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AULAS TEÓRICAS – DIREITO PENAL II | Andréa Carlos

23/02

OS TIPOS JUSTIFICADORES (= CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO). QUESTÕES FUNDAMENTAIS

I RELAÇÕES ENTRE O TIPO (TIPICIDADE) E O ILÍCITO (ILICITUDE)


Ambas concorrem na definição daquilo que é a base do crime, a conduta típica e ilícita

1 Tipo indiciador da ilicitude (“ratio cognoscendi”): positivismo; finalismos; Costa de Andrade – tipo
como juízo abstrato da danosidade social, independentemente da (concreta) ilicitude da conduta -
Podemos identificar 3 grandes grupos: num primeiro momento falava-se do tipo como ratio cognoscendi
da ilicitude, quando a conduta é típica isto indicia que o comportamento é contrário do direito, ilícito, pelo
que havia uma relação de regra e exceção (excecionalmente certos comportamentos típicos são
justificados).  O tipo como maneira de aceder à ilicitude é uma visão do positivismo jurídico, do
finalismo, e do Dr. Costa Andrade – tipicidade e ilicitude funcionam como categorias autónomas, sendo a
tipicidade a categoria base
Roosevelt dizia que não é o mesmo matar um homem em legitima defesa do que matar uma mosca. A
simples tipicidade da conduta tem relevo dentro do sistema penal. No entanto, e embora matar uma
pessoa cause sempre um dano social, coisa diferente é a concreta ilicitude da conduta, isto é, saber se no
caso concreto a conduta foi ilícita ou justificada.
Daqui se retira que o tipo funciona como juízo abstrato de danosidade social, e é independente da
concreta ilicitude da conduta, porque o é importante saber se a conduta é justificada ou não.

2 Normativismo (pex: Eduardo Correia): doutrina do “tipo total” (“ratio essendi” da ilicitude ) – a segunda
solução é dada pelo normativismo: a categoria predominante era o tipo total, não haveria autonomia entre
o tipo e a ilicitude, tudo seria compreendido dentro da categoria do tipo.  O tipo total tinha duas
espécies de elementos: os que descrevem a conduta proibida e que fundamentam o carácter criminal
(tipos incriminadores – elementos positivos), e os que justificam determinado comportamento (tipos
justificadores – elementos negativos)
No fundo, o tipo total seria constituído da seguinte forma: quem matar uma pessoa, se (elementos
negativos justificadores, por exemplo, se não estiver a atuar em legítima defesa), será punido com uma
pena de x.

3 Posição adotada (Figueiredo Dias): o primado da ilicitude (função do direito penal); os tipos
incriminadores como instrumentos de um sentido de ilicitude - Figueiredo Dias tem uma visão diferente,
que é a seguida, partindo do princípio que a função do direito penal não é prevenir comportamentos
típicos, mas sim comportamentos contrários ao direito, ilícitos, e portanto, é desta base que temos de
partir para compreender a relação entre tipicidade e ilicitude.
No DP, a ilicitude não pode ser dada de uma forma genérica, como acontece no Direito Civil, devido ao
princípio da legalidade. Isto significa que o tipo é um instrumento auxiliar para que o legislador possa
definir os sentidos de ilicitude relativamente a certo crime. Tendo de definir uma categoria primária, é a
ilicitude.
Ainda, ao pensarmos o direito penal através da consequência, do resultado (perspetiva teleológica,
do fim), não existe nenhuma consequência penal para a prática de uma conduta meramente típica,
apenas existe quando se verifica uma conduta típica e ilícita – só aí se pode pensar na aplicação de
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sanções
penais, pex:
medidas de
segurança ou
penas.

Relação entre os tipos incriminadores e os tipos justificadores: tem uma estrutura diferente, por várias
razões: desde logo porque os tipos incriminadores tem na sua base a categoria do bem jurídico, estes estão
definidos à volta dos bens jurídicos, e quando se constrói o tipo incriminador temos de respeitar o
princípio da legalidade. Por outro lado, os tipos justificadores servem para defender interesses, pex: no
direito da necessidade não existe nenhum bem jurídico em particular, serve para defender interesses –
muitas causas de justificação são construídas com base em interesses juridicamente relevantes muito
difusos, pelo que tem formulações mais gerais.  Note-se ainda que esta diferença estrutural também se
reflete na organização da lei penal em geral.
Embora se trate de tipos em ambos os casos, eles tem uma génese e estrutura diferente, porém uma
complementaridade funcional porque concorrem ambos na definição da ilicitude de uma concreta
conduta. Primeiro verifica-se se o caso concreto preenche o tipo incriminador e depois ver se não
preenche um tipo justificador.

- tipo incriminador: 1º degrau do método de análise do crime; fundamentação abstrata e provisória de um


juízo de ilicitude; danosidade social é em regra violação do direito - Não há nenhuma objeção em ver a
analise do tipo incriminador como um primeiro degrau na análise do crime, por uma questão de método,
como atrás referido. Além de que a realidade das coisas mostra que em geral as condutas típicas são
também condutas ilícitas, ex: matar uma pessoa em geral será uma conduta ilícita, uma vez que o tipo
também tem a função de exprimir a danosidade social. Já a ilicitude não é uma descrição genérica, mas sim
uma avaliação daquela conduta concreta, ex: saber se estava numa situação de legitima defesa.

- ilícito-típico: juízo sobre uma conduta concreta - tipo de ilícito como categoria base, fusão entre as duas
categorias para avaliar a eventual a ocorrência de um crime

- consequências da diversidade estrutural entre as duas espécies, pex: princípio da legalidade - Esta
diversidade entre os tipos tem também consequências no que diz respeito ao princípio da legalidade, pois
este traz certos cuidados relativamente ao trabalho com o tipo incriminador, e estes cuidados impostos
não se aplicam aos tipos justificadores, precisamente porque estes não entram no âmbito do princípio da
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legalidade, uma vez que afastam a responsabilidade do agente, e por isso é que podem ser construídos de
uma forma muito genérica.
Tipos justificadores = causas de justificação = causas de exclusão da ilicitude
! Quando intervém uma causa de justificação, a conduta é licita, pelo que não podemos ver o
mecanismo como se a conduta fosse primeira ilícita e depois é que passasse a ser ilícita com a causa
de justificação.
4 Princípio da unidade da ordem jurídica, art. 31 – príncipio que rege esta matéria: o facto não é punível
quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica.
- A unidade absoluta (positiva e negativa) da ordem jurídica e a (ultrapassada) conceção da ilicitude penal
como um mero plus sancionatório da ilicitude criada pelos outros ramos do direito; critica - No passado,
imperava uma conceção do direito segundo a qual o direito seria um sistema absolutamente uniforme,
uma conduta quando fosse ilícita num ramo de direito seria em todo o sistema jurídico, a especificidade
das normas penais seria apenas o de permitir a aplicação de sanções a condutas que eram dadas por
outros ramos do direito. Não havia nenhuma especificidade do DP na construção de crime.  Esta
doutrina encontra-se superada, desde logo, porque hoje o direito penal deve ser pensado a partir das suas
consequências, este vai buscar o seu sentido às reações penais, pelo que tem de ter uma especificidade
que justifique as consequências, o DP não se limita a prever penas, há um ilícito especificamente penal

