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História da

Filosofia Antiga
Material Teórico
Introdução à Filosofia Medieval

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Anderson Luis Venâncio

Revisão Textual:
Profa. Ms. Luciene Oliveira da Costa Santos
Introdução à Filosofia Medieval

• Contexto histórico do surgimento da


Filosofia Medieval

• Filosofia Cristã: Problemas

··Nesta unidade, vamos trabalhar um pouco o início da História


da Filosofia Medieval. Isso é possível porque os teólogos do
cristianismo tiveram que buscar suporte filosófico no mundo
antigo para justificar algumas posições adotadas pelo papado.
Isso levou a um processo de contínuas leituras e releituras,
para uma resposta sobre as questões sobre Fé e Razão.

Você irá assistir aos vídeos e será disponibilizado o Material Teórico para melhor elucidar os
conceitos que envolvem História da Filosofia Antiga.
Depois de assistir às aulas e ler o texto teórico, faça a Atividade de Sistematização, composta por
questões objetivas.
Como Atividade Reflexiva foi proposta a leitura sobre Santo Agostinho. Nessa atividade, você
irá elaborar um pequeno texto que deverá ser enviado, como anexo, no espaço da atividade.
No Material Complementar, há como sugestão de leitura a indicação de links relacionados ao tema.
Fique atento(a) ao prazo de encerramento da unidade e procure participar de todas as atividades
para seu melhor desempenho.

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Unidade: Introdução à Filosofia Medieval

Contextualização

Acesse o link http://www.paraclitus.com.br/2013/veritas/filosofia/a-filosofia-de-


santo-agostinho/ e descubra mais sobre os principais pontos da Filosofia de Santo
Agostinho. Lembre-se de que ele foi fundamental para construção do pensamento
filosófico da Cristandade.

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1. Contexto histórico do surgimento da Filosofia Medieval

“Aquilo que a verdade descobrir não pode contrariar aos livros


sagrados, quer do Antigo quer do Novo Testamento.”
(Santo Agostinho)
A Filosofia Medieval surge com a Patrística, Filosofia dos padres
da Igreja, no século II d.C., período em que há o declínio do Império
Romano, e, ao mesmo tempo, a expansão do Cristianismo. Como
a religião cristã é uma religião essencialmente missionária, isto é,
tem como propósito a cristianização, a pregação das Sagradas
Escrituras, os clérigos criaram a Apologética, a saber, a apologia
ao Cristianismo. Para tanto recorreram à Filosofia platônica e
acabaram por produzir uma síntese entre a Filosofia platônica
e a doutrina cristã. O principal nome da Patrística foi Santo
Agostinho. Se utilizando da Filosofia Platônica, Santo Agostinho
traça o seguinte paralelo: o mundo das ideias, exprime a perfeição
e seria equivalente às ideias divinas, que exprimem a verdade; e
o mundo sensível, cópia imperfeita do mundo inteligível e seria
equivalente às ideias mundanas, que são as opiniões. Se, para
Santo Agostinho, pintura de Simone
Martini, 1325.
Platão, o Sol ilumina a ideia de Bem, para Santo Agostinho, Deus
ilumina as verdades eternas. Segundo a teoria de iluminação de
Santo Agostinho, o homem recebe de Deus o conhecimento das verdades eternas: tal como o
Sol, Deus ilumina a razão e torna possível o pensar correto. Neste ponto, podemos perguntar se
qualquer homem terá a sua razão iluminada por Deus.
Certamente não, mas somente aquele que crê, que tem fé. Assim podemos entender a
expressão agostiniana: “Credo ut intelligam (Creio para que possa entender).” Desse modo,
a razão é considerada auxiliar da fé e a ela subordinada. Em suma, do século II ao século IX,
a chamada Alta Idade Média, foi o período em que predominou a Patrística: os padres da
Igreja retomavam a cultura antiga de modo a adequar o conhecimento até então produzido
às verdades teológica. Do século X ao século XIV, a chamada Baixa Idade Média, temos a
Escolástica: que é a Filosofia cristã propriamente dita, já que a Filosofia do período patrístico era
a Filosofia denominada greco-romana, ou Filosofia da Antiguidade tardia.
De modo geral, podemos dizer que, apesar da razão ser considerada “serva da Teologia”,
no século XI, com o renascimento urbano, surgem diversas universidades por toda a Europa.
Nos debates filosóficos, a razão parece ganhar certa autonomia. Nesse momento, a Filosofia de
Aristóteles, que antes era vista com desconfiança, tida como perigosa para a fé, é retomada por
São Tomás de Aquino. Este, por sua vez, procura adaptar tal Filosofia à Escolástica, criando o
que passou a ser conhecido como Filosofia Aristotélico-Tomista. São Tomás de Aquino escreveu
a Suma teológica, na qual as questões de fé são abordadas pela “luz da razão” e a Filosofia
como o instrumento que auxilia o trabalho da Teologia.

