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19/09/22, 16:37 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 1114/16.0T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
USOS
PREÇO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
DECLARAÇÃO TÁCITA
COMPORTAMENTO CONCLUDENTE
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
MORA
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
RECURSO DE REVISTA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 30-06-2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Está vedado ao tribunal de revista a sindicação do acórdão da Relação
quanto ao modo como se julgou a impugnação da matéria de facto sempre que
se imputam erros e/ou omissões na apreciação crítica de provas produzidas e
valoradas em regime de prova livre, fundada no âmbito e na esfera de
intervenção e dos poderes de cognição do erro de facto proporcionados
amplamente pelo art. 662.º, n.º 1, do CPC – assim dispõe o art. 662.º, n.º 4, do
CPC –, não estando em causa, nesse âmbito, prova vinculada ou prova com
força legalmente vinculativa (arts. 674.º, n.º 3, 2.a parte, e 682.º, n.º 2, ambos
do CPC).
II - O regime legal do contrato de empreitada permite que o pagamento do
preço seja definido em função de «uso em contrário» ao pagamento no acto de
aceitação da obra. Para este efeito, os “usos” correspondem aos costumes de
facto observados por certas pessoas em certo domínio negocial-económico,
independentemente da convicção de que, com essa observância, se obedece a
uma certa disciplina jurídica, desde que fundados na devida
remissão/habilitação legal (nos termos do art. 3.º, n.º 1, do CC: «Os usos que
não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis
quando a lei o determine»). Assumem um carácter normativo ou vinculante,
assente no princípio da confiança, com uma função equivalente ao princípio
da autonomia privada. Em função desse conjunto negocial e subjectivo, são
vistos como verdadeiras cláusulas tácitas, que serão denunciados, na hipótese,
pelas características da empreitada e/ou deduzidos dos comportamentos
concludentes das partes (art. 217.º, n.º 1, do CC), no sentido de, não obstante o
contrato de empreitada não ser tipicamente um contrato de prestação
duradoura, ser usualmente fraccionado o pagamento do preço devido pelo
dono da obra, em função da natureza prolongada da sua execução e do
parcelamento dos trabalhos feitos e interpelados para pagamento pelo
empreiteiro.
III - Não havendo fundamento lícito para a resolução legal (nos termos dos
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arts. 432.º, n.º 1, 801.º, n.º 2, e 808.º, n.º 1, do CC), uma vez estando a parte
(dono da obra) que a declara em mora quanto ao cumprimento parcial do
preço correspondente às prestações de trabalho feito pela outra parte em
contrato de empreitada (pago em parcelas de acordo com o “uso” admitido
nos contratos de empreitada), e tendo esta parte (empreiteiro) invocado
previamente a falta de pagamento como “excepção de não cumprimento” à luz
do art. 428.º, n.º 1, do CC, não podem, em face de uma declaração ineficaz por
ilícita, ser desencadeados os efeitos desvinculativos – retroactivos,
restitutórios e liberatórios – da resolução (tal como previstos nos arts. 433.º e
ss. do CC e na medida admitida pelos arts. 801.º, n.º 2, e 434.º, n.º 2, do CC)
para recuperar as prestações sinalagmáticas e correspectivas, já executadas
(como preço) antes da declaração resolutiva e exigíveis em função dessa
natureza, nem para a exoneração do pagamento, restante e em falta, das
prestações executadas pela contraparte empreiteira.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1114/16.0T8LRA.C1.S1


Revista: Tribunal recorrido – Relação de Coimbra, 3.ª Secção
Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. “Sérgio Venâncio Construção Civil, Lda.” instaurou acção declarativa,
com processo comum, contra AA, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a
quantia de €54.401,31 (valor este assim rectificado, em virtude de lapso de
escrita, por despacho proferido na audiência final realizada a 3/4/2018: cfr. fls.
199). Alegou que: em Dezembro de 2014, contratou com o Réu a realização
de obras de construção civil para reabilitação de uma moradia e anexos do R.,
pelo preço de €95.045,70, mais IVA, à taxa legal; essa obra teve início em
Janeiro de 2015, tendo no seu decurso sido acordadas obras a mais, a pedido
do R., nos valores de €13.438,00 e de €4.100,00, mais IVA, tendo sido
acordado que os pagamentos seriam feitos assim que se concretizassem os
trabalhos parcelarmente finalizados “em função da construção que a autora
fosse executando, ou seja, com a execução das demolições o réu tinha que
pagar, com a execução da estrutura haveria outro pagamento, com a execução
do pavimentos, etc. (em função dos pontos que constam no orçamento
acordado)” (cfr. itens 4. a 7.); a Autora emitiu 5 faturas nos meses de Março e
de Julho de 2015, num total de €85.042,45, tendo o R. apenas liquidado
€32.300,00, pelo que está em débito €52.742,45; tendo a Autora interpelado o
Réu para proceder ao pagamento desse valor, o Réu não o fez, razão pela qual
a Autora suspendeu os trabalhos que efetuava, até que esse pagamento
ocorresse, o que não se verificou.
O Réu apresentou Contestação, alegando que: as partes apenas acordaram o
preço global da obra em €95.045,70, acrescido de IVA, à taxa legal de 6%,
mas não acordaram o modo de pagamento desse valor, antes “foi acordado
entre ambos que o seu pagamento seria satisfeito até à sua conclusão,
mediante as disponibilidades do R.” (itens 14º-15º); as actividades,
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quantidades e preços unitários constantes do orçamento não foram acordados


nem discutidos entre as partes; procedeu ao pagamento à Autora de €
32.300,00; a Autora abandonou a obra sem justificação, em 23/04/2015, não a
tendo completado; a obra apresenta defeitos, que o Réu comunicou à Autora e
que refere; o Réu não aceita como obras a mais as assim faturadas pela
Autora; o Réu resolveu o contrato acordado com a Autora em 13/11/2015,
dado que esta se recusou a continuar com os trabalhos. Deduziu ainda
Reconvenção, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe € 20.000,00, a
título de indemnização por alegados danos, fundando esta sua pretensão, em
síntese, na responsabilidade contratual da autora pelos defeitos existentes no
imóvel e pelo abandono da obra. Mais pediu a condenação da Autora, em
multa e em indemnização de €5.000,00, como litigante de má-fé.
A Autora apresentou Réplica, onde impugnou a factualidade alegada pelo
Réu: negou ter abandonado a obra e negou existirem defeitos na obra, até
porque esta está inacabada; nega qualquer incumprimento contratual; e
sustentou que é o Réu que se encontra em falta nos pagamentos já facturados e
em débito. Pediu a improcedência do pedido reconvencional.
2. Foi proferido despacho saneador, com dispensa da audiência prévia, onde
foi liminarmente admitida a reconvenção, fixado o valor da causa (€
74.401,31), apreciada a regularidade dos pressupostos da instância, fixado o
objeto do litígio (“A. Direito da autora ao recebimento do preço dos
trabalhos efetuados no imóvel do reu” e “B. Responsabilidade contratual da
autora pelos defeitos existentes no imóvel e pelo abandono da obra, que lhe
incumbe indemnizar”) e enunciados os temas da prova (fls. 121 e ss dos
autos).
Tramitada a instância (teve lugar uma perícia, deferida por despacho de fls.
134, cujo relatório consta a fls. 147 e ss dos autos), realizou-se audiência final
em sessões de 2/3/2018 e 3/4/2018.
3. O Juiz 1 do Juízo Central Cível de ... do Tribunal Judicial da Comarca de
... proferiu sentença em 28/6/2018, na qual se julgou a acção totalmente
improcedente, por não provada, e, em consequência, se decidiu absolver o
Réu AA do pedido formulado pela Autora. Também a Reconvenção foi
julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, foi
decidido absolver a Autora/Reconvinda “Sérgio Venâncio Construção Civil,
Lda.” de todos pedidos formulados pelo Réu. Por fim foi decidido absolver a
Autora do pedido de condenação como litigante de má fé.
4. Não se conformando, a Autora interpôs recurso de apelação para o
Tribunal de Relação de Coimbra (TRC), que identificou como questões
decidendas: “A – Nulidade da sentença recorrida; B – Impugnação da
decisão de facto; C – Reapreciação da decisão de mérito no que diz respeito à
ação”. Em acórdão proferido em 12/3/2019, o TRC julgou improcedentes as
nulidades invocadas[1], concluiu pela “confirmação da totalidade da decisão
de facto proferida no tribunal recorrido” e considerou proceder o recurso,
“impondo-se a derrogação da sentença recorrida, na parte em que julga a
ação improcedente e em que absolve o Réu do pedido, parte essa que passa a
ser substituída pelo seguinte dispositivo: - Julga-se a ação procedente, por
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provada, e, em consequência, condena-se o Réu a pagar à A. o montante


faturado em débito, de €52.742,45, como o acréscimo de juros de mora, à
taxa legal, sobre tal montante, contados desde a data da sua citação, nos
termos dos arts. 804º, nº 1, 805º, nº 1, e 806º, todos do C. Civil”. A final, o
dispositivo assim reza: “Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o
presente recurso, derrogando-se a sentença recorrida, cujo dispositivo passa
a ser o seguinte: - Julga-se a ação procedente, por provada, e, em
consequência, condena-se o Réu a pagar à A. o montante faturado em débito,
de €52.742,45, como o acréscimo de juros de mora, à taxa legal, sobre tal
montante, contados desde a data da sua citação, nos termos dos arts. 804º, nº
1, 805º, nº 1, e 806º, todos do C. Civil. / - Julga-se a reconvenção totalmente
improcedente, por não provada, e, em consequência, absolve-se a
Autora/Reconvinda “Sérgio Venâncio Construção Civil, Lda.” de todos
pedidos formulados pelo Réu AA. / - Absolve-se a Autora do pedido de
condenação como litigante de má-fé, a esse título formulado pelo Réu.”
5. O Réu, confrontado e sem se resignar, interpôs recurso de revista para o
STJ, visando a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro
que julgue a acção improcedente por não provada e absolva o Réu do pedido
formulado, tal como sido sentenciado em 1.ª instância, em cujas alegações fez
constar as seguintes Conclusões:

“A – Interposto recurso pela A. de parte da D. Sentença de 1 a Instância que


absolveu o R. do pedido de pagamento da quantia de 52.742,54€ acrescido de
juros à taxa legal por ela formulado na p.i.,
B – recurso este que, tal conforme tudo também melhor consta em VII do D.
Acórdão ora recorrido, após ter sido admitido em 1ª Instância como de
Apelação e aceite nesta Relação, foi objecto de abordagem das seguintes
questões: A – Nulidade da sentença recorrida / B – Impugnação da decisão de
facto / C – Reapreciação da decisão de mérito no que respeito à acção
C – Após analisar as duas primeiras questões acima referidas - A (Nulidade da
sentença recorrida) e B (Impugnação da decisão de facto), conforme tudo
também melhor consta em VII do D.Acórdão recorrido, foi decidido não só
"carecer de qualquer razão de ser a invocação da nulidade da sentença, o que
se decide não verificai" (SIC), como também "pela confirmação da totalidade
da decisão de facto proferida no tribunal recorrido" (SIC) por, tal como
também aí melhor consta não temos como discordar desta fundamentação,
impondo-se-nos o respeito pela convicção do tribunal recorrido, com a qual,
aliás, estamos de acordo..." (SIC)
D — Assim, do que ora se discorda é da análise que foi feita no D. Acordão
recorrido na abordagem da questão B - Reapreciacão da decisão de mérito e
consequente derrogação da sentença de 1 a Instância na parte em que havia
julgado a acção improcedente e absolvido o R. do pedido, mormente da
seguinte fundamentação constante em VII e decisão constante em VIII
daquele, Cfr. com a fundamentação e decisão constante em VII das presentes
alegacões que agui se dão por integralmente reproduzidos.

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E – com vista a tal desiderato refere-se no D. Acordão ora Recorrido que


sempre cumprirá fazer uma reapreciação de toda a pova dada como provada,
designadamente para se inferir se os trabalhos referidos nos pontos 8 e 9
devem ou não ser considerados trabalhos a mais ou alterações à obra
inicialmente acordada e se devem ou não ser pagos e de que modo", dado
como também aí se refere "o preço acordado deveria ser pago na falta de
cláusula ou uso em contrário, no acto da aceitação da obra – Art. 1211º nº 2 do
Cód. Civil" (SIC).
F – Contudo, tal como ali consta apenas analisou os pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12,
13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 29, 30 e 31 dados como
provados e não toda a prova dada como provada, como começa por referir na
abordagem da questão ora em apreço, designadamente a dos pontos 4, 5, 24,
25, 28, 32, 33 e 34 que pelo seu conteúdo indispensável se mostrava analisar
com vista à cabal decisão da situação em apreço, dado dos mesmos
expressamente constar: [transcrição de tais pontos] (SIC)
G — De igual modo, tal como também aí refere para concluir que os valores
dos trabalhos peticionados foram "realizados e devidamente facturados"
analisou tão somente o ponto 3 e doc. de fls. 7 a 9 e os pontos 9º a 10º da
contestação, conforme facilmente se alcança quando aí refere "Mas está
provado que no orçamento inicial enviado pela A. e aceite pelo Ré foram
descritos os trabalhos a realizar – ponto 3 e doc. de fls. 7 a 9 – pois o Réu
apenas alega e defende que não foram acordados os valores parciais e medidas
constantes desse orçamento vejam-se os pontos 9º e 10º da Contestação"
(SIC),
H – e já não analisou como devia o Ponto 24 dos Factos Provados "Dos
trabalhos referidos no orçamento mencionado no ponto 3 não foram
concluídos os seguintes a. .... b. .... c.. ...d." (SIC), nem os pontos 11º a 28º da
Contestação, mormente quando neles consta: [transcrição de tais pontos: cfr.
fls. dos autos]
I – razão porque no sempre modesto entender do ora Recorrente só
indevidamente se refere no D. Acórdão recorrido que o Réu apenas alega e
defende que não foram acordados os valores parciais e medidas constantes
desse orçamento e se concluiu em consequência também indevidamente que
aos valores dos frabalhos peticionados foram realizados e devidamente
facturados.
J – A tal título, analisem-se ainda a significativa alteração (desigualdade) de
valores e preços constantes nos 1os aditamentos da A. datados de 6 Março
2015 (fls. 55 — Doc. 5 da Contestação) e de 8 Abril 2015 (fls. 11 - Doc. 3 da
p.i., designadamente quando neles constam as seguintes "disparidades":
[Quadro constante do Doc.] (Cfr. motivação e exame crítico das provas
constantes em 2.1.3 da D.Sentença de 1a Instância reproduzida infra em XIV
das presentes alegações).
K – Quanto à consideração da existência de trabalhos efectuados pela A.
como "trabalhos a mais", de igual modo o D. Acórdão ora recorrido, sem
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sequer ter ponderado que poderiam constituir "trabalhos a menos", como


amiúde acontece nas empreitadas, analisou tão somente alguns dos factos
provados e não também, como devia os Factos Não Provados constantes das
alíneas a), b), c), e), f), g), h) e k) e ainda à seguinte – Motivação e Exame
crítico da Prova constante em 2.1.3 da D. Sentença de 1a Instância (apesar de
com ela concordar, conforme facilmente se alcança quando na parte final da
fundamentação da matéria de facto não provada do D. Acórdão recorrido
textualmente se refere "Não temos como discordar desta fundamentacão"
(SIC) Cfr. motivação exame crítico das provas constantes em 2.1.3 da D.
Sentença de 1ª Instância reproduzido em XIV das presentes alegagões.
L – A tal título vide ainda tudo o que melhor consta do Relatório Técnico de
Vistoria à obra junto pela A. ao processo no seu requerimento datado de 12
Dez. 2016 (Ref. 24337082), quando nele aí se refere: [Transcrição parcial do
"RELATÓRIO TÉCNICO (SUCINTO) DE VISTORIA A UMA OBRA DE
CONSTRUÇÃO DE UMA MORADIA”, a fls. dos autos, pontos 1.3., 1.4. e
6.] (SIC).

Da conclusão deste relatório, então questiona-se: Como é possível que a A.,


enquanto empresa de construção civil, tenha decidido levar a cabo uma obra
tal como ali se refere, "sem qualquer projecto ou estudo técnico da obra em
construção, por mais elementar que fosse", apesar de bem saber, tal como aí
também refere que da sua falta "poderão vir a resultar consequências
patalógicas futuras" e não se tenha recusado (como devia então) à sua
efectivação?
M – Ainda e também só indevidamente no sempre modesto entender do ora
Recorrente se refere na parte final do D. Acórdão recorrido "sendo que mesmo
que se possa admitir a existência de algum ou alguns vícios, o Réu tinha o
dever e o direito de exigir da A. a eliminação desses defeitos, nos termos do
Ar.o 1221º nº 1 do C.Civil, o que não fez, tendo até dado como resolvido o
contrato de empreitada em causa, em 13/11/2015, como alega no ponto 45º da
Contestação e resulta do doc. de fls. 62" (SIC), conforme infra se explicitará.
N – Com efeito, para tanto atente-se ao que tudo melhor consta dos Factos
Provados no 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 33, reproduzidos em III — 2.
Fundamentação 2.1 das presentes alegações, para duma simples leitura atenta
das mesmas, facilmente se conclui que o R. previamente à resolução do
confrato, solicitou por diversas formas e meios que a A continuasse a
execução da obra, o que esta sempre recusou, razão porque só em Nov. 2015
(por ser estação Outono/ Inverno propícia às chuvas) se viu obrigado a tal em
virtude da recusa definitiva da A. às várias interpelações admonitórias que o
R. lhe fez.
O – Neste sentido, entre outros, vide não só os arestos citados na D. Sentença
de 1a Instância — Ac. Rel. Coimbra de 20.05.2014 e Ac. STJ de 6.03.2007 –
Proc. 07A074 in www.dgsi.pt –, como também, entre outros, Ac. Rel. Lisboa
de 15.06.79 in C.J. 1979 – 3º – 815, como ainda também o que tudo melhor
consta em 2.2 De Direito da D. Sentença de 1ª Instância, mormente quando
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nele se refere: "2.2. De Direito: Como vimos "supra", as questões a decidir


são as seguintes: A. Direito da autora ao recebimento do preco dos trabalhos
efetuados no imóvel do réu; B. Responsabilidade contratual da autora pelos
defeitos existentes no imóvel e pelo abandono da obra, que lhe incumbe
indemnizar; C. Da litigância de má-fé da Autora. Vejamos: A. Ouanto à
primeira questão: [transcrição] Face ao exposto, a pretensão da Autora terá
de improceder." (SIC)
P – Ou seja, não se descortina, no sempre modesto entender do ora
Recorrente, como se pode ter concluído como concluiu no D. Acórdão
recorrido não só que os valores dos trabalhos peticionados foram realizados e
devidamente facturados, como também que é devido o pagamento dos
mesmos.
Q – Sem conceder, sempre se dirá ainda, tal como D. se decidiu no acima
citado Ac. R.C. de 20.05.2014 que "Resolvido o contrato de empreitada,
improcede o pedido de pagamento duma parte do preço a função liberatória da
resolução dispensa/exonera o dono da obra do dever de cumprir qualquer
prestação do preço (assim como também dispensa o empreiteiro de executar o
que falta da obra e de reparar as deficiências)" (SIC).