- A eficácia, no DP, de justificações provenientes de outros ramos de direito (unidade da OJ em sentido


unilateral): uma conduta autorizada por outro ramo de direito não pode ser penalmente ilícita - Posto esta
superação da unidade da ordem jurídica, devemos compreender o artigo 31.º num sentido diferente:
quando uma conduta é autorizada, permitida, por um outro ramo do direito não pode ser penalmente
ilícita, o DP não a pode punir – a ilicitude penal é uma ilicitude qualificada, pelo que não teria sentido o
inverso do referido, e por isso se fala de unidade de ordem jurídica, mas entendida num sentido unilateral.
 esta visão explica também a formulação do artigo 31.º/2 CP, que nos dá exemplos de causas de
justificação, o que demonstra a abertura do DP a causas de justificação provenientes de outros ramos de
direito, por exemplo, a ação direta, que é regulada pelo DC e justifica certos comportamentos que seriam
ilícitos pelo DP
O inverso não é verdade, nem tudo o que é ilícito num ramo de direito, é ilícito para o direito penal.
É possível fazer uma lista das causas de justificação existentes? NÃO!

- A questão da existência de uma ilicitude especificamente penal (“fragmentaridade/descontinuidade da


tutela penal”): tópicos: a tentativa; (alguns) crimes de perigo; a possibilidade de causas de justificação
especificamente jurídico-penais (pex: o estado de necessidade defensivo); problemas subsistentes - Existe
uma ilicitude especificamente penal no sentido de haver um facto que só é ilícito perante o DP? O Dr.
Pedro Caeiro considera que sim. A questão é discutida por duas razões: nas situações de tentativa, para o
DC a conduta não será ilícita, por exemplo: A tenta matar B, mas não consegue; mas é um ilícito penal. 
Também há crimes de perigo onde se possa afirmar que só há violação de normas jurídico-penais.  Por
último, temos causas em que o DP parece criar as suas próprias causas de justificação, uma conduta típica
é ilícita perante os outros ramos do direito, mas beneficia de uma causa de justificação no DP, ex: direito
de necessidade defensivo (este causa responsabilidade civil)

II SISTEMATIZAÇÃO DAS CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO


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Vale a pena tentar sistematizá-las? O Dr. Figueiredo dias conclui que é um exercício fútil, precisamente
pela diversidade destas (mas houve tentativas de o fazer que assentavam nos interesses superiores e
inferiores; e no facto de não existir nenhum interesse a proteger – ligado ao consentimento, mas mesmo
neste ainda se protege o interesse da liberdade da pessoa).  Importa salientar que em todas as causas
de justificação são sempre problemas de conflito de interesses, é uma categoria necessariamente
conflitual, pelo que a causa de justificação é a busca pelo interesse que deve prevalecer sobre o outro, o
interesse preponderante, e por isso é que estas tem um determinado desenho na lei.
III ELEMENTOS SUBJETIVOS DOS TIPOS JUSTIFICADORES
- Exemplo: António (A) vê Bernardo (B) na rua, numa esplanada, e, porque tem uma zanga com este,
aproxima-se e dá-lhe uma paulada na cabeça, ficando B inconsciente. Quando B é socorrido pela polícia,
esta apercebe-se que B tinha um colete de explosivos e que estava quase a detoná-lo. O que significa que
A evitou, sem saber, a morte de dezenas de pessoas  pensando na responsabilidade de A: existe uma
conduta típica (ofensas à integridade física), mas evita a morte de outras pessoas. Objetivamente reúne-se
aqui os pressupostos da legitima defesa, mas em particular levanta-se o problema de A não saber que se
reuniam os pressupostos da causa de justificação, então mesmo assim a causa de justificação é eficaz? A
ilicitude permanece?

- simetria com tipos incriminadores (pex: tipo subjetivo, dolo ou negligência? NÃO: diversidade estrutural

- problema comum aos tipos incriminadores e aos tipos justificadores: ilicitude penal é composta por
desvalor de ação e desvalor de resultado; verificação dos elementos objetivos das causas de justificação 
neutralização do desvalor do resultado, mas é preciso que exista também valor da ação - Há uma questão
que é comum: o desvalor da ação e o desvalor de resultado. Desde a escola de ação final entende-se que
todo o ilícito pessoal é objetivo e subjetivo, há um desvalor do que o agente faz e do resultado.
Perante isto, se o ilícito penal tem estas duas componentes, parece que não basta que exista desvalor de
resultado para que a causa de justificação atue: no exemplo, o desvalor do resultado da lesão é afastado
pelo facto de B se preparar para lesar a vida de outras pessoas – mas bastará isso para afastar a conduta
como um todo? Parece que não porque subsiste um desvalor da ação, o que A queria fazer não tinha nada
a ver com salvar as outras pessoas, A queria lesar B, existe portanto um desvalor da ação, o que significa
que existindo um desvalor da ação não se pode justificar totalmente a ilicitude.

- logo: elemento subjetivo geral de todos os tipos justificadores: o conhecimento de que se verificam os
pressupostos da causa de justificação (≠ conhecimento de que se está a atuar licitamente); eventuais
elementos subjetivos especiais em cada causa de justificação - Podemos concluir que existe em todas as
causas de justificação pelo menos um elemento subjetivo, que é o conhecimento que se está a atuar a
coberto de uma causa de justificação, é preciso que A saiba que B tinha explosivos e que ia fazer explodir
no momento seguinte.
Note-se que esta necessidade de conhecimento de que se verificam os pressupostos da causa de
justificação não significa que é preciso que o agente saiba que está a atuar licitamente, no exemplo, não
precisa de saber que há um direito de legitima defesa, mas sim que atuasse mediante aqueles
pressupostos.
Pode haver causas de justificação onde a lei exige elementos subjetivos adicionais, ex: art. 192.º CP.
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- regime da falta de conhecimento: conduta ilícita e “consumação” do crime - E se o agente não tiver o
conhecimento referido? A causa de justificação não está preenchida, pelo que a conduta é ilícita – ex: A
cometeu o crime de ofensas corporais dolosas consumado.

