanta força que
prias necessidades em tempos de ela tombou e se desmontou’” (Jz 7:13).
perigo não eram homens em quem O outro respondeu com palavras que
se poderia confiar em uma emer- mexeram com o coração do ouvinte
gência. Os trezentos homens esco- escondido: “Não pode ser outra coisa
lhidos, além de possuírem coragem senão a espada de Gideão, filho de
e domínio próprio, eram também Joás, o israelita. Deus entregou os mi-
homens de fé. Eles não se contami- dianitas e todo o acampamento nas
naram com a idolatria. Deus po- mãos dele” (Jz 12:14).
deria dirigi-los e, por meio deles, Gideão reconheceu a voz de
realizar o livramento de Israel. Deus Deus falando por meio daqueles
é mais honrado pelo caráter daque- estrangeiros midianitas. Ao vol-
les que O servem do que por gran- tar até onde estavam os poucos ho-
des números. mens sob seu comando, ele disse:
370 Os Escolhidos
“Levantem-se! O Senhor entregou o companheiros com os inimigos, co-
acampamento midianita nas mãos meçaram a matar uns aos outros.
de vocês” (Jz 7:15). Ao se espalhar a notícia da vitó-
ria, milhares de soldados israelitas
Plano Simples para que haviam voltado para casa retor-
o Combate naram e se uniram em perseguição
Com a orientação de Deus, foi feito ao inimigo que fugia. Gideão enviou
um plano de ataque. Os trezentos ho- mensageiros à tribo de Efraim pe-
mens foram divididos em três com- dindo que interceptassem os solda-
panhias. Cada um deles recebeu uma dos que fugiam. Enquanto isso, com
trombeta e uma tocha que deveria seus trezentos, exaustos, mas ainda
ficar escondida dentro de um jarro em perseguição, Gideão atravessou o
de barro. Eles ficaram posicionados rio atrás daqueles que já tinham pas-
de tal maneira que poderiam se apro- sado para a outra margem. Gideão
ximar do acampamento midianita de surpreendeu Zeba e Salmuna, os
várias direções. No meio da noite, ao dois príncipes que tinham escapado
sinal da trombeta de guerra de Gi- com quinze mil homens. Ele disper-
deão, as três companhias tocaram sou o exército por completo e os lí-
suas trombetas. Então, quebrando deres foram capturados e mortos.
os jarros e balançando as tochas ace- Nessa batalha, morreram cento
sas, correram na direção do inimigo e vinte mil invasores. O poder dos
com o poderoso grito de guerra: “Pelo midianitas foi quebrado. Eles nunca
Senhor e por Gideão!” (Jz 7:18). mais conseguiram fazer guerra
O exército que dormia desper- contra Israel. Não há palavras que
tou. De todos os lados, os soldados possam descrever o terror das na-
viram a luz das tochas brilhando no ções vizinhas quando souberam
escuro. Ouviram o som das trom- que meios simples foram utilizados
betas com o grito de guerra vindo para vencer o poder de um povo ou-
de todas as direções. Pensando que sado e guerreiro.
estavam sendo atacados por uma O líder que Deus escolheu para
força esmagadora, os midianitas derrotar os midianitas não era um
entraram em pânico. Com gritos príncipe, um sacerdote ou levita.
ferozes de alarme, fugiram deses- Ele se considerava o menos impor-
perados e, confundindo os próprios tante da casa de seu pai. Gideão não
Os Libertadores de Israel 371

confiava em si mesmo e tinha o de- tinha ficado para trás. Gideão não
sejo de seguir a direção do Senhor. enviou a eles nenhuma convoca-
Deus escolhe aqueles a quem ção especial, e tomaram isso como
Ele melhor pode usar. “A humil- uma desculpa para não se unirem
dade antecede a honra” (Pv 15:33). aos seus irmãos. Ao chegar a notí-
O Senhor os tornará fortes, unindo cia da vitória de Israel aos efraimi-
sua fraqueza ao Seu poder; e sábios, tas, eles ficaram cheios de inveja por
ligando sua falta de conhecimento não terem participado.
à Sua sabedoria. Após a extraordinária der-
Poucos são os que podem rece- rota dos midianitas, os homens de
ber uma grande responsabilidade Efraim se juntaram ao combate e
ou sucesso sem que acabem se es- ajudaram a completar a vitória. No
quecendo de sua dependência de entanto, ficaram com inveja e muito
Deus. Por isso, ao escolher instru- irados, como se Gideão tivesse se-
mentos para a Sua obra, o Senhor guido a própria vontade e decisão.
não leva em conta aqueles que o Eles não conseguiram ver a mão de
mundo considera grandes, talen- Deus na vitória de Israel, demons-
tosos e brilhantes. Muitos são or- trando com isso que eram indignos
gulhosos e sentem-se capazes para de ser escolhidos como Seus ins-
agir sem o conselho de Deus. trumentos especiais. Ao voltarem
A confiança em Deus e a obediên- com os troféus da vitória, repreen-
cia à Sua vontade são tão essenciais deram Gideão com grande ira: “Por
na batalha espiritual quanto foram que você nos tratou dessa forma?
para Gideão e Josué ao lutarem con- Por que não nos chamou quando foi
tra os cananeus. Deus está disposto a lutar contra Midiã?” (Jz 8:1).
agir da mesma forma hoje pelos inte-
resses de Seu povo e a realizar gran- Gideão Demonstra
des coisas por meio de instrumentos Humildade
frágeis. Deus é “capaz de fazer infini- “Que é que eu fiz, em comparação
tamente mais do que tudo o que pe- com vocês?”, disse Gideão. “O resto
dimos ou pensamos” (Ef 3:20). das uvas de Efraim não são melho-
Quando os homens de Israel res do que toda a colheita de Abiezer?
foram convocados para lutar con- Deus entregou os líderes midianitas
tra os midianitas, a tribo de Efraim Orebe e Zeebe nas mãos de vocês.
372 Os Escolhidos
O que pude fazer não se compara anjo apareceu, Gideão concluiu que
com o que vocês fizeram!” (Jz 8:2, 3). tinha sido indicado como sacer-
A resposta humilde de Gideão acal- dote. Sem esperar pela aprovação
mou a ira dos homens de Efraim, divina, decidiu instituir um sistema
e eles voltaram em paz para casa. de culto semelhante ao que era rea-
Gideão demonstrou um espírito de lizado no tabernáculo. Com o forte
cortesia que raramente é visto. sentimento popular a seu favor, ele
Em gratidão pelo livramento dos não encontrou dificuldade em exe-
midianitas, o povo de Israel propôs cutar seu plano. Diante do seu pe-
a Gideão que se tornasse seu rei. Isso dido, todas as joias de ouro tomadas
era uma transgressão direta dos dos midianitas foram entregues a
princípios da teocracia. Deus era o Gideão como sua participação no
Rei de Israel, e colocar um homem despojo. O povo juntou também ou-
no trono seria uma rejeição da so- tros materiais valiosos e vestes rica-
berania divina. Gideão reconheceu mente adornadas que pertenciam
esse fato. Sua resposta revela quão aos príncipes de Midiã. Com esses
verdadeiros e nobres eram os seus materiais, Gideão fez um éfode e
motivos: “‘Não reinarei sobre vocês’, um peitoral semelhante àqueles que
respondeu-lhes Gideão, ‘nem meu eram usados pelo sumo sacerdote.
filho reinará sobre vocês. O Senhor Sua atitude se tornou uma cilada
reinará sobre vocês’” (Jz 8:23). para ele mesmo, para sua família e
Mesmo assim, Gideão caiu em também para Israel. Aquele culto
outro erro que trouxe desgraça à não autorizado levou muitas pes-
sua família e a todo o Israel. Muitas soas a se afastarem do Senhor para
vezes, o período de inatividade que servir aos ídolos. Depois da morte
vem após uma grande batalha é de Gideão, um grande número de
mais perigoso do que o tempo de pessoas, incluindo alguns da família
conflito. Gideão estava exposto a do próprio Gideão, uniram-se a essa
esse perigo. Um sentimento de in- forma de apostasia. O povo se des-
quietação caiu sobre ele. Em vez de viou de Deus por meio do mesmo
esperar pela orientação divina, co- homem que uma vez acabou com
meçou ele mesmo a fazer os planos. a idolatria.
Como recebeu ordem para ofere- Aqueles que ocupam cargos im-
cer sacrifício sobre a rocha, onde o portantes podem levar outros a
Os Libertadores de Israel 373

se desviarem. Até os mais sábios por onde passavam. Israel parecia


erram; os mais fortes podem va- estar abandonado sob o poder de
cilar e tropeçar. Nossa única segu- inimigos cruéis.
rança está em confiar no caminho Mais uma vez, o povo buscou a
indicado por Aquele que disse: ajuda dAquele a quem tinham aban-
“Segue-Me!” donado e insultado. “Então os israe-
Depois da morte de Gideão, o litas clamaram ao Senhor, dizendo:
povo de Israel aceitou seu filho ile- ‘Temos pecado contra Ti, pois aban-
gítimo, Abimeleque, como rei. Este, donamos o nosso Deus e presta-
para se manter no poder, assassinou mos culto aos baalins!’” (Jz 10:10).
todos os filhos legítimos de Gideão, Contudo, o povo não estava arre-
com exceção de Jotão, que se escon- pendido porque tinha desonrado a
deu. A atitude cruel de Israel ao lidar Deus transgredindo a Sua santa lei,
com a casa de Gideão era o que se mas porque seus pecados tinham
poderia esperar de um povo que trazido sofrimento. O verdadeiro ar-
demonstrava tamanha ingratidão rependimento nos leva a nos afastar
para com Deus. do mal de uma vez por todas.
O Senhor respondeu ao povo
Mais Apostasia e Sofrimento por meio de Seus profetas: “Quando
Quando Abimeleque morreu, os egípcios, os amorreus, os amo-
o governo dos juízes que temiam nitas, os filisteus, os sidônios, os
a Deus ajudou a impedir a idola- amalequitas e os amonitas os opri-
tria por algum tempo. Não muito miram, e vocês clamaram a Mim,
tempo depois, o povo voltou a co- Eu os libertei das mãos deles. Mas
piar as práticas pagãs daqueles que vocês Me abandonaram e presta-
viviam ao seu redor. A apostasia ram culto a outros deuses. Por isso,
trouxe rapidamente o seu castigo. não os livrarei mais. Clamem aos
Os amonitas conquistaram as tri- deuses que vocês escolheram. Que
bos do lado oriental de Israel e, do eles os livrem na hora do aperto!”
outro lado do Jordão, invadiram o (Jz 10:11-14).
território de Judá e de Efraim. No Os israelitas então se humilha-
lado oeste, os filisteus subiram da ram diante de Deus. “Eles se desfi-
planície onde viviam, ao lado do zeram dos deuses estrangeiros que
mar, queimando e saqueando tudo havia entre eles e prestaram culto
374 Os Escolhidos
ao Senhor” (Jz 10:16). O coração Por muitos anos, eles foram cons-
amoroso do Senhor “não pôde mais tantemente perseguidos e, por
suportar o sofrimento de Israel” vezes, vencidos por essa nação
(Jz 10:16). Oh, quão grande é a mi- cruel e guerreira. Eles se mistura-
sericórdia de nosso Deus! Assim ram com esses idólatras, unindo-se
que o povo abandonou os pecados com eles nos prazeres e nos cultos,
que os afastou da Sua presença, até parecerem ser os mesmos, tanto
Ele ouviu suas orações e começou no espírito quanto nos interesses.
a agir imediatamente em seu favor. Então esses falsos amigos de Israel
Ele levantou um libertador, na pes- se tornaram seus piores inimigos e
soa de Jefté, que guerreou contra procuraram destruí-los a qualquer
os amonitas e destruiu completa- custo.
mente o seu poder. Naquela época, A Bíblia ensina de forma muito
Israel tinha sofrido sob a opressão clara que não pode haver harmonia
de seus inimigos por dezoito anos; entre o povo de Deus e o mundo.
porém, uma vez mais o povo se es- Satanás age por meio dos ímpios,
queceu da lição ensinada por meio sob o disfarce de uma aparente ami-
do sofrimento. zade, para induzir o povo de Deus
Como o povo voltou para os seus ao pecado. Quando sua defesa é re-
maus caminhos, o Senhor permitiu movida, então Satanás leva seus
que fossem perturbados por seus agentes a se voltarem contra o povo,
poderosos inimigos, os filisteus. a fim de destruí-lo.
54
O Mais Forte e Mais
*
Fraco dos Homens
E m meio à apostasia
generalizada, os fiéis
adoradores de Deus continuaram a
fermentada, e não coma nada im-
puro” (Jz 13:4). O Anjo também
proibiu que o filho usasse esses ali-
suplicar a Ele que libertasse Israel. mentos. Disse ainda que o cabelo
Embora aparentemente não fos- do menino não deveria ser cortado,
sem atendidos, nos primeiros anos pois o filho seria consagrado a Deus
da opressão dos filisteus, nasceu um como nazireu desde o nascimento.
menino, por meio do qual Deus pla-
nejava derrubar a força daqueles po- A Importância da Instrução
derosos inimigos. Pré-natal
“O Anjo do Senhor” apareceu à Com medo de cometer algum
esposa de Manoá, que não podia erro, o marido orou: “Senhor, eu
engravidar, com a mensagem de Te imploro que o Homem de Deus
que ela teria um filho, e por meio que enviaste volte para nos instruir
dele Deus começaria a livrar Israel. sobre o que fazer com o menino que
O Anjo deu instruções com rela- vai nascer” (Jz 13:8).
ção aos hábitos dela e também Quando o Anjo apareceu no-
sobre como deveria cuidar da vamente, Manoá perguntou:
criança: “Todavia, tenha cuidado, “Como devemos criar o menino?
não beba vinho nem outra bebida O que ele deverá fazer?” (Jz 13:12).
* Este capítulo é baseado em Juízes 13-16.
376 Os Escolhidos
As instruções anteriores foram re- desejos impuros e doenças trans-
petidas – “Sua mulher terá que se- missíveis pelos maus hábitos que
guir tudo o que eu lhe ordenei. […] cultivaram. Cada geração tem a ten-
Terá que obedecer a tudo o que lhe dência de se degenerar mais e mais.
ordenei” (Jz 13:13, 14). Os pais são grandemente responsá-
Para garantir que o filho pro- veis pelas enfermidades de milhares
metido estivesse preparado para que nascem mudos, cegos, doentes
essa importante obra, os hábitos ou com problemas mentais.
da mãe e do filho necessitavam de Muitos dão pouca importância
regras que deveriam ser seguidas à influência pré-natal, mas a ins-
com cuidado. Os hábitos da mãe trução enviada do Céu àqueles pais
influenciam o filho para o bem ou hebreus revela como esse assunto é
para o mal. A mãe deve ser contro- considerado por nosso Criador.
lada por princípios, praticar a tem- Os pais que desejam deixar uma
perança e a renúncia de si mesma se boa herança aos filhos devem ter
deseja que o filho se desenvolva da cuidadosa disciplina e formar há-
melhor forma. Conselheiros descui- bitos corretos. As instruções dadas
dados talvez digam que a mãe deve por Deus eram de que o futuro juiz
satisfazer todos os seus desejos e e libertador de Israel jamais deve-
vontades; mas, por ordem de Deus, a ria, mesmo na idade adulta, usar
mãe tem a solene obrigação de exer- vinho ou bebida forte. As lições
cer o domínio próprio. de temperança, renúncia e domí-
Os pais, assim como as mães, nio próprio devem ser ensinadas
partilham dessa responsabilidade. desde a primeira infância.
Se os pais são intemperantes, mui-
tas vezes os filhos têm falta de Alimentos Limpos e
força física e de capacidade mental Imundos
e moral. Os alcoólatras e fuman- A distinção entre alimentos
tes podem transmitir a tendência limpos e imundos se baseava em
para o vício, as impurezas do san- princípios de saúde. Em grande
gue e doenças nervosas para os fi- parte, a vitalidade impressionante
lhos. Aqueles que não controlam que caracterizou o povo judeu por
seus instintos, muitas vezes dei- milhares de anos se deve à obser-
xam aos filhos como herança seus vância desses princípios. Alimentos
O Mais Forte e Mais Fraco dos Homens 377

estimulantes e de difícil digestão Sansão se misturou e fez amizade


prejudicam a saúde e, em muitos com eles. Uma jovem que morava na
casos, levam ao alcoolismo. A ver- cidade filisteia de Timnate conquis-
dadeira temperança nos ensina a tou o coração de Sansão e ele decidiu
dispensar todas as coisas nocivas se casar com ela. Seus pais, temen-
e a usar com sabedoria aquilo que é tes a Deus, tentaram convencê-lo
saudável. Poucos se conscientizam a desistir da ideia, mas a sua única
do quanto seus hábitos alimenta- resposta era: “É ela que me agrada”
res influenciam sua saúde, seu ca- (Jz 14:3). Por fim, o casamento foi
ráter, sua utilidade enquanto vivem realizado.
neste mundo e seu futuro eterno. Quando se tornou adulto, época
O corpo deve ser servo da mente, e em que, mais do que todos os outros,
não o inverso. deveria ter sido fiel a Deus, Sansão
se uniu aos inimigos de Israel. Não
A Força de Sansão e a procurou saber se glorificaria me-
Fidelidade a Deus lhor a Deus ao se casar com aquela
Quando chegou a hora, a pro- que escolheu como esposa. Deus
messa divina feita a Manoá se cum- prometeu dar sabedoria a todos os
priu com o nascimento de Sansão. que buscam honrá-Lo em primeiro
À medida que o menino crescia, lugar. Não há nenhuma promessa
todos viam que ele tinha uma força para aqueles que decidem agradar
física fora do comum. Conforme a si mesmos.
Sansão e seus pais bem sabiam, ele Como é comum para as pessoas
não era forte assim por causa de sua deixar as emoções falarem mais alto
forma física, mas sim por ser nazi- ao escolherem o marido ou a esposa!
reu, cujo símbolo era o cabelo com- Não pedem o conselho de Deus nem
prido, sem nunca ter sido cortado. Se têm em mente a Sua glória. Satanás
Sansão tivesse obedecido às orienta- busca constantemente exercer o seu
ções divinas, sua história teria sido poder sobre o povo de Deus, levando-
mais nobre e mais feliz. Foi o relacio- os a se unirem aos seus súditos. Para
namento com os idólatras que per- conseguir isso, ele se esforça para
verteu seus bons costumes. despertar sentimentos impuros no
Como Zorá, a sua cidade natal, coração.
ficava próxima ao território filisteu, O Senhor instruiu o Seu povo a
378 Os Escolhidos
não se unir àqueles que não têm o com muito medo, os habitantes de
Seu amor no coração. “Que harmo- Judá traiçoeiramente concordaram
nia entre Cristo e Belial? Que há de em entregá-lo aos inimigos. Três
comum entre o crente e o descrente? mil homens de Judá saíram para
Que acordo há entre o templo de capturá-lo. Sansão permitiu que
Deus e os ídolos?” (2Co 6:15, 16). eles o amarrassem com duas cor-
Em sua festa de casamento, das novas e o levassem até o acam-
Sansão entrou em íntimo contato pamento dos inimigos, em meio a
com aqueles que odiavam o Deus demonstrações de grande alegria.
de Israel. A esposa o traiu antes do Contudo, “o Espírito do Senhor
fim da festa. Furioso com a traição, apossou-Se dele” (Jz 15:14). Sansão
Sansão a abandonou por algum arrebentou as fortes cordas novas
tempo e voltou sozinho para sua como se fossem fios de linho quei-
casa em Zorá. Mais tarde, quando se mados no fogo. Então, agarrando a
acalmou, voltou para a esposa ape- primeira arma que tinha ao alcance
nas para descobrir que ela já estava de sua mão, a queixada de um ju-
casada com outro. Para se vingar, ele mento, atacou os filisteus deixando
destruiu todos os campos e vinhas mil homens mortos no campo.
dos filisteus. Isso fez com que eles a Se os israelitas tivessem se dis-
assassinassem, mesmo sabendo que posto a se unir a Sansão e comple-
as ameaças que fizeram a ela é que a tar a vitória, teriam se livrado de
levaram a enganar Sansão e dar iní- seus opressores. No entanto, fica-
cio a toda aquela tragédia. ram desanimados e rejeitaram a
Sansão já tinha demonstrado a tarefa que Deus ordenou que reali-
força extraordinária que possuía zassem para expulsar aquele povo
ao matar sozinho um leão novo e idólatra. Tinham se unido a eles em
mais trinta homens de Ascalom. suas práticas pervertidas. Eles hu-
Então, irado com o bárbaro assas- mildemente se submeteram à ver-
sinato de sua esposa, atacou os filis- gonhosa opressão da qual poderiam
teus e os feriu “sem dó nem piedade” ter escapado se tivessem obedecido
(Jz 15:8). Em busca de um lugar se- a Deus. Mesmo quando o Senhor
guro, ele se retirou para uma ca- levantava um libertador para eles,
verna da “rocha de Etã”, em Judá. muitas vezes o abandonavam e se
Os filisteus o perseguiram; e, uniam aos seus inimigos.
O Mais Forte e Mais Fraco dos Homens 379

Casamento Malsucedido os filisteus, mas continuou a buscar


Depois da vitória de Sansão, os prazeres sensuais que o estavam
os israelitas o elegeram seu juiz, e levando à ruína. “Ele se apaixonou
ele governou Israel por vinte anos. por uma mulher do vale de Soreque”
Sansão tinha desobedecido à ordem (Jz 16:4), não muito distante de sua
de Deus ao tomar como esposa uma terra natal. O nome dela era Dalila,
moça que pertencia à tribo dos fi- “a consumidora”. As vinhas de
listeus, e novamente se aventurou Soreque eram também uma tenta-
a ir até eles – seus inimigos mor- ção para o inconstante nazireu que
tais – para satisfazer suas paixões. se deixou vencer pelo uso do vinho,
Confiando em sua grande força, ele quebrando, portanto, outro laço que
foi a Gaza visitar uma prostituta. o ligava à pureza e a Deus. Os filis-
Os habitantes da cidade soube- teus decidiram levá-lo à ruína por
ram que ele estava lá e estavam se- meio de Dalila.
dentos por vingança. Seu inimigo Não ousaram tentar prendê-lo
estava trancado, com segurança, enquanto ele ainda tivesse grande
dentro dos muros da cidade mais força, mas estavam decididos a
potente e fortificada de seu territó- saber qual era o segredo do poder
rio. Estavam certos de que tinham que ele possuía. Assim, subornaram
capturado sua presa e aguardavam Dalila para que ela descobrisse qual
somente o amanhecer para come- era o segredo e revelá-lo a eles.
morar sua vitória.
À meia-noite, Sansão acordou. Uma Mulher Frágil Domina
A voz da consciência o acusava, e um Homem Forte
Sansão se encheu de remorso ao Enquanto a traidora ficava fa-
se lembrar de que tinha quebrado zendo perguntas a Sansão, ele a
o voto de nazireu. A misericórdia enganava, dizendo que se torna-
de Deus não o havia abandonado. ria fraco como os outros homens
A tremenda força que tinha serviu se certas coisas lhe acontecessem.
novamente para livrá-lo. Ele foi até Quando ela as colocava em prática,
o portão da cidade, arrancou-o do descobria que tinha sido enganada.
lugar e o carregou para o alto da co- Então ela o acusava de falsidade di-
lina a caminho de Hebrom. zendo: “Como você pode dizer que
Ele não se arriscou a ficar entre me ama, se não confia em mim?
380 Os Escolhidos
Esta é a terceira vez que você me importuná-lo e a causar dor nele
fez de boba e não contou o segredo para provar se ainda tinha força,
da sua grande força” (Jz 16:15). Por pois os filisteus não se atreveram
três vezes Sansão teve a mais clara a se aproximar dele até se conven-
prova de que os filisteus tramavam cerem totalmente de que seu poder
com aquela que tanto o atraía para tinha desaparecido. Então eles agar-
destruí-lo, mas ele tratava o caso raram Sansão, furaram seus olhos
como brincadeira e cegamente dei- e o levaram para Gaza. Ali, ele foi
xava de lado seus temores. preso com correntes e obrigado a
Dia após dia, um poder que ele fazer trabalhos forçados.
não conseguia dominar o manti- Que mudança! Fraco, cego, preso,
nha ao lado de Dalila. Finalmente humilhado e condenado a realizar
ela o venceu, e Sansão contou o se- o trabalho mais humilhante! Deus
gredo: “‘Jamais se passou navalha teve muita paciência com ele; mas,
em minha cabeça’, disse ele, ‘pois sou depois de ir tão longe no pecado,
nazireu, desde o ventre materno. Se a ponto de revelar seu segredo, o
fosse rapado o cabelo da minha ca- Senhor Se afastou de Sansão. Não
beça, a minha força se afastaria de havia poder especial em seu cabelo
mim, e eu ficaria tão fraco quanto comprido, mas aquele era um sinal
qualquer outro homem’” (Jz 16:17). de lealdade para com Deus. Quando
Sem perder tempo, Dalila enviou desprezou esse símbolo e o trocou
um mensageiro aos chefes dos filis- pela satisfação das paixões, as bên-
teus, insistindo com eles para que çãos representadas por ele foram re-
viessem sem demora. Enquanto o tiradas por Deus.
guerreiro dormia, os filisteus cor- No sofrimento e na humilha-
taram suas pesadas tranças. Então ção, servindo de motivo de gozação
Dalila o chamou: “Sansão, os filis- para os filisteus, Sansão aprendeu
teus o estão atacando!” (Jz 16:20). mais sobre sua fraqueza do que
Ele despertou de repente e achou jamais soubera antes. As aflições
que poderia usar sua força como pelas quais passou o levaram ao
antes, mas seus braços sem força se arrependimento. À medida que seu
recusaram a lhe obedecer. Ele não cabelo crescia, pouco a pouco sua
sabia “que o Senhor o tinha dei- força também voltava. Seus inimi-
xado” (Jz 16:20). Dalila começou a gos, vendo-o como um prisioneiro
O Mais Forte e Mais Fraco dos Homens 381

acorrentado e indefeso, não o con- destruindo de uma só vez toda


sideravam mais uma ameaça. aquela grande multidão. “Assim, na
sua morte, Sansão matou mais ho-
Trágica Vitória mens do que em toda a sua vida”
Os filisteus, cheios de orgulho, (Jz 16:30).
desafiavam o Deus de Israel. Para O ídolo e seus adoradores, sa-
comemorar a vitória, foi marcada cerdotes e camponeses, guerreiros
uma festa em homenagem ao deus e nobres, foram todos sepultados
Dagom, o deus-peixe. Multidões de sob as ruínas do templo de Dagom.
adoradores filisteus encheram o Entre eles estava o corpo daquele
grande templo e se aglomeravam nas que Deus havia escolhido para ser
galerias próximas ao teto. O cenário o libertador de Seu povo.
era de grande celebração e alegria. As notícias foram levadas até
Então, como troféu de coroação a terra de Israel, e os parentes de
do poder do deus Dagom, Sansão foi Sansão recuperaram o corpo de seu
levado para o templo. O povo e os go- falecido herói sem qualquer oposi-
vernantes zombaram de seu estado ção. Eles “o sepultaram entre Zorá
deplorável e adoraram o deus que e Estaol, no túmulo de Manoá, seu
havia derrotado “o devastador de pai” (Jz 16:31).
sua terra”. Depois de algum tempo, Como é triste e terrível o regis-
como se estivesse cansado, Sansão tro de uma vida que poderia ter sido
pediu permissão para descansar inteiramente de louvor a Deus e gló-
junto às duas colunas centrais que ria para a nação! Se Sansão tivesse
sustentavam o teto do templo. sido leal ao chamado divino, teria
Em silêncio, ele então orou a cumprido o propósito de Deus para
Deus: “Ó soberano Senhor, lembra- ele. Como Sansão cedeu à tentação,
te de mim! Ó Deus, eu Te suplico, sua missão de dominar os inimi-
dá-me forças, mais uma vez, e faze gos de Israel foi cumprida em meio
com que eu me vingue dos filisteus” à derrota, escravidão e morte.
(Jz 16:28). Com essas palavras, ele Fisicamente, Sansão foi o
abraçou as duas colunas com seus homem mais forte da Terra, mas
braços fortes, e exclamou: “Que no domínio de si mesmo, na inte-
eu morra com os filisteus!” Então gridade e firmeza, foi um dos mais
ele se curvou, e o teto desabou, fracos. Aquele que é dominado por
382 Os Escolhidos
suas paixões se torna uma pessoa nossos pontos fracos e trabalha com
fraca. A verdadeira grandeza é me- os nossos defeitos de caráter para
dida pela força dos sentimentos que conseguir dominar toda a nossa
dominamos e não por aqueles que vida. Ele sabe que, se esses defeitos
nos dominam. forem nutridos, será bem-sucedido.
Aqueles que são provados en- Apesar disso, ninguém precisa
quanto cumprem seu dever podem se dar por vencido. Todo aquele que
estar certos de que Deus os guar- realmente desejar receberá auxílio.
dará; mas, quando se colocarem sob Anjos de Deus, que sobem e descem
o poder da tentação de forma volun- pela escada que Jacó viu em visão,
tária, mais cedo ou mais tarde, eles ajudarão todos os que escolherem
certamente cairão. Satanás ataca os subir até mesmo ao mais alto Céu.
55
*
O Chamado de Samuel
E lcana, um levita do
Monte Efraim, era um
homem rico e influente, que amava
Em Siló, os serviços de Elcana
como levita não eram obrigatórios.
Ainda assim, ele viajava para lá com
e temia ao Senhor. Sua esposa, Ana, a família para adorar e oferecer sa-
era uma mulher muito piedosa e de crifícios durante as festas anuais.
grande fé. Mesmo durante as festividades sa-
Eles não podiam ter filhos; assim, gradas, o espírito de intolerância
Elcana se casou com uma segunda continuava presente na família.
esposa. Essa decisão, motivada pela Depois de apresentar as ofertas de
falta de fé em Deus, não trouxe feli- gratidão, de acordo com o costume,
cidade à sua casa. Nasceram filhos toda a família se reunia para uma
e filhas, mas a alegria e a beleza da festa solene e alegre. Elcana dava à
sagrada instituição do casamento mãe de seus filhos uma porção para
foram deformadas, destruindo a ela e para cada um de seus filhos e fi-
paz na família. lhas; para Ana, ele dava uma porção
Penina, a nova esposa, era ciu- dupla, demonstrando que sua afei-
menta, rude, orgulhosa e arro- ção por ela era como se ela tivesse
gante. Para Ana, parecia não haver lhe dado um filho. Então a segunda
mais esperança, e a vida se tornou esposa, ardendo em ciúmes, dizia
um fardo muito pesado para ela. ter a preferência por ter sido muito
Mesmo assim, enfrentava a sua dor abençoada por Deus, e zombava de
com mansidão e sem reclamar. Ana por ser uma mulher sem filhos.
* Este capítulo é baseado em 1 Samuel 1; 2:1-11.
384 Os Escolhidos
Isso acontecia todos os anos, se trata disso, meu senhor. Sou uma
sempre que iam ao templo, até mulher muito angustiada. Não bebi
que Ana não pôde mais suportar. vinho nem bebida fermentada; eu
Chorando descontroladamente, ela estava derramando minha alma
saiu da festa. Em vão seu marido diante do Senhor. Não julgues tua
tentava confortá-la: “Ana, por que serva uma mulher vadia; estou
você está chorando? Por que não orando aqui até agora por causa de
come? Por que está triste? Será que minha grande angústia e tristeza”
eu não sou melhor para você do que (1Sm 1:15, 16).
dez filhos?” (1Sm 1:8). O sumo sacerdote ficou profunda-
Ana não fez acusação alguma. Ela mente comovido, pois era homem de
se dirigiu a Deus com o fardo que não Deus. Assim, em vez de repreendê-la,
podia dividir com nenhum amigo na pronunciou uma bênção: “Vá em paz,
Terra. Com muito fervor, ela supli- e que o Deus de Israel lhe conceda o
cou que o Senhor lhe concedesse a que você pediu” (1Sm 1:17).
preciosa dádiva de um filho para o
criar e educar para Ele. Ela também Ana Entrega o Filho ao
fez um voto, prometendo que, se o Senhor
seu pedido fosse atendido, dedicaria Ana recebeu a dádiva que pediu
seu filho a Deus desde o nascimento. com tanto fervor ao Senhor. Ao
Ana se aproximou da entrada do olhar para o filho, ela o chamou
tabernáculo e, angustiada, “chorou de Samuel – “Eu o pedi ao Senhor”
muito e orou ao Senhor” (1Sm 1:10). (1Sm 1:20). Assim que o menino
Naqueles tempos de apostasia, essas cresceu o suficiente para se separar
cenas de adoração eram raras. Eli, da mãe, Ana cumpriu o seu voto.
o sumo sacerdote, observava Ana e Ele era seu único filho, a dádiva es-
imaginou que ela talvez tivesse be- pecial do Céu, mas ela o recebeu
bido muito vinho. Pensando que lhe como um tesouro consagrado a
daria uma merecida bronca, disse Deus e não deixaria de devolver ao
com firmeza: “Até quando você con- Doador o que Lhe pertencia.
tinuará embriagada? Abandone o Ana foi com o esposo para Siló
vinho!” (1Sm 1:14). e apresentou sua preciosa dádiva
Mesmo surpresa e ofendida, ao sacerdote dizendo: “Era este
Ana respondeu com gentileza: “Não menino que eu pedia, e o Senhor
O Chamado de Samuel 385

concedeu-me o pedido. Por isso, Que grande recompensa Ana


agora, eu o dedico ao Senhor. Por conquistou! Como seu exemplo nos
toda a sua vida será dedicado ao motiva a sermos fiéis! Toda mãe re-
Senhor” (1Sm 1:27, 28). Eli, que era cebe muitas oportunidades. A ro-
um pai muito tolerante, sentiu-se tina humilde dos deveres que as
surpreso e humilhado ao ver o mães consideram cansativos e de-
grande sacrifício dessa mãe que se sagradáveis deveria ser vista como
separava de seu único filho para uma obra digna e nobre. À luz do sol
dedicá-lo ao serviço de Deus. Ele e nas sombras, ela pode facilitar o
se sentiu culpado por seu amor caminho dos filhos em direção às
egoísta, e em humildade e reverên- alturas gloriosas do Céu. Somente
cia se curvou diante do Senhor e quando procura seguir a Cristo em
O adorou. O coração de Ana estava sua vida é que a mãe pode formar
cheio de alegria e louvor e transbor- o caráter de seus filhos de acordo
dava de gratidão a Deus. com o modelo divino. Toda mãe
De Siló, Ana voltou para sua casa deve sempre ir ao Salvador com a
em Ramá, deixando Samuel com Eli, oração: “Ensina-nos como devere-
a fim de ser educado para o serviço mos educar nosso filho e o que de-
na casa de Deus. Desde os primei- veremos fazer por ele.” Ela receberá
ros anos, ela ensinou ao filho que a sabedoria necessária.
ele pertencia ao Senhor. Todos os “O menino Samuel crescia na
dias ela orava especificamente por presença do Senhor” (1Sm 2:21).
Samuel. A cada ano, ela lhe fazia A juventude de Samuel não estava
uma túnica para uso no serviço do livre das más influências ou de
santuário. Ao ir com o esposo para exemplos marcados pelo pecado.
adorar em Siló, entregava ao me- Os filhos de Eli não temiam a Deus
nino essa lembrança de seu amor. nem honravam ao seu pai, mas
Cada fibra da pequena túnica era te- Samuel procurava evitar a compa-
cida com uma oração para que ele se nhia deles e não imitava seus maus
mantivesse puro, nobre e verdadeiro. caminhos. Ele se esforçava constan-
Suplicava fervorosamente para que temente para se tornar o que Deus
ele alcançasse a grandeza apreciada desejava que ele fosse.
pelo Céu, que honrasse a Deus e A beleza do caráter de Samuel
abençoasse os seus semelhantes. conquistou o amor paterno do
386 Os Escolhidos
sacerdote já bastante idoso. Samuel tornou cooperador do Senhor do
era amável, generoso, obediente e Céu e da Terra.
atencioso. Eli, aflito por ver os ca-
minhos errados em que seus filhos Fidelidade nas Pequenas
andavam, foi confortado e aben- Coisas
çoado pela presença dessa criança Cumprir cada dever como algo
que a ele foi confiada. Nenhum pai a ser feito para o Senhor traz be-
jamais amou seu filho ou filha mais leza ao trabalho mais humilde e une
profundamente do que Eli amou os obreiros da Terra aos seres san-
esse jovem. Cheio de ansiedade e tos que realizam a vontade de Deus
remorso pelo comportamento imo- no Céu. A fidelidade nas pequenas
ral dos próprios filhos, Eli se voltou coisas, nos pequenos atos realiza-
para Samuel em busca de conforto. dos com dedicação e nas pequenas
A cada ano, Samuel recebia ações de bondade alegrarão os ca-
responsabilidades mais impor- minhos da vida. Quando nossa obra
tantes. Quando ainda era criança, na Terra chegar ao fim, descobrire-
Eli colocou sobre ele um éfode de mos que os pequenos deveres fiel-
linho como sinal de sua consagra- mente cumpridos exerceram uma
ção para o serviço do santuário. influência para o bem que jamais
Mesmo sendo levado para traba- será esquecida.
lhar no tabernáculo ainda muito Os jovens de hoje podem se tor-
jovem, Samuel tinha deveres a nar tão preciosos aos olhos de Deus
cumprir de acordo com a sua ca- como foi Samuel. Ao manterem a
pacidade. Nem sempre eram deve- integridade cristã, podem exercer
res agradáveis, mas ele os realizava uma grande influência para tornar
com boa vontade. O menino se con- o mundo melhor. Deus tem uma
siderava um servo de Deus e o seu obra para cada um deles. Ninguém
trabalho como o trabalho de Deus. jamais alcançou maiores resultados
Seus esforços eram aceitos porque para Deus e em favor da humani-
eram motivados por seu amor a dade do que os que podem ser alcan-
Deus e pelo desejo sincero de fazer çados hoje por aqueles que forem
a Sua vontade. Assim, Samuel se fiéis à missão que Deus lhes confiou.
56
Eli e Seus Filhos
*
Rebeldes
E li, sacerdote e juiz em
Israel, tinha grande in-
fluência sobre as tribos de Israel. No
atenção à responsabilidade que
tinha de prepará-los para o serviço
para Deus e para os deveres da vida.
entanto, não governava bem a pró- O pai acabou obedecendo aos
pria casa. Era um pai complacente, filhos. Eles não foram ensinados
que não corrigia os maus hábitos e desde o início a entender e apreciar
as inclinações dos filhos. Para não o caráter de Deus nem a santidade
entrar em conflito com eles, per- da Sua lei. Estavam familiarizados
mitia que seguissem os próprios com o santuário e o serviço nele rea-
caminhos. lizado desde a infância, mas haviam
O sacerdote e juiz de Israel tinha perdido todo o respeito pela santi-
recebido orientações quanto ao dade daquela função e o seu signifi-
dever de instruir e controlar os fi- cado. Eli não corrigiu o desrespeito
lhos que Deus havia colocado sob que demonstravam pelos servi-
a sua responsabilidade. Eli recuou ços solenes realizados no templo e,
diante do dever, porque teria que quando chegaram à idade adulta,
ir contra a vontade deles, o que ge- seu coração estava repleto do ve-
raria conflito e o levaria a puni-los. neno da dúvida e da rebeldia.
Permitiu que seus filhos fizessem Mesmo sendo totalmente in-
o que bem entendessem e não deu capazes, foram nomeados como
* Este capítulo é baseado em 1 Samuel 2:12-36.
388 Os Escolhidos
sacerdotes no santuário para minis- os agradava e, quando era negada,
trar perante Deus. Esses homens in- ameaçavam pegá-la à força.
fiéis levaram seu desrespeito e sua Esse ato de irreverência tirou
rebelião ao serviço de culto a Deus. todo significado sagrado do serviço
Os sacrifícios que apontavam para sacrifical, e o povo os via “tratando
a morte de Cristo deveriam manter com desprezo a oferta do Senhor”.
no povo a fé na vinda do Redentor Não reconheciam mais nesse sím-
prometido. Por isso era necessário bolo o grande Sacrifício pelo qual
que os sacerdotes seguissem estrita- deveriam esperar. “O pecado desses
mente as instruções do Senhor com jovens era muito grande à vista do
relação ao trabalho que deveriam Senhor” (1Sm 2:17).
realizar. Nas ofertas pacíficas, ape- Esses sacerdotes infiéis desonra-
nas a gordura deveria ser queimada ram a sua função sagrada com prá-
no altar. Uma porção do sacrifício ticas imorais e degradantes. Muitos
era reservada aos sacerdotes, mas a estavam indignados com a atitude
maior parte era devolvida ao ofer- corrupta de Hofni e Fineias e deixa-
tante para comer com os amigos ram de frequentar o lugar de ado-
em uma comemoração relacionada ração. A impiedade, a imoralidade
à oferta de sacrifício. Essa celebra- e até mesmo a idolatria se espalha-
ção encheria o coração de todos com ram de modo assustador.
gratidão e fé e dirigiria os pensa- Eli cometeu um grande erro ao
mentos para o grande Sacrifício que permitir que seus filhos ocupassem
tiraria o pecado do mundo. a função de sacerdotes. Justificava
Como não estavam satisfei- os erros que cometiam encontrando
tos com a parte das ofertas pací- uma desculpa ou outra e ficou com-
ficas que recebiam, os filhos de Eli pletamente cegado diante de seus pe-
exigiram uma porção a mais. Eles cados. A situação chegou a um ponto
viam nesses sacrifícios uma opor- em que ele não pôde mais fazer vista
tunidade para enriquecer à custa do grossa aos crimes dos próprios filhos.
povo. Não somente exigiam mais O povo reclamava das más ações
do que tinham direito, mas se re- deles e o sumo sacerdote não ousou
cusavam a esperar até que a gor- ficar em silêncio por mais tempo.
dura fosse queimada como oferta a Seus filhos viam a dor que causavam
Deus. Escolhiam a porção que mais ao pai, mas o coração deles estava
Eli e Seus Filhos Rebeldes 389