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Unidade: Introdução à Filosofia Medieval

2. Filosofia Cristã: Problemas

Seja na Patrística ou na Escolástica, o problema da Filosofia cristã era


o de encontrar um meio para reunir as verdades da razão e as verdades
da fé, isto é, reunir o que a Filosofia havia separado em sua constituição
primeira: a razão e o mito. Ora, que “mitos” do Cristianismo precisam
ser provados ou, ao menos, explicados racionalmente? Faz-se necessário:

1. Provar a existência de Deus e os atributos de sua essência, isto é,


provar racionalmente que Deus existe e possui, por essência, os
seguintes atributos: eternidade, infinitude, onisciência, onipotência,
bondade, justiça e misericórdia. Santo Tomás de Aquino por Fra
Bartolommeo (1395 - 1455)

2. Provar que o mundo existe e não é eterno, mas que foi criado por Deus do nada e
retornará ao nada, no dia do Juízo Final; explicar racionalmente como o mundo foi criado
segundo a vontade divina e é determinado pela Providência divina, através das leis da
Natureza e dos milagres.

3. Provar que a ação divina pode ter efeitos materiais e finitos, como a criação do homem e
do mundo, apesar da natureza de Deus ser imaterial e infinita.Tal inferência de que uma
causa imaterial é infinita pode ter como efeito algo material e finito parece ser um tanto
absurdo para os filósofos gregos, pois, segundo os princípios da identidade e da não
contradição, uma causa deve ser, necessariamente, da mesma natureza que seu efeito.
Ora, a natureza divina não é a mesma que a natureza humana ou mundana, portanto,
a criação do mundo por Deus parece ser uma contradição. Se não for possível provar
racionalmente a criação do mundo devemos, visto que a razão humana é limitada segundo
alguns metafísicos cristãos, considerá-la como um mistério da fé.

4. Provar que não há contradição entre a liberdade humana e a onisciência-onipresença de


Deus. Se Deus fez cada um dos homens e, desde sempre, determinou o que cada um deles
escolherá, então o homem não é livre, mas suas escolhas já foram pré-determinadas pela
vontade divina. Poderia se perguntar para quê tantas provas? Tais provas não servem senão
para mostrar que fé e razão, revelação e conhecimento intelectivo não são incompatíveis e,
quando o forem, a fé ou a revelação deve ser considerada superior à razão e ao intelecto,
que devem se submeter a ela. Como escreveu Tomás de Aquino: “sempre que Agostinho,
imbuído das doutrinas dos platonistas encontrava nos seus escritos algo consistente com a
fé, adotava-o; e aquilo que era contrário à fé, corrigia-o. (Suma teológica I, 84, 5)”.

Você sabia?
São Tomás de Aquino nasceu em 1225 e – segundo a maior parte dos biógrafos –
morreu em 1274.