- porém: o resultado é autorizado ou mesmo querido pela ordem jurídica  neutralização do desvalor de
resultado em virtude da existência objetiva de causa de justificação - Todavia, o resultado é desejado pelo
ordem jurídica, pelo que é preciso encontrar um equilíbrio para definir de forma mais ajustada a
responsabilidade de A, como? O problema faz-nos lembrar dos casos em que não existe desvalor de
resultado, mas existe desvalor da ação, como o caso da tentativa (ou seja, o inverso). Existe a diferença de
na tentativa não haver resultado, na situação em análise há resultado.  No plano da construção há
analogia, entre a punição da tentativa e o caso em estudo.

- mas subsistência do desvalor de ação  consideração explícita do problema no art. 38.º/5: punição com
a “pena aplicável à tentativa”; analogia das situações + aplicação analógica do art. 38.º/4 a todos os casos
de desconhecimento da verificação dos pressupostos objetivos de uma causa de justificação - o artigo
38.º/4 CP dispõe acerca da situação: punir com a pena prevista para a tentativa, ex: enfermeiro colhe
sangue a um doente não sabendo que este tinha consentido na colheita de sangue, é punível com a pena
aplicável à tentativa.
Acontece que o caso em análise não é um caso de consentimento, mas sim de legitima defesa e
desconhecida do agente, pode-se aplicar o artigo 38.º/4? Podemos, através de uma analogia, a situação
em análise é análoga à prevista no artigo (relembrar que aqui a analogia não é proibida, pois aplicando o
artigo 38.º/4 já não é punido pelo crime doloso consumado, mas sim pelo crime doloso tentado). Se se
tratar um caso de consentimento aplica-se o artigo diretamente, não por analogia.

- sentido da remissão feita no art. 38.º/4: todo o regime da tentativa (art. 23.º/1: punibilidade da tentativa)
ou somente a pena (art. 23.º/2: atenuação especial)? Divergência doutrinário e os argumentos; posição
adotada: remissão para o regime global da tentativa - Deve entender-se que a remissão para a tentativa se
faz para o artigo 23.º/2 (posição do Dr. Costa Andrade) ou para todo o regime da tentativa, incluindo o
artigo 23.º/1? O Dr. Figueiredo Dias e o Dr. Pedro Caeiro consideram que a remissão é para todo o regime
da tentativa – se o crime não for punido por tentativa, o agente simplesmente não é punido

- casos especiais - Causas de justificação que exigem a prossecução de um fim determinado – não se
aplica o artigo 38.º/4, o agente é punido pelo crime doloso consumado (Dr. Figueiredo Dias), pois se a
finalidade não se verificar a causa de justificação não se aplica. O Dr. Pedro Caeiro tem dúvidas que se
possa generalizar, ex: art. 192.º

IV O ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS FÁCTICOS DE UMA CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO: o art. 16.º/2 e a sua
correta interpretação: o erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto, exclui
o dolo
Vamos analisar a situação contrária do que vimos até agora:
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- Exemplo - A vê B na rua, e sabe que B anda envolvido com grupos políticos radicais, e que B é uma
pessoa extremamente magra, e vê-o com um grande volume à volta do peito e pensa que aquele está a
usar um colete de explosivos e que vai rebentar. Por isso, e para evitar que se faça detonar, dá-lhe um
paulada. Sucede que vem a verificar-se que o volume que envolvia B era um casaco, e não um colete de
explosivos.

Neste caso temos alguém que julga erradamente estar a coberto de uma causa de justificação, é um caso
de erro, que está previsto no artigo 16.º/2 CP: a exclusão do dolo abrange o erro sobre um estado de coisa
se existisse, como o agente pensou, excluiria a ilicitude do facto – o erro exclui o dolo, não a ilicitude!!!

- a avaliação do erro: uma perspetiva ex post facto - Como sabemos se o agente errou? Depois do facto!

- distinção entre o erro sobre os pressupostos fácticos de uma causa de justificação e o erro sobre a
existência, âmbito, limites de uma causa de justificação (erro sobre a ilicitude: art. 17.º) - O que está no
artigo 16.º/2 é um erro sobre um estado de coisas, que são pressupostos de facto, pelo que não inclui os
factos que o agente errou sobre a existência ou limites de uma causa de justificação, ex: pai dá uma tareia
ao filho com um cinto julgando que o pode fazer, neste caso o agente não erra sobre os factos.

- consequências: a controvérsia “teorias do dolo” (normativismo”)/”teorias da culpa” (finalismo) - Já vimos


que este artigo exclui o dolo, pelo que temos de falar das várias posições doutrinárias sobre este assunto:

- teorias do dolo: consciência do ilícito faz parte do dolo (elemento emocional); erro sobre as causas de
justificação  exclusão do dolo (eventual punição por negligência) - em primeiro lugar temos as teorias do
dolo, defendidas pela escola normativista, que dizia que para que o agente atue com dolo tem
necessariamente de saber que está a atuar ilicitamente – elemento emocional do dolo é a consciência da
ilicitude do facto. A consequência lógica, é a de exclusão do dolo se não tiver essa consciência.

- teorias da culpa: as teorias da culpa, sustentadas pela escola finalista, diziam praticamente o contrário, o
dolo existe na ação, pelo que se o agente quer praticar aquela ação isso necessariamente configura dolo,
se julga que está a agir a coberto de uma causa de justificação isso só releva no âmbito da culpa.
Dentro das teorias da culpa, podemos distinguir duas variantes: a estrita, que acabamos de referir,
e as teorias da culpa limitada: o erro sobre as causas de justificação não afetam o dolo, mas se o
agente erra sobre os pressupostos de uma causa de justificação, tal já pode excluir o dolo.