endurecido. Ouviam suas amorosas […] Levantarei para Mim um sacer-


advertências, mas não se impres- dote fiel, que agirá de acordo com o
sionavam nem mudavam seu mau Meu coração e o Meu pensamento.
comportamento. Se Eli tivesse tra- Edificarei firmemente a família
tado seus filhos rebeldes de acordo dele, e ele ministrará sempre pe-
com a lei, eles teriam sido punidos rante o Meu rei ungido’” (1Sm 2:27,
com a morte. Com medo de tomar 29, 30, 35).
qualquer atitude que trouxesse de- Aqueles cujo amor cego pelos fi-
sonra e condenação sobre seus fi- lhos os levam a satisfazer os seus
lhos, ele os manteve nos cargos de desejos egoístas, não repreendendo
confiança mais sagrados. Permitiu o pecado nem corrigindo o erro,
que corrompessem o culto oferecido mostram claramente que honram
a Deus e prejudicassem a causa da seus filhos rebeldes mais do que a
verdade a tal ponto que os anos não Deus. Eli deveria ter tentado em
poderiam apagar. Entretanto, Deus primeiro lugar corrigir o mal com
tomou o caso em Suas mãos. medidas suaves; mas, se estas não
resolvessem, deveria ter discipli-
A Infidelidade Conduz nado o erro com atitudes mais se-
à Ruína veras. Nós somos tão responsáveis
“E veio um homem de Deus a pelos males que poderíamos ter
Eli e lhe disse: Assim diz o Senhor: impedido por meio da autoridade
[...] ‘Por que você honra seus filhos paterna ou pastoral, como se nós
mais do que a Mim, deixando-os en- mesmos os tivéssemos praticado.
gordar com as melhores partes de Eli não levou em conta as fal-
todas as ofertas feitas por Israel, tas e os pecados dos filhos quando
o Meu povo?’ Portanto, o Senhor, o eram crianças, achando que, com o
Deus de Israel, declara: ‘Prometi à tempo, eles abandonariam suas más
sua família e à linhagem de seu pai, tendências. Hoje, muitos cometem
que ministrariam diante de Mim o mesmo erro. Incentivam as más
para sempre.’ Mas agora o Senhor tendências em seus filhos com a
declara: ‘Longe de Mim tal coisa! desculpa: “Eles são muito pequenos
Honrarei aqueles que Me hon- para serem castigados. Vamos espe-
ram, mas aqueles que Me despre- rar que fiquem maiores e aí podere-
zam serão tratados com desprezo. mos dialogar e nos entender.” Assim
390 Os Escolhidos
os filhos crescem com traços de ca- segredo por algum tempo; porém,
ráter que serão para eles uma mal- quando seu verdadeiro caráter é fi-
dição por toda a vida. nalmente exposto, a fé do povo fica
Não há infelicidade maior para a tal ponto abalada, que o resultado
os lares do que permitir que os jo- é muitas vezes a falta de confiança
vens sigam os próprios caminhos. naqueles que ensinam a Palavra
Logo perdem todo respeito para de Deus. A mensagem daquele que
com os pais, toda consideração por serve fielmente a Cristo é recebida
sua autoridade e são escravizados com descrença, e surge a pergunta:
por Satanás. A influência de uma “Será que esse homem é igual àquele
família descontrolada é desastrosa que imaginávamos ser tão santo e
para a sociedade. Gera uma onda de na verdade era tão pervertido?”
males que afeta outras famílias, as A repreensão que Eli fez aos fi-
comunidades e os governos. lhos apresenta estas palavras sole-
A vida familiar de Eli era imi- nes e terríveis: “Se um homem pecar
tada por milhares de lares em Israel. contra outro homem, os juízes po-
As ações falam mais alto do que as derão intervir em seu favor; mas se
palavras mais positivas que decla- pecar contra o Senhor, quem inter-
ram santidade. Os males que resul- cederá por ele?” (1Sm 2:25). Se os
tam da infidelidade por parte dos seus crimes tivessem prejudicado
pais são grandes em qualquer cir- somente pessoas, o juiz poderia ter
cunstância, mas eles são dez vezes feito a reconciliação estabelecendo a
maiores nas famílias daqueles que pena e exigindo a restituição; dessa
têm o dever de ensinar o povo. forma, os ofensores poderiam ser
perdoados. No entanto, os peca-
Agentes Eficazes de Satanás dos dos filhos de Eli estavam tão
Quando as pessoas usam seu entrelaçados com seu ministério
chamado sagrado para encobrir como sacerdotes do Altíssimo, e a
prazeres egoístas e sensuais, elas se obra de Deus foi tão profanada e
tornam agentes eficazes de Satanás. desonrada diante do povo, que ne-
Como Hofni e Fineias, fazem com nhuma expiação poderia ser aceita
que as pessoas tratem “com des- em favor deles. O próprio pai, em-
prezo a oferta do Senhor”. Elas bora sendo ele mesmo o sumo sa-
podem praticar suas más ações em cerdote, não ousou interceder por
Eli e Seus Filhos Rebeldes 391

eles; não podia defendê-los da ira o Céu providenciou para a nossa re-
de um Deus santo. De todos os pe- denção, pois estão “crucificando de
cadores, os mais culpados são aque- novo o Filho de Deus, sujeitando-O
les que menosprezam os meios que à desonra pública” (Hb 6:6).
57
*
Castigo à Vista
D eus deixou de Se co-
municar com o sumo
sacerdote Eli e seus filhos. A pre-
me chamou?” Eli respondeu: “Não
o chamei; volte e deite-se” (1Sm 3:5).
Por três vezes Samuel foi chamado
sença do Espírito Santo Se afastou e três vezes ele respondeu da mesma
deles por causa dos pecados que ha- forma. Então Eli compreendeu que
viam cometido. Todavia, o menino o misterioso chamado era a voz de
Samuel continuou fiel a Deus, e sua Deus. O Senhor deixara de falar com
primeira missão como profeta do o servo que Ele tinha escolhido, o
Senhor foi comunicar a mensagem homem de cabelos brancos, para falar
de reprovação à família de Eli. com uma criança. Apenas isso, por si
“Certa noite, Eli, cujos olhos es- só, já era uma amarga, mas merecida
tavam ficando tão fracos que já não repreensão a Eli e a sua família.
conseguia mais enxergar, estava Nem a inveja e nem o ciúme
deitado em seu lugar de costume. abalaram o coração de Eli. Disse
A lâmpada de Deus ainda não havia a Samuel que respondesse: “Fala,
se apagado, e Samuel estava deitado Senhor, pois o Teu servo está ou-
no santuário do Senhor, onde se en- vindo” (1Sm 3:9).
contrava a arca de Deus. Então o Samuel ouviu novamente a voz
Senhor chamou Samuel” (1Sm 3:2-4). e respondeu: “Fala, pois o Teu servo
Pensando ser a voz de Eli, o me- está ouvindo” (1Sm 3:10).
nino correu até a cama do sacerdote “E o Senhor disse a Samuel: ‘Vou
e lhe disse: “Estou aqui; o senhor realizar em Israel algo que fará tinir
* Este capítulo é baseado em 1 Samuel 3-7.
Castigo à Vista 393

os ouvidos de todos os que ficarem Última Oportunidade


sabendo. Nessa ocasião executarei Apesar de tudo, Eli não se arre-
contra Eli tudo o que falei contra pendeu de verdade. Não abando-
sua família, do começo ao fim. Pois nou o seu pecado. Ano após ano, o
Eu lhe disse que julgaria sua famí- Senhor adiava os juízos que tinha
lia para sempre, por causa do pecado anunciado. Eli poderia ter feito
dos seus filhos, do qual ele tinha muito para reparar os erros do pas-
consciência; seus filhos se fizeram sado, mas o idoso sacerdote não
desprezíveis, e ele não os puniu. tomou nenhuma atitude que aju-
[…] Jamais se fará propiciação pela dasse a corrigir os males que con-
culpa da família de Eli mediante sa- taminavam o santuário do Senhor e
crifício ou oferta” (1Sm 3:11-14). levavam milhares à ruína em Israel.
Samuel ficou com muito medo e Diante da paciência de Deus, Hofni
espantado ao receber uma mensagem e Fineias endureceram o coração e
tão terrível. Pela manhã, ele fez seus se tornaram ainda mais ousados.
deveres como de costume, mas sen- Eli comunicou a toda a nação as
tia um grande peso em seu coração. mensagens de advertência e repro-
O Senhor não ordenou que falasse vação à sua família. Dessa forma, ele
sobre a terrível condenação; assim, esperava desfazer a má influência
ele não disse nada. Ficou com muito de seus erros no passado. Contudo,
medo de que o sacerdote lhe fizesse assim como os sacerdotes, o povo
alguma pergunta que o obrigasse não deu atenção às advertências.
a revelar os juízos divinos contra As nações vizinhas também se tor-
aquele a quem ele amava e respeitava. naram mais ousadas em sua idola-
Eli tinha certeza de que a mensagem tria e crimes. Não tinham nenhum
dizia respeito a alguma grande cala- sentimento de culpa por seus peca-
midade que viria sobre ele e sua fa- dos, como teriam sentido se os is-
mília. Chamou Samuel e pediu que raelitas tivessem permanecido leais.
relatasse fielmente o que o Senhor lhe Foi necessário, portanto, que Deus
revelara. O jovem obedeceu, e o idoso interferisse para que Seu nome con-
sacerdote humildemente se curvou tinuasse sendo honrado.
em submissão à terrível sentença. “Nessa época os israelitas saí-
“Ele é o Senhor, que faça o que Lhe ram à guerra contra os filisteus.
parecer melhor” (1Sm 3:18). Eles acamparam em Ebenézer, e
394 Os Escolhidos
os filisteus em Afeque” (1Sm 4:1). Quando souberam que a arca do
Os israelitas fizeram isso sem pedir Senhor tinha sido levada para o
o conselho de Deus, sem o consenti- acampamento, os filisteus ficaram
mento do sacerdote ou do profeta. com medo e disseram: ‘Deuses che-
“Os filisteus dispuseram suas for- garam ao acampamento. Ai de nós!
ças em linha para enfrentar Israel, e, […] São os deuses que feriram os
intensificando-se o combate, Israel egípcios com toda espécie de pragas,
foi derrotado pelos filisteus, que no deserto. Sejam fortes, filisteus!
mataram cerca de quatro mil deles Sejam homens, ou vocês se tornarão
no campo de batalha” (1Sm 4:2). escravos dos hebreus, assim como
Quando o exército voltou para o eles foram escravos de vocês. Sejam
acampamento desfalcado e desani- homens e lutem!’” (1Sm 4:6-9).
mado, “as autoridades de Israel per- Os filisteus atacaram com
guntaram: ‘Por que o Senhor deixou grande fúria, causando um grande
que os filisteus nos derrotassem?’” massacre. Trinta mil homens foram
(1Sm 4:3). Não viam que era por mortos, e a arca de Deus foi levada.
causa de seus pecados que aquela Os dois filhos de Eli morreram en-
terrível calamidade aconteceu. quanto lutavam para defendê-la.
Então os israelitas disseram: Essa foi a calamidade mais ter-
“Vamos a Siló buscar a arca da rível que poderia acontecer a Israel.
aliança do Senhor, para que Ele A arca de Deus estava nas mãos do
vá conosco e nos salve das mãos inimigo. O símbolo da presença
de nossos inimigos” (1Sm 4:3). O e do poder do Senhor foi levado.
Senhor não dera ordem nem per- Em tempos passados, aconteciam
missão para que a arca fosse com vitórias milagrosas sempre que
o exército. Mesmo assim, eles esta- ela aparecia. O símbolo visível do
vam certos da vitória e deram um Deus altíssimo repousava sobre ela
grande grito de alegria quando a no lugar santíssimo do santuário.
arca foi levada ao acampamento Dessa vez, não trouxe a vitória que
pelos filhos de Eli. esperavam, causando grande tris-
Os filisteus achavam que a arca teza em todo o Israel.
era o deus de Israel e disseram: “‘O A lei de Deus, que estava dentro da
que significam todos esses gritos arca, era o símbolo da Sua presença;
no acampamento dos hebreus?’ porém, eles mostraram desprezo
Castigo à Vista 395

para com os mandamentos e entris- até Eli, que estava ao lado do taber-
teceram o Espírito do Senhor, que Se náculo. O mensageiro foi até onde
retirou do meio deles. Quando o povo ele estava e disse: “Israel fugiu dos
deixou de fazer a vontade de Deus, filisteus, e houve uma grande ma-
não mais obedecendo à Sua lei, con- tança entre os soldados. Também
forme Ele revelou, a arca se tornou os seus dois filhos, Hofni e Fineias,
pouco mais que uma caixa comum estão mortos, e a arca de Deus foi to-
para eles. Olhavam para a arca como mada” (1Sm 4:17). Eli podia supor-
as nações idólatras olhavam para tar tudo, por mais terrível que fosse,
seus deuses. Transgrediram a lei que pois esperava que isso acontecesse.
estava guardada dentro dela, pois a No entanto, quando o mensageiro
sua adoração à arca os levou à falsi- acrescentou: “e a arca de Deus foi to-
dade e à idolatria. mada”, uma expressão de extrema
angústia tomou conta de seu rosto.
Notícias Trágicas e a Morte O pensamento de que o seu pecado
de Eli tinha desonrado a Deus e feito com
Quando o exército saiu para a que Ele retirasse a Sua presença de
batalha, Eli ficou em Siló. Ele aguar- Israel foi mais do que ele podia su-
dava com grande preocupação o re- portar. Eli caiu para trás, “quebrou o
sultado do conflito, “pois em seu pescoço e morreu” (1Sm 4:18).
coração temia pela arca de Deus” A esposa de Fineias era fiel ao
(1Sm 4:13). Dia após dia, ele ficava Senhor. A morte de seu sogro e de
assentado do lado de fora do portão seu esposo, e, acima de tudo, a notí-
do tabernáculo, ao lado da estrada, cia de que a arca de Deus havia sido
esperando ansiosamente a chegada tomada, provocaram a sua morte
do mensageiro que traria notícias também. Ela sentiu que a última
do campo de batalha. esperança de Israel tinha desapa-
Finalmente um homem da tribo recido. Deu o nome de Icabode, ou
de Benjamim, “com as roupas rasga- “Inglório”, ao filho que nasceu nessa
das e terra na cabeça” (1Sm 4:12), hora de tanto sofrimento. Já quase
correu até a cidade e repetiu as no- morrendo, ela repetia com tris-
tícias da derrota para a multidão teza as palavras: “‘A glória se foi de
que aguardava impaciente. Os gri- Israel!’ porque a arca de Deus foi to-
tos de choro e de tristeza chegaram mada” (1Sm 4:21).
396 Os Escolhidos
Apesar de tudo, o Senhor não era semelhante a um homem e a
rejeitou Seu povo completamente e de baixo parecia um peixe. Todas
usou a arca para castigar os filisteus. as partes que se pareciam com o
A presença divina, embora invisí- homem tinham sido quebradas, fi-
vel, acompanharia a arca para ater- cando inteiro só o corpo do peixe. Os
rorizar e destruir os transgressores sacerdotes e o povo ficaram horrori-
da Sua santa lei. Os maus poderiam zados; acharam que isso era um mau
vencer por algum tempo, enquanto sinal, anunciando a destruição que
viam Israel ser castigado, mas viria viria sobre eles e seus ídolos, diante
o tempo em que eles também de- do Deus dos hebreus. Tiraram a arca
veriam enfrentar a condenação de do templo e a colocaram em outro
um Deus santo, que odeia o pecado. local, onde permaneceria sozinha.
Os moradores de Asdode foram
Deuses Pagãos não Resistem atingidos por uma doença muito do-
à Arca de Deus lorosa e mortal. Quando se lembra-
Comemorando sua vitória, os fi- ram das pragas que caíram no Egito,
listeus levaram a arca para Asdode disseram que era porque a arca es-
e a deixaram no templo do deus tava entre eles e por isso estavam
Dagom. Eles imaginavam que o sofrendo tanto. Decidiram então
poder que acompanhava a arca pas- levar a arca para Gate, mas a praga
saria para eles e que, unido ao poder foi para lá também. Então os mo-
de Dagom, seria impossível serem radores da cidade a enviaram para
derrotados. Ecrom. Nesse lugar, o povo a recebeu
Quando entraram no templo no aterrorizado e gritando: “Eles trou-
dia seguinte, viram uma cena que xeram a arca do Deus de Israel para
os deixou aterrorizados. Dagom es- cá a fim de matar a nós e a nosso
tava caído diante da arca do Senhor. povo” (1Sm 5:10). A obra do destrui-
Os sacerdotes ergueram o ídolo com dor continuou até que “o clamor da
toda a reverência e o colocaram de cidade subiu até o Céu” (1Sm 5:12).
volta no lugar. Como estavam com medo de
Na manhã seguinte, porém, eles ficar com a arca por mais tempo
o encontraram quebrado, de forma perto de suas casas, o povo a co-
muito estranha, caído diante da locou em um campo aberto. Uma
arca. A parte de cima desse ídolo praga de ratos invadiu a terra e
Castigo à Vista 397

destruiu toda a colheita nos campos praga atingiu vocês e todos os seus
e nos celeiros. Completa destruição governantes” (1Sm 6:4).
ameaçava toda a nação. Aqueles homens sábios reco-
A arca ficou na terra dos filis- nheciam que um poder misterioso
teus por sete meses. Os israelitas acompanhava a arca, mas não acon-
não fizeram esforço algum para re- selharam o povo a abandonar a ido-
cuperá-la, mas os filisteus estavam latria para servir ao Senhor. Eles
ansiosos para se livrar dela. Em vez ainda odiavam o Deus de Israel, em-
de ser uma fonte de poder, ela se bora os juízos que o Senhor tinha
tornou um pesadelo e uma grande lhes enviado os obrigassem a se sub-
maldição para eles. Os filisteus meter à Sua autoridade. Essa forma
não sabiam o que fazer com a arca. de submissão não salva o pecador.
O povo apelou aos líderes da nação, Devemos entregar o coração a Deus
sacerdotes e adivinhos e pergun- – ele deve ser dominado pela graça
tou: “O que faremos com a arca do divina – para que Deus aceite o
Senhor? Digam-nos com o que deve- nosso arrependimento.
mos mandá-la de volta a seu lugar.” Como é grande a paciência de
Eles foram aconselhados a devolvê- Deus para com os pecadores! Mi-
la juntamente com uma oferta de lhares de bênçãos, que nem mesmo
grande valor. “Então”, disseram os foram notadas, caíram no caminho
sacerdotes, “vocês serão curados” de pessoas ingratas e rebeldes. Ao
(1Sm 6:2, 3). se recusarem a ouvir a voz de Deus
por meio das obras que Ele criou e
A Arca é Enviada pelos avisos e conselhos de Sua Pa-
a Bete-Semes lavra, Ele foi forçado a falar a elas
Por causa de uma superstição por meio de Seus juízos.
bastante comum que existia entre Os sacerdotes e adivinhos insis-
eles, os líderes filisteus recomen- tiram com o povo para que não fi-
daram ao povo que fizesse imita- zessem como Faraó e os egípcios e
ções das pragas que os afligiam acabassem trazendo maiores sofri-
– “cinco tumores de ouro e cinco mentos sobre eles. Esses líderes reli-
ratos de ouro, de acordo com o nú- giosos apresentaram um plano que
mero de governantes filisteus, por- foi aceito por todos. A arca e os ob-
quanto”, eles disseram, “a mesma jetos feitos de ouro, que eles tinham
398 Os Escolhidos
enviado como oferta para reparar a cortaram a madeira da carroça e
culpa, foram colocados em um carro ofereceram as vacas como holo-
novo, para evitar qualquer perigo de causto ao Senhor” (1Sm 6:13, 14).
contaminação. Duas vacas com cria Os filisteus seguiram a arca “até a
que nunca tinham usado o jugo foram fronteira de Bete-Semes” (1Sm 6:12)
amarradas ao carro. Os bezerros fica- e viram como foi recebida. A praga
ram presos no curral e eles soltaram cessou e eles se convenceram de que
as vacas para irem pelo caminho que as calamidades que caíram sobre
desejassem. Se a arca fosse devolvida eles haviam sido castigos enviados
aos israelitas dessa maneira, pelo ca- pelo Deus de Israel.
minho de Bete-Semes, a cidade que
ficava mais próxima dos levitas, os Pior que os Filisteus
filisteus aceitariam isso como prova O povo de Bete-Semes espalhou
de que o Deus de Israel teria causado rapidamente a notícia de que a arca
esse grande mal a eles. “Mas, se ela estava com eles, e muitos morado-
não for”, eles disseram, “então sabe- res das regiões ao redor se reuniram
remos que não foi a Sua mão que nos para celebrar sua volta. Eles ofere-
atingiu e que isso aconteceu conosco ceram sacrifícios e, se os adorado-
por acaso” (1Sm 6:9). res tivessem se arrependido de seus
Quando as vacas foram soltas, pecados, Deus os teria abençoado.
elas largaram seus bezerros e se di- Embora comemorassem a volta da
rigiram para a estrada que levava arca como sendo um bom sinal,
direto a Bete-Semes. Mesmo não não tinham a verdadeira noção
sendo guiados por mãos huma- de sua santidade. Permitiram que
nas, os animais seguiram por esse ela ficasse no campo de colheita.
caminho. A presença divina acom- Como ficavam olhando a todo ins-
panhou a arca com segurança até o tante para a arca sagrada, começa-
lugar exato a que ela deveria chegar. ram a imaginar de onde poderia vir
Os homens de Bete-Semes esta- o poder especial que ela possuía. Por
vam fazendo a colheita no vale “e, fim, não suportando mais a curiosi-
quando viram a arca, alegraram-se dade, eles removeram os tecidos que
muito. A carroça chegou ao campo a cobriam e se aventuraram a abri-la.
de Josué, de Bete-Semes, e ali parou Israel tinha sido ensinado a olhar
ao lado de uma grande rocha. Então para a arca com respeito e reverência.
Castigo à Vista 399

Somente uma vez ao ano o sumo sa- cumprissem. Todo o Israel, desde Dã
cerdote tinha permissão para olhar até Berseba, reconhecia que Samuel
para a arca de Deus. Mesmo os filis- estava confirmado como profeta do
teus, que eram pagãos, não se atreve- Senhor” (1Sm 3:19, 20).
ram a remover sua cobertura. Anjos Samuel visitou as cidades e al-
do Céu, invisíveis aos olhos huma- deias em todo o país, pois esperava
nos, sempre a acompanhavam em que o povo convertesse o seu cora-
todas as suas viagens. A ousadia e a ção ao Deus de seus pais, e seus es-
irreverência do povo de Bete-Semes forços trouxeram bons resultados.
foi imediatamente castigada. Muitos Depois de sofrer com a opressão de
morreram na hora. seus inimigos por vinte anos, todo
Esse castigo não levou aqueles o povo de Israel “buscava ao Senhor
que sobreviveram a se arrepender com súplicas”. Samuel os aconselhou:
de seu pecado, mas apenas a olhar “Se vocês querem voltar-se para o
para a arca com medo e supersti- Senhor de todo o coração, livrem-se
ção. Ansiosos para ficar livres da então dos deuses estrangeiros e das
presença da arca, os moradores de imagens de Astarote, consagrem-se
Bete-Semes enviaram uma mensa- ao Senhor e prestem culto somente
gem ao povo de Quiriate-Jearim, a Ele” (1Sm 7:2, 3). A religião prática
pedindo que a levassem embora. era ensinada nos dias de Samuel da
O povo desse lugar recebeu a arca mesma maneira que Cristo ensinou
sagrada com muita alegria e a co- mais tarde quando esteve na Terra.
locou na casa de Abinadabe, um le- O arrependimento é o primeiro
vita. Esse homem escolheu seu filho passo que todos aqueles que dese-
Eleazar para cuidar dela, e nesse jam voltar para Deus devem dar.
lugar ela ficou por muitos anos. Devemos nos humilhar diante de
Toda a nação reconheceu o cha- Deus e jogar fora todos os nossos
mado de Samuel para ser profeta. Ele ídolos. Quando fizermos tudo o que
provou sua fidelidade ao transmitir pudermos, o Senhor nos mostrará a
fielmente os avisos divinos à famí- Sua salvação.
lia de Eli, por mais doloroso e difí-
cil que esse dever tenha sido para Samuel se Torna Juiz
ele. “O Senhor estava com ele e fazia Uma grande assembleia foi rea-
com que todas as suas palavras se lizada em Mispá, e ali eles fizeram
400 Os Escolhidos
um jejum solene. Com profunda de esperança. Quando viram
humildade de coração, o povo con- que seus inimigos estavam mor-
fessou seus pecados e concedeu a tos, compreenderam que Deus os
Samuel a autoridade de juiz. tinha perdoado. Embora não esti-
Os filisteus acharam que essa vessem preparados para a batalha,
reunião era um conselho de guerra e eles pegaram as armas dos filisteus
decidiram fazer com que os israelitas mortos e perseguiram o restante
se dispersassem antes que seus pla- do exército que estava fugindo.
nos chegassem a se concretizar. As Os israelitas ganharam essa vitó-
notícias da aproximação dos filisteus ria no mesmo campo onde vinte
causaram grande terror em Israel. anos antes tinham sido derrotados
O povo suplicou a Samuel: “Não pelos filisteus, quando os sacerdo-
pares de clamar por nós ao Senhor, tes foram mortos e a arca de Deus
o nosso Deus, para que nos salve das foi tomada. Os filisteus foram der-
mãos dos filisteus” (1Sm 7:8). rotados tão completamente que
Enquanto Samuel oferecia um entregaram todas as fortalezas que
cordeiro em sacrifício, os filisteus tinham tomado de Israel e evita-
se aproximavam cada vez mais para ram entrar em conflito com eles
a batalha. Então o Senhor todo-po- por muitos anos. Outras nações
deroso, que tinha dividido o Mar seguiram o exemplo dos filisteus,
Vermelho e aberto o caminho para e assim os israelitas desfrutaram
Israel passar através do Jordão, re- paz até o fim do governo de Samuel
velou Seu poder novamente. Uma como juiz.
terrível tempestade caiu sobre o Para que eles nunca mais se es-
exército que avançava, e aquela quecessem desses acontecimentos,
terra ficou coberta de corpos dos Samuel ergueu uma grande pedra
poderosos guerreiros, espalhados como lembrança. Ele lhe deu o nome
por toda a parte. de Ebenézer, “a pedra da ajuda”, e
Os israelitas ficaram com disse ao povo: “Até aqui o Senhor
muito medo, mas estavam cheios nos ajudou” (1Sm 7:12).
58
As Escolas dos Profetas
D eus ordenou que os he-
breus contassem aos fi-
lhos a maneira como Ele cuidou de
Timóteo aprendeu com sua avó Loide
e sua mãe Eunice (2Tm 1:5; 3:15).
As escolas dos profetas ofere-
seus antepassados. Deveriam sempre ciam mais recursos para a instrução
falar de Suas poderosas obras e da dos jovens. Se um deles desejasse se
promessa da vinda de um Redentor. aprofundar mais na verdade para
As ilustrações e símbolos fixavam se tornar mestre em Israel, essas es-
as lições na memória de maneira colas estavam abertas para ele. Sa-
que não fossem esquecidas. A mente muel fundou as escolas dos profetas
ainda jovem era ensinada a ver Deus para servir de barreira contra a cor-
nas cenas da natureza e nas palavras rupção que se espalhava por toda
da revelação. As estrelas, as árvores e a parte, proporcionar bem-estar
as flores, as montanhas, os riachos, moral e espiritual aos jovens e pro-
tudo falava do Criador. O culto no mover a prosperidade da nação com
santuário e as mensagens dos profe- líderes e conselheiros qualificados.
tas eram a revelação de Deus. Ele reuniu jovens que eram consa-
Essa foi a educação recebida por grados, inteligentes e estudiosos.
Moisés na terra de Gósen, a que Esses eram chamados de filhos dos
Samuel recebeu de sua mãe Ana, de profetas. Os instrutores possuíam
Davi, em Belém, de Daniel antes grande conhecimento das verdades
de ser separado de seus pais pelo ca- divinas e muitos deles tinham des-
tiveiro, de Cristo em Nazaré. Foi por frutado a comunhão com Deus e re-
meio dessa educação que o menino cebido o Seu Espírito.
402 Os Escolhidos
Nos dias de Samuel existiam apresentadas pelos símbolos do
duas dessas escolas – em Ramá e em santuário eram trazidas à mente e,
Quiriate-Jearim. As outras foram pela fé, eles podiam compreender o
fundadas algum tempo depois. objetivo central de todo aquele sis-
Os alunos se mantinham cul- tema cerimonial – o Cordeiro de
tivando o solo ou fazendo algum Deus que tira o pecado do mundo.
trabalho manual. Em Israel era con- Os alunos eram ensinados não
siderado um crime permitir que as somente a orar, mas também a se
crianças crescessem sem conhe- aproximar de seu Criador, ter fé
cer a importância do trabalho útil. nEle e a entender e obedecer aos
Toda criança aprendia alguma pro- ensinos de Seu Espírito. A presença
fissão, mesmo se ela tivesse que ser do Espírito de Deus era constante-
educada para exercer a função sa- mente revelada por meio da profe-
grada no santuário. Muitos mestres cia e do cântico sagrado.
religiosos se mantinham com um
trabalho manual. Muito tempo de- O Edificante Ensino
pois, no tempo dos apóstolos, Paulo da Música
e Áquila também ganharam o sus- A música foi feita para dirigir
tento fazendo tendas. os pensamentos para tudo o que é
A lei de Deus, a história sagrada, puro e nobre, e despertar a devo-
a música sagrada e a poesia eram ção e a gratidão a Deus. Quantos
as principais matérias estudadas hoje usam esse dom para a exalta-
nessas escolas. O método de en- ção própria em vez de glorificar a
sino era diferente do que é ensi- Deus! Dessa forma, o amor à música
nado hoje nas escolas de Teologia, se torna uma das ferramentas mais
onde muitos alunos se formam co- poderosas de Satanás para desviar a
nhecendo menos sobre Deus e as mente do dever e das coisas eternas.
verdades religiosas do que quando A música faz parte da adoração a
entram. Nessas escolas, o objetivo Deus nas cortes do Céu, e em nossos
de todo estudo era aprender sobre cânticos de louvor devemos tentar
a vontade de Deus e o dever do nos aproximar o máximo possí-
homem para com Ele. Na história vel da harmonia do coro celestial.
sagrada os alunos seguiam as pe- Cantar se torna um ato de adoração
gadas de Deus. Grandes verdades tanto quanto a oração. O coração
As Escolas dos Profetas 403

deve sentir a mensagem a ser trans- mais semelhante a Ele. Em vez de


mitida pelo cântico para dar a ele a ser atraído para o desejo de exalta-
expressão correta. ção própria, que atrofia e degenera
Há muitas lições que os educa- a mente, o aluno seria direcionado
dores de hoje podem aprender com ao Criador.
as escolas antigas dos hebreus. “O temor do Senhor é o princí-
O verdadeiro sucesso na educa- pio da sabedoria, e o conhecimento
ção depende da fidelidade com que do Santo é entendimento” (Pv 9:10).
cada um executa o plano apresen- Transmitir esse conhecimento e
tado pelo Criador. moldar o caráter de acordo com
O verdadeiro objetivo da educa- ele deve ser o objetivo do trabalho
ção é restaurar a imagem de Deus realizado pelo professor. Por isso, o
no ser humano. O pecado quase salmista afirma: “A minha língua
apagou essa imagem. O grande ob- cantará a Tua Palavra, pois todos
jetivo da vida é levar a humani- os Teus mandamentos são justos” e
dade de volta à perfeição com que “ganho entendimento por meio dos
foi criada no princípio. Ao educar Teus preceitos” (Sl 119:172, 104). É
os jovens, é tarefa dos pais e pro- por meio da Bíblia e do livro da natu-
fessores cooperarem com o plano reza que podemos conhecer a Deus.
de Deus. Cada habilidade adqui- Aos poucos, a mente se adapta
rida, cada dom que nos foi conce- aos assuntos estudados. Se ela es-
dido pelo Criador deve ser usado tiver ocupada somente com as coi-
para a Sua glória e para a edifica- sas comuns, vai ficar atrofiada e
ção de outros. fraca. Se a mente não for treinada
Se esse princípio recebesse a para lidar com problemas difíceis,
atenção que ele merece, haveria uma acabará perdendo quase todo o seu
mudança radical em alguns méto- poder de desenvolvimento. A Bíblia,
dos de ensino atuais. Em vez de como nenhum outro livro, contém o
apelar para o orgulho e a ambição verdadeiro poder para a educação.
egoísta, os professores procurariam Ela veio direto da fonte pura da ver-
despertar o amor pela bondade, ver- dade eterna, e a mão divina preser-
dade e beleza. O aluno não tentaria vou sua pureza ao longo dos séculos.
ser melhor que os outros, mas cum- Ela ilumina o passado mais distante,
prir o propósito do Criador e ser onde a pesquisa humana tenta em
404 Os Escolhidos
vão penetrar. Somente nela pode- tanto o livro da natureza como a
mos encontrar a história da nossa Palavra escrita, nos levarão a conhe-
raça sem a mancha do preconceito cer melhor a Deus e sempre nos ensi-
ou do orgulho humano. Nela estão narão algo a respeito das leis sábias e
registradas as lutas, as derrotas e as úteis por meio das quais Ele trabalha.
vitórias dos maiores homens que Os professores devem imitar o
este mundo já conheceu. Nela, a cor- exemplo do grande Mestre, que ti-
tina que nos separa do mundo invi- rava ilustrações da natureza para
sível se ergue e podemos contemplar simplificar Seus ensinos e fixá-los de
o conflito entre as forças contrárias maneira mais profunda na mente de
do bem e do mal, desde que o pecado Seus ouvintes. Os pássaros nos ga-
entrou neste mundo até o triunfo lhos frondosos, as flores no vale, as
final da justiça e da verdade. Tudo árvores altas, terras férteis, o grão
isso é nada mais que uma revelação germinando, o solo árido, o pôr do
do caráter de Deus. O estudante é sol iluminando o céu com seus raios
levado a manter comunhão com a dourados – tudo servia de ilustração
mente infinita. Um estudo assim para as Suas lições. Ele unia as obras
não deixará de aumentar e renovar do Criador com as palavras de vida
as forças mentais. que transmitia ao povo.
A Bíblia revela os princípios que
são a base da sociedade e uma prote- A Religião Promove Saúde
ção para a família. Se fosse estudada e Felicidade
e obedecida, a Palavra de Deus daria Toda a natureza nos fala do
ao mundo homens e mulheres de ca- amor do Criador. Este mundo não é
ráter forte e firme, de grande per- só tristeza e miséria. “Deus é amor”
cepção e bom senso – pessoas que está escrito em cada botão que de-
seriam uma bênção para o mundo. sabrocha, nas pétalas de cada flor
Toda verdadeira ciência é uma e em cada haste da vegetação. Há
interpretação da mensagem escrita flores nos espinhos, e há espinhos
pela mão de Deus no mundo ma- escondidos nas rosas. Todas as coi-
terial. As pesquisas científicas tra- sas na natureza são uma prova do
zem apenas as provas mais recentes desejo que Deus tem de fazer Seus
da sabedoria e do poder de Deus. filhos felizes. Quando Ele proíbe al-
Se forem corretamente entendidos, guma coisa não é para mostrar Sua
As Escolas dos Profetas 405

