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JESUS

FONTE DE ÁGUA VIVA


Raimundo Pereira de Sousa

JESUS
FONTE DE ÁGUA VIVA

Um estudo exegético de João 7, 37-39,


segundo o Midrash

1ª Edição
JESUS, FONTE DE ÁGUA VIVA
© 2019 Raimundo Pereira de Sousa
Todos os direitos reservados

1ª Edição ― Editora GARCIA


Brasil ― Dezembro de 2019
ISBN 978-85-5512-602-4

Imagens da capa : Shutterstock

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Sousa, Raimundo Pereira de
Jesus, fonte de água viva / Raimundo Pereira de Sousa -- 1ª
ed. -- Juiz de Fora, MG: Editora Garcia, 2019.

ISBN 978-85-5512-602-4

1. Estudo da Bíblia. I. Título.

CDD ― 220,7

Editado por: Editora Garcia


Revisão: Professora Isabelle Ah Time
Impressão: Garcia Impressão de Livros
Site: www.editoragarcia.com.br
E-mail: editorial@editoragarcia.com.br
AGRADECIMENTO

Gratidão ao Eterno Bendito Deus, por ser a


fonte de Água Viva na minha vida, que sacia
minha sede de justiça e de paz.
Gratidão a toda minha família, base da minha
existência, que transmitiu, ensinou e educou
que a fonte da vida é Jesus Cristo.
Gratidão a minha querida amada esposa, Ma-
ria Ilderlânia, pelo companheirismo, com-
preensão e indescritível apoio que me ajudou
a tornar este sonho uma realidade.
Gratidão ao meu amigo Pe. Manoel e a toda
Congregação Nossa Senhora de Sion, pelo
testemunho de vida, e por ter despertado em
mim cada vez mais a paixão pelo estudo e pela
prática da Palavra de Deus.
Gratidão ao meu amigo professor Marivan
Ramos que, com amor e disposição, aceitou
fazer a apresentação deste trabalho, fazendo
as devidas observações metodológicas.
Gratidão ao professor Pe. Boris que, com ca-
rinho, prefaciou este livro, fazendo algumas
orientações teológicas.
Gratidão à professora Isabelle Ah Time que,
com amor e carinho, fez o trabalho de corre-
ção e revisão do texto.
Gratidão ao meu amigo professor Márcio
Mattos, por ter incentivado a realização deste
livro e pelo seu testemunho de vida como es-
critor.
Gratidão e dedicação a todos (as) aqueles (as)
que acreditam que Jesus é a Fonte de Água
Viva.
SUMÁRIO

SIGLAS.....................................................................................9
APRESENTAÇÃO.....................................................................11
PREFÁCIO..............................................................................15
INTRODUÇÃO.........................................................................17
CAPÍTULO I............................................................................23
1 O MIDRASH COMO EXEGESE DA ESCRITURA......................23
1.1 Escritura e Tradição Oral – Torá Oral e Torá Escrita........23
1.2 O Midrash.....................................................................26
1.2.1 Dois tipos de Midrash.............................................28
1.2.2 O Midrash como processo de formação da Escritura. .31
1.2.3 O Midrash como exegese da Escritura.....................34
1.3 Resumo: resultados e perspectivas................................38
CAPÍTULO II...........................................................................41
2 O MIDRASH COMO EXEGESE DO NOVO TESTAMENTO.........41
2.1 O Midrash como formação do Novo Testamento............43
2.2 O Midrash como exegese do Novo Testamento..............45
2.3 O Midrash no Evangelho segundo João..........................55
2.4 Resumo: resultados e perspectivas...................................59
CAPÍTULO III..........................................................................62
3 EXEGESE MIDRÁSHICA DE JO 7,37-39................................62
3.1 Texto Grego...................................................................62
3.2 Delimitação do Texto.....................................................62
3.1 Tradução e Segmentação..............................................65
3.4 Estudo Midráshico da perícope......................................67
3.5 A relação da perícope com as Escrituras........................68
3.5.1 O simbolismo da Água e o Espírito nas Escrituras. . .69
3.5.2 O simbolismo da Água e Espírito na Tradição Rabínica..77
3.5.3 O simbolismo da Água e Espírito nos Padres da Igreja...81
3.5.4 O simbolismo da Água e Espírito no Evangelho segun-
do São João 7,37-39.......................................................85
3.6 Resumo: resultados e perspectivas................................89
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................90
GLOSSÁRIO............................................................................95
REFERÊNCIAS........................................................................99
SIGLAS

Documentos

 NA – Nostra Aetate
 PCB – Pontifícia Comissão Bíblica

Livros Bíblicos

• Gn – Gênesis • Mt – Mateus
• Ex – Êxodo • Mc – Marcos
• Lv – Levítico • Lc – Lucas
• Nm – Números • Jo – João
• Dt – Deuteronômio • At – Atos dos Apóstolos
• 2 Sm – 2º Livro de Samuel • Rm – Romanos
• 1 Rs – 1º Livro de Reis • 1 Cor – Coríntios
• 2º Livro de Crônicas = 2 Cr • Gl – Gálatas
• Esd – Esdras • 1 Ts – Tessalonicenses
• Sl – Salmos • 1 Tm – Timóteo
• Pr – Provérbios • Hb – Hebreus
• Ecl – Eclesiastes • 1 Pd – Pedro
• Is – Isaías • Ap – Apocalipse
• Jr – Jeremias
• Ez – Ezequiel
• Jl – Joel
• Am – Amós
• Jn – Jonas
• Mq – Miquéias
• Zc – Zacarias

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APRESENTAÇÃO

Caros (as) leitores (as), é com grande alegria que me en-


contro com você para apresentar a obra Jesus, a fonte de água
viva. Um estudo exegético de Jo 7,37-39, segundo o midrash,
do meu querido amigo professor Raimundo P. de Sousa.
Professor Raimundo é um grande amigo de longa data.
Fui um dos seus formadores no ministério extraordinário do
Culto e da Palavra na Paróquia São Pedro Apóstolo, Mauá –
Diocese de Santo André – onde, juntos, servimos a Igreja de
Cristo. Como não se admirar e se emocionar com o cresci-
mento desse rapaz que, em tão pouco tempo de vida, soube
experimentar as muitas reviravoltas que só a vida pode nos
oferecer, como, por exemplo, as dores, os sofrimentos, as in-
certezas, mas também as alegrias e o incansável prazer do re-
começo, e por fim, de nunca ter perdido a esperança, pois
essa tem sido seu guia e mestra.
Na caminhada dos estudos acadêmicos, professor Rai-
mundo dedica sua vida à educação na área da Filosofia e Teo-
logia, pois, diz ele: “que do mesmo modo como os estudos
me ajudaram a superar alguns dramas da vida, assim também
acredito que posso hoje, com meu conhecimento, ajudar as
pessoas a vencerem alguns de seus dramas, e com isso se tor-
narem pessoas melhores”.
No Centro Cristão de Estudos Judaicos (CCDEJ) onde le-
ciona aulas de Teologia, professor Raimundo tem ajudado
muitas pessoas a pensarem sua fé, e com profunda admiração,
acompanho seu crescimento teológico e percebo o bem que ele
11
Jesus: fonte de água viva

faz ao povo de Deus através de seus escritos, palestras e aulas.


Essa obra, que aqui apresento, está imbuída de um gran-
de conhecimento na área da exegese bíblica. Em seu texto, o
qual trabalha com uma pequena perícope do evangelho se-
gundo São João, através da interpretação bíblica, busca uma
aproximação com o modo de como Jesus e seus contemporâ-
neos faziam ao ler as Escrituras e de entendê-las, a fim de
atualizá-las para a vida da comunidade, ou seja, a interpreta-
ção midráshica do Texto Sagrado. Modo esse que infelizmen-
te para muitos cristãos é desconhecido. Nesse sentido, esse
texto visa apresentar essa interpretação midráshica que é le-
gítima (cf. o documento Magisterial A interpretação da Bí-
blia na Igreja, 1994) e muito conhecida pela Patrística, mas
que em algum momento perdemo-la de vista.
Por isso meu entusiasmo ao ser convidado para escrever
essa Apresentação, pois tenho plena convicção que todos
aqueles que se aproximarem dessa obra poderão saborear as
maravilhas contidas na Palavra de Deus através da arte da in-
terpretação midráshica do texto bíblico. Arte essa que não se
trata apenas de um trabalho técnico, frio e por isso mesmo
sem nenhum envolvimento com o texto e com “seu espírito”.
Antes, ao contrário, a exegese bíblica midráshica é a arte de
buscar a presença de Deus em sua Palavra para nossa vida, ou
como diz um religioso e uma religiosa de Sion: “Midrash, a
Leitura-busca é, portanto, uma busca amorosa do Senhor, do
sentido de sua Palavra, para pô-la em prática” (AVRIL; LE-
NHARDT, 2018, p. 34).
“Busquemos ao Senhor enquanto pode ser achado, in-
vocai-o enquanto está perto” (Is 55,6), exorta-nos o profeta
Isaías.

12
Raimundo Pereira de Sousa

Parabenizo o professor Raimundo por sua pesquisa rea-


lizada na área de Teologia Bíblica, pois ela é séria, compro-
metida e libertadora. Apresenta-nos a dimensão da interpreta-
ção do texto bíblico de uma maneira amorosa e cheia de espe-
rança, pois nos consola saber que em meio a tanto abandono
e miséria, o intérprete bíblico pode nos ajudar a compreender
que Deus não abandona seu povo, pelo contrário, Ele cami-
nha entre nós (cf. Mt 1,23).
Que Nosso Senhor Jesus derrame suas graças e que esse
livro, pela força do testemunho de seu autor e a ação do Es-
pírito Santo, fecunde e frutifique a vida de todos aqueles (as)
que com ele se encontrar.
Rogo a Virgem Maria de Sion, mãe da Igreja e interces-
sora nossa, que sempre o envolva, bem como toda a sua famí-
lia com seu manto sagrado, e com o seu doce e meigo olhar
os protejam de todas as ciladas e armadilhas que teimem em
surpreendê-los ao longo de sua caminhada, pois cremos pia-
mente naquela oração que São Bernardo nos ensinou: “de que
nunca se ouviu dizer que algum dos que recorreram a vossa
proteção, imploraram a vossa assistência e clamaram por vos-
so socorro tenha sido por Vós desamparado”.
Dai-nos a bênção, ó mãe querida!

Prof. Ms. Marivan Soares Ramos


Coordenador do Centro Cristão de Estudos Judaicos

13
PREFÁCIO

Conhece-se a árvore pelos seus frutos, afirma o mestre


de Nazaré (cf. Mt 12,33; Lc 6,44). Pois bem, sabe-se que o
kerygma cristológico e o judaísmo rabínico são frutos de uma
mesma raiz; o judaísmo do Segundo Templo. Assim, no cam-
po exegético-bíblico neotestamentário cresce sempre mais a
consciência de que para compreender o sentido mais profun-
do do ensinamento cristão é preciso mergulhar em suas raízes
judaicas.
Buscar o sentido atualizado das Escrituras (Torá e os
Profetas), aplicadas a um novo contexto foi, por excelência, o
motor da hermenêutica judaica ao longo dos séculos. A sina-
goga farisaico-rabínica expandiu de tal forma esta busca de
sentido, ao ponto de lhe atribuir um nome próprio: derash
(midrash). Assim, os mestres alimentaram a fé judaica de ge-
ração em geração e lhes permitiram perecerem fiéis às raízes
dos seus antepassados.
Inserida nesta longa tradição da interpretação das Escri-
turas, encontra-se o kerygma cristológico, o qual nasceu da
fé, na força redentora do mistério pascal de Cristo. De fato, as
primeiras gerações discípulas do mestre de Nazaré que identi-
ficaram no morto e ressuscitado o Messias esperado, sentiram
a exigência e a necessidade de buscar o sentido teológico de
sua paixão, morte e ressurreição no recurso às Escrituras. Por
isso, o trabalho hermenêutico das primeiras gerações cristãs
foi justamente de encontrar a relação do evento Cristo com as
Escrituras, surge então o derash (midrash) cristão. Compreende-

15
Jesus: fonte de água viva

se, portanto, porque os escritos cristãos estão recheados não


somente de citações, mas também de alusões implícitas e ex-
plícitas das Escrituras judaicas.
Esta obra que se encontra em suas mãos de leitor, lhe
proporcionará um passeio por este longo caminho percorrido.
Em primeiro lugar, pelos hermeneutas judeus e, em continui-
dade, pelos hagiógrafos cristãos. De modo particular, no ter-
ceiro capítulo, o leitor encontrará uma aplicação midráshica
aberta de uma breve perícope do evangelho joanino. Diga-se
de passagem, o mais judaico entre os 4 evangelhos canônicos.
Desejo, ao leitor cristão, uma excelente leitura e uma
bela experiência de encontro com as raízes judaicas de sua fé.
Que este pequeno testemunho do quarto evangelho lhe permi-
ta mergulhar no midrash cristão e compreender como é bom
conhecer e amar os fundamentos da fé de nossos antepassa-
dos para amar ainda mais o sentido do ser discípulo do cami-
nho de Cristo.
Prof. Dr. Pe. Boris A. Nef Ulloa
Teologia - PUCSP

16
INTRODUÇÃO

“Midrash, a Leitura-busca é, portanto, uma busca amo-


rosa do Senhor, do sentido de sua Palavra, para pô-la em
prática” (AVRIL; LENHARDT)

Este livro é fruto de estudos, reflexões e sistematizações


ao longo da caminhada acadêmica e das várias experiências
com o povo junto às comunidades, que procuram ler e inter-
pretar as Escrituras, buscando nelas um sentido para o cotidi-
ano da vida.
Que tipo de leitura os autores do Segundo Testamento 1 e
as primeiras comunidades cristãs utilizaram para apresentar a
fé nascente? Teria Jesus rompido com sua cultura e com o
seu povo para dar início a um novo movimento, o Cristianis-
mo? Como estruturar o discurso bíblico-teológico-pastoral da
teologia cristã a partir da Tradição Rabínica? Como ler o Se-
gundo Testamento a partir de sua herança judaica?
Frente a todos estes questionamentos, percebe-se que o
Cristianismo não deveria ser entendido e nem transmitido em
oposição ao Judaísmo, raiz da qual ele se originou. Nesse sen-
tido esta pesquisa é importante no ponto de vista social, na me-
dida em que ela ajuda a relação entre judeus e cristãos em uma
determinada sociedade, onde eles possam conviver como ir-
mãos. E, no ponto de vista religioso, contribui num diálogo
1
Usaremos o título “Primeiro Testamento” para evitar a conotação ne-
gativa que se poderia atribuir a “Antigo Testamento”, e “Segundo
Testamento” para se referir ao “Novo Testamento”. (cf. PCB, p. 52)

17
Jesus: fonte de água viva

inter-religioso em que as duas religiões possam se respeitar


nas diversidades e exaltando a unidade em torno do mesmo
patrimônio histórico que são as Sagradas Escrituras.
Pode-se ainda dizer que esta pesquisa contribui muito
para os estudos teológico-bíblicos, como vai afirmar o docu-
mento da Pontifícia Comissão Bíblica, cujo título é A Inter-
pretação da Bíblia na Igreja. Esta afirma ser “uma riqueza à
erudição judaica colocada a serviço da Bíblia, desde suas ori-
gens na antiguidade até nossos dias, é uma ajuda muito valio-
sa para o exegeta dos dois Testamentos, com a condição, no
entanto, de empregá-la com conhecimento de causa”.
Percorrendo os caminhos da exegese e hermenêutica
bíblica existente, percebe-se que o “método midráshico”,
método próprio de os rabinos conservarem e atualizarem as
Escrituras e ponto de partida dos hagiógrafos neotestamen-
tários2 que, com sua sabedoria, procuraram apresentar os
acontecimentos de Jesus a seus contemporâneos à luz das
categorias e técnicas próprias do judaísmo da época, se
apresenta como o caminho mais adequado para as questões
levantadas.
Constata-se, pelas pesquisas e sistematizações feitas em
torno do Segundo Testamento, a necessidade da análise des-
tes textos a partir da tradição rabínica que era transmitida nas
sinagogas pelos fariseus do século I d.C., através do recurso e
do procedimento midráshico. A busca para compreender o
Segundo Testamento através do midrash se integra fortemen-
te no método histórico-crítico, porque permite ampliar o hori-
zonte cultural que deu origem ao texto.
2
Entende-se como hagiógrafos neotestamentários os escritores do Se-
gundo Testamento.

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Raimundo Pereira de Sousa

Sem esta base, se tornaria difícil entender como esses


hagiógrafos neotestamentários trabalharam para dar corpo à
fé nascente, afirmando, como fazem, que na pessoa de Jesus
de Nazaré se deu o “cumprimento das profecias reveladas”.
Para melhor compreender a forma com que a exegese
midráshica trabalha, foi tomado o texto bíblico do Evangelho
segundo São João, capítulo 7,37-39 para estudo: Jesus, a
fonte de água viva a partir da exegese rabínica. Pois, uma
análise de um texto bíblico através do método midráshico
possibilitará resgatar as raízes do Cristianismo nascente, pre-
servadas pela Tradição Oral e transmitidas pelos mestres ra-
binos em fidelidades às Escrituras e à sua interpretação. É,
portanto, a partir deste enfoque, que compreende-se o Segun-
do Testamento.
A contar de um estudo Exegético de Jo 7, 37-39, segun-
do o midrash , por meio do procedimento tipológico, é que
entende-se a composição da perícope, sobretudo a questão:
“De seu seio jorrarão rios de água viva”, ou seja, Jesus, a
fonte de água viva.
Contudo, através do método exegético e da literatura mi-
dráshica múltipla e complexa, é possível perceber, com clare-
za, que as Escrituras têm um sentido próprio para todas as si-
tuações e épocas.
Inicialmente, no capítulo I, é apresentado o desenvolvi-
mento do midrash como exegese bíblica das Escrituras, desen-
volvidas no interior do Judaísmo. Nele aprofunda-se o modo
progressivo com que o midrash foi dando corpo às Escrituras,
primeiro como Tradição Oral e, depois, como Tradição Escrita.
Em seguida investiga-se o midrash, enquanto método exegético,
e sua contribuição no processo formativo das Escrituras.
19
Jesus: fonte de água viva

No capítulo II, destaca-se o midrash enquanto método


exegético utilizado pelos hagiógrafos neotestamentários para
proclamar e confirmar o cumprimento das Escrituras na pes-
soa do Cristo morto e ressuscitado, e sua atualização teológi-
ca, bem como sua contribuição na formação do Segundo Tes-
tamento, uma vez que o mesmo nasce e se configura no seio
do judaísmo.
Na verdade, os primeiros cristãos como cultura judaica
não criaram um modo próprio de leitura interpretação das Es-
crituras, mas fizeram uso do método existente nas sinagogas
para difundir a proclamação cristã. A diferença está na chave
interpretativa. Para o judaísmo, a Escritura (Torá Oral e Torá
Escrita) é a Palavra de Deus que lida, relida e atualizada, é o
princípio normativo e jurídico que conduz a vida do povo. O
midrash é a própria Escritura revelada que, através da cadeia
de transmissão, será atualizada de geração em geração como
resposta aos acontecimentos presentes.
Para os cristãos, o que ocupa o centro de sua atenção é o
acontecimento: Jesus Cristo, nele e por Ele a Torá obteve o
seu cumprimento. Por isso, o midrash cristão é caracterizado
como o midrash de cumprimento: parte do dito frontal de
Cristo, e recorre ao Primeiro Testamento para explicá-lo e
confirmá-lo.
O capítulo seguinte é mais extenso e denso que os pri-
meiros por apresentar a desmontagem midráshica do texto.
Foi feito por primeiro o estudo básico da metodologia bíblica,
no que se refere à delimitação do texto, tradução e segmenta-
ção, estrutura da perícope. E, em seguida, o estudo midráshi-
co. Por meio do procedimento tipológico, procura-se destacar
o substrato bíblico e teológico do qual se compõe a perícope.

