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Nascido em Estagira e tendo fortes ligações com a Macedônia, Aristóteles viveu sob a
condição de estrangeiro em Atenas. Nesta cidade, frequentou a Academia de Platão por 20 anos
e, mais tardiamente, fundou sua própria escola de filosofia, o Liceu. Em um período
intermediário entre sua formação na Academia e a fundação de sua própria escola, Aristóteles,
afastado de Atenas desde a morte de Platão em 348 a.C., tornou-se preceptor de Alexandre, o
Grande. Vemos, portanto, nestes dados biográficos, dois modos como Aristóteles vivenciou o
exercício da prática formativa, tanto como fundador e diretor de uma escola importante de
filosofia, quanto como preceptor de uma das maiores personalidades da história antiga.
Contudo, nestas aulas não tematizamos sua vivência como educador, mas objetivamos fazer
uma explicação de como a concepção aristotélica de educação se relaciona com sua filosofia
prática. Para tanto, faz-se necessária uma breve contextualização de sua filosofia e do seu
pensamento moral.
Como discípulo de Platão, Aristóteles não deixou de realizar a sua filosofia através de
várias críticas ao seu mestre, principalmente em relação a teoria platônica das ideias. Para
Platão, o mundo sensível seria corruptível, mutável e, portanto, impróprio ao conhecimento.
Desta forma, seria preciso voltar-se a atividade da alma para lembrarmos do tempo em que ela
habitou o mundo inteligível, sendo somente nesse mundo transcendente que podemos encontrar
as realidades imutáveis e, portanto, verdadeiras. Contra a teoria das ideias e a concepção do
conhecimento como reminiscência, Aristóteles defende a noção de imanência, ou seja, noção
de que a essência só pode existir encarnada na matéria. Para Aristóteles, a duplicação entre
mundo sensível e inteligível é desnecessária e não ajuda a conhecer o movimento próprio dos
modos de ser das substâncias. Em sua filosofia, o conhecimento do universal seria possível
dirigindo-se ao mundo real, que se apresenta como singular, concreto e mutável. O método de
construção de premissas científicas iniciais ao conhecimento defendido por ele seria o da
indução: na repetição das observações particulares chega-se ao conhecimento daquilo que é
universal. Apesar dos seres concretos se mostrarem singulares e mutáveis, eles trariam em si
uma estrutura essencial universal e imutável que diz respeito ao seu pertencimento em um
gênero e uma espécie. O conhecimento é possível para Aristóteles não por causa da
reminiscência, como era para Platão, mas porque havendo uma solidariedade entre seres,
pensamento e linguagem, o pensamento pode abstrair o universal e necessário presente nos
seres e a linguagem pode formular o conhecimento em demonstrações lógicas. Assim,
diferentemente de Platão que, sustentando a existência de um mundo inteligível superior,
concebia o Bem como uma Ideia acessível unicamente através do pensamento contemplativo
filosófico, para Aristóteles, era preciso pensar o bem prático, definido não pela ciência
contemplativa, mas pelo estudo das ações humanas possuidoras de um fim em si mesmas. Pelas
ciências práticas o bem realizável pelo homem será entendido como toda ação que contribui
para a sua autarquia, sendo a felicidade entendida como um Bem Supremo.
A felicidade (eudaimonia) seria para Aristóteles o Bem Supremo porque é buscada por
si mesma, e não como um meio para outra coisa. Diferentemente da honra, da riqueza, do prazer
e da inteligência, que são bens buscados como meios para outros fins, a felicidade é
autossuficiente porque torna a vida desejável sem carecer de nenhum outro bem. Ela consistiria
na vida humana plenamente realizada em sua excelência máxima. Ou seja, a felicidade sendo
alcançada por um exercício cotidiano realizado por toda a vida, seria uma ação que realiza as
potências da alma humana pela sua racionalidade, que seria sua máxima excelência. Deste
modo, se Platão pensava a investigação do Bem como parte da vida contemplativa, sendo, para
ele, a ética um saber teorético como a ontologia e a matemática, Aristóteles, por sua vez,
demarca o campo da ação humana distinguindo o saber prático tanto da técnica fabricadora
quanto do saber teorético.