autoridade. O Senhor deseja o me- por Aquele que sabe o que é me-
lhor para os Seus filhos e não pede lhor para nós.
que abandonem coisa alguma que Podemos aprender muito ao es-
seja para o bem deles. tudar tanto a educação física como
A ideia de que a religião não pro- a religiosa que era praticada nas es-
move a saúde ou a felicidade é um colas dos hebreus. Há uma íntima
dos erros mais perigosos. A Bíblia relação entre a mente e o corpo.
nos diz: “O temor do Senhor con- Para alcançar um padrão moral e
duz à vida: quem O teme pode des- intelectual elevado, devemos obe-
cansar em paz, livre de problemas” decer às leis que governam o nosso
(Pv 19:23). As palavras de sabedoria corpo físico.
“são vida para quem as encontra e Assim como foi nos dias do povo
saúde para todo o seu ser” (Pv 4:22). de Israel, hoje também todo jovem
A verdadeira religião nos leva a deve aprender e se dedicar a alguma
viver em harmonia com as leis de forma de trabalho manual. Moços e
Deus: física, mental e moral. Ela moças deveriam aprender a traba-
nos ensina o domínio próprio, a se- lhar, mesmo se eles tivessem a cer-
renidade, a temperança. A religião teza de que nunca necessitariam
enobrece a mente, refina o gosto recorrer ao trabalho manual para
e santifica a capacidade de julga- se sustentarem. Sem o exercício fí-
mento. A fé no amor de Deus e a sico, ninguém pode ter boa saúde.
confiança de que Ele dirige todas A disciplina de um trabalho reali-
as coisas alivia a carga gerada pela zado regularmente é essencial para
ansiedade e pelos cuidados da vida. manter a mente ativa e forte, como
Enche o coração de alegria e de feli- também um caráter nobre.
cidade, não importando se a pessoa Todo estudante deveria dedicar
é rica ou pobre. A religião colabora uma parte de cada dia para realizar
para promover a saúde, prolongar a um trabalho físico. Isso protegeria
vida e aumentar a alegria que des- os jovens de muitos males e práti-
frutamos em todas as suas bênçãos. cas degradantes que normalmente
Ela abre diante de nós uma fonte de são o resultado de viver na preguiça,
felicidade que nunca se acaba. Não sem ter o que fazer. E essa é uma ati-
há alegria verdadeira que possa ser tude que está de acordo com o obje-
encontrada no caminho proibido tivo principal da educação.
406 Os Escolhidos
Se os jovens pudessem sen- Sua graça, devem estabelecer seus
tir a bondade e o amor que o Pai alvos bem mais elevados do que os
do Céu tem por eles, a dignidade meros interesses terrenos e egoís-
e honra que deseja lhes conceder tas – tão altos quanto o Céu é mais
– a ponto de se tornarem filhos e alto que a Terra.
filhas de Deus – milhares se afas- A educação iniciada nesta vida
tariam decididamente dos objetivos continuará na vida futura. “Olho
egoístas e dos prazeres que atraí- nenhum viu, ouvido nenhum ouviu,
ram a sua atenção até o momento. mente nenhuma imaginou o que
Eles aprenderiam a odiar o pecado, Deus preparou para aqueles que O
não para receber uma recompensa amam” (1Co 2:9). Na vida futura,
ou por medo do castigo, mas pelo seremos completamente felizes e
sentimento de ser algo verdadeira- abençoados. Somente a eternidade
mente mau. pode revelar o futuro glorioso que
Deus não pede aos jovens que homens e mulheres restaurados à
deixem de ter suas aspirações. Por imagem de Deus podem alcançar.
59
*
O Primeiro Rei
I srael tinha um sistema de
governo que era adminis-
trado em nome de Deus. O traba-
O povo adotou muitos costumes de
seus vizinhos pagãos e não deram
mais valor ao privilégio que ti-
lho de Moisés, dos setenta anciãos, nham de ser o povo escolhido de
dos príncipes e juízes era simples- Deus. Foram atraídos pela pompa
mente garantir que as leis dadas por e luxo dos reis pagãos e se cansa-
Deus fossem cumpridas. Eles não ti- ram da simplicidade de seu governo.
nham autoridade para criar novas A inveja se espalhou entre as tribos.
leis. Essa foi a condição para que As brigas internas enfraqueceram a
Israel existisse como nação. nação. Tinham que enfrentar cons-
O Senhor sabia que Israel um tantemente as invasões de seus ini-
dia desejaria ter um rei, mas não migos pagãos, e o povo passou a crer
mudou os princípios sobre os quais que as tribos deveriam estar uni-
a nação foi fundada. O rei deveria das sob um forte governo central.
ser um representante do Altíssimo Queriam se libertar do governo de
e Deus era o líder da nação (ver seu Soberano divino. O pedido para
Apêndice, Nota 7). que fossem governados por um rei
No início, quando os israelitas se espalhou por todo o Israel.
se estabeleceram em Canaã, a nação Durante a administração de
prosperou sob o governo de Josué. Samuel a nação havia prosperado,
Entretanto, a interação com ou- a ordem tinha sido restaurada, a re-
tras nações causou uma mudança. ligiosidade promovida e o espírito
* Este capítulo é baseado em 1 Samuel 8-12.
408 Os Escolhidos
de descontentamento afastado por queixa contra Samuel. Todos re-
algum tempo. Quando ficou mais conheciam que ele tinha gover-
velho, o profeta indicou seus dois nado com honestidade e sabedoria.
filhos para trabalharem como seus O idoso profeta não fez nenhuma
auxiliares. Os moços ficaram em censura, mas levou o caso ao
Berseba como juízes entre o povo Senhor, em oração, e buscou o con-
que morava próximo à fronteira, no selho dEle somente.
sul do país.
Os dois mostraram não ser dig- O Senhor Adverte Israel
nos, pois “se tornaram gananciosos, O Senhor disse a Samuel: “Atenda
aceitavam suborno e perverteram a a tudo o que o povo está lhe pedindo;
justiça” (1Sm 8:3). Eles não procura- não foi a você que rejeitaram; foi a
ram imitar a vida pura e altruísta de Mim que rejeitaram como rei. Assim
seu pai. Ele foi, até certo ponto, bas- como fizeram comigo desde o dia em
tante tolerante com seus filhos e o que os tirei do Egito, até hoje, aban-
resultado foi visto de forma clara donando-Me e prestando culto a ou-
no caráter que revelavam. tros deuses, também estão fazendo
Isso deu ao povo um motivo com você” (1Sm 8:7, 8).
para insistir na mudança que fazia O tempo de maior prosperidade
muito tempo desejavam em se- de Israel foi quando o povo reconhe-
gredo. “Por isso, todas as auto- ceu o Senhor como seu Rei, quando
ridades de Israel reuniram-se e acreditaram que as leis e o governo
foram falar com Samuel em Ramá. que Ele estabeleceu eram superiores
E disseram-lhe: ‘Tu já estás idoso, e aos de outras nações. Ao se afasta-
teus filhos não andam em teus ca- rem da lei de Deus, os hebreus dei-
minhos; escolhe agora um rei para xaram de ser o povo que o Senhor
que nos lidere, à semelhança das ou- desejava fazer deles. Então culpa-
tras nações” (1Sm 8:4, 5). Se Samuel ram o governo de Deus por todos
soubesse da má conduta de seus fi- os males que resultaram das coisas
lhos, ele os teria removido imediata- erradas que fizeram.
mente, mas não era isso que o povo O Senhor permitiu que o povo
queria. Samuel viu que o verdadeiro fizesse o que escolheu, pois se
motivo era o descontentamento e recusou a ser guiado por Seu con-
o orgulho. Não fizeram nenhuma selho. Quando as pessoas decidem
O Primeiro Rei 409

seguir seu próprio caminho, Ele mui- tudo isso, o rei exigiria um dízimo
tas vezes concede o que desejam para de toda a renda, dos lucros de seu
que possam compreender o quanto trabalho ou dos produtos do solo,
estavam erradas. Qualquer desejo “e vocês se tornarão escravos dele”,
do coração que seja contrário à von- concluiu o profeta. “Vocês clama-
tade de Deus acabará se tornando rão, […] e o Senhor não os ouvirá”
em maldição em vez de bênção. (1Sm 8:11-18). Depois que a monar-
Deus orientou Samuel para que quia fosse estabelecida, eles não po-
atendesse ao pedido do povo, mas deriam depor seu governo quando
deveria adverti-los de que o Senhor bem entendessem.
não aprovava a ideia e dizer a eles
também qual seria o resultado O Povo Rejeita a Deus
dessa escolha. Ele apresentou fiel- como Rei
mente diante do povo os encar- O povo deu então a resposta:
gos que o rei colocaria sobre eles “Não! Queremos ter um rei. Seremos
e o contraste entre essa forma de como todas as outras nações; um rei
opressão e a liberdade e prosperi- nos governará, e sairá à nossa frente
dade que possuíam. O rei imitaria para combater em nossas batalhas”
a vida de pompa e luxo de outros (1Sm 8:19, 20).
monarcas. Seria necessária a arreca- “Como as outras nações.” Ser di-
dação de impostos caros sobre suas ferente das outras nações nesse sen-
propriedades. O rei exigiria para seu tido era um privilégio. Deus havia
serviço os melhores moços dentre o separado os israelitas de todos os
povo. Eles se tornariam cocheiros, outros povos para fazer deles Seu
cavaleiros e mensageiros para irem tesouro especial. Mesmo assim,
à frente dele. Deveriam encher as eles desejavam imitar os pagãos!
fileiras de seu exército e ele exigi- Quando aqueles que afirmam ser o
ria que cultivassem seus campos, fi- povo de Deus se afastam do Senhor,
zessem suas colheitas e fabricassem seu maior desejo é alcançar as hon-
instrumentos de guerra para o seu ras do mundo. Muitos insistem em
serviço. Para manter o palácio real, que, ao se unirem com as pessoas
ele exigiria o melhor de suas terras. do mundo e viverem de acordo com
Ele tomaria “para servi-lo” os melho- os seus costumes, podem exercer
res servos e o melhor gado. Além de maior influência sobre os descrentes.
410 Os Escolhidos
Todos aqueles que seguem esse cami- libertasse da opressão de seus ini-
nho separam-se da Fonte de sua força. migos, mas continuavam prati-
Ao fazerem amizade com o mundo, cando os mesmos pecados que os
passam a ser inimigos de Deus. levavam a ser dominados por eles.
Samuel ouviu o povo com pro- Se Cristo tivesse aceitado e elo-
funda tristeza. O Senhor disse a ele: giado a demonstração de religiosi-
“Dê-lhes um rei” (1Sm 8:22). O pro- dade dessas pessoas, elas O teriam
feta apresentou fielmente a adver- aceitado como seu rei, mas não su-
tência, e eles a rejeitaram. Com dor portavam as repreensões destemi-
no coração, ele se retirou para prepa- das que Ele fazia sobre seus hábitos
rar a grande mudança no governo. errados. Tem sido assim em todas as
A vida de pureza e devoção de épocas no mundo. Quando são re-
Samuel, sem qualquer forma de preendidos pelo exemplo daqueles
egoísmo, foi uma repreensão tanto que odeiam o pecado, os falsos cris-
para os sacerdotes que só pensa- tãos se tornam agentes de Satanás
vam neles mesmos, como para a para perseguir os fiéis.
congregação de Israel, orgulhosa e Deus decidiu que Ele mesmo es-
imoral. O trabalho realizado por colheria o rei de Israel. O escolhido
Samuel tinha a aprovação do Céu. foi Saul, filho de Quis, da tribo de
Ele foi honrado pelo Redentor do Benjamim.
mundo, e sob Sua direção governou “Sem igual entre os israelitas”
a nação hebreia. O povo, cansado de (1Sm 9:2). Como uma pessoa de
sua religiosidade, desprezou sua hu- porte nobre e digno, alto e de boa
milde autoridade e o rejeitou para aparência, dava a impressão de que
dar lugar a um homem que os go- tinha nascido para governar. Saul
vernasse como rei. não possuía nenhuma das altas
Podemos ver, no caráter de qualidades que constituem a verda-
Samuel, uma semelhança com o deira sabedoria. Não tinha apren-
caráter de Cristo. Foi a santidade dido a dominar seus impetuosos
de Cristo que provocou contra Ele impulsos. Nunca havia sentido o
os sentimentos e as atitudes mais poder renovador da graça divina.
cruéis por parte de pessoas falsas Saul era filho de um chefe rico,
que se diziam fiéis a Deus. Os judeus mas realizava os trabalhos humildes
esperavam por um Messias que os de um lavrador. Certa vez, quando
O Primeiro Rei 411

alguns dos animais de seu pai se Depois de dar a Saul a certeza


perderam nas montanhas, Saul foi de que os animais perdidos tinham
com um servo procurá-los. Como sido encontrados, Samuel insistiu
não estavam longe de Ramá, a casa com ele para que ficasse e assistisse
de Samuel, o servo sugeriu que per- à festa, e ao mesmo tempo deu a
guntassem ao profeta a respeito dos entender o grande futuro que es-
animais que estavam desaparecidos. tava diante dele. “A quem perten-
Ao se aproximarem da cidade, cerá tudo o que é precioso em Israel,
souberam que seria realizada uma senão a você e a toda a família de
cerimônia religiosa e que o profeta seu pai?” (1Sm 9:20). O pedido para
tinha acabado de chegar. O culto a que fosse escolhido um rei tinha se
Deus era realizado em todo o país. tornado um assunto de grande in-
Como não havia cerimônias no ta- teresse para toda a nação; mas, com
bernáculo, os sacrifícios foram ofe- muita humildade, Saul respondeu:
recidos por algum tempo em outros “Acaso não sou eu um benjamita, da
lugares. As cidades dos sacerdotes e menor das tribos de Israel, e não é
levitas, aonde o povo ia para receber o meu clã o mais insignificante de
instrução, foram escolhidas para a todos os clãs da tribo de Benjamim?
realização dessas cerimônias. Eram Por que estás me dizendo tudo
escolhidos normalmente os pontos isso?” (1Sm 9:21).
mais altos nessas cidades como o Samuel levou o estranho para o
lugar do sacrifício, por isso eram local da assembleia. Por determinação
chamados de “lugares altos”. do profeta, o lugar de honra foi dado
a Saul, e o melhor prato da festa foi
O Rei é Revelado a Samuel servido a ele. Quando as cerimônias
Saul foi recebido pelo próprio terminaram, Samuel levou o hóspede
profeta no portão da cidade. Deus para a própria casa e conversou com
revelou a Samuel que naquela hora o ele, apresentando-lhe os grandes prin-
homem escolhido como rei de Israel cípios sob os quais o governo de Israel
apareceria na frente dele. Assim que tinha sido estabelecido, procurando
se encontraram, o Senhor disse a assim prepará-lo para o importante
Samuel: “Este é o homem de quem cargo que ocuparia.
lhe falei; ele governará o Meu povo” Quando Saul partiu para a casa
(1Sm 9:17). de seu pai na manhã seguinte, o
412 Os Escolhidos
profeta saiu junto com ele. Depois Saul também está entre os profetas?”
que atravessaram a cidade, Samuel (1Sm 10:11).
mandou que o servo fosse à frente. O Espírito Santo realizou uma
Então ele disse a Saul que ficasse um grande mudança nele. A luz da
pouco mais para receber uma men- santidade divina brilhou nas tre-
sagem que Deus havia enviado para vas do coração natural. Ele se viu
ele. “Samuel apanhou um jarro de como era diante de Deus. Viu a be-
óleo, derramou-o sobre a cabeça de leza da santidade. Foi chamado para
Saul e o beijou, dizendo: ‘O Senhor iniciar uma luta contra o pecado e
o ungiu como líder da herança dEle’” compreendeu que nesse conflito a
(1Sm 10:1). Garantiu a Saul que ele sua força deveria vir inteiramente
seria capacitado pelo Espírito de de Deus. O plano da salvação, que
Deus para o cargo que o esperava. antes lhe parecia vago e incerto, foi
“O Espírito do Senhor se apossará aberto diante dele e ele pôde com-
de você, […] e será um novo homem. preender. O Senhor o abençoou,
[…] Faça o que achar melhor, pois concedendo a ele coragem e sabedo-
Deus está com você” (1Sm 10:6, 7). ria para assumir esse cargo elevado.
Ao seguir Saul o seu caminho,
todas as coisas aconteceram con- Saul é Aclamado Rei
forme predisse o profeta. Em Gibeá, A unção de Saul como rei não
sua cidade, um grupo de profetas foi divulgada para toda a nação.
que voltava do “lugar alto” cantava A escolha de Deus deveria ser re-
em louvor a Deus músicas de flauta velada publicamente por meio do
e de harpa, um instrumento de cor- lançamento de sorte. Para esse fim,
das e um tamborim. Assim que Saul Samuel convocou o povo de Mispá.
se aproximou, o espírito do Senhor Foi feita uma oração para pedir a di-
desceu sobre ele também, e ele se reção divina, e então foi realizada
uniu ao cântico de louvor e profe- a cerimônia solene de lançar sorte.
tizou com eles. Falou de forma es- Em silêncio, a multidão aguardava a
pontânea e com grande sabedoria, escolha. Uma por uma, a sorte ia in-
unindo-se fervorosamente a eles no dicando a tribo, a família e a casa; e
culto de adoração. Aqueles que o co- então Saul, o filho de Quis, foi indi-
nheciam exclamaram admirados: cado como a pessoa escolhida.
“O que aconteceu ao filho de Quis? Saul não estava presente na
O Primeiro Rei 413

assembleia; pois, ao sentir o peso da Efraim, as tribos maiores e mais


grande responsabilidade que estava poderosas – era uma afronta que
para cair sobre si, ele se retirou às eles não poderiam aceitar. Aqueles
escondidas. Foi levado de volta para que mais insistiram para que tives-
a congregação que observou com or- sem um rei foram os mesmos que se
gulho que ele tinha um porte real recusaram a aceitar o homem esco-
e formas nobres, “os mais altos só lhido por Deus.
chegavam aos seus ombros”. Samuel Saul voltou a Gibeá, deixando
exclamou: “Vocês veem o homem Samuel à frente do governo como
que o Senhor escolheu? Não há nin- antes. Não tentou usar a força
guém como ele entre todo o povo.” para receber seu direito ao trono.
Em resposta, ouviu-se um grito de Pacificamente, voltou aos seus de-
alegria alto e longo da multidão: veres no campo, deixando apenas
“Viva o rei!” (1Sm 10:23, 24). com Deus o estabelecimento de sua
Samuel apresentou então ao autoridade.
povo “o direito do reino”, declarando Pouco tempo depois, os amo-
os princípios sobre os quais o go- nitas invadiram o território que
verno monárquico se baseava. O rei ficava a leste do Jordão e amea-
não deveria agir como um monarca çaram a cidade de Jabes-Gileade.
absoluto, mas manter seu poder em Os habitantes procuraram manter a
obediência à vontade do Altíssimo. paz oferecendo o pagamento de tri-
Esse discurso foi registrado em um buto aos amonitas. O rei sanguiná-
livro. Embora a nação tivesse des- rio não concordou a não ser sob a
prezado a advertência dada por condição de arrancar o olho direito
Samuel, o fiel profeta ainda se es- de cada um deles.
forçava o máximo possível para pre- Imediatamente, foram envia-
servar a liberdade do povo. dos mensageiros para buscar ajuda
Enquanto a maioria do povo es- das tribos que viviam a oeste do
tava pronta para declarar Saul como Jordão. Saul, ao voltar à noite do
seu rei, havia um grande grupo campo, ouviu que o povo lamentava
que não concordava. Ser escolhido em alta voz e falava de uma grande
como rei um homem da tribo de calamidade. Quando ele soube da
Benjamim, a menor tribo de Israel história vergonhosa e das ameaças,
– ignorando tanto Judá como todas as suas forças adormecidas se
414 Os Escolhidos
despertaram. “O Espírito de Deus sido em vão. Alguns propuseram
apoderou-se dele. […] Apanhou dois matar aqueles que no início se
bois, cortou-os em pedaços e, por recusaram a reconhecer a autoridade
meio dos mensageiros, enviou os pe- de Saul. O rei interferiu dizendo: “Hoje
daços a todo o Israel, proclamando: ninguém será morto, pois neste dia
‘Isto é o que acontecerá aos bois de o Senhor trouxe libertação a Israel”
quem não seguir Saul e Samuel’” (1Sm 11:13). Em vez de considerar
(1Sm 11:6, 7). a vitória como sua, ele deu glória a
Trezentos e trinta mil homens Deus. Em vez de querer se vingar, de-
se reuniram sob o comando de Saul. monstrou o espírito de perdão. Essa
Marchando rapidamente, Saul e seu é uma prova inquestionável de que a
exército atravessaram o Jordão e graça de Deus habita no coração.
chegaram próximo a Jabes “na alta Samuel propôs então que fosse
madrugada”. Dividindo o exército convocada uma assembleia nacio-
em três companhias, ele atacou o nal em Gilgal para confirmar a en-
acampamento dos amonitas àquela trega do reino a Saul. Isso foi feito.
hora da manhã, quando não suspei- “Ali ofereceram sacrifícios de co-
tavam do perigo e estavam menos munhão ao Senhor, e Saul e todos
prevenidos. Diante do pânico que os israelitas tiveram momentos de
se seguiu, eles foram derrotados em grande alegria” (1Sm 11:15).
um grande massacre. “Aqueles que Naquela planície, repleta de lem-
sobreviveram se dispersaram de tal branças que traziam tantas emo-
modo que não ficaram dois juntos” ções, estavam ali, em pé, Samuel e
(1Sm 11:11). Saul; e quando cessaram as aclama-
A prontidão e bravura de Saul, ções de boas-vindas ao rei, o idoso
bem como as suas habilidades como profeta pronunciou suas palavras
general eram qualidades que o povo de despedida como líder da nação.
de Israel desejava em um monarca Samuel tinha apresentado antes
para que pudessem enfrentar as ou- os princípios que deveriam gover-
tras nações. Eles o saudaram como nar tanto o rei como o povo, e ele
seu rei e atribuíram a honra da vitó- desejava acrescentar às suas pala-
ria às forças humanas, esquecendo- vras o peso do exemplo dele mesmo.
se de que, sem a bênção especial de Desde menino, ele estivera ligado à
Deus, todos os seus esforços teriam obra do Senhor, e durante sua longa
O Primeiro Rei 415

vida tivera sempre um único obje- ao Senhor, o teu Deus, em favor dos
tivo – a glória de Deus e o maior teus servos, para que não morra-
bem de Israel. mos, pois a todos os nossos peca-
Por causa do seu pecado, Israel dos acrescentamos o mal de pedir
havia perdido a fé em Deus e a con- um rei” (1Sm 12:19).
vicção que tinham de Seu poder e Samuel não deixou o povo desa-
sabedoria para governar a nação – nimado, pois isso os teria impedido
perderam a confiança em Sua habili- de fazer qualquer esforço para viver
dade para manter Sua causa. Antes de uma vida melhor. Se vissem a Deus
conseguir encontrar a verdadeira paz, como um Deus severo e não como
deveriam reconhecer e confessar o pe- um Deus perdoador estariam ex-
cado do qual se tornaram culpados. postos a muitas tentações. “Não te-
Samuel descreveu novamente nham medo”, foi a mensagem dada
toda a história de Israel, desde o por Deus por meio de Seu servo. “De
dia em que Deus os tirou do Egito. fato, vocês fizeram todo esse mal.
O Rei dos reis havia lutado por eles Contudo, não deixem de seguir o
em todas as suas batalhas. Muitas Senhor, mas sirvam o Senhor de
vezes, os pecados dos israelitas ti- todo o coração. Não se desviem, […]
nham mantido o povo sob o poder o Senhor não os rejeitará, pois o
de seus inimigos; mas, assim que se Senhor teve prazer em torná-los
desviavam de seus maus caminhos, o Seu próprio povo” (1Sm 12:20-22).
a misericórdia de Deus levantava um Samuel não disse nenhuma pa-
libertador. O Senhor enviou Gideão lavra de reprovação pela ingratidão
e Baraque, “e Jefté e Samuel e os li- com que Israel pagou sua longa vida
bertou das mãos dos inimigos que os de dedicação. Ao contrário, confirmou
rodeavam, de modo que vocês vive- o seu incansável interesse por eles.
ram em segurança”. Quando estavam “E longe de mim esteja pecar contra
ameaçados de perigo declararam: o Senhor, deixando de orar por
“‘Não! Escolha um rei para nós’, em- vocês. Também lhes ensinarei o ca-
bora o Senhor fosse o Rei”, disse o minho que é bom e direito. Somente
profeta (1Sm 12:11, 12). temam ao Senhor e sirvam-nO fiel-
Em humilhação, o povo confes- mente de todo o coração; e conside-
sou o seu pecado, o próprio pecado rem as grandes coisas que Ele tem
do qual tinham sido culpados. “Ora feito por vocês” (1Sm 12:23, 24).
60
*
O Terrível Erro de Saul
D epois da assembleia
realizada em Gilgal,
Saul dispensou o exército que havia
em tempo de paz, os hebreus ainda
se submetiam a fazer esse traba-
lho para as tropas dos filisteus.
convocado para derrotar os amo- Desmotivados pelo longo período
nitas. Esse foi um grave erro. Seu de opressão, acabaram se acomo-
exército estava cheio de esperança dando. Assim, os homens de Israel,
e coragem por causa da recente vi- em grande parte, não se preocupa-
tória. Se ele tivesse continuado a ba- ram em providenciar para eles as
talha contra os outros inimigos de armas de guerra. Os israelitas po-
Israel imediatamente, poderia ter deriam obter arcos e funda, mas ne-
promovido um ataque poderoso em nhum deles possuía lança ou espada,
favor da liberdade da nação. somente Saul e seu filho Jônatas.
Enquanto isso, os filisteus esta- Somente no segundo ano do rei-
vam ativos. Eles tomaram posse de nado de Saul foi feita uma tentativa
algumas fortalezas nas colinas em para dominar os filisteus. O primeiro
Israel e depois se instalaram bem ataque foi comandado por Jônatas,
no centro do país. Durante o longo que venceu as primeiras tropas dos
período de opressão, os filisteus filisteus em Geba. Enfurecidos, os
procuraram se fortalecer proibindo inimigos se prepararam para um ata-
os israelitas de trabalhar como fer- que imediato a Israel. Saul declarou
reiros, assim não poderiam fazer guerra pelo som da trombeta e con-
armas de guerra. Depois, mesmo vocou todos os homens de guerra da
* Este capítulo é baseado em 1 Samuel 13 e 14.
O Terrível Erro de Saul 417

nação, incluindo as tribos que esta-


confiança em Deus. Antes que o
vam do outro lado do Jordão, para se
tempo indicado pelo profeta tivesse
reunirem em Gilgal. passado completamente, ele mesmo
Os filisteus reuniram um exér- ficou desanimado diante das cir-
cito imenso em Micmás – “trinta cunstâncias difíceis que o cercavam.
mil carros de guerra, seis mil con-Em vez de preparar o povo para a
dutores de carros e tantos soldadoscerimônia que Samuel viria reali-
quanto a areia da praia” (1Sm 13:5).
zar, ele começou a duvidar. Buscar
Saul e seu exército em Gilgal fica-a Deus por meio do sacrifício era
ram assombrados diante das forças uma das cerimônias mais solenes.
poderosas que teriam que enfrentar Deus ordenava que Seu povo exa-
na batalha. Muitos ficaram tão apa-minasse seu coração e se arrepen-
vorados que não ousaram participar desse de seus pecados para que suas
desse encontro. Outros se esconde- ofertas fossem aceitas e Ele pudesse
ram em cavernas e entre as rochas abençoar seus esforços na conquista
que eram comuns nessa região. Ao do inimigo. Saul estava ficando im-
se aproximar o momento do encon- paciente, e o povo, em vez de confiar
tro dos dois exércitos, as deserções
em Deus para obter ajuda, estava
aumentaram e aqueles que não se buscando o rei para que os guiasse
retiraram estavam apavorados. e os dirigisse.
Quando Saul foi ungido como Mesmo assim, o Senhor ainda
rei, recebeu instruções específicascuidava de Seu povo e não o aban-
de Samuel sobre o que deveria fazerdonou. Ele permitiu que passassem
num momento como esse: “Vá na por situações difíceis para se con-
minha frente até Gilgal. Depois eu irei
vencerem da loucura que era confiar
também, para oferecer holocaustos na força humana e de que deveriam
e sacrifícios de comunhão, mas vocêse voltar para Ele como sua única
deve esperar sete dias, até que eu che-
fonte de apoio. Chegou o tempo em
gue e lhe diga o que fazer” (1Sm 10:8).
que Saul deveria ser provado. Ele de-
penderia de Deus e pacientemente
Desencorajado pelas esperaria, conforme tinha sido or-
Circunstâncias denado, demonstrando assim que
Dia após dia Saul esperava, mas Deus poderia confiar nele como líder
sem motivar o povo e inspirar a de Seu povo, mesmo em situações
418 Os Escolhidos
difíceis? Ou abandonaria os princí- dado. Se Saul tivesse cumprido as
pios e mostraria que não era digno condições para alcançar a ajuda di-
de sua sagrada responsabilidade? O vina que foi prometida, o Senhor
rei de Israel ouviria o Rei dos reis? teria realizado um maravilhoso li-
Levaria seus soldados amedronta- vramento em favor de Israel. Saul
dos a voltarem sua atenção para estava tão satisfeito consigo mesmo
Aquele em quem estão a força e o li- que saiu para se encontrar com o
vramento eternos? profeta esperando aprovação para
Cada vez mais impaciente, ele o que tinha feito e não uma crítica.
aguardava a chegada de Samuel, Samuel lhe perguntou: “O que
culpando a ausência do profeta você fez?”, e Saul deu suas descul-
pela angústia e deserção de seu exér- pas por ter tomado tal liberdade.
cito. Chegou o dia esperado, mas “Quando vi que os soldados esta-
o homem de Deus não apareceu. vam se dispersando e que não ti-
A providência divina deteve Seu nhas chegado no prazo estabelecido,
servo. Achando que deveria fazer e que os filisteus estavam reunidos
alguma coisa para acalmar o povo, em Micmás, pensei: ‘Agora os filis-
Saul decidiu convocar a assembleia teus me atacarão em Gilgal, e eu não
e oferecer o sacrifício para buscar a busquei o Senhor.’ Por isso senti-me
ajuda divina. As instruções dadas obrigado a oferecer o holocausto.”
por Deus eram de que somente “Disse Samuel: ‘Você agiu como
os sacerdotes poderiam apresen- tolo, desobedecendo ao manda-
tar os sacrifícios diante dEle. Mas mento que o Senhor, o seu Deus,
Saul ordenou: “Tragam-me o holo- lhe deu; se você tivesse obedecido,
causto e os sacrifícios de comunhão” Ele teria estabelecido para sempre o
(1Sm 13:9), e então ele se aproximou seu reinado sobre Israel. Mas agora
do altar e ofereceu o sacrifício. o seu reinado não permanecerá; o
Senhor procurou um homem se-
A Presunção de Saul gundo o Seu coração e o designou
“Quando terminou de oferecê-lo, líder de Seu povo’. […] Então Samuel
Samuel chegou, e Saul foi saudá- partiu de Gilgal e foi a Gibeá de
lo” (1Sm 13:10). Samuel viu de ime- Benjamim” (1Sm 13:11-15).
diato que Saul havia violado as cla- Ou Israel deixaria de ser o povo
ras instruções que ele lhe tinha de Deus, ou a monarquia e a nação
O Terrível Erro de Saul 419

deveriam ser governadas pelo poder das inoportunas críticas e repro-


divino. Em Israel, nenhuma monar- vações do profeta.
quia poderia prosperar se não reco- O Espírito Santo tinha sido con-
nhecesse a autoridade de Deus em cedido a Saul para lhe dar sabedo-
todas as coisas. ria e tornar seu coração mais calmo.
Nesse tempo de prova, o erro de No entanto, como foi teimoso em
Saul revelou que ele não estava pre- continuar no erro! Seu espírito im-
parado para ser o representante de pulsivo, que não foi educado para
Deus e de Seu povo. Ele desencami- aceitar a submissão nos primeiros
nharia Israel. Sua vontade, e não a anos de vida, estava sempre pronto
vontade de Deus, é que dominaria. a se rebelar contra a autoridade di-
Por ele ter fracassado, os planos de vina. As pessoas não podem passar
Deus deveriam ser cumpridos por anos corrompendo as faculdades
outro que ocuparia o seu lugar. O que Deus lhes deu e, mais tarde,
trono de Israel deveria ser confiado quando decidirem mudar, encon-
a alguém que governasse o povo de trar essas faculdades renovadas e
acordo com a vontade do Céu. disponíveis para seguir um cami-
nho totalmente contrário.
A Razão do Erro Lamentável Os esforços de Saul para reunir
de Saul seus soldados fracassaram. Com
Saul caiu no desagrado de Deus, seu exército reduzido a seiscentos
mas não estava disposto a humi- homens, ele se retirou para a forta-
lhar seu coração em verdadeiro ar- leza de Geba, ao sul de um vale pro-
rependimento. Ele não ignorava a fundo e acidentado, poucas milhas
derrota de Israel quando Hofni e ao norte de Jerusalém. O exército
Fineias levaram a arca de Deus para filisteu estava acampado ao norte
o acampamento; e mesmo sabendo desse vale, em Micmás, e dali envia-
de tudo isso, mandou buscar a arca ria tropas em várias direções para
sagrada e o sacerdote que a acom- devastar o país.
panhava. Ele esperava assim reunir
o exército que tinha se dispersado Jônatas é Honrado
e entrar na batalha contra os filis- Deus permitiu que a crise che-
teus. Então poderia agir sem a in- gasse a esse ponto para repreender
terferência de Samuel e se livrar Saul e ensinar a Seu povo uma lição
420 Os Escolhidos
de humildade e fé. Por causa do pe- se atreverem a ir até lá. Esse desafio
cado de Saul, ao oferecer ele mesmo era o sinal que Jônatas e seu com-
o sacrifício, o Senhor não lhe daria panheiro tinham combinado como
a honra de vencer os filisteus. prova de que o Senhor estaria com
Jônatas, o filho do rei, um homem eles nessa tentativa de ataque.
que temia ao Senhor, foi o esco- Escolhendo um caminho secreto
lhido. Movido pela direção divina, e difícil, os dois guerreiros foram
propôs um plano ao seu escudeiro para o topo de uma rocha conside-
para que fizessem um ataque se- rada impossível de ser escalada, e
creto ao acampamento inimigo. que não era fortemente guardada
“Talvez”, ele insistiu, “o Senhor aja pelos inimigos. Assim, eles penetra-
em nosso favor, pois nada pode im- ram no acampamento do inimigo e
pedir o Senhor de salvar, seja com mataram as sentinelas que, domi-
muitos ou com poucos” (1Sm 14:6). nadas pela surpresa e pelo medo,
O escudeiro, que era também não ofereceram resistência.
um homem de fé e oração, apoiou o Anjos do Céu protegiam Jônatas
plano. Juntos, saíram às escondidas e seu escudeiro; anjos lutavam ao
do acampamento, para que ninguém seu lado, e os filisteus caíram diante
os impedisse. Com oração fervorosa deles. A terra tremia como se uma
ao Guia de Israel, combinaram um multidão com carros e cavaleiros
sinal que os ajudaria a decidir o que estivesse se aproximando. Jônatas
fazer. Descendo pelo desfiladeiro reconheceu os sinais da ajuda di-
que separava os dois exércitos, eles vina, e até os filisteus entenderam
abriram caminho, silenciosamente, que Deus estava agindo para o li-
embaixo do penhasco, praticamente vramento de Israel. Grande temor
protegidos pelas rochas do vale. Ao tomou conta do exército. Na con-
se aproximarem da fortaleza, fica- fusão, os filisteus começaram a se
ram à vista de seus inimigos, que matar uns aos outros.
zombaram deles dizendo: “Vejam, Logo os rumores da batalha che-
os hebreus estão saindo dos buracos garam ao acampamento de Israel.
onde estavam escondidos. […] Subam As sentinelas do rei informaram
até aqui e lhes daremos uma lição” que havia grande confusão entre
(1Sm 14:11, 12), e isso queria dizer os filisteus, e com grande baixa no
que iriam punir os dois israelitas por número de soldados. Vendo que os
O Terrível Erro de Saul 421