REGIME:
O artigo 16.º/2 é uma corporização das teorias da culpa limitada, justifica-se que se exclui o dolo.
- Mas: diferença estrutural entre o erro sobre a factualidade típica, que exclui o dolo do tipo, e o erro sobre
os pressupostos de uma causa de justificação, que exclui o dolo da culpa - Isto não esconde uma diferença
entre a exclusão do dolo no nº1 e no nº2: no primeiro o agente atua sem dolo do tipo, não representa os
elementos do tipo incriminador; no caso do nº 2 o agente atua com dolo do tipo (representa e quer agir),
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mas há uma avaliação errada, julgando que está a atuar licitamente, o que exclui aqui é o dolo da culpa, o
elemento do dolo que pertence à categoria da culpa.
- Isto tem consequências práticas? Sim, nos casos do nº 2, embora o agente tenha errado, ele preenche um
tipo de ilícito pelo que lhe pode ser aplicada uma medida de segurança, contrariamente ao que se verifica
nos casos do nº1. + caracterizar uma agressão como ilícita, pois para haver uma agressão ilícita pode ser
necessária que o agente atue com dolo, no caso B tinha o direito de se defender.
- a possibilidade de punição a título de negligência - O artigo 16.º/3: ressalva-se a punibilidade da
negligência nos termos gerais. É preciso que o crime que ele cometeu seja punível por negligência, é
preciso que o agente tenha efetivamente atuado com negligencia no caso concreto. Este é um dos pontos
mais peculiares desta matéria, uma vez que, por exemplo no caso em análise, em que o agente quer atuar,
a negligência só pode residir relativamente à verificação dos pressupostos da causa de justificação, isto é,
na forma como o agente não representou os pressupostos – nestes casos vamos responsabilizar alguém
não pelo tipo de ilícito que cometeu, mas sim pela não avaliação correta, o que mostra que a negligência é
algo que se distingue estruturalmente do crime doloso

02/03
V CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO E IMPUTAÇÃO OBJETIVA DO RESULTADO
- Exemplo de situação problemática: consentimento não esclarecido - A questão coloca-se sobretudo na
matéria do comportamento lícito alternativo. Exemplificando: Um médico colhe, com o consentimento da
pessoa, sangue para uma transfusão (art. 38.º CP), mas sem lhe dar os devidos esclarecimentos. Um dos
requisitos para que o consentimento funcione é o esclarecimento, o médico tem o dever de esclarecer o
paciente, pois se o consentimento não for esclarecido não funciona, e a atuação será ilícita  no exemplo:
crime de ofensas à integridade física
- necessidade da certeza (possível) de que a situação justificante se teria produzido com o comportamento
alternativo requerido (não basta a probabilidade) - No tribunal prova-se que mesmo que o médico tivesse
cumprido o dever de esclarecimento, o consentimento teria sido dado igual. Segundo a doutrina tal é
suficiente para excluir a imputação do resultado à ação  é preciso que se prove com um grau próximo da
certeza o referido. O facto continua sempre a ser ilícito, mas pode afastar a responsabilidade, sem prejuízo
de ser punido por tentativa.
- pensamento analógico em relação à imputação do resultado no âmbito do tipo incriminador; importância
da unidade funcional da categoria da ilicitude para sustentar esse pensamento - Isto significa que é preciso
trazer para a matéria das causas de justificação um mecanismo do tipo incriminador, mas tal não traz
problemas, podemos fazer um pensamento analógico, logo porque é favorável, e em nome da
complementaridade funcional.
- consequência: exclusão da imputação do resultado, subsistência de eventual responsabilidade por
tentativa – isto confunde-se com o regime do art. 38.º/4, mas nos casos deste artigo a causa de
justificação existe objetivamente, o que está ausente é o conhecimento da existência dela; nos casos agora
tratados não existe a causa de justificação objetivamente pois falta um dos seus pressupostos essenciais.

VI O EFEITO DAS CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO


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- consequências da ilicitude da conduta: LD; comparticipação, e medidas de segurança - Quando


concebemos as causas de justificação não podemos dizer que a conduta passa a ser lícita, quando a causa
de justificação se verifica impede a ilicitude do facto. O que se justifica é o facto.
Quais são as consequências de termos um facto típico mas justificado? Em primeiro lugar, quando um
facto é justificado, ou seja, quando alguém está a atuar a coberto de uma causa de justificação, não se
pode exercer contra essa pessoa legitima defesa, pois um dos requisitos destas é que a atuação seja ilícita,
ex: nos países que há pena de morte, não se pode atuar em legitima defesa contra o carrasco.
Em segundo lugar, a causa de justificação estende os seus efeitos a todos os comparticipantes do facto,
todos beneficiam desta, ao contrário do que acontece com a culpa.
Em terceiro lugar, quem atue a coberto de uma causa de justificação não pode ser sujeito a uma medida
de segurança, mesmo que o agente seja perigoso, porque o pressuposto da aplicação da medida de
segurança é o facto típico e ilícito (na culpa isto não se verifica).

- espaço livre de direito? A lógica binária da ilicitude penal (a partir da consequência jurídica) - Questão:
podemos dizer que os factos praticados a coberto de uma CJ são verdadeiramente lícitas? Ou não
estaremos perante o que se designa “espaço livre de direito” (onde o direito não chega)? Todas as
categorias devem ser pensadas a partir do resultado, pelo que não é possível aplicar uma sanção penal a
quem atua a coberto de um CJ, pelo que acaba por ser indiferente a conceção teórica. No Direito penal ou
o facto é lícito ou ilícito.

LEGÍTIMA DEFESA, Art. 32.º CP


I CASOS
Caso 1: António vê Bernardo a tentar partir o vidro do seu automóvel, e no momento em que B ia fazer
isso, A dá-lhe um soco que o deixa inconsciente para evitar a destruição do vidro.
Caso 2: Carlos vê Diana, que foi vítima de um ataque cardíaco na estrada, e como Eduarda vai a passar no
seu automóvel, C pede a E que leva D ao hospital pois não tem licença de condução. E recusa-se dizendo
que tem aulas, então C ameaça E para levar D ao hospital  agressão por omissão
Caso 3: Fernanda vê Guilherme andar pela rua à noite e a fazer muito barulho, violando certas regras
camarárias que impedem a produção de ruído a partir das 2h da manhã. F avisa G para estar calado, mas G
ainda faz mais barulho perto da janela de F. F atira-lhe com um vaso e G fica inconsciente.