20
Raimundo Pereira de Sousa

O que pretende-se aqui é mostrar a maneira como o texto foi


produzido.
E na conclusão, que é o resultado da investigação, é
apresentada a pessoa de Jesus, como a fonte de água viva.

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CAPÍTULO I

1 O MIDRASH COMO EXEGESE DA ESCRITURA

Moisés recebeu a Torá no Sinai e a transmitiu a Josué.


Josué a transmitiu aos Anciões e os Anciões a transmiti-
ram aos Profetas. Os Profetas transmitiram-na aos ho-
mens da Grande Assembleia. Estes aqui disseram três
coisas: “Sede equilibrados no exercício da justiça; susci-
tai muitos discípulos; fazei uma cerca em redor da
Torá”. (Mishná Avot 1,1-2)

1.1 Escritura e Tradição Oral – Torá Oral e Torá Escrita

Compreende-se por Escritura, aquilo que a literatura cristã


designava como Escritura hebraica ou Antigo Testamento. No
Segundo Testamento, a expressão Antigo Testamento aparece
somente uma vez, em 2Cor 3,14. É importante compreender que
os primeiros cristãos, que eram judeus, liam às Escrituras da
maneira que se fazia na sinagoga, como observa o Dicionário
Internacional do Novo Testamento (2000, p.696):

Para eles, portanto como para todos os demais judeus, a


Bíblia era “Escritura Sagrada”, o fundamento, a regra e
o alvo para a fé e a vida. Nela, encontravam a Palavra
viva de Deus, experimentada mediante a interpretação
como mensagem pessoal, e, originalmente, transmitida
nesta forma pela palavra falada, e preservada intacta
através do poder da memória.

23
Jesus: fonte de água viva

Para Rennée Bloch, do “ponto de vista histórico, é a par-


tir do exílio, e, sobretudo com a restauração e o período per-
sa, que a Torah ocupa o lugar central na vida de Israel”
(BLOCH, 1954, p.11). A experiência de sofrimento no exílio
produziu em Israel, através da profecia, a esperança de uma
transformação nacional. E é motivada por esta convicção que
Israel vai buscar nas Escrituras a base sólida para a reconstru-
ção de sua identidade enquanto povo, também sua reorgani-
zação política, social, econômica e religiosa. É neste período,
de reconstrução e reorganização do povo, que Esdras e Nee-
mias representavam os dois aspectos principais da vida do
povo. Esdras cuidava da renovação religiosa, enquanto Nee-
mias atendia à reorganização política.
O professor Marivan Ramos, no seu excelente livro (Por
trás das Escrituras: uma introdução à exegese judaica e cristã,
2016), nos convida a refletir e compreender os diversos signi-
ficados do termo hebraico Torá:

No judaísmo a palavra Torah pode alcançar uma vasta


abrangência de significados como, por exemplo, se refe-
rindo apenas aos cinco primeiros livros da Escritura
(Pentateuco); pode também se referir à coleção de livros
sagrados que compõem a Tanach, ou ainda, a tradição
escrita mais a tradição oral, Torot (plural de Torah).
(RAMOS, 2016, p. 29)

A Torá é concebida também por Israel como ensinamento


e prática, instrução, direção e também lei (cf. Is 2,3; Jr 8,8; Ex
13,9; Pr 1,8; Ez 43,11; Jó 22,22). Ela é ensinamento enquanto
revelação de Deus a Moisés no Monte Sinai (cf. Ex 19-20), e

24
Raimundo Pereira de Sousa

prática porque uma vez revelada, exige execução. Para isso, é


necessário reconhecê-la como uma norma de vida, ou melhor,
como um caminho %rd (dêrek) a ser seguido (cf. Gn 24,42;
2Sm 22,22; Jo 13,15; Sl 18,22; 39,2; 119,5.26.59.168; Pr 5,21;
Is 55,8.9; Jr 12,16). É interessante observar que o termo cami-
nho é uma expressão típica da Aliança. Segundo a Tradição,
“andar nos caminhos do Senhor” (Dt 5,33 e fórmulas seme-
lhantes) é andar nos caminhos da Torá.
A Torá é ensinamento por excelência, é a Palavra de Deus,
dizem os rabinos. Como Palavra de Deus, ela é única, mas reve-
lada sob dois aspectos fundamentais: Torá Escrita (Escritura) e
Torá Oral (comentário, interpretação). Ela é um todo insepará-
vel, como diz Irving Bunim: “Torah designa os ensinamentos
escritos e orais, inseparáveis entre si, e dados a nós através de
Moisés no Monte Sinai. Estes são os estatutos e as leis (Torot –
plural de Torah) que o Eterno estabeleceu entre Si e os filhos de
Israel (Lv 26,46)”. (BUNIM, 2001, p.12)
Segundo Rennée Bloch, tanto a Torá Oral como a Torá Es-
crita possuem uma autoridade única: revelação de Deus a Moi-
sés no Monte Sinai.

Se a Torah escrita é dada diretamente de Moisés e con-


tém uma revelação recebida por ele no Sinai, a mesma
coisa se afirma da Torah oral: ela foi recebida por ele no
Sinai e transmitida por ele a Josué, aos anciãos e profe-
tas, etc. Sua autoridade está na sua origem, e sua função
é dupla: de um lado, ela completa, de outro, ela interpre-
ta e aplica a Torah escrita. (BLOCH, 1954, p. 4)

A Torá Oral sempre precede a Torá Escrita, pois ao mes-

25
Jesus: fonte de água viva

mo tempo quando a lei (Torá) foi dada no Sinai, esta deve ter
sido acompanhada por uma Tradição Oral.
A partir do momento em que as Escrituras, Palavra de
Deus, são reconhecidas como norma para a vida de Israel, ela
é incessantemente lida, comentada e atualizada em vista da
prática. Portanto, ela é objeto de pesquisa, estudo e interpre-
tação. É neste processo de estudo da Torá que situamos o mi-
drash como um dos métodos típicos utilizados pelos rabinos
para investigação, interpretação e aplicação da Torá.

1.2 O Midrash

O midrash vem da raiz hebraica vrd (darash) que signi-


fica buscar, investigar, estudar, examinar, explicar, interpre-
tar as Escrituras. É frequente sua ocorrência na Bíblia en-
quanto significado de busca, investigação (cf. Dt 13,15; Esd
7,10; Is 55,6; Am 5,4; 6,14; Sl 34,6 etc.). Entretanto midrash,
enquanto substantivo, encontra-se pela primeira vez em 2Cr
13,22 e 24,27. Contudo, o sentido nos dois textos é incerto. O
sentido geral do termo é busca-procura.
O midrash, no sentido de busca e procura, é utilizado
quando as Escrituras se referem à procura ou à busca do Se-
nhor: “Procurai o Senhor enquanto pode ser encontrado; e
procurei o Senhor, e Ele me respondeu” (Is 55,6; Am 5,4;
5,6; 14; Sl 34,6).
O verbo darash implica numa pesquisa intensa e num
esforço inerente à vontade de encontrar o procurado. Aplica-
do às Escrituras, significa pesquisar o sentido da Palavra de
Deus quanto à teologia e quanto à prática e, em última análi-

26
Raimundo Pereira de Sousa

se, procurar o próprio Deus em sua Palavra.


Obviamente esta busca precisa de um espaço concreto
para ser realizada. É no texto de Ben Sirac (Eclo 51,23) que o
midrash aparece como uma atividade realizada na Casa de
Estudo – vrdmh tiyb>. É por isso que encontramos na literatura
rabínica “o estudo da Torah e da exegese como uma das prin-
cipais atividades desenvolvidas na casa de estudo”. (PÉREZ;
FERNADEZ, 2000, p. 429)
Na Mishná,3 o termo midrash aparece como “estudo e
interpretação do texto”, “estudo e exposição da Bíblia”, ou
“explicação e aplicação” de um determinado texto. Na antiga
literatura rabínica, o termo designa tanto o resultado do estu-
do quanto uma obra literária que resulta do estudo interpreta-
tivo de um texto das Escrituras.
É precisamente em vista da compreensão da Torá que o
midrash adquire o sentido preciso de interpretação e exposi-
ção do texto bíblico. Esse minucioso trabalho se deve aos
Mestres da Mishná e do Talmud4 que durante os quatro ou
cinco primeiros séculos de nossa era se dedicaram exclusiva-
mente ao estudo e interpretação da Torá (RATHAUS, 1976,
3
Mishná (do verbo hebraico shaná, “repetir”): Corpo da legislação oral
judaica, compilada até o ano 200 d.C e estruturado por matérias em 62
tratados, classificados em 6 ordens, referentes à agricultura, festas,
mulheres e famílias, danos à legislação civil, objetos sagrados e nor-
mas rituais. (TREBLLE BARRERA, Julio. A Bíblia Judaica e a Bí-
blia Cristã. Introdução à história da Bíblia. P. 697)
4
Talmud: “ensinamento”: Comentário sistemático da Mishná, compila-
do entre 200 e 600 d.C. O mesmo termo refere-se às duas coleções di-
ferentes. O “Talmud de Jerusalém” (Yrushalmi), composto até o ano
400 d.C e o “Talmud da Babilônia” (Babli), composto até o ano 600
d.C. (TREBLLE BARRERA, Julio. A Bíblia Judaica e a Bíblia Cris-
tã..., p. 699).

27
Jesus: fonte de água viva

p. 1). Afirma Rennée Bloch “é este estudo da Torah, cuja fi-


nalidade era compreender o sentido de cada termo, de pene-
trar no espírito do texto a fim de tirar a significação profunda
para a aplicação prática, que se designaria pelo nome de mi-
drash ou, mais exatamente, midrash Torah, que se traduziu li-
vremente por “estudo da Torah”. (BLOCH, 1954, p. 6)
Segundo Agustín Del Água Peréz, a literatura tradicio-
nal utiliza o conceito de midrash com três sentidos técnicos
distintos: primeiro o da Investigação que, semanticamente,
incorpora o sentido de buscar, investigar e estudar; se refere
ao processo da atividade pelo qual se determina a interpreta-
ção do texto bíblico. Segundo os Resultados desta Investiga-
ção: o indagado, o investigado, o compreendido. Em terceiro
lugar, indica as Coleções do material midráshico, obtido atra-
vés das investigações bíblicas (Midrash Gênesis Rabbah, Si-
fré Números, Levítico Rabbá).5

1.2.1 Dois tipos de Midrash

No judaísmo antigo, o midrash é apreendido como Exe-


gese e Hermenêutica. Para Díez Macho, “o midrash é Exege-
se, enquanto busca o sentido da Bíblia, e é Hermenêutica, en-
quanto utiliza técnicas e procedimentos determinados” (DÍEZ
MACHO, 1975, p.37). Partindo do princípio de que a Torá é
5
O autor afirma que a exegese Midráshica é aplicada aos diversos gê-
neros literários como: gêneros haggádicos como Targum (comentá-
rio); Homilias Sinagogas; Midrashim Rabbot e outros, bem como os
gêneros Haláhicos, os Midrashim: Mekilta (s/ Êxodo), Sifrá (Levíti-
co), Sifré (Números e Deuteronômio), como o Mishná, Tosefta e na
época mais tardia os Talmudim. (Cf. ÁGUA PÉREZ. El método mi-
drásico..., p.35).

28
Raimundo Pereira de Sousa

ensinamento e prática, o trabalho dos intérpretes ao perscru-


tar as Escrituras, buscando nelas o ensinamento atualizado
para a vida da comunidade, desenvolveu-se em dois tipos de
midrash:

a) Midrash halakah

O sentido de halakah vem do radical $lh: andar, cami-


nhar. Daí resulta o sentido de preceito, lei ou norma de con-
duta, que implica sempre numa maneira de andar, segundo os
caminhos do Senhor e os preceitos da Torá.

Halakah vem da raiz - halak, “ir, caminhar, andar”. Gê-


nero da interpretação midráshica que consiste em extrair
uma norma legal a partir de uma citação da Escritura.
Encontra-se desenvolvido nas obras de Sifré de Lv, Si-
fré de Nm e Sifré de Dt. (TREBOLLE, 1996, p. 125).

b) Midrash haggadah

O Haggadah vem do radical $lh:: narrar, contar, rela-


tar, e diz respeito a tudo o que, na área da interpretação, não
visa à norma de conduta, mas sim às crenças, à teologia.

Haggadah (plural Haggadot). Vem do verbo Lehaguid


“narrar, contar, referir”. Gênero da interpretação mi-
dráshica realizada sobre narrações bíblicas. Aparece de-
senvolvida nas obras de Gênesis Rabbah e Levítico
Rabbah. (TREBOLLE, 1996, p. 696).

29
Jesus: fonte de água viva

Na verdade, de acordo com a índole desses tipos de mi-


drash, a halakah se referia quase que exclusivamente ao Pen-
tateuco,6 enquanto que a haggadah se estendia a qualquer li-
vro da Bíblia hebraica. Com o passar do tempo torna-se a se
chamar midrash (VARQUEZ, 1995, p.47).
Para o autor Domingo Munõz, além desses dois tipos:
midrash halakah e haggadah, o midrash também aparece na
literatura rabínica classificado de acordo com suas categorias
e funções, tais como:

Midrash-Derás Explicativo: trata-se da interpretação do


texto. Em grande parte o Targum, pelo seu caráter homi-
lético; se apresenta com uma forma de midrash explicativo.
Midrash-Derás Exegético: é uma forma de midrash ex-
plicativo que consiste no comentário do texto bíblico em
forma continuada dos versículos selecionados.
Midrash-Derás Confirmativo: é o recurso às Escrituras
com finalidades de confirmar um acontecimento. O mi-
drash do Segundo Testamento, como veremos no capí-
tulo seguinte, é visto Midrash confirmativo, pois ele tra-
ta de recorrer às Escrituras para confirmar a proclama-
ção do seu Kerygma.
Midrash-Derás Justificativo: embora possua pontos em
comum com o confirmativo, seu interesse maior se con-
centra na busca de um texto bíblico que justifique a po-
sição de um determinado comportamento.
Midrash-Derás Apologético: trata-se do emprego do
texto bíblico para defender uma opinião.
Midrash-Derás catequético: emprega o texto bíblico

6
Pela simples razão que é no Pentateuco que se encontram os manda-
mentos. Os cinco primeiros livros da Torá: Gênesis, Êxodo, Levítico,
Números, Deuteronômio.

30
Raimundo Pereira de Sousa

com a intenção de extrair os ensinamentos essenciais


para a fé e o comportamento humano.
Midrash-Derás ilustrativo: pretende buscar nas Escritu-
ras exemplos de comportamento ou de ilustração de um
ensinamento, segundo a finalidade aplicada.
Midrash-Derás Homilético-Exortativo: trata-se do em-
prego das Escrituras, indicando a relação com a situação
presente, tanto no aspecto litúrgico (Memorial), como
na exortação aos ouvintes para a compreensão e adesão
aos ensinamentos da palavra divina. O targum participa
do caráter homilético pelo seu aspecto de leitura litúrgi-
ca e pela sua permanente instrução, edificação e exorta-
ção. (MUÑOS, 1987, p. 28-30)

É nesse sentido de busca, investigação, exposição e apli-


cação da Bíblia na vida do povo que compreendemos as for-
mas ou categorias do midrash como leitura e interpretação
hermenêutica na formação das Escrituras.