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Podemos concluir que, como vimos, a problemática cristã constitui-se essencialmente na
relação entre fé e razão. Conhecemos verdadeiramente pela fé e pela razão juntas? Apenas pela
fé? Apenas pela razão? Predominantemente pela fé ou pela razão? Segundo Verweyen, em sua
obra Historia de la Filosofia Medieval, temos na Escolástica três soluções:
1. A racionalizante: a verdade é apreendida pela razão conforme a revelação divina e
não a contradiz, além disso, há a inclinação em elevar ao máximo as pretensões da razão.
2. A semirracionalista: a verdade é revelada e a razão tem o papel explicativo ou até
persuasivo, ou seja, trata-se de manter em posição equidistante os extremos à fé e ao saber.
3. A antirracionalista: a verdade é revelada e necessariamente crida, sem fundamentos
racionais, portanto, se espera muito pouco da razão visto que a salvação do conhecimento
depende da fé.

No decorrer do mundo medieval, algumas correntes tentaram conciliar fé e Filosofia. No


geral, temos três grandes correntes:

1. Racionalista
Erígena, teólogo cristão, dizia que o princípio da verdadeira autoridade é a verdade
encontrada pela razão. A verdadeira religião e a verdadeira Filosofia coincidiam: a Filosofia
não é outra coisa “senão expor as regras da religião verdadeira, com a qual se investiga
humildemente, respeitosamente e razoavelmente, a causa suprema e principal de todas as
coisas, ou seja, Deus (De praed. I, 1).” Para o teólogo, a tarefa da razão é descobrir o sentido
das doutrinas bíblicas. Temos da revelação uma interpretação alegórica das imagens, mas seu
conteúdo profundamente espiritual só pode ser apreendido por filósofos. O viés racionalizante
fica evidente ao defender que a verdade é encontrada pela razão e toda aquela que não
for confirmada pela razão é insegura, nas palavras do mesmo: “Toda autoridade que não é
aprovada pela razão verdadeira, parece se débil, pois me parece que a verdadeira autoridade
não é outra coisa que a verdade encontrada em virtude da razão (De Divinat I, 71).”. Aberlardo,
que também parece se aproximar de um viés racionalizante, afirma que a razão deve examinar
a autenticidade do conteúdo da suposta revelação e, ao mesmo tempo, defendê-la contra as
objeções filosóficas. Deve-se acreditar na revelação não porque Deus disse, mas porque se
convence de que é assim.
Abelardo não acata propriamente um racionalismo teológico extremo. Ora diz que querer
conceber todos os mistérios da revelação é arrogância, ora sustenta que as revelações inconcebíveis
carecem de sentido e que admitir um dogma implica, antes de tudo, estar convencido do
mesmo. Para crer em uma doutrina é preciso entendê-la primeiro, pois seria motivo de riso se
alguém pretendesse instruir outra pessoa sobre coisas que nem ele mesmo entende. Raimundo
Lullo, ilustre racionalista, diz ser a fé uma fonte de conhecimento elevada acima das faculdades
naturais do entendimento, mas ela é como um instrumento do qual se serve o entendimento para
encontrar o caminho que o conduz às verdades supremas. Desse modo, Lullo efetua a seguinte
inversão: enquanto para os semirracionalistas, como Santo Agostinho e Tomás de Aquino, a razão
é instrumento da fé para se conhecer a verdade, para Lullo, a fé seria um instrumento da razão.
Segundo o mesmo, o fim do intelecto não é a fé, mas a intelecção das verdades da fé. A verdade,
por um lado, é adquirida pela revelação, mas, por outro, o homem a apreende pela razão.