II FUNDAMENTO
Entre a defesa do Direito (objetivamente de raiz hegeliana) e a defesa dos bens jurídicos agredidos
(contratualismo individualista); consequências práticas da opção em dois níveis: 1) desnecessidade de
ponderação dos interesses em conflito; 2) (des)necessidade da defesa de interesses determinador:
Qual o fundamento da Legítima Defesa (LD)? Tem variado entre dois polos diferentes: há autores que
veem a LD como uma emanação do dever-ser, da ordem jurídica, no sentido de quando alguém age contra
o direito qualquer outro cidadão estaria legitimado para defender a ordem jurídica e fazer parar a
agressão. Outros autores procuram fundamentar a LD na violação do contrato social, feito na comunidade
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no qual cada um de nós abdica de certos poderes a favor do Estado, para garantir a paz no mundo, e
quando existe uma atuação ilícita o estado não está a conseguir proteger aquela pessoa, pelo que o direito
de defesa regressa à esfera do indivíduo (visão contratualista).

Optar por um dos fundamentos repercute-se na prática:


É necessário ponderar os interesses em conflito? A primeira construção, objetivista, diz que não, a
ponderação faz-se entre o direito e o não direito; segundo a segunda construção, é preciso haver
uma ponderação para poder justificar que uma das pessoas sacrifique o interesse do outro
Se nos aproximarmos de uma visão objetivista não temos de saber quais os interesses atingidos, se
entrarmos numa lógica de ponderação temos de saber quais são os interesses

P. ad (Stratenwerth): preservação do direito na pessoa do agredido (“perspetiva intersubjetiva” – Kargl);


finalidades de prevenção criminal – visão do Dr. Figueiredo Dias  a LD visa a preservação do direito na
esfera jurídica da pessoa que está a ser agredida, existe uma fusão – visão intersubjetiva – porque no
fundo o que continua subjacente à ideia de LD é a ideia de prevenção criminal, negativa de dissuasão e
positiva de coesão da sociedade em torno das normas

III SITUAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA: REQUISITOS


1 LADO DO AGRESSOR:
1.1 Agressão: comportamento humano voluntário (inclui omissões puras e impuras), mas não
necessariamente doloso; animais? Entes jurídicos (“coletivos”) - tem de existir uma agressão, ou seja, um
comportamento humano voluntário (em semelhança com o conceito de ação, pois tem de existir uma
ligação à vontade da pessoa, não voluntário no sentido de intencional, mas sim expressão da
personalidade da pessoa)  Excluir as agressões praticadas, pex, em estado de sonambulismo, atos
reflexos), mas incluem-se as omissões, tanto as impuras (que levam a um resultado) como as puras
(situações de simples não fazer, ex: art. 200.º)
Pode haver agressões por parte de animais? Não para efeitos da LD, nem pode haver LD contra
animais, mas devemos ter atenção que pode haver LD que se repercute num animal (património do
agressor, pex: A incita o seu cão a morder B – não falamos de animais selvagens)
E as pessoas jurídicas/coletivas? Podem ser alvo de LD, se houver a verificação de todos os
requisitos. As pessoas jurídicas são centros de imputação jurídica, pelo que lhes reconhecemos a
capacidade de responder criminalmente – raciocínio de analogia.

1.2 Contra: a) interesses; b) juridicamente protegidos; c) do agente ou de terceiro (incl. Estado);


interesses supraindividuais (sem titular determinado): casos de fusão com interesses individuais; restantes
casos: só excecionalmente se poderá invocar LD - A agressão tem de dirigir-se contra interesses
juridicamente protegidos do agente ou de terceiros: a lei não fala em bens jurídicos, fala em interesses que
são muito mais amplos, aliás nem tem de corresponder a um bem jurídico-penal.
Tem de ser juridicamente protegidos, a proteção não tem de ser jurídico-penal, pode ser de qualquer ramo
de direito, pex: a posse é um interesse protegido pelo direito, e portanto o que tem a posse de uma coisa
pode exercer a LD contra terceiro que pretende desapossá-lo do bem.
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Do agente ou de terceiros – dá origem ao auxílio necessário, que consiste na defesa de interesses alheios,
incluindo aqui o Estado, pex: danificar património do estado é motivo de LD. No entanto, devemos
distinguir os casos em que o estado surge numa posição análoga às pessoas humanas ou jurídicas dos
casos em que a agressão se dirige a interesses da comunidade, supraindividuais, que não tem um titular
individualizado, ex: ambiente, ou seja os bens coletivos  nestes temos ainda de distinguir os casos em
que os interesses supraindividuais se fundem com interesses pessoais, e aí admite-se a LD; e os casos onde
não existe a presença de interesses individuais ou do estado em posição análoga é mais discutível que se
possa usar a LD, pex: 3º caso apenas para a preservação da ordem jurídica enquanto tal
Haverá LD se alguém bebe demasiado ao jantar e vai conduzir, e insiste-se para não o fazer, e este insiste
que vai conduzir? Podem dar-lhe uma paulada na cabeça para o impedir? Não é tão evidente que haja
interesses do agente ou de terceiros que possam dar legitimidade à LD.

1.3 Atualidade de agressão: iminente (ameaça imediata) ou em curso (ex: sequestro); irrelevância dos
critérios do início da execução do crime (tentativa, art. 22.º) e da consumação (ex: furto, ofensas
corporais); preparação antecipada da defesa; casos de reação posterior ao término da agressão (não
cobertos pela LD) - A agressão tem de ser atual e ilícita. O critério da atualidade é um critério lógico, a
atuação é atual quando é iminente (quando o momento lógico seguinte consiste na efetiva agressão), e
por isso mesmo a atualidade da agressão em termos temporais é muito variável, pode até ser uma
agressão atual quando há uma diferença de várias horas entre o momento que exerce a defesa e o
momento é que são colocados efetivamente em causa os interesses.  Há agressões que perduram no
tempo, pex: sequestro, e durante esse tempo a agressão mantêm-se atual

! Não nos devemos guiar pelos critérios utilizados para saber quando existe tentativa, pode haver casos em
que haja tentativa (esta começa mesmo antes do ato de execução) mas ainda não há uma agressão atual.
Por outro lado, deixa de haver uma agressão atual quando a agressão cessa, não há direito à LD quando a
agressão cessa, pex: encontrar uma pessoa com o casaco que me fui furtado há 2 meses não estou a
coberto da LD  A par, não posso usar os critérios do crime consumado, pois o crime já pode estar
consumado e eu ainda ter direito ao LD, pex em casos de repetição da agressão, de atos parcelares
Exemplo muito discutido: saber se existe LD contra um ladrão que furta um objeto e vai em fuga:
quando existe consumação do crime do furto? Aqui estamos a discutir a consumação, não tem
relevância para a definição do direito de LG, e aqui a agressão é atual quando ainda existe
possibilidade de apropriação da coisa, independentemente da responsabilidade do agente ser por
crime de furto consumado ou de crime de furto tentado.