P – O D. Acórdão ora recorrido violou o disposto no Art. 346º, 405º, 406º,


428º, 432º, 804º, 805º, 806º, 1207º, 1211º nº 2, 1216º, 1221º, todos do Cód.
Civi1, Art. 414º do C.P.C. e Art. 2º nº 1 do Dec.Lei nº 24/96 de 3 Julho (Lei
da Defesa do Consumidor) e Art. 1º-B alínea a), 4º e 5º do Dec.Lei nº 67/2003
de 8 Abril.”
A Recorrida apresentou Contra-Alegações, pugnando pela manutenção do
acórdão recorrido, em especial por não ser admissível a reapreciação da
matéria de facto pelo STJ e por não se vislumbrar os fundamentos da violação
dos normativos legais apontados na Conclusão R.
Vistas as questões decifradas nas Conclusões, uma vez colhidos os vistos
legais, cumpre apreciar e decidir.
II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS
1. Objecto do recurso
O conteúdo das Conclusões do Recorrente define em primeira linha o objecto
do conhecimento do tribunal que aprecia o recurso (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e
2, CPC), sem prejuízo das questões de oficioso conhecimento, desde que não
decididas (art. 608º, 2, CPC). O âmbito do recurso é delimitado pelo conteúdo
da decisão recorrida (questões suscitadas e apreciadas pelo tribunal recorrido),
não podendo constituir-se decisões sobre matéria nova, apenas estando
adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o
conhecimento do objecto do recurso.
Em consequência, importa conhecer nesta revista das seguintes questões:
— conformidade legal da apreciação da matéria de facto e não provada pelo
acórdão recorrido (invocando-se em especial os arts. 346º e 414º do CPC);

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— conformidade legal da procedência do direito da Autora ao recebimento do


preço dos trabalhos parcialmente realizados no imóvel do Réu em execução
de contrato de empreitada (invocando-se na revista os arts. 405º, 406º, 428º,
432º, 804º, 805º, 806º, 1207º, 1211º, 2, 1216º, 1221º, todos do Cód. Civil, e os
arts. 2º, 1, do DL 24/96, de 3 Julho (Lei de Defesa do Consumidor), e 1º-B, a),
4º e 5º do DL 67/2003, de 8 Abril).
2. Factualidade
Foram considerados como provados os seguintes factos, por sentença de 1.ª
instância, confirmados pelo acórdão recorrido.
1. A autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica,
nomeadamente, à atividade de construção civil e atividades afins.
2. No exercício da atividade da autora, esta foi contactada pelo réu para que
efetuasse uma obra respeitante a reabilitação de uma moradia e anexos
(incluindo alpendre) pertença do réu, sita em ..., ....
3. No seguimento desse contacto, autora e réu acordaram na realização da
referida obra pelo valor global de 95.045,70€, acrescido de IVA à taxa legal
em vigor, conforme orçamento inicial enviado via email no dia 15/12/2014
para o email do réu (...@hotmail.com), o qual foi por este recebido, constante
de fls. 6 e ss., e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. O Réu chamou à atenção da Autora para o facto da discriminação
orçamental não ter sido acordada entre as partes.
5. Em resposta, a autora referiu que se tratavam de valores indicativos.
6. A obra foi iniciada pela autora no início do ano de 2015.
7. Por email de 08/04/2015, a Autora enviou ao Réu dois aditamentos ao
orçamento inicial,
8. … sendo que o 1.º aditamento apresentava o valor de €13.438,00 (sem IVA
incluído), e no qual consta a descrição dos seguintes trabalhos, com os
seguintes preços:

9. … e o 2.º aditamento apresentava o valor de €4.100,00 (sem IVA incluído),


e no qual consta a descrição dos trabalhos e respetivos preços:

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Construção de paredes formando parede dupla com a parede de taipa


existente, incluindo isolamento xps -- €1200,00;
Construção de lintal de fundação de nova parede -- €435,00;
Abertura de 5 vãos (portas e janelas) em paredes, incluindo execução de
todas as golas -- €700,00;
Abertura em paredes para colocação de caixas de estore, incluindo
fornecimento das mesmas -- €550,00;
Construção de parede interior em alvenaria (sala) e laje de tecto,
incluindo execução de reboco em tecto e paredes -- €420,00;
Fornecimento e aplicação de isolamento em coberturas em anexo e
alpendre -- €795,00.
10. Dos trabalhos “supra” referidos pelo menos procedeu-se à demolição de
paredes existentes;
11. … à demolição e rebaixamento do peso existente;
12. … à execução de fundações;
13. … à execução de paredes de alvenaria;
14. … ao fornecimento e aplicação de telha cerâmica em cobertura;
15. … ao fornecimento e aplicação de brita em formação de piso térreo;
16. … à construção de paredes formando parede dupla com a parede de taipa
existente, incluindo isolamento XPS;
17. … à construção de lintel de fundação de nova parede;
18. … à abertura de 5 vãos (portas e janelas) em paredes, incluindo execução
de todas as suas golas;
19. … à abertura em paredes para colocação de caixas de estore, incluindo
fornecimento das mesmas;
20. … ao fornecimento e aplicação de isolamento em coberturas de anexo e
alpendre.

21. A autora emitiu as faturas n.os 59, 171, 172, 173 e 174, datadas e vencidas
a primeira em 23/3/2015 e as restantes em 17/7/2015, nas quantias de,
respetivamente, 12.300,00€, 24.600,00€, 30.455,05€, 12.644,40€ e 5.043,00€,
todas com IVA incluído, perfazendo o total de 85.042,45€.
22. As quais foram recebidas pelo Réu.
23. O Réu pagou à Autora a quantia de €32.300,00, por conta do preço.
24. Dos trabalhos referidos no orçamento mencionado no ponto 3 não foram
concluídos, os seguintes:

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a) 3.1.2 – Execução de betonilha de regularização de pavimento, executada


com argamassa de cimento e areia ao traço 1:4, incluídos todos os trabalhos
necessários;
b) 3.3.1 – Fornecimento e aplicação de placas de gesso cartonado em
revestimento de paredes interiores;
c) 3.3.3. – Remição de reboco existente em paredes exteriores, incluindo
transporte a vazadouro e todos os trabalhos necessários;
d) 3.3.4 – Execução de reboco projetado em paredes exteriores, incluindo
aplicação de armadura metálica ou em fibra;
e) 3.3.5 – Fornecimento e aplicação de pavimento em tijoleira de cor
vermelho natural do piso do rés do chão, incluindo aplicação de rodapé e
todos os trabalhos necessários;
f) 3.3.6 – Fornecimento e aplicação de mosaico cerâmico em revestimento de
paredes e chão de casas de banho, incluindo todos os trabalhos necessários;
g) 3.3.7 – Execução de pintura em paredes exteriores e interiores de cor a
definir, incluindo todos os trabalhos necessários;
h) 4.1. – Execução de redes de abastecimento de águas, gás, instalações
elétricas, rede de esgotos e pluviais, incluindo todos os acessórios e trabalhos
ao seu perfeito funcionamento, em moradia e respetivos anexos;
i) 5.1. Recuperação de cantarias existentes, incluindo todos os trabalhos
necessários;
j) 5.2. Fornecimento e aplicação de cantarias em pedra igual à existente, em
soleiras e peitoris, incluindo argamassa de assentamento e todos os trabalhos
necessários;
k) 5.3. Fornecimento e aplicação de portas interiores a definir, incluindo todos
os materiais e acessórios necessários;
l) 5.4. Fornecimento e aplicação de portas e janelas em madeira ou alumínio,
constituídas por vidro duplo e caixa de ar, incluindo todos os acessórios e
trabalhos necessários;
m) 2.1.2. Execução de isolamento em terraço e posterior revestimento em
tijoleira de cor vermelho natural, ou outro a definir, incluindo aplicação de
tela e todos os materiais necessários;
n) 2.1.2. Execução de betonilha de regularização em pavimento do alpendre,
executada com argamassa de cimento e areia ao traço 1:4, incluindo todos os
trabalhos necessários;
o) 2.3.1. Fornecimento e aplicação em tijoleira de cor vermelho natural em
escadas de acesso para quintal, incluindo todos os trabalhos necessários;
p) 2.3.2. Fornecimento e revestimento em tijoleira natural em pavimento do
alpendre, incluindo todos os trabalhos necessários.