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Unidade: Introdução à Filosofia Medieval

Berengar de Tours foi além em sua ousadia ao negar


a transformação do pão e do vinho na carne e no sangue
de Cristo, pois não é possível uma alteração da substância
sem uma alteração simultânea dos acidentes, o que mostra
seu extremo racionalismo. Para ele, a decisão última sobre
a verdade não está nem nos padres, nem na Bíblia, mas
na dialética, na razão. Podemos concluir que, tais teólogos
mostram uma tendência racionalizante à medida que, sem pôr
em dúvida a revelação como fonte do conhecimento, desejam
captar e fundamentar, dentro do possível, todos os conteúdos
da revelação por meio do entendimento. Não advertem, como
fazem os partidários da diretriz semirracionalista, o sentimento
de humildade diante das verdades misteriosas da fé, que são, Berengar de Tours, desenho de Hendrik
por excelência, inconcebíveis e indemonstráveis. Hondius the Elder, 1602.

2. Semirracionalista
Anselmo, bem como Santo Agostinho, afirma que tanto é preciso crer para entender (Credo
ut intelligam), como também entender para crer (Intellige ut credas). A razão, desse modo, tem
a tarefa de conhecer os feitos da revelação para alcançar, mediante este saber, a fé ao conteúdo
da revelação. De outro modo, para o teólogo, a verdade está assegurada por Deus mesmo, mas,
uma vez que a razão está convencida do conteúdo do feito da revelação, ela não pretenderá se
impor à verdade de tal conteúdo. A verdade do conteúdo da revelação (milagres e profecias)
está assegurada desde o princípio por Deus e independe da razão apreendê-la ou não. Bernardo
de Clairvaux concorda com Anselmo e diz que, diante de um conflito, subordinava a razão à
fé. Em suas palavras: “nenhum cristão católico deve por em questão o que a Igreja Católica
crê de coração e declara oralmente, mas deve se ater, sem dúvida, a esta fé, e amá-la e viver
segundo ela, buscar com humildade e, até onde seja possível, os fundamentos de sua crença.
Caso possa penetrar até a intelecção dos mesmos, que agradeça a Deus; se não pode, que não
se ponha contra eles: que incline a cabeça e reze (De Trinitate).”. Como vemos, a razão pode
ser útil, mas é limitada e não se impõe à fé.
Alberto Magno afirmava que a Teologia e a Filosofia são domínios separados. Para ele, a
Teologia surge da revelação e a Filosofia da razão e da experiência. A Teologia deve se esforçar
para obter fundamentos racionais aos princípios da fé e se utilizar do poder da convicção contra
os incrédulos. Porém, nem todas as doutrinas da fé podem ser fundamentadas pela razão. O
grau de verdade da Teologia é maior que o da Filosofia, pois a primeira se assenta na inspiração
divina e a segunda na lei natural e na razão humana, passiva de erro. Atentamo-nos para o
seguinte quadro comparativo:
Teologia: Filosofia:
- revelação sobrenatural; - revelação natural:
- luz supramundana; - luz contemplada no mundo;
- elevada aos homens; - comum aos homens;