filisteus estavam recuando, Saul O povo havia passado o dia todo


levou seu exército até o local para envolvido na guerra e estava fraco
se unir ao ataque. Os hebreus que ti- por falta de alimento. Assim que
nham desertado para o lado do ini- passaram as horas de restrição, eles
migo acabaram se voltando contra avançaram sobre o que sobrou dos
eles. Grande número deles também inimigos e devoraram carne com
saiu de seus esconderijos. Enquanto sangue, transgredindo dessa ma-
os filisteus fugiam, o exército de neira a lei que proibia comer sangue.
Saul destruía os fugitivos. Jônatas não tinha ouvido a
ordem do rei e, durante as horas de
Novamente Saul Age batalha daquele dia, sem saber de
sem Pensar nada, desobedeceu comendo um
Decidido a tirar o máximo de pouco de mel quando passava por
vantagem, impulsivamente o rei um bosque. Saul tinha declarado que
proibiu os soldados de comerem qualquer um que transgredisse essa
por um dia inteiro. “Maldito seja proibição seria punido com a morte.
todo o que comer antes do anoite- Embora Jônatas não fosse culpado
cer, antes que eu tenha me vingado de pecado voluntário e Deus tivesse
de meus inimigos!” (1Sm 14:24). trazido o livramento por meio dele,
A vitória tinha sido ganha sem o o rei declarou que a sentença deve-
conhecimento ou a cooperação de ria ser executada. “Que Deus me cas-
Saul, mas ele esperava receber as tigue com todo rigor, caso você não
honras pela completa destruição morra, Jônatas!” (1Sm 14:44).
do exército vencido. A ordem para
proibir que os soldados se alimen- A Vida de Jônatas é Salva
tassem mostrou que o rei era indi- Saul não poderia exigir para si
ferente às necessidades de seu povo a honra da vitória, mas ele espe-
quando essas necessidades entra- rava ser homenageado por seu zelo
vam em conflito com seu desejo e por forçar a santidade de seu voto.
de exaltação pessoal. Em suas pa- Os soldados se recusaram a permi-
lavras, seu objetivo não era “que o tir que a sentença fosse executada.
Senhor vingue Seus inimigos”, mas Desafiando a ira do rei, declara-
que “eu tenha me vingado de meus ram: “Será que Jônatas, que trouxe
inimigos”. esta grande libertação para Israel,
422 Os Escolhidos
deve morrer? Nunca! Juramos pelo Aqueles que buscam a exaltação
nome do Senhor: Nem um só cabelo própria são colocados em situações
de sua cabeça cairá ao chão, pois o em que seu verdadeiro caráter é re-
que ele fez hoje foi com o auxílio de velado. Foi isso que aconteceu no
Deus” (1Sm 14:45). caso de Saul. As honras reais eram
O livramento de Jônatas foi mais importantes para ele do que
uma severa repreensão ao ato pre- a justiça, a misericórdia ou a gene-
cipitado do rei. Saul teve um pres- rosidade. Assim, o povo foi levado
sentimento de que as maldições que a ver o seu erro. Tinham trocado
havia pronunciado recairiam sobre o profeta piedoso, devotado, cujas
a cabeça dele mesmo. Ele voltou orações haviam trazido tantas bên-
para casa, deprimido e insatisfeito. çãos, por um rei que orou rogando
Aqueles que estão mais prontos uma grande maldição sobre eles.
a dar desculpas para seu pecado são Se os soldados de Israel não tives-
muitas vezes os mais severos ao sem interferido, Jônatas, o seu li-
condenar outros. Assim como Saul, bertador, teria morrido por decreto
muitos se recusam a ver a causa do do rei. Depois disso, quantas dúvi-
seu problema em si mesmos quando das o povo deve ter guardado ao
se convencem de que o Senhor não ser guiado por Saul! Quanta amar-
está com eles. Consentem no julga- gura trazia para eles o pensamento
mento cruel ou reprovação de ou- de que Saul tinha sido colocado no
tros que são melhores do que eles. trono por sua própria escolha!
61
*
Saul é Rejeitado
O s erros de Saul ainda po-
diam ser reparados. O Se-
nhor deu a ele outra oportunidade
para destruição tudo o que lhes
pertence. Não os poupem; matem
homens, mulheres, crianças, recém-
para aprender uma lição de fé incon- nascidos, bois, ovelhas, camelos e ju-
dicional em Sua palavra e de obe- mentos’” (1Sm 15:2, 3). Por meio de
diência às Suas ordens. Moisés, o Senhor havia pronunciado
Quando Samuel o repreendeu a sentença sobre os amalequitas.
em Gilgal, ele achou que tinha sido A história da crueldade desse povo
tratado injustamente e deu suas des- contra Israel foi registrada com a
culpas pelo erro cometido. Samuel ordem: “Vocês farão que os amale-
amava Saul como se fosse seu filho, quitas sejam esquecidos debaixo do
mas Saul se ofendeu por Samuel Céu. Não se esqueçam!” (Dt 25:19).
ter lhe chamado a atenção e desde Durante quatrocentos anos, Deus
aquele tempo evitava ao máximo se havia adiado a execução dessa sen-
encontrar com ele. tença, mas os amalequitas não se ar-
Então o Senhor enviou Seu servo rependeram de seus pecados. Havia
com outra mensagem para Saul: chegado o momento de executar a
“Assim diz o Senhor dos Exércitos: sentença por tanto tempo adiada.
‘Castigarei os amalequitas pelo que Para nosso Deus misericor-
fizeram a Israel, atacando-o quando dioso, o castigo é um ato estranho:
saía do Egito. Agora vão, ataquem os “‘Juro pela minha vida’, palavra do
amalequitas e consagrem ao Senhor Soberano, o Senhor, ‘que não tenho
* Este capítulo é baseado em 1 Samuel 15.
424 Os Escolhidos
prazer na morte dos ímpios, antes Os israelitas não deveriam receber
tenho prazer em que eles se des- as honras da vitória, nem os despo-
viem dos seus caminhos e vivam’” jos de seus inimigos; deveriam par-
(Ez 33:11). O Senhor é “Deus com- ticipar da guerra apenas como um
passivo e misericordioso, paciente, ato de obediência a Deus. O propó-
cheio de amor e de fidelidade. sito de Deus era que todas as nações
[…] Perdoa a maldade, a rebelião vissem a condenação desse povo
e o pecado. Contudo, não deixa que havia desafiado Sua soberania.
de punir o culpado” (Êx 34:6, 7). “E Saul atacou os amalequitas
Ele não tem prazer na vingança, mas […]. Capturou vivo Agague, rei dos
executará o juízo sobre os trans- amalequitas. […] Mas Saul e o exér-
gressores de Sua lei. Ele é obrigado cito pouparam Agague e o melhor
a fazer isso para proteger a popula- das ovelhas e dos bois, os bezerros
ção da Terra da corrupção total e da gordos e os cordeiros. Pouparam
ruína. Para salvar alguns, devem ser tudo o que era bom, mas tudo o que
eliminados aqueles que têm o cora- era desprezível e inútil destruíram
ção endurecido pelo pecado. por completo” (1Sm 15:7-9).
Ao exigir que o juízo fosse Essa vitória despertou nova-
executado, a misericórdia divina não mente o orgulho de Saul, e esse foi
era esquecida. Os amalequitas de- o seu maior perigo. Diante da ambi-
veriam ser destruídos, mas os que- ção de tornar ainda maiores as hon-
neus, que viviam entre eles, seriam ras do seu retorno triunfal, ele se
poupados. Esse povo, embora não es- aventurou a imitar os costumes das
tivesse totalmente livre da idolatria, nações vizinhas e poupou a vida de
adorava a Deus e mantinha boas re- Agague. O povo separou o que havia
lações de amizade com Israel. de melhor dos rebanhos, do gado e
dos animais de carga justificando
Nova Chance seu pecado com a desculpa de que
Ao receber as ordens para lutar os animais seriam oferecidos em sa-
contra os amalequitas, Saul decla- crifício ao Senhor. Na verdade, eles
rou guerra imediatamente. Assim pretendiam sacrificar esses animais
que os soldados de Israel foram no lugar daqueles que já possuíam.
convocados para a batalha, eles A arrogância e a falta de consi-
se reuniram sob sua bandeira. deração de Saul para com a vontade
Saul é Rejeitado 425

de Deus provaram que ele não era encontrar com o rei que desobede-
digno de confiança para reinar cia constantemente às ordens divi-
como representante do Senhor. nas. Samuel ainda tinha a esperança
Enquanto Saul e seu exército mar- de que Saul se arrependesse e Deus
chavam de volta para Israel des- o aceitasse novamente. Humilhado
frutando as emoções da vitória, por sua desobediência, Saul foi se
havia grande angústia na casa de encontrar com Samuel com a men-
Samuel. Ele recebeu uma mensa- tira na ponta dos lábios: “O Senhor
gem do Senhor: “Arrependo-Me de te abençoe! Eu segui as instruções
ter posto Saul como rei, pois ele Me do Senhor” (1Sm 15:13).
abandonou e não seguiu as Minhas Quando o profeta lhe fez dire-
instruções” (1Sm 15:11). O profeta tamente a pergunta: “Então que
chorou e orou a noite toda pedindo balido de ovelhas é esse que ouço
que a sentença fosse retirada. com meus próprios ouvidos? Que
O arrependimento de Deus mugido de bois é esse que estou
não é como o arrependimento hu- ouvindo?” Saul respondeu: “Os sol-
mano. O arrependimento humano dados os trouxeram dos amalequi-
significa uma mudança de atitude. tas; eles pouparam o melhor das
O arrependimento de Deus envolve ovelhas e dos bois para sacrifica-
uma mudança das circunstâncias rem ao Senhor, o teu Deus, mas
e das relações. As pessoas podem destruímos totalmente o restante”
mudar sua relação com Deus cum- (1Sm 15:14, 15). Para se defender,
prindo as condições para receber o Saul estava disposto a culpar o povo
favor divino, ou podem ser coloca- pelo pecado da desobediência que
das fora de Sua graça por causa dos ele mesmo havia cometido.
atos que elas mesmas praticam. A mensagem da rejeição de Saul
A desobediência de Saul mudou foi transmitida a todo o exército
seu relacionamento com Deus, mas de Israel quando ainda estavam
as condições de aceitação da parte cheios de orgulho pela vitória que
de Deus não mudaram. Ele “não era atribuída ao heroísmo e à lide-
muda como sombras inconstantes” rança de seu rei como grande ge-
(Tg 1:17). neral, pois Saul não deu nenhum
Com muita tristeza, o profeta crédito a Deus pelo êxito de Israel
saiu na manhã seguinte para se nesse combate. Quando o profeta
426 Os Escolhidos
viu a prova da rebelião de Saul, se Pois a rebeldia é como o pecado da
encheu de indignação por Saul ter feitiçaria, e a arrogância como o mal
levado Israel ao pecado. Com um da idolatria. Assim como você rejei-
sentimento de tristeza e ira ao tou a palavra do Senhor, Ele o rejeitou
mesmo tempo, disse a Saul: “Fique como rei” (1Sm 15:22, 23).
quieto! Eu lhe direi o que o Senhor “Pequei”, Saul exclamou, ao ouvir
me falou esta noite. […] Embora essa terrível sentença. “Violei a ordem
pequeno aos seus próprios olhos, do Senhor e as instruções que tu me
você não se tornou líder das tribos deste. Tive medo dos soldados e os
de Israel? O Senhor o ungiu como atendi” (1Sm 15:24). Atemorizado,
rei sobre Israel” (1Sm 15:16, 17). Saul reconheceu sua culpa, mas con-
Ele repetiu a ordem do Senhor para tinuou culpando seus soldados.
destruir Amaleque e perguntou a Não foi a tristeza pelo pecado,
razão da desobediência do rei. mas o medo do castigo que levou
o rei de Israel a suplicar: “Agora im-
Saul Comprova sua Rebelião ploro, perdoa o meu pecado e volta
Saul continuava se justificando: comigo, para que eu adore o Senhor”
“Mas eu obedeci ao Senhor! Cumpri (1Sm 15:25). Se o arrependimento
a missão que o Senhor me designou. de Saul fosse verdadeiro, ele teria
Trouxe Agague, o rei dos amalequi- confessado seu pecado publica-
tas, mas exterminei os amalequitas. mente; mas a sua principal preo-
Os soldados tomaram ovelhas e bois cupação era manter sua autoridade
do despojo, o melhor do que estava e a fidelidade do povo. Ele desejava
consagrado a Deus para destruição, ter a honra da presença de Samuel
a fim de os sacrificarem ao Senhor para fortalecer sua influência.
seu Deus, em Gilgal” (1Sm 15:20, 21). “Não voltarei com você”, foi a
Com palavras solenes, o profeta resposta do profeta. “Você rejeitou
pronunciou a sentença irrevogá- a palavra do Senhor, e o Senhor
vel: “Acaso tem o Senhor tanto pra- o rejeitou como rei de Israel!”
zer em holocaustos e em sacrifícios (1Sm 15:26). Quando Samuel se
quanto em que se obedeça à Sua virou para sair, o rei, na angústia
palavra? A obediência é melhor do do medo, agarrou-se ao manto do
que o sacrifício, e a submissão é me- profeta para fazê-lo voltar, mas o
lhor do que a gordura de carneiros. manto se rasgou nas mãos dele.
Saul é Rejeitado 427

Ao ver isso, o profeta declarou: que o Senhor está disposto a fazer


“O Senhor rasgou de você, hoje, o por todos aqueles que se consagram
reino de Israel, e o entregou a alguém a Ele. Conhecerão seus defeitos de
que é melhor que você” (1Sm 15:28). caráter, e Ele dará forças para que
Um ato de justiça, severo e ter- corrijam seus erros.
rível, ainda precisava ser realizado. Quando assumiu o trono, Saul
Samuel ordenou que o rei dos ama- era humilde e não confiava tanto em
lequitas fosse trazido diante dele. si mesmo, mas o sucesso o tornou
Agague, criminoso e implacável, cheio de confiança própria. O valor
veio pela ordem do profeta, pen- e a habilidade militar que ele de-
sando que tinha passado o perigo monstrou no livramento de Jabes-
de morte. “Samuel, porém, disse: Gileade despertou o entusiasmo de
‘A ssim como a sua espada dei- toda a nação. No início, ele atribuía
xou mulheres sem filhos, também a glória a Deus; mas, com o passar
sua mãe, entre as mulheres, ficará do tempo, começou a tomar a gló-
sem seu filho.’ E Samuel despeda- ria para si. Ele perdeu de vista a de-
çou Agague perante o Senhor, em pendência de Deus e seu coração se
Gilgal” (1Sm 15:33). Depois disso, desviou do Senhor. Essa atitude pre-
Samuel voltou para Ramá. parou o caminho para o pecado da
presunção que cometeu em Gilgal.
Deus Fez Todo o Possível A mesma autoconfiança cega o
para Ajudar Saul levou a rejeitar a repreensão de
Quando chamado para ocupar Samuel. Se ele estivesse disposto
o trono, Saul tinha pouco conheci- a confessar seu erro, essa amarga
mento, pouca experiência e graves experiência teria se tornado uma
defeitos de caráter. Ainda assim, o forma de proteção no futuro. Se o
Senhor concedeu a ele o Espírito Senhor tivesse Se separado total-
Santo e o colocou onde poderia de- mente de Saul naquela época, não
senvolver as qualidades que um go- teria falado com ele novamente por
vernante de Israel necessitava. Se meio do profeta, confiando-lhe uma
continuasse sendo humilde, toda tarefa para que pudesse corrigir os
boa qualidade se desenvolveria, erros do passado.
enquanto as más tendências per- Quando Saul continuou a se jus-
deriam o seu poder. Essa é a obra tificar insistentemente, ele rejeitou
428 Os Escolhidos
o único meio que Deus usaria para “Pois a rebeldia é como o pecado
salvá-lo de si mesmo. Em Gilgal, a da feitiçaria, e a arrogância como o
cerimônia religiosa que realizou em mal da idolatria” (1Sm 15:23). Os
oposição direta à ordem de Deus so- que se opõem ao governo de Deus
mente o colocou mais longe ainda já fizeram aliança com o maior dos
da ajuda que Ele estava disposto apóstatas dos rebeldes. Ele fará com
a lhe conceder. Na batalha contra que todas as coisas apareçam sob
Amaleque, o Senhor não Se agradou uma falsa luz. Como nossos primei-
de uma obediência parcial. Deus ros pais, aqueles que se encontram
nunca nos deu a liberdade de nos sob o seu poder de encantamento
esquivarmos de obedecer aos Seus veem apenas os grandes benefícios
mandamentos. que receberão pela transgressão.
Muitos que estão sendo levados
A Obediência, Fruto da Fé por Satanás dessa maneira enganam
“A obediência é melhor do que a si mesmos ao acreditar que estão a
o sacrifício” (1Sm 15:22). Sem a pa- serviço de Deus. Nos dias de Cristo,
ciência, a fé e um coração obediente, os escribas e líderes judeus que de-
as ofertas de sacrifício eram sem monstravam ser muito zelosos pela
qualquer valor. Quando Saul propôs honra do nome de Deus crucificaram
oferecer sacrifício daquilo que Deus Seu Filho. Esse mesmo espírito ainda
ordenou que fosse destruído, es- existe no coração daqueles que fazem
tava demonstrando total desprezo a própria vontade, porque vivem con-
pela autoridade divina. O sacrifício trariando a vontade de Deus.
teria sido um insulto ao Céu. No en- A presunção fatal de Saul deve
tanto, muitos estão seguindo uma ser atribuída à magia satânica. Em
conduta semelhante. Apresentam sua desobediência à ordem divina
a Deus sua adoração por meio de ele foi tão verdadeiramente inspi-
uma religião formal, recusando-se, rado por Satanás como são aqueles
ao mesmo tempo, a crer e a obedecer que praticam a feitiçaria; e, quando
a um ou a outro mandamento do foi repreendido, juntou a arrogân-
Senhor. Ele não pode aceitar aque- cia à rebelião. Ele não teria causado
les que continuam a transgredir, vo- maior ofensa ao Espírito de Deus
luntariamente, ainda que seja um caso tivesse se unido abertamente
de Seus mandamentos. aos idólatras.
Saul é Rejeitado 429

No caso de Saul, Deus deu a Israel seguir a vontade divina, mas a pró-
um rei de acordo com a vontade pria vontade. Portanto, Deus deu a
deles, conforme declarou o próprio eles o rei que desejavam – um rei
profeta Samuel: “Agora, aqui está que tinha um caráter que era o re-
o rei que vocês escolheram, aquele flexo deles mesmos.
que vocês pediram” (1Sm 12:13). Se Saul tivesse confiado em
Sua aparência física também es- Deus, o Senhor estaria com ele.
tava de acordo com o que pensa- Quando Saul escolheu agir sozinho,
vam a respeito da dignidade real. sem depender de Deus, o Senhor foi
Sua bravura e habilidade para li- obrigado a deixá-lo de lado. Então
derar os exércitos eram as quali- Ele chamou para ocupar o trono
dades que consideravam como as “um homem segundo o Seu cora-
mais prováveis para garantir o res- ção” (1Sm 13:14) – um homem que
peito de outras nações. Eles não pe- confiaria em Deus e seria guiado
diram um rei que tivesse nobreza por Seu Espírito; um homem que,
de caráter, que amasse e temesse quando pecasse, aceitaria a repreen-
a Deus. Não estavam procurando são e a correção.
62
*
Davi é Ungido Rei
N o vigor da adolescên-
cia, Davi cuidava de
seus rebanhos enquanto pastavam
tremendo de medo, e perguntaram:
‘Vens em paz?’ Respondeu Samuel:
‘Sim, venho em paz” (1Sm 16:1, 3-5).
nas colinas ao redor de Belém. O As autoridades aceitaram o convite
simples pastorzinho cantava as can- para o sacrifício, e Samuel chamou
ções compostas por ele mesmo e a Jessé e seus filhos. Toda a família
música de sua harpa acompanhava de Jessé estava presente, menos
suavemente a bela melodia de sua Davi, o filho mais novo, que ficou
voz juvenil. O Senhor estava prepa- cuidando das ovelhas.
rando Davi para a tarefa que dese- Antes de participarem do ban-
java lhe confiar alguns anos depois. quete de sacrifício, Samuel começou
“O Senhor disse a Samuel: ‘Até a fazer a inspeção profética dos fi-
quando você irá se entristecer por lhos de Jessé, todos de aparência
causa de Saul? Eu o rejeitei como rei nobre e bela. Eliabe era o mais velho
de Israel. Encha um chifre com óleo e o que mais se parecia com Saul, por
e vá a Belém; Eu o enviarei a Jessé. sua altura e beleza. Quando Samuel
Escolhi um de seus filhos para fazê-lo olhou para as suas formas de ver-
rei. […] Você irá ungir para Mim dadeiro príncipe, pensou: “Com cer-
aquele que Eu indicar.’ Samuel fez teza é este que o Senhor quer ungir”
o que o Senhor disse. Quando che- (1Sm 16:6), e aguardou a permissão
gou a Belém, as autoridades da ci- divina para ungi-lo.
dade foram encontrar-se com ele, Eliabe não temia ao Senhor.
* Este capítulo é baseado em 1 Samuel 16:1-13.
Davi é Ungido Rei 431

Seria um governante orgulhoso, se- sentaremos para comer enquanto


vero e exigente. A ordem do Senhor ele não chegar’” (1Sm 16:11).
a Samuel foi: “Não considere a sua O pastorzinho solitário ficou
aparência nem sua altura, pois Eu surpreso com a chegada inespe-
o rejeitei. O Senhor não vê como o rada do mensageiro que anunciou
homem: o homem vê a aparên- que o profeta viera de Belém e havia
cia, mas o Senhor vê o coração” mandado chamá-lo. Por que o pro-
(1Sm 16:7). Podemos aprender do feta e juiz de Israel desejaria vê-lo?
engano de Samuel como é inútil Sem demora, ele saiu para atender
julgar as pessoas pela beleza do ao chamado.
rosto, pela aparência de nobreza “Ele era ruivo, de belos olhos e
ou estatura. Os pensamentos de boa aparência.” Quando Samuel
Deus com relação às Suas criaturas viu o belo, forte e simples pastor, o
estão muito acima da nossa mente Senhor lhe disse: “É este! Levante-se
limitada. Ao submeterem sua von- e unja-o” (1Sm 16:12). Davi provou
tade a Deus, Seus filhos ocuparão o ser corajoso e fiel trabalhando como
lugar para o qual estão qualificados pastor, e Deus então o escolheu para
e capacitados, a fim de realizarem a ser o capitão de Seu povo. “Samuel
obra que Ele colocou em suas mãos. apanhou o chifre cheio de óleo e o
ungiu na presença de seus irmãos,
Chamado para o Banquete e, a partir daquele dia, o Espírito
Eliabe passou pela inspeção do do Senhor apoderou-se de Davi”
profeta, e os seis irmãos que par- (1Sm 16:13). Com o coração ali-
ticipavam da cerimônia passaram viado, o profeta voltou para Ramá.
um após outro pelo profeta para A cerimônia da unção de Davi
que ele os observasse. Entretanto, o foi realizada em segredo. Foi para
Senhor não escolheu nenhum deles. ele uma indicação do grande des-
Com tristeza e pesar, Samuel olhou tino que o aguardava, pois em meio
para o último dos moços. Perplexo e a todos os perigos que enfrenta-
confuso, ele perguntou: “‘Estes são ria nos anos a seguir, esse conhe-
todos os filhos que você tem?’ Jessé cimento iria inspirá-lo a se manter
respondeu: ‘A inda tenho o caçula, fiel aos planos que Deus desejava
mas ele está cuidando das ovelhas.’ realizar por meio dele.
Samuel disse: ‘Traga-o aqui; não nos A grande honra concedida a Davi
432 Os Escolhidos
não o tornou orgulhoso. Humilde e Quem pode avaliar os resul-
simples como era antes de ser un- tados daqueles anos de trabalho
gido, o menino pastor voltou às co- árduo, quando ele vagueava entre
linas para cuidar de seus rebanhos. as colinas solitárias de Belém? Os
Com nova inspiração, ele compunha salmos do suave cantor de Israel
suas músicas e tocava sua harpa. reavivariam para sempre o amor e
Diante de Davi se abria um ce- a fé no coração do povo de Deus, le-
nário de grande e variada beleza. vando-o para mais perto do coração
Ele viu o sol inundando o céu de amoroso dAquele em que vivem e
luz, “como um noivo que sai de seu se movem todas as Suas criaturas.
aposento e se lança em sua carreira Davi estava se preparando para
com a alegria de um herói” (Sl 19:5). ocupar uma elevada posição entre
Havia altos cumes dos montes que os mais nobres da Terra. Uma com-
pareciam alcançar o céu. Deus es- preensão mais clara a respeito de
tava além do azul. A luz do dia ilumi- Deus se abria diante de sua mente.
nando a floresta e as montanhas, as Temas complicados eram esclare-
campinas e os ribeiros, traziam à sua cidos, as dificuldades eram solu-
mente uma visão do Autor “de toda cionadas, o que parecia confuso se
boa dádiva” (Tg 1:17). As revelações harmonizava, os obstáculos eram
que recebia diariamente do caráter vencidos. Cada raio de uma nova luz
de Seu criador enchiam o coração do inspirava os mais doces cânticos de
jovem poeta de adoração e alegria. devoção para a glória de Deus e do
Sua capacidade mental e seu cora- Redentor. Ao ver o amor de Deus nos
ção se desenvolviam cada vez mais, acontecimentos de sua vida, o cora-
e ele mantinha uma comunhão mais ção de Davi pulsava na mais fervo-
íntima com Deus. Sua mente pene- rosa adoração e gratidão a Ele. Sua
trava em temas sempre mais profun- voz ecoava na mais vibrante melodia;
dos para inspirar novos cânticos e dedilhava sua harpa com a mais exul-
despertar a música que ele fazia sair tante alegria. Então o menino pastor
de sua harpa. Sua voz melodiosa en- avançava dia a dia, adquirindo maio-
chia o ar como uma resposta ao cân- res conhecimentos, pois o Espírito do
tico dos anjos no Céu. Senhor estava sobre ele.
63
*
Davi Enfrenta Golias
Q uando o rei Saul percebeu
que tinha sido rejeitado por
Deus, ele se encheu de amargura, re-
inspirada pelo Céu teve o efeito de-
sejado. A nuvem escura que cobria
a mente de Saul logo desapareceu.
volta e desespero. Ele não entendia Sempre que necessário, Davi
claramente qual era o seu pecado, era chamado de volta para tran-
nem procurou fazer uma reforma em quilizar a mente do rei que vivia
sua vida. Não afastava de sua mente atormentado por seus pensamen-
o pensamento de que era uma injus- tos. Embora Saul demonstrasse que
tiça de Deus tirar o reinado de seus gostava de Davi e de sua música, o
descendentes. Tinha um medo cons- jovem pastor tinha uma sensação
tante de que a ruína viesse sobre sua de alívio quando voltava do palácio
família. Não aceitou com humildade do rei para as pastagens dos campos
a punição dada por Deus. Seu cora- e colinas onde morava.
ção orgulhoso entrou em desespero, Davi era cada vez mais aben-
a ponto de quase chegar à loucura. çoado por Deus e querido pelos ho-
Seus conselheiros recomenda- mens. Esteve na corte do rei e viu
ram que procurasse um bom músico, as responsabilidades que envolviam
na esperança de que a música suave a realeza. Compreendeu alguns dos
de um instrumento acalmasse seu mistérios que via no caráter do pri-
espírito perturbado. Davi, que to- meiro rei de Israel. Ele sabia que em
cava harpa com grande habilidade, sua vida pessoal a família de Saul es-
foi levado perante o rei. Sua música tava longe de ser feliz. Essas coisas
* Este capítulo é baseado em 1 Samuel 16:14-23; 17.
434 Os Escolhidos
perturbavam seus pensamentos, Jessé se uniram ao exército sob o
mas ele voltava a tocar a sua harpa comando de Saul, mas Davi ficou
e dela tirava os acordes que dirigiam em casa. Passado algum tempo, ele
sua mente ao Autor de todo bem, fa- foi visitar o acampamento. Seu pai
zendo desaparecer as nuvens negras pediu que levasse uma mensagem e
que pareciam escurecer o seu futuro. um presente para seus irmãos mais
velhos. No entanto, Jessé não sabia
Um Educador Especial que o exército de Israel estava em
para Davi perigo e que um anjo conduzia Davi
Assim como Moisés foi prepa- para salvar seu povo.
rado para cumprir a sua missão, o Assim que Davi se aproximou
Senhor também estava educando o do exército, Israel e os filisteus es-
filho de Jessé para se tornar o guia tavam se posicionando para a ba-
de Seu povo escolhido. Animais talha, exército contra exército.
predadores se escondiam nas coli- Golias, o maior soldado dos filis-
nas solitárias e nas grutas por onde teus, passou à frente e, com ofen-
Davi pastoreava seus rebanhos. Era sas, zombou de Israel e desafiou o
comum aparecer leões ou ursos, fe- exército a escolher um de seus ho-
rozes e famintos, para atacar os re- mens para lutar contra ele. Quando
banhos. Davi estava armado apenas soube que o gigante os desafiava
com sua funda e o cajado de pas- todos os dias, sem que aparecesse
tor, mas protegia seu rebanho com alguém para fazer calar o presun-
muita coragem. Ao descrever esses çoso filisteu, Davi se encheu de
ataques algum tempo depois, ele zelo, no desejo de defender a honra
disse: “Quando aparece um leão ou do nome de Deus.
um urso e leva uma ovelha do reba- O exército de Israel estava de-
nho, eu vou atrás dele, dou-lhe golpes sanimado. Os soldados diziam uns
e livro a ovelha de sua boca. Quando aos outros: “Vocês viram aquele
se vira contra mim, eu o pego pela homem? Ele veio desafiar Israel”
juba e lhe dou golpes até matá-lo” (1Sm 17:25).
(1Sm 17:34, 35). Essa experiência Envergonhado e indignado, Davi
desenvolveu sua coragem, força e fé. exclamou: “Quem é esse filisteu in-
Quando Israel declarou guerra circunciso para desafiar os exércitos
contra os filisteus, três filhos de do Deus vivo?” (1Sm 17:26).
Davi Enfrenta Golias 435

Mesmo sendo pastor de ove- garras do leão e das garras do urso


lhas, Davi tinha demonstrado ou- me livrará das mãos desse filisteu.’
sadia, coragem e força raramente Diante disso Saul disse a Davi: ‘Vá,
vistas. A vinda secreta de Samuel e que o Senhor esteja com você’”
à casa de seu pai havia despertado (1Sm 17:32, 37).
suspeitas na mente de seus irmãos Por quarenta dias o exército de
quanto ao verdadeiro objetivo da Israel havia tremido diante dos de-
visita. Ficaram com ciúmes de Davi. safios do gigante filisteu. Sua cabeça
Assim, Eliabe considerou a per- estava protegida por um capacete
gunta de Davi como uma crítica à de bronze, ele usava uma couraça de
covardia dele mesmo por não ten- metal que pesava cinco mil ciclos
tar fazer algo para calar o gigante. [57 quilos] e uma caneleira de
O irmão mais velho exclamou fu- bronze sobre as pernas. A couraça
rioso: “Por que você veio até aqui? era feita de placas de bronze so-
Com quem deixou aquelas poucas brepostas, como as escamas de um
ovelhas no deserto? Sei que você é peixe, de tal forma que nenhuma
presunçoso e que o seu coração é flecha conseguia penetrar na ar-
mau; você veio só para ver a bata- madura. O gigante carregava uma
lha.” Davi respondeu com respeito, enorme lança, também de bronze.
mas também com firmeza: “O que “A haste de sua lança era pare-
fiz agora? Será que não posso nem cida com uma lançadeira de tece-
mesmo conversar?” (1Sm 17:28, 29). lão, e sua ponta de ferro pesava
sete quilos e duzentos gramas. Seu
Davi é Levado Perante o Rei escudeiro ia à frente dele” (1Sm 17:7).
As palavras de Davi foram repe- De manhã e à tarde, Golias desa-
tidas ao rei, que chamou o jovem fiava o acampamento de Israel, di-
para ir à sua presença. O jovem pas- zendo: “Escolham um homem para
tor lhe disse: “Ninguém deve ficar lutar comigo. Se ele puder lutar e
com o coração abatido por causa vencer-me, nós seremos seus es-
desse filisteu; teu servo irá e lu- cravos; todavia, se eu o vencer e o
tará com ele.” Saul tentou conver- puser fora de combate, vocês serão
sar com Davi para fazê-lo mudar de nossos escravos e nos servirão. […]
ideia, mas o rapaz não se conven- Eu desafio hoje as tropas de Israel”
ceu. “‘O Senhor que me livrou das (1Sm 17:8-10).
436 Os Escolhidos
O rei tinha pouca esperança de contraste entre o tamanho do jovem
que Davi seria bem-sucedido em e as enormes proporções do filisteu.
sua corajosa tentativa. Então deu
ordens para que vestissem o jovem Golias Menospreza
com a sua armadura. O pesado capa- o Jovem Davi
cete de bronze foi posto em sua ca- Golias ficou surpreso e furioso.
beça e a couraça de malha sobre seu “Por acaso sou um cão”, ele excla-
corpo; a espada do rei foi colocada do mou, “para que você venha contra
lado. Equipado com toda aquela ar- mim com pedaços de pau?” Lançou
madura, ele começou a caminhar na terríveis maldições sobre Davi e gri-
direção de Golias, mas logo voltou. tou com total desprezo: “Venha aqui,
Os espectadores ficaram preocupa- e darei sua carne às aves do céu e aos
dos pensando que Davi tinha resol- animais do campo!” (1Sm 17:43, 44).
vido não arriscar sua vida. Contudo, Davi não perdeu a coragem. Foi
não era nisso que o corajoso rapaz em frente e disse ao adversário:
estava pensando. Ao retornar, tirou “Você vem contra mim com espada,
a armadura do rei e, no lugar dela, com lança e com dardos, mas eu vou
pegou apenas o seu cajado e uma contra você em nome do Senhor dos
simples funda que usava como pas- Exércitos, o Deus dos exércitos de
tor. Escolheu cinco pedras lisas do Israel, a quem você desafiou. Hoje
ribeiro, colocou-as na bolsa que le- mesmo o Senhor o entregará nas
vava do lado, e com a funda na mão minhas mãos, eu o matarei e cor-
avançou em direção ao filisteu. .O gi- tarei a sua cabeça. Hoje mesmo
gante caminhou ousadamente com darei os cadáveres do exército filis-
grandes passos em direção a ele, teu às aves do céu e aos animais sel-
esperando encontrar o guerreiro vagens, e toda a terra saberá que há
mais poderoso de Israel. Seu escu- Deus em Israel. Todos os que estão
deiro ia à frente dele como se nada aqui saberão que não é por espada
pudesse detê-lo. Ao se aproximar ou por lança que o Senhor concede
um pouco mais, viu apenas um rapaz, a vitória; pois a batalha é do Senhor,
pouco mais que um garoto. O corpo e Ele entregará todos vocês em nos-
saudável e em forma, desprotegido sas mãos” (1Sm 17:45-47).
da armadura, era algo que impressio- Essas palavras, pronunciadas
nava. Mesmo assim, era marcante o em alta voz, soaram pelo ar e foram
Davi Enfrenta Golias 437

ouvidas com clareza por milha- completamente cego. O gigante


res de soldados. Mais irado ainda, cambaleou, e como uma grande ár-
Golias empurrou para trás o capa- vore tombou ferido ao chão.
cete que protegia a testa em direção Davi não esperou nem mais
ao jovem. “Quando o filisteu come- um instante. Saltou sobre o corpo
çou a vir na direção de Davi, este caído do filisteu e pegou a es-
correu para a linha de batalha para pada de Golias com as duas mãos.
enfrentá-lo. Tirando uma pedra de Levantou-a no ar, e a cabeça do pre-
seu alforje, arremessou-a com a ati- potente filisteu rolou de seu corpo.
radeira e atingiu o filisteu na testa, Um grito de vitória ecoou por todo
de tal modo que ela ficou encra- acampamento de Israel.
vada, e ele caiu, dando com o rosto Os filisteus bateram em retirada
no chão” (1Sm 17:48, 49). aterrorizados, e os hebreus vitorio-
Os dois exércitos tinham cer- sos saíram em perseguição aos seus
teza de que Davi seria morto. inimigos que fugiram “até as portas
Quando a pedra voou pelo ar indo de Ecrom”. “Quando os israelitas vol-
direto para o alvo, viram o poderoso taram da perseguição aos filisteus,
guerreiro tremer, levantar as mãos levaram tudo o que havia no acam-
como se de repente tivesse ficado pamento deles” (1Sm 17:52, 53).
64
*
A Fuga de Davi
D epois que Golias foi
morto, Saul ordenou
que Davi morasse com ele no pa-
do Senhor. A presença de Davi po-
deria ser uma proteção para Saul
quando saísse com ele para a guerra.
lácio, e não permitiu que voltasse A mão de Deus uniu Davi a Saul.
para a casa de seu pai. Então “sur- O cargo que Davi ocupava no palácio
giu tão grande amizade entre Jô- lhe daria a oportunidade de apren-
natas e Davi que Jônatas tornou-se der a arte de governar e de ganhar a
o seu melhor amigo” (1Sm 18:1). confiança da nação. As dificuldades
Jônatas e Davi fizeram um acordo que ele passou por causa da agres-
para serem unidos como irmãos, e sividade demonstrada por Saul o
o filho do rei “tirou o manto que es- levaram a sentir o quanto depen-
tava vestindo e o deu a Davi, com dia de Deus. A amizade de Jônatas
sua túnica, e até sua espada, seu também fazia parte do plano di-
arco e seu cinturão” (1Sm 18:4). vino para proteger a vida daquele
Mesmo assim, Davi manteve sua que seria o futuro líder de Israel.
simplicidade e conquistou a simpa- Certa vez, quando Saul e Davi re-
tia do povo e também de toda a fa- tornavam da batalha contra os filis-
mília real. Estava claro que ele era teus, “as mulheres saíram de todas as
muito abençoado por Deus. cidades de Israel ao encontro do rei
Saul reconhecia que o reino es- Saul com cânticos e danças, com tam-
taria mais seguro se tivesse ao seu borins, com músicas alegres e instru-
lado alguém que recebesse instrução mentos de três cordas.” Um grupo
* Este capítulo é baseado em 1 Samuel 18-22.
A Fuga de Davi 439

cantava: “Saul matou milhares”, en- sua vontade. Depois desses ataques
quanto o outro respondia: “E Davi, de loucura, caía em um estado de
dezenas de milhares” (1Sm 18:6, 7). desânimo e depressão, e o remorso
O rei ficou furioso porque Davi foi tomava conta de sua mente.
mais exaltado do que ele. Em vez de Ele gostava muito de ouvir Davi
dominar os sentimentos de inveja, tocar a harpa, e isso parecia afas-
ele exclamou: “Atribuíram a Davi de- tar o mau espírito por algum tempo.
zenas de milhares, mas a mim ape- Um dia, enquanto Davi estava to-
nas milhares. O que mais lhe falta cando uma música suave e cantando
senão o reino?” (1Sm 18:8). louvores a Deus, Saul, de repente,
O desejo de Saul pela exaltação atirou uma lança contra ele. Deus
pessoal era um sentimento que con- poupou a vida de Davi, e ele conse-
trolava todas as suas ações e pensa- guiu fugir do rei enfurecido.
mentos. Ele avaliava o que era certo Cada vez mais aumentava o ódio
ou errado de acordo com a aceita- de Saul contra Davi, e o rei ficava
ção popular. A ambição de Saul era atento a qualquer oportunidade
ser sempre o primeiro entre os mais para tirar sua vida, mas nenhum
queridos pelo povo. Tinha certeza de seus planos contra o ungido do
de que Davi queria conquistar o co- Senhor deu certo. Davi confiava
ração do povo e assumir o trono. nAquele que é poderoso para livrar.
“O temor do Senhor é o princípio da
A Inveja Entra no Coração sabedoria” (Pv 9:10), e a oração de
de Saul Davi era que pudesse andar de ma-
Saul permitiu que o pecado da neira perfeita diante de Deus.
inveja entrasse em seu coração e Em pouco tempo, o povo percebeu
envenenasse toda a sua vida. O rei que Davi era uma pessoa competente.
de Israel estava colocando a sua Administrava os negócios sob sua res-
vontade contra a vontade do Ser ponsabilidade com sabedoria e habi-
Infinito. Permitiu que as emoções lidade. Os conselhos dados por ele
controlassem suas decisões até podiam ser seguidos com segurança,
ser totalmente dominado pela ira. enquanto muitas vezes as decisões de
Tinha acessos de raiva, momentos Saul não eram confiáveis.
em que estava pronto para matar Saul tinha medo de Davi, pois
qualquer um que ousasse se opor à todos viam que o Senhor estava
440 Os Escolhidos
com ele. O rei sentia que a vida de “O plano de Saul era que Davi fosse
Davi era uma constante repreensão morto pelos filisteus” (1Sm 18:25),
para ele. Em contraste, ele mesmo mas Davi retornou vitorioso da ba-
revelava ter um caráter inferior. talha para se tornar genro do rei.
A inveja tornava a vida de Saul mi- “Mical o amava”, porém o rei estava
serável e infeliz. Que grande dano muito irado porque tinha mais cer-
esse mau traço de caráter tem cau- teza ainda de que esse era o homem
sado em nosso mundo! A inveja é que o Senhor dissera ser melhor
fruto do orgulho e, se ficar guar- do que ele e que reinaria em seu
dada no coração, dará lugar ao ódio lugar. Não conseguindo mais escon-
e, finalmente, levará ao assassinato. der seus sentimentos, o rei ordenou
O rei estava atento, esperando aos seus oficiais que tirassem a vida
encontrar algum motivo que ser- daquele a quem tanto odiava.
visse de desculpa para tirar a vida Jônatas disse mais uma vez ao
de Davi e não parecer culpado rei tudo o que Davi tinha feito para
diante da nação pelo mau ato co- manter a honra e a vida da nação,
metido. Ele armou uma cilada para e a culpa terrível que cairia sobre
Davi, insistindo para que este lide- qualquer um que assassinasse
rasse a guerra contra os filisteus aquele que Deus tinha usado para
com maior intensidade ainda, e dispersar seus inimigos. A consciên-
prometeu a filha mais velha da fa- cia do rei foi tocada e ele disse: “Juro
mília real em casamento, como re- pelo nome do Senhor que Davi não
compensa. A humilde resposta de será morto” (1Sm 19:6). Davi voltou
Davi a essa proposta foi: “Quem sou a trabalhar para Saul e o serviu di-
eu, e o que é minha família ou o clã retamente como antes.
de meu pai em Israel, para que eu
me torne genro do rei?” (1Sm 18:18). Davi Lidera o Exército
Entretanto, o rei revelou sua falta de à Vitória
sinceridade fazendo com que a prin- Mais uma vez a nação declarou
cesa se casasse com outro. guerra aos filisteus, e Davi liderou
Mical, a filha mais nova de Saul, o exército contra os inimigos. Os
foi oferecida a Davi com a condição hebreus conseguiram uma grande
de que apresentasse provas de ter vitória, e o povo fez grandes elo-
matado certo número de inimigos. gios à sabedoria e ao heroísmo de
A Fuga de Davi 441