1.2.2 O Midrash como processo de formação da Escritura

Falar de “o midrash como processo de formação da Es-


critura” é falar de um método exegético próprio de um povo
que, no decorrer de sua história, procurou manter viva a me-
mória e a Tradição através de um caminho específico, aplica-
do à interpretação das Escrituras. Um dos conceitos de mi-
drash é, segundo Domingo Munõz Leon, “uma forma literária
dentro da própria Bíblia que consiste no tratamento livre de
outro texto bíblico, a primeira fonte para se conhecer o senti-
do do midrash é a própria Bíblia” (MUÑOS, 1987, p.22).
Para os autores: Rennée Bloch (BLOCH, 1954, p.8) e

31
Jesus: fonte de água viva

Bernardino Vázquez (VAZQUEZ,1995, p.40) “a origem do


midrash é inseparável da formação dos Livros Sagrados”. É
na própria Bíblia, e na literatura a ela ligada (traduções,
apócrifos, etc...) que devemos procurar os primeiros passos
do desenvolvimento do midrash. Sabe-se, pela Tradição, que
a Palavra de Deus (Tradição Oral e Escrita) é o ponto central
da vida da comunidade que, no exílio e, sobretudo, após o
exílio, passa a ser lida, relida e atualizada em vista da organi-
zação do povo, em resposta ao Deus da Aliança.
O processo de transmissão consistia num núcleo fundamen-
tal para a exegese hebraica. Segundo Trebolle Barrera, “a trans-
missão oral jogou papel decisivo nos processos de formação e in-
terpretação da Bíblia” (TREBOLLE BARRERA, 2000, p. 125).
Foi a partir da “interação entre a oralidade e a Escritura, que o tra-
balho exegético e midráshico alcançou sua expressão máxima no
estabelecimento das variantes textuais designadas como Ketib
(texto escrito), e Qerê (o texto a ser lido) no texto consonântico
da Bíblia hebraica” (BLOCH, 1954, p.17).
A fé, na revelação de Deus no Monte Sinai, passa a ser
compreendida através das releituras das diversas profecias em
complementaridade uma com a outra. Por exemplo: Isaías
nos remete a Amós, Jeremias a Oséias; Ezequiel a Jeremias.
Encontramos também o mesmo procedimento midráshico em
Isaías 43; Êxodo 58; Levítico 23,22-32. De igual modo, o au-
tor dos Livros de Crônicas interpela a narração de Isaías 7 em
2Cronicas 28; o Êxodo no Egito é um tema favorito no Salmo
105,23-45 em Deuteronômio 5,15 (VÁZQUEZ,1995, p. 41).
Assim sucessivamente, esses midrashim (plural de mi-
drash), vão surgindo para orientar e conduzir o povo nos ca-
minhos da Torá. Essa tendência, afirma Rennée Bloch, se acen-

32
Raimundo Pereira de Sousa

tuará sensivelmente na literatura pós-exílica. Os inspirados da-


quela época conhecem as Escrituras anteriores e, à luz delas, en-
caram os problemas do presente. É em função desses textos que
eles pensam, atualizam e escrevem (BLOCH, 1954, p.13).
Há outros exemplos considerados como os mais típicos
deste procedimento midráshico na Bíblia e que são encontra-
dos na literatura sacerdotal, a começar pelos textos integrados
no Pentateuco e, sobretudo, pelos Livros das Crônicas. Suas
fontes principais são o Pentateuco, os Livros de Samuel e dos
Reis, onde o cronista retoma os materiais antigos para reorga-
nizá-los de acordo com suas concepções teológicas, e seus
propósitos apologéticos próprios” (BLOCH, 1954, p.14). Este
modo de conceber e compreender o texto é incorporado tam-
bém na Literatura neotestamentária como ponto de partida
exegético cristã (assunto a ser abordado no segundo capítulo).
Como foi exposto, o uso do midrash se fez necessário
para atualizar, ampliar e explicar os textos bíblicos aos ouvin-
tes de uma geração posterior. Daí a importância de enfatizar
que esta investigação exegética se deu graças a alguns mem-
bros da “Grande Assembleia”,7 conhecidos como Hahamim
(sábios), e continuou com os Soferins (escribas), pessoas ple-
namente dedicadas e encarregadas de preservar a Tradição. A
eles se deve a investigação midráshica da Escritura.

7
Os membros da “Grande Assembleia” são representados pelas fontes
rabínicas, como os Sábios de Israel. Constituem na prática um corpo
legislativo. Receberam o título de “Grandes” porque eles, de fato,
reinstalaram a Torá no lugar que a ela correspondia na vida do povo.
A eles se devem as promulgações das diversas tacanót (decretos ra-
bínicos) referentes ao serviço religioso, a leitura pública da Torá, ob-
servâncias adicionais durante o Shabat e outras práticas rituais pró-
prias. (Cf. BUNIM. A Ética do Sinai..., p. 16).

33
Jesus: fonte de água viva

1.2.3 O Midrash como exegese da Escritura

Depois da volta do exílio, a partir de Esdras, a Palavra


de Deus (Torá Oral e Escrita) ocupa o lugar central na vida
da comunidade. Ela precisa ser lida, interpretada e atualizada.
Toda ação rabínica desse período, e dos subsequentes, foi a
atividade exegética de estudo e interpretação da Bíblia. Se-
gundo Eliane Ketterer e Michel Remaud, “este trabalho inten-
so de pesquisa e estudo do texto bíblico desencadeou-se num
processo gradativo de maneira especial nos dois centros im-
portantes da vida judaica: a Sinagoga e a Casa de Estudo”
(KETTERER, REMAUD, 1996, p. 10).
Foi em função do estudo e da aplicação da Torá que os
rabinos desenvolveram toda uma técnica e uma mística de in-
terpretação, pois, de um lado se defrontam com um texto sa-
grado inalterável e, de outro, a necessidade de aplicá-lo às si-
tuações novas.
Por meio da palavra PaRDeS,8 os rabinos procuraram
desenvolver quatro níveis de leitura ou interpretação das Es-
crituras. Cada consoante da palavra – P R D S indica um
modo de interpretação das Escrituras, tais como: Peshat, Ré-
mez, Derash, e Sod, respectivamente.9

8
A expressão hebraica – sdrp – PaRDeS significa literalmente horta,
pomar, ou jardim. Esta tradução simboliza a riqueza de pensamento e
inspiração que poderá surgir dos textos sagrados, se soubermos como
cultivá-los e como colher os frutos mais difíceis de alcançar. (Cf. BU-
NIM. A Ética do Sinai..., p. 5).
9
Para uma melhor compreensão sobre o PaRDeS, enquanto leitura e in-
terpretação da Escritura, recomendo a leitura do terceiro capítulo – A
Sagrada Escritura: um jardim (PARDES) a ser conhecido.(RA-
MOS. Por trás das Escrituras – uma introdução à exegese judaica e

34
Raimundo Pereira de Sousa

1ª P – de Peshat: indica o sentido literal do texto. Con-


siste em ler o texto no seu sentido puro e literal.

2ª R – de Rémez: este nível de instauração segue a es-


trutura sintática de um versículo, levando em considera-
ção que as palavras possuem um significado simbólico
ou metafórico. Aqui, o texto é interpretado à luz de ou-
tros textos que abordam o mesmo tema.
3ª D – de Derash: este terceiro nível é considerado o ní-
vel da busca em compreender o texto, independente de
sua estrutura sintática. É reconhecido também como o
nível de interpretação. É empregado em dois sentidos: o
restrito e o largo. No sentido restrito, derash significa
toda interpretação de caráter não literal, e o sentido lar-
go, é tido como uma coleção mais formal, oficial, basea-
do na busca interpretativa de passagens bíblicas que ex-
primem o significado por alusão ou associação dos tex-
tos, sendo traduzido por “sermão” ou “homilia”.
4ª S – de Sod: o nível do Sod consiste em buscar no texto
o seu sentido mais profundo, fazendo a experiência do
Senhor e da vida no próprio texto. (BUNIM, 2001, p. 5)

O midrash, como exegese ou exegese midráshica, parte de


alguns princípios e procedimentos fundamentais. Vejamos:

1º A unidade da Escritura: a interpretação midráshica


procura mostrar o caráter unitário da Escritura (Torá oral e
escrita). O ponto de partida desta interpretação é, pois, a uni-
dade da Palavra de Deus. Para Domingo Muñoz Leon, foi
graças a este princípio unitário da Bíblia que os textos pude-
ram ser lidos e interpretados uns à luz dos outros. Portanto,
cristã, p. 52-58)

35
Jesus: fonte de água viva

afirma ele, “a Palavra de Deus é una e cada elemento desta


Palavra revela a plenitude de seu sentido quando posto em re-
lação com o conjunto unitário. Por isso, um texto não pode
contradizer outro; por conseguinte, estes textos, sobretudo os
mais tardios, devem ser lidos à luz da mais recente inteligên-
cia e voltar para as grandes preocupações teológicas do mo-
mento” (MUNÕZ León, 1987, p. 80).
É na Mishná Abôt 5,22-25 que “o significado do princí-
pio unitário das Escrituras transparece resumidamente: volva
e resolva [vira e revira] a Torah em todos os sentidos, pois
nela tudo está contido; somente ela conceder-ter-á a verdadei-
ra ciência. Envelhece neste estudo e nunca o abandones; nada
poderás fazer de melhor” (KETTERER, 1996, p. 10).
O princípio da unidade de Escritura pode ser percebido
na liturgia sinagogal: leituras do Pentateuco e dos Profetas
(precedidas, intercaladas e seguidas de Salmos), acompanha-
das pela homilia (Derashá). É a homilia, como o próprio termo
hebraico implica, que faz a ponte entre três partes das Escritu-
ras. O procedimento para unir as três partes das Escrituras
(Pentateuco, Profetas e Escritos) é chamado pela exegese ra-
bínica de harizá ou colar de pérolas - umas das áreas do mi-
drash (ÁGUA PÉREZ, 2000, p. 50). Este método consiste em
“compor um colar escriturístico, passando do Pentateuco aos
Profetas e destes aos outros Escritos bíblicos, salientando a
unidade e a coerência da Escritura que é o reflexo da própria
unidade de Deus” (KETTERER, REMAUD, 1996, p. 50). 10
2º A unidade entre as diversas partes da Escritura: para
“os exegetas midráshicos, não só estão unidas as três partes
da Escritura (Pentateuco, Profetas e Escritos), mas também as
10
Conforme o exemplo de Lucas 24,25-27.

36
Raimundo Pereira de Sousa

diversas partes dos próprios livros da Bíblia” (ÁGUA PÉ-


REZ, 2000, p. 51). A técnica utilizada mais frequente, de
suma importância para a exegese midráshica, seja ela de cará-
ter halákico ou haggádico, é o raciocínio por analogia. A
analogia empregada na Halahá era denominada de guezerah
shawah, enquanto que a haggadah recebe o nome de Ké-
negued e corresponde à 27ª regra (middá) de Rabi Eliezer:
“consiste em aproximar passagens escriturísticas que apre-
sentam pontos comuns no vocábulo, na sintaxe ou no conteú-
do em geral” (KETTERER, REMAUD, 1996, p.10).
Na verdade, o método da analogia possibilita buscar, en-
tre as diversas partes das Escrituras, uma correspondência, le-
vando a uma leitura fluente de um determinado texto à luz de
outra passagem bíblica, onde a mesma é interpretada como
chave de leitura da primeira. Este princípio é utilizado cons-
tantemente em relação a toda a Bíblia, tanto a hebraica como
a grega. Por exemplo, a analogia entre a conduta e retribui-
ção-Middá Ké-negued: “com a mesma medida com que me-
dirdes, sereis medidos” (Mehilta de Rabi Ismael sobre Ex
13,21, retomada em Mt 7,2; Mc 4,24; Lc 6,38), para ressaltar
que Deus concede a cada um segundo suas obras.
3º Escritura explica a Escritura: da unidade que liga
toda a Bíblia, seus livros e suas diversas partes, resulta que a
Bíblia deve ser explicada por ela mesma. É nela que se en-
contra a plenitude de sentidos. Tanto Domingo Munõz Leon
(MUNÕZ,1987, p. 46), como Agustín Del Água Pérez
(ÁGUA PÉREZ, 2000, p. 51) afirmam que o ponto de partida
que justifica toda a exegese midráshica é a plenitude de senti-
dos que o texto bíblico contém. Domingo Munõz Leon sinte-
tiza esta plenitude de sentidos da seguinte forma: “Na Torah

37
Jesus: fonte de água viva

não há um antes nem depois, na Torah há setenta faces, o que


não está na Torah, não está no mundo. Ou a Torah se explica
pela Torah” (MUNÕZ,1987, p.48).
Além dos níveis de interpretações das Escrituras, o mi-
drash, como exegese ou a exegese midráshica, levou ao surgi-
mento de algumas regras (Middot – plural de Middá) herme-
nêuticas, que para o Rabbi Hillel (por volta de 70 a.C a 10
d.C), podem ser classificadas em número de sete (ÁGUA PÉ-
REZ, 2000, p. 57). Na metade do século II d.C. “Rabi Ismael
ampliou a listas de regras de Hillel para treze, com o propósi-
to de frear as inovações hermenêuticas de Rabi Aquiba”
(TREBOLLE BARRERA, 2000, p. 576). Não se contentando
com as treze regras de Rabi Aquiba, Rabi Eliezer Bem Yose
Há-guelili, entre os anos 130 e 160, ampliou de treze para
trinta e duas regras. Os objetivos de todas essas regras herme-
nêuticas foi o de estabelecer uma ponte entre a Torá Oral e
Escrita, bem como possibilitar uma maior compreensão e vi-
vência das Escrituras.
Na verdade, toda exegese midráshica procura mostrar
que a Escritura, Palavra de Deus, possui uma pluralidade de
sentidos e, que os mesmos, só serão compreendidos mediante
um esforço e uma busca exegética realizados no processo de
“escavar” o texto para compreender, atualizar (midrash) e
aplica-o às diversas circunstâncias da vida.

1.3 Resumo: resultados e perspectivas

Percebe-se ao longo do desenvolvimento deste capítulo,


os seguintes pontos:

38
Raimundo Pereira de Sousa

a) Que a Escritura, Palavra de Deus, sempre foi para o


povo de Israel o fundamento da sua existência e de
sua sobrevivência. Foi precisamente com o intuito
de manter viva a memória da Tradição recebida que
os sábios de Israel procuraram um método próprio
de ler, reler e atualizar as Escrituras.
b) O midrash, que nasceu como ensinamento oral e tor-
nou-se Tradição Oral, originou-se da necessidade de
extrair da fixidez da palavra escrita lições sempre no-
vas para manter vivo o espírito do texto escrito.
c) O Targum nasceu de uma necessidade. Primeiro
como uma forma prematura de homília ou comentá-
rio e, mais tarde, como tradução. Ele é considerado
como os primeiros anéis na corrente que une a in-
terpretação contida na Escritura, mesmo com as di-
versas formas de interpretação judaica.
d) Do ponto de vista da história, foi no período pós-
exílico e, sobretudo com a restauração durante o pe-
ríodo Persa, que a Torá, Palavra de Deus, ensina-
mentos orais e escritos inseparáveis entre si, ocupou
seu lugar na vida de Israel. Contudo, foi em função
da compreensão e atualização da Torá que o mi-
drash (darash) foi utilizado como um recurso peda-
gógico para compreender o conteúdo revelado.
e) Foi o estudo da Torá, cuja finalidade era a de com-
preender o sentido de cada termo, de penetrar no es-
pírito do texto para descobrir a significação profunda
para a aplicação prática, que se designaria pelo nome
de midrash ou, mais exatamente, midrash Torá, que se
traduziria livremente por “estudo da Torá”.
39
Jesus: fonte de água viva

f) Esse estudo levou ao desenvolvimento de dois tipos


de midrash: O midrash halaká, cujo sentido é de
preceito, lei ou norma de conduta, que implica sem-
pre numa maneira de andar, comportar-se – segun-
do os caminhos do Senhor e os preceitos da Torá. O
midrash haggadá, por sua vez, diz respeito a tudo o
que há na área da interpretação (se refere às crenças
e à teologia).
g) O midrash, enquanto método, aparece primeiro
como Leitura. Esta leitura necessita ser compreen-
dida, assim o midrash adquire o sentido de busca,
estudo e investigação. Depois de comentário atua-
lizante das Escrituras, e posteriormente como exe-
gese e hermenêutica.
h) A Exegese midráshica certamente ocupou o primei-
ro lugar na literatura rabínica, graças ao esforço e à
audácia dos rabinos. Evidentemente o midrash, en-
quanto Exegese da Escritura, nos faz perceber sua
importância e contribuição ao processo formativo
da Escritura, tanto para o Judaísmo como para o
Cristianismo nascente.

Portanto, o midrash enquanto Exegese das Escrituras


é fundamental para compreendermos que tipo de leitura, de
interpretação e de exegese os autores do Segundo Testamento
e as primeiras comunidades cristãs utilizaram para apresentar
a fé nascente em Jesus Cristo.

40
CAPÍTULO II

2 O MIDRASH COMO EXEGESE DO NOVO


TESTAMENTO

De fato, as Sagradas Escrituras do povo judeu constitu-


em uma parte essencial da Bíblia cristã e estão presen-
tes, de muitos modos, na outra parte. Sem o Antigo Tes-
tamento, o Novo Testamento seria um livro indecifrá-
vel, uma planta privada das suas raízes e destinadas a
secar. (PCB, p. 235)

Para entender o midrash como exegese do Segundo Tes-


tamento, faz-se necessário compreender e conhecer o Judaís-
mo, seus métodos exegéticos de ler e interpretar as Escrituras,
bem como seu critério hermenêutico como condição indis-
pensável para obter um bom resultado da leitura e interpreta-
ção dos textos no Segundo Testamento. Contudo “a formação
dos textos neotestamentários e a interpretação que fazem do
Primeiro Testamento somente são compreensíveis a partir de
um conhecimento prévio dos procedimentos e das tradições
exegéticas da hermenêutica judaica” (TREBOLLE BARRE-
RA, 1996, p. 20).
Este conhecimento se faz necessário pelo fato de que o
Evangelho, antes de ser consignado por escrito, foi anunciado
e pregado (1Cor 15,1-2), acolhido pelos ouvintes como Pala-
vra de Deus (1Tm 2,13), inicialmente como Tradição Oral, e,
mais tarde, como Tradição Escrita.

41
Jesus: fonte de água viva

Portanto, o Cristianismo possui uma relação com o juda-


ísmo de dependência e não de comparação. A percepção des-
sa relação é crucial, uma vez que os próprios conceitos cris-
tãos, para expressar fé em Jesus Cristo, são elementos típicos
do Judaísmo, do qual descende o Cristianismo. O próprio Je-
sus de Nazaré ensinava segundo as Escrituras, e as primeiras
comunidades exprimiram sua fé no Cristo que morreu segun-
do as Escrituras, ressuscitou ao terceiro dia segundo as Escri-
turas (cf. 1 Cor. 15,3-5.11). Na verdade, a Igreja nascente não
cessa de afirmar que Jesus de Nazaré veio para cumprir as
Escrituras.
Para o professor Elio Passeto, há uma perda dessa rela-
ção, e a perda da consciência dessa relação se deve, muito
provavelmente, a dois motivos históricos: “O primeiro reside
no fato de que o cristianismo conheceu sua expansão e desen-
volvimento no mundo grego-romano, de cultura helenística; o
segundo é consequência do primeiro. O Novo Testamento foi
fixado como tradição escrita na língua grega”. (PASSETO,
1955, p. 8).
Sabemos que, sem este conhecimento profundo do Juda-
ísmo, o chão do qual nasceu e se desenvolveu o Cristianismo,
a exegese dos textos do Segundo Testamento se torna incom-
pleta. Isto porque o Cristianismo não pode ser pensado como
a realidade paralela em relação ao Judaísmo, mas sim como a
relação de dependência. Porque “Somos distintos um do ou-
tro, mas não independentes” (PASSETO, 1955, p. 9). Por
isso, ao buscarmos as origens do Cristianismo, devemos
aplicá-las em primeiro lugar, no interior do Judaísmo, do qual
a proclamação cristã conheceu sua expansão no interior das
sinagogas, em Israel e na diáspora.