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q) 2.3.3. Execução de reboco projetado em paredes exteriores, incluindo


aplicação de armadura metálica ou em fibra;
r) 2.3.4. Execução de pintura em paredes exteriores e interiores de cor a
definir, incluindo todos os trabalhos necessários;
s) 4. Execução de chaminé com saída para a parte superior do anexo;
t) 4.5. Fornecimento e execução de churrasqueira, incluindo bancada de apoio,
lavatório de uma pia e bancada com cerca de 1,20 metros;
u) 5.1. Fornecimento e acerto de terras para a zona do jardim entre a moradia
e o anexo;
v) 6.5. Fornecimento e aplicação de tampa em betão armado para poço
existente, incluindo todos os trabalhos necessários;
w) 6.6. Fornecimento e aplicação de porta com cerca de 1,0 m incluindo
tapamento de vão de portão existente e todos os trabalhos necessários;
x) 6.8. Execução de aterro até à cota da estrada, incluindo criação de
inclinações, compactação e trabalhos acessórios necessários;
25. Relativamente aos trabalhos referidos no orçamento mencionado no ponto
8 não foram concluídos os seguintes trabalhos:
a) Fornecimento e aplicação de betonilha de regularização;
b) Fornecimento e aplicação de revestimento em tijoleira;
c) Fornecimento e assentamento de portas interiores de abrir;
26. Por carta datada de 24-07-2015, enviada pela Autora ao Réu, e por este
recebida, aquela interpelou este a pagar a quantia de €52.742,45, concedendo,
para o efeito, o prazo de 7 dias.
27. A quantia referida no ponto anterior, encontra-se por liquidar.
28. Em resposta a essa carta, o Réu enviou carta registada à Autora, datada de
21 de Agosto de 2015, através do seu mandatário, com o seguinte teor:
“Exmos Senhores,
Mandatado pelo m/ cliente supra referenciado, em resposta à V. carta em
epígrafe, cumpre-me informar que o mesmo não aceita pagar as facturas
enviadas não só porque nas mesmas constam trabalhos facturados que não
foram executados, duplicação de facturação e desconformidade com os
preços dos orçamentos, como também imprescindível se mostra para o efeito
eliminar urgentemente, entre outros, os defeitos daquela obra, que aquele
agora verificou existirem:
- Ausência total de pilares em paredes exteriores
Esta situação coloca sérias reservas no que respeita à segurança e
estabilidade da edificação.

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- Foi executado lintel de betão sobre as referidas paredes exteriores, com


largura ajustada à variação da secção da parede que o sustenta
Não havendo pilares em betão a fazer a transmissão de cargas verticais à
fundação, a carga vertical sobre o lintel distribui-se sobre a parede de taipa e
caboucos existentes, sendo que a ligação do elemento betão com taipa será
sempre uma ligação frágil.
- Foram abertos vãos em paredes exteriores (em taipa) encontrando-se alguns
desses vãos rematados com argamassa de cimento em ombreiras e vergas. Em
dois vãos de janela e um de porta encontram-se apenas abertos sem qualquer
argamassa de remate ou de reforço.
- A escada de acesso ao sótão, foi mudada de local e não possui
características regulamentares, devendo ser objecto de redimensionamento.
- O apainelado de guarnição dos vãos de porta e de janela em paredes
exteriores foram parcialmente removidos, tendo sido mantidas as vergas.
Verifica-se contudo que devido ao elevado índice de degradação destas
madeiras, também as vergas terão de ser removidas e substituídas por outro
elemento resistente, além de todo o remate da envolvente ao vão.
- Embora se encontre a decorrer a montagem de redes de infraestruturas,
ainda não foi efectuada qualquer intervenção ao nível da execução de
pavimentos térreos, devendo aquando da sua execução ser garantida a
impermeabilização de pavimentos e a ocorrência de humidades por
capilaridade quer nas paredes originais quer nas que foram agora
executadas.
- A parede posterior do alpendre (que funciona como suporte de terras) foi
executada em blocos de cimento de 20cm de espessura, constatando-se que já
apresente fendilhação. Esta parede deveria ser em betão armado e
convenientemente impermeabilizada e com sistema de drenagem de águas no
seu perímetro exterior.
- A viga de madeira de suporte do telhado, paralela ao anexo, por deficiente
dimensionamento encontra-se em tensão excessiva, apresentando fissuração
que aconselha a sua substituição.
- O remate do telhado do alpendre à parede da casa encontra-se executado
com argamassa de cimento e areia. Porque estes elementos (telha sobre
estrutura de madeira e parede) têm comportamentos diferentes em termos
estruturais, a argamassa encontra-se fissurada ao longo de todo o remate,
pelo que se sugere a aplicação de rufo em chapa metálica, fixada à parede e
pousado sobre a telha do alpendre.
- A abertura para acesso da casa da eira ao alpendre não tem a altura
regulamentar, pelo que haverá que aumentar a sua altura.
Ou seja, sobretudo porque aquela obra não foi executada de acordo com o
projecto de estabilidade definido, o que põe em risco a estabilidade e
segurança da edificação, mostra-se indispensável, antes de avançar para a

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fase seguinte (revestimentos), que sejam eliminados os defeitos acima


referidos.
De qualquer modo, porque sempre privilegio uma solução consensual para os
litígios dos clientes que represento, acaso haja disponibilidade de V.Exas
nesse sentido, fico a aguardar V. contacto para o efeito.
De outro modo, lamento, mas não deixarei de fazer uso dos mecanismos
legais com vista à defesa intransigente dos direitos do m/ cliente.
Apresentando-Vos os m/ melhores cumprimentos, subscrevo-me.”
29. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 30 de Setembro de
2015, a Autora, por intermédio da Eng.ª BB, transmitiu ao Réu que aquela iria
interromper a obra;
30. … sendo que o pretexto que foi transmitido ao Réu, para essa interrupção,
foi o não pagamento dos trabalhos nos moldes alegadamente acordados.
31. Por carta datada de 30 Setembro 2015 a Autora comunicou ao Réu que a
continuidade da execução da obra estava sujeita ao prévio pagamento dos
trabalhos faturados.
32. A essa carta o Réu, através do seu mandatário, em carta registada de 5 de
Outubro 2015, respondeu com o seguinte teor: “Exmos Senhores,
Em resposta à V. carta supra referenciada, não entendo, sobretudo porque
sendo V.Exas empresa ligada ao ramo da construção civil, a razão porque
ignoram por completo os dispositivos legais que Vos regem, mormente o
disposto nos Artº 1222º e 1223º ambos do Cód.Civil, como modestamente
entendo resultar, quando nos § 3º e 4º daquela afirmam “…ficou dito ao
Vosso cliente que só iria-mos continuar a obra se houvesse pagamento dos
trabalhos já executados conforme acordado…”, “…não nos
responsabilizamos por eventuais defeitos do material sujeito a condições
atmosféricas adversas, não estando a obra acabada”, “reiteramos o
pagamento das nossas facturas” (SIC).
Ou seja e em resumo, parece-me não haver da V. parte o reconhecimento de
que o negócio havido com o m/ cliente se reporta a um contrato de
empreitada, cujos trâmites legais se mostram claramente definidos no
Cód.Civil.
Aliás, ainda que o não fosse, o que de modo algum se admite, sempre assistirá
ao m/ cliente o direito de não pagar o preço enquanto V.Exas não cumprirem
com a contraprestação a que se obrigaram – Art. 428º do Cód.Civil.
Apresentando-Vos os m/ melhores cumprimentos, subscrevo-me.”
33. O Réu enviou à Autora carta registada datada de 13 de Novembro de 2015
com o seguinte teor:
“Exmos Senhores,
Porque V. Exas não só não eliminaram os defeitos da obra em epígrafe sita na
Rua ..., ..., desde há muito reclamados pelo m/ cliente acima referenciado,
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como também a abandonaram por completo desde há já vários meses.


Ainda e também porque tais atrasos não se compadecem de modo algum com
a época das chuvas, próprias da estação Outonal e do Inverno, em que nos
encontramos, sou a informar-Vos que acaso não procedam nos próximos
quinze dias à eliminação dos defeitos que aquela obra apresenta, o m/ cliente
considera tal atitude recusa definitiva da V. parte, e em consequência,
resolvido o contrato de empreitada celebrado.
Apresentando-Vos os m/ melhores cumprimentos, subscrevo-me.”.
34. As escadas de acesso ao piso superior, projetadas a partir da cozinha,
foram alteradas no seu desenvolvimento e deslocadas para junto da parede
exterior mais próxima sendo, a partir do 3.º degrau, desenvolvidas em leque,
tornando-se desconfortável e insegura a sua utilização.”
E foram os seguintes os factos considerados não provados:
a) As atividades, quantidades e preços unitários constantes do orçamento
referido no ponto 3 dos factos provados, foram aceites e foram objeto de
discussão entre as partes.
b) No circunstancialismo referido no ponto 3 dos factos provados, ficou
acordado, entre as partes, que a obra seria objeto de pagamento pelo réu em
função da construção que a autora fosse executando, ou seja, com a execução
das demolições o réu tinha que pagar, com a execução da estrutura haveria
outro pagamento, com a execução dos pavimentos também, etc. (em função
dos pontos que constam no orçamento acordado).
c) No circunstancialismo referido no ponto 3 dos factos provados, ficou
acordado entre as partes que o pagamento da obra em questão seria satisfeito
até à sua conclusão, mediante as disponibilidades do R.
d) Os trabalhos mencionados nos pontos 8 e 9 dos factos provados constituem
alterações às obras mencionadas no orçamento inicial,
e) … os quais foram solicitados pelo réu.
f) Foi acordado entre as partes que, relativamente aos trabalhos acima
referidos nos pontos 8 e 9 dos factos provados, os pagamentos seriam feitos
assim que a execução dos trabalhos fosse concretizada, conforme os pontos
constantes em tais alterações e no seguimento do já acordado no orçamento
inicial.
g) O réu aceitou a execução dos trabalhos aos preços e caraterísticas que se
mostram descritas nos orçamentos referidos nos pontos 8 e 9 dos factos
provados.
h) A obra foi sendo executada pela autora ao réu, sob suas instruções.
i) Para além dos trabalhos referidos nos pontos 10 a 20, bem como, dos
referidos nos pontos 24 e 25, os demais trabalhos mencionados nos pontos 3,
8 e 9, foram concluídos pela Autora.