Davi. Isso despertou novamente o Deus Impede o Mal


ódio que Saul guardava contra ele. Os mensageiros do rei partiram
Enquanto o jovem tocava sua harpa, com o objetivo de tirar a vida de
enchendo o palácio com a suave har- Davi, mas Alguém maior que Saul
monia da sua música, a ira de Saul se os comandava. Barrados por anjos
acendeu novamente e ele arremes- invisíveis, eles começaram a falar
sou um dardo contra Davi, mas o e a profetizar sobre acontecimen-
anjo do Senhor desviou a arma que tos futuros e proclamavam a glória
certamente o teria matado. Davi es- de Jeová. Assim, Deus revelou Seu
capou e fugiu para sua própria casa. poder para impedir o mal.
Saul enviou espiões para o pren- Muito irado, Saul enviou outro
derem na manhã seguinte, com a grupo de mensageiros. Estes foram
ordem de darem um fim à sua vida. dominados pelo Espírito de Deus e
Mical informou Davi das in- se uniram ao primeiro grupo para
tenções de seu pai. Insistiu com profetizar. O rei enviou um terceiro
ele para que fugisse e o fez descer grupo, mas novamente influencia-
pela janela para conseguir escapar. dos pelo mesmo Espírito, também
Ele fugiu para a casa de Samuel em profetizaram.
Ramá, onde o profeta recebeu o fu- Saul decidiu então ir ele mesmo
gitivo. Foi ali, entre as colinas, que até lá. Assim que Davi estivesse ao
o honrado servo do Senhor con- seu alcance, pretendia matá-lo com
tinuou a sua missão. Um grupo as próprias mãos, fossem quais fos-
de profetas que estava com ele sem as consequências.
procurou saber cuidadosamente Um anjo do Senhor o encontrou
qual era a vontade de Deus e com e o poderoso Espírito de Deus o do-
respeito ouviam as instruções dadas minou. Ele continuou seu caminho
por Samuel. Davi aprendeu lições orando a Deus, profetizando e can-
preciosas com o mestre de Israel. tando louvores. Quando chegou à
Essa relação de Davi com Samuel casa do profeta em Ramá, tirou as
despertou o ciúme do rei, pois ele roupas exteriores que indicavam
temia que o profeta influenciasse sua posição social e ficou deitado na
a ascensão de seu rival ao trono. O presença de Samuel e de seus alunos
rei enviou oficiais para levar Davi sob a influência do Espírito divino.
até Gibeá, onde pretendia matá-lo. O povo se reuniu para ver aquela
442 Os Escolhidos
cena estranha, e esse fato ocorrido Na época da lua nova, era ce-
com o rei foi muito comentado em lebrada uma festa sagrada em
todos os lugares ao redor. Israel. Todos esperavam que Davi e
Saul garantiu a Davi que estava Jônatas participassem do banquete
em paz com ele, mas Davi não acre- do rei. Davi ficou com medo de ir
ditava que o rei tivesse mudado de e montou um plano com Jônatas.
ideia. Ele deseja muito ver seu amigo Ele iria visitar seus irmãos em
Jônatas mais uma vez. Certo de que Belém. Ao voltar, ficaria escondido
Jônatas era inocente, procurou-o em um campo, não muito longe
e fez um apelo comovente a ele: da sala do banquete, ausentando-
“O que foi que eu fiz? Qual é o meu se da presença do rei por três dias.
crime? Qual foi o pecado que cometi Jônatas observaria as reações de
contra seu pai para que ele queira Saul. Se o rei não demonstrasse ne-
tirar a minha vida?” (1Sm 20:1). nhuma irritação, Davi poderia vol-
Jônatas acreditava que seu pai tar para a corte em segurança.
tinha desistido de tirar a vida de No segundo dia, ao ver que o
Davi. “Nem pense nisso”, respon- lugar de Davi estava vago, o rei per-
deu Jônatas; “você não será morto! guntou: “‘Por que o filho de Jessé não
Meu pai não fará coisa alguma sem veio para a refeição, nem ontem nem
antes me avisar, seja importante ou hoje?’ Jônatas respondeu: ‘Davi me
não. Por que ele iria esconder isso de pediu, com insistência, permissão
mim? Não é nada disso!” (1Sm 20:2). para ir a Belém. E ele disse: ‘Deixe-me
Depois daquela demonstração ir, pois nossa família oferecerá um
impressionante do poder de Deus, sacrifício na cidade, e meu irmão or-
Jônatas não podia acreditar que seu denou que eu estivesse lá. Se conto
pai faria mal a Davi. Afinal, seria com a sua simpatia, deixe-me ir ver
um ato de rebelião contra Deus. meus irmãos.’ Por isso ele não veio à
mesa do rei’” (1Sm 20:27-29).
Davi se Esconde de Saul Quando Saul ouviu a resposta de
Mesmo assim, Davi não estava Jônatas, ficou furioso. Disse que, en-
convencido e disse a Jônatas: “Eu quanto Davi estivesse vivo, Jônatas
juro pelo nome do Senhor e por não se tornaria rei. Mandou cha-
sua vida que estou a um passo da mar Davi imediatamente para que
morte” (1Sm 20:3). fosse morto. Jônatas mais uma vez
A Fuga de Davi 443

apelou em favor de seu amigo: “Por sido enviado pelo rei em uma mis-
que ele deve morrer? O que ele fez?” são secreta.
(1Sm 20:32). Isso o enfureceu. Com
uma ira satânica, Saul atirou contra Fé Abalada
o próprio filho a lança que desejava Nessa situação, Davi demons-
usar para matar Davi. trou falta de fé em Deus, e seu pe-
O príncipe ficou muito triste e cado resultou na morte do sumo
ofendido. Saiu da presença de seu sacerdote. Se ele tivesse falado a ver-
pai e foi ao local combinado, onde dade, Aimeleque saberia o que fazer
Davi deveria saber das intenções para poupar sua vida. Deus ordena
do rei para com ele. Eles choraram que Seu povo fale a verdade, mesmo
amargamente. Essa tenebrosa ob- diante do maior perigo.
sessão do rei lançou uma sombra Doegue, chefe dos pastores de
sobre os jovens, e a dor que sen- Saul, estava cumprindo seus votos
tiam era intensa demais para que no templo. Quando viu esse homem,
pudesse ser expressa. As últimas pa- Davi decidiu encontrar outro lugar
lavras de Jônatas a Davi, quando em que pudesse se esconder. Pediu
se separaram, foi: “Vá em paz, pois uma espada para Aimeleque, mas
temos jurado um ao outro, em ele lhe disse que não tinha nada, a
nome do Senhor, quando dissemos: não ser a espada de Golias, que era
‘O Senhor para sempre é testemu- guardada como relíquia no taber-
nha entre nós e entre nossos des- náculo. Davi respondeu: “Não há
cendentes’” (1Sm 20:42). outra melhor; dê-me essa espada”
Davi se apressou para chegar a (1Sm 21:9).
Nobe. O tabernáculo tinha sido le- Davi fugiu dali e foi procurar
vado de Siló para esse local, e ali Aquis, rei de Gate, pois achou que
Aimeleque ministrava como sa- estaria mais seguro entre os ini-
cerdote. Ele olhou surpreso para migos de seu povo do que nas ter-
Davi, que chegou correndo e que ras dominadas por Saul. Disseram
parecia estar sozinho. Perguntou a Aquis que Davi era o homem que
então o que o havia levado até ali. havia matado o maior guerreiro fi-
Desesperado e com medo de ser listeu poucos anos antes. Davi, que
descoberto, Davi recorreu ao en- procurava um lugar seguro entre
gano. Disse ao sacerdote que tinha os inimigos de Israel, corria grande
444 Os Escolhidos
perigo. Então, fingindo estar louco, A família de Davi não se sentia se-
ele enganou os inimigos e conse- gura sabendo que a qualquer mo-
guiu escapar. mento as suspeitas injustas de Saul
O primeiro erro de Davi foi não poderiam se voltar contra eles por
confiar em Deus quando estava em causa de sua relação com Davi. Eles
Nobe, e o seu segundo erro foi en- agora sabiam que tinham se tornado
ganar Aquis. No momento em que conhecidos em todo o Israel, e que
teve que enfrentar provações, sua Deus tinha escolhido Davi como o
fé foi abalada, e a fraqueza humana futuro rei de Seu povo. Acreditavam
veio à tona. Para ele, todo mundo que estariam mais seguros com ele.
parecia ser um espião ou traidor. Na caverna de Adulão, a família
Ao ser caçado e perseguido, a dúvida estava unida em harmonia e amor.
e a angústia quase o fizeram perder O filho de Jessé podia agora com-
de vista seu Pai celestial. por suas melodias e tocar sua harpa.
Todo fracasso dos filhos de Deus Tinha provado a amarga tristeza da
ocorre por causa de sua falta de fé. desconfiança por parte de seus ir-
Quando as sombras nos envolvem, mãos, e a harmonia que tomou o
devemos olhar para cima; há luz lugar dessa discórdia trouxe ale-
além da escuridão. Davi não deve- gria ao coração daquele que se sen-
ria ter perdido a confiança em Deus. tia exilado em sua terra.
Ele era o ungido do Senhor. Se dei- Muitos tinham perdido a con-
xasse de pensar na situação difícil fiança no rei que governava Israel,
em que se encontrava e meditasse pois podiam ver que não era mais
no poder e na majestade de Deus, dirigido pelo Espírito do Senhor.
teria encontrado paz mesmo em “Também se juntaram a ele todos
meio às sombras da morte. os que estavam em dificuldades, os
Davi buscou abrigo e segurança endividados e os descontentes; e ele
nas montanhas de Judá. Fugiu para se tornou o líder deles. Havia cerca
a caverna de Adulão, um local em que de quatrocentos homens com ele”
com poucos homens poderia se de- (1Sm 22:2). Ali, Davi era dono de um
fender até mesmo de um grande exér- pequeno reino, comandado por ele,
cito. “Quando seus irmãos e a família onde a ordem e a disciplina preva-
de seu pai souberam disso, foram leciam. Estava longe de se sentir se-
até lá para encontrá-lo” (1Sm 22:1). guro, pois sempre tinha provas de
A Fuga de Davi 445

que o rei não tinha abandonado o povo teria passado informações a


objetivo de assassiná-lo. Davi. Doegue, o edomita, tornou-se
Quando chegou o aviso de perigo o informante. Movido pela ambição
por meio de um profeta do Senhor, e pela cobiça, como também por
Davi fugiu de seu esconderijo e foi causa do ódio que sentia pelo sa-
para o bosque de Herete. Deus es- cerdote que havia reprovado seus
tava dando a Davi a oportunidade de pecados, Doegue falou sobre a visita
fazer um curso de disciplina a fim de de Davi a Aimeleque, de tal forma
prepará-lo para se tornar um sábio que acendeu a ira de Saul contra o
general e um rei justo e bondoso. homem de Deus. Enlouquecido de
Saul estava preparando uma em- raiva, Saul declarou que toda a fa-
boscada para Davi e seu plano era mília do sacerdote deveria morrer.
capturá-lo na caverna de Adulão. Não somente Aimeleque, mas todos
Quando descobriu que Davi tinha os membros da família – “oitenta
deixado aquele esconderijo, o rei ficou e cinco homens que usavam a tú-
furioso. A fuga de Davi era um mis- nica de linho” – foram mortos por
tério para Saul. Haveria traidores em ordem do rei, pelas mãos de Doegue.
seu acampamento que informavam o Saul fez tudo isso sob o domínio de
filho de Jessé sobre seus planos? Satanás.
Esses atos encheram de terror
Terrível Massacre todo o Israel. O rei, aquele que eles
Saul disse aos seus conselheiros tinham escolhido, havia cometido
que havia uma conspiração contra essa terrível afronta. A arca estava
ele, e os subornou com ricos presen- com eles, mas os sacerdotes foram
tes e promessas de altos cargos no todos mortos à espada. O que acon-
reino para revelarem quem entre seu teceria a seguir?
65
A Grandeza do
*
Coração de Davi
U m dos filhos de Aimele-
que, chamado Abiatar,
neto de Aitube, escapou e fugiu para
Jônatas. Esses dois amigos contaram
suas diferentes experiências um ao
outro. Jônatas alegrou o coração de
junto de Davi. Ele contou a Davi que Davi, dizendo: “Não tenha medo, [...]
Saul tinha matado os sacerdotes do meu pai não porá as mãos em você.
Senhor. Então Davi disse a Abia- Você será rei de Israel, e eu lhe serei
tar: “Naquele dia, quando o edomi- o segundo em comando. Até meu
ta Doegue estava ali, eu sabia que pai sabe disso” (1Sm 23:17). O fugi-
ele não deixaria de informar a Saul. tivo ficou muito animado. “Os dois fi-
Sou responsável pela morte de toda zeram um acordo perante o Senhor.
a família de seu pai. Fique comigo, Então, Jônatas foi para casa, mas Davi
não tenha medo; o homem que está ficou em Horesa” (1Sm 23:18).
atrás de sua vida também está atrás Os zifeus mandaram um recado
da minha. Mas você estará a salvo para Saul, em Gibeá, dizendo que
comigo” (1Sm 22:22, 23). eles sabiam onde Davi estava se es-
O corajoso grupo de Davi se reti- condendo e que levariam o rei até
rou para o deserto de Zife, ainda per- lá. Davi, avisado sobre as intenções
seguido pelo rei. Nesse momento, com deles, mudou de lugar, escondendo-
tão pouca esperança em seu caminho, se nas montanhas entre Maom e o
Davi recebeu a visita inesperada de Mar Morto.
* Este capítulo é baseado em 1 Samuel 22:20-23; 23 a 27.
A Grandeza do Coração de Davi 447

Outra vez Saul recebeu uma caverna para continuar a busca,


mensagem: “Olhe! Davi está no quando ouviu algo que o deixou
deserto de En-Gedi.” “Então Saul assustado: “Ó rei, meu senhor!”
tomou três mil de seus melhores (1Sm 24:8). Quem estava falando
soldados de todo o Israel e partiu com ele? O filho de Jessé, o homem
à procura de Davi e seus homens, que ele tanto queria matar. Davi se
perto dos rochedos dos Bodes curvou. Então disse ao rei: “Hoje o
Selvagens” (1Sm 24:2). Davi tinha rei pode ver com seus próprios olhos
somente seiscentos homens com como o Senhor o entregou em mi-
ele. Numa caverna afastada, o filho nhas mãos na caverna. Alguns in-
de Jessé esperou pela orientação de sistiram que eu o matasse, mas eu
Deus sobre o que fazer. o poupei, pois disse: ‘Não erguerei a
À medida que Saul subia as mon- mão contra meu senhor, pois ele é
tanhas, entrou sozinho exatamente o ungido do Senhor’. Olha, meu pai,
na mesma caverna em que Davi e olha para este pedaço de teu manto
seu grupo estavam escondidos. em minha mão! Cortei a ponta de
Quando os homens de Davi viram teu manto, mas não te matei. Agora
isso, insistiram com seu líder para entende e reconhece que não sou
que matasse Saul. Agora, o rei estava culpado de fazer-te mal ou de rebe-
sob seu poder – prova certa de que o lar-me. Não te fiz mal algum, em-
próprio Deus tinha posto o inimigo bora estejas à minha procura para
em suas mãos para que eles o pu- tirar-me a vida” (1Sm 24:10, 11).
dessem destruir. Davi foi tentado a Saul ficou muito emocionado
concordar com esse ponto de vista, ao perceber que estivera comple-
mas a voz da consciência lhe disse: tamente sob o poder do homem a
“Não toque no ungido do Senhor.” quem ele tentava matar. Com es-
Os homens de Davi lembraram pírito manso, respondeu: “‘É você,
seu comandante das palavras de meu filho Davi?’ E chorou em alta
Deus: “‘Entregarei nas suas mãos o voz. ‘Você é mais justo do que eu’,
seu inimigo para que você faça com disse a Davi. ‘Você me tratou bem,
ele o que quiser.’ Então Davi foi mas eu o tratei mal. [...] Quando
com muito cuidado e cortou uma um homem encontra um inimigo
ponta do manto de Saul” (1Sm 24:4). e o deixa ir sem fazer-lhe mal? O
Saul se levantou e saiu da Senhor o recompense com o bem,
448 Os Escolhidos
pelo modo como você me tratou tinha vivido em Israel com pureza
hoje. Agora tenho certeza de que de coração. Apesar de o rei ser Saul,
você será rei e de que o reino de Samuel havia exercido uma influên-
Israel será firmado em suas mãos’” cia mais poderosa que ele, porque
(1Sm 24:16, 17; 19, 20). Davi fez um foi descrito como alguém de fideli-
juramento a Saul de que ele não eli- dade e devoção.
minaria os seus descendentes. O povo viu o erro que havia co-
Quando Saul voltou para casa, metido ao desejar um rei a fim de
Davi permaneceu nas montanhas, que não fossem diferentes das na-
pois não podia confiar nas palavras ções ao redor. Muitos olharam
do rei. assustados para a condição da so-
Depois que homens mal-in- ciedade, que rapidamente se tor-
tencionados fazem e dizem coisas nava corrompida pela maldade.
más contra os servos do Senhor, o Israel tinha motivos para chorar,
Espírito do Senhor trabalha com pois Samuel, o profeta do Senhor,
eles e, às vezes, eles humilham o estava morto.
coração diante daqueles que que- A nação perdera aquele a quem o
riam destruir. Quando voltam a povo estava acostumado a procurar
abrir a porta para o mal, o velho para apresentar suas grandes dificul-
ódio é despertado e eles voltam a dades – aquele que intercedia cons-
fazer as mesmas coisas das quais se tantemente diante de Deus pelos
arrependeram. Satanás pode usar maiores interesses do povo. Suas ora-
essas pessoas com um poder muito ções lhes davam um sentimento de
maior que antes, porque elas peca- segurança, porque “a oração de um
ram contra maior luz. justo é poderosa e eficaz” (Tg 5:16).
O rei parecia quase um louco. A jus-
Arrependidos de Ter Pedido tiça estava corrompida e a ordem
um Rei tinha se transformado em confusão.
“Samuel morreu, e todo o Israel O pensamento de todos se en-
se reuniu e o pranteou; e o sepulta- cheu de amargura ao olharem para
ram onde tinha vivido, em Ramá” o lugar silencioso em que Samuel
(1Sm 25:1). Um grande e bom pro- descansava. Lembraram-se de sua
feta, um nobre juiz tinha fale- loucura ao rejeitá-lo como governa-
cido. Desde sua juventude, Samuel dor, pois ele tinha uma ligação tão
A Grandeza do Coração de Davi 449

forte com o Céu que parecia ligar Davi e seus homens precisavam de
todo o Israel ao trono de Jeová. mantimentos, e o filho de Jessé en-
Samuel tinha lhes ensinado a amar viou dez jovens para falar com Nabal,
e a obedecer a Deus, mas agora es- instruindo-os a cumprimentá-lo em
tava morto. O povo sentiu estar nome de seu mestre: “Muita paz
abandonado à vontade de um rei para o senhor e sua família! E muita
ligado a Satanás e que os separaria prosperidade para tudo o que é seu!
de Deus e do Céu. Sei que você está tosquiando suas
Davi sabia que a morte de ovelhas. Quando os seus pastores
Samuel tinha quebrado outra bar- estavam conosco, nós não os mal-
reira que impedia as ações de Saul. tratamos, e durante todo o tempo
Ele se sentiu menos seguro do que em que estiveram em Carmelo [não
quando o profeta vivia. Então fugiu o Monte Carmelo, mas um lugar no
para o deserto de Parã. Com o pen- território de Judá] não se perdeu
samento de que o profeta estava nada que fosse deles. Pergunte a eles,
morto e de que o rei era seu inimigo, e eles lhe dirão. [...] Por favor, dê a nós,
cantou, naquelas regiões solitárias: seus servos, e a seu filho Davi o que
puder” (1Sm 25:6-8).
“O seu protetor se manterá alerta, Quando esse homem rico rece-
sim, o protetor de Israel não beu o pedido para separar parte de
dormirá; [...]. sua fartura para socorrer às neces-
O Senhor protegerá a sua saída e sidades dos homens que lhe pres-
a sua chegada, desde agora e taram um serviço tão valioso, a
para sempre” (Salmo 121:3-8). resposta de Nabal revelou seu ca-
ráter: “Quem é Davi? Quem é esse
O Fazendeiro Mesquinho filho de Jessé? Hoje em dia muitos
Davi e seus homens protege- servos estão fugindo de seus senho-
ram os rebanhos de um homem res. Por que deveria eu pegar meu
rico chamado Nabal. Esse homem pão e minha água, e a carne do gado
tinha muitas posses em Parã. Nabal que abati para meus tosquiadores,
era mal-humorado e tinha um cará- e dá-los a homens que vêm não se
ter mesquinho. sabe de onde?” (1Sm 25:10, 11).
Estava na época de tosar as ove- Davi ficou furioso. Ele decidiu
lhas, um período de hospitalidade. castigar o homem que negou o que
450 Os Escolhidos
era seu direito e não apenas o havia “O Senhor certamente fará um
prejudicado, mas insultado. Esse ato reino duradouro para ti, que travas
impulsivo se parecia mais com o ca- os combates do Senhor. E em toda a
ráter de Saul do que com o de Davi. tua vida, nenhuma culpa se ache em
O filho de Jessé ainda tinha que ti” (1Sm 25:28). Abigail quis dizer
aprender a ser paciente. que Davi deveria lutar nos comba-
tes do Senhor; ele não deveria bus-
A Sábia Esposa de Nabal car vingança por prejuízos pessoais,
Sem consultar o marido, Abigail mesmo que fosse perseguido como
preparou um grande suprimento um traidor. Continuou: “Quando o
de comida e o enviou sem demora Senhor tiver feito a meu senhor todo
aos cuidados dos servos. Enquanto o bem que prometeu e te tiver no-
isso, ela mesma se colocou a cami- meado líder sobre Israel, meu senhor
nho para se encontrar com Davi. não terá no coração o peso de ter
Quando Abigail viu Davi, “desceu derramado sangue desnecessaria-
depressa do jumento e prostrou- mente, nem de ter feito justiça com
se perante Davi, rosto em terra. tuas próprias mãos” (1Sm 25:30, 31).
Ela caiu a seus pés e disse: ‘Meu Como o perfume de uma flor, a
senhor, a culpa é toda minha. Por bondade de Abigail se revelou em seu
favor, permite que tua serva te rosto, palavra e ação. O Espírito de
fale; ouve o que ela tem a dizer’” Deus habitava em seu coração. Suas
(1Sm 25:23, 24). Abigail falou com palavras, temperadas com graça, car-
Davi com tanto respeito que pare- regavam a influência celestial. Davi
cia que estava falando com um rei tremeu ao refletir nas suas inten-
em seu trono. Com palavras bondo- ções precipitadas. “Bem-aventurados
sas, tentou acalmar a raiva que Davi os pacificadores, pois serão cha-
sentia. Cheia da sabedoria e do amor mados filhos de Deus” (Mt 5:9).
de Deus, deixou claro que a atitude Quem dera existissem muito mais
mal-educada de seu marido não foi pessoas como essa mulher de Israel,
planejada, mas era simplesmente o que acalmassem sentimentos de ira,
impulso de uma personalidade in- evitassem intenções precipitadas de
feliz e egoísta. Assim, apresentou o se realizar e impedissem grandes
rico suprimento como uma oferta de desgraças por palavras de calma
paz aos homens de Davi. Ela disse: sabedoria.
A Grandeza do Coração de Davi 451

A raiva de Davi passou por causa parábola: “Esta mesma noite a sua
do poder da influência e dos argu- vida lhe será exigida” (Lc 12:20).
mentos de Abigail. Ele se conven- Depois de algum tempo, Davi se
ceu de que tinha perdido o controle casou com Abigail. Ele já era casado
do próprio espírito. Com coração com uma mulher, mas o costume
humilde, aceitou a repreensão, em das nações de sua época havia de-
harmonia com suas próprias pala- turpado sua percepção do certo e
vras: “Fira-me o justo com amor leal do errado. Durante toda a sua vida,
e me repreenda, mas não perfume Davi sentiu os terríveis resultados
a minha cabeça o óleo do ímpio, de se casar com muitas mulheres.
pois a minha oração é contra as Os zifeus, na esperança de ga-
práticas dos malfeitores” (Sl 141:5). nhar o favor do rei, novamente
Ele agradeceu e a abençoou por informaram onde Davi estava es-
ter lhe dado bons conselhos. Quão condido. Mais uma vez, Saul con-
poucos se sentem agradecidos por vocou seu exército e os liderou na
receber uma repreensão e aben- busca por Davi. Espiões amigos
çoam os que tentam evitar que trouxeram uma mensagem ao filho
sigam um mau caminho. de Jessé. Com apenas alguns de seus
homens, Davi saiu para descobrir
Remorso e Medo Tiram onde estava o inimigo.
a Vida de Nabal Já estava escuro quando Davi
Quando Abigail voltou para e seus homens chegaram ao acam-
casa, encontrou Nabal e seus con- pamento do rei e seu exército. Sem
vidados numa festa em que havia serem percebidos, viram o acampa-
bebida alcoólica. Então, na manhã mento em silêncio, dormindo. Davi
seguinte, ela contou ao marido o perguntou: “Quem descerá comigo ao
que tinha acontecido ao se encon- acampamento de Saul?” (1Sm 26:6).
trar com Davi. Quando ele se deu Abisai respondeu imediatamente:
conta de quão perto da morte sua “Irei com você” (1Sm 26:6).
loucura o havia levado, ficou pa- Escondidos na sombra das co-
ralisado, horrorizado e desmaiou, linas, Davi e Abisai entraram no
sem forças. Dez dias depois, mor- acampamento. Eles foram até Saul,
reu. No meio de sua diversão, Deus que estava dormindo. Perto de sua
disse a ele, como ao homem rico da cabeça tinha uma lança fincada no
452 Os Escolhidos
chão e um jarro de água. Abner, o merecem morrer, pois não protege-
comandante do exército, estava ram o seu rei, o ungido do Senhor.
deitado ao seu lado, e vários outros Agora, olhem! Onde estão a lança
soldados dormiam em volta deles, e o jarro de água do rei, que esta-
em sono profundo. Abisai ergueu vam perto da cabeça dele?’ Saul
sua lança. “Hoje Deus entregou o reconheceu a voz de Davi e disse:
seu inimigo nas suas mãos. Agora ‘É você, meu filho Davi?’ Davi res-
deixe que eu crave a lança nele até pondeu: ‘Sim, ó rei, meu senhor.’
o chão, com um só golpe; não preci- E acrescentou: ‘Por que meu senhor
sarei de outro” (1Sm 26:8). Ele espe- está perseguindo este seu servo?
rou receber permissão, mas, em vez O que eu fiz, e de que mal sou
disso, ouviu o cochicho: “Não o mate! culpado?’” (1Sm 26:15-18).
Quem pode levantar a mão contra o
ungido do Senhor e permanecer ino- Novamente o Rei Saul
cente? Juro pelo nome do Senhor, Confessa seu Erro
[...] o Senhor mesmo o matará; [...] Mais uma vez, o rei admitiu:
ou ele irá para a batalha e perecerá. “Pequei! Volte, meu filho Davi!
O Senhor me livre de levantar a mão Como hoje você considerou pre-
contra o Seu ungido. Agora, vamos ciosa a minha vida, não lhe farei
pegar a lança e o jarro com água que mal de novo. Tenho agido como
estão perto da cabeça dele, e vamos um tolo e cometi um grande erro”
embora” (1Sm 26:9-11). “Ninguém os (1Sm 26:21).
viu, ninguém percebeu nada e nin- Davi respondeu: “Aqui está a
guém acordou [...], pois um sono pe- lança do rei. Venha um de seus ser-
sado vindo do Senhor havia caído vos pegá-la” (1Sm 26:22). Mesmo
sobre eles” (1Sm 26:12). Saul prometendo: “Não lhe farei mal
Quando Davi estava a uma dis- de novo”, Davi manteve uma distân-
tância segura do acampamento, gri- cia segura.
tou para Abner: “‘Você é homem, Ao irem embora, Saul disse:
não é? Quem é como você em Israel? “Seja você abençoado, meu filho Davi;
Por que você não protegeu o rei, seu você fará muitas coisas e em tudo
senhor? Alguém foi até aí para ma- será bem-sucedido” (1Sm 26:25).
tá-lo. Não é bom isso que você fez! Contudo, o filho de Jessé não tinha
Juro pelo Senhor que todos vocês nenhuma esperança de que o rei
A Grandeza do Coração de Davi 453

continuasse pensando assim por Mais um Erro de Davi


muito tempo. Os filisteus tinham mais medo
Davi queria muito fazer as de Davi do que de Saul. Colocando-se
pazes com Saul. Parecia que ele aca- sob a proteção dos filisteus, Davi re-
baria se tornando vítima do ódio velou a fraqueza do seu povo. Assim,
do rei. Com seiscentos homens sob encorajou esses decididos inimigos a
o seu comando, ele foi até Aquis, rei oprimirem Israel. Davi tinha sido un-
de Gate. gido para defender o povo de Deus.
Davi chegou à conclusão de O Senhor não quer que Seus servos
que Saul concretizaria a intenção animem os ímpios revelando as fra-
de assassinato sem buscar o con- quezas de Seu povo.
selho de Deus. Mesmo no período Além disso, os israelitas tiveram a
em que Saul planejava destruí-lo, o impressão de que ele tinha procurado
Senhor trabalhava para garantir o os pagãos para servir a seus deuses.
trono para Davi. Considerando as Por meio dessa atitude, muitas pessoas
aparências, as pessoas interpretam foram levadas a nutrir preconceito por
os sofrimentos e as provas que Deus Davi. Ele fez tudo o que Satanás que-
permite como algo que só vai lhes ria que fizesse. Davi não abandonou
causar prejuízo. Davi considerou as o culto a Deus nem a devoção à Sua
aparências e não as promessas de causa, mas sacrificou a confiança nEle
Deus. Duvidou de que um dia assu- em troca de segurança pessoal.
miria o trono. Grandes problemas O rei dos filisteus recebeu Davi
tinham desgastado sua fé e esgo- com simpatia. O rei o admirava e
tado sua paciência. ficou satisfeito por ter um hebreu
O Senhor não mandou Davi buscando sua proteção. Davi trouxe
buscar a proteção dos filisteus, os sua família e todos os seus perten-
piores inimigos de Israel. Perdendo ces; assim, seus homens fizeram a
toda a confiança em Saul e em seus mesma coisa. Ao que tudo indicava,
servos, Davi recorreu à misericór- ele tinha ido para morar definitiva-
dia dos inimigos de seu povo. Deus mente na terra da Filístia. Isso agra-
tinha ordenado que fincasse sua dou a Aquis, que prometeu proteger
bandeira na terra de Judá; mas, por os israelitas fugitivos.
falta de fé, ele abandonou o posto A pedido de Davi, o rei gentil-
do dever. mente lhe concedeu Ziclague para
454 Os Escolhidos
ser seu território. Em uma cidade “Naqueles dias os filisteus reu-
separada para o seu uso, Davi e seus niram suas tropas para lutar con-
homens podiam adorar a Deus com tra Israel. Aquis disse a Davi: ‘Saiba
mais liberdade do que em Gate, que você e seus soldados me acom-
onde os rituais pagãos poderiam panharão no exército’” (1Sm 28:1).
se tornar uma fonte de mal. Davi deu ao rei uma resposta eva-
Enquanto viveu nessa cidade siva: “Então tu saberás o que teu
isolada, Davi guerreou contra os servo é capaz de fazer” (1Sm 28:2).
gesuritas, gersitas e amalequitas Aquis deu sua palavra, prometendo
e não deixou ninguém vivo para colocar Davi em uma posição im-
levar a notícia a Gate. Ele deu a en- portante na corte filisteia.
tender a Aquis que estava lutando Ainda que a fé de Davi tivesse
contra a própria nação, os homens vacilado um pouco nas promes-
de Judá. Por meio dessas mentiras, sas de Deus, ele se lembrava de que
ele ganhou a confiança dos filisteus, Samuel o havia ungido rei de Israel.
pois o rei disse: “Ele se tornou tão Relembrou a misericórdia de Deus
odiado por seu povo, os israelitas, ao protegê-lo de Saul e decidiu que
que será meu servo para sempre” não trairia sua responsabilidade sa-
(1Sm 27:12). Davi não seguiu o grada. Mesmo que o rei de Israel bus-
conselho de Deus quando praticou casse tirar a sua vida, ele não uniria
o engano. suas forças aos inimigos do seu povo.
66
*
Saul Tira a Própria Vida
“O s filisteus se reuniram,
vieram e acamparam em
Suném” (1Sm 28:4), ao mesmo tempo
chegar ao coração do país. Enquanto
Satanás insistia com Saul para des-
truir Davi, o mesmo espírito de ódio
em que Saul e suas forças acampa- inspirou os filisteus a tentar arrui-
ram a uns poucos quilômetros, no pé nar Saul. Muitas vezes, Satanás in-
do Monte Gilboa. Saul se sentiu sozi- fluencia alguém não consagrado
nho e indefeso, porque Deus o havia para começar uma briga na igreja
abandonado. Ao olhar ao redor para e, então, tirando vantagem da di-
o exército filisteu, “teve medo; ficou visão do povo de Deus, instiga seus
apavorado” (1Sm 28:5). agentes para levá-los à destruição.
Saul achava que Davi aproveita- No dia seguinte, Saul tinha que
ria essa oportunidade para se vin- lutar contra os filisteus. O senti-
gar dos prejuízos que havia sofrido. mento de que algo ruim estava
O rei estava muito angustiado. Ele para acontecer tomou conta de seu
ficou tão obstinado em destruir o coração. Saul desejava receber ins-
homem escolhido por Deus que aca- truções, mas mesmo buscando o
bou colocando a nação em grande conselho de Deus, “Este não lhe res-
perigo. Preocupado em perseguir pondeu nem por sonhos nem por
Davi, havia se esquecido de defen- Urim nem por profetas” (1Sm 28:6).
der o próprio reino. Os filisteus, ti- O Senhor jamais se afasta da-
rando vantagem do descuido do rei, queles que O buscam com sinceri-
invadiram o território israelita até dade. Por que então Se afastou de
* Este capítulo é baseado em 1 Samuel 28; 31.
456 Os Escolhidos
Saul, deixando-o sem resposta? À noite, fingindo ser outra pes-
O rei tinha rejeitado o conselho de soa, acompanhado de dois de seus
Samuel, o profeta; havia expulsado homens, Saul procurou a feiticeira.
do país Davi, o escolhido de Deus, Oh, que cena triste! O rei de Israel
e matado os sacerdotes do Senhor. levado cativo por Satanás! As úni-
Como poderia esperar resposta, cas condições para Saul ser rei de
uma vez que havia cortado os meios Israel eram confiar em Deus e obe-
de comunicação que o Céu tinha decer à Sua vontade. Se ele tivesse
indicado? Saul não queria o per- cumprido essas condições, seu reino
dão nem fazer as pazes com Deus, estaria livre de perigo. Deus seria
mas apenas se livrar dos inimigos. seu guia; o Todo-Poderoso, seu
Separou-se de Deus pela rebelião. A escudo. Apesar de sua rebelião e
única maneira de voltar era confes- teimosia quase silenciarem a voz
sando e abandonando os seus erros. de Deus a falar à sua consciência,
“Então Saul disse aos seus auxi- ele ainda tinha a oportunidade de
liares: ‘Procurem uma mulher que se arrepender. Quando Saul, enca-
invoca espíritos, para que eu a con- rando o perigo, buscou a Satanás,
sulte’” (1Sm 28:7). O Senhor tinha cortou o último laço que o ligava
proibido qualquer tentativa de co- ao Criador. Colocou-se por com-
municação com os mortos, e qual- pleto sob o controle do poder satâ-
quer pessoa que praticasse essa arte nico que por anos o havia levado à
maligna era sentenciada à morte. beira da destruição.
Saul havia mandado matar todos Protegidos pela escuridão da
os feiticeiros e todas as pessoas que noite, Saul e seus companheiros pas-
se comunicavam com os mortos. saram pelos exércitos filisteus em
Naquele momento, desesperado, ele segurança. Cruzaram o topo da mon-
recorreu ao que tinha condenado tanha em direção à casa solitária da
como abominação. feiticeira de En-Dor. Mesmo disfar-
Uma mulher que tinha um espí- çado, a altura incomum de Saul e sua
rito do mal morava em um esconde- postura de rei revelavam que ele não
rijo em En-Dor. Ela havia prometido era um soldado qualquer. Os pre-
a Satanás que faria tudo o que ele sentes caros que ele ofereceu confir-
quisesse e, em troca, o príncipe do maram as suspeitas da mulher. Em
mal lhe revelava segredos. resposta ao seu pedido, a mulher
Saul Tira a Própria Vida 457