Preparação antecipada da defesa – caso em que alguém prepara antecipadamente a defesa, pex:
colocando vedações elétricas à volta da casa para ninguém entrar. Levanta o problema de a LD não pode
atingir terceiros e de saber se a defesa é efetivamente necessária + Casos de reação posterior – ilícitos
Nas lições dá-se um exemplo que hoje já não pode ser utilizado: disparos automáticos

1.4 Ilicitude da agressão: à luz do ordenamento jurídico global (ilicitude civil, administrativa, etc); o
problema dos procedimentos especiais para defesa de certos interesses; a inexistência de LD contra
agressões justificadas - A agressão além de atual, tem de ser ilícita, qualquer contrariedade de uma norma
de direito objetivo, não importa o ramo de direito. Objetivo porque no basta ser uma violação de direitos
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subjetivos, nomeadamente direitos de crédito, não basta que o devedor se recuse a pagar ao credor, pois
para estes casos existem procedimentos especiais para a realização do direito
Como se exige a ilicitude da agressão, não há LD contra agressões que sejam justificadas, pex: polícia
prende um suspeito por ordem do juiz, quem atue em legitima defesa – não há LD contra LD. A doutrina
corrente afirma que pode haver LD quando haja excesso de LD, pex: A ataca B ameaçando com força física,
e B pode defender-se usando a força física porque é maior que o agressor, mas utiliza uma faca – neste
momento em que o defendente está a utilizar um meio excessivo, A tem direito à LD apenas em relação ao
excesso
- negação da LD contra condutas onde exclua a imputação do resultado: critica; exclusão do resultado não
significa justificação da conduta -! Nas lições (p. 486) diz-se que não pode haver LD quando há exclusão da
imputação do resultado. Dr. Pedro Caeiro não defende isto, porque a conduta pode continuar a ser ilícita.
- Distinguir: risco permitido: agressão não é ilícita;: se o agente atuar a coberto de um risco
permitido, a atuação não é ilícita, logo não pode haver LD;
Diminuição do risco e comportamento lícito alternativo: aqui a ilicitude pode persistir se o agente
não conhecer as circunstâncias, até pode eventualmente ser punido por tentativa. Não há LD
porque falta uma agressão e porque se trata de salvar o mesmo interesse/bem, pex: não faz
sentido dizer que há LD quando A empurra B para o salvar, pois a LD significaria não proteger a vida
de B

- agressões dolosas/negligentes/ ou nem isso - O agente não precisa de atuar dolosamente, pode haver
agressões dolosas, negligentes, ou nenhuma delas. O dolo e a negligência tem os seus próprios
pressupostos, pelo que pode haver um comportamento que não os preencha mas constitua uma agressão

- desnecessidade de que a agressão seja culposa - Não é preciso que a agressão seja culposa, que a
agressão esteja a ser praticada por alguém que esteja a atuar com culpa, existe LD contra ações praticadas
por inimputáveis e agentes que atuam a coberto de uma causa de exclusão da ilicitude . É verdade que em
relação a inimputáveis isso pode ter certo impacto sobre a LD, pode limitá-la.

2 LADO DA DEFESA:
2.1 Necessidade do meio: a) avaliação ex ante; b) idoneidade (eficácia, adequação); c) meio menos
gravoso (em caso de pluralidade de meios eficazes); recurso à autoridade (art. 21.º/1 CRP); fuga? - o meio
é necessário quando? É preciso fazer uma avaliação ex ante, objetiva (consideração objetiva das
circunstâncias, não daquilo que o agente sabia). A primeira consequência é que o meio tem de ser idóneo,
necessário/adequado, de afastar a agressão, pex: começar a insultar no trânsito, não é um meio eficaz sair
do carro e ir furar-lhe os pneus. Em segundo lugar tem de ser o meio menos gravoso para o agressor, se
existirem vários meios idóneos de fazer parar a agressão.
! Não há direito de LD quando o agente possa recorrer em tempo útil a uma autoridade pública,
esta possibilidade de recurso coloca em causa a necessidade do meio e a necessidade de defesa
- excesso de meios (excesso intensivo): art. 33º; ilicitude da ação de defesa  avaliação objetiva, situações
de pressão psicológica (subjetiva) são contempladas no plano da culpa (art. 33.º/2, remissão) - E se o
agente utilizar um meio excessivo? Art. 33.º CP, a ação de defesa é ilícita, pelo que a conduta não é
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justifica . Distinção entre 33.º/1, que prevê os casos de excesso intensivo estémico, e o astémico
censurável; e o 33.º/2 prevê uma causa de exclusão da culpa, um excesso intensivo astémico (Com medo)
não censurável
- ideia de proporcionalidade só intervém na seleção dos meios, não na ponderação dos concretos
interesses em confronto (exceção: lei das armas) - Podemos concluir que a ideia de proporcionalidade só
intervém na seleção dos meios, para haver LD não é necessário que os interesses que vamos salvar sejam
mais importantes do que aqueles interesses que vamos sacrificar! Caso 1: pode defender-se bens
patrimoniais sacrificando bens pessoais. Quem está a ser atacado não tem de ceder perante o injusto. Esta
regra tem limites e tem exceções, nomeadamente na lei das armas.
2.2 Necessidade da defesa (“limites ético-sociais”): deriva do próprio fundamento da LD  interpretação
teleológica - O segundo requisito é a necessidade da própria defesa. Desde sempre houve uma
preocupação com a imposição de limites à LD, e durante muito tempo essas limitações davam pelo nome
de limites ético-sociais, e de facto este requisito visa compatibilizar o regime da LD com o seu fundamento,
que é sempre uma questão de prevenção criminal.