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j) Autora e Réu acordaram que a obra seria concluída no mês de Junho 2015,
dado este ter orientado toda a sua vida familiar e profissional no sentido de
começar a desfrutar o uso daquela moradia no início do Verão de 2015.
k) As faturas referidas no ponto 21 foram aceites pelo Réu.
l) O Réu só teve conhecimento da carta referida no ponto 26, em Agosto de
2015.
m) O custo estimado de trabalhos já realizados na obra é de €31.805,52.
n) Com exceção do referido no ponto 34 dos factos provados, a obra apresenta
os vícios/anomalias referidos no ponto 28 dos factos provados.
o) O Réu despendeu quantia não inferior a €10.000,00 com a reparação dos
vícios elencados no ponto 19 dos factos provados.
p) O réu irá despender quantia não inferior a €5.000,00 com o preço dos
materiais e mão de obra necessários à conclusão da obra.
q) O réu tinha urgência na remodelação da moradia em causa, devido ao facto
mesma se localizar na aldeia onde nasceu e junto da casa do seu pai, pessoa já
de avançada idade.
r) Em consequência da conduta da Autora, o Réu ficou triste e amargurado.
s) A autora, na sua petição inicial, invocou propositadamente factos, que sabia
serem falsos.
3. O direito aplicável
3.1. Vício na reapreciação da matéria de facto
O Recorrente alega que a valoração da prova feita pelo acórdão recorrido,
uma vez impugnada a matéria de facto retratada na sentença de 1.ª instância,
revela omissões censuráveis e vícios de valoração, nomeadamente em face de
prova documental e da prova pericial junto aos autos (“relatório técnico de
vistoria”). Destaca-se, no âmbito da impugnação, as faltas na reapreciação dos
pontos provados 4., 5., 24., 25., 28., 32., 33. e 34 e dos factos não provados a),
b), c), e), f), g), h) e k).
Vejamos a fundamentação do acórdão recorrido:
“Quanto à referida contradição entre os pontos 3, 4 e 5, confessamos não
entender a alegada contradição entre esses factos ou eventualmente com
outros, tal a clareza e objetividade dos ditos factos, antes se nos afigurando
que se completam e estão até em conformidade com o alegado nos pontos 9º,
10º, 11º e 12º da contestação e que não mereceram oposição direta e frontal da
A. no seu articulado de réplica, pese embora tenha aqui a A. impugnado tudo
quanto foi alegado pelo Réu em sede de contestação.
Seja como for, não se descortina a apontada oposição ou contradição.
No ponto 24 dos factos provados referem-se trabalhos previstos no clausulado
orçamental inicial apresentado pela A. e tidos como não executados ou não

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concluídos; enquanto que na al. i) dos factos considerados como factos não
provados apenas é dito que não ficou provado que ‘para além dos trabalhos
efetivamente efetuados ou dados como efetuados e constantes dos pontos 10 a
20, e para além dos trabalhos dados como não executados e referidos nos
pontos 24 e 25, quaisquer outros trabalhos – referidos nos orçamentos dos
pontos 3, 8 e 9 – foram efetivamente concluídos pela A.’, pelo que, com o
devido respeito, não se alcança que possa haver qualquer contradição entre
tais pontos, mas antes que tais pontos até se completam.
No que diz respeito aos pontos de facto provados e impugnados, os pontos 4 e
5 foram assim considerados com base nas declarações prestadas pelo R. em
audiência de julgamento, o que foi efetivamente dito pelo R., não havendo
prova em contrário, pelo que se aceita esse entendimento do Tribunal
recorrido, no sentido de que entre as partes foi acordada a realização da obra
em causa pelo preço global de €95.045,70 + IVA, mas que não houve
aceitação pelo R. sobre a descrição de trabalhos e respetivos valores
constantes do orçamento referido no ponto 3.
Donde termos de aceitar como provados os pontos 4 e 5 dados como
provados.
No que respeita aos pontos dados como provados sob os nºs 29, 30 e 31, os
mesmos resultam do teor da carta de fls. 60, datada de 30/09/2015 e enviada
pela A. ao ilustre mandatário forense do Réu, conjugada com as declarações
prestadas pelo R. e pela testemunha Eng.ª BB, que acompanhou a obra em
causa ao serviço da A., tendo mesmo sido quem elaborou o orçamento inicial
para essa obra, tendo referido que os trabalhos na obra terão decorrido até
Junho ou Julho de 2015.
Face ao que se aceita a data referida no ponto 29, bem como os referidos
pontos de facto.
No que diz respeito aos pontos de facto não apurados e cuja alteração se
pretende para factos provados, na sua fundamentação escreveu-se o seguinte
na sentença recorrida:
‘Quanto aos pontos a) a c), e e) a g), os mesmos foram assim considerados,
atenta a ausência de prova segura da sua verificação.
Com efeito, o Réu desmentiu categoricamente tal factualidade.
Por outro lado, nenhuma prova carreada para os autos ou produzida em
audiência logrou firmar convicção em sentido contrário, pois que nenhuma
das testemunhas inquiridas em audiência referiu ter presenciado as
negociações tidas entre o legal representante da Autora (ou alguém a seu
mando ou em sua representação), sendo que o depoimento da testemunha BB
mereceu algumas reservas no que à sua credibilidade diz respeito (conforme
iremos melhor explanar adiante) e, portanto, na perspetiva do Tribunal, e de
acordo com a sua livre-convicção, não assumiu peso probatório suficiente que
permitisse sanar a dúvida sobre a veracidade da factualidade em questão.
Por outro lado, o facto de tais trabalhos constarem de documento diverso do
orçamento, por si só não lhes confere a natureza de trabalhos aditados ao
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orçamento inicial (vulgo “trabalhos a mais”).


Ainda, a este respeito, é relevante mencionar que o Autor, numa tentativa de
comprovar o por si alegado, apresentou um aditamento ao orçamento,
constante de fls. 11, datado de 6 de Março de 2015, com um valor de
€13.438,00.
Já o Réu referiu, em declarações de parte, que não só não concordou com tal
orçamento, como lhe foi enviado um orçamento com um valor inferior,
afirmação que, de resto, se mostra corroborada pelo teor do documento de fls.
55 e ss.
Tal divergência suscitou (ainda mais) reservas quanto à veracidade da
alegação de que as partes tenham acordado nos aditamentos ao orçamento,
conforme e nos termos alegados pela Autora.
Quanto ao ponto d), o mesmo foi assim considerado atenta (também) a
ausência de prova segura da sua verificação.
A este respeito o Réu desmentiu que os trabalhos mencionados nos pontos 8 e
9 dos factos provados sejam “trabalhos a mais”, argumentando, para tanto,
que tais trabalhos correspondem a trabalhos inicialmente já previstos, apenas
admitindo que a única alteração constituiu num aumento da cobertura do
anexo.
O relatório pericial de fls. 147 e ss. também nada permite extrair quanto a este
aspeto.
O depoimento da testemunha CC, que invocou ter sido o encarregado da obra
em questão, quanto a este aspeto revelou-se vago e impreciso, não logrando
precisar que trabalhos a mais, em concreto, foram executados, relativamente
aos trabalhos cuja execução se mostrava inicialmente prevista, pelo que o seu
depoimento não assumiu peso probatório suficiente suscetível de criar ao
Tribunal uma convicção segura.
Também o depoimento da testemunha BB, que invocou ter sido a responsável
da obra, na parte de orçamentação e acompanhamento, revelou-se igualmente
vago e impreciso, referindo que, no decorrer da obra, foram pedidas pelo réu
umas “alteraçõeszinhas lá na parte dos anexos” (sic), referindo que, as
mesmas foram pedidas ao encarregado da obra.
Ora, para além de não precisar de que “alteraçõeszinhas” se trataram, o que é
certo é que a testemunha CC, que invocou ter sido o encarregado da obra em
questão, não referiu que o réu lhe tivesse pedido alguma alteração aos
trabalhos inicialmente previstos, o que não deixa de causar estranheza ao
Tribunal, pois que se tal tivesse sucedido a referida testemunha não deixaria
de se lembrar de referir tal aspeto; desta forma, a afirmação proferida pela
testemunha BB não deixou de suscitar reservas ao Tribunal, quanto à sua
veracidade.
Face ao exposto, o depoimento da testemunha BB, para além de vago e
impreciso, não logrou transmitir ao Tribunal credibilidade, razão pela qual o

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mesmo não assumiu peso probatório suficiente suscetível de criar ao Tribunal


