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Antes de tudo, a jurema é uma árvore da caatinga e do agreste que tem sua
casca utilizada para a fabricação de uma bebida mágica que concede força,
sabedoria e contato com seres do mundo espiritual. É dessa forma que o uso
da árvore desencadeia a formulação de uma experiência religiosa com mesmo
nome.
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Jurema Sagrada - Catimbó
Essa forma de religiosidade constitui, em si, uma prática total, com doutrina,
preceitos e história próprios, inseparáveis da história das religiões no Brasil.
Especialmente no norte e no nordeste do país, onde encontra grande número
de praticantes para os quais constitui veículo de autotransformação e
desenvolvimento social, este culto se mantém tanto no interior, como no
litoral e nos centros urbanos. O culto, cujos rituais denominam-se "mesa" ou
"toque de jurema", ocorre em torno da ingestão da jurema, bebida
fermentada feita com hidromel e cascas da árvore de mesmo nome1, da
fumaça das raízes queimando no cachimbo (ou “catimbo”, expressão da qual
teria derivado o termo catimbó) e dos “pontos” ou “linhas” (cantigas),
entoados ao som dos maracás e palmas e – em alguns casos - atabaques,
xeres, agogôs e até triângulos. Conjuntamente, estes elementos produzem
alterações da consciência e propiciam o transe de encantados e de espíritos
indígenas que incorporam os juremeiros para realizar curas e resolver
problemas.
A crença diz que os banhos e bebidas feitos de jurema têm o poder medicinal
de curar doenças, afastar entidades malignas, problemas profissionais e
amorosos. As origens históricas desse pensamento têm como base um
sistema de misticismo religioso no qual ela é considerada uma árvore
sagrada.
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Jurema Sagrada - Catimbó
Nos cultos da Jurema temos a figura dos mestres que ocupam a função de
líderes, responsáveis pela incorporação de espíritos que curam e aconselham
os praticantes, mais conhecidos como “juremeiros”. Além de fornecedora de
um elo com o chamado “reino dos encantados”, a jurema é considerada
poderosa por ter, nos tempos bíblicos, escondido Jesus Cristo quando este
fugia para o Egito. Ao entrar em contato com o pé de jurema, o Salvador
teria lhe preenchido com poderes diversos.
A fabricação da bebida sagrada conta com uma mistura que leva cascas de
jurema e uma espécie de vinho preparado com álcool, mel, gengibre, hortelã,
cravo e canela. Segundo alguns pesquisadores, a ingestão oral desta mistura
não provoca nenhum tipo de transformação em quem a ingere. Dessa forma,
tudo indica que os procedimentos ritualísticos que envolvem a ingestão, são
indispensáveis para que a fórmula preparada determine o estado de transe.
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Jurema Sagrada - Catimbó
As duas entidades incorporadas em uma sessão de jurema
são os mestres que já se foram e os caboclos. O
reconhecimento dessas entidades acontece através da
observação dos gestos e falas, que o incorporado assume
assim que começa dar voz a um determinado ser do mundo
espiritual. Nesse âmbito, o mundo dos espíritos construído pela jurema era
formado por várias cidades, sendo que cada um deles tinha capacidade de
atender uma espécie de pedido.
Este pequeno município de litoral sul da Paraíba está situada a cerca de 40km
da capital, João Pessoa. A cidade foi fundada a partir da instauração do
aldeamento de Arataguy, no final do século XVI, logo após a consolidação da
conquista da Paraíba, que repercutiu com a fundação da cidade de Nossa
Senhora das Neves (atual João Pessoa), em 1585. Mas como essa
religiosidade vem a ser polarizada no litoral da Paraíba, ainda não está bem
claro para os estudiosos do tema.
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Jurema Sagrada - Catimbó
a Santidade, ainda no século XVI, foi a primeira
manifestação que evidenciou esse intercâmbio cultural, em
que o xamanismo indígena incorpora a devoção aos santos
católicos, em que “o índio, ‘mesmo católico’ não deixou de
acreditar em seus deuses, de cultuar os espíritos da floresta ou de reverenciar
seus ancestrais” (SILVA, 2005, p. 26). Segundo Cascudo, durante esse
século, colonos e mestiços confiavam “nas práticas indígenas dos pajés, indo
às reuniões escondidas, bebendo fumo, aceitando as soluções terapêuticas
dos nativos, como sopro, defumatório e sucção, para alívio dos males” (1978,
p. 192). A influência negra também se faz presente, com as nações banto
vinda de Angola, que também veneravam seus mortos e eram responsáveis
por cultos vegetalistas, que prontamente interagiram com as práticas
indígenas.