Na divisão aristotélica dos saberes vemos que existiriam três tipos de ciências: as
ciências produtivas, as ciências práticas e as ciências contemplativas. Esta divisão tem em vista
o tipo de objeto a que as ciências se dirigem. As ciências produtivas são dirigidas a objetos
exteriores ao sujeito da atividade, mas que são dependentes de sua atividade. Seu fim é o
produto resultante do emprego da técnica. Assim, a agricultura, por exemplo, dirige-se a objetos
(produtos da plantação) exteriores, mas que são produzidos pela nossa atividade. As ciências
práticas possuem seus objetos na própria ação dos sujeitos e não tem um fim exterior a elas
mesmas. Assim, a realização das virtudes éticas e políticas constitui um fim em si mesma. As
ciências contemplativas voltam-se para objetos que independem da nossa atividade, sendo
desinteressadas de qualquer utilidade. Deste modo, por exemplo, na ontologia, os universais
presentes nas estruturas dos diferentes seres possuem uma existência independente da nossa
ação, sendo que podemos somente contemplá-los. Ainda na divisão aristotélica dos saberes
encontramos uma hierarquia entre as ciências que diz respeito ao desinteresse utilitarista e a sua
exigência intelectual na realização de nossas potencialidades enquanto portadores de uma alma
racional. Quanto mais nos aproximamos de uma atividade divina de contemplação, autônoma
e desinteressada por questões utilitárias, maior seria o grau de elevação de uma ciência. Assim,
para Aristóteles, as ciências mais elevadas são as contemplativas, sendo as ciências práticas
mais elevadas do que as ciências produtivas. No interior das ciências práticas que se dividem
em ética e política, vemos que a política seria uma ciência mais elevada do que a ética, pois o
conhecimento sobre o bem da pólis que envolve a ciência política deve orientar tanto a atividade
que busca o bem do indivíduo (ética) quanto as atividades produtivas.
Para Aristóteles, a ética é uma ciência prática que tem por objeto de estudo a conduta
ou o fim do homem como indivíduo. Ocupa-se, assim, do caráter (ethos) do homem que deve
ser educado para tornar os seus desejos virtuosos, guiando nossos atos pela razão e levando
nossa ação ao bem do indivíduo. A política também é uma ciência prática que tem por objeto
de estudo a conduta ou o fim do homem como parte da sociedade. Tanto a ética quanto a política
são pensadas como possuindo um fim em si mesmas, no sentido que as ações éticas e políticas
não são feitas para se conquistar outras coisas do que suas realizações virtuosas. Em outras
palavras, o bem que a ética e a política buscam é do tipo que possui um valor em si mesmo. A
política é uma ciência superior à ética, pressupondo o seu domínio, uma vez que aquele que
quer governar os outros precisa antes saber governar a si mesmo. Como vimos acima, a política
é uma ciência mais elevada e complexa porque deve orientar tanto a ética quanto as ciências
produtivas e leva em consideração todo o funcionamento do estado. É somente tendo um
conhecimento do bem da pólis que saberemos conduzir o indivíduo ao seu bem e saberemos o
que deve ser produzido e como.
Se, por um lado, critica Platão nas questões da transcendência do mundo inteligível e
afasta-se de sua concepção ética como parte das ciências contemplativas, por outro lado,
Aristóteles concorda com seu mestre no que diz respeito ao diagnóstico de que Atenas estaria
vivendo uma crise de valores que estaria ligada a uma crise educativa. Com o desenvolvimento
da democracia ateniense e o surgimento do ensino da sofística, a educação teria passado a
valorizar interesses privados, como a aquisição do lucro ou conquistas pessoais, em detrimento
dos interesses públicos que poderiam assegurar um ideal comum. Para Platão, no entanto, sendo
o conhecimento do Bem um privilégio dos filósofos, a educação destes que compõem uma
minoria entre os cidadãos deveria formar os guardiões da cidade. Na concepção platônica,
haveria um abismo entre a maioria dos cidadãos e o conhecimento filosófico necessário para
guiar a atividade política. Ao contrário, para Aristóteles todos os cidadãos deveriam receber
uma formação educativa pública que os tornassem aptos à participação na vida política.
Devemos lembrar, no entanto, que nem todos poderiam ser considerados cidadãos, mas apenas
homens livres, nascidos na pólis e com idade para exercer seus direitos políticos.