42
Raimundo Pereira de Sousa

2.1 O Midrash como formação do Novo Testamento

Sabe-se que, pela escritura e tradição, que desde o início


da época apostólica, os adeptos do caminho (cf. At 9,2;
18,25.26) ou os chamados cristãos na cidade de Antioquia
(cf. At 11,26) sistematizam sua teologia a partir da fórmula
teológica: “Para que se cumprisse segundo as Escrituras” (Mt
1,22; 2,15. 17. 23; 4,14; Lc 18, 31; 24,32. 45; Jo 5, 39; At
17,11; 1Cor 15, 3-4; 2Pd 3, 16) cujo cumprimento é o Cris-
to morto e ressuscitado.
É da necessidade de fundamentar a proclamação da fé
cristã na Palavra de Deus, isto é, a Revelação do Sinai, que
surge o midrash cristão como método de interpretação e
atualização das Escrituras, segundo as circunstâncias pre-
sentes. Contudo:

É nesse movimento de expressão da fé cristã e de sua


relação com o texto da Escritura, que uma parte se cons-
titui em um corpo escrito e outra parte se transformou
em Tradição Oral cristã. Este “corpus” propriamente
cristão não é autônomo, a linguagem, o método, os ele-
mentos para expressar os conteúdos cristãos são funda-
mentalmente extraídos da tradição judaica”. (PASSE-
TO, 1955, p. 12)

Nesse sentido é que a Pontifícia Comissão Bíblica afir-


ma que “sem o Antigo Testamento, o Novo Testamento seria
um livro indecifrável, uma planta privada de suas raízes e
destinada a secar” (PCB, 2002, p.235).
Para Rennée Bloch, “o modo rabínico de conceber e

43
Jesus: fonte de água viva

compreender os textos sagrados, bem como suas técnicas mi-


dráshicas, estão presentes tanto nos evangelhos como nos ou-
tros escritos neotestamentários” (BLOCH,1954, p.18). Veja-
mos alguns dos inúmeros exemplos:

a) A visita dos magos (Mt 2,1-12) reflete o astro que


procede de Jacó (Nm 24,17);
b) A Instituição da Eucaristia (Lc 22,20) retomado por 1
Cor 11,25, como a Nova Aliança que, à luz Êxodo
(24,8), ressalta a questão do memorial;
c) Marcos 15,24 reflete o Salmo 22,19, referindo-se à
sorte lançada sobre a veste;
d) João 3,14-15 refere-se à serpente de bronze elevada
por Moisés no deserto em Nm 21,4-9;
e) At 2,1-13, a festa de Pentecostes remonta à comuni-
dade do Sinai (Ex 19);
f) A multiplicação dos pães (Mt 14,13-21; Mc 6,32-44;
Lc 9,10- 17; Jo 6,1-15) retoma a profecia do milagre
de Elias (1 Rs 17,7ss; 2 Rs 4,42-44);
g) O encontro de Jesus com os samaritanos em Jo 4 re-
monta a Gn 24,10ss; 29,1s; Ex 2,15s.

A partir desses exemplos, podemos perceber que a lite-


ratura do Segundo Testamento, nasce e se configura a partir
das Escrituras e da literatura rabínica. É por isso que a autora
Rennée Bloch afirma que todas as formas do midrash utiliza-
das na literatura rabínica são encontradas no Segundo Testa-
mento:

44
Raimundo Pereira de Sousa

Tanto a busca midráshica sobre uma figura, um evento ou


um conjunto de textos da bíblia; como o desenvolvimento
midráshico a partir de um texto; a atualização midráshica
dos textos antigos para aplicá-los ao presente; o midrash
homilético e o midrash halahah. (BLOCH, 1954, p. 19)

É nesse contexto que podemos afirmar o papel funda-


mental do midrash na formação do Segundo Testamento: re-
lendo e reinterpretando a Torá dentro de uma nova realidade,
buscando respostas para compreender o momento presente.
Essa interpretação foi sendo amadurecida aos poucos, tor-
nando-se progressivamente as Tradições orais cristãs, que
posteriormente deram origens às Tradições escritas que for-
mam o Segundo Testamento.
Na verdade, os primeiros cristãos, judeus que eram, não
criaram um modo próprio de leitura, interpretação das Escri-
turas, mas fizeram uso do método existente nas sinagogas
para difundir a proclamação cristã.

2.2 O Midrash como exegese do Novo Testamento

Nota-se que a leitura exegética rabínica das Escrituras


possui suas raízes e fontes no período do final do I e início do
II século de nossa era. Segundo Barrera “Era costume ler a
Torah na manhã de sábado, no I século, era comum, tanto em
Israel (At 15,21) como na diáspora” (TREBOLLE BARRE-
RA, 1996, p. 141). O próprio texto do evangelho segundo
São Lucas (cf. 4,14-22) ressalta este costume de ler a Escritu-
ra aos sábados nas Sinagogas. “Jesus ensina nas sinagogas ao
modo da cultura do mundo circundante” (PCB, 2002, p.53).

45
Jesus: fonte de água viva

Este procedimento é muito claro em Lucas 4,14-22, mostran-


do que Jesus entrou em dia de sábado na Sinagoga, onde lhe
foi entregue o livro da Torá, com a profecia de Isaías (Is
61,1-2). Jesus faz a releitura do texto e, através do midrash,
afirma que “hoje essa profecia se cumpriu”. O específico des-
ta releitura é que ela é feita à luz de Cristo.
O midrash como exegese cristã, segundo Agustín Del
Água Pérez é encontrado na passagem de Lucas 24 (os “dis-
cípulos” de Emaús) sob três aspectos fundamentais:

Destaca por primeiro a palavra “hermenêutica” aplica-


da claramente à interpretação midráshica cristã da Es-
critura hebraica. Em segundo lugar, confirma a pessoa
de Cristo como centro do acontecimento, compreensão
que se verifica com a ajuda do Primeiro Testamento. O
terceiro aspecto se refere à Escritura como um todo;
todo o Primeiro Testamento faz referência e converge,
como uma grande corrente, em Cristo (ÁGUA
PÉREZ,1985, p. 86).

Faz-se necessário salientar que o modo deste procedi-


mento midráshico utilizado pelos sagrados escritores do Se-
gundo Testamento difere do modo rabínico no seguinte as-
pecto: “para o judaísmo, a Torah é a revelação por excelência
e a forma de compreender, isto é, perscrutar o próprio texto e,
através do midrash, atualizá-lo enquanto que, para o cristão, o
foco de sua atenção é o acontecimento na Pessoa de Jesus de
Nazaré” (ÁGUA PÉREZ, 1985, p. 85). Nele se dá o cumpri-
mento de toda a Torá. Pra Munõz Leon, “a característica
principal do midrash cristão parte da proclamação deste cum-
primento, buscando a confirmação na Escritura” (MUÑOS

46
Raimundo Pereira de Sousa

LEÓN, 1987, p.55).


A diferença entre o midrash cristão e o midrash judeu
ocorre pelo fato de que, para o Judaísmo, as Escrituras (Torá
Escrita e Torá Oral) é a Palavra de Deus que lida relida e atu-
alizada, é o princípio normativo e jurídico que conduz a vida
do povo. O midrash é a própria Escritura revelada que, atra-
vés da cadeia de transmissão, será atualizada de geração em
geração como resposta aos acontecimentos presentes.
Para os cristãos, o que ocupa o centro de sua atenção é o
acontecimento Jesus Cristo. Nele e por ele a Torá obteve o
seu cumprimento. Por isso, o midrash cristão é caracterizado
como o midrash de cumprimento: “parte do dito frontal de
Cristo e recorre ao Primeiro Testamento para explicá-lo e
confirmá-lo. O texto, a Palavra de Deus que explica o dito é
tirado de seu contexto para ser referido ao ministério de Je-
sus” (ÁGUA PÉREZ, 1985, p. 84). A natureza específica do
midrash neotestamentário reside no fato de ser um midrash
do Cumprimento Messiânico. Para essa afirmação é que se
buscam nas Escrituras (Primeiro Testamento) a explicação e
a confirmação. Contudo, os autores Lenhardt e Collin, afir-
mam que “Jesus é aquele que transmite a tradição, e é, ao
mesmo tempo, essa Tradição” (COLLIN; LENHARDT,
1994, p.48). Nele a Torá ganha seu cumprimento definitivo.
Todavia, o midrash tanto no Judaísmo como no Cristianismo,
é sempre uma leitura atualizante do texto no seu contexto.
Porém, é preciso lembrar que, embora haja diferenças
entre os modelos, como veremos a seguir, todos têm como fun-
damento: “o cumprimento das Escrituras”. Assim sendo, o autor
identifica três esquemas distintos de midrash nos escritos neo-
testamentários (COLLIN; LENHARDT, 1994, pp.89-96).

47
Jesus: fonte de água viva

a) Modelo promessa – cumprimento;


b) Inserção – substituição;
c) Oposição/ contraposição.

a) Modelo promessa – cumprimento

O modelo promessa – cumprimento trata do recurso mi-


dráshico do Primeiro Testamento (Bíblia Hebraica), frequen-
temente utilizado e difundido no do Segundo Testamento.
Consiste em considerar as Escrituras como anúncio, prefigu-
ração, profecia e/ou promessa da pessoa e figura de Cristo.
Para tal afirmação é que os escritores do Segundo Testamento
(NT) recorrem à tradição, buscando nos textos a iluminação
que sirva de anúncio ou prefiguração do acontecimento esca-
tológico cumprido em Jesus de Nazaré. Trata-se de uma au-
têntica releitura do Primeiro Testamento verificada do ponto
de vista da fé em Jesus. Vejamos alguns exemplos dos textos
do Segundo Testamento nos quais se atribuem a Jesus as tra-
dições messiânicas do Primeiro Testamento:


Filho do Homem (Mt 13, 36-43; 24, 30; 25, 31; Mc
8, 38;13, 26-27; Atos 7, 56; Ap 1, 13), aplicado por
Jesus mesmo, tirado da tradição apocalíptica por meio
de um procedimento Pêsher; 11

11
Pêsher (hebr. Plural “pesharim”): interpretação de uma passagem do
AT, dos livros proféticos ou Salmos, relacionando-o com
acontecimentos ou personagens da época escatológica que o intérprete
crê estar vivendo. TREBOLLE BARRERA. A Bíblia Judaica e a
Bíblia Cristã. p. 697.

48
Raimundo Pereira de Sousa


Jesus é proclamado o Messias segundo o messianis-
mo davídico (2 Sm7; Is 6-12; 7, 10-16; 9, 1-7 ; 11, 1-
9; Mq 5, 1-4; Lc 1, 32-33; Mt 21,9);

Filho de Abraão (Mt 1, 1), bem como, os textos que
afirmam a prefiguração de Cristo na figura do Servo
Sofredor do Dêutero-Isaías (Is 42, 1-7; 49, 1-6; 50, 4-
9; 52, 13; 53, 12).

A tradição do Melquisedec, Sumo Sacerdote, é usada
como tipologia da carta aos hebreus para expor o sa-
cerdócio de Cristo (Hb 7; remonta o Targum Ne-
ophyth I Gn 14, 18);

A serpente de bronze elevada por Moisés no deserto,
como prefiguração da elevação de Cristo na Cruz
(Nm 21, 4-9; Jn 3, 14-15, 8, 28ss; 12, 32-24; 19, 37).

Outra fórmula de interpretação do procedimento Pêsher


se dá na afirmação: “isso ocorreu para que se cumprisse o que
fora dito pelos profetas” (Mt 1, 22; 2, 5b-6. 15b. 17-18. 23b;
3,3; 4, 14-16; 8, 17; 12, 17-21; 13,14-15. 35; 21, 4; 27, 9; Lc
18, 31; Jo 12, 38.), ou ainda, “para que se cumprisse a Escri-
tura” ( Jo 12, 38-40; 15, 25; 17, 12; 18, 9; 19, 24. 28. 36; Lc
4, 21; 22, 23...).

b) O segundo modelo, inserção – substituição.

Este modelo inserção – substituição parte do conteúdo e


componentes das Escrituras que constituem a Aliança Antiga,
utilizada midrashicamente para definir a Nova Aliança. Atra-

49
Jesus: fonte de água viva

vés do espírito da aliança, a história dos atos salvífico de


Deus recebe sua culminância na Pessoa do Cristo morto e
ressuscitado, reconhecido agora pela comunidade cristã como
a “Nova Aliança”.
Faz-se necessário destacar que há uma pequena diferen-
ça entre o midrash da promessa e cumprimento, para o mi-
drash modelo de inserção – substituição. O primeiro trata da
busca no texto, de imagem que pode servir de promessa –
anúncio ou prefiguração na Pessoa de Jesus; enquanto que o
segundo tem a função de expressar o conjunto do aconteci-
mento: Jesus Cristo, a partir dos componentes da Antiga Ali-
ança (ÁGUA PÉREZ, 1985, p. 92). Portanto, o modelo inser-
ção – substituição é expresso midrashicamente através da ca-
tegoria cristológica e eclesiológica.
A Igreja é apresentada como Povo de Deus, o Novo Is-
rael baseado na transposição midráshica dos conceitos pró-
prios do antigo Israel: Povo, Reino, Aliança e Lei (Torá). O
grupo dos doze, representando a totalidade da comunidade, é
transposto das doze tribos de Israel. A instituição da Aliança
com o novo povo de Deus se confirma na última ceia como o
banquete da Nova Aliança (Lc 22, 20; Mc 14, 24; Mt 26, 28;
1Cor 11, 25; Ex 24,8ss). A comunidade se Pentecostes forma
o Novo Povo, em paralelismo midráshico com a comunidade
do Sinai (Atos 2,1-12; Ex 19).
O tema da Nova Aliança, reconhecido como o Novo
Povo, e a Nova Lei, se encontram desenvolvidos midrashica-
mante pela teologia de João nos discursos da Hora (Jo 2,5;
7,30; 8,20; 12,23. 27; 13, 1; 17,1). A carta de Pedro (1Pd 2,9)
e o Apocalipse (Ap 5,10) mencionam a Igreja a partir da Tra-
dição do Êxodo, “reino de sacerdotes e nação santa” (Ex 19-

50
Raimundo Pereira de Sousa

24). Finalmente, a Carta aos Hebreus (Hb 7-8) dedica uma


larga haggadá à Nova Aliança (conteúdo de Jeremias e Eze-
quiel) na pessoa de Cristo, o Sumo Sacerdote, por meio de
seu próprio sangue, o Sangue da Nova Aliança.
Já o midrash cristológico se caracteriza por apresentar
de modo geral a pessoa de Jesus de Nazaré como o Cristo.
Contudo, o fato de Jesus de Nazaré ser apresentado como o
Cristo (cristoj) constitui-se num aspecto importantíssimo do
midrash cristológico. Foi precisamente para interpretar a pes-
soa de Jesus de Nazaré, como o Cristo encarnado, que os cris-
tãos recorreram às Escrituras, buscando os atributos, nomes e
ações aplicados ao Deus de Israel.
Estes atributos, transportados ao Segundo Testamento,
afirmam e confirmam a divindade de Jesus através do título:
o Senhor.

Senhor, do grego kurioj. No Antigo Testamento se in-


vocava a Yahveh com o título de `Adonî (meu Senhor)
que adota habitualmente a forma de `Adona (y) (plural
de intensidade) pronunciado por Abraão em Gn 15,2-8.
Convertendo-se no próprio nome de Deus. Com respeito
à pronúncia ao tetragrama (YHVH) se lê substituindo
por. `Adonai que vem ser seu qeré perpétuo. Esta é a ra-
zão em que os LXX, numa primeira interpretação de-
rásica-midráshica, traduzem YHVH por kurioj atribu-
indo a Jesus um título de soberania divina (ÁGUA PÉ-
REZ,1985, p. 236).

Este recurso midráshico de atualização por substituição


possibilitou à comunidade primitiva a confissão de sua fé em
‘Adonai – Yahveh para o Cristo – Senhor. Outra transferên-

51
Jesus: fonte de água viva

cia midráshica do nome de Deus encontramos na teologia do


Quarto Evangelho com a expressão Eu Sou.

Do grego egw eimi – Jo 8,24.28.58. A expressão grega


procede da tradição hebraica `ani hû. (Is 48, 12: “Eu
sou, eu sou o primeiro e sou também o último” e Is
43,10: ...., “para que conheçais e creiais em mim, e en-
tendais que eu sou”. Assim também: “You soy, you soy
o que mostra vossas iniquilidades” (Is 51,12; 42,6; e
“Yo soy Yahveh (`ani Yahveh – LXX egw eimi) (ÁGUA
PÉREZ,1985, p. 237).

Para Charles Harold Dodd (DODD, 1977, p.123), o sen-


tido de (ego eimi- Eu sou) nos faz perceber que Deus deu seu
próprio nome ao Cristo. Recorda, também, que o nome no
Primeiro Testamento está associado com a glória eterna de
Deus. Assim sendo, a glória eterna de Deus, na teologia do
Quarto Evangelho, é atribuída ao Cristo.
Na perspectiva deste esquema, há ainda muitos outros
elementos midráshicos, tanto implícitos como explícitos, atri-
buídos a Jesus por toda a literatura neotestamentária. Veja-
mos, por ora, alguns exemplos na literatura de São João, o
Evangelista de nosso enfoque teórico:

1. “Eu sou o bom Pastor” (Jo 10,11-18) midrash → Ez


34,1-16; Jr 23,1-4.
2. “Eu sou o pão da vida... Eu sou o pão descido do
céu” (Jo 6,30-51) midrash → Êxodo 16 o “Dom do
Maná” reflete a prefiguração da Eucaristia e do mesmo
Cristo como o pão descido do céu. A interpretação e a

52
Raimundo Pereira de Sousa

atualização do texto consistem em mostrar Jesus como


o “Novo Êxodo”. Neste sentido, o Êxodo é uma etapa
da história da salvação que culmina no Evangelho.
3. “Eu sou a videira verdadeira” (Jo 15,1-8) → o texto
reflete midrashicamente a perícope de Isaías 5,1-6, que
mostra a designação de Judá e Israel como a “Vinha do
Senhor”.
4. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 6,4) → é
interpretado sob a luz de toda a Torá, as categorias:
Caminho, Verdade e Vida , são assumidas pela comu-
nidade de Israel como verdadeira realidade que conduz
ao Senhor. A Torá é concebida por Israel como Cami-
nho da Verdade que orienta a vida para o Senhor. É
nesta perspectiva que João afirma ser Jesus a Torá –
Palavra encarnada e revelada plenamente para aqueles
(as) que queiram andar nos caminhos da verdade e da
vida.

c) O terceiro modelo oposição/contraposição

Este modelo se fundamenta na radicalização das exigên-


cias evangélicas em sua interpretação das prescrições da
Torá, as quais são retomadas pelos hagiógrafos neotestamen-
tários como contraposição ou oposição frente às realidades da
Nova Aliança prefiguradas em Cristo.
São consideradas modelo oposição/contraposição “aque-
las formulações que proclamam o cumprimento como marca
de contraposição entre a realidade cumprida em Cristo e a re-
alidade citada do Primeiro Testamento. Esta contraposição é

53
Jesus: fonte de água viva

considerada também como aquela que realça o caráter da no-


vidade do Evangelho” (MUÑOS LEÓN, 1987, p. 240). O
procedimento midráshico deste modelo para expressar o cum-
primento é abordado por meio de antíteses. Eis alguns exem-
plos das principais formulações de contraposição que encon-
tramos no Segundo Testamento:

1. Não é o Maná, mas sim Cristo (Jo 6,27.32-33.38);


2. Não é aos descendentes – em plural – mas sim, à tua
descendência – em singular (Gl 3,19);
3. Não em tábuas de pedra, mas sim em tábuas de carne
do coração (2 Cor 3,3);
4. Não obras e sim a fé (Rm 3-4; Gl 2-3)
5. Não é o Monte Sinai, mas sim, A Jerusalém Celeste
(Hb 12, 18-24).