Casos em que não existe LD porque não é necessária:


- O sentido social de certas agressões praticadas por menores, inimputáveis e doentes mentais +
agressões praticada a coberto de uma causa de exclusão da culpa, pex: falta de consciência de ilicitude não
censurável. O critério estará sempre no sentido social da agressão. No entanto, não se pode generalizar
para todas as causas de exclusão da culpa.
- pré-ordenação da situação de LD, pex: furto de um vaso, e passado uns tempos, volta a por outro
vaso para que o ladrão regresse e possa castigá-lo: montagem de uma situação para a coberto da LD se
poder agredir. Nestes casos não há LD porque é o próprio agente que coloca os seus interesses em perigo
- simples provocação da agressão pode levar a excluir a LD, o Dr. Figueiredo Dias inclina-se para a ideia
que nestes casos aquele que provoca não tinha direito à LG. O Dr. Pedro Caeiro tem dúvidas que se possa
generalizar a todos os casos de provocação.
- crassa desproporção entre o significado da agressão e a da defesa: critério sociojurídico, pex: uma
pessoa de idade está de cadeira de rodas na sua varanda, e vê um rapaz a comer maças do seu pomar, e o
senhor avisa o rapaz para sair dali, e o rapaz continua a comer, o senhor dá-lhe um tiro e mata-o.
Tecnicamente até podem estar preenchidos os requisitos, mas não é um resultado com o “qual
pudéssemos dormir em paz”- significado social dos atos. Recorre-se aqui à figura do abuso de direito
- relações de proximidade existencial que levam a um enfraquecimento do direito, embora não o
exclua. A ideia é que entre essas pessoas se deve ser mais exigente com a avaliação da necessidade da
defesa, uma vez que quando mais se permitir o direito de agressão neste ambiente mais prejudicial será
para as relações em causa, pex: o filho pode bater a LD contra o pai, quanto este lhe bate, do que poderia
exercer perante estranhos? Dúvidas que isto se verifique, esta maior restrição acaba por responsabilizar
pessoas mais fracas
- atos da autoridade: DL 457/99 e o uso de armas de fogo (regime especial perante o art. 32.º CP):
“perigo iminente de morte ou ofensa grave à integridade física”; pensamento de base: particular
perigosidade das armas de fogo, proporcionalidade da força pública; crítica: no plano dos interesses a
defender e na limitação do regime especial a certos meios – estamos a falar de atos da autoridade no
âmbito da legitima defesa, porque na generalidade dos casos o exercicio da força pela autoridade implica o
exercício dos seus deveres, não se enquadrando no âmbito desta causa de justificação. O Dr. Figueiredo
Dias critica a restrição ao uso de armas de fogo presente no decreto-lei, pois podem estar em causa
interesses igualmente importantes daqueles, como a liberdade. Existe um dever do estado de proteger os
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bens essenciais, pelo que esta norma pode constituir um défice de proteção(, sendo assim, possivelmente,
inconstitucional.)  é uma norma especial pelo que prevalece sobre a norma 32.º CP

09/03
3 Limites à defesa com armas na lei das armas (Lei 5/2016) - Limites ao uso da arma por particulares:
3.1 Art. 42.º/1/b: uso de armas de fogo para defesa do património: exclusivamente como meio de
advertência. O mesmo se aplica quanto as armas elétricas e para os aerossóis (art. 44.º/1)? Parece que
este artigo 44.º exige um procedimento autónomo, podendo mesmo visar o agressor.
Regime geral: existe uma ideia de proporcionalidade entre os bens atingidos (que não existe na
legítima defesa, pelo que é uma norma excecional). É também discutível se o legislador não terá ido
demais para restringir o uso de armas de fogo ou armas equiparadas para defesa do património, no
sentido que o agente não pode alvejar o agressor. Há aqui um elemento psicológico importante:
quem está a cometer um crime patrimonial, e vê uma pessoa armada, não sabe se quem tem a
arma não disparará sobre ele, mesmo que tal seja ilícito – intimidação.

3.2 Art. 42.º/1/a: advertência prévia e restrição da defesa com armas ao afastamento de “perigo iminente
de morte ou ofensa grave à integridade física” e proibição de “visar zona letal do corpo humano” –
restrição da norma às ações intencionalmente dirigidas contra zona letal. Inconstitucionalidade da norma:
art. 21.º CRP  restrição do núcleo essencial de um direito fundamental, não se compreende que a lei
afaste esse direito.
Estes limites não se aplicam ao exercício da força física!

4 O elemento subjetivo da LD: conhecimento da situação justificante – A LD tem ou não elementos


subjetivos específicos? Existe um elemento subjetivo comum às causas de justificação, conhecimento que
se está a atuar a coberto de uma causa de justificação. A par, é necessário o agente atuar com animus
defendi, intenção de se defender? A doutrina dominante recusa esta exigência suplementar, basta que
conheça a situação objetiva de LD.
O que acontece se o agente não souber que está numa situação de LD? A vê o seu inimigo na esplanada,
dispara um tiro mortal contra ele, sem saber que ele tinha um colete de explosivos – situação objetiva de
legitima defesa – aplica-se por analogia o regime do 38.º/4, o agente deve ser punido por tentativa.

5 Afastamento da LD no caso de lesões de terceiros: a LD não justifica factos típicos dirigidos contra
terceiros que não o agressor (mesmo para se proteger não pode usar objetos da esfera jurídica da outra
pessoa, no âmbito da legitima defesa, pode é haver outra causa de justificação que exclua a ilicitude).

IV AUXÍLIO NECESSÁRIO OU LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO: O PROBLEMA DA RELEVÂNCIA DA


VONTADE DO AGREDIDO, art. 38.º
Qual a relevância da vontade do agredido? Pex: A vê B bater a C, e intervém, mas C consentiu nas
pancadas, como se sabe se A está a atuar a coberto de LD? Tudo depende da validade do consentimento:
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quando o consentimento for válido não pode haver LD, porque a agressão consentida é lícita (note-se que
o consentimento tem limites).
Quando o consentimento não seja válido: Dr. Figueiredo Dias inclina-se para a solução de dizer que mesmo
nestes casos, se a pessoa não quer ser defendida, não deve haver o direito de LD; Dr. Pedro Caeiro tem
duvidas que seja sempre assim, que possa ser uma regra geral sobretudo quando temos em conta casos
em que o consentimento é prestado invalidamente por pessoas que não estejam em condições de facto ou
legais para consentir (haverá situações que, apesar da vontade contrária da outra pessoa, haverá lugar à
LD – art. 104./3 crime de coação)

V O DIREITO DE LD JURÍDICO-CIVIL (ART. 337.º CC) E A SUA ARTICULAÇÃO COM O DIREITO PENAL
1 O problema: mesmo campo de aplicação, mas requisito suplementar: prejuízo causado pela defesa não
seja manifestamente superior ao que a agressão causaria - a LD no âmbito do CC é mais exigente do que
aquela que vigora no âmbito do DP. Toda a LD jurídico-civil é LD jurídico-penal, mas o inverso não se
verifica, porque naquela existe um requisito suplementar: o prejuízo causado pela defesa não pode ser
manifestamente superior ao que a agressão causaria (mas não é uma ideia de proporcionalidade
Consequentemente: ações justificadas no DP e ilícitas no DC!