uma convicção segura.
As demais testemunhas, de resto, nada revelaram saber sobre tal matéria.
Quanto ao ponto h), o mesmo foi assim considerado, atenta a ausência de
prova da sua verificação, sendo que o Réu, em declarações de parte, negou tal
factualidade, não tendo sido carreada para os autos, nem produzida em
audiência, qualquer prova que, de forma segura, permitisse alcançar decisão
diversa. De todo o modo, sempre se dirá que não sendo o réu uma pessoa com
conhecimentos técnicos de construção civil, a alegação do facto em causa
revela-se inverosímil atentas as regras da lógica e da experiência comum.
Quanto ao ponto i), o mesmo foi assim considerado, atenta a ausência de
prova segura da sua verificação, sendo que, a prova produzida nos autos, não
se revelou concludente.
A prova documental não permite concluir, com segurança, pela realização de
tais trabalhos. Note-se que nem um livro de obras, nem um mapa de trabalhos,
nem um auto de obra, foi junto aos autos, documentação que, em tese, poderia
fornecer alguma informação sobre tal factualidade.
O relatório pericial de fls. 147 e ss., por seu turno, nesse aspeto, revela-se
inconclusivo.
A prova testemunhal produzida pautou-se por irrelevante (quanto à
testemunha DD, que nada revelou saber, uma vez que referiu não ter rido
intervenção na obra) vaga e imprecisa (quanto às demais testemunhas
arroladas pelo Autor, repescando os fundamentos “supra” explanados), não
oferecendo a virtualidade de criar uma convicção segura sobre a factualidade
em questão.
Quanto ao ponto j), o mesmo foi assim considerado, atenta a ausência de
prova bastante da sua verificação.
Quanto ao ponto k), o mesmo foi assim considerado, atenta a ausência de
prova bastante da sua verificação, já que o Réu negou categoricamente tal
factualidade. De resto, a mera circunstância do envio e receção das aludidas
faturas não permite extrair a imediata conclusão da aceitação dos valores aí
constantes.
Por outro lado, o teor da correspondência trocada entre as partes indicia
exatamente o contrário, donde é possível extrair a não-aceitação das faturas
que foram rececionadas pelo réu (cfr. doc. 7 da contestação – fls. 54 v.º e
ss.).’.
Face à prova testemunhal produzida, no que apenas relevam o depoimento de
parte do Réu e as declarações da eng.ª BB, pois as demais declarações
prestadas em nada esclarecem os factos, não temos como discordar desta
fundamentação, impondo-se-nos o respeito pela convição do Tribunal
recorrido, com a qual, aliás, estamos de acordo, pois que também se nos
afigura que os referidos factos não lograram obter prova objetiva e precisa
para os mesmos, tanto mais que se consideram como provados pontos 4 e 5
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dos factos provados, como anteriormente se entendeu, sendo certo que nada se
provou sobre um qualquer eventual acordo firmado entre as partes sobre as
condições e modo de pagamento da obra pelo R..   
Mas também importa e impõe-se referir que a circunstância de tais factos
terem sido dados ou considerados como não provados, tal não implica que o
seu contrário seja verdadeiro, pelo que sempre cumprirá fazer uma
reapreciação de toda a prova dada como provada, designadamente para se
inferir se os trabalhos referidos nos pontos 8 e 9 devem ou não ser
considerados como trabalhos a mais ou alterações à obra inicialmente
acordada, e se devem ou não ser pagos e de que modo.
As alíneas h) e i), a que já antes nos referimos, não tiveram prova bastante, e
não se provou que o R. alguma vez tenha aceite as faturas referidas no ponto
21 (al. k)), embora as tenha recebido – ponto 22 –, o que também não exclui
uma eventual responsabilidade do R. pelo seu pagamento, o que já é uma
questão de direito, não uma questão de facto.
Face ao que se conclui pela confirmação da totalidade da decisão de facto
proferida no tribunal recorrido. [sublinhado nosso]”
Ora (no que respeita à circunscrição da revista quando aprecia e intervém na
decisão da matéria de facto ainda enquanto erro de direito):
O Tribunal não se moveu nos terrenos de prova legalmente vinculada nem de
prova com força legalmente vinculativa. Só nesses termos poderia o STJ, em
revista e nos termos restritos do art. 674º, 3 (em conjugação com o art. 682º,
2), do CPC, apreciar o «erro na apreciação das provas e na fixação dos factos
materiais da causa». O Recorrente imputa erros na apreciação crítica de
provas produzidas e valoradas em regime de prova livre – em esp., os arts.
376º, 389º e 396º, do CCiv. –, fundada no âmbito e na esfera de intervenção e
dos poderes de cognição do erro de facto proporcionados amplamente pelo art.
662º, 1 («A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto,
se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento
superveniente impuserem decisão diversa.»), 2 e 3, do CPC.
A discordância do recorrente radica, essencialmente, no modo como foi
valorada a matéria de facto e decidida em conformidade com a decisão de 1.ª
instância. Todavia, estando em causa prova não vinculada ou “não tabelada”
nem se sustentando a ofensa de disposição legal que fixe a força probatória de
meio de prova, está vedado ao tribunal de revista a sindicação do acórdão
recorrido quanto ao modo como a 2.ª instância julgou a impugnação da
matéria de facto e, portanto, firmou o seu juízo probatório quanto aos factos
provados e não provados na apreciação de provas não tabeladas – assim
dispõe, por último e decisivamente, o art. 662º, 4, do CPC («Das decisões da
Relação previstas nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça.»)[2].
Conclui-se, pelo exposto, que não é admissível a apreciação da questão
concentrada nas Conclusões recursórias D)[3] a N) e P (em parte), tal como
delimitadas, que assim improcedem.

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3.2. O direito da Autora Recorrida ao recebimento do preço remanescente


dos trabalhos parcialmente realizados em execução de empreitada
No que ao mérito desta questão diz respeito, o acórdão recorrido alterou
radicalmente o juízo da 1.ª instância, que se tinha pronunciado pela
improcedência (cfr. fls. 217-219) – em síntese final: “na ausência de prova de
uma explícita ligação entre concretos e exatos momentos/fases de execução da
obra e as prestações a pagar, havemo-nos de socorrer da disposição supletiva
prevista no referido art. 1211.º, n.º 2 do Código Civil, e concluir que o
pagamento do remanescente do preço só seria devido com a conclusão
(entrega da obra). (…) a conduta da Autora, dada como provada nos pontos 29
a 33 dos factos provados, não pode deixar de ser considerada como de
abandono da obra (…), já que, fazendo a autora depender a continuidade da
execução da obra do prévio pagamento dos trabalhos, sem que se haja logrado
demonstrar ter sido acordada essa forma de pagamento, tal conduta não pode
deixar de evidenciar o seu propósito firme e definitivo de não cumprir a
prestação (…), tanto mais que o Réu já tinha procedido ao pagamento da
quantia de € 32.000,00, por conta do preço, pelo que a invocação da exceção
de não cumprimento [pelo Réu], in casu, não se afigura desproporcional e
desajustada, sendo, assim, a mesma legitimamente oponível à Autora,
empreiteira”.
Para contrariar esta conclusão, o acórdão recorrido assim fundamentou,
conjugando a matéria de facto provada com os regimes jurídicos pertinentes
(fls. 315v e ss):
“(…) resulta dos factos provados que em fins de 2014 foi acordado entre a A.
e o Réu um contrato de empreitada, destinada a ser levada a cabo pela A., para
a recuperação ou restauro de uma moradia e seus anexos (incluindo alpendre)
sita em ..., ... – pontos 2 e 3.
O preço global dessa obra foi fixado em €95.045,70, com o acréscimo do VA
respetivo.
Logo, este tipo de contrato é regido pelos arts. 1207º e segs. do C. Civil, dos
quais resulta, desde logo, que a A. (empreiteira) deveria executar essa obra em
conformidade com o convencionado ou acordado, e sem vícios, fornecendo os
materiais e utensílios para o efeito, e que o preço acordado deveria ser pago,
na falta de cláusula ou de uso em contrário, no acto de aceitação da obra – art.
1211º, nº 2 do C. Civil.
Essa obra foi iniciada logo em Janeiro seguinte, verificando-se que pela A.
foram emitidas 5 faturas em 23/3/2015 e em 17/7/2015, a primeira (nº 59) no
valor de €12.300,00; a segunda (nº 171) no valor de €24.600,00; a terceira (nº
172) no valor de €30.455,05; a quarta (nº 173) no valor de €12.644,40; e a
quinta (nº 174) no valor de €5.043,00, todas com o respetivo IVA incluído,
perfa[ze]ndo-se, assim, uma faturação no valor global de € 85.042,45 – ponto
21 –, faturas essas que foram recebidas pelo Réu – ponto 22.
O Réu já pagou à A. o montante de €32.300,00 – ponto 23 – face ao que a A.
interpelou o Réu, em 24/07/2015, para lhe pagar €52.742,45 – ponto 26 –, o

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que respeita à diferença entre o faturado e o montante efetivamente pago,


montante este ainda não liquidado pelo Réu – ponto 27.
Nessa sequência, a A. decidiu parar ou interromper a dita obra, até que o R.
procedesse ao referido pagamento, o que sucedeu em data anterior a
30/09/2015 e foi devidamente comunicado ao R. – pontos 29, 30 e 31.
Quid juris?
Estando assente que o preço global da obra acordada seria de €95.045,70 +
IVA e que nada foi acordado ou estipulado contratualmente sobre a forma de
pagamento desse valor, deve entender-se que é uso ou regra prática neste tipo
de contratos que se vão fazendo adiantamentos ou pagamentos por conta do
valor global da obra, em função dos trabalhos já realizados e devidamente
faturados, pois não é prática comum ou regra, nem as condições económico-
financeiras das pequenas e médias empresas assim o permitem, que se aguarde
pelo fim de uma obra para só então se proceder ao pagamento por inteiro ou
na totalidade do preço acordado e em simultâneo ‘receberem-se as chaves’ da
obra.
E muito menos quando estão em causa valores algo avultados, como é o caso.
O que, aliás, é aceite pelo R. no ponto 14º da contestação, onde refere que ‘foi
acordado entre as partes que o pagamento seria satisfeito até à conclusão da
obra ...’.
Mas está provado que no orçamento inicial enviado pela A. e aceite pelo Réu
foram descritos os trabalhos a realizar – ponto 3 e doc. de fls. 7 a 9 –, pois o
Réu apenas alega e defende que não foram acordados os valores parciais e
medidas constantes desse orçamento – vejam-se os pontos 9º e 10º da
contestação.      
Mas sucede que no decurso da feitura da obra pela A. tiveram ainda lugar
outras obras que não haviam anteriormente sido previstas nem orçamentadas
no 1º orçamento apresentado e aceite pelo R., como bem resulta dos pontos 7,
8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20, isto é, de obras ditas ‘a mais’ ou
antes não previstas nem contratualizadas.
Logo, cumpre saber se as faturas que foram emitidas pela A. dizem ou não
respeito a obras efetivamente realizadas pela A. e que tipo de obras são essas.
Da fatura nº 59, junta a fls. 12vº, consta como sendo relativa a ‘serviço
executado de construção de telhado e reestruturação de paredes...’; 
Da fatura nº 171, junta a fls. 13, consta como sendo relativa a ‘fornecimento e
aplicação de telha cerâmica, ...; execução de lintel de travamento em todo o
perímetro da habitação e do anexo; execução de estruturas para coberturas em
madeira, colocação de telha cerâmica em coberturas e execução de beiral do
alpendre’;
Da fatura nº 172, junta a fls. 14 e 15, consta como sendo relativa a
‘fornecimento e aplicação de telha cerâmica em alpendre; execução de
demolição de pisos, paredes, chaminés, cobertura e abertura de vãos;
execução de muros de suporte; colocação de brita em laje térrea; execução de
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alvenarias; fornecimento e colocação de isolamento em cobertura; execução