Em todas essas fórmulas, e em muitas outras que poderí-


amos examinar, se percebem que a contraposição/oposição
aparece numa realidade ou situação prevista no Primeiro Tes-
tamento, indicando sua incompatibilidade com a nova reali-
zação na situação cristã.
Também na teologia de Mateus se percebe que, através
da fórmula: “Ouvistes o que foi dito, eu, porém vos digo” (Mt
5,21-48), a contraposição aparece através de antíteses, onde
palavras de Jesus se contrapõem em relação ao ensinamento
que as precede.
Para Lenhardt e Collin, o radicalmente novo, com base
na continuidade, consiste no seguinte: “Jesus, difere do homi-

54
Raimundo Pereira de Sousa

liasta judeu, ele não fala de si com a expressão o Santo bendi-


to seja ele, mas apresenta-se a si mesmo, como aquele que
ensina na primeira pessoa ‘Eu, porém vos digo’. Ele fala
como homem que reivindica a própria autoridade de Deus”
(COLLIN; LENHARDT,1994, p. 34).
Sem dúvida, o princípio que postula o recurso ao Pri-
meiro Testamento emprega os três modelos ou esquemas do
midrash cristão. Contudo, os três são aspectos de uma mesma
e única realidade: afirmar que toda Tradição Veterotestamen-
tária converge para Cristo, em função do qual devem ser estu-
dadas e investigadas as Escrituras. Para Água Pérez Agustín
Del, “a sistematização a que se referem os três modelos pro-
postos, não significa que se trate de estabelecer categorias pu-
ras. Pois nas composições ou unidades midráshicas, o recurso
ao Antigo Testamento se verifica em ocasião segundo vários
modelos” (ÁGUA PÉREZ,1985, p. 95).

2.3 O Midrash no Evangelho segundo João

Conforme já citado, o midrash neotestamentário parte do


princípio de que Jesus é a chave interpretativa das Escrituras.
Nele está o cumprimento da profecia revelada. Para esta afir-
mação é que os hagiógrafos recorrem às Escrituras utili-
zando-se dos mesmos procedimentos e técnicas de hermenêu-
tica judaica.
O processo de transmissão e adaptação das palavras de Je-
sus às novas circunstâncias da comunidade cristã, assim como
as fases mesmas da redação dos diversos livros do Segundo
Testamento tiveram, como Sitz in Leben, os mesmos processos

55
Jesus: fonte de água viva

das instituições religiosas e socioculturais do Judaísmo do qual


precediam: a sinagoga (bet-sêfer) e a casa de estudo (bet há-
midrash). Foi a partir desse procedimento de continuidade e
cumprimento, que cada evangelista desenvolveu a sua teologia.
No caso de João, nós podemos falar de uma teologia desenvol-
vida a partir de uma escola targúmica-midráshica.
O ambiente do estudo e a formação da literatura neotes-
tamentário, como já foi dito, têm como princípio o substrato
judaico, do qual procede à literatura cristã. A configuração
desta literatura se deu por um meio criativo de índole escolar.
A criatividade com que a comunidade primitiva desenvolveu
seu trabalho exegético há de ser buscado no marco escolar
onde o “escriba cristão” realizou seu trabalho de recopilação,
criação e sistematização dos seus materiais, através do meio
criativo já existente: o das escolas rabínicas. (Cf. ÁGUA PÉ-
REZ,1985, p. 280).
Sabe-se que no início da era cristã havia no judaísmo
duas escolas nas quais se estudava a Torá: a primeira, bet há-
sêfer, tinha como preocupação maior à instrução elementar
baseada na Torá escrita (miqrá); por outro lado, a segunda es-
cola, bet há-midrash, tinha por princípio o ensino da Torá
Oral e Escrita.
Determinar quando começaram a existir estas escolas
não é tarefa fácil. Para Agustín Del Pérez, a bet há-sêfer, pa-
rece ter começado como uma instituição privada, provavel-
mente com o intuito de instruir os filhos de Israel no ensina-
mento da Torá (cf. Dt 6,7s;11,19). Fundamental importância
para o desenvolvimento da literatura neotestamentária.
Com a bet há midrash, “se encerra um conjunto de esco-
las que vai desde as escolas bastante elementares até as aca-
56
Raimundo Pereira de Sousa

demias existentes na Palestina e Babilônia. Escolas estas tan-


to do nível superior como elementar. Basta recordar as famo-
sas escolas atribuídas a Hillel e Shammay: a bet Hillel e a bet
Shammay” (ÁGUA PÉREZ,1985, p. 284).
É sabido, pela ampla literatura dedicada ao evangelho de
João, que o evangelista manifesta um profundo conhecimen-
to, tanto da Tradição bíblica como extrabíblica. A este respei-
to a escola joanina parece oferecer a grande síntese da tradi-
ção neotestamentária. Todavia, o contexto intelectual da es-
cola parece ser a de uma grande multiplicidade: judaico, he-
lênico, gnóstico” (ÁGUA PÉREZ,1985, p. 286).
Para Agustín Del Pérez, “a proposta da existência de
uma escola midráshica por trás do quarto evangelho foi apre-
sentada pela primeira vez por W. Heitmuller, em 1914, com a
intenção de determinar o autor do evangelho. E em 1939 A. Fri-
drichsen sustentava que o evangelho de João foi elaborado em
uma escola joânica na cidade de Éfeso” (ÁGUA PÉREZ,1985,
p. 286). Todavia não é possível estudar as características desse
grupo a partir da crítica direta. Há que considerar o contexto in-
terno da literatura joanina para perceber o meio intelectual cria-
tivo da mesma. A razão de qualificar esta escola como targú-
mica-midráshica, afirma Agustín Del Água Pérez:

Deve-se às abundantes influências mostradas pela tradi-


ção targúmica, como, por exemplo: o prólogo (Jo 1,1-
18) que apresenta o conceito teológico de Memrá em
sua função reveladora, assim como as sucessivas aplica-
ções do conceito teológico targúmico ‘Iqar Sehiná’
(Glória da presença) através de expressões unidas a
“permanecer”, “habitar”; bem como a referência ao tar-
gum palestinense Gênesis 3,15, em Apocalipse 12,17, o

57
Jesus: fonte de água viva

contexto da mulher e a serpente...; também a aplicação


feita a Jesus da visão de Jacó em Gênesis 28,10-17 com
uma alusão a Gênesis 28,12, em João 1,15. (ÁGUA PÉ-
REZ,1985, p. 286)

Este transfigurado cultural judaico bem como a ativida-


de literária desta escola são percebidos particularmente na
transposição cristã das grandes tradições de Israel por meio
dos discursos que constituem uma narrativa. Na mesma linha
de pensamento o biblista, Johan Konings vai afirmar:

Que o autor do quarto evangelho pensa em termos da tradi-


ção judaico-bíblico; pois, em cada imagem, de cada ex-
pressão mais acentuada, está a tradição bíblica, ora aplica-
da conforme o texto hebraico, ora conforme o texto grego,
ora conforme o comentário aramaico (o Targum). Dada à
influência destas raízes judaicas que é possível afirmar
obra joanina como uma obra midráshica. Assim sendo diz
ele, “o Evangelho de João pode ser considerado o mais ju-
daico de todos” (KONINGS, 2000, pp. 23-48)

Percebe-se, na cristologia do quarto evangelho, todo este


substrato da tradição: a forma semítica “Messias” usada para
apresentar Jesus e o seu caráter revelador (cf. Jo 1,41); a desig-
nação de Cristo como “cordeiro de Deus” (Jo 6,35.48.51), a
combinação das tradições do cordeiro pascal e o “Servo de Ya-
hweh”; “o Filho do Homem” da tradição apocalíptica; os discur-
sos em torno das fórmulas de identificação: “Eu sou o pão da
vida” (Jo 6,35.48.51); “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12; 9,5);
“Eu sou bom pastor” (Jo 10,11.14); “Eu sou a ressurreição e a
vida” (Jo 11,25); “Eu sou a videira verdadeira” (Jo 15,1.5), e a
própria designação do nome do Deus de Israel aplicado a Jesus
58
Raimundo Pereira de Sousa

sob a fórmula de “Eu Sou” (Jo 8,24.27.57; 13,19).


Indubitavelmente, a tradição do Êxodo: os milagres teo-
logizados como sinais através do midrash de Sb 10ss em tor-
no das pragas; a tradição da serpente de bronze (cf. Nm 21,4-
9) como tipo da exaltação de Cristo na cruz; o maná como
prefiguração da Eucaristia (cf. Jo 6). A aplicação da profecia
da Nova Aliança em Jeremias (cf. Jr 31,31-34 em Jo 13,13-
17), como também a transposição das festas principais do ca-
lendário judeu: Páscoa, Tabernáculos, Pentecostes (ÁGUA
PÉREZ, 1985, p. 28) são todos exemplos de releituras.
De fato, o Evangelho de João está baseado em toda a
Torá, não só no Pentateuco, mas nos Profetas (Nebim) e Es-
critos (Ketubim). Esta é a garantia de poder afirmar ser João
um evangelho tipicamente midráshico.

2.4 Resumo: resultados e perspectivas

Os resultados alcançados até agora são:

a) Para entender o midrash como exegese do Se-


gundo Testamento, faz-se necessário compreen-
der e conhecer o judaísmo, seus métodos exe-
géticos de ler e interpretar as Escrituras.
b) O Evangelho, antes de ser consignado por escri-
to, foi anunciado e pregado, acolhido pelos ou-
vintes como Palavra de Deus (Tradição Oral e
Tradição Escrita).
c) O Cristianismo possui uma relação com o judaís-

59
Jesus: fonte de água viva

mo de dependência e não de comparação. Sem


este conhecimento profundo do judaísmo, a exe-
gese do Segundo Testamento se torna incompleta.
d) É da necessidade de fundamentar a proclamação
da fé cristã na Palavra de Deus, que surge o mi-
drash cristão como método de interpretação e
atualização das Escrituras.
e) A diferença entre o midrash cristão e o midrash
judeu reside no fato de que, para o judaísmo, a Es-
critura (Torá Escrita e Torá Oral) é a palavra de
Deus que lida e relida e atualizada, é o princípio
normativo e jurídico que conduz a vida do povo.
Para os cristãos, o que ocupa o centro de sua aten-
ção é o acontecimento Jesus Cristo. Nele e por ele
a Torá obteve o seu cumprimento.
f) A natureza específica do midrash neotestamen-
tário reside no fato de ser um midrash do Cum-
primento Messiânico.
g) O autor do quarto evangelho pensa em termos
da tradição judaico-bíblico; pois, em cada ima-
gem, de cada expressão mais acentuada, está a
tradição bíblica, ora aplicada conforme o texto
hebraico, ora conforme o texto grego, ora con-
forme o comentário aramaico (o Targum).
h) O Evangelho segundo São João está baseado em
toda a Torá, não só no Pentateuco, mas nos Pro-
fetas (Nebim) e Escritos (Ketubim). Esta é a ga-
rantia de poder afirmar ser João um evangelho
tipicamente midráshico.

60
Raimundo Pereira de Sousa

Portanto, ao fazer um percurso da importância do Mi-


drash enquanto Exegese das Escrituras, e sua aplicação no
Segundo Testamento, se torna possível um estudo exegético
de Jo 7, 37-39.

61
CAPÍTULO III

3 EXEGESE MIDRÁSHICA DE JO 7,37-39

“Os autores neotestamentários, querendo fundamentar o


kerygma cristão, utilizaram-se exegeticamente do único
modo existente nas sinagogas para interpretar as Escri-
turas Sagradas, o método deráshico”. (Boris Agustín
Nef Ulloa)

3.1 Texto Grego

37
Ven de. Th/| evsca,th| h`me,ra| th/| mega,lh| th/j e`orth/j ei`sth,kei o`
Vihsou/j kai. E;kraxen le,gwn\ eva,n tij diya/| evrce,sqw pro,j me
kai. Pine,twÅ
38
o` pisteu,wn eivj evme,( kaqw.j ei=pen h` grafh, (potamoi. Evk th/j
koili,aj auvtou/ r`eu,sousin u[datoj zw/ntojÅ
39
tou/to de. Ei=pen peri. Tou/ pneu,matoj o] e;mellon lamba,nein
oi` pisteu,santej eivj auvto,n\ ou;pw ga.r h=n pneu/ma( o[ti Vihsou/j
ouvde,pw evdoxa,sqhÅ

3.2 Delimitação do Texto

A nossa perícope de estudo está dentro do bloco central do


Livro dos Sinais, capítulos 7 e 8, e tem a aparência de uma cole-
tânea de material disparado. Consiste numa série de diálogos de

62
Raimundo Pereira de Sousa

controvérsia, muitas vezes sem conexão evidente, além de


uma referência geral ao conflito entre Jesus e os líderes ecle-
siásticos do Judaísmo.
Segundo Charles H. Dodd, podemos dividir este bloco
(7-8) em sete diálogos:

1º) 7,14-24 = Jesus na Festa: tema, Moisés e Cristo.


2º) 7,25-36= as pretensões messiânicas de Jesus. Os in-
terlocutores são principalmente a “multidão”, “fari-
seus” ou “judeus”.
3º) 7,37-44= introduzido por um dito oracular de Jesus e
continuado pela multidão. Fala sobre as pretensões
messiânicas de Jesus.
4º) 7,45-52= o mesmo tema continua, os interlocutores
são os “sumos-sacerdotes e os fariseus”;
5º) 8,12-20= introduzido por um dito oracular: tema, na-
tureza e valor dos argumentos em favor das preten-
sões de Jesus.
6º) 8,21-30= consistindo, sobretudo, de um discurso de
Jesus, interrompido por breves comentários e pergun-
tas dos “judeus”: tema, o desafio de Jesus aos líderes
judeus.
7º) 8,31-59= este último diálogo tem como tema Abraão
sua raça e Cristo; interlocutores, Jesus e os “judeus”
(Cf. DODD, 2003, p. 448-458).

63
Jesus: fonte de água viva

A ação se passa na Festa de Sukkot.12 A introdução


(7,1-10) relata como Jesus veio da Galiléia para a festa. O
primeiro diálogo (v.14-24) tem lugar no meio da festa, e
quanto ao segundo diálogo, à intenção é aplicá-lo como se-
quência imediata do primeiro.
Já no terceiro diálogo, onde está a nossa perícope de es-
tudo, é situado No último dia o grande dia da festa. Fora dis-
so, não há referência explícita da festa.
Devemos imaginar a ação desenrolando-se, por assim di-
zer, num palco duplo. Na frente Jesus está enfrentando a multi-
dão que veio para a Festa. No fundo, as autoridades estão deli-
berando e conspirando. A primeira crise se dá no meio da festa
quando alguns dentre a multidão ficam tão impressionados pelo
que Jesus diz que eles estão dispostos a crer que possa a ser Ele

12
Sukkot significa em hebraico “cabanas” ou “tabernáculos”, é plural de
Suká, cabana, tabernáculo. As cabanas são uma referência às moradias
temporárias dos hebreus no deserto durante os quarenta anos de cami-
nhada à Terra Prometida. Essa festa comemora esse período da vida
do povo de Israel. (Lv 23,42).
Sukkot, a Festa das Tendas, tem a duração de sete dias, iniciando no
décimo quinto dia do mês de Tishrê (setembro/ outubro), quatro dias
após o Yom Kipur. Como Pessach e Shavuot, é uma festa de peregri-
nação em ação de graças pela última colheita antes do inverno.
Como as outras festas de peregrinação, esta possui dois sentidos: a
agrícola e o religioso. No sentido agrícola comemorar a última colhei-
ta, antes do período de inverno no hemisfério norte. (Sukkot também é
conhecida por Hag Há Assif, Festa da Colheita, Ex 34,22; Dt 16, 13-
15). Já no sentido religioso, lembra um período de transição na histó-
ria do povo hebreu, entre o êxodo do Egito e a Terra Prometida. Suge-
re a fragilidade e a instabilidade da vida de Israel, os períodos árduos,
como aqueles do deserto, em que habitavam como nômades em caba-
nas. (cf. COELHO Antônio Carlos. Encontros marcados com Deus:
Expressão da Unidade do povo de Deus/ As festas judaica e o cristia-
nismo, p.79-80).

64
Raimundo Pereira de Sousa

o Messias (7,31). A notícia chega até as autoridades, e eles


enviam agentes para prender Jesus. Entretanto prossegue o
debate público na frente do palco, sem qualquer indicação de
tempo, até o dia final da Festa, quando Jesus faz uma impor-
tante proclamação (que devemos considerar agora – 7,37-39).
O episódio em seu conjunto começou com Jesus em
kruptw/| (oculto cf.7,4). Seu comparecimento à Festa foi o
princípio ou fanerw/j avlla. (“publicamente”), mas em
kruptw (7,10). Depois, no meio da Festa, de repente aparece
em público, enfrentando oposição e ameaças.
A palavra kruptw/| (oculto) pode ser tida como uma in-
clusão desta série inteira de diálogos dentro duma unidade
dramática, tendo como cenário bem significativo para todo o
conjunto a Festa dos Tabernáculos.
No que se refere ao método por nós escolhido, o contex-
to do capítulo 7 do Evangelho segundo João, é marcado mi-
drashicamente pelo cumprimento das Escrituras: do antigo
manancial (Zc 13,1) no novo manancial; da antiga água na
nova água da vida (Jo 7,38b) que é Jesus, o Novo Moisés, e
pelos ambientes: Galiléia – Judéia – Jerusalém.