Sendo o homem um animal político, a educação deveria capacitar os homens livres para
a felicidade na vida em comunidade, cultivando-os na virtude. Diferente das operações naturais
que são necessárias (como na ação do fogo que sempre esquenta ou da água que sempre
umedece), as ações humanas são possíveis e não necessárias. Isso se dá, segundo Aristóteles,
porque o homem é um ser misto, que possui uma vontade racional e também apetites e
inclinações irracionais. A contingência das ações humanas se reflete no desejo, definido como
nossa inclinação natural para buscar o prazer e fugir da dor que depende de objetos externos e
do nosso próprio caráter. Uma vez que o desejo depende de afecções externas, e não somente
do nosso caráter (éthos), ele pode suscitar movimentos contrários ao nosso bem. Assim,
buscando regular nossas ações em busca do bem, a educação ética deve buscar tornar nossos
desejos virtuosos pelo hábito de exercitar a nossa vontade sob a orientação da razão. Trata-se
de deliberar sobre os meios e escolher os fins nas ações que permitam satisfazer os desejos sem
cair em extremos (excesso ou deficiência). A virtude aparece, então, como justa medida de
nossas ações em relação ao nosso desejo levando em conta as circunstâncias das situações. Em
oposição, o vício é definido como falta de medida ou de moderação na ação. Como exemplo,
podemos dizer que em relação ao sentimento de medo que uma dada situação pode nos causar
poderíamos cair em vício de duas formas: por um lado, agir com o seu excesso seria a covardia,
por outro, agir tendo deficiência deste sentimento seria incorrer na temeridade. Ambos os vícios
são contrários ao nosso bem. A coragem, então, seria a virtude como justa medida entre a
covardia e a temeridade. Para Aristóteles precisamos tornar a virtude um modo ser construído
por nós mesmo através do hábito. A virtude é adquirida pela sua prática efetiva e reiterada pelo
sujeito. O homem virtuoso seria, então, aquele que enraizou pelo hábito um modo de agir
racional em seu caráter. Assim, para Aristóteles, a virtude ética tem como objetivo a felicidade,
tem como matéria o caráter (éthos), tem como essência a natureza racional do agente e tem
como causa eficiente a educação do seu desejo.
Para Aristóteles, a virtude ética transformada em modo de ser do agente é o mesmo que
a conquista da autonomia dos nossos desejos, pois pela deliberação presente na virtude os
desejos são definidos por uma regra que damos a nós mesmos e não por afecções externas que
não podemos controlar. Para Aristóteles, aqueles que são movidos por paixões desregradas não
seriam donos de si mesmos, mas escravos das paixões. Por sua vez, aqueles que realizam a
virtude ética, encontram em suas ações uma identidade que lhes é própria uma vez que é
conferida pela racionalidade dos próprios agentes nas escolhas que fazem em face às situações
variáveis. A educação ética almejaria a conquista da sabedoria prática (phrónesis), que, voltada
a coisas variáveis, consiste na disposição racional para a boa deliberação, segundo a regra certa
da virtude. Todos os cidadãos, participantes da vida pública, precisam ser educados na
sabedoria prática. Diferentemente, a sabedoria teorética (sophía), como disposição racional
nascida da união da ciência com a inteligência para o conhecimento das coisas mais elevadas,
não seria acessível a todos. Sendo as ciências práticas inferiores às ciências teoréticas, é possível
para Aristóteles a conquista das primeiras sem a conquista das segundas, de modo que é possível
ser ético e ser um bom político sem ser filósofo. O inverso não é possível, pois para conhecer
as ciências mais elevadas precisamos conhecer primeiro as inferiores, ou seja, para ser filósofo
é preciso ser ético e bom político. Assim, tendo tipos de racionalidade distintos entre o saber
prático e o saber teorético, e não sendo possível confundir a educação pública defendida por
Aristóteles com a simples aquisição de uma técnica necessária nas atividades produtivas, a
educação pública a ser realizada na pólis deve estar voltada ao âmbito das práticas éticas e
políticas. Assim, educando os homens na virtude ética e política, teríamos a sua formação como
exercício dos bons hábitos e desenvolvimento da razão na construção consciente do cidadão.