disse: Saul “eliminou os médiuns e os Quando Samuel ainda estava vivo,


que consultam os espíritos da terra Saul havia desprezado seu conselho.
de Israel. Por que você está prepa- Agora, para se comunicar com o em-
rando uma armadilha contra mim, baixador do Céu, ele havia procurado
que me levará à morte?” (1Sm 28:9). a mensageira do inferno! Saul havia
Então “Saul jurou-lhe pelo Senhor: se colocado por completo sob o poder
‘Juro pelo nome do Senhor que de Satanás. O único prazer do inimigo
você não será punida por isso’” de Deus é fazer as pessoas infelizes e
(1Sm 28:10). E quando ela disse: destruí-las e, assim, aproveitou ao
“‘Quem devo fazer subir?’ […] Ele res- máximo a oportunidade para arra-
pondeu: ‘Samuel’” (1Sm 28:11). sar o rei infeliz. Supostamente da
Depois de fazer os rituais de boca de Samuel, veio a terrível res-
magia, ela disse: “‘Vejo um ser que posta: “O Senhor se afastou de você
sobe do chão. [...] Um ancião ves- e Se tornou seu inimigo. […] O Senhor
tindo um manto está subindo’. fez o que predisse por meu intermé-
Então Saul ficou sabendo que era dio: rasgou de Suas mãos o reino e
Samuel, inclinou-se e prostrou-se, o deu a seu próximo, a Davi. Porque
rosto em terra” (1Sm 28:13, 14). você não obedeceu ao Senhor nem
Não foi o profeta de Deus que executou a grande ira dEle contra
apareceu. Samuel não estava pre- os amalequitas, Ele lhe faz isso hoje.
sente naquela caverna de espíritos O Senhor também entregará o exér-
do mal. Para Satanás, foi tão fácil as- cito de Israel nas mãos dos filisteus”
sumir a forma de Samuel como, mais (1Sm 28:16-19).
tarde, foi assumir a forma de anjo Satanás havia instigado Saul a
de luz ao tentar a Cristo no deserto. encontrar justificativas para des-
A mensagem do pretenso pro- prezar as repreensões e advertên-
feta para Saul foi: “‘Por que você cias de Samuel. No entanto, havia
me perturbou, fazendo-me subir?’ se voltado contra ele, apontando
Respondeu Saul: ‘Estou muito angus- para a enormidade de seu pecado
tiado. Os filisteus estão me atacando e para a impossibilidade de perdão
e Deus Se afastou de mim. Ele já não com a intenção de levá-lo à angús-
responde nem por profetas nem por tia extrema. Satanás não poderia
sonhos; por isso te chamei para me ter feito coisa melhor para levar
dizeres o que fazer’” (1Sm 28:15). o rei ao desespero e à destruição.
458 Os Escolhidos
Saul estava fraco por causa do O Triste Fim do “Ungido
jejum, aterrorizado e com a cons- do Senhor”
ciência pesada. Seu corpo balançava Os exércitos de Israel e dos fi-
como uma árvore em meio à tem- listeus se enfrentaram num com-
pestade e caiu estendido ao chão. bate mortal. Embora a terrível cena
A feiticeira ficou muito assus- na caverna de En-Dor tivesse aca-
tada. O rei de Israel estava caído bado com todas as esperanças de
como morto na sua frente. Ela im- Saul, ele lutou com a coragem de
plorou para que ele comesse al- um herói. No entanto, isso foi em
guma coisa, insistindo que ele a vão. “Os israelitas foram postos em
atendesse e não viesse a morrer, já fuga e muitos caíram mortos no
que ela tinha arriscado a própria monte Gilboa” (1Sm 31:1). Saul viu
vida para atender ao seu pedido. seus soldados caírem mortos à sua
Saul cedeu. Então a mulher serviu volta e seus três filhos abatidos pela
carne de bezerro gordo e pão pre- espada. Ele mesmo estava ferido e
parado rapidamente. não conseguia mais nem lutar nem
Que cena! Na rústica caverna fugir. Era impossível escapar. Então,
da feiticeira, na presença da men- decidido a não ser levado vivo pelos
sageira de Satanás, o homem que filisteus, Saul tirou a própria vida se
tinha sido ungido por Deus como jogando sobre sua espada.
rei de Israel sentou-se para comer, Assim, o primeiro rei de Israel
preparando-se para a batalha mor- morreu, com a culpa do suicídio em
tal do dia. seu coração. Sua vida tinha sido um
Ao consultar o espírito das tre- fracasso, e ele faleceu em desonra e
vas, Saul buscou a própria destrui- desespero.
ção. Deprimido e desesperado, não As notícias da derrota se espa-
era capaz de animar seu exército a lharam por toda a parte, aterrori-
ser corajoso. Não era capaz de diri- zando todo o Israel. O povo fugiu
gir os pensamentos de Israel para das cidades e os filisteus as invadi-
ver Deus como seu auxiliador. Dessa ram sem precisar lutar. O reinado de
forma, a adivinhação maligna que Saul, independente de Deus, quase
anunciou apenas desgraças contri- levou seu povo à destruição total.
buiu para que os eventos preditos No dia seguinte, os filisteus en-
se cumprissem. contraram os corpos de Saul e de
Saul Tira a Própria Vida 459

seus três filhos. Eles cortaram a ca- por aves de rapina. Lembrando do
beça de Saul e pegaram suas armas. livramento que receberam por meio
Enviaram a cabeça e as armas im- de Saul na época feliz dos primeiros
pregnadas de sangue ao país dos fi- anos de seu reinado, homens cora-
listeus como um troféu de vitória josos de Jabes-Gileade expressaram
“para proclamarem a notícia nos tem- sua gratidão tirando dali os corpos
plos de seus ídolos e entre o seu povo” do rei e dos príncipes, dando a eles
(1Sm 31:9). Assim, a glória da vitória um funeral digno. A nobre ação rea-
foi atribuída ao poder de deuses fal- lizada quarenta anos antes garan-
sos e o nome de Jeová foi desonrado. tiu que Saul e seus filhos fossem
Em Bete-Seã, os corpos de Saul sepultados por mãos gentis e pie-
e de seus filhos foram pendurados dosas naquele momento escuro de
em correntes, para serem comidos derrota e desonra.
67
Espiritismo Antigo
e Moderno
O registro bíblico sobre a vi-
sita de Saul à mulher de En-
Dor confunde muitos estudantes
origem. Seu propósito não era levar
Saul ao arrependimento, mas in-
duzi-lo à destruição. Essa não é
da Bíblia. Alguns se posicionam di- a obra de Deus, mas de Satanás.
zendo que Samuel realmente esteve Além disso, a Bíblia aponta para a
lá. A Bíblia apresenta muitas provas decisão de Saul de consultar a feiti-
para concluir o contrário. ceira como uma das razões de ele ter
Se Samuel estivesse no Céu, ele sido rejeitado por Deus: “Saul mor-
teria que ter sido chamado de lá, ou reu dessa forma porque foi infiel ao
por Deus ou por Satanás. Ninguém Senhor; não foi obediente à pala-
pode acreditar, nem sequer por um vra do Senhor e chegou a consultar
momento, que Satanás tenha poder uma médium em busca de orienta-
para chamar um profeta do Céu para ção, em vez de consultar o Senhor.
honrar os rituais de magia de uma Por isso o Senhor o entregou à morte
feiticeira. Também não é possível e deu o reino a Davi, filho de Jessé”
concluir que Deus tenha enviado (1Cr 10:13, 14). Saul não se comuni-
Samuel para a caverna da feiticeira, cou com Samuel, o profeta de Deus,
pois o Senhor já havia se recusado a mas com Satanás. O inimigo não
falar com Saul por meio de sonhos, tinha poder para apresentar o ver-
de Urim, ou dos profetas. dadeiro Samuel, mas uma falsificação
A própria mensagem revela sua que lhe serviu para praticar o engano.
Espiritismo Antigo e Moderno 461

Antigamente, a feitiçaria e a bru- tem se espalhado muito, até mesmo


xaria eram baseadas na crença de em lugares que seguem o cristia-
que era possível se comunicar com nismo. Seres espirituais às vezes
os mortos. Aqueles que praticavam aparecem em forma de amigos fale-
essa arte maligna diziam que fi- cidos, contam experiências pessoais
cavam sabendo de eventos futu- de sua vida e fazem coisas que eles
ros por intermédio do espírito dos costumavam fazer enquanto esta-
mortos. “Quando disserem a vocês: vam vivos. Dessa maneira, levam as
‘Procurem um médium ou alguém pessoas a acreditar que seus amigos
que consulte os espíritos e murmure falecidos são anjos. Para muitos, a
encantamentos, pois todos recor- palavra deles tem mais valor do que
rem a seus deuses e aos mortos em a Palavra de Deus.
favor dos vivos’, respondam: ‘À lei e Muitos consideram o espiri-
aos mandamentos!’ Se eles não fa- tismo como uma brincadeira e seus
larem conforme esta palavra, vocês fenômenos como truques. É verdade
jamais verão a luz” (Is 8:19, 20). que, muitas vezes, truques têm pas-
Acreditava-se que os deuses dos sado como verdade, mas também
pagãos eram espíritos de heróis existem evidências impressionantes
mortos que tinham ressuscitado do poder sobrenatural. Muitos que
como deuses. Assim, a religião dos hoje rejeitam o espiritismo como
pagãos era uma forma de adora- uma forma de enganação humana
ção aos mortos. Falando da apos- serão levados a aceitá-lo quando se
tasia dos israelitas, o salmista diz: depararem com manifestações que
“Sujeitaram-se ao jugo de Baal-Peor não conseguem explicar.
e comeram sacrifícios oferecidos a Tanto o espiritismo moderno
ídolos mortos” (Sl 106:28), ou seja, quanto a antiga bruxaria têm como
oferecidos aos mortos. base fundamental a comunicação
Em quase todo sistema do paga- com os mortos. Eles se baseiam
nismo, acreditava-se que os mortos na primeira mentira que Satanás
revelavam sua vontade aos seres hu- usou para enganar Eva no Éden:
manos, e que também lhes davam “Certamente não morrerão! Deus
conselhos, quando consultados. sabe que, no dia em que dele come-
A prática de conversar com seres rem, […] vocês, como Deus serão”
que dizem ser espíritos dos mortos (Gn 3:4, 5). Firmados nesse engano,
462 Os Escolhidos
tanto um como o outro tem sua ori- dizendo que “nos últimos tempos
gem no pai da mentira. alguns abandonarão a fé e seguirão
Deus disse: “Os mortos nada espíritos enganadores e doutrinas
sabem; […] nunca mais terão parte de demônios” (1Tm 4:1). Nos últi-
em nada do que acontece debaixo mos dias aparecerão falsos instru-
do sol” (Ec 9:5, 6). “Quando o espí- tores (2Pe 2:1-2). Mestres espíritas
rito deles se vai, eles voltam ao pó; se recusam a admitir que Cristo é o
naquele mesmo dia acabam-se os Filho de Deus. O amado João fala
seus planos” (Sl 146:4). O Senhor sobre esses mestres: “Quem é o men-
falou a Israel: “Voltarei o Meu rosto tiroso, senão aquele que nega que
contra quem consulta espíritos e Jesus é o Cristo? Este é o anticristo:
contra quem procurar médiuns aquele que nega o Pai e o Filho.
para segui-los, prostituindo-se com Todo o que nega o Filho também
eles. Eu o eliminarei do meio do seu não tem o Pai” (1Jo 2:22, 23). Ne-
povo” (Lv 20:6). gando a Cristo, o espiritismo nega
Os “espíritos familiares” não eram também o Pai; e a Bíblia declara que
espíritos dos mortos, mas de anjos essa é a manifestação do anticristo.
maus, os mensageiros de Satanás. O espiritismo encanta e atrai as
O salmista, falando de Israel, disse multidões por causa de seu suposto
que eles “sacrificaram seus filhos e poder de revelar o futuro. Deus nos
suas filhas aos demônios” (Sl 106:37), revelou, em Sua Palavra, todos os
e, no próximo verso, ele explica que eles grandes eventos do futuro que pre-
os sacrificaram “aos ídolos de Canaã” cisamos saber. Satanás quer abalar
(Sl 106:38). No suposto culto aos nossa confiança em Deus, instigar-nos
mortos, estavam, na verdade, ado- a buscar um conhecimento que Deus
rando demônios. sabiamente não nos apresentou. Ele
quer nos fazer rejeitar o que o Senhor
Revelada a Identidade revelou em Sua Santa Palavra.
do Espiritismo Muitos ficam inquietos quando
O espiritismo moderno é um não conseguem saber o que vai
renascimento da bruxaria e da acontecer. Não suportam a incer-
adoração aos demônios que Deus teza do futuro e se recusam a es-
condenou há muito tempo. A Bí- perar para ver a salvação de Deus.
blia profetizou que isso aconteceria, Abrem as portas para sentimentos
Espiritismo Antigo e Moderno 463

de rebeldia e correm para cá e para destruição. É muito mais comum


lá em desespero, tentando conse- ver o tentador usando elogios
guir informações que Deus não re- para atrair as pessoas à ruína.
velou. Se eles confiassem em Deus Menosprezam a verdade e aceitam a
e perseverassem na oração, recebe- impureza. O espiritualismo afirma
riam o conforto divino. que não existe morte, nem pecado,
Essa pressa para descobrir o fu- nem julgamento, nem punição.
turo demonstra falta de fé em Deus, O desejo é a lei suprema, e os ho-
e Satanás inspira confiança em seu mens prestam contas somente a
poder para predizer acontecimen- si mesmos. Essa visão derruba as
tos futuros. Muitas vezes, devido barreiras que Deus construiu para
à grande experiência que adquiriu proteger a verdade, a pureza e a re-
ao longo de muitas eras, ele conse- verência, e muitos são atraídos para
gue prever alguns eventos futuros o pecado por conta disso.
com certa precisão com a intenção Deus está guiando Seu povo para
de enganar pessoas mal orientadas longe das abominações do mundo,
e colocá-las sob seu poder. para que eles possam guardar Sua
O próprio Deus é a luz do Seu lei. Por essa razão, a ira do “acusa-
povo. Ele os convida a manter, pela dor dos nossos irmãos” (Ap 12:10)
fé, os olhos fixos nas glórias que a não tem limites. “O diabo desceu até
visão humana ainda não consegue vocês! Ele está cheio de fúria, pois
enxergar. Essas pessoas recebem luz sabe que lhe resta pouco tempo”
do trono do Céu e não têm desejo (Ap 12:12). Satanás está decidido a
algum de procurar os mensageiros destruir o povo de Deus e privá-los de
de Satanás. sua herança. A advertência: “Vigiem e
A mensagem do demônio para orem para que não caiam em tenta-
Saul não tinha a intenção de corrigi- ção” (Mc 14:38) nunca foi tão neces-
lo, mas de levá-lo ao desespero e à sária quanto nos dias de hoje.
68
*
A Dura Prova de Davi
D avi e seus homens não
participaram do com-
bate entre Saul e os filisteus, apesar
sempre do trono de Israel. Se Saul
fosse morto na guerra, muitos o cul-
pariam por sua morte.
de terem marchado com os filisteus Teria sido muito melhor se Davi
para o campo de batalha. Enquanto tivesse procurado abrigo nas gran-
os dois exércitos se preparavam des fortalezas de Deus, as mon-
para se enfrentar, o filho de Jessé tanhas, do que com os inimigos
ficou muito angustiado. Aquis es- declarados de Seu povo. O Senhor,
perava que ele lutasse ao lado dos em Sua grande compaixão, não cas-
filisteus. Poderia ele abandonar tigou Seu servo, abandonando-o em
seu posto e se retirar do campo, de- sua aflição e nervosismo. Mesmo
monstrando com isso ingratidão e tendo se desviado do caminho da
traição a Aquis, aquele que o havia completa integridade e se desape-
protegido? Tal atitude faria com gado do poder divino, ainda era o
que ficasse mal falado e deixaria os propósito de seu coração ser fiel a
inimigos mais ameaçadores do que Deus. Anjos do Senhor influencia-
Saul quando com muita raiva. ram os príncipes filisteus a protes-
Mesmo assim, nem por um mo- tar contra a presença de Davi e seus
mento sequer ele pensou em lutar homens no exército e sua participa-
contra Israel e trair o seu país – ção na guerra que se aproximava.
tornando-se inimigo de Deus e “O que estes hebreus fazem
de Seu povo. Isso o excluiria para aqui?” (1Sm 29:3), gritaram os
* Este capítulo é baseado em 1 Samuel 29; 30; 2 Samuel 1.
A Dura Prova de Davi 465

príncipes filisteus, amontoando-se governantes filisteus” (1Sm 29:6, 7).


ao redor de Aquis. Ele respondeu: Assim, Davi foi libertado da arma-
“Este é Davi, que era oficial de Saul, dilha em que estava preso.
rei de Israel. Ele já está comigo há Depois de uma viagem de três
mais de um ano e, desde o dia em dias, Davi e seu grupo de seiscen-
que deixou Saul, nada fez que me- tos homens chegaram a Ziclague,
reça desconfiança” (1Sm 29:3). seu lar filisteu. Porém, eles avis-
taram um cenário de destruição.
De Volta para Ziclague Os amalequitas tinham se vingado
Os príncipes insistiram com das invasões de Davi em seu territó-
raiva: “Mande embora este homem rio e atacaram a cidade de surpresa,
para a cidade que você lhe desig- enquanto estava desprotegida. Eles
nou. Ele não deve ir para a guerra a roubaram e queimaram. Depois,
conosco, senão se tornará nosso ad- foram embora, levando todas as
versário durante o combate. Qual mulheres e crianças como prisio-
seria a melhor maneira de recupe- neiras e muitos objetos.
rar a boa vontade de seu senhor, Horrorizados e espantados,
senão à custa da cabeça de nossos Davi e seus homens olhavam em si-
homens? Não é ele o Davi de quem lêncio para as ruínas ainda em cha-
cantavam em suas danças: ‘Saul aba- mas. Então um terrível sentimento
teu seus milhares, e Davi, suas de- de perda tomou conta do coração
zenas de milhares’?” (1Sm 29:4, 5). daqueles guerreiros acostumados
Eles não acreditavam que Davi lu- com a guerra. “Então Davi e seus
taria contra seu povo. No calor da soldados choraram em alta voz até
guerra, ele poderia causar maior não terem mais forças” (1Sm 30:4).
prejuízo aos filisteus do que todo Nesse momento, Davi colhia,
o exército de Saul. mais uma vez, os tristes resultados
Aquis chamou Davi e disse: de sua falta de fé que o levou a se
“Juro, pelo nome do Senhor, que colocar entre os inimigos de Deus
você tem sido leal. [...] Desde o dia e de Seu povo. Os seguidores de
em que você veio a mim, nunca des- Davi se voltaram contra ele, como
confiei de você, mas os governantes se ele fosse a causa de toda aquela
não o aprovam. Agora, volte e vá em desgraça. Os amalequitas ficaram
paz! Não faça nada que desagrade os com raiva de Davi depois que ele
466 Os Escolhidos
os atacou. Davi confiou demais na imediatamente atrás dos inimigos
segurança que sentia em meio aos em fuga. Eles marcharam tão rá-
filisteus e deixou a cidade sem pro- pido que duzentos dos homens fica-
teção. Enlouquecidos pela tristeza ram tão cansados que tiveram que
e raiva, seus soldados ameaçaram parar para descansar. Davi conti-
apedrejá-lo. nuou com os quatrocentos homens
que restaram.
Davi é Tentado a Desanimar Avançando, eles encontraram
Tudo o que Davi mais amava na um escravo egípcio que parecia
Terra lhe foi tirado. Saul o havia ex- estar quase morrendo de fraqueza
pulsado do país; os amalequitas ti- e fome. Quando foi alimentado, vol-
nham destruído sua cidade; suas tou à vida. Ele tinha sido abando-
mulheres e seus filhos haviam se nado pelas forças invasoras para
tornado prisioneiros; e seus ami- morrer ali. Depois de receber de
gos o haviam ameaçado de morte. Davi a promessa de que não seria
Naquele momento de extremo morto nem entregue ao seu mestre,
desespero, Davi buscou a ajuda de ele concordou em levar os homens
Deus com profunda sinceridade. Ele até o acampamento inimigo.
“fortaleceu-se no Senhor” (1Sm 30:6), Ao se aproximarem do acam-
ao se lembrar das muitas provas pamento, viram uma cena de bebe-
do cuidado de Deus. “Quando es- deira e folia. Os homens do exército
tiver com medo, confiarei em Ti” vitorioso estavam “espalhados pela
(Sl 56:3), era isso que seu coração região, comendo, bebendo e feste-
dizia. Ainda que ele não conseguisse jando os muitos bens que haviam
ver nenhuma saída para seus proble- tomado da terra dos filisteus e de
mas, Deus lhe mostraria o que fazer. Judá” (1Sm 30:16). Davi ordenou ata-
Mandando chamar o sacerdote que imediato. Os amalequitas foram
Abiatar, Davi “perguntou ao Senhor: surpreendidos e ficaram totalmente
‘Devo perseguir esse bando de inva- confusos. A batalha continuou até
sores? Irei alcançá-los?’ E o Senhor quase todos os inimigos morrerem.
respondeu: ‘Persiga-os; é certo que “Davi recuperou tudo o que os ama-
você os alcançará e conseguirá li- lequitas tinham levado, incluindo
bertar os prisioneiros’” (1Sm 30:8). suas duas mulheres. Nada faltou:
Davi e seus soldados saíram nem jovens, nem velhos, nem filhos,
A Dura Prova de Davi 467

nem filhas, nem bens, nem qualquer pertenciam aos amalequitas, que
outra coisa que fora levada. Davi re- foram chamados de “despojos de
cuperou tudo” (1Sm 30:18, 19). Davi” (1Sm 30:20). Voltando para
Se não fosse o poder de Deus, os Ziclague, ele enviou presentes de
amalequitas teriam matado todas seus despojos às autoridades de
as pessoas de Ziclague. Eles decidi- Judá, à sua tribo. Davi se lembrou
ram poupar os prisioneiros com a de todos os que ajudaram e sus-
intenção de aumentar seu triunfo tentaram seus seguidores e a ele
levando para casa um grande nú- na época em que se escondiam nas
mero de pessoas para venderem montanhas, depois que havia sido
como escravos. Sem querer, eles forçado a fugir para salvar a vida.
cumpriram o propósito de Deus, Enquanto Davi e seus soldados
guardando as pessoas que foram le- trabalhavam para reconstruir suas
vadas como prisioneiras para serem casas, aguardavam ansiosos para re-
devolvidas aos seus maridos e pais. ceber notícias da guerra entre Israel
e os filisteus. De repente, um men-
Combate ao Mal sageiro entrou na cidade, “com as
Com grande alegria, os guerrei- roupas rasgadas e terra na cabeça”
ros vencedores começaram a mar- (2Sm 1:2). Ele foi imediatamente le-
char de volta para casa. O soldado vado até Davi, curvando-se diante
mais egoísta e indisciplinado dos dele, como se Davi fosse um prín-
quatrocentos homens sugeriu que cipe poderoso de quem buscava au-
os soldados que não tinham parti- xílio. O mensageiro contou a ele não
cipado da batalha não recebessem apenas sobre a derrota e morte de
sua parte dos despojos. Davi não Saul, mas sobre a morte de Jônatas.
concordou nem permitiu que isso Entretanto, o mensageiro foi além
acontecesse. Ele disse: “Não, meus do simples relato dos fatos. Ele quis
irmãos! Não façam isso com o que o garantir honra para si mesmo como
Senhor nos deu. […] A parte de quem sendo o responsável pela morte do
ficou com a bagagem será a mesma rei. Com ar de orgulho, o homem
de quem foi à batalha. Todos rece- contou que tinha encontrado o rei
berão partes iguais” (1Sm 30:23, 24). de Israel ferido e o havia matado,
Davi e seus homens captura- atendendo seu pedido. Então entre-
ram grandes rebanhos e gados que gou a Davi a coroa e os braceletes de
468 Os Escolhidos
ouro de Saul. Ele tinha certeza de Israel pela ordem de Deus. Contudo,
que receberia uma grande recom- o amalequita acusou a si mesmo de
pensa pelo que tinha feito. um crime digno de morte. Davi disse:
“Você é responsável por sua própria
Davi Fica Triste por Saul morte. Sua boca testemunhou con-
“Davi rasgou suas vestes; e os ho- tra você, quando disse: ‘Matei o un-
mens que estavam com ele fizeram gido do Senhor’” (2Sm 1:16).
o mesmo. E se lamentaram, cho- A tristeza que Davi sentiu pela
rando e jejuando até o fim da tarde, morte de Saul era sincera e pro-
por Saul e por seu filho Jônatas, pelo funda, demonstrando a grandiosi-
exército do Senhor e pelo povo de dade de seu nobre caráter. Ele não
Israel, porque muitos haviam sido se alegrou com a derrota de seu ini-
mortos à espada” (2Sm 1:11, 12). migo. A barreira que o impedia de
Depois que passou o primeiro assumir o trono de Israel tinha sido
choque das terríveis notícias, Davi retirada, mas isso não lhe trouxe
voltou a pensar no estranho que nenhuma alegria. De toda a his-
tinha trazido as notícias e no crime tória de vida de Saul, ele apenas se
de que ele era culpado, segundo suas lembrava de sua nobreza e realeza.
próprias palavras. “‘De onde você é?’ O nome de Saul estava ligado ao de
E ele respondeu: ‘Sou filho de um es- Jônatas, que tinha sido um amigo
trangeiro, sou amalequita’. Davi lhe verdadeiro e abnegado.
perguntou: ‘Como você não temeu Davi expressou os sentimentos
levantar a mão para matar o un- do seu coração em forma de canção,
gido do Senhor?’” (2Sm 1:13, 14). que, mais tarde, tornou-se uma pre-
Duas vezes Davi havia se recusado ciosidade à nação de Israel e ao povo
a levantar a mão contra aquele que de Deus ao longo das eras futuras.
tinha sido consagrado a governar Ver 2 Samuel 1:19-27.
69
*
Davi é Coroado Rei
A morte de Saul acabou
com os perigos que ti-
nham feito Davi fugir de sua terra.
Quando Davi ficou sabendo da
atitude corajosa dos homens de
Jabes-Gileade, recolhendo os corpos
Agora, o caminho estava livre para de Saul e Jônatas e dando a eles um
ele voltar. “Davi perguntou ao funeral digno, enviou a mensagem:
Senhor: ‘Devo ir para uma das ci- “O Senhor os abençoe pelo seu ato de
dades de Judá?’ O Senhor respon- lealdade, dando sepultura a Saul, seu
deu que sim, e Davi perguntou para rei. Seja o Senhor leal e fiel para com
qual delas. ‘Para Hebrom’, respon- vocês. Também eu firmarei minha
deu o Senhor” (2Sm 2:1). amizade com vocês, por terem feito
Imediatamente, Davi e seus se- essa boa ação” (2Sm 2:5, 6).
guidores se prepararam para obe- Os filisteus não ficaram aborre-
decer. Quando a caravana entrou cidos com a decisão de Judá de fazer
na cidade, os homens de Judá já es- de Davi seu rei. Eles achavam que te-
tavam esperando para dar as boas- riam vantagens agora que Davi tinha
vindas a Davi como futuro rei de recebido mais poder, pois tinham
Israel. Sem perder tempo, providên- sido bondosos com ele. O reinado de
cias foram tomadas para sua coroa- Davi não estaria livre de problemas.
ção. “E ali ungiram Davi rei da tribo Deus escolheu Davi para ser rei
de Judá” (2Sm 2:4). Nenhum esforço de Israel. No entanto, o povo de Judá
foi feito para estabelecer sua autori- mal tinha aceitado sua autoridade
dade sobre as outras tribos. quando o filho de Saul, chamado
* Este capítulo é baseado em 2 Samuel 2 a 5:5.
470 Os Escolhidos
Is-Bosete, foi coroado rei em um Jordão, para ser a residência real.
trono rival em Israel. Is-Bosete era Ali foi realizada a coroação de Is-
um representante fraco e incompe- Bosete. Seu reinado abrangia todo
tente da casa de Saul, ao contrário o Israel, exceto Judá. Por dois anos, o
de Davi, que era extremamente qua- filho de Saul desfrutou as hon-
lificado. Abner, o principal respon- ras de rei, em sua capital afastada.
sável por levar Is-Bosete ao poder Abner se preparou para uma guerra
real, era o homem mais ilustre de violenta, pois tinha a intenção de
Israel. Ele sabia que o Senhor tinha estender seu poder sobre Judá tam-
indicado Davi para ocupar o trono, bém. E “houve uma violenta batalha
mas ele não queria que o filho de naquele dia, e Abner e os soldados
Jessé assumisse o reino. de Israel foram derrotados pelos sol-
Abner era ambicioso e não tinha dados de Davi” (2Sm 2:17).
princípios. Saul o havia influenciado Abner renunciou porque ficou
a detestar o homem que Deus esco- com raiva do incompetente Is-Bosete.
lhera para reinar sobre Israel. Seu Depois se ofereceu para servir a
ódio cresceu por causa da forte re- Davi, levando consigo todas as tri-
preensão que Davi havia lhe dado bos de Israel. Davi aceitou a proposta.
quando o jarro de água e a lança do Contudo, o fato de Davi ter aceitado
rei foram tirados de perto dele en- receber Abner, um guerreiro tão fa-
quanto dormia. moso, provocou ciúmes em Joabe,
Decidido a criar divisão em o comandante principal do exército
Israel para que ele mesmo pudesse de Davi. Havia uma vingança de san-
ser exaltado, Abner usou Is-Bosete, gue entre esses dois homens. Durante
o representante do rei anterior, para a guerra entre Israel e Judá, Abner
promover suas ambições egoístas. havia matado Asael, irmão de Joabe.
Sabia que o exército não tinha se Então Joabe cruelmente preparou
esquecido das primeiras batalhas uma emboscada e assassinou Abner.
bem-sucedidas sob o comando de Quando Davi soube desse ataque
Saul. Determinado, esse líder re- traiçoeiro, ele falou bem alto: “Eu e o
belde continuou a colocar seus pla- meu reino, perante o Senhor, somos
nos em prática. para sempre inocentes do sangue de
Primeiro, ele escolheu a cidade Abner, filho de Ner. Caia a respon-
de Maanaim, do outro lado do sabilidade pela morte dele sobre
Davi é Coroado Rei 471

a cabeça de Joabe” (2Sm 3:28, 29). Quando ouviu “que Abner havia
Por causa da condição instável em morrido em Hebrom, Is-Bosete,
que o reino se encontrava e do poder filho de Saul, perdeu a coragem,
dos assassinos, Davi não pôde punir e todo o Israel ficou alarmado”
o crime adequadamente, mas de- (2Sm 4:1). Pouco depois, outro ato de
monstrou publicamente seu abalo traição completou a queda do poder
e reprovação. Como o pranteador rival já enfraquecido. Is-Bosete foi
principal, o rei acompanhou o cai- assassinado por dois de seus capi-
xão que levava o corpo de Abner. tães. Eles cortaram sua cabeça e a le-
Junto à sepultura, cantou um la- varam depressa para o rei de Judá,
mento que foi uma forte repreen- esperando assim ganhar seu favor.
são aos assassinos:
Davi Castiga os Assassinos
“Por que morreu Abner como mor- de seu Inimigo
rem os insensatos? [...] Davi não queria esse tipo de
Você caiu como quem cai perante ajuda para estabelecer seu poder. Ele
homens perversos” (2 Samuel contou aos assassinos o que aconte-
3:33, 34). ceu com o homem que se orgulhou
de ter matado Saul. Ele disse mais:
A homenagem de Davi a al- “‘Muito mais agora, que homens ím-
guém que tinha sido um grande pios mataram um inocente em sua
inimigo seu conquistou a admira- própria casa e em sua própria cama!
ção de todo o Israel. “Todo o povo Vou castigá-los e eliminá-los da face
e todo o Israel reconheceram que da terra porque vocês fizeram cor-
o rei não tivera participação no as- rer o sangue dele!’ Então Davi deu
sassinato de Abner, filho de Ner” ordem a seus soldados, e eles os ma-
(2Sm 3:37). Em particular aos seus taram” (2Sm 4:11, 12).
conselheiros e assistentes de con- Depois da morte de Is-Bosete,
fiança, o rei reconheceu sua inca- houve um desejo geral entre os lí-
pacidade de castigar os assassinos deres de Israel para que Davi se tor-
como ele desejava. Ele os colocou nasse rei de todas as tribos. Eles
sob a justiça de Deus. “Que o Senhor disseram: “Eras tu quem liderava
retribua ao malfeitor de acordo com Israel em suas batalhas. E o Senhor
as suas más obras!” (2Sm 3:39) te disse: ‘Você pastoreará Israel, o
472 Os Escolhidos
Meu povo, e será o seu governante’” e soldados com lanças e capacetes
(2Sm 5:2). “Então todas as autori- brilhantes e estrangeiros vindos
dades de Israel foram ao encontro de longas distâncias se levantavam
do rei Davi em Hebrom; o rei fez para testemunhar a coroação.
um acordo com eles em Hebrom pe- Davi estava vestido com o manto
rante o Senhor” (2Sm 5:3). Assim, real. O sumo sacerdote colocou o
por meio da direção de Deus, o ca- óleo sagrado em sua testa, pois a
minho foi aberto para ele chegar unção anterior, feita por Samuel,
ao trono. havia sido profética em relação ao
A mudança no sentimento do que aconteceria na nomeação do
povo foi decisiva. A revolução foi rei. O tempo tinha chegado, e Davi
pacífica e digna, em harmonia com foi consagrado à sua função como
o trabalho que faziam. Quase meio representante de Deus. O cetro foi
milhão de pessoas, os antigos sú- posto em suas mãos. O juramento
ditos de Saul, lotou Hebrom e seus de seu justo domínio foi escrito, e o
arredores. O dia da coroação foi povo apresentou seus compromis-
marcado. Davi – o homem que tinha sos de fidelidade. Israel tinha um rei
sido expulso da corte de Saul, que indicado por Deus.
havia fugido para as montanhas Aquele que havia esperado pelo
e campinas e para as cavernas da Senhor com paciência viu as pro-
terra para preservar a vida – estava messas de Deus se cumprirem. Davi
prestes a receber a maior honra que “foi se tornando cada vez mais po-
os seres humanos podem dar a al- deroso, pois o Senhor, o Deus dos
guém. Sacerdotes e anciãos, oficiais Exércitos estava com ele” (2Sm 5:10).
70
*
O Reinado de Davi
A trinta quilômetros de
Hebrom foi escolhido
o local da futura capital do reino.
sob o comando de Joabe e, como
recompensa, ele foi posto como co-
mandante principal dos exércitos
Antigamente esse lugar era chamado de Israel. Jebus se tornou a capital
de Salém. Oitocentos anos antes, nacional e seu nome pagão foi mu-
tinha sido a casa de Melquisedeque, dado para Jerusalém.
o sacerdote do Altíssimo. Essa ci- Hirão, rei de Tiro, ofereceu-se
dade ficava quase no centro do país para ajudar Davi a construir um pa-
e era protegida por montanhas. lácio em Jerusalém. Mandou em-
Na divisa entre Benjamim e Judá, baixadores de Tiro, acompanhados
ficava perto de Efraim e era de fácil por arquitetos e operários e mate-
acesso às outras tribos. riais caros.
Para conseguir esse local, os he- Sob o comando de Davi, a força
breus precisavam expulsar de lá os de Israel aumentava cada vez mais,
últimos cananeus, que ocupavam o que provocou a inimizade dos fi-
um local fortificado nas montanhas listeus. Eles invadiram o país nova-
de Sião e Moriá. Essa fortaleza se mente e se posicionaram não muito
chamava Jebus, e seus habitantes longe de Jerusalém. Davi com seus
eram conhecidos como jebuseus. homens de guerra se retiraram para
Por séculos, todos achavam que a fortaleza de Sião. “Davi perguntou
Jebus jamais poderia ser conquis- ao Senhor: ‘Devo atacar os filisteus?
tada. Ela foi cercada e conquistada Tu os entregarás nas minhas mãos?’
* Este capítulo é baseado em 2 Samuel 5:6-25; 6; 7; 9; 10.
474 Os Escolhidos
O Senhor lhe respondeu: ‘Vá, Eu os seu coração – levar a arca de Deus
entregarei nas suas mãos’” (2Sm 5:19).
para Jerusalém. Era apropriado para
Imediatamente Davi os atacou, a capital da nação ser honrada com a
venceu e tomou os deuses deles, que arca, o sinal da Presença divina.
eles tinham levado para garantir a Davi tinha a intenção de fazer
vitória. Frustrados por causa da der-da ocasião uma cena de grande
rota, os filisteus reuniram um exército
alegria e impressionante apresen-
maior ainda e voltaram ao combate. tação. O povo correspondeu ale-
Mais uma vez, Davi pediu orientação gremente. O sumo sacerdote, os
a Deus, e o grande EU SOU assumiu o príncipes e os líderes das tribos
comando dos exércitos de Israel. se reuniram em Quiriate-Jearim.
Deus instruiu a Davi: “Não ata- Davi estava radiante de santo zelo.
que pela frente, […] ataque-os em A arca foi retirada da casa de Abi-
frente das amoreiras. Assim que você nadabe e posta numa carruagem
ouvir um som de passos por cima das nova, levada por bois, enquanto
amoreiras, saia rapidamente, pois o dois dos filhos de Abinadabe a
Senhor saiu à sua frente para ferir acompanhavam.
o exército filisteu” (2Sm 5:23, 24). O povo de Israel a seguia com
Se Davi tivesse escolhido seus pró- aclamações e cânticos de alegria; a
prios caminhos, como fez Saul, ele multidão de vozes se unia em me-
não teria sido bem-sucedido. Mas lodia, junto com o som dos instru-
ele agiu conforme o Senhor man- mentos musicais. “Davi e todos os
dou, e “derrotaram o exército filisteu
israelitas iam cantando […] perante
por todo o caminho, desde Gibeom o Senhor, ao som de […] harpas, liras,
até Gezer. Assim a fama de Davi es- tamborins, chocalhos e címbalos”
palhou-se por todas as terras, e o (2Sm 6:5). Com alegria solene, a
Senhor fez com que todas as nações grande comitiva seguia seu cami-
o temessem” (1Cr 14:16, 17). nho por entre as colinas e vales em
direção à Cidade Santa.
A Arca é Levada para Contudo, “quando chegaram à
Jerusalém eira de Nacom, Uzá esticou o braço
Agora que Davi estava estabele- e segurou a arca de Deus, porque
cido no trono, ele se dedicou a cum- os bois haviam tropeçado. A ira do
prir um propósito que já tinha em Senhor acendeu-se contra Uzá por
O Reinado de Davi 475

seu ato de irreverência [...] e ele mor- indesculpável das orientações do


reu ali mesmo, ao lado da arca de Senhor.
Deus” (2Sm 6:6, 7). A alegre comi- Davi e seu povo se empenharam
tiva se encheu de terror. Davi ficou em uma obra sagrada com alegria e
muito abalado e, em seu coração, disposição de coração, mas não agi-
questionou a justiça de Deus. Por ram de acordo com as orientações
que Deus enviara aquele terrível do Senhor. Os filisteus, que não co-
castigo para mudar a alegria em dor nheciam nada sobre a lei de Deus,
e tristeza? Davi deixou a arca onde haviam colocado a arca numa car-
estava, sentindo que seria perigoso ruagem quando a devolveram para
mantê-la por perto. Encontraram Israel. Já os israelitas tinham uma
um lugar para ela próximo dali, na revelação clara da vontade de Deus
casa de Obede-Edom. sobre essas questões, e sua negli-
gência desonrou o Senhor. Uma vez
Deus Exige Obediência que a lei de Deus tinha sido igno-
Completa rada, Uzá perdeu em parte o senso
O fim de Uzá foi um castigo di- de sua santidade. Com pecados não
vino por ter desobedecido a uma confessados em seu coração, em
ordem muito clara. Ninguém, a não face da proibição divina, ele se atre-
ser os sacerdotes, os descendentes veu a tocar o símbolo da presença
de Arão, poderia tocar na arca, ou de Deus. O Senhor não pode aceitar
mesmo olhar para ela, a menos que uma obediência dividida ou falta
estivesse coberta. A ordem divina de atenção para com Seus manda-
com relação aos utensílios sagra- mentos. A morte de Uzá, levando o
dos era: “Os coatitas virão carre- povo ao arrependimento, pôde evi-
gá-los. Mas não tocarão nas coisas tar o castigo de milhares.
sagradas; se o fizerem, morrerão”
(Nm 4:15). Os sacerdotes deveriam Bênçãos Àqueles que Amam
cobrir a arca, e então os coatitas po- ao Senhor
deriam levantá-la pelas varas presas Sentindo que seu coração não
às argolas de cada lado da arca. Eles estava completamente em paz com
tinham que carregar a arca “nos om- Deus, e diante do que acontecera
bros” (Nm 7:9). O que tinha acon- com Uzá, Davi teve medo da arca,
tecido era uma desconsideração de que algum pecado trouxesse
476 Os Escolhidos
castigos sobre ele. Obede-Edom re- Outra vez, a música da harpa e
cebeu bem o símbolo sagrado como corneta, trompete e címbalo subiu
a promessa do favor de Deus às pes- em direção ao Céu, com a melodia
soas que obedecem. Todo o Israel de muitas vozes. Então Davi “foi
observava o que aconteceria com dançando […] perante o Senhor”
sua casa. “E o Senhor o abençoou (2Sm 6:14), no ritmo da música.
e a toda a sua família” (2Sm 6:11). A dança de Davi em reverente
Davi foi levado a compreender a alegria diante de Deus tem sido
santidade da lei de Deus e a neces- usada para justificar a dança mo-
sidade de obediência total como derna. Em nossos dias, a dança está
nunca antes. associada à folia e diversão. A moral
No fim de três meses, ele decidiu é sacrificada pelo prazer, Deus não é
fazer uma nova tentativa de trans- o alvo dos pensamentos e a oração é
portar a arca; e, dessa vez, foi bem desprezada. Os cristãos não devem
cuidadoso para cumprir as orien- buscar diversões que enfraque-
tações do Senhor. Novamente uma cem o amor pelas coisas sagradas.
grande multidão se reuniu em volta A música e a dança em alegre louvor
da casa de Obede-Edom. Com reve- a Deus na ocasião em que a arca foi
rente cuidado, a arca foi colocada transportada não tinha a mínima
sobre os ombros dos homens indi- semelhança com a influência des-
cados por Deus, e a grande comi- moralizante da dança moderna.
tiva partiu com coração temeroso. Uma exaltava o santo nome de
Por ordem de Davi, ofereceram-se Deus, a outra é um instrumento
sacrifícios. Então, a alegria substi- de Satanás para fazer as pessoas es-
tuiu o medo e o terror. O rei tirou o quecerem e desonrarem a Deus.
manto real e se vestiu com simples A comitiva triunfante se apro-
roupas de linho, como as dos sacer- ximou da capital. Nesse momento,
dotes (algumas vezes, essa roupa era uma explosão de cânticos solicitou
usada por outras pessoas além dos que os vigias sobre os muros abris-
sacerdotes). Nesse serviço sagrado, sem os portais da Cidade Santa:
Davi ocupou seu lugar perante Deus
no mesmo nível que seus súditos. “Abram-se, ó portais; abram-se, ó
Jeová deveria ser o único alvo de portas antigas, para que o Rei
reverência. da glória entre.”
O Reinado de Davi 477