3.1 Tradução e Segmentação

Temos, a seguir, a tradução13 portuguesa do texto grego


13
Ao realizarmos a tradução da perícope, não encontramos grandes
diferenças em relação às traduções comparadas (TEB, Jerusalém,
Almeida, Tradução da CNBB). Porém, pudemos encontrar alguns
elementos que nos ajudaram a reforçar a hipótese de mensagem que
havíamos levantado. Toda as citações em grego utilizadas no trabalho
são tiradas do programa Bible Works for Windows, na versão 6, em

65
Jesus: fonte de água viva

e sua segmentação para melhor ser estudada.

37 No último dia 37 Ven de th/| evsca,th| h`me,ra|


o grande dia da festa th/| mega,lh|
th/j e`orth/j
levantou-se Jesus e exclamou: ei`sth,kei o` Vihsou/j kai.
E;kraxen le,gwn\
Se alguém tem sede eva,n tij diya/|
venha a mim e beba. Evrce,sqw pro,j me kai.
Pine,twÅ
38 Quem crer em mim, 38 o` pisteu,wn eivj evme,(
como diz a Escritura, kaqw.j ei=pen h` grafh,(
do seu interior th/j koili,aj
fluirão rios de água viva r`eu,sousin u[datoj zw/ntojÅ
39 isto ele disse com respeito 39 tou/to de. Ei=pen peri.
ao Espírito Tou/ pneu,matoj
que haviam de receber o] e;mellon lamba,nein
Os que nele cressem; o] e;mellon lamba,nein oi`
pisteu,santej
pois o Espírito até aquele mo- eivj auvto,n\ ou;pw ga.r h=n
mento pneu/ma
não fora dado, ou;pw ga.r
porque Jesus não havia sido o[ti Vihsou/j
ainda glorificado ouvde,pw evdoxa,sqhÅ

CD-ROM.

66
Raimundo Pereira de Sousa

3.4 Estudo Midráshico da perícope

Dos vários procedimentos e técnicas hermenêuticas pró-


prias do midrash, conforme descritos nos capítulos anteriores
(Analogia, Literal, Pesher, Alegórico e o Tipológico...), pro-
curaremos, através da análise tipológica 14, descobrir e apre-
sentar os dados escriturísticos, bem como as possíveis alusões
(remez) e analogia (Ké-neguéd) que, segundo o método mi-
dráshico de releitura das Escrituras, serviram de fonte para o
evangelista na composição da perícope João 7, 37-39.

A tipologia junto ao princípio de cumprimento é a cha-


ve do Midrash neotestamentário, onde o texto bíblico,
especialmente acontecimento e personagens, são inter-
pretados buscando um sentido mais profundo como pre-
figuração que se realizará no Novo Testamento. Ela pro-
cura descobrir no Antigo Testamento tudo quanto é pro-
messa, prefiguração ou profecia, em correspondência
com os dois Testamentos. Sua aplicação se dá nos níveis
cristológico, soteriológico e eclesiológico. (Cf. MU-
NÕZ, 1987, pp. 231-233 e 299)

Este exercício exegético midráshico inicia-se sempre


14
A tipologia junto ao princípio de cumprimento é a chave do Midrash
neotestamentário, onde o texto bíblico, especialmente acontecimento e
personagens, são interpretados buscando um sentido mais profundo como
prefiguração que se realizará no Novo Testamento. Ela procura descobrir
no Antigo Testamento tudo quanto é promessa, prefiguração ou profecia,
em correspondência com os dois Testamentos. Sua aplicação se dá nos
níveis cristológico, soteriológico e eclesiológico. (Cf. MUNÕZ Leon.
Deras los caminos e sentidos..., pp. 231-233 e 299).

67
Jesus: fonte de água viva

pelo desmonte da perícope, percorrendo as Escrituras em bus-


ca dos elementos midráshicos (expressões, personagens, lu-
gares, etc...) que permitam reconstruir o texto dentro do seu
contexto.

3.5 A relação da perícope com as Escrituras

Conhece-se que é a partir do contexto de Morte e Res-


surreição de Jesus que a comunidade cristã vai sistematizan-
do o seu Kerigma como resposta de fé ao acontecido. Para os
sábios de Israel, a Torá é a revelação de Deus na história e
sua compreensão passa pela incontável variedade de expe-
riências da comunidade e do crente individual, sem, entretan-
to, haver um critério único e absoluto de leitura; para o cris-
tão, este critério é a pessoa de Jesus morto e ressuscitado; à
luz de sua morte e ressurreição as Escrituras abrem-se na infi-
nidade de seus sentidos (Lc 24,32; 1Cor 3,12ss); é nele e por
Ele que seu deu o cumprimento das profecias. Movidos por
esta convicção, os hagiógrafos releem as Escrituras e, a partir
delas, sistematizam o seu Kerygma.
Portanto, a literatura neotestamentária e, em nosso caso,
o Evangelho segundo João, procuram apresentar, por meio da
tipologia cristológica, soteriológica e eclesiológica, a pessoa
de Jesus Cristo como “aquele sobre quem escreveram Moi-
sés, na Torá, e os Profetas” (1,45), como um israelita (1,47);
como um judeu (4,9); como Rei de Israel (1,47); como o Se-
nhor (4,11.15.19); Profeta (4,19); Messias chamado Cristo
(4,25. 29); Homem (4,29); Rabi, o mestre vindo de Deus
(3,1; 4,31); Salvador do mundo (4, 42) e como Rei dos ju-

68
Raimundo Pereira de Sousa

deus (19,19-22).
Mas midrashicamente, João apresenta Jesus como o
Novo Templo situado sobre as águas do Abismo (4,6); Como
o verdadeiro Templo que faz jorrar a água viva do Espírito
(2,21) e como o Manancial prometido (7,38). Isto nos mos-
tra que o evangelista utilizou do contexto da festa das Tendas
para nos falar da pessoa de Jesus.

3.5.1 O simbolismo da água e o Espírito nas Escrituras

Nas Sagradas Escrituras, a palavra água, ym; (may), só é


encontrada na sua forma plural, ~yim (mayim) águas.15 O Livro
do Gênesis nos fala das águas informes que são divididas no
momento da criação em águas inferiores (fontes, poços, rios,
riachos, mares e as águas do abismo) e em águas superiores
(chuva, orvalho e nuvens carregadas).
Nota-se bem que, cada termo que designa as águas inferi-
ores ou superiores pode estar imbuído de muitos significados
diferentes. O orvalho pode ser o símbolo da Palavra Divina
(Dt 32,2: “Desça como a chuva minha doutrina, minha palavra
se espalhe como orvalho, como chuvisco sobre a relva que vi-
ceja e aguaceiro sobre a grama verdejante.”), da regeneração
(Is 26,19: “Os teus mortos tornarão a viver, os teus cadáveres
ressurgirão. Despertai e cantai, vós os que habitais o pó, por-
que o teu orvalho será um orvalho luminoso, e a terra dará à
luz sombras.”), da salvação e da libertação (Is 45,8: “Gotejai, ó
céus, lá do alto, derramem as nuvens justiça, abrace a terra e
15
A palavra água pode ser analisada em termos de seus aspectos
históricos, rituais, metafóricos e escatológicos.

69
Jesus: fonte de água viva

produza a salvação, ao mesmo tempo faça a terra brotar a jus-


tiça! Eu, Iahweh, criei isto”) até mesmo da ressurreição.
Mesmo as águas do abismo possuem uma ambivalência
que vai do símbolo de perigo (cf. Sl 42,8) ao símbolo de ben-
ção (Dt 33,13). Já a chuva pode simbolizar as influências re-
cebidas pela terra. Com relação às águas das fontes, elas são
símbolos da maternidade, da origem da vida. Elas são as
águas lustrais, as substâncias por excelência da pureza.
A água dos poços é o símbolo do segredo, do abismo e
do inferno (Sl 55,24: “E tu, ó Deus, tu os fazes descer para o
poço profundo, estes homens sanguinários e impostores, an-
tes da metade dos seus dias”), pois o poço realiza a síntese de
três ordens cósmicas... O céu, a terra e os infernos. A água é
também símbolo do conhecimento e da sabedoria que o ser
humano atinge, indo sempre cada vez mais fundo (Nm 21,17-
18: “Então Israel cantou esse cântico: A respeito do poço.
Entoe-lhe cântico, O poço cavado pelos príncipes, que foi
perfurado pelos chefes do povo, com cetro, com seus bor-
dões.”) E é claro que água do poço é também uma água viva
(Gn 21,25; 26,19; Ct 4,15).
Com relação ao Espírito, a Bíblia utiliza diversos con-
ceitos como, por exemplo: x:Wr (ruah), hm'v'n> (neshamah). Va-
mos nos ater ao termo ruah que aparece logo no início da Es-
critura: “um vento (Espírito-ruah) de Deus pairava sobre as
águas.” (Gn 1,1). Esse termo pode assumir um triplo sentido:
a) um sentido cosmológico, indicado pelo vento; b) um senti-
do antropológico, indicado pelo espírito do ser humano e, ter-
ceiro, um sentido teológico que indica frequentemente um si-
nônimo de Deus. Nós vamos abordar mais especificamente o

70
Raimundo Pereira de Sousa

termo ruah, no sentido teológico.16


Parece que o símbolo água e Espírito tenha sido em-
pregado pela primeira vez pelo profeta Isaías. Ele nos aparece
no capítulo 32,15-20:

até que seja derramado sobre nós o Espírito do alto. En-


tão o deserto se transformará em vergel, e o vergel será
tido como uma floresta. O direito habitará no deserto e a
justiça morará no vergel. O fruto da justiça será a paz, e
a obra da justiça consistirá na tranquilidade e na segu-
rança para sempre. Meu povo habitará em moradas de
paz, em mansões seguras e em lugares tranquilos. Em-
bora a floresta venha abaixo, embora a cidade seja hu-
milhada, sereis felizes, semeando junto de águas abun-
dantes, deixando andar livres os bois e os jumentos.

Para falar de efusão do espírito do alto, Isaías 32,15 re-


correu ao verbo hr<î['yE (ser derramado) O verbo significa em
geral deixar nu (Is 3,17) ou esvaziar (Gn 24,20), Isaías 32,15
é o único caso onde o verbo hr<î['yE é empregado para a chuva,
seu emprego denota uma vontade de assimilar a água ao es-
pírito.
A origem do espírito é precisa. Ele vem “do alto”. Esta
expressão significa vem do céu (Mq 6,6; Sl 102,20; 18,17;
144,7; 2Sm 22,17). Pode-se substituir a expressão espírito do
alto por Espírito de Deus. O caráter espacial da expressão
permite a associação do Espírito à água. Isaías precisa que o
Espírito seja derramado “sobre nós”.
16
A Bíblia é testemunha da crença de que Deus se revela perto da água.
Gn 16,7, nos fala do poço perto do qual o anjo do Senhor encontra
Hagar. Esse poço foi chamado: “o poço do vivente que vê”.

71
Jesus: fonte de água viva

Primeiramente o Espírito é derramado sobre o povo. E é


o povo que é transformado assim como a transformação que
ocorre na natureza. O Espírito será a fonte de um comporta-
mento moral novo. A efusão do Espírito inaugura a era mes-
siânica a qual marca um retorno ao Paraíso. Ou seja, o Espíri-
to é aquele que resgata a condição para a qual o mundo foi
criado, ele é aquele que tem a força, o poder de restaurar o
princípio das coisas. Essa comparação nasce da observação
daquilo que a água da chuva opera no selo seco, pois a natu-
reza do solo não era ser sem vida, mas um solo com vida e
essa vida é devolvida pela chuva, pela água que vem do alto.
Após haver castigado seu povo, Deus o fará renascer. O
Espírito do alto terá os mesmos efeitos que a chuva tem no
deserto. A Aliança será restaurada: paz e justiça reinarão so-
bre a terra. Deus cumulará Sião de direito e de justiça (Is
33,5). Isaías emprega o símbolo água e Espírito como uma
unidade. Ele descreve os efeitos do Espírito como aqueles
que são causados pela chuva, fazendo uma inclusão entre Es-
pírito e água (Is 32,20), tomando o símbolo como uma unida-
de: a água com seus efeitos de fertilidade. É importante subli-
nhar, ainda outra vez, que o símbolo água e Espírito está den-
tro de um contexto escatológico e que anuncia, de certa for-
ma, a Aliança Nova. O Espírito permite ao povo apresentar
um comportamento moral que corresponde às clausuras da
Aliança: Um ramo sairá do tronco de Jessé, um rebento brota-
rá de suas raízes. Sobre ele repousará o espírito de Yahweh,
espírito de sabedoria e de inteligência, espírito de conselho e
de fortaleza, espírito de conhecimento e de temor de Yahweh.
(Is 11,1-2). Isaías anuncia que a efusão do Espírito será reali-
zada pelo Messias que tem a inspiração no temor do Senhor

72
Raimundo Pereira de Sousa

e, mais ainda, o Espírito será derramado sobre toda a comuni-


dade e sobre toda a terra.
Já o profeta Ezequiel vê a água como instrumento de pu-
rificação religiosa já presente nos rituais antigos.
Quando o povo foi assolado, Ezequiel anunciou o retor-
no à terra sobre a qual reinará um “novo Davi”. Ele descreve
a beleza do Éden reencontrado. Deus borrifará de novo chu-
vas de benções (Ez 34,25-26). Na sua descrição de nova Jeru-
salém, ele vê a terra irrigada por um rio que sai de Jerusalém,
do lado direito do Templo o qual fecundará o deserto e vivifi-
cará as águas do Mar Morto (Ez 47).
É o Templo o lugar da renovação. Todos os rios da ben-
ção fluem de sua fonte que emana do Templo. A essa pro-
messa fazem eco Joel 4,18: “Uma fonte jorrará da casa do Se-
nhor”, Zacarias 13,1: “Uma fonte se abrirá (para dar) da água
lustral” e Zacarias 14,8-9: “Águas vivas sairão de Jerusalém”.
O terceiro Isaías já anunciava que o Senhor faria correr a paz
para Jerusalém como um rio.
Nos rituais levíticos, a água é um dos elementos princi-
pais de purificação (cf. Lv 14,15-16). Ezequiel adotará em
sua predicação o tema da purificação pela água e vai aplicá-lo
ao dom do Espírito. Ezequiel 36,25-27 é um texto chave:
“Borrifarei água sobre vós e ficarei puros; sim, purificar-vos-
ei de todas as vossas imundícies e de todos os vossos ídolos
imundos. Dar-vos-ei um coração novo, porei no vosso íntimo
um espírito novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e
vos darei um coração de carne”.
Em Ezequiel 36,16-38, o dom do Espírito está ligado à
purificação e à conversão do coração e que ele possibilita a

73
Jesus: fonte de água viva

vivência fiel a Deus através da lei. A metáfora da efusão do


Espírito significa também a unidade de Deus com seu povo.
O segundo-Isaías anuncia ao povo o fim do Exílio como
um novo Êxodo. Ele alimenta a esperança do povo, utili-
zando-se do símbolo água e Espírito:

Assim diz Yahweh, aquele que te fez, que te modelou


desde o ventre materno e te sustenta. Não temas, Jacó,
meu servo, Jesurum, a quem escolhi, porque derramarei
água sobre o solo sedento e correntes sobre a terra seca.
Derramarei o meu espírito sobre a tua raça e a minha
bênção sobre os teus descendentes. Eles brotarão por
entre a erva como os salgueiros junto a correntes de
água. (Is 44,2-4)

O povo no Exílio era comparado a uma terra seca onde a


vida estava esgotada. O retorno à terra prometida simbolizava
o ato de reviver do povo comparado àquele da natureza quan-
do a chuva cai. O novo povo será fecundo como as árvores
plantadas perto das fontes (cf. Jr 17,8).
A fecundidade e a fluidez da água servem como ponto
de comparação para a atividade do Espírito de Deus. No so-
pro de Deus são apresentadas – ao mesmo tempo – a graça da
fecundação e a subtilidade de um elemento que penetra em
tudo. Como a água fecunda a terra, do mesmo modo, o Es-
pírito derramado sobre o povo o fecundará e vai renová-lo.
Os profetas, através do símbolo água e Espírito, anunci-
avam que o fim do Exílio se assemelharia a uma revificação
do povo e a um novo Êxodo. A Tradição Sacerdotal dá um
passo mais longe na reflexão e apresenta a Criação como sen-

74
Raimundo Pereira de Sousa

do o primeiro ato de salvação.


Se os profetas associam a água e o Espírito quando eles
falam de Criação, a Tradição Sacerdotal o faz de modo claro
em Gênesis 1,2: “e um vento (espírito – ruah.) de Deus paira-
va sobre as águas”.
Será que pode-se falar de simbolismo de água e Espírito
a respeito de Gênesis 1,2 ou estamos diante do binômio Es-
pírito – água que está subjacente em muitos textos da Escritu-
ra Mosaica quando ela fala da Criação tal como o salmo 33,6-
7? Aparentemente diante de dois temas distintos, pois o Es-
pírito é apresentado como aquele que planta sobre as águas.
Mas por outro lado, ao se comparar Gênesis 1,2 às cosmogo-
nias babilônicas, vê-se que a intenção do autor bíblico foi de
associar intimamente a água ao Espírito.
As águas representam a infinidade de possibilidades, do
mesmo modo, Espírito de Deus é o criador de todas as reali-
dades. O Espírito é a fonte do novo e daquele que possibilita
o nascer, o crescer. Aquele que mantém viva a presença de
Deus, pois onde ele está existe vida, o contrário é a morte.
Na literatura sapiencial, o símbolo água e Espírito é
substituído pelo símbolo água – Sabedoria. Em Provérbios
1,23 a Sabedoria emprega a metáfora “eu derramarei o meu
espírito”. Ela convida o ser humano a segui-la, pois ela vai
lhe ensinar suas palavras.
Em Provérbios 8,23, a Sabedoria, que aparece personifi-
cada, tinha falado de sua formação, empregando o verbo yTik.S;înI
(nisakhti). Este verbo que aparece no Salmo 2,6 – faz alusão
aos ritos de água que acompanhavam a entronização do rei.
Entretanto o tema do Espírito ligado ao rei não é mencionado

75
Jesus: fonte de água viva

nessa passagem.
Em Provérbios 3,20 e 8,29, a Sabedoria dá início à cria-
ção das águas. Pode-se perguntar se não estamos diante de
uma releitura do tema do Espírito sobre as águas primordiais.
A literatura sapiencial também se utilizou do símbolo
água – Lei, como foi visto acima, em particular no Livro de
Eclesiástico 24,23-27. Em outros lugares, a Sabedoria é fre-
quentemente comparada à água de tal modo que criará a me-
táfora da água da Sabedoria (Eclo 15,3).
Pode-se ainda perguntar: mas qual é a origem do símbo-
lo água e Espírito?
Foi visto que o termo ruah pode estar aplicado no senti-
do cosmológico e designar o vento. Nas Sagradas Escrituras,
muitos textos aproximam os termos da água e do vento.
Citaremos apenas um texto para nos ajudar: “Quando ele
fez ressoar o trovão, há um bramido de água no céu; ele faz
subir as nuvens do extremo da terra, produz os raios para a
chuva e faz sair o vento de seus depósitos” (Jr 10,13). Claro
que as narrações do Êxodo, em particular, haviam associado
o vento e a água como elementos entre as mãos de Deus. Mas
é mesmo a partir do Exílio que o símbolo água – Espírito en-
trou nas Sagradas Escrituras. Todos os textos que o utilizam
são posteriores ao Exílio, Isaías 32,15 também. O símbolo
aparece imediatamente com uma valência escatológica. Isaías
44,2-5 o retoma, unindo-o ao tema da invocação do Nome do
Senhor. Ezequiel parece ter exercido uma influência determi-
nante sobre os profetas posteriores no que diz respeito ao
símbolo. É o retorno do povo à sua terra, recebendo a benção,
a fertilidade, a crença que, em geral, são evocadas pelo sím-

76
Raimundo Pereira de Sousa

bolo. Renovação que é prometida pela era messiânica. Ade-


mais é bom precisar que a escatologia subjacente ao símbolo
pode ser definida como cultural, pois ao tema da efusão do
Espírito está ligado o tema da fonte que jorra do Templo.
Foi dado que a significação do símbolo água e Espírito
pode ser variada. Em geral, o símbolo é utilizado num con-
texto onde se trata da Nova Aliança, da renovação da comu-
nidade messiânica e da crença dessa comunidade. Joel acres-
centará outro sentido aos anteriores: o símbolo água e Espíri-
to vai traduzir igualmente a inspiração profética que será pró-
pria do povo na era messiânica. Mas fiquemos atentos, pois
ainda não se chegou à questão da água viva, da água que cor-
re, da água da vida eterna, que nos ajudará a melhor com-
preender esse simbolismo.