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Jurema Sagrada - Catimbó
feita de partes da planta – o vinho da Jurema; o lugar de
culto e oração – a mesa da Jurema; ou as Cidades da
Jurema, um lugar invisível, mas que tem suas
representações também manifestadas no espaço, a partir da
consagração rituais de árvores de jurema.
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Jurema Sagrada - Catimbó
orientar os pais quanto às recomendações necessárias para
o seu devido desenvolvimento espiritual. E com um pouco
mais de idade, elas já começam a receber entidades. E, em
alguns casos, já passam a realizar consultas desde de
criança, entre outras atividades mediúnicas. Assim, o conhecimento do
juremeiro não é necessariamente adquirido, mas vem com ele desde o seu
nascimento, em que já desponta com a informação do tipo de trabalho que
ele poderá realizar.
Nascer com o dom de ter poderes mediúnicos é algo que marca, de maneira
inequívoca, as aptidões mágicas destes cientistas e o saber que o permeia, e
que vai refinando-se com o passar dos anos e com a experiência acumulada.
São eles que trabalham na ciência, operando todo um repertório de práticas
mágicas, e que fazem uma leitura diferenciada dos saberes do mundo
espiritual para as pessoas que os procuram para solucionar todo tipo de
problema. Trabalhar na ciência é uma metáfora corriqueira na região, para
dizer que determinado juremeiro experiente, e que detém notório saber
dentro do culto, tem poder de cura através das plantas e de outros preceitos
mágicos, força essa sempre atribuída aos mestres encantados, mediados pela
ação mediúnica dos cientistas, que é largamente difundido em Alhandra e
região. O valor é conferido, geralmente, com o reconhecimento de uma vida
dedicada a esse ofício, o que não exclui a atividade de pessoas mais jovens,
desde que tenham seus dotes mediúnicos identificados pelos mais velhos e
passem a se dedicar a esse trabalho espiritual. Portanto, trabalhar na ciência
é manejar a força espiritual de cura em sua máxima potência, e que traz um
entendimento mais amplo do mundo invisível.
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Trabalhar na ciência é um trabalho espiritual que requer
muito refino, e os juremeiros alhandrenses fazem uma
distinção interessante: entre quem “trabalha manifestado”
e quem “trabalha com o pensamento”. No primeiro caso,
temos aqui uma atividade espiritual voltada para a incorporação mediúnica,
em que os médiuns “recebem” suas entidades e são os espíritos que operam
as curas mediadas por eles. Já no segundo, temos um trabalho em torno da
concentração, no qual o cientista recebe o sujeito em um espaço reservado,
geralmente a mesa onde realiza suas consultas. Lá ele escuta seus
problemas, medita sobre ele, e, com isso, encontra uma possível solução. E
cada cientista tem a sua ciência, trabalha especificamente nela, e não chega
a compartilhá-la com outras pessoas. Também não há apenas um tipo
específico de trabalho, que se identifique como de ciência, especificamente.
Seu Inácio Gabriel (conhecido cientista de Alhandra, que chegou a ser prefeito
da cidade, e faleceu em 2009), por exemplo, costumava receitar remédios
alopáticos em suas consultas. Também os rezadores e rezadoras, que são
profundos conhecedores da espiritualidade, também têm sua atividade
associada ao trabalho de ciência no campo juremeiro de Alhandra.
E todo o conhecimento desse campo espiritual vem dos mestres, “donos dos
‘bons saberes’” (CASCUDO, 1978, p. 165), que são os verdadeiros detentores
da ciência da Jurema, e é neles que está todo o repositório de ensinamentos
que são passados aos juremeiros e aos cientistas, seja nos transes
mediúnicos, ou por meio da intuição. São eles que navegam nos mistérios do
invisível, e que trazem as mensagens do “mundo do além” para os adeptos
encarnados na Terra.
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