Um grupo de cantores e instru- tinha sido o evento mais sagrado


mentistas perguntou: do reinado de Davi. Quando os úl-
timos raios do sol poente banhavam
“Quem é o Rei da glória?” o santuário em santa luz, o coração
do rei se ergueu em gratidão a Deus,
Do outro grupo, veio a resposta: pois o abençoado símbolo de Sua
presença agora estava muito perto
“O Senhor forte e valente, o Senhor do trono de Israel.
valente nas guerras.” Havia alguém que tinha visto a
cena de alegria com outros olhos,
Então, milhares de vozes uni- bem diferentes. “Entrando a arca do
das formaram um grande coro de Senhor na Cidade de Davi, Mical,
triunfo: filha de Saul, observava de uma ja-
nela. E, ao ver o rei Davi dançando
“Abram-se, ó portais; abram-se, ó e celebrando perante o Senhor,
portas antigas, para que o Rei ela o desprezou em seu coração”
da glória entre.” (2Sm 6:16). Ela saiu para encontrá-lo
e despejou uma tempestade de pala-
De novo se ouviu: “Quem é vras amargas, rudes e cruéis:
esse Rei da glória?” Então a voz da “Como o rei de Israel se destacou
grande multidão, como o “som de hoje, tirando o manto na frente das
muitas águas” (Ap 19:6), foi ouvida escravas de seus servos, como um
em resposta vibrante: homem vulgar!” (2Sm 6:20).
Davi sentiu o desprezo de Mical
“O Senhor dos Exércitos; Ele é o Rei pelo serviço de Deus e respondeu:
da glória!” (Salmo 24:7-10). “Foi perante o Senhor […], Aquele
que me escolheu em lugar de seu pai
Assim, os portais se abriram por ou de qualquer outro da família dele,
completo e, com respeito e reverên- quando me designou soberano sobre
cia, a arca foi colocada na tenda pre- o povo do Senhor, sobre Israel; pe-
parada para ela. Quando a cerimônia rante o Senhor celebrarei e me rebai-
terminou, o próprio rei pronunciou xarei ainda mais, e me humilharei
uma bênção sobre o seu povo. aos meus próprios olhos. Mas serei
Até então, essa comemoração honrado por essas escravas que você
478 Os Escolhidos
mencionou” (2Sm 6:21, 22). A re- “Faze o que tiveres em mente, pois
preensão de Deus seguiu à de Davi: o Senhor está contigo” (2Sm 7:3).
Por causa de seu orgulho e arrogân- Naquela mesma noite, a pala-
cia, “até o dia de sua morte, Mical […] vra do Senhor veio a Natã, trans-
jamais teve filhos” (2Sm 6:23). mitindo uma mensagem para o
rei: “Eu, o Senhor, lhe estabelecerei
A Nação é Livrada uma dinastia. […] Escolherei um
da Idolatria dos seus filhos para sucedê-lo. […]
A remoção da arca causou uma Será ele quem construirá um tem-
impressão duradoura na mente plo em honra ao Meu nome, e Eu
do povo de Israel, despertando firmarei o trono dele para sempre”
novamente seu zelo por Jeová. (2Sm 7:11-13).
Davi tentou tornar essas impres- Deus explicou o motivo por
sões ainda mais profundas. Fez que Davi não deveria construir o
da música uma parte regular no templo: “Você matou muita gente
culto religioso e compôs salmos e empreendeu muitas guerras.
para o povo cantar enquanto via- Por isso não construirá um tem-
javam para as festas a cada ano. plo em honra ao Meu nome […].
A influência dessas coisas acabou Mas você terá um filho que será
libertando a nação da idolatria. um homem de paz, e Eu farei com
Muitos dos povos vizinhos co- que ele tenha paz com todos os
meçaram a pensar bem do Deus inimigos ao redor dele. Seu nome
de Israel que tinha feito coisas tão será Salomão [pacífico], e eu darei
grandes em favor de Seu povo. paz e tranquilidade a Israel du-
Davi construiu um palácio rante o reinado dele. É ele que vai
para si, e sentiu que não era apro- construir um templo em honra ao
priado para a arca de Deus ser Meu nome” (1Cr 22:8-10).
abrigada em uma tenda. Ele de- Apesar de seu desejo ter sido
cidiu construir um templo para negado, Davi sentiu-se agradecido
ela, belo o bastante para mostrar pela mensagem. Ele sabia que seria
o quanto Israel apreciava a con- uma honra ao seu nome realizar
tínua presença de Jeová, seu Rei. a obra que ele tinha planejado,
Quando contou seus planou para mas estava pronto a se submeter
o profeta Natã, recebeu a resposta: à vontade de Deus. Quantas vezes
O Reinado de Davi 479

aqueles que atingem a força da de Saul para prover as necessida-


idade adulta se agarram à espe- des de sua família. Além disso, o
rança de realizar alguma grande filho de Jônatas deveria ser o hós-
obra para a qual não estão quali- pede constante do rei. Mefibosete
ficados! Talvez a providência de tinha sido levado a criar um forte
Deus ordene que eles preparem o preconceito contra Davi, como se ele
caminho para outra pessoa con- fosse alguém sem direito algum ao
cluir a obra. Em vez de se subme- trono, mas a constante bondade do
ter à direção divina com coração rei conquistou o coração do moço.
agradecido, muitos recuam, como Como seu pai Jônatas, ele sentiu
se estivessem ofendidos. Se não que seus interesses eram os mesmos
podem fazer o que querem, do rei que Deus havia escolhido.
não fazem mais nada. Muitos Depois que Davi se estabeleceu
tentam, sem sucesso, realizar no trono de Israel, a nação desfru-
uma obra que não são capazes tou um longo período de paz. Os
de fazer enquanto desprezam o povos vizinhos logo entenderam
que podem fazer. Por causa disso, que seria mais sábio deixar de ata-
a obra maior é impedida. car Israel, e Davi parou de guerrear.
Em seu acordo com Jônatas, Por fim, ele ainda guerreou contra
Davi prometeu que seria bon- os velhos inimigos de Israel, os fi-
doso para com a casa de Saul. listeus e os moabitas, e os dominou.
Lembrando-se disso, o rei per-
guntou: “Resta ainda alguém da Nações Inimigas Tramam
família de Saul a quem eu possa Contra Davi
mostrar lealdade, por causa de Muitas nações vizinhas se alia-
minha amizade com Jônatas?” ram contra Davi. Disso vieram as
(2Sm 9:1). Contaram a ele sobre maiores guerras e as maiores vi-
um filho de Jônatas, Mefibosete, tórias de seu reinado e grande au-
que era aleijado desde a infância. A mento de seu poder. Ele não havia
babá desse menino o havia deixado feito nada para provocar essa
cair, fazendo com que ele ficasse aliança inimiga. As circunstâncias
aleijado por toda a vida. Davi con- eram estas:
vidou o moço a ir ao palácio e entre- Chegaram notícias a Jerusalém
gou a ele os pertences particulares sobre a morte de Naás, rei dos
480 Os Escolhidos
amonitas, que tinha sido bondoso Eufrates e o mar Mediterrâneo se
com Davi quando ele estava fugindo uniram aos amonitas para acabar
de Saul. Então Davi enviou uma com Israel.
mensagem de simpatia a Hanum, Os hebreus não esperaram a
filho do rei amonita, querendo ex- invasão. Comandados por Joabe,
pressar seu agradecimento pela avançaram em direção à capital
bondade demonstrada a ele quando amonita. Eles venceram as forças
se encontrava em dificuldade. unidas do inimigo no primeiro
Os conselheiros de Hanum in- combate; mas, no ano seguinte,
terpretaram mal a mensagem de guerrearam outra vez. Davi foi pes-
Davi. Eles “disseram a Hanum, seu soalmente ao campo de batalha e,
senhor: ‘Achas que Davi está hon- pela bênção de Deus, derrotou de tal
rando teu pai ao enviar mensagei- forma os inimigos que os sírios, do
ros para expressar condolências? Líbano até o Eufrates, não somente
Não é nada disso! Davi os en- abandonaram a guerra, mas se tor-
viou como espiões para examina- naram súditos de Israel.
rem a cidade, a fim de destruí-la’” Os perigos que ameaçavam
(2Sm 10:3). Eles não entenderam a nação de destruição foram os
o espírito generoso que inspirou meios pelos quais ela se tornou
Davi a enviar aquela mensagem. poderosa. Comemorando seu li-
Hanum acreditou em seus conse- vramento, Davi cantou:
lheiros, considerou os mensageiros
de Davi como espiões e os encheu “Bendita seja a minha Rocha!
de zombaria e insulto. Exaltado seja Deus, o meu Salvador!
Deus permitiu que os amonitas Este é o Deus que em meu favor
cumprissem os maus propósitos de executa vingança, que a mim su-
seu coração para que seu verdadeiro jeita nações.
caráter ficasse claro para Davi. Não Tu me livraste dos meus inimigos”
era da Sua vontade que Israel fizesse (Salmo 18:46-48).
aliança com esse povo pagão.
Os amonitas sabiam que Davi se Todas as músicas de Davi gra-
vingaria do insulto a Israel, então vavam na mente do povo o pensa-
se prepararam para a guerra. Os mento de que Jeová era sua força e
habitantes da região entre o rio seu libertador:
O Reinado de Davi 481

“Alguns confiam em carros e outros (Gn 15:18). Israel se tornou uma


em cavalos, mas nós confiamos nação poderosa, respeitada e te-
no nome do Senhor, o nosso mida pelos povos vizinhos. Como
Deus” (Salmo 20:7). poucos outros reis da história, Davi
era digno das afeições e da fideli-
O reino de Israel então recebeu dade de seu povo. Honrou a Deus e
por completo a promessa que Deus Deus então o estava honrando.
fez a Abraão: “Aos seus descenden- No momento de seu maior
tes dei esta terra, desde o ribeiro do triunfo público, Davi enfrentou a
Egito até o grande rio, o Eufrates” derrota pessoal mais humilhante.
71
O Pecado e o
Arrependimento
*
de Davi
A Bíblia faz poucos elogios
a seres humanos. Todas
as boas qualidades que as pessoas
de Davi. Elogios, poder e luxo tive-
ram seu efeito sobre ele. De acordo
com os costumes dos reis orien-
possuem são dons de Deus. Suas tais, crimes que não eram tolera-
boas ações são realizadas pela graça dos quando cometidos pelos súditos
de Deus, por meio de Cristo; elas são não eram considerados, se cometi-
apenas instrumentos nas mãos do dos pelo rei. Tudo isso fez com que
Senhor. Todas as lições da história Davi perdesse o senso da terrível
bíblica ensinam que elogiar os ho- malignidade do pecado. Ele passou
mens é perigoso, porque se alguém a confiar na própria sabedoria e no
perder de vista sua inteira depen- próprio poder.
dência de Deus, com certeza cairá. Assim que Satanás conseguir
A Bíblia nos ensina a desconfiar do separar uma pessoa de Deus, des-
poder humano e nos encoraja a con- pertará os desejos impuros da natu-
fiar no poder divino. reza carnal. A obra do inimigo não
O espírito de exaltação própria começa de repente, com algo súbito
preparou o caminho para a queda e inesperado, mas com pequenas
* Este capítulo é baseado em 2 Samuel 11 e 12.
O Pecado e o Arrependimento de Davi 483

coisas – negligência em depender in- Nenhum esforço que Davi fez


teiramente de Deus, inclinação para para esconder sua culpa deu certo.
seguir as práticas do mundo. Ele se entregou ao poder de Satanás;
Davi voltou para Jerusalém. Os foi rodeado de perigo e uma desonra
sírios já haviam se rendido e parecia mais amarga que a morte se avolu-
que a derrota completa dos amoni- mava diante dele. Parecia existir so-
tas era certa. Davi foi rodeado pela mente uma saída – acrescentar o
vitória e honra do seu sábio reinado. pecado de assassinato ao de adul-
Naquele momento, o tentador apro- tério. Davi raciocinava que, se Urias
veitou a oportunidade para ocupar fosse morto na batalha, a culpa da
sua mente. Em seu conforto e se- sua morte não poderia recair sobre o
gurança, Davi cedeu a Satanás e rei. Bate-Seba ficaria livre para se tor-
trouxe a mancha da culpa sobre si nar esposa de Davi e ele poderia evi-
mesmo. Ele, o líder da nação apon- tar suspeitas e manter a honra real.
tado pelo Céu, escolhido por Deus Urias foi o portador de sua pró-
para honrar Sua lei, tropeçou nos pria sentença de morte. Numa
mandamentos de Deus. Ele que de- carta enviada por meio de sua mão
veria ter desencorajado os pratican- a Joabe, o rei mandou: “Ponha Urias
tes do mal, fortaleceu as mãos deles na linha de frente e deixe-o onde o
por seu ato. combate estiver mais violento, para
Culpado e sem se arrepender, que seja ferido e morra” (2Sm 11:15).
Davi não pediu a direção do Céu, Joabe, que já estava manchado com
mas tentou se livrar dos perigos a culpa de um assassinato, não pen-
em que seu pecado o havia colo- sou duas vezes antes de obedecer à
cado. Bate-Seba, cuja beleza fatal ordem do rei. Urias foi morto pela
se tornou uma cilada para o rei, espada dos amonitas.
era a mulher de Urias, o hitita, um
dos oficiais mais corajosos e fiéis Agente de Satanás
de Davi. A lei de Deus sentenciava Os atos de Davi como gover-
o culpado adúltero de morte. Esse nante tinham conquistado a con-
soldado ousado, tão vergonhosa- fiança da nação. Ao se afastar de
mente traído, poderia ter se vingado Deus, temporariamente se tornou
tirando a vida do rei ou levando a agente de Satanás. Contudo, ainda
nação a uma revolta. mantinha a autoridade que Deus
484 Os Escolhidos
havia lhe concedido e, por causa contra o ungido do Senhor mesmo
disso, exigiu uma obediência que quando sua vida estava em perigo
colocaria em perigo a segurança de caiu de tal maneira que traiu e as-
seu comandante, se ele cooperasse. sassinou um de seus soldados mais
Joabe tinha se tornado mais fiel ao fiéis e corajosos e esperou desfrutar
rei do que a Deus e desobedeceu a recompensa de seu pecado sem ser
porque o rei mandou. incomodado.
Quando Davi deu uma ordem Felizes são aqueles que, depois
que era contrária à lei de Deus, tor- de se desviarem do caminho da jus-
nou-se pecado a obediência a ela. tiça, aprendem quão amargos são os
“As autoridades que existem foram frutos do pecado e voltam atrás. Em
por Ele estabelecidas” (Rm 13:1), sua misericórdia, Deus não abando-
mas não devemos prestar obediên- nou Davi quando foi atraído para a
cia a eles se forem contrárias à lei ruína completa pelas traiçoeiras re-
de Deus. O apóstolo Paulo mos- compensas do pecado.
tra o princípio que deve nos guiar:
“Tornem-se meus imitadores, como Como Deus Agiu
eu o sou de Cristo” (1Co 11:1). Foi necessário que Deus inter-
Joabe mandou notícias a Davi viesse. O pecado de Davi com Bate-
de que sua ordem tinha sido cum- Seba se tornou conhecido e muitos
prida. Havia sido tão bem elaborada suspeitaram que ele tivesse plane-
que não comprometia nem Joabe jado a morte de Urias. O Senhor foi
nem o rei: “Morreu [...] o teu servo desonrado. Ele havia exaltado Davi
Urias, o hitita” (2Sm 11:21). e o pecado de Davi trouxe desgraça
A resposta do rei foi: Diga “a ao Seu nome. Isso tendia a rebaixar
Joabe: ‘Não fique preocupado com o padrão de obediência em Israel e
isso, pois a espada não escolhe a diminuir a percepção, em muitas
quem devorar’” (2Sm 11:25). mentes, de que o pecado é terrível.
De acordo com o costume, Bate- Uma mensagem de repreensão
Seba chorou por seu marido alguns a Davi foi dada ao profeta Natã.
dias. No fim, “Davi mandou que a Apesar de ela ser terrivelmente se-
trouxessem para o palácio; ela se vera, Natã deu a mensagem divina
tornou sua mulher” (2Sm 11:27). com tanta sabedoria vinda do Céu
Aquele que não estenderia a mão que conquistou a simpatia do rei,
O Pecado e o Arrependimento de Davi 485

despertou sua consciência e trouxe Davi, esconder seu crime dos ou-
de seus próprios lábios a sentença de tros, enterrar o mau ato da vista hu-
morte sobre si. O profeta contou mana para sempre, mas “tudo está
uma história de maldade e injus- descoberto e exposto diante dos
tiça que precisava ser corrigida. olhos dAquele a quem havemos de
Ele disse: “Dois homens viviam prestar contas” (Hb 4:13).
numa cidade, um era rico e o outro, Natã disse: “Você matou Urias, o
pobre. O rico possuía muitas ove- hitita, com a espada dos amonitas
lhas e bois, mas o pobre nada tinha, e ficou com a mulher dele. Por isso,
senão uma cordeirinha que havia a espada nunca se afastará de sua
comprado. Ele cuidou dela, que cres- família. […] ‘De sua própria família
ceu com ele e com seus filhos. Comia trarei desgraça sobre você. Tomarei
junto dele, bebia do seu copo e até as suas mulheres diante dos seus
dormia em seus braços. Era como próprios olhos e as darei a outro. […]
uma filha para ele. Certo dia, um Você fez isso às escondidas, mas Eu
viajante chegou à casa do rico, e o farei diante de todo o Israel, em
este não quis pegar uma de suas plena luz do dia’” (2Sm 12:9-12).
próprias ovelhas ou de seus bois A repreensão do profeta tocou
para preparar-lhe uma refeição. Em o coração de Davi. A consciência foi
vez disso, preparou para o visitante despertada e ele viu quão grande
a cordeira que pertencia ao pobre” era sua culpa. Com lábios trêmulos,
(2Sm 12:1-4). ele disse: “Pequei contra o Senhor!”
O rei ficou com raiva. “Juro pelo (2Sm 12:13). Davi havia cometido
nome do Senhor que o homem que um pecado terrível tanto contra
fez isso merece a morte! Deverá Urias como contra Bate-Seba, mas
pagar quatro vezes o preço da cor- infinitamente maior era seu pecado
deira, porquanto agiu sem miseri- contra Deus.
córdia” (2Sm 12:5, 6).
Natã fixou seus olhos no rei Davi é Castigado por seu
e disse solenemente: “Você é esse Pecado
homem! […] Por que você despre- Davi tremeu, com medo de que
zou a palavra do Senhor, fazendo o fosse rejeitado, considerado culpado
que Ele reprova?” (2Sm 12:7-9). e não perdoado, pelo imediato juízo
O culpado pode tentar, como fez de Deus. Então uma mensagem
486 Os Escolhidos
foi enviada a ele pelo profeta: “O Palavra têm sido blasfemados e
Senhor perdoou o seu pecado. Você muitos têm se tornado ousados no
não morrerá” (2Sm 12:13). Ainda pecado dizendo ser religiosos.
assim, a justiça tinha de ser preser- A história de Davi mostra que
vada. A sentença de morte foi pas- não há desculpa para o pecado. Foi
sada de Davi para o filho de seu quando andava com o Senhor e se-
pecado. Desse modo, o rei teve opor- guia Seu conselho que Davi foi cha-
tunidade de se arrepender, embora mado o homem segundo o coração
o sofrimento e a morte da criança, de Deus. Quando ele pecou, isso dei-
como parte de sua punição, foi xou de ser verdade sobre ele, até que
muito mais amargo para ele do que se voltou ao Senhor por meio do ar-
sua própria morte teria sido. rependimento. “Mas o que Davi fez
Quando seu filho ficou doente, desagradou ao Senhor” (2Sm 11:27).
Davi suplicou por sua vida em jejum Apesar de Davi ter se arrepen-
e profunda humilhação. Noite após dido de seu pecado, colheu o fruto
noite, ele se prostrava com a dor de mortal da semente que plantara.
um coração quebrantado, interce- Os castigos que recebeu de Deus
dendo pelo inocente que sofria por deram testemunho do quanto Ele
culpa dele. Quando ouviu que o odeia o pecado.
filho havia morrido, Davi se subme- O próprio Davi ficou quebran-
teu, em silêncio, ao que Deus havia tado de espírito pela consciência
determinado. Foi dado o primeiro do seu pecado e de seus resultados
golpe da punição que ele mesmo de grande alcance. Ele se sentiu hu-
disse que era justa. milhado aos olhos de seus súditos.
Sobre a história da queda de Sua influência foi enfraquecida. Já
Davi, muitos perguntam: Por que que seus súditos sabiam de seu pe-
Deus achou necessário abrir ao cado, seriam levados a pecar com
mundo esse capítulo escuro da vida mais liberdade. A autoridade de
de alguém tão grandemente hon- Davi foi enfraquecida até mesmo
rado pelo Céu? Ateus e descrentes em sua casa. Sua culpa o manteve em
apontam para o caráter de Davi e silêncio quando deveria ter con-
dizem em tom de zombaria: “Esse denado o pecado. Seu mau exem-
é o homem segundo o coração de plo influenciou seus filhos, e Deus
Deus!” Dessa maneira, Deus e Sua não interferiria para impedir o
O Pecado e o Arrependimento de Davi 487

resultado. Assim, Davi foi punido “Enquanto eu mantinha escondidos


severamente. Nenhum arrependi- os meus pecados, o meu corpo
mento poderia ajudá-lo a escapar da definhava de tanto gemer.
agonia e vergonha que escureceriam Pois dia e noite a Tua mão pesava
toda a sua vida terrestre. sobre mim; minhas forças foram-
As pessoas que apontam para se esgotando como em tempo
o exemplo de Davi para tentar di- de seca” (Salmo 32:3, 4).
minuir a culpa de seus pecados de-
veriam aprender com o registro O Salmo 51 é uma expressão do
bíblico que o caminho da trans- arrependimento de Davi, quando a
gressão é árduo. Os resultados do mensagem de repreensão vinda de
pecado, mesmo nesta vida, serão Deus chegou até ele:
amargos e duros de suportar.
A intenção de Deus era que a “Cria em mim um coração puro, ó
história da queda de Davi servisse Deus, e renova dentro de mim
como um aviso de que nem aqueles um espírito estável.
que são muito abençoados devem Não me expulses da Tua presença,
sentir-se livres do perigo. Essa histó- nem tires de mim o Teu Santo
ria tem servido como exemplo para Espírito. [...]
todos aqueles que buscam com hu- Livra-me da culpa dos crimes de
mildade aprender a lição que Deus sangue, ó Deus, Deus da minha
quis ensinar. A queda de Davi, al- salvação!
guém tão honrado pelo Senhor, des- E a minha língua aclamará a Tua
perta a desconfiança no próprio eu. justiça” (Salmo 51:10, 11, 14).
Sabendo que sua força e segurança
podem ser colocadas somente em Assim, o rei de Israel falou de seu
Deus, temem dar o primeiro passo pecado, seu arrependimento e sua
em direção ao terreno de Satanás. esperança de perdão por meio da
Mesmo antes da sentença di- misericórdia de Deus. Desejava que
vina ser pronunciada contra Davi, outros fossem ensinados pela triste
ele começou a colher o fruto da história de sua queda.
transgressão. A agonia de espírito
que ele suportou naquele momento Mais do que Perdão
é apresentada no Salmo 32: O arrependimento de Davi
488 Os Escolhidos
foi sincero. Não tentou fazer confessou seu pecado, enquanto
com que seu crime parecesse de Saul, ao contrário, desprezou a re-
menor importância, nem desejou preensão e endureceu o coração
escapar dos castigos anunciados. tentando se justificar.
Enxergou a impureza de seu co- Esse período da história de
ração. Odiou seu pecado. Não foi Davi é uma das mais fortes ilus-
somente por perdão que ele orou, trações dadas a nós sobre as lutas
mas por pureza de coração. Na e tentações da humanidade e
promessa de Deus aos pecadores sobre arrependimento verda-
arrependidos, ele viu a evidência deiro. Ao longo de todas as épo-
de seu perdão e aceitação: “Os sa- cas, milhares dos filhos de Deus
crifícios que agradam a Deus são que foram entregues ao pecado se
um espírito quebrantado; um co- lembraram do arrependimento e
ração quebrantado e contrito, ó confissão sinceros de Davi e se
Deus, não desprezarás” (Sl 51:17). animaram a se arrepender e ten-
Ainda que Davi tivesse caído, o tar novamente andar no caminho
Senhor o ergueu. Na alegria de seu dos mandamentos de Deus.
livramento, ele cantou: “Então re- Todos os que se humilharem
conheci diante de Ti o meu pecado em confissão e arrependimento,
e não encobri as minhas culpas. como fez Davi, podem ter certeza
Eu disse: Confessarei as minhas de que existe esperança para eles.
transgressões ao Senhor, e Tu per- O Senhor nunca abandonará al-
doaste a culpa do meu pecado” guém que tenha se arrependido
(Sl 32:5). Davi se humilhou e de verdade.
72
*
A Rebelião de Absalão
“D everá pagar qua-
tro vezes o preço”
(2Sm 12:6) foi a sentença que Davi
mas, por ordens suas, o bêbado e
incestuoso Amnom foi morto em
uma festa.
deu a si mesmo sem saber, depois Os filhos do rei voltaram a
de ouvir a história do profeta Natã. Jerusalém em pânico e contaram
Quatro de seus filhos deveriam para o seu pai que Amnom tinha
morrer, e a perda de cada um seria sido morto. Eles choraram “em
resultado do pecado do pai. alta voz. Também o rei e todos os
Davi deixou que o crime ver- seus conselheiros choraram muito”
gonhoso de seu filho mais velho, (2Sm 13:36). Absalão fugiu. Davi
Amnom, passasse sem ser punido. tinha negligenciado seu dever de
A lei declarava que o adúltero de- punir Amnom e o Senhor permitiu
veria morrer, e Davi se tornou que os acontecimentos tomassem
duplamente culpado pelo crime an- seu rumo natural. Quando os pais
tinatural do filho. Mas o rei, con- ou as autoridades negligenciam o
denado por si mesmo por causa de dever de punir o mal, uma série de
seu próprio pecado, falhou em fazer circunstâncias se seguirão, que pu-
justiça ao transgressor. Absalão era nirão o pecado com outro pecado.
o protetor natural de sua irmã que Nesse momento, Absalão come-
havia sido injustiçada de modo tão çou a se afastar de seu pai. Davi sen-
terrível. Por dois anos, ele escon- tia que o crime do filho precisava
deu suas intenções de vingança; ser punido e recusou deixá-lo voltar.
* Este capítulo é baseado em 2 Samuel 13 a 19.
490 Os Escolhidos
Excluído dos assuntos do reino por amor de Deus pelo pecador é uma
causa de sua fuga, Absalão ocupou prova clara de que os israelitas es-
seu tempo com planos perigosos. tavam familiarizados com as gran-
Depois de dois anos, Joabe de- des verdades do plano da redenção.
cidiu ajudar pai e filho a fazerem O rei não pôde resistir a esse apelo.
as pazes. Ele procurou uma mulher Ele ordenou: “Vá e traga de volta o
de Tecoa, conhecida por sua sabe- jovem Absalão” (2Sm 14:21).
doria, para lhe ajudar. A mulher se
apresentou a Davi como uma viúva Os Tristes Resultados do
que tinha dois filhos que eram seu Pecado de Davi
único conforto e apoio. Numa briga, Absalão recebeu permissão
um dos filhos tinha matado o outro, para voltar para Jerusalém, mas
e agora seus parentes exigiam que sem aparecer na corte nem se en-
o filho sobrevivente fosse entregue contrar com seu pai. Mesmo sen-
nas mãos do vingador do sangue. tindo profundo amor por esse filho
“E assim”, disse a mãe, “eles querem bonito e talentoso, Davi sentiu ser
apagar a última centelha que me necessário demonstrar seu horror
restou, deixando meu marido sem pelo crime que ele tinha cometido.
nome nem descendência na face da A presença de sua irmã mantinha
terra” (2Sm 14:7). O coração do rei viva na memória a injustiça irre-
foi tocado e ele prometeu que prote- parável que ela tinha sofrido. Aos
geria o filho daquela mulher. olhos do público, o príncipe foi um
Ela, porém, pediu permis- herói, e não um criminoso, e ele se
são ao rei para continuar falando. colocou numa posição onde pode-
Enfatizou que Davi estava errado ria conquistar o coração do povo.
por não trazer seu filho expulso de Sua aparência pessoal era bela
volta para casa. Ela disse: “Que tere- o bastante para conquistar a admi-
mos que morrer um dia, é tão certo ração de todos. “Em todo o Israel
como não se pode recolher a água não havia homem tão elogiado por
que se espalhou pela terra. Deus sua beleza como Absalão. Da cabeça
não tira a vida; ao contrário, cria aos pés não havia nele nenhum de-
meios para que o banido não per- feito” (2Sm 14:25). A decisão de Davi
maneça afastado dEle” (2Sm 14:14). de permitir que ele voltasse para
Essa comovente demonstração do Jerusalém, mas sem aceitá-lo em
A Rebelião de Absalão 491

sua presença, fez com que o povopríncipe, o descontentamento com


se compadecesse de Absalão. o governo de Davi se espalhou rapi-
Antes de seu pecado, Davi tinha
damente. Absalão era considerado
sido corajoso e decidido. A partir de
herdeiro do reino por quase todos e
então, estava fraco e indeciso, o que
muitos queriam que ele ocupasse o
contribuiu para os planos de seu filho.
trono. “Assim ele foi conquistando
Por meio da influência de Joabe,
a lealdade dos homens de Israel”
Absalão foi aceito mais uma vez na
(2Sm 15:6). Contudo, o rei não sus-
presença de seu pai. Ele levou seus
peitava de nada. Davi pensou que
planos avante, dedicando-se paraAbsalão tinha assumido o papel de
conquistar a simpatia do povo e ha-
príncipe com a intenção de honrar
bilmente tirando vantagem de cada
a corte.
motivo de aborrecimento. Dia a dia, Absalão secretamente enviou
esse homem de aparência nobre era
homens escolhidos a todas as tri-
visto junto às portas da cidade, onde
bos com o objetivo de planejar a re-
uma multidão de descontentes es-volta. Ele usou a devoção à religião
perava para apresentar a ele suas
para disfarçar seus planos traiçoei-
reclamações em busca de uma so- ros. Absalão disse ao rei: “Deixa-me
lução. Absalão escutava, demons-ir a Hebrom para cumprir um voto
trando compaixão pelos sofrimentos
que fiz ao Senhor. Quando o teu
do povo e desgosto pela ineficiência
servo estava em Gesur, na Síria, fez
do governo. “Quem me dera ser de-
este voto: Se o Senhor me permitir
signado juiz desta terra! Todos os que
voltar a Jerusalém, prestarei culto a
tivessem uma causa ou uma questão
Ele em Hebrom” (2Sm 15:7, 8).
O pai amoroso, aliviado pela
legal viriam a mim, e eu lhe faria jus-
tiça” (2Sm 15:4). “E sempre que alguém
aparente religiosidade do filho, per-
se aproximava dele para prostrar-
mitiu que ele fosse com a sua bên-
se em sinal de respeito, Absalão es-
ção. Por meio desse ato, que marcou
tendia a mão, abraçava-o e beijava-o”
o auge da hipocrisia de Absalão, ele
(2Sm 15:5). planejava não somente cegar o rei,
mas conquistar de uma vez por
A Rebelião Aumenta todas a confiança do povo. Dessa
às Escondidas maneira, ele os levaria a se rebelar
Despertado e estimulado pelo contra o rei escolhido por Deus.
492 Os Escolhidos
Absalão partiu para Hebrom com de distância. Os rebeldes logo che-
“duzentos homens de Jerusalém. gariam às portas de Jerusalém.
Eles tinham sido convidados e nada Davi tremeu ao pensar em expor
sabiam nem suspeitavam do que sua capital à matança e à destrui-
estava acontecendo” (2Sm 15:11). ção. Será que deveria permitir que
Esses homens o acompanharam, Jerusalém fosse inundada com
sem imaginar que o amor deles pelo sangue? Davi tomou uma decisão.
filho os levaria a se rebelar contra o Deixaria Jerusalém e, assim, testaria
pai. Em Hebrom, Absalão chamou seu povo, dando-lhes a oportunidade
Aitofel, famoso por sua sabedoria. de acompanhá-lo ao demonstrar seu
O apoio de Aitofel fez com que a apoio. Davi tinha o dever diante de
causa de Absalão parecesse ter su- Deus e do povo de manter a autori-
cesso garantido, atraindo muitos dade que o Céu lhe tinha dado.
homens influentes para o seu lado. Davi saiu de Jerusalém humi-
Assim que a trombeta da revolta lhado e cheio de pesar. O povo o se-
soou, os espiões a serviço do prín- guiu em uma comitiva longa e triste,
cipe espalharam por todo o país a como a de um funeral. A guarda
notícia de que Absalão era rei, e mui- pessoal de Davi, composta pelos
tos dentre o povo se uniram a ele. queretitas, peletitas e giteus, acom-
panhou o rei, sob o comando de Itai.
Finalmente Davi Toma Altruísta como era, Davi não podia
uma Atitude permitir que esses estrangeiros par-
A notícia alarmante chegou a ticipassem de sua tragédia. Então
Jerusalém. De repente, Davi per- o rei disse a Itai: “Por que você está
cebeu que uma rebelião explodia indo conosco? [...] Você é estran-
bem ao lado de seu trono. O próprio geiro, um exilado. [...] Faz pouco
filho planejava não apenas roubar a tempo que você chegou. Como eu
coroa dele, mas certamente lhe tirar poderia fazê-lo acompanhar-me?
a vida. Davi corria grande perigo. Volte e leve consigo os seus irmãos.
Assim, deixou de lado a depressão Que o Senhor o trate com bondade
que o tinha derrubado por tanto e fidelidade!” (2Sm 15:19, 20)
tempo e se preparou para enfrentar Itai respondeu: “Juro pelo nome
essa terrível emergência. Absalão do Senhor e por tua vida que onde
estava a apenas trinta quilômetros quer que o rei, meu senhor, esteja,
A Rebelião de Absalão 493