3.5.2 O simbolismo da Água e Espírito na Tradição Ra-


bínica

A nossa perícope de estudo (Jo 7,37-39) se encontra


dentro da Festa das Tendas (cf. Jo 7, 2), por isso vamos anali-
sar a relação simbólica da água e Espírito no contexto da Li-
turgia judaica desta festa. Vejamos alguns textos:
“Por que chama a festa de: onde as águas são tiradas?
Porque nela é que se retirava o Espírito Santo” (Midrash
Tannaim 94).

Uma fonte para os jardins, uma fonte de água viva, a


água que jorra do Líbano. As águas de Siloé que correm
tranquilamente com as águas que descem do Líbano, ir-

77
Jesus: fonte de água viva

rigando a terra de Israel, graças aos méritos daqueles


que estudam a Lei, que é comparada a uma fonte de
água viva e graças à libação de água que se fazia sobre o
altar do Santuário construído a Jerusalém e que era cha-
mado de Líbano.” (Targum do Cântico dos Cânticos
4,15: “A fonte do jardim é poço de água viva que jorra,
descendo do Líbano”).

As águas de Siloé (Enviado), que serviam para a purifi-


cação, estão relacionadas com as águas do Líbano (Laban:
branco) no seu sentido simbólico de Templo, ou seja, o bran-
co ou puro.
“Por que essa porta é chamada de porta das águas? Por-
que é através dela que era trazido o vaso de água para a liba-
ção da Festa das Tendas. R. Eliezer Ben Jacó dizia: ‘as águas
escorriam, isto é, elas jorravam em grandes borbotões tal
como a abertura desse vaso e elas saíam de sob o átrio do
Templo’” (Targum Sukkot 3).17
Esse vaso tornou-se objeto de muitas interpretações. Ele
é o vaso de água que servia para a libação da água e era uma
fonte miraculosa de renascimento. Essas águas miraculosas
são associadas com a fonte escatológica (cf. Ez 47, 1-12).
Eclesiástico 24,30-31: “Quanto a mim, eu sou como um
canal de um rio, como um aqueduto que vai ao paraíso. Eu
disse: ‘irrigarei o meu jardim, regarei os meus canteiros.’”
Associa-o à Sabedoria, ou seja, como água que dá vida
sai do Templo, a Sabedoria também (Eclo 24,10: “Na Tenda
santa, em sua presença, oficiei; desde modo, estabelecimento
em Sião”). Claro que Ezequiel 47,1: “Reconduziu-me então
17
Espécie de Midrash sobre Ezequiel 47.

78
Raimundo Pereira de Sousa

para a entrada do Templo e vi ali água que escorria de sob o


limiar do Templo para o lado o oriente, pois a frente do Tem-
plo dava para o oriente. A água escorria de sob o lado direito
do Templo, do sul do altar”. Também está relacionado com
Zacarias 13,1: “Naquele dia haverá para Casa de Davi e para
os habitantes de Jerusalém uma fonte aberta, para lavar o pe-
cado e a mancha”. Ambos anunciando a abertura de uma fon-
te para purificar o pecado e a mancha, a impureza.
“A criação será renovada: todas as águas da criação sai-
rão dessa moringa de água que possui uma extraordinária po-
tencialidade de fecundação e fertilidade, marca também da
era messiânica” (Talmud de Jerusalém, Sheqalim 6,2,50ª).
O vaso de água de Sukkot aparece relacionando os mo-
mentos de extrema importância para Israel: a) com a Criação
e b) com o Êxodo. Isto é: o vaso de água simboliza a fertili-
dade que será dada novamente, ou seja, aquela que existia an-
tes do pecado e é também momento de cabal importância, a
libação concedida ao povo, disso decorre as marcas da era
messiânica salvação e abundância. A libação que se fazia
todo dia sobre o altar era um gesto simbólico disso.
Quando se dava a união das águas superiores (a água de
Siloé, onde estava o Espírito Santo) com as águas inferiores do
Abismo, essa união essa era simbolizada pelo rito que consistia
em derramar a água de uma taça especial sobre o altar. Esse rito
reproduziu a ordem da criação antes da separação das águas (cf.
Gn 1,6-7). No encontro das águas dependia a vida, pois desse
encontro resultava a fecundidade e a fertilidade da terra. Sukká
49ª nos diz que os canais – que proporcionavam o encontro das
águas superiores com as águas inferiores do Abismo foram cria-
dos nos seis primeiros dias da Criação.

79
Jesus: fonte de água viva

O rito da libação de água sobre o altar tinha como finalida-


de assegurar a chuva. E o qualificativo santo é resultado da evo-
lução da Teologia do Espírito. E a expressão “tirar água no Es-
pírito” parece ter sido influenciada por Isaías 12,3: “Com alegria
tirarei água das fontes da salvação”. Alegria e Espírito são vis-
tos como dois sinônimos na literatura rabínica. Temos desse
modo um rito que se concretiza em dois elementos visando um
resultado. Assim, temos o altar onde se dava o encontro do ma-
terial e do espiritual: da água e do Espírito.
Em Zacarias 13,1: “Naquele dia haverá para a Casa de
Davi e para os habitantes de Jerusalém um fonte aberta, para
lavar o pecado e a mancha”. Fala da purificação que precede
a renovação. O Midrash de Lv R. 30,7 contém uma tradição
afirmando que o perdão de Rosh haShanah e de Yom Kippur
se realiza plenamente na Festa de Sukkot.
Para finalizar este tópico sobre a relação água e Espírito
na tradição rabínica, vamos nos servir do Midrash Gn R.
70,8-9 que acrescenta um novo elemento. Esse midrash está
comentando Gênesis 29,2: “E eis que viu um poço no campo,
junto do qual estavam deitados três rebanhos de ovelhas: era
nesse poço que se dava de beber aos rebanhos, mas a pedra
que tapava a sua boca era grande”. O autor comenta que o
poço simboliza Sião e os três rebanhos representam as três
festas de peregrinação. Assim, como o poço servia para matar
a sede dos rebanhos, Templo se recebia o Espírito Santo.
Portanto a liturgia judaica da Festa das Tendas a partir
da Tradição Escrita e Oral havia associado à fonte do Templo
a todas as fontes salvíficas da Bíblia relacionadas à água, Es-
pírito e o Templo.

80
Raimundo Pereira de Sousa

3.5.3 O simbolismo da Água e Espírito nos Padres da


Igreja

Não se pode deixar de recorrer aos Padres da Igreja


(Tradição Patrística), pois como bem sabemos foi nas duas
mesas: da Palavra e da Eucaristia que ela se nutriu. Suas in-
terpretações preciosas nos ajudam a melhor compreender a
Escritura Mosaica e Cristã.
Na Tradição Patrística, o Espírito é comparado à água na
medida em que a água representa uma forma invencível, um
elemento que vivifica e unifica, um princípio purificador e
que se diversifica. A Patrística soube trabalhar com os vários
princípios da água e, daquilo que muitas vezes ela veiculava:
o Espírito. Ela é o princípio de força: A força hidráulica pos-
sui uma energia criativa quando represada e canalizada, e de
energia destrutiva quando se trata de uma inundação. Princí-
pio de vida: nos períodos de seca, os países áridos são teste-
munhas da necessidade da água para que surja e floresça a
vida. Tenhamos presente o Profeta Ezequiel, descrevendo o
rio de água vida que sai da fonte do Templo fecundando todo
o campo e purificando as águas do Mar Morto (Ez 47, 1-12).
Princípio de purificação: a água lava os corpos pela abluções
e limpa as vestes pela lixívia. O Levítico prevê numerosas
abluções, conforme Marcos 7, 3-4: Os fariseus, com efeito,
de todos os judeus, conforme a tradição dos antigos, não co-
mem sem lavar o braço até o cotovelo, e, ao voltarem da pra-
ça pública, não comem sem antes aspergir-se, e muitos outros
costumes que observam por tradição: Lavagem de copos, de
jarros, de vasos de metal.
Observam-se algumas características aplicadas por al-
81
Jesus: fonte de água viva

guns Padres da Igreja:


Com Santo Irineu, a água será apresentada
como um princípio que unifica, veja o que ele diz:

Como a farinha seca não pode, sem água, torna-se uma


só massa, um só pão, assim também nós todos, de ne-
nhuma forma podemos nos tornar um em Cristo Jesus
sem Água que vem do céu.
E como a terra árida, se ela não recebe a água, não fruti-
fica de modo nenhum, assim também nós, que inicial-
mente éramos de madeira seca, não teríamos jamais por-
tado frutos de Vida sem a chuva que é gratuitamente
dada do alto.
Pois, nossos corpos, pelo banho do batismo, receberam
a unidade que os torna incorruptíveis; mas nossas almas
o receberam pelo Espírito.
É por isso que um e outro são necessários, pois um e ou-
tro procuram a Vida de Deus”. (Cf. Santo IRINEU. Ad-
versus Haereses, III, 17-20)

Já São Cirilo de Jerusalém vai salientar como o Espírito


se diversifica tal como a água nas plantas, eis suas palavras:

Por que a Escritura chama a água de graça espiritual?


Porque é pela água que tudo subsiste; pois é a água que
torna as plantas verdes e dá vida. Do céu desce a água
das nuvens; ela desce sempre a mesma, mas ele age de
múltiplas maneiras. Uma só fonte rega todo o jardim;
uma só e mesma chuva cai sobre toda a terra; ela se tor-
na branca no lírio, vermelha na rosa, púrpura nas viole-
tas e nos jacintos, variando ao infinito segundo as es-
pécies, de uma forma nas palmeiras; em uma palavra:

82
Raimundo Pereira de Sousa

tudo em todas as coisas, e entretanto mantém sempre a


mesma forma e não deixa de ser ela mesma. Pois não é
mudando sua natureza que a chuva torna-se outra coisa
que ela não era antes, mas é se ajustando à natureza de
diversas plantas, que ela se torna para cada planta um
bem que lhe convém. Dessa forma, é o Espírito Santo,
ele é um, indivisível, imutável e ele distribui a cada um
a graça como lhe apraz. E como a madeira seca embebi-
da d`água se reveste de novos rebentos, assim também a
alma pecadora, tornada digna do Espírito Santo pela pe-
nitência, produz cachos de justiça. (Cf. Santo Cirilo DE
JERUSALÉM, Catequese, XVI, 11-12)

Santo Ambrósio tece um belo elogio à água e esse en-


cômio nasce da inspiração do Espírito, veja:

“Da água, o que poderia eu dizer? Sobre a água, antes


mesmo do nascimento do mundo, pairava, como vós po-
deis ler, o Espírito (Gn 1,2). Água que levou o Universo
manchado pelo sangue humano, fazendo preceder o ba-
nho atual de sua figura! Água que a quem foi concebido
de ser o sacramento de Cristo, lavando tudo sem ser la-
vada! Foste tu que começas primeiro, és tu que comple-
tas e aperfeiçoas os mistérios. De ti vem o começo, e ti
o fim; ou que nos fazes ignorar o fim. Por ti o odor das
carnes putrificadas é eliminado, e as entranhas que se
deterioram são conservadas por uma longa duração pelo
sal que os conserva. Por ti os corpos que ressecam pelo
calor recebem uma aragem doce e deleitante, que salva
a vida, que busca um suave prazer. Havias dado teu
nome aos Profetas e os Apóstolos, tu havias dado teu
nome ao Salvador: as primeiras são as nuvens do céu (Is
60,8), os segundo o sal da terra (Mt 5,13); Ele é fonte da
vida (Jo 7,38). As montanhas te cobrem sem te aprisio-

83
Jesus: fonte de água viva

nar. Tu feres os escolhos sem te ferir. Tu te espalhas so-


bre as terras sem te esgotares; mas jorram de canais pro-
fundos, quer represada tu espalhas um sopro de vida,
quer dispersada tu dás a seiva fértil, quer espalhada tu
forneces uma regada benfazeja, para que a terra, desgos-
tada, ressequida em sua medula, não recusa as colheitas
anuais. Substância de todos os elementos, o céu, o ar, o
mar, a terra te produzem. Ferida e machucada pelo Pro-
feta, a rocha te fez jorrar pra irrigar os corações dos po-
vos corrompidos (Ex 17,6). Quando tu jorraste do lado
do Salvador, os soldados te viram, e eles acreditaram
(Jo 19,34), assim és tu uma das três testemunhas de nos-
so renascimento: pois ‘há três testemunhas: a água, o
sangue e o Espírito’ (Jo 5,8): a água para lavar, o sangue
para redimir e o Espírito para ressuscitar (cf. Rm
8,11)”(Cf. Santo AMBRÓSIO, Tratado sobre o Evange-
lho de São Lucas, X, 48).

Em São Gregório é encontrar o comentário de um versí-


culo do livro de Jó que diz:

Se ele retém as águas, tudo fica seco (Jó 12,15), pois se


a graça do Santo Espírito é tirada do espírito daquele
que escuta a Palavra, logo a sua inteligência definha,
sendo que antes víamos verdejante de esperança seu es-
pírito quando ele a ouvia. (c. São GREGÓRIO, O
GRANDE, Moral sobre Jó, XI, 14, S.C. 212, 1974; cf.
XIX, 6, P.L. 76,100 C-101 B).

Assim, pode-se ter uma ideia de como o simbolismo da


água e Espírito foi trabalhado pela grande e fecunda corrente
da Escola Patrística.

84
Raimundo Pereira de Sousa

3.5.4 O simbolismo da Água e Espírito no Evangelho se-


gundo São João 7,37-39.

A água é antes de tudo símbolo de revelação, de conhe-


cimento e de sabedoria. Essa expressão está presente na Es-
critura Mosaica.
Gênesis 26,19: “Os servos de Isaac cavaram no vale e
encontraram no vale um poço de águas vivas.”; Levítico 14,5:
“E ordenará em seguida, que se imole uma ave em um vaso
de argila, sobre as águas correntes.”; Salmo 36,10: “pois a
fonte da vida está em ti, e com tua luz nós veremos a luz.”;
Jeremias 2,13: “Porque meu povo cometeu dois crimes: Eles
me abandonaram, a fonte de água viva, para cavar para si cis-
ternas, cisternas furadas, que não pode conter água.”; Ezequi-
el 47,1: “Reconduziu-me então para a entrada do Templo e vi
ali água escorria de sob o limiar do Templo para o lado do
oriente, pois a frente do Templo, dava para o oriente. A água
escorria de sob o lado direito do templo, do sul do altar”.
João em muitos textos estabelece um elo entre a água e o
Espírito. Aqui é vista esta conexão em Jo 7,37-39 que está re-
lacionada em Jo 4,7-14; Jo 19,34; Ap 7,16; Jo 21,6; Jo 22,7;
1Jo 5,6-8 devido à sua temática.

No último dia da festa, o mais solene, Jesus, de


pé, disse em alta voz: ‘Se alguém tem sede,
venha a mim e beba, aquele que crê em mim!’
conforme a Escritura: De seu seio jorrarão rios
de água viva. Ele falava do Espírito que devi-
am receber aqueles que tinham crido nele; pois
não havia ainda Espírito, porque Jesus ainda
não fora glorificado”. (Jo 7,37-39)

85
Jesus: fonte de água viva

Quando João situa a exclamação de Jesus no último dia


da festa das Tendas, ele está falando do rito celebrado, 18 ou
seja, da libação solene da água retirada em Siloé. Essa não
consistia somente em um pedido de chuva para o ano vindou-
ro, mas também na renovação espiritual de Sião, que Ezequi-
el, como vimos, havia anunciado no símbolo da água que sai
do Templo escatológico. Essa água fecunda toda a terra na
medida em que ela passa.
João está fazendo um midrash das Escrituras. É mister
ler na sede que ele faz alusão à uma característica daqueles
que Jesus convida para virem a ele, e não uma simples men-
ção estilística. A sede desempenha um papel privilegiado nas
Escrituras, desde a provação do povo hebreu no deserto à sua
experiência da fidelidade a Deus. Ele havia caminhado muito
tempo numa terra de sede e para ele o Senhor “fez jorrar água
da mais dura pedra” (Dt 8,15).19 A memória para o povo he-
breu é um elemento dinâmico, aquilo que sempre mantém
vivo os grandes feitos do Senhor. Esse dom da água, feito aos
sedentos, sempre esteve presente como uma experiência espi-
ritual: representou a plenitude do ser para o qual o ser huma-
no anseia e que só pode vir de Deus. A Palavra de Deus, logo
18
Recordemos alguns dados do rito celebrado da Festa das Tendas: a)
Atualizava liturgicamente a experiência do deserto. Aí Moisés obteve
para o povo maná para comer (Jo 6) e água da rocha para beber (Ex
17,6; Sl 78,20); b) Na liturgia havia uma cerimônia da água, levada
processionalmente da fonte Siloé ao Templo e se faziam pedidos para
apressara a chuva do novo ciclo agrícola.; c) A festa havia
incorporado esperanças messiânicas, como atesta (ou provoca) o
comentário à festa nos capítulos finais de Zacarias (o manancial em
14,8; a chuva em 14,17, a homenagem ao Rei e Senhor).
19
Esse texto, sem dúvida, foi inspirado pelos relatos de Êxodo 17,6;
Números 20, 8.11. Pode-se olhar também o Salmo 78, 16.20; Isaías
48,21.