de laje aligeirada; recuperação de chaminé existente; execução de escadas de
acesso ao quintal em betão armado; execução de dreno em perímetro das
paredes; e execução de pilares em alpendre’;
Da fatura nº 173, junta a fls. 15vº, consta como sendo relativa a ‘demolição de
paredes existentes – 64,8 m2; demolição e rebaixamento do piso existente –
80 m2; execução de novas fundações; execução de paredes em alvenaria;
fornecimento e aplicação de ... cerâmica em cobertura – 47m2; fornecimento e
aplicação de brita em formação de piso térreo’;
Da fatura nº 174, junta a fls. 16, consta como sendo relativa a ‘construção de
paredes formando parede dupla...; construção de lintel de fundação de nova
parede; abertura de 5 vãos (portas e janelas) em paredes...; abertura em
paredes para colocação de caixas de estore, incluindo fornecimento das
mesmas; construção de parede interior em alvenaria (sala) e laje de tecto, ...;
fornecimento e aplicação de isolamento em coberturas de anexo e
alpendre’.        
Ou seja, dessas faturas constam diversos trabalhos inicialmente previstos e
contratados e trabalhos que devem ser tidos como trabalhos a mais, por não
terem sido previstos no dito orçamento inicial e terem até sido orçamentados
posteriormente, conforme pontos 7, 8 e 9, trabalhos estes que foram pelo
menos executados em parte, conforme pontos 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17,
18, 19 e 20, em função do que foram emitidas as supra referidas faturas.
Donde resulta que os valores faturados são devidos pelo Réu, pelo que estava
obrigado a pagar essas faturas, a partir do momento que as recebeu – arts.
405º, nº 1 e 406º, nº 1, ambos do C. Civil.
Não o tendo feito e tendo apenas pago o montante de €32.300,00, está em
dívida no montante de €52.742,45.
Donde se entender e estar justificado que a A. tenha interrompido ou
suspendido a obra em causa, uma vez que interpelou o Réu para satisfazer
esse pagamento e este não o fez, conforme pontos 29, 30 e 31,
designadamente face ao estatuído no art. 1216º, nos 1 e 2 do C. Civil.
E pese embora não tenha sido interposto recurso da parte da sentença que
julgou improcedente o pedido reconvencional, por nela se ter considerado não
se poder conceber a existência de defeitos na obra realizada pela A., dado que
esta não terminou a obra em causa, o que é certo é que não ficaram provados
concretos defeitos nesses trabalhos faturados, conforme alíneas m), n) e o) dos
factos não provados, sendo que mesmo que se possa admitir a existência de
algum ou de alguns vícios, o Réu tinha o dever e o direito de exigir da A. a
eliminação desses defeitos, nos termos do art. 1221º, nº 1 do C. Civil, o que
não fez, tendo até dado como resolvido o contrato de empreitada em causa,
em 13/11/2015, como alega no ponto 45º da contestação e resulta do doc. de
fls. 62.
Concluindo, o Réu não só não pagou o valor das faturas que oportunamente
lhe foram enviadas pela A. e que correspondem a trabalhos acordados e
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efetuados, previstos quer no orçamento inicial acordado, quer como obras a


mais acordadas, como nessa sequência deu como findo o dito contrato, pelo
que está obrigado a pagar à A. o montante faturado em débito, de €52.742,45,
com o acréscimo de juros de mora, à taxa legal, sobre tal montante, contados
desde a data da sua citação, nos termos dos arts. 804º, nº 1, 805º, nº 1, e 806º,
todos do C. Civil.”
 
Perante esta fundamentação, limita-se o Recorrente a reiterar por transcrição a
argumentação da 1.ª instância, não se vislumbrando, perante o fio condutor
seguido pelo acórdão recorrido, quais os fundamentos para sustentar erro de
interpretação ou de aplicação da lei no regime jurídico aplicável,
nomeadamente o constante dos arts. 1207º, 1211º, 2, e 1221º do CCiv. Muito
menos se compreende em que medida e em que termos abona a tese do
Recorrente a invocação dos arts. 2º, 1, do DL 24/96, de 3 Julho (Lei de Defesa
do Consumidor), e 1º-B, a), 4º, 5 (assim será, em vez de se mencionar os arts.
4º e 5º) do DL 67/2003, de 8 Abril, tal como foram, aliás, salientados pela
sentença de 1.ª instância. Poderia esperar-se que, ao menos no corpo das
alegações da revista, o Recorrente desenvolvesse o sentido da sua
discordância quanto ao decidido e explicitasse com que argumentos deveria
rebater-se a fundamentação de direito constante do aresto em crise. Mas não.
As alegações nada acrescentam à matéria das conclusões no concernente à
elucidação da questão decidenda, bastando-se com a enumeração dos
preceitos seguidos e invocados por ambas as instâncias. E, tudo junto, não
abalam a bondade, que se reitera em geral, da interpretação e aplicação da lei
pelo acórdão recorrido.
Por fim, o Recorrente invoca sumariamente que a resolução do contrato de
empreitada em 13/11/2015 operada por iniciativa do Réu – v. facto provado
33. – preclude a exigibilidade do pagamento do montante peticionado de €
52.742,45. Assim se retiraria do Ac. da Relação de Coimbra de 20/5/2014
sustentado em apoio (“a função liberatória da resolução dispensa/exonera o
dono da obra do dever de cumprir qualquer prestação do preço (assim como
também dispensa o empreiteiro de executar o que falta da obra e de reparar
as deficiências)”). Porém, essa asserção jurisprudencial respeita (no caso
decidido por tal instância) às consequências de uma extinção contratual
legitimada pelo incumprimento definitivo do empreiteiro em caso de
suspensão/interrupção da execução do contrato sem causa juridicamente
sustentada para a inexecução da sua prestação (“abandono de obra”).
Enquanto isso, no caso dos autos, os factos provados alicerçam, no encalce do
observado pelo acórdão recorrido, que essa suspensão/interrupção se deveu à
falta dos pagamentos relativos a trabalhos com emissão de factura, depois de
interpelação para pagamento e, por isso, falta juridicamente invocada como
“excepção de não cumprimento” à luz do art. 428º, 1, do CCiv., tendo em
conta a imputabilidade ao Réu do incumprimento parcial e unilateral do preço
relativo aos trabalhos concluídos em razão da execução e entrega de fases da
obra – cfr. factos provados 26. e 29. a 31.[4].
Tal escalonamento do pagamento devido em função das parcelas da obra,
realizadas e facturadas pelo empreiteiro, como acentuou o acórdão recorrido,
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resulta de “uso” dispositivo nos contratos de empreitada (art. 1211º, 2, CCiv.),


contrário ao pagamento do preço no acto de aceitação da obra, uma vez que
não ficara acordada a forma de pagamento do valor da empreitada (em esp.,
cfr. factos não provados b), c) e f)). Para este efeito, os “usos” correspondem
aos costumes de facto observados por certas pessoas em certo domínio
negocial-económico, independentemente da convicção de que, com essa
observância, se obedece a uma certa disciplina jurídica[5], desde que fundados
na devida remissão/habilitação legal (nos termos do art. 3º, 1, do CCiv. «Os
usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente
atendíveis quando a lei o determine.»). E assumem um carácter normativo ou
vinculante, assente no princípio da confiança, com “uma função tão
radicalmente originária como o princípio da autonomia privada”[6]. Em
função desse conjunto negocial e subjectivo, são, por isso, vistos como
“verdadeiras cláusulas tácitas”[7], que, na hipótese, serão denunciados pelas
características da empreitada[8] e/ou deduzidos dos comportamentos
concludentes das partes (art. 217º, 1, CCiv.), no sentido de, não obstante o
contrato de empreitada não ser tipicamente um contrato de prestação
duradoura, ser usualmente fraccionado o pagamento do preço devido pelo
dono da obra, em função da natureza prolongada da sua execução[9] e do
parcelamento dos trabalhos feitos e interpelados para pagamento pelo
empreiteiro. Este uso foi adoptado no caso dos autos tendo em vista a
actuação das partes – v. factos provados 21. a 23. (verifica-se que o Réu pagou
uma parte “por conta do preço”, em referência às facturas emitidas pela
Autora empreiteira, facturas essas recebidas pela Ré) e 29. a 31.
Em face dos factos processualmente assentes, o Réu/Recorrente estava em
mora no pagamento de parte do preço e, portanto, a Autora (empreiteira),
credora desse pagamento, ao invocar a excepção de não cumprimento do
contrato, beneficia do retardamento ou dilação da sua prestação – em rigor, da
continuidade da sua execução – até que cesse o incumprimento da outra parte
(dono da obra, aqui Réu)[10]. Ou seja, oposta a excepção, o excipiens logra
suspender a exigibilidade da sua prestação, situação jurídica que se conserva
enquanto se mantiver o incumprimento da contraente que deu causa à
invocação da excepção. Em consequência, estando em aquiescência o poder
de o seu devedor lhe exigir a realização da sua prestação (a contra-prestação),
o não cumprimento, ainda que seja temporário, é legítimo e, como tal,
imbuído de licitude na economia do contrato bilateral e sinalagmático[11].
Como resultado, à parte inadimplente e causadora da excepção de inexecução
(ou suspensão por inexecução)[12] não assiste o direito potestativo a libertar-
se do vínculo através da resolução legal (nos termos dos 432º, 1, e 801º, 2
(“condição resolutiva tácita”), do CCiv.), mesmo que o faça posteriormente à
interpelação admonitória (e procedimental) do art. 808º, 1, do CCiv. com a
invocação de alegado incumprimento da Autora empreiteira. Em relação a
esta, que invocara prévia e fundadamente a exceptio non adimpleti contractus
para justificar a sua falta de cumprimento, não estamos perante uma situação
de mora do devedor (por não realização da sua prestação no tempo devido, de
acordo com o art. 804º, 2, do CCiv.) que por essa via se possa converter em
incumprimento definitivo ou, sequer, uma falta definitiva de cumprimento