ali estará o seu servo, para viver ou e nem sacerdote nem rei tinha o di-
para morrer!” (2Sm 15:21). Esses reito de retirar da cidade o símbolo
homens tinham se convertido do da Sua presença. Além disso, Davi
paganismo, e agora provaram no- tinha constantemente diante de si
bremente sua lealdade a Deus e ao seu grande pecado. Ele não tinha o
rei. Davi aceitou a dedicação deles direito de retirar da capital da nação
à sua causa aparentemente per- os estatutos sagrados que repre-
dida, e todos atravessaram o vale sentavam a vontade de seu divino
de Cedrom, em direção ao deserto. Soberano, o fundamento da nação
e a razão de sua prosperidade.
Alguns Permanecem Fiéis Davi ordenou a Zadoque: “Leve a
a Davi arca de Deus de volta para a cidade.
A comitiva parou outra vez. Se o Senhor mostrar benevolência
“Zadoque também estava lá, e a mim, Ele me trará de volta e me
com ele todos os levitas que carre- deixará ver a arca e o lugar onde ela
gavam a arca da aliança de Deus” deve permanecer. Mas, se Ele disser
(2Sm 15:24). Para as pessoas que es- que já não sou do Seu agrado, aqui
tavam com Davi, a presença daquele estou! Faça Ele comigo a Sua von-
símbolo sagrado era uma garantia tade” (2Sm 15:25, 26).
de livramento e vitória. Os seguido-
res de Absalão ficariam aterroriza- A Oração de Davi
dos quando soubessem que a arca À medida que os sacerdotes vol-
não estava mais em Jerusalém. tavam para Jerusalém, uma sen-
Por um breve momento, a ale- sação terrível tomou conta das
gria e a esperança fizeram vibrar o pessoas que acompanhavam Davi.
coração de Davi ao avistar a arca. Seu rei era um fugitivo, eles mesmos
No entanto, logo vieram outros tinham sido desterrados e abando-
pensamentos. A glória de Deus e o nados até mesmo pela arca de Deus.
bem de seu povo deveriam ocupar O futuro estava cheio de trevas!
o primeiro lugar em sua mente, pois “Davi, porém, continuou subindo o
ele era o homem escolhido para go- monte das Oliveiras, caminhando
vernar a herança de Deus. Sobre e chorando, com a cabeça coberta
Jerusalém Deus disse: “Este será o e os pés descalços. E todos os que
Meu lugar de descanso” (Sl 132:14), iam com ele também tinham a
494 Os Escolhidos
cabeça coberta e subiam chorando” uma paisagem devastada, repleta
(2Sm 15:30). “Informaram a Davi de pedras e solitária, em direção ao
que Aitofel era um dos conspiradores rio Jordão. “Chegando o rei Davi a
que apoiavam Absalão” (2Sm 15:31). Baurim, um homem do clã da famí-
Mais uma vez, Davi foi forçado a re- lia de Saul chamado Simei, filho de
conhecer os resultados de seu pró- Gera [...] atirava pedras em Davi e
prio pecado. Aitofel, o líder político em todos os conselheiros do rei. [...]
mais talentoso, renunciou sua posi- Enquanto amaldiçoava, Simei dizia:
ção para vingar-se do erro cometido ‘Saia daqui, saia daqui! Assassino!
contra sua neta, Bate-Seba. Bandido! O Senhor retribuiu a você
“Davi orou: ‘Ó Senhor, trans- todo o sangue derramado na famí-
forma em loucura os conselhos de lia de Saul, em cujo lugar você rei-
Aitofel’” (2Sm 15:31). Ao chegar ao nou. O Senhor entregou o reino nas
topo do monte, o rei se curvou em mãos de seu filho Absalão. Você está
oração, entregando a Deus o fardo arruinado porque é um assassino!”
que carregava em seu coração e su- (2Sm 16:5-8)
plicando humildemente a miseri- Enquanto Davi prosperou, Simei
córdia divina. não demonstrou sua deslealdade. Ele
Nesse momento, o arquita tinha honrado Davi em seu trono,
Husai, um conselheiro sábio e capaz mas agora o amaldiçoava em sua hu-
e amigo fiel de Davi, chegou para milhação. Inspirado por Satanás, ele
partilhar da sorte do rei fugitivo e descarregou sua raiva sobre aquele a
destronado. Como que por uma ins- quem Deus tinha punido.
piração divina, Davi viu que Husai Davi não era culpado de fazer
era o homem que ele precisava para mal algum a Saul nem a qualquer
servir aos seus interesses nos con- pessoa de sua família. Ele passou
selhos da capital. A pedido de Davi, boa parte de sua vida em meio a
Husai voltou a Jerusalém para ofe- cenas de violência; mas, de todos os
recer seus serviços a Absalão e frus- que passaram por essa prova, pou-
trar os conselhos astutos de Aitofel. cos foram capazes de conservar em
Com esse raio de luz em meio grande medida a sensibilidade e a
às trevas, o rei e seus seguidores moral como Davi.
continuaram a descer a face leste Abisai, sobrinho de Davi, não
do monte das Oliveiras, em meio a suportou ouvir com paciência os
A Rebelião de Absalão 495

insultos de Simei. Ele disse: “Por que construir a casa de Deus. Será que o
esse cão morto amaldiçoa o rei, meu resultado de anos de dedicação e es-
senhor? Permite que eu lhe corte a forço passaria para as mãos de seu
cabeça” (2Sm 15:9). Mas o rei não filho imprudente e traidor?
lhe deu permissão. “Meu filho [...] Ele percebeu que o motivo de sua
procura matar-me. Quanto mais aflição era seu próprio pecado. Mas
este benjamita! Deixem-no em paz! o Senhor não abandonou Davi. Ele
Que amaldiçoe, pois foi o Senhor demonstrou ser humilde, altruísta,
que mandou fazer isso. Talvez o generoso e submisso mesmo em
Senhor considere a minha aflição e meio a injustiças e insultos cruéis.
me retribua com o bem a maldição Nunca o governante de Israel foi
que hoje recebo” (2Sm 15:11, 12). mais verdadeiramente grande aos
olhos do Céu do que nessa hora de
Davi Percebe o Resultado de sua mais profunda humilhação.
seu Pecado Por meio dessa experiência que
Os súditos fiéis do rei Davi se o Senhor fez Davi passar, Ele mos-
surpreenderam com a súbita mu- tra que não tolera nem justifica o pe-
dança de sua condição, mas isso cado. A história de Davi nos ajuda a
não era mistério algum para ele. enxergar de que maneira o Senhor
Ele pressentiu por diversas vezes coloca em prática Seu plano de mi-
uma crise como essa. Admirou-se sericórdia, mesmo através das mais
pelo fato de Deus ter tolerado seus sombrias punições. Ele castigou
pecados por tanto tempo. Naquele Davi, mas não o destruiu. A fornalha
momento, em sua fuga triste e ines- é para purificar, não para consumir.
perada, pensava na capital amada,
o lugar que tinha sido o cenário de Deus não Dá Sabedoria para
seu pecado. Ao recordar a paciência Absalão
de Deus, sentiu que o Senhor ainda Logo depois que Davi saiu de
o trataria com misericórdia. Jerusalém, Absalão e seu exército
Davi tinha confessado seu pe- ocuparam a fortaleza de Israel.
cado e tentado cumprir seu dever Husai estava entre os primeiros a
como um fiel servo de Deus. Ele saudar o rei recém-coroado, e o prín-
havia se dedicado para construir cipe ficou satisfeito em ver que o ex-
seu reino. Arrecadara material para amigo e conselheiro de seu pai tinha
496 Os Escolhidos
se juntado a ele. Absalão estava con- maligno. Assim se cumpriu a palavra
fiante no sucesso. Ansioso por garan- de Deus a Davi, dada pelo profeta: “De
tir a confiança da nação, recebeu de sua própria família trarei desgraça
bom grado Husai em sua corte. sobre você. Tomarei as suas mulhe-
Absalão tinha ao seu lado um res diante dos seus próprios olhos e
grande exército, mas a maioria dos as darei a outro. [...] Você fez isso às
soldados eram homens destrei- escondidas, mas Eu o farei diante de
nados para a guerra. Aitofel sabia todo o Israel, em plena luz do dia”
muito bem que grande parte da (2Sm 12:11, 12). Não que Deus tivesse
nação ainda era fiel a Davi e que provocado esses atos, mas Ele não
ele estava cercado de soldados ex- exerceu Seu poder para impedi-los.
perientes, comandados por gene- Aitofel não tinha qualquer ilu-
rais capazes e habilidosos. Aitofel minação divina, caso contrário, não
também sabia que, depois daquela teria usado o crime de incesto para
grande demonstração de entu- garantir o sucesso de sua traição.
siasmo em favor do novo rei, eles Pessoas de coração corrupto tra-
enfrentariam resistência. Se a rebe- mam a maldade como se não exis-
lião fracassasse, Absalão e seu pai tisse uma Providência suprema
talvez fizessem as pazes. Aitofel, para frustrar seus planos.
como conselheiro principal, seria Garantida a sua segurança,
considerado o mais culpado; e so- Aitofel sugeriu: “Permite-me esco-
freria os piores castigos. lher doze mil homens, e partirei
Para garantir que Absalão não esta noite em perseguição a Davi.
desistisse da rebelião, Aitofel mon- Eu o atacarei enquanto ele está
tou um plano que faria com que a exausto e fraco; vou causar-lhe pâ-
reconciliação com Davi fosse impos- nico, e seu exército fugirá. Depois
sível. Com astúcia diabólica, esse po- matarei somente o rei, e trarei todo
lítico sem escrúpulos insistiu que o exército de volta a ti” (2Sm 17:1-3).
Absalão acrescentasse o crime de in- Se esse plano tivesse se concreti-
cesto ao de rebelião. Diante de toda zado, Davi com certeza teria sido
a nação, ele deveria tomar para si as morto. No entanto, “o Senhor tinha
concubinas de seu pai, declarando decidido frustrar o eficiente conse-
assim que tinha tomado o trono de lho de Aitofel, a fim de trazer ruína
seu pai. Absalão seguiu esse conselho sobre Absalão” (2Sm 17:14).
A Rebelião de Absalão 497

Husai não foi chamado para o Israel, desde Dã até Berseba, tan-
conselho. Entretanto, depois que tos como a areia da praia, e que tu
o grupo se dispersou, Absalão lhe mesmo os conduzas na batalha.
apresentou os planos de Aitofel, Então o atacaremos onde quer que
pois tinha grande consideração pela ele se encontre, e cairemos sobre ele
opinião do conselheiro de seu pai. como o orvalho cai sobre a terra. Ele
Husai viu que Davi estaria per- e todos os seus homens não escapa-
dido se o plano fosse executado. rão. Se ele se refugiar em alguma
Então disse: “O conselho que cidade, todo o Israel levará cordas
Aitofel deu desta vez não é bom. para lá, e arrastaremos aquela ci-
Sabes que o teu pai e os homens que dade para o vale, até que não reste
estão com ele são guerreiros e estão ali sequer uma pequena pedra”
furiosos como uma ursa selvagem (2Sm 17:11-13).
da qual roubaram os filhotes. Além “Absalão e todos os homens de
disso, teu pai é um soldado expe- Israel consideraram o conselho de
riente e não passará a noite com o Husai, o arquita, melhor do que o
exército. Ele, agora, já deve estar es- de Aitofel” (2Sm 17:14).
condido numa caverna ou nalgum Uma pessoa, porém, percebeu
outro lugar” (2Sm 17:7-9). Se as tro- com clareza o resultado desse erro
pas de Absalão perseguissem Davi, fatal de Absalão. Aitofel sabia que
não capturariam o rei; e se eles so- a causa dos rebeldes estava perdida.
fressem um contra-ataque, ficariam Sabia que, qualquer que fosse a
desanimados e isso prejudicaria sorte do príncipe, não haveria espe-
muito a causa de Absalão. Ele disse: rança para o conselheiro que havia
“Pois todo o Israel sabe que teu pai arquitetado seus maiores crimes.
é um guerreiro valente e que seus Aitofel tinha encorajado Absalão
soldados são corajosos” (2Sm 17:10). na rebelião; o havia aconselhado
a praticar as maldades mais abo-
Husai Sugere um Plano mináveis, para a desonra de seu
Alternativo pai; tinha sugerido um plano para
Husai sugeriu um plano que ape- matar Davi; acabado com a última
lava para a vaidade e o egoísmo: “Por possibilidade de ele fazer as pazes
isso, dou o seguinte conselho: que com o rei e, agora, Absalão estava
se reúnam a ti todos os homens de confiando mais numa outra pessoa
498 Os Escolhidos
do que nele. Com ciúmes, com do Seu santo monte Ele me
raiva e desesperado, Aitofel “foi responde.
para casa [...] e depois se enforcou” Eu me deito e durmo, e torno a acor-
(2Sm 17:23). Esse foi o resultado da dar, porque é o Senhor que me
sabedoria de alguém que não fez de sustém.
Deus seu conselheiro. Não me assustam os milhares que
Husai não perdeu tempo em avi- me cercam” (Sl 3:1-6).
sar Davi para fugir depressa para
além do Jordão: “Não passe a noite Na escuridão da noite, Davi e
nos pontos de travessia do Jordão, todo o seu grupo atravessaram o
no deserto, mas atravesse logo o rio profundo e agitado. “Quando
rio, senão o rei e todo o seu exército
o sol nasceu, todos tinham atraves-
serão exterminados” (2Sm 17:16). sado o Jordão” (2Sm 17:22).
Davi, desgastado pelo cansaço Davi e suas tropas recuaram para
e pela tristeza depois do primeiro Maanaim, que tinha sido a sede real
dia de fuga, recebeu a mensagem de de Is-Bosete. Essa era uma cidade
que teria que atravessar o Jordão muito fortificada, localizada nas
naquela noite, pois seu filho buscava
montanhas, ideal para servir de re-
tirar-lhe a vida. Quais eram os sen-
fúgio em períodos de guerra. O ter-
timentos do pai e rei naquele mo- ritório tinha fartura de alimento e
mento terrível e perigoso? Na hora as pessoas eram amáveis com Davi.
de sua mais escura aflição, o cora- Absalão, o príncipe imprudente
ção de Davi se firmou em Deus; e e impulsivo, logo saiu em persegui-
ele cantou: ção ao pai. Seu exército era grande,
mas indisciplinado e despreparado
“Senhor, muitos são os meus para competir com os soldados de
adversários! seu pai, experientes na guerra.
Muitos se rebelam contra mim! Davi dividiu suas tropas em três
São muitos os que dizem a meu res- batalhões, sob o comando de Joabe,
peito: ‘Deus nunca o salvará!’ Abisai e Itai.
Mas Tu, Senhor, és o escudo que me
protege; és a minha glória e me A Batalha que Frustrou
fazes andar de cabeça erguida. a Rebelião
Ao Senhor clamo em alta voz, e As longas fileiras do exército de
A Rebelião de Absalão 499

Absalão podiam ser completamente Vendo que a batalha estava per-


vistas dos muros de Maanaim. O re- dida, Absalão tentou fugir, mas sua
belde estava acompanhado de um cabeça ficou presa entre os galhos
grande exército. Em comparação de uma grande árvore. A mula que
com o dele, o exército de Davi pare- montava foi embora, deixando-o
cia apenas um punhado. À medida pendurado, uma presa indefesa
que os soldados saíam pelos portais para seus inimigos. Um soldado en-
da cidade, Davi animava seus solda- controu Absalão, mas lhe poupou a
dos fiéis, insistindo que confiassem vida. Entretanto, contou a Joabe o
que o Deus de Israel daria a vitória que tinha visto.
a eles. Mesmo assim, quando Joabe Joabe não teve dúvida. Ele tinha
passou por Davi, liderando o pri- ajudado Absalão, intermediando
meiro grupo, esse vencedor de cen- por duas vezes a reconciliação entre
tenas de batalhas inclinou a cabeça ele e seu pai, e sua confiança havia
para ouvir a última mensagem do sido traída. Se Joabe não tivesse se
rei: “Por amor a mim, tratem bem o dedicado para beneficiar Absalão,
jovem Absalão!” (2Sm 18:5). Abisai e essa rebelião jamais teria aconte-
Itai receberam a mesma instrução. O cido. “Então pegou três dardos e
pedido do rei aumentou ainda mais com eles traspassou o coração de
a raiva dos soldados contra o filho Absalão” (2Sm 18:14). “Retiraram o
desnaturado, porque dava a entender corpo de Absalão, jogaram-no num
que Absalão era mais querido ao rei grande fosso na floresta e fizeram
do que os súditos fiéis ao seu trono. um grande monte de pedras sobre
O local da batalha era uma flo- ele” (2Sm 18:17).
resta perto do Jordão. Por entre
os matagais e pântanos da flo- O Juízo de Deus na Rebelião
resta, o grande número das tro- Assim morreram os que le-
pas indisciplinadas do exército de varam Israel a se rebelar. Aitofel
Absalão ficou confuso e incontro- morreu pelas próprias mãos. O
lável. Então “o exército de Israel foi príncipe Absalão, cuja beleza
derrotado pelos soldados de Davi. tinha sido motivo de orgulho para
Houve grande matança naquele dia, Israel, foi morto ainda jovem; seu
elevando-se o número de mortos a corpo jogado em um fosso e co-
vinte mil” (2Sm 18:7). berto por um grande monte de
500 Os Escolhidos
pedras, representando sua vergo- que ficava por cima da porta se
nha eterna. ouvia o choro sentido: “Ah, meu
Com a morte do líder da rebe- filho Absalão! Meu filho, meu filho
lião, Joabe mandou dois mensa- Absalão! Quem me dera ter mor-
geiros levarem imediatamente a rido em seu lugar! Ah, Absalão, meu
notícia ao rei. filho, meu filho!” (2Sm 18:33).
O segundo mensageiro anun- Joabe ficou furioso. Deus lhes
ciou: “Ó rei, meu senhor, ouve a boa tinha dado grande motivo de
notícia! Hoje o Senhor te livrou de triunfo e alegria. A maior rebe-
todos os que se levantaram contra ti” lião de que já se tinha ouvido falar
(2Sm 18:31). Dos lábios do pai, veio em Israel havia sido reprimida.
a pergunta: “O jovem Absalão está Contudo, essa grande vitória se
bem?” (2Sm 18:32). Sentindo-se inca- transformou em luto por Absalão,
paz de esconder a má notícia, o men- cujo crime custou o sangue de mi-
sageiro respondeu: “Que os inimigos lhares de homens corajosos. O capi-
do rei, meu senhor, e todos os que se tão rude e franco abriu caminho até
levantam para te fazer mal acabem a presença do rei e disse com ousa-
como aquele jovem!” (2Sm 12:32) dia: “Hoje humilhaste todos os teus
Davi não perguntou mais nada, mas soldados, os quais salvaram a tua
com a cabeça baixa “subiu ao quarto vida, bem como a de teus filhos e
que ficava por cima da porta e cho- filhas. [...] Amas os que te odeiam
rou. Foi subindo e clamando: ‘A h, e odeias os que te amam. Hoje dei-
meu filho Absalão! Meu filho, meu xaste claro que os comandantes e os
filho Absalão! Quem me dera ter seus soldados nada significam para
morrido em seu lugar! Ah, Absalão, ti. Vejo que ficarias satisfeito se,
meu filho, meu filho!’” (2Sm 18:33). hoje, Absalão estivesse vivo e todos
O exército vencedor se apro- nós, mortos. Agora, vai e encoraja
ximou da cidade com seus gritos teus soldados! Juro pelo Senhor
de triunfo ecoando nas campinas. que, se não fores, nem um só deles
Quando entraram pela porta da ci- permanecerá contigo esta noite, o
dade, pararam de gritar e as ban- que para ti seria pior do que todas
deiras caíram de suas mãos, porque as desgraças que já te aconteceram
o rei não estava esperando para desde a tua juventude” (2Sm 19:5-7).
lhes dar as boas-vindas. Do quarto Apesar de a repreensão ter sido
A Rebelião de Absalão 501

áspera e cruel, Davi não ficou res- elogios, cumprimentou os bravos


sentido. Viu que o general tinha soldados enquanto marchavam pe-
razão. Desceu até a porta e, com rante ele.
73
Homem Segundo o
*
Coração de Deus
A derrota de Absalão não
trouxe paz imediata.
Grande parte da nação se uniu na
de Israel por meio das lições de hu-
mildade da vida de pastor, do traba-
lho paciente e o carinhoso cuidado
revolta, por isso Davi decidiu não pelos rebanhos; por meio das cenas
voltar à capital e assumir nova- da natureza na solidão das campi-
mente a realeza sem ser convidado nas, que dirigiam seus pensamen-
pelo povo. Nenhuma atitude ime- tos ao Criador; e da disciplina de sua
diata e concreta foi tomada para vida no deserto. Mesmo assim, o su-
chamar o rei de volta. Quando, fi- cesso e as honras do mundo enfra-
nalmente, a tribo de Judá estava queceram tanto o caráter de Davi
prestes a trazer Davi de volta, as que ele foi vencido pelo tentador.
outras tribos ficaram enciumadas.
Uma contrarrevolta se seguiu, mas Davi e o Pecado do Orgulho
foi logo contida, e a paz voltou a rei- As relações com os povos pagãos
nar em Israel. levaram Davi a desejar seguir seus
No poder, nas riquezas e nas costumes e despertaram nele a am-
honras mundanas existem perigos bição por grandeza mundana. Davi
que ameaçam o coração. Deus pla- decidiu aumentar seu exército a fim
nejou que os primeiros anos da vida de expandir seu território, exigindo
de Davi o preparassem para o trono que todos os que tinham idade
* Este capítulo é baseado em 2 Samuel 24; 1 Reis 1; 1 Crônicas 21; 28; 29.
Homem Segundo o Coração de Deus 503

própria servissem na força militar. que Joabe partiu, percorreu todo o


Para que isso acontecesse, ele pre- Israel e então voltou a Jerusalém”
cisava fazer um recenseamento da (1Cr 21:3, 4).
população. Essa atitude foi gerada Davi foi convencido de seu pe-
pelo orgulho e pela ambição. Os nú- cado. Condenando a si próprio,
meros revelariam o contraste entre “disse a Deus: ‘Pequei gravemente
a fraqueza do reino quando Davi com o que fiz. Agora eu Te imploro
subiu ao trono e sua força e pros- que perdoes o pecado do Teu servo,
peridade sob seu governo. A Bíblia porque cometi uma grande loucura!’”
diz: “Satanás levantou-se contra (1Cr 21:8).
Israel e levou Davi a fazer um re- Na manhã seguinte, o profeta
censeamento do povo” (1Cr 21:1). Gade trouxe a mensagem: “Assim
A prosperidade de Israel sob o go- diz o Senhor: ‘Escolha entre três
verno de Davi era fruto da bênção anos de fome, três meses fugindo
de Deus. O aumento dos recursos de seus adversários, perseguido
militares do reino daria a entender pela espada deles, ou três dias da
às nações vizinhas que a confiança espada do Senhor, isto é, três dias
de Israel estava em seus exércitos, de praga, com o anjo do Senhor as-
não em Jeová. solando todas as regiões de Israel’”
O povo de Israel não aprovou o (1Cr 21:11, 12).
plano de Davi de aumentar o ser-
viço militar. O recenseamento Davi Escolhe o Castigo
proposto causou muito desconten- do Senhor
tamento; por isso, oficiais militares A resposta do rei foi: “É grande
substituíram os sacerdotes e juí- a minha angústia! Prefiro cair nas
zes que tinham sido os responsá- mãos do Senhor, pois é grande a Sua
veis por realizar o recenseamento misericórdia, a cair nas mãos dos
no passado. homens” (1Cr 21:13).
O propósito era totalmente con- A terra foi atacada por uma
trário aos princípios da teocracia. peste que destruiu setenta mil pes-
Até Joabe protestou: “‘Por que o meu soas em Israel. “Davi olhou para
senhor deseja fazer isso? Por que de- cima e viu o anjo do Senhor entre
veria trazer culpa sobre Israel?’ Mas o céu e a terra, com uma espada
a palavra do rei prevaleceu, de modo na mão, erguida sobre Jerusalém”
504 Os Escolhidos
(1Cr 21:16). O rei suplicou a Deus mais tarde, foi escolhido como o
em favor de Israel: “Não fui eu que local do templo.
ordenei contar o povo? Fui eu que Davi tinha completado setenta
pequei e fiz o mal. Estes não pas- anos de idade. As dificuldades e si-
sam de ovelhas. O que eles fizeram? tuações perigosas de suas primeiras
Ó Senhor meu Deus, que o Teu cas- andanças, suas muitas guerras e as
tigo caia sobre mim e sobre a minha aflições dos últimos anos tinham
família, mas não sobre o Teu povo!” esgotado a fonte da vida. A fraqueza
(1Cr 21:17). e a idade, somadas ao desejo de ficar
O povo tinha nutrido os mes- sozinho, impediram o rei de enxer-
mos pecados que deram origem à gar de imediato o que estava acon-
ação de Davi. Assim como o Senhor tecendo no reino, e, de novo, uma
castigou Davi por meio do pecado rebelião surgiu à sombra do trono.
de Absalão, Ele puniu os pecados de Quem desejava o trono desta vez
Israel por meio do erro de Davi. era Adonias, que “tinha boa aparên-
O anjo destruidor se colocou cia” (1Rs 1:6), mas era imprudente
em pé no monte Moriá, “na eira e sem princípios. Quando jovem,
de Araúna, o jebuseu” (1Cr 21:18). “seu pai nunca o havia contrariado;
Instruído pelo profeta, Davi foi até nunca lhe perguntava: ‘Por que você
a montanha e “edificou ali um altar age assim?’” (1Rs 1:6). Tendo sido
ao Senhor e ofereceu holocaustos criado com poucos limites, ele agora
e sacrifícios de comunhão. Davi se rebelava contra a autoridade de
invocou o Senhor, e o Senhor lhe Deus, que tinha indicado Salomão
respondeu com fogo que veio do para o trono.
céu sobre o altar de holocaustos” Salomão era mais qualificado
(1Cr 21:26). “Então o Senhor aceitou que seu irmão mais velho. Apesar
as súplicas em favor da terra e ter- da escolha de Deus ter sido clara-
minou a praga que destruía Israel” mente indicada, Adonias não teve
(2Sm 24:25). dificuldade em encontrar simpati-
O lugar em que o altar foi cons- zantes. Joabe, que tinha sido leal ao
truído ficou conhecido dali por trono até aquele momento, agora se
diante como terra sagrada. Era o uniu à conspiração contra Salomão;
lugar onde Abraão tinha construído e assim também fez Abiatar, o
um altar para oferecer seu filho; e, sacerdote.
Homem Segundo o Coração de Deus 505

A rebelião estava formada. Os grande quantidade de materiais


conspiradores tinham se reunido caros – ouro, prata, pedras de ônix,
numa grande festa para proclamar pedras de várias cores, mármore e
Adonias rei, quando seus planos madeiras preciosas. Outras mãos,
foram frustrados pela ação ime- porém, construiriam o templo –
diata do sacerdote Zadoque, do pro- um lar para a arca, que é o símbolo
feta Natã e de Bate-Seba, a mãe de da presença de Deus.
Salomão. Eles contaram ao rei o que O rei sabia que logo morreria e
estava acontecendo, lembrando-o chamou representantes de todas as
de que Deus tinha dito que Salomão partes do reino para assumirem essa
deveria ser o próximo a assumir o missão. Por causa de sua fraqueza
trono. Davi logo abdicou em favor física, ninguém esperava que ele
de Salomão, que foi ungido e pro- transferisse essa responsabilidade
clamado rei imediatamente. Assim, pessoalmente. Inspirado por Deus,
a conspiração foi reprimida. ele foi capaz de falar ao povo pela
A vida de Abiatar foi poupada última vez com entusiasmo e poder.
por respeito ao seu cargo e antiga Contou a eles sobre o seu desejo de
lealdade a Davi, mas ele foi rebai- construir o templo e da ordem do
xado do cargo de sumo sacerdote, Senhor para que essa obra fosse
que passou à família de Zadoque. confiada ao seu filho Salomão. Davi
Joabe e Adonias foram poupados disse: “Por isso, agora declaro-lhes
por um tempo; mas, depois da morte perante todo o Israel e a assembleia
de Davi, eles sofreram a pena por seu do Senhor, e diante dos ouvidos de
crime. A execução de Adonias com- nosso Deus: Tenham o cuidado de
pletou o castigo quadruplicado, de- obedecer a todos os mandamen-
monstrando a aversão de Deus pelo tos do Senhor, o seu Deus, para que
pecado de seu pai, Davi. mantenham a posse dessa boa terra
e a deem por herança aos seus des-
Davi Arrecada Dinheiro cendentes para sempre” (1Cr 28:8).
e Material para o Templo Davi ficou muito preocupado
Desde o início do reinado de de que os líderes de Israel fossem
Davi, um de seus maiores desejos fiéis a Deus e que Salomão obede-
tinha sido construir um templo para cesse à lei divina, desviando-se dos
o Senhor. Desde então, providenciou pecados que tinham enfraquecido
506 Os Escolhidos
a autoridade de seu pai, amargu- Ele acrescentou ainda uma lista
rado sua vida e desonrado a Deus. dos materiais que recolheu. “Agora,
Virando-se para o filho já reconhe- quem hoje está disposto a ofertar
cido como seu sucessor, Davi disse: dádivas ao Senhor?” (1Cr 29:5), ele
“Meu filho Salomão, reconheça o perguntou para a multidão reunida
Deus de seu pai, e sirva-O de todo que tinha trazido ofertas generosas.
o coração e espontaneamente, A congregação respondeu pron-
pois o Senhor sonda todos os cora- tamente. “O povo alegrou-se, [...]
ções e conhece a motivação dos pen- pois fizeram essas ofertas volun-
samentos [...]. Veja que o Senhor o tariamente e de coração íntegro ao
escolheu para construir um templo Senhor. E o rei Davi também en-
que sirva de santuário” (1Cr 28:9, 10). cheu-se de alegria” (1Cr 29:9).
Davi deu instruções detalhadas “Davi louvou o Senhor na pre-
a Salomão para a construção do sença de toda a assembleia, dizendo:
templo. Salomão ainda era jovem ‘Bendito sejas, ó Senhor, Deus de
e ficou com medo das pesadas res- Israel, nosso pai, de eternidade a
ponsabilidades que envolviam a eternidade. [...] Agora, nosso Deus,
construção do templo e de governar damos-Te graças, e louvamos o Teu
o povo de Deus. Disse Davi: “Seja glorioso nome. Mas quem sou eu,
forte e corajoso! Mãos ao trabalho! e quem é o meu povo para que pu-
Não tenha medo nem desanime, déssemos contribuir tão generosa-
pois Deus, o Senhor, o meu Deus, mente como fizemos? Tudo vem de
está com você. Ele não o deixará Ti, e nós apenas Te demos o que vem
nem o abandonará” (1Cr 28:20). das Tuas mãos. [...] Dá ao meu filho
Ainda outra vez, Davi apelou Salomão um coração íntegro para
para a congregação: “Deus escolheu obedecer aos Teus mandamentos,
meu filho Salomão, e mais ninguém. aos Teus preceitos e aos Teus decre-
Mas ele é jovem e inexperiente e a tos, a fim de construir este templo
tarefa é grande, pois o palácio não para o qual fiz os preparativos ne-
será feito para homens, mas para cessários’” (1Cr 29:10-19).
o Senhor, o nosso Deus” (1Cr 29:1).
Ele disse: “Forneci grande quanti- Sem Desculpa para o Pecado
dade de recursos para o trabalho Com o mais profundo interesse,
do templo do meu Deus” (1Cr 29:2). o rei havia arrecadado material
Homem Segundo o Coração de Deus 507

precioso para construir e embe- aos Seus decretos, aos Seus manda-
lezar o templo. Tinha composto mentos, às Suas ordenanças e aos
hinos majestosos que no futuro Seus testemunhos’” (1Rs 2:1-3). Ele
ecoariam pelos pátios da casa de disse: “Assim você prosperará em
Deus. O coração de Davi se alegrava tudo o que fizer e por onde quer que
no Senhor. Os chefes dentre os pais for, e o Senhor manterá a promessa
e os príncipes de Israel ofertaram que me fez: ‘Se os seus descendentes
ainda mais, tirando dos seus bens cuidarem de sua conduta, e se Me
e levando à tesouraria do rei. Foi seguirem fielmente de todo o cora-
Deus que motivou o povo a ser ge- ção e de toda a alma, você jamais fi-
neroso. Apenas Ele deve ser glorifi- cará sem descendente no trono de
cado, e não o homem. Se o Seu amor Israel’” (1Rs 2:3, 4).
não tivesse atuado no coração das A queda de Davi foi grande,
pessoas, o templo jamais teria sido mas seu arrependimento foi pro-
construído. fundo, seu amor foi verdadeiro
Quando Davi sentiu a morte se e sua fé, forte. Os salmos de Davi
aproximar, seu coração ainda estava vão desde as profundezas da culpa
muito preocupado com Salomão e e condenação própria até a mais
Israel, porque a prosperidade do exaltada comunhão com Deus.
reino dependia muito da integri- O registro de sua vida declara que o
dade e lealdade do rei para com pecado apenas traz vergonha e tris-
Deus. “Davi deu instruções ao seu teza, mas o amor e a misericórdia
filho Salomão: ‘Estou para seguir o de Deus podem alcançar as maio-
caminho de toda a terra. Por isso, res profundezas.
seja forte e seja homem. Obedeça A fé erguerá o coração arrepen-
ao que o Senhor, o seu Deus, exige: dido para participar das bênçãos de
ande nos Seus caminhos e obedeça ser um filho ou filha de Deus!
Apêndice
Nota 1, página 169: Uma das dificultou a guarda do sábado. Da
principais razões por que o Senhor li- mesma forma, o livramento que re-
bertou Israel da escravidão no Egito foi ceberam da escravidão deveria des-
para que eles pudessem guardar Seu pertar para sempre em seu coração
santo sábado. Os egípcios não permi- a compaixão pelos pobres e oprimi-
tiam que os escravos hebreus tivessem dos, órfãos e viúvas: “Lembrem-se
liberdade religiosa. Assim, o Senhor de que vocês foram escravos no
“fez o Seu povo sair [...] para que obe- Egito [...]; por isso lhes ordeno que
decessem aos Seus decretos e guar- façam tudo isso” (Dt 24:18).
dassem as Suas leis” (Sl 105:43-45).
Evidentemente, Moisés e Arão res- Nota 2, página 178: As pragas
gataram o ensino a respeito da que o Senhor enviou sobre o Egito
santidade do sábado, porque Faraó re- humilharam os deuses pagãos e me-
clamou: “Vocês ainda os fazem parar nosprezaram a adoração de ídolos.
de trabalhar!” (Êx 5:5). Isso indica que Os egípcios reverenciavam o rio
Moisés e Arão começaram uma re- Nilo e ofereciam sacrifícios a ele
forma do sábado ainda no Egito. como se fosse um deus. A primeira
O Senhor disse aos israelitas praga foi lançada diretamente con-
que, ao guardarem o dia de sábado, tra ele (Êx 7:19).
eles deveriam lembrar que foram es- A segunda praga trouxe rãs
cravos “no Egito e que o Senhor, o (Êx 8:6). Heket, uma das divindades
teu Deus, te tirou de lá com mão po- egípcias, era uma deusa com cabeça
derosa e com braço forte. Por isso o de rã. As rãs eram consideradas sa-
Senhor, o teu Deus, te ordenou que gradas. O touro Ápis era dedicado
guardes o dia de sábado” (Dt 5:15). a Ptah; a vaca era sagrada a Hator;
A guarda do sábado não deveria e o carneiro representava Khnum e
ser uma comemoração de sua escra- Amon. A doença que atacou o gado
vidão no Egito. A observância desse e os animais dos egípcios afligiu os
dia em memória da criação incluía animais por eles considerados sa-
a alegre lembrança do livramento grados (Êx 9:3).
da opressão religiosa no Egito, que A nona praga atingiu um de
Apêndice 509

seus maiores deuses, o deus-sol Rá escreveria Sua lei no coração do


(Êx 10:21). A décima praga povo (ver Jr 31:31, 34) para que a
(Êx 12:29) foi dirigida contra o deus obediência fosse para eles motivo
Faraó, que se julgava a encarnação de alegria.
de Hórus, o filho de Osíris.
Nota 5, página 234: Existiam
Nota 3, página 209: Na ocasião duas maneiras pelas quais o pecado
em que os israelitas adoraram o be- (ou o registro do perdão) era trans-
zerro de ouro, eles diziam estar ado- ferido do pecador para o santuário:
rando a Deus, mas era como o culto por meio de uma porção do sangue
oferecido pelos egípcios a Osíris – da oferta pelo pecado aspergido
por meio de uma imagem. O culto diante do véu, atrás do qual estava a
dos egípcios a Ápis era imoral, e arca, ou por meio da carne sendo co-
o culto dos israelitas ao bezerro mida pelo sacerdote (ver Lv 4:1-21;
de ouro foi, aparentemente, igual. 6:24-26; 10:17, 18).
Moisés escreveu que o povo israelita
“se assentou para comer e beber, e le- Nota 6, página 243: Os Dez
vantou-se para se entregar à farra” Mandamentos foram dados por
(Êx 32:6). A palavra hebraica para Cristo (ver 1Co 8:6; At 7:38; Is 63:9;
“farra” significa cantar e dançar – Êx 23:20-23; Jo 1:1-3, 14; 1Pe 1:10, 11).
práticas consideradas sensuais e
indecentes entre os egípcios. A pa- Nota 7, página 407: O governo
lavra hebraica para “corrompeu-se”, de Israel era baseado na teocracia,
no verso 7, é a mesma de Gênesis ou seja, a nação era diretamente
6:11 e 12, que se refere à imorali- governada por Deus. Quando
dade das pessoas que viveram antes Israel e Judá transgrediram a lei
do dilúvio. Isso explica a terrível na- de Deus e rejeitaram a Sua sobe-
tureza dessa apostasia. rania, o Senhor retirou deles Seu
comando direto e lhes deu o que
Nota 4, página 217: Os Dez desejavam – serem dominados por
Mandamentos eram a base da um homem. Assim, eles se coloca-
aliança que o Senhor havia feito ram sucessivamente sob o domínio
com Seu povo. A aliança em si era de Babilônia, Média-Pérsia, Grécia
a promessa do Senhor de que Ele e, finalmente, Roma.
510 Os Escolhidos
Desde então, não existiu outro direito de forçar a consciência nem
governo, em lugar algum, que Deus de tomar o lugar que foi reservado
tenha delegado a autoridade que somente a Deus na teocracia de
Ele concedeu ao rei de Israel nos Israel. Apenas na segunda vinda de
dias da teocracia. A Bíblia ensina Cristo é que Deus estabelecerá de
a separação da igreja e do Estado novo Sua teocracia. Até lá, os seres
(Mt 22:17-22) e, consequentemente, humanos não poderão tomar para
a liberdade religiosa para todos. si o poder de dominar a consciência
Os governos humanos não têm o que Deus não lhes confiou.
todos somos diferentes, mas
moldados pelo mesmo criador
Veja como Deus pode usar cada um de nós em Sua obra

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