86
Raimundo Pereira de Sousa

que é acolhida, vem satisfazer esse anseio, porque ela se abre


a relação com Aquele que é a Fonte da Vida. Se recorrermos
à literatura sálmica, veremos que a sede é uma das tônicas
dessa literatura, pois é no Templo que o fiel, o orante encon-
tra a Presença de Deus e a liturgia do Templo não ficou apáti-
ca à essa dimensão: “Como a corça bramindo por águas cor-
rentes, assim minha alma está bramindo por ti, ó meu Deus.
Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo, quando voltarei
a ver a face de Deus?” (Salmo 42,2-3). Provavelmente no
apelo de Jesus o termo “sede” evoque esses textos, especial-
mente porque é pronunciado dentro do Templo. (X.LÉON-
DUFOUR, 1996, p. 169).
Midrashicamente o Novo Templo exclama: “Vinde a
mim!”, desse modo Jesus inscreve-se na corrente sapiencial:
“Vós, que tendes sede, vinde à água!” (Isaías 55,1).
A água que sacia toda a sede simbolizava a Palavra de
Deus; ela foi prometida a todos aqueles que crêem em Jesus, a
Palavra feito carne. Jesus quando convida a vir a ele se oferece
como fonte, como a Rocha do deserto,20 como o Templo futuro
contemporâneo por Ezequiel no capítulo 47. Dentro do contex-
to em que foi pronunciada sua proclamação, formulada em ter-
mos sapienciais, justifica-se como “messiânica”: o que a festa
celebrava na esperança é dado na pessoa do Revelador.
É crucial lembrar que na Festa de Sukkot , no último
dia, fazia-se a libação da água. Os fiéis buscavam água na pis-
cina de Siloé (enviado), derramavam a água no altar e invoca-
vam o Espírito Santo, e invocava também a Vinda do Messias.
Por este rito se diziam que recebiam o Espírito Santo. Mas este
20
São Paulo declara: “essa Rocha era Cristo” 1Cor 10,4). Para Joaquim
Jeremias aqui Jesus declara: “Eu sou a Rocha de onde vem a água”.

87
Jesus: fonte de água viva

seria recebido plenamente na chegada do Messias.


Quando Jesus promete a água que jorra para a vida eter-
na, ele está dizendo que Ele é o Messias, O Esperado. Se em
Sukkot se pedia a Vinda do Messias, esse pedido agora é reali-
zado. Ele está lá, e por isso dá o Espírito em plenitude.
Podemos ainda dizer que, quando Jesus se coloca de pé no
meio do templo, gritando, Ele se apresenta como o manancial
prometido: “quem tiver sede venha a mim, beba quem crê em
mim” (Jo 7,37-38). As entranhas não são as do fiel (cf. 4,14),
mas as do Messias. Ele é a rocha do deserto, o templo na cidade.
Midrashicamente, este texto se refere globalmente ao
dom da água: de Moisés, os citados; do templo (cf. Ez 47; Jl
4,18; Zc 14,8); dos profetas (cf. Is 12,3; 43,20; 44,3; 55,1);
das sapiências (cf. Eclo 24,24-27, em comparação, Pr 18,4);
de salmos (cf. 105,40-41). Temos ainda um paralelismo de
água e vento, fertilidade e fecundidade, que nos mostra que o
Espírito (vento) é derramado (como água): “Vou derramar
água sobre o deserto, vou derramar meu alento (espírito) so-
bre tua estirpe” (Is 44,3).
Portanto, para o Evangelista João, Jesus é a água viva, a
fonte que enviará o Espírito21 de vida. O Espírito, que na
Igreja, faz tudo brotar e tudo sustenta.

Fazes soprar o vento e cair a chuva! Com amor alimentas


tudo que é vivo, fazes reviver os mortos. Em Tua imensa
misericórdia sustentas os que estão presos e manténs a Tua
fidelidade para com os que descansem no pó...22
21
A água simboliza o Espírito, e não mais a Palavra (4,14), como em Is
44,3-4). Mas, como a Sabedoria, é o Espírito que permite conhecer a
vontade de Deus (Sb 9,17-18).
22
Oração central da Liturgia judaica da Festa das Tendas.

88
Raimundo Pereira de Sousa

3.6 Resumo: resultados e perspectivas

Ao longo do desenvolvimento deste capítulo há:

a) É partir do contexto de Morte e Ressurreição de


Jesus que a comunidade cristã vai sistematizan-
do o seu kerygma como resposta de fé ao acon-
tecido.
b) A literatura neotestamentária e, em nosso caso,
o Evangelho segundo João, procuram apresen-
tar, por meio da tipologia cristológica, soterioló-
gica e eclesiológica a pessoa de Jesus Cristo
como “aquele sobre quem escreveram Moisés,
na Torá, e os Profetas”.
c) Midrashicamente, João apresenta Jesus como o
Novo Templo situado sobre as águas do Abis-
mo, como o verdadeiro Templo que faz jorrar a
água viva do Espírito e como o Manancial pro-
metido.
d) O significado do símbolo água e Espírito pode
ser variado. Em geral, o símbolo é utilizado
num contexto onde se trata da Nova Aliança, da
renovação da comunidade messiânica e da cren-
ça dessa comunidade.

89
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabemos que um estudo, no campo da exegese bíblica,


vem sempre vinculado com as experiências vividas, tanto em
âmbito acadêmico, como nas diversas realidades junto ao
povo que busca nas Escrituras respostas para iluminar suas
ações. Isto nos faz perceber que o contato com um horizonte
sempre abre outro horizonte. Por isso, teologia e, sobretudo
teologia bíblica, não só se estuda, mas se constrói. É no con-
tato com um texto que se produz outros textos.
Diante das variedades de formas de leitura das Escritu-
ras já realizadas, e no desejo de conhecer e descobrir novas
possibilidades de leituras das Escrituras, nos propusemos, por
meio deste trabalho, um estudo exegético através da leitura
midráshica das Escrituras a fim de descobrir a importância e
a relevância da Tradição hermenêutica judaica, buscando
compreender como e porque os hagiógrafos neotestamentari-
os recorrerem a ela para a sistematização e elaboração teoló-
gica dos ditos de Jesus.
Na consciência do espaço do estudo, no todo da pesqui-
sa teológica e exegética, traçaremos nestas linhas as conside-
rações finais daquilo que buscamos compreender, e apresen-
tar este trabalho como contribuição para a pesquisa teológica
e exegética.
Ao mergulharmos nas raízes da leitura midráshica das Es-
crituras, percebemos que a exegese midráshica das Escrituras
desenvolveu-se de modo progressivo no período pós-exílico, no
interior do Judaísmo. Por meio dessa leitura, tornou-se possível
90
Raimundo Pereira de Sousa

conhecer e reconhecer a relação existente entre Judaísmo e


Cristianismo, sobretudo no que se refere ao método herme-
nêutico utilizado por ambos na composição dos Textos Sa-
grados.
Percebemos que a origem do Cristianismo é inseparável da
formação e da vida dos livros sagrados. O seu desenvolvimento
deve ser buscado na Bíblia e na literatura a ela ligada: traduções,
apócrifos, etc... A literatura posterior, de caráter puramente mi-
dráshico, “permanecerá em continuidade orgânica com a Bíblia
e, deste fato, constituirá o elo orgânico entre Bíblia, e a Literatu-
ra Rabínica e a Torah propriamente dita”23.
Na verdade, o caminho percorrido, por meio do midrash,
nos fez perceber que o midrash (darash) é todo um conjunto
de passos que proporciona ao exegeta o meio para que possa
entender, com maior clareza, o modo e a forma com que os
hagiógrafos neotestamentários leram e compreenderam as Es-
crituras.
Notamos que o midrash, enquanto método exegético, ca-
racteriza-se por duas palavras- chave: atualizar e cumprir. Foi a
partir destas palavras que os hagiógrafos neotestamentários sis-
tematizaram o seu kerygma, a proclamação de sua fé.
O midrash, enquanto método exegético, teve grande im-
portância na formação e transmissão das Escrituras: primeiro
no interior do Judaísmo que através da leitura midráshica de-
senvolveu toda uma técnica de interpretação, atualização e
aplicação da Torá na vida cotidiana; segundo, no Cristianismo
que, por meio de seus leitores no contato com a Literatura Ra-
bínica, procuraram apresentar a pessoa de Jesus Cristo morto e

23
BLOCH. Escritura e Tradição..., p. 12.

91
Jesus: fonte de água viva

ressuscitado como o midrash por excelência. Ele é o princípio


hermenêutico para a compreensão de toda a Escritura.
Constatamos também que o midrash pode ser compreen-
dido ou resumido como:

a) Um conjunto de princípios, técnicas e procedi-


mentos utilizados na interpretação das Escritu-
ras. Estes princípios são empregados tanto no
Judaísmo como no Cristianismo.
b) Uma forma literária dentro da Bíblia e a mes-
ma que consiste num tratamento livre de outro
texto bíblico.
c) A interpretação concreta de uma determinada
passagem bíblica ou até mesmo de um versícu-
lo, personagem e lugar.
d) Determinadas obras de exegese compiladas
nas coleções rabínicas chamadas de mi-
drashim.

Ao estudarmos o texto do Evangelho segundo São João


7, 37-39 através do midrash, percebemos a relação de depen-
dência e complementaridade existente entre os dois Testa-
mentos. O estudo levou-nos a compreender o quanto a comu-
nidade joanina se utilizou dos elementos midrashicos para a
sistematização de sua teologia.
A imagem simbólica, as expressões, as narrativas teoló-
gicas interpretativas vêm carregadas de um substrato bíblico.
Tudo isto levou-nos a entender que o evangelista pensa e es-
creve com categorias semíticas. Percebe-se que a Escritura
92
Raimundo Pereira de Sousa

está presente em quase todos os textos joaninos, tanto a Torá,


entendida aqui como o Pentateuco, como os Profetas, os Es-
critos, e a literatura sapiencial. O autor apropriou-se do calen-
dário judaico, suas festas, sua simbologia e faz a leitura atua-
lizante das Escrituras no contexto da sua comunidade.
Daí a importância da Pontifícia Comissão Bíblica afirmar
que “nenhuma motivação séria permite duvidar de que o evan-
gelista fosse judeu e que o contexto fundamental para a compo-
sição do Evangelho tenha sido a relação com o Judaísmo”24
Percebemos que a leitura dos textos neotestamentários
se torna difícil sem esta base teológica midráshica. Com este
método, entendemos melhor o modo criativo que o autor
apresenta Jesus como o verdadeiro Templo que faz jorrar a
água viva do Espírito (2,21) e como O Manancial Prometido
(7,38). A simbologia da água, compreendida não mais como
água no sentido físico de fazer ter sede, mas como a água-
dom de Deus para a vida.
Reconhecemos também que um método não diminui o
outro, pelo contrário, ambos se complementam, e que a apli-
cação da leitura ou do método midráshico abre um grande le-
que aos pesquisadores (as) da literatura neotestamentária, se-
melhante aos demais métodos.
Segundo Água Perez, “o exegeta do Segundo Testamento
deve precaver-se da necessidade desta complementaridade”25.
Percorrido este caminho, fica o desafio de “evitar qual-
quer leitura unilateral dos textos bíblicos, seja do Primeiro
Testamento como do Segundo Testamento, esforçando-se,

24
PCB. O povo judeu..., p. 214.
25
AGUA PÉREZ. El Método Midráshico..., p. 293.

93
Jesus: fonte de água viva

pelo contrário, em bem corresponder ao dinamismo de con-


junto que os anima e que é precisamente um dinamismo de
amor”26. Fica também o grande desejo de pouco a pouco ir
descobrindo os elementos midráshicos presentes em todas as
Escrituras, bem como, despertar nos ouvintes e leitores do
Segundo Testamento, a busca do princípio hermenêutico que
nos une.
Que possamos continuar esse processo de leitura atuali-
zante das Escrituras, num diálogo permanente em torno do
patrimônio que nos une: as Sagradas Escrituras.

“Volva e resolva [vira e revira] a Torah em todos os


sentidos, pois nela tudo está contido; somente ela conce-
der-ter-á a verdadeira ciência. Envelhece neste estudo e
nunca o abandones; nada poderás fazer de melhor”
(KETTERER, 1996, p. 10)

26
PCB. O povo judeu..., p. 241.

94
GLOSSÁRIO

Analogia: relação de semelhança entre coisas ou fatos distintos.


Análise tipológica: uma análise que afirma que uma pessoa,
coisa ou acontecimento do Primeiro Testamento (AT) tem
um sentido simbólico, prefigurando uma realidade que se ma-
nifesta no Segundo Testamento (NT).
Apócrifos: (“oculto”): são os livros não admitidos no Cânon.
Na tradição judaica são os que não fazem parte da Tanak (Bí-
blia Hebraica). A tradição cristã católica considera apócrifos
do Primeiro Testamento (AT) os livros que não fazem parte
da Bíblia Grega.
Bíblia: a palavra Bíblia deriva-se do latim biblia, que, por
sua vez, vem do grego, biblos ou biblíon, que significa livros.
Exegese: do grego eksegesis (explicar e interpretar) e eksege-
omai (extrair, tirar, exteriorizar). Pode ser definida como uma
explicação ou interpretação crítica de um texto.
Hagiógrafos neotestamentário: são os escritores do Segun-
do Testamento (NT).
Hermenêutica Bíblica: do grego hermeneuein (interpretar,
explicar, traduzir). É a arte de interpretar a Bíblia, tem como
finalidade desenvolver regras para a sua interpretação.
Kerygma: palavra de origem grega que significa pregação, o
primeiro anúncio da fé cristã: Jesus morto e ressuscitado.

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Jesus: fonte de água viva

Ketíb (hebr): tipo de nota marginal massorética que assinala


“o que está escrito” no texto, em oposição a “o que deve ser
lido” (Qerê).
Midrash: vem da raiz hebraica darash que significa buscar,
investigar, estudar, examinar, explicar, interpretar as Escri-
turas. O midrash é Exegese, enquanto busca o sentido da Bí-
blia, e é Hermenêutica, enquanto utiliza técnicas e procedi-
mentos determinados. Há dois tipos de midrash: halakah (gê-
nero da interpretação midráshica que consiste em extrair uma
norma legal a partir de uma citação da Escritura) e haggadah
(gênero da interpretação midráshica realizada sobre narrações
bíblicas). Desse método de interpretação bíblica, surgem di-
versos midrashim (plural de midrash) que designam as obras
que com este método comentam os livros bíblicos.
Middot: são regras, normas para a interpretação da Torá (Sa-
gradas Escrituras).
Mishná: do verbo hebraico shaná, “repetir”: Corpo da legis-
lação oral judaica, compilada até o ano 200 d.C e estruturado
por matérias em 62 tratados, classificados em 6 ordens, refe-
rentes à agricultura, festas, mulheres e famílias, danos à legis-
lação civil, objetos sagrados e normas rituais.
Pardes: jardim, pomar, paraíso. Contração dos quatro níveis
de leitura ou interpretação da Escritura. Cada consoante da
palavra – P R D S indica um modo de interpretação da Escri-
tura, tais como: Peshat, Rémez, Derash, e Sod.
Patrística: do latim pater (pai). É a filosofia e teologia dos
Santos Padres da Igreja, nomeadamente nos primeiros cinco
séculos da era cristã.

96
Raimundo Pereira de Sousa

Perícope: é um termo grego que significa “cortar ao redor”,


ou seja, uma parte destacada de um texto para ser analisada e
estudada separadamente.
Rabi: “meu mestre”, título dado para os educadores, trans-
missores da fé de Israel.
Sinagoga: do grego synagoge (assembleia ou reunião). Nome
grego dos lugares judaicos para oração e instrução.
Sitz im Leben: é a situação vital; é a circunstância experien-
cial da vida da comunidade de fé.
Sukkot: plural de Suká que significa em hebraico “cabanas”
ou “tabernáculos”. As cabanas são uma referência às moradi-
as temporárias dos hebreus no deserto durante os quarenta
anos de caminhada à Terra Prometida. Essa festa comemora
esse período da vida do povo de Israel.
Talgum: palavra hebraica que significa tradução (plural tar-
gumim), ou tradições parafraseadas da Escritura em língua
aramaica. A função do tradutor era traduzir o texto sagrado
do hebraico para o aramaico, atualizando conforme à necessi-
dade da comunidade.
Talmud: significa “ensinamento”: Comentário sistemático da
Mishná, compilado entre 200 e 600 d.C. O mesmo termo re-
fere-se às duas coleções diferentes. O “Talmud de Jerusa-
lém”, composto até o ano 400 d.C e o “Talmud da Babilô-
nia”, composto até o ano 600 d.C.
Tanak: termo formado com as iniciais das palavras hebraicas
Torá (Pentateuco), Nebî îm (Profetas) e Ketubîm (Escritos),
para designar o Cânon completo da Bíblia hebraica.

97
Jesus: fonte de água viva

Templo: vem do hebraico hêkal que significa “casa grande”,


casa do Senhor, Santuário de Deus. Podemos falar de dois
Templos: 1º da construção do templo por Salomão até a sua
primeira destruição (586 a.C); 2º da sua reconstrução no 515
a.C até a sua destruição pelos Romanos (70 d.C).
Torá (Torah): palavra hebraica que significa “Lei”, “Ensina-
mento”. É a lei contida nos cinco livros do Pentateuco. É o pró-
prio Pentateuco. Temos duas torot (Torá oral e Torá escrita).

98
REFERÊNCIAS

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da, São Paulo: Paulus, 2002.
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Bibelgesellschoft, Stutgart, 1994.
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ROM.

2) DICIONÁRIOS:

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ANTIGO TESTAMENTO. Harris, R. Laird: Areher, Gle-
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São Paulo: Vida Nova, 2007. 228p.
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Achille M. Triacca. São Paulo: Paulinas, 1992.

3) OBRAS:

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