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”, Spivak
Pós-colonial, com hífen, diz respeito mais a uma “situação pós-colonial”, ou seja, uma
situação que é herdeira da situação colonial, tendo um sentido mais cronológico. Já
póscolonial, sem hífen, diz respeito a uma “teoria póscolonial”, no sentido de uma
análise que busca ir além das heranças epistemológicas coloniais (recentemente,
especialmente na América Latina, passou a chamar-se de análises decoloniais,
independente da situação analisada)
Críticas:
- Estudos póscoloniais querem ir além do pensamento colonial, e consequentemente,
do seu correspondente eurocentrismo. Mas, ao realizar essa análise, muitas vezes se
analisam as situações atuais em termos de “herança”, subestimando-se que, se uma
herança ainda é estruturante na sociedade, é porque ela se reproduz
contemporaneamente (reprodução contemporânea da subalternidade).
- Análises póscoloniais parecem incidir somente sobre fragmentos da sociedade, sem
conseguir estudar as sociedades inteiras.
Origens:
- Subaltern Studies, na Índia: estuda o fenômeno do subalterno, que seriam as
formações sociais que têm estruturalmente uma dificuldade em poder expressar-se
elas próprias, em sociedades que podem ser oprimidas globalmente. Atenção,
também, para dois fatores interligados: a produção de conhecimento produz
subalternidade; por outro, a subalternidade produz conhecimentos, quer eles
ascendam ao papel de “conhecimentos legítimos” quer não [Spivak se situa nessa
corrente].
- Apropriação estadunidense e uma americanização de trabalhos e teses de sociólogos,
psicanalistas e filósofos franceses dos anos 1960 a 1980 e que, na maioria das vezes,
não haviam se debruçado sobre situações coloniais ou pós-coloniais, mas tinham dado
toda a atenção a fatores tais como o imaginário, os conhecimentos, a crítica (e a crítica
à crítica), a ciência como conhecimento situado e, portanto, a recusa das meta-
narrativas [que é justamente da onde parte a crítica da Spivak].
Sobre a autora:
- Nasceu em Calcutá, Índia, em 1942, e se graduou em inglês na Universidade de
Calcutá.
- Se mudou para os Estados Unidos para fazer mestrado e doutorado em literatura
comparada na Universidade de Cornwell
- Atualmente é professora universitária do Departamento de Inglês e Literatura
Comparada na Universidade Columbia.
- Crítica de base marxista, pós-estruturalista e desconstrucionista se alia às posturas
teóricas do póscolonialismo, feminismo contemporâneo e teorias do multiculturalismo
e globalização.
“Pode o Subalterno Falar?” foi publicado pela primeira vez em 1985, e parte de uma
crítica aos intelectuais ocidentais (em particular Deleuze e Foucault) para refletir sobre
a prática discursiva pós-colonial e de autocrítica ao grupo de estudos subalternos, ao
qual se veicula.
Spivak então inicia seu texto fazendo uma crítica à construção do “Sujeito” no trabalho
de Foucault e Deleuze, afirmando que ambos os atores, ao descreverem esse Sujeito e
os efeitos que trabalham sobre e sobre os quais ele age, não levam em consideração o
papel da ideologia, e seu próprio envolvimento na história intelectual e econômica.
Deleuze e Foucault baseiam seu trabalho em uma crítica às “grandes narrativas” que
tentariam explicar tudo, de forma que a noção de ideologia seria uma visão muito
simplista de ver o mundo para eles. Entretanto, Spivak vai contestar essa ideia,
dizendo que o Sujeito que eles constroem é, assim, um sujeito sem determinações
geopolíticas: eles homogeneízam a experiência humana, tornam esses “sujeitos” em
sujeitos anônimos e monolíticos. Nesse sentido, Deleuze e Foucault ignorariam a
divisão internacional do trabalho, que existem pessoas que são marcadas pelas
diferenças (de gênero, de raça, de classe) e que são marcadas por essa divisão
internacional do trabalho, pela exploração capitalista, e que, esses autores não
parecem estar cientes de que o intelectual, “inserido no contexto do capital socializado
e alardeando a experiência concreta, pode ajudar a consolidar a divisão internacional
do trabalho”. Ou seja, trata-se de uma posição que valoriza a experiência concreta do
oprimido, ao mesmo tempo em que se mostra acrítica quanto ao papel do intelectual.
Essa noção de “experiência concreta” diz respeito ao fato de que Deleuze e Guattari
atribuem valor para as “pequenas instâncias do dia-a-dia”, o que, para Spivak, significa
perder de vista o quadro geral: ou seja, as formas de colonialismo e capitalismo que
atuam sobre as pessoas.
Spivak chama atenção, ainda, para a declaração de Deleuze de que “não há mais
representação, não há nada além da ação”. Ela chama atenção para os dois sentidos
do termo “representação”, ou seja, o teórico/intelectual nem representaria (no
sentido de falar por) o grupo oprimido, e o sujeito não é visto como uma consciência
representativa (que representa a realidade adequadamente, no sentido de representar
como uma visão estética que prefigura o ato de performance ou encenação).
Ou seja, Deleuze (e Foucault) apagam a representação, o significante. Spivak vai
argumentar, que fazerem isso, esses autores esquecem (mais uma vez) as conexões
com a ideologia, a maneira como a linguagem trabalha junto e dentro da ideologia (ou
seja, movimentos em larga escala e modos de poder que existe no nível mais geral,
“macrológico”). Além disso, eles criam um “Sujeito” que só pode existir quando em
relação a um “Outro” determinado. Esse “Sujeito” seria atado à transparência do
intelectual, essa “transparência” marca o lugar do “interesse”. Deleuze e Foucault
muitas vezes vão falar pelo Outro, em nome do Outro. Isso reproduz o ciclo de falar
pelo Outro o que, em um contexto colonial, é exacerbado:
Então, Spivak irá se opor a esses dois pensadores, a partir do trabalho de Derrida, em
que ele fala sobre desconstrução, o que seria uma espécie de “antídoto” ao problema
que ela identifica em Deleuze e Foucault. Desconstrução, para Derrida, não tem a ver
com desmontar algo. Para ele, é um método que você aplica a uma binariedade
(colonizador x colonizado, sujeito x outro, por ex.) e tenta mostrar que cada lado dessa
binariedade é contingente à existência do outro. Ou seja, essas características não são
identidades em si mesmas, mas só se torna uma quando você tem este “outro” contra
o qual você pode se posicionar (existem em relação um ao outro, não podem ser
separados). Spivak irá usar isso para analisar a divisão entre o Sujeito europeu e o
Outro colonizado: ou seja, esse Outro é criado em resposta à um determinado poder,
um que tenta manter uma superioridade por parte do Sujeito. Derrida quer “tornar
delirante aquela voz interior que é o outro em nós”, para mostrar que aquele outro
que achamos que existe, ou seja, o outro do qual nós poderíamos nos apropriar, já
está dentro da gente, ele não existe naturalmente no mundo, ele é criado justamente
por essa divisão. Ele critica esse perigo de se apropriar do outro por assimilação
(“tornar o pensamento ou o sujeito pensante transparente ou invisível parece [...]
ocultar o reconhecimento implacável do Outro por assimilação” – pg 83).
Spivak finaliza concluindo que não, o subalterno não pode falar: o processo de fala se
caracterizaria por uma transação entre falante e ouvinte e, segundo Spivak, esse
espaço dialógico não se concretiza para o subalterno (que é desinvestido de qualquer
forma de agenciamento). Se refere ao fato de que a fala do subalterno ou do
colonizado é sempre intermediada pela voz de outrem.