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Visto que ambas, a Teologia e a Filosofia, fluem da mesma fonte divina, não é possível haver
contradição entre a fé e o saber, a verdade divina e a verdade. Como diz o teólogo, “dois são
os modos da revelação. Um é pelo modo comum a todos nós. E este modo foi revelado aos
filósofos: pois esta luz não pode derivar senão da primeira luz de Deus [...]. A outra luz há de
ser contemplada no supramundo e está elevada acima de nós. E por meio desta luz foi revelada
esta ciência [a Teologia] (S. Theo I, 39. 15).”.
Santo Tomás de Aquino acreditava que a fé é um ato do intelecto que está determinado pela
vontade, e que produz uma certeza firme sem dúvida. É pela vontade que o homem é capaz de
reconhecer interiormente as verdades reveladas, mesmo que o intelecto não as possa conceber
integralmente. Enquanto o intelecto depende da fé, à medida que, pela fé, ele assente a algo,
isto é, inclina-se, por escolha voluntária, a conhecê-lo, a fé se produz mediante o livre arbítrio
movido por Deus através da Graça. Segundo o filósofo, a vontade daquele que tem fé é movida
por Deus para direcionar o intelecto de modo a conhecer as verdades divinas. Desse modo, a
má vontade leva ao erro, e “o erro é filho do pecado (Antigo Testamento).”.
Para compreendermos a relação entre fé e razão, de acordo com Tomás de Aquino, é preciso
compreendermos antes o que ele entende por duplex veritas (dupla verdade), conceito introduzido
no Ocidente por Averroes. Segundo o filósofo, a verdade é única, mas pode chegar ao sujeito
que a conhece de duas maneiras: por revelação sobrenatural ou pelo conhecimento natural da
razão. Deus é una et simplex veritas (uma e simples verdade), mas nosso conhecimento pode
se realizar de duas maneiras. Como os dois modos distintos de conhecermos procederem de
uma única e mesma fonte: a verdade divina; é impossível que a fé e o saber se contradigam,
as verdades da fé retamente entendidas não podem contradizer as verdades reais da razão.
A importância da razão aparece quando Tomás de Aquino enfatiza o fato do conhecimento
natural de que Deus falou à humanidade através de seus profetas, assegurar à fé uma base
racional, ou seja, porque a verdade divina foi formulada numa linguagem humana e terrestre é
que ela pode ser desvendada para o homem: “A fé pressupõe o conhecimento natural, como a
graça pressupõe a natureza, e a perfeição o perfectível (S.T, I,2).”. Sendo assim, inferimos que a
natureza da razão humana é, por princípio, capaz de conhecer as verdades divinas.
Em outros termos, a linguagem humana e terrestre serve para transmitir as verdades
sobrenaturais contidas nas revelações divinas, portanto, as verdades sobrenaturais devem
conservar certa inteligibilidade para a razão humana, senão a linguagem da fé seria um
enigma indecifrável. A fé não pode ser uma operação cega e irracional, o que significa
dizer que a palavra de Deus tem algum sentido para a razão. Não existe fé para um ser
privado de razão, assim como não há conhecimento sobrenatural sem a possibilidade de um
conhecimento natural. A fé pressupõe a razão à medida que é preciso dar sentido à palavra
de Deus e também porque Deus é objeto da razão e da fé. Deus é um só, mas difere para a
fé e para a razão. Afirmar Deus pela fé difere de afirmar Deus pela razão. Se, para a fé, Deus
é objeto adequado, para a razão, Deus transcende ao próprio objeto da razão. Isso porque,
o objeto da fé é aquilo que se acredita e não é visto, somente pela revelação sobrenatural
se pode ver, já o objeto da razão é aquilo que se sabe e é visto pela luz natural da razão.
Enquanto para a fé, Deus é “essa verdade primeira cuja visão dá origem aos bem aventurados
(S.T, II,q.5, a1)”, para a razão, Deus é a causa primeira do universo. Dito isto, conclui-se
que a fé exige o assentimento do intelecto, isto é, “a fé implica a adesão da inteligência
àquilo em que se acredita (S.T, III, q.1, a 4)”, portanto, o conhecimento sobrenatural
da fé tem como fundamento de sua possibilidade o conhecimento natural da razão.

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Unidade: Introdução à Filosofia Medieval

Mesmo que o crente tenha fé sem captar a prova racional, ao menos deve entender o sentido
da verdade sobrenatural. Enfim, os fundamentos da fé, bem como os conteúdos da revelação
são, ao menos, parcialmente acessíveis à razão à medida que são expressos em linguagem.
Segundo Tomás de Aquino, há verdades que são por si mesmas acessíveis à razão, as verdades
racionais, outras estão elevadas por sobre a razão, portanto, não podem ser fundamentadas
racionalmente, mas tais verdades suprarracionais (que não são irracionais, mas transcendem
à razão) devem ser expressas em linguagem.
Para a diretriz semirracionalista, são três os papéis da razão com relação às verdades divinas:
(i) mostrar a falta de contradição; (ii) fornecer condição de possibilidade para algumas e não
para todas; e (iii) defender contra as objeções dos adversários. Segundo Tomás de Aquino, “o
papel da razão humana no ensino sagrado não é provar as verdades da fé, pois a fé perderia
seu mérito nessa altura, mas explicar o conteúdo desse ensino” (BOLETIM DE TRINITATE).
Em suma, segundo tal diretriz a fé aperfeiçoa a razão. A fé não está subordinada à razão, nem
a razão anexada à fé. Há promoção mútua entre ambas. Há um acordo inabalável entre a
verdade terrestre evidenciada pela razão e a verdade da fé recebida pela revelação.