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imputável ao devedor; só se assim fosse se legitimaria a resolução do contrato


pelo dono da obra Réu por inexecução (em princípio culposa)[13].
Em acrescento à ausência dos fundamentos tipicamente justificativos do
exercício do direito de resolução, é ainda de enfatizar que estamos perante um
complexo sucessivo de circunstâncias em que ao contraente dono da obra, que
se considerou legitimado para a resolução[14], se deverá precludir esse poder
unilateral, tendo em conta que o fundamento principal invocado para a
resolução – a suspensão/interrupção da obra pelo empreiteiro – foi resultado
da sua conduta anterior – não pagamento integral dos trabalhos
realizados[15].  
Consequentemente, ao invés do que alega (por apropriação jurisprudencial) o
Recorrente, a resolução sem fundamento e, por isso, ilícita paralisa a
invocação dos efeitos desvinculativos – retroactivos, restitutórios e
liberatórios – da resolução (tal como previstos nos arts. 433º, que remete para
o art. 289º, a 435º, com destaque para o art. 434º, 1, do CCiv., e na medida
admitida pelos arts. 801º, 2, e 434º, 2, do CCiv.), ilegitimamente declarada. De
tal modo que, sendo assim uma resolução ineficaz[16] – ainda que expressiva
de incumprimento definitivo, tal como epilogou o acórdão da Relação[17] –,
não permite ao Réu dono da obra recuperar as suas prestações sinalagmáticas
e correspectivas, já executadas (como preço) antes da declaração resolutiva e
exigíveis em função dessa natureza, nem lograr a exoneração do pagamento,
restante e em falta, das prestações executadas pela contraparte empreiteira –
como é o caso, atento o que ficou assente como factualidade provada de
acordo com os pontos 23. a 31., em conjugação com o dado como não
provado, principalmente nas alíneas a), b), c), f) e g).
Improcedem, pois, as Conclusões O (que reproduz a sentença de 1.ª instância,
com referência a N), P (parte final), Q (com referência a O) e R, tal como
avançadas pelo Recorrente para esgrimir a falta de mérito do acórdão
recorrido.

IV. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o
acórdão recorrido.
*
Custas pelo Recorrente.

STJ/Lisboa, 30 de Junho de 2020

Ricardo Costa – Relator

Maria da Assunção Raimundo

Ana Paula Boularot

SUMÁRIO (arts. 663º, 7, 679º, CPC).

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______________________________________________________

[1] Antes, a fls. 291 e ss, foi proferida decisão de indeferimento das nulidades (art. 615º, 1, do CPC)
invocadas no recurso.
[2] V., por todos, ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina,
Coimbra, 2018, sub art. 662º, págs. 286 e ss, 312 sub art. 674º, págs. 406 e ss, sub art. 682º, págs. 431-432,
433-434, com jurisprudência de suporte; FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual
civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, págs. 594-595.
[3] Embora se refira nesta Conclusão a questão “B – Reapreciação da decisão de mérito”, das Conclusões se
retira inequivocamente que o âmbito do objecto recursivo se reconduz ao segmento do acórdão recorrido
(identificado na Conclusão “B”) em que se analisou a questão “B – Impugnação da decisão de facto”.
[4] Sobre a legitimidade de invocação do benefício da excepção de não cumprimento no contrato de
empreitada, sempre que há “pagamento escalonado do preço, em prestações sucessivas, à medida que a
execução da obra progride, a fim de ser o dono da obra, e não o empreiteiro, a entidade financiadora do
empreendimento”, situações em que “o empreiteiro pode, legitimamente, recusar o prosseguimento da obra,
das fases da obra em falta, se e enquanto o dono não saldar as prestações em dívida”, v. PIRES DE
LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, Volume II (Artigos 762.º a 1250.º), 4.ª ed., Coimbra
Editora, Coimbra, 1997, sub art. 1211º, págs. 875, 877.
[5] Portanto, sem a “convicção de obrigatoriedade que é essencial ao costume”: OLIVEIRA ASCENSÃO, O
Direito. Introdução e teoria geral, 13.ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 279.
[6] Assim, JOÃO BAPTISTA MACHADO, “Tutela da confiança e ‘venire contra factum proprium’”, Obra
dispersa, Volume I, Studia Juridica, Braga, 1991, págs. 382-383 (“usos particulares”, “constantes e
consentidos”, até capazes de poder “derrogar cláusulas do contrato originário”).
[7] V. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, Volume II cit., sub art. 1210º, pág.
872, em conjugação com PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, Volume I (Artigos
1.º a 761.º), com a colaboração de M. Henrique Mesquita, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, sub art.
3º, pág. 54.
[8] Referindo-se neste caso às empreitadas de “grande dimensão”, v. LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das
obrigações, Volume III, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, pág. 470.
[9] LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, Volume III cit., pág. 462.
[10] V., por ex., o Ac. do STJ de 6/9/2016, processo n.º 6514/12.2TCLRS.L1.S1, Rel. GARCIA CALEJO,
in www.dgsi.pt.
[11] V., inequivocamente, ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Vol. II, Almedina, Coimbra,
1997 (reimp. 2009), pág. 116, falta de ilicitude essa que se consolida “enquanto o credor não tiver efectuado
a contraprestação ou oferecido o seu cumprimento simultâneo”.
[12] INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das obrigações, 7.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010
(reimp. 2014), pág. 452.
[13] V. BAPTISTA MACHADO, “Pressupostos da resolução por incumprimento”, Obra dispersa, Vol. I,
Scientia Juridica, Braga, 1991, págs. 130-131 (“precisa de se verificar um facto que crie este direito –
melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito
potestativo. Tal facto ou fundamento é aqui (…) o facto de incumprimento ou situação de inadimplência”);
ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Vol. II cit., pág. 125 (“só a falta (definitiva) de
cumprimento legitima a resolução do contrato”); INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das obrigações
cit., págs. 454-457, 459-460 (“torna-se necessário que o não cumprimento seja imputável ao devedor”).
Justamente por isso se designou, no Ac. do STJ de 4/4/2006, processo n.º 06A205, Rel. ALVES VELHO, in
www.dgsi.pt, haver aqui um “direito potestativo vinculado” nos termos do art. 432º, 1, do CCiv., ficando “a
parte que invoca o direito à resolução, e suas consequências, obrigada a demonstrar o fundamento que
justifica a destruição do vínculo contratual” (sublinhado nosso).
[14] Quanto à sua invocação, com recurso também ao art. 428º, 1, do CCiv., do cumprimento defeituoso
pelo empreiteiro das prestações executadas – cfr. factos provados 28. e 33., assim como facto não provado n)
–, essa é questão decidida em 1.ª instância na apreciação do pedido reconvencional (como sublinhou o
acórdão recorrido) e que não foi levada à impugnação recursiva junto das instâncias superiores (ainda que
fosse lógica e cronologicamente posterior à prioritária questão da exceptio levantada pelo empreiteiro).
[15] Neste sentido, JORGE RIBEIRO DE FARIA, Lições de cumprimento e não cumprimento das
obrigações, 2.ª ed., Universidade Católica Editora, Porto, 2017, págs. 363-364 (se a resolução “tiver
resultado exclusiva ou preponderantemente da sua conduta”).
[16] Convergentes: PAULO MOTA PINTO, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo,
Volume II, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, nt. 4861 – págs. 1674 e ss (“A resolução sem fundamento (sem
o direito potestativo que a fundamente) é, pois, ineficaz. (…) sob pena de se estar a conceder directa
prevalência, sobre a inequívoca força do Direito, ao facto ilícito”); NUNO PINTO OLIVEIRA, Princípios
de direito dos contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 890 e ss, em esp. 891, 896-897.
www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a8e1e1dac696ceb80258736004a912d?OpenDocument 26/27
19/09/22, 16:38 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

[17] Favorável, no âmbito de uma compreensão mitigada, que, partindo do princípio do não reconhecimento
do efeito extintivo quanto à resolução sem fundamento, que “traduz um exercício ilícito do respectivo
direito” em ordem a “obter o resultado pretendido, em violação da lei”, conclui pela não manutenção da
relação contratual e (para além de conversão em denúncia sem pré-aviso com indemnização no contrato de
agência) equiparação a declaração de não cumprimento definitivo, v. ANTÓNIO PINTO MONTEIRO,
Direito comercial. Contratos de distribuição comercial. Relatório, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 147-148
e nt. 282, Contrato de agência, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, sub art. 30º, págs. 136 e ss. Quanto a este
último ponto, v. o Ac. do STJ de 12/5/2016, processo n.º 2470/08.0TVLSB.L1.S1, Rel. MARIA DA
GRAÇA TRIGO, in www.dgsi.pt.

www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8a8e1e1dac696ceb80258736004a912d?OpenDocument 27/27

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