3. A antirracionalista
O objetivo da diretriz antirracionalista é mostrar que não há qualquer conexão entre o
conhecimento natural e a fé sobrenatural. Ao contrário, há uma supremacia da fé sobre a
razão, a qual não faz senão prejudicar a própria crença nas verdades divinas. Tertuliano, por
exemplo, afirmava que os filósofos e os cristãos eram inimigos inconciliáveis, que os filósofos
eram patriarcas dos hereges, defendendo o seguinte moto: credo quia absurdum (creio no
absurdo, no inconcebível). Ora, porque procurar saber o que não é possível. Damiani insistia
no fato de que a prudência humana não deve se permitir governar as questões da fé, pois todo
conhecimento natural, a ciência mundana, carece totalmente de valor. Lactâncio procurava
provar que qualquer sabedoria humana, frente à divina, é uma necessidade vã e que a
Filosofia, bem como todo conhecimento da natureza são inúteis. Somente a revelação conduz
ao verdadeiro conhecimento. Manegold de Lantenbach dizia que a Filosofia é supérflua e um
reduto de lutas entre filósofos com influências diabólicas. Ele considerava que dogmas como o
nascimento da Virgem e o da Ressurreição são instâncias opostas às da razão filosófica. Walter
de San Victor afirmava que todas as heresias provinham da Filosofia e da dialética. Absalón
condenava a Dialética e considerava Platão e Aristóteles inimigos de Cristo. Segundo Juan de
Jandum, o nascimento e a imortalidade da alma não são evidentemente demonstráveis nem
pela razão, nem pela experiência, portanto, a autoridade da Bíblia e a tradição eclesiástica
devem se sobrepor às argumentações defeituosas da razão. O mérito consiste precisamente em
crer no inconcebível.
Essa direção antirracionalista foi posta de lado no século XIII pela direção semirracionalista,
porém, ela reapareceu no século XIV e encontrou partidários entre os místicos. Gerson, por
exemplo, valoriza muito pouco a especulação em comparação com o que chama de Teologia
Mística. Mais importante do que os conflitos filosóficos e dialéticos, mais importante do que toda
falsa curiosidade própria, segundo ele, dos escolásticos, parece ser uma reflexão baseada no
arrependimento. Tal reflexão conduz ao conhecimento verdadeiro que consiste na apreensão
das verdades do Evangelho. A mais alta valoração não recai sobre o intelecto, mas sobre a
mística identificação da alma com Deus e com o divino em um ato de fé e intuição.

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Material Complementar

• http://www.mundodosfilosofos.com.br/agostinho.htm
• http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/mestre-razao-
prudencia-423314.shtml
• http://www.estudopratico.com.br/historia-da-filosofia-medieval-escolas-e-
filosofos/

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Unidade: Introdução à Filosofia Medieval

Referências

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Classical Philosophy: Collected Papers – Plato’s Metaphysics and Epistemology. Ed.
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DEMPF, Alois, La concepción del mundo en la edad media, Madrid, Editorial Gredos,
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HIRSCHBERGER, Johannes. Historia da Filosofia na idade media, São Paulo, Herder,


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RASSAN, J. Tomás de Aquino. Ed. 70, 1969.

VERWEYEN, M. História de la Filosofia Medieval. Editorial Nova, Buenos

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Anotações

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