2. Contradição normativa: haveria LD (também penal) contra atos praticados em LD penal (mas ilícitos
perante o DP: Do ponto de vista teórico não levanta problemas exatamente porque é pensável a existência
de uma ilicitude especificamente penal e de causas de justificação especificamente penais, e faria sentido
excluir a ilicitude penal de determinados comportamentos visto que a reação penal é mais gravosa.  No
entanto, tal suscita uma contradição normativa, porque se alguém atuasse no âmbito da só LD penal,
estaria a atuar licitamente para o DP mas ilicitamente para o DC
3. Solução: revogação parcial do CC com a entrada em vigor do CP; regime unívoco da LD: solução para a
contradição: regime único da LD, a norma do art. 32.º entrou em vigor depois da norma do CC, pelo que a
revogou, a norma do CC foi parcialmente modificada com a entrada em vigor do CP

DIREITOS DE NECESSIDADE, Art. 34.º CP


I SITUAÇÃO DE NECESSIDADE
1 Perigo atual para um interesse do agente ou de terceiro e a remoção desse perigo através da prática de
um facto típico; exemplos de casos problemáticos - existe uma situação de necessidade quando existe um
perigo atual para interesses protegido do agente ou de terceiro e esse perigo só pode ser removido através
da prática de um facto típico, pex: A para apagar um incêndio em sua casa precisa de partir uma janela da
casa do vizinho

2 CP 1886: estado de necessidade “subjetivo” (pressão psicológica do agente – exclusão da culpa). Mas:
Eduardo Correia: teoria diferenciada do estado de necessidade (Hegel): diferença entre o valor relativo
dos bens projeta-se na consequência jurídica - Historicamente, a situação de necessidade deu origem a
duas teorias diferentes, e por isso se fala de uma teoria diferenciada – distinguir os casos em que o
interesse que queremos salvar é sensivelmente superior ao interesse que se sacrifica, em que existe
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justificação da conduta (é um resultado que interessa à sociedade); das situações em que esta
superioridade não se justifica, mas a pessoa que vê o seu interesse em perigo está em tal pressão
psicológica que afasta a censura que podemos dirigir aquele ato objetivamente considerado (pex: A e B,
náufragos, tem apenas uma boia, A mata B para se poder salvar – temos 2 interesses com o mesmo valor –
estado de necessidade subjetivo induzido pela pressão psicológica, pelo que aqui é um problema de
exclusão da culpa, e não da ilicitude.
! Os direitos de necessidade objetivo (art. 34.º e direito de necessidade defensivo) não se
confundem com o estado de necessidade subjetivo. O primeiro excluo a ilicitude, o segundo exclui a
culpa (estado de necessidade desculpante, art. 35.º CP

II FUNDAMENTO DOS DIREITOS DE NECESSIDADE: DUPLO FUNDAMENTO


No primeiro exemplo há um ganho global social, mas como explicamos isto ao vizinho? Existe um dever de
solidariedade mínimo para quem vive numa comunidade humana, segundo o qual somos obrigados a
suportar lesões dos nossos interesses para que o ganho social se verifique – tanto no direito de
necessidade agressivo como no direito de necessidade defensivo .

III O DIREITO DE NECESSIDADO DO ART. 34.º


1 Âmbito de aplicação: exclusão dos casos especiais que têm regulamentação específica: não estão
abrangidos aquelas situações especiais que a própria lei atribui um regime particular, pex: art. 142.º.

2 Conflito de interesses: perigo para um interesse pode ser afastado pelo sacrífico de outro interesse: O
mecanismo essencial é o conflito de interesses, em que existe um perigo para um certo interesse e esse
perigo só pode ser ultrapassado pelo sacrifício de outro interesse.
- a interferência da regra da diminuição do risco para o bem jurídico: exclusão da imputação do resultado,
mas persistência da necessidade de aplicar o direito de necessidade para justificar a ação (senão: tentativa
punível) - pode interferir na aplicação do direito de necessidade a matéria da imputação objetiva, pex: A vê
que na casa do vizinho está a começar um incêndio, e para o apagar precisa de arrombar a porta. A
praticou um facto típico, crime de dano, será que se aplica o art. 34.º CP? Pode não ser necessário, existe
aqui uma diminuição do risco (a casa ia arder, ele só destruiu a porta), pelo que o resultado não é
imputável à ação. Só poderia subsistir a responsabilidade por tentativa, pelo que se o crime não for punível
por tentativa nem se chega a aplicar o art. 34.º CP  se a tentativa for punível: precisamos de justificá-la
através do artigo

3 Interesses e não bens jurídicos: a lei fala novamente em interesses protegidos e não em bens jurídicos,
tal como a LD: a expressão interesses tem uma âmbito mais amplo, não é necessário que aquilo que se
quer salvaguardar seja um bem jurídico propriamente dito.
- especificidade no direito de necessidade: ponderação faz-se sempre in concreto (podem radicar no
mesmo bem jurídico, que é uma categoria abstrata; e um interesse fundado num bem jurídico
abstratamente menos valioso do que outro pode ser-lhe concretamente superior) - Esta questão dos
interesses tem uma conformação particular porque a ponderação dos interesses é sempre concreta, não
existe uma ordem de valores abstrata a que se possa recorrer. Isto significa que pode haver conflito de
interesses que provem do mesmo bem jurídico, como no exemplo do incêndio em que o bem jurídico é
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sempre a propriedade, o que é diferente são os bens em causa. Por outro lado, também pode acontecer
que em concreto se mostre justificado fazer prevalecer um interesse radicado num bem jurídico
abstratamente inferior, pex: interesse patrimonial sobre um interesse da integridade física.
- interesses do agente ou de terceiro: A lei esclarece que os interesses podem ser do agente ou de terceiro,
sendo que em princípio esse terceiro deverá ser uma pessoa individualizada, e não a comunidade em geral.

4 Perigo atual: perigo como situação cuja persistência ou desenvolvimento conduz a uma lesão de
interesses – não é uma agressão como na LD, é um perigo, que é uma noção mais ampla, desde logo
porque abrange catástrofes naturais. O perigo é uma situação de risco que se prevê poder vir a culminar
numa lesão de interesses juridicamente protegidos.  Quanto à atualidade do perigo: o desenvolvimento
do crime já é um crime atual, mesmo que o momento logico seguinte não seja a lesão (mais amplo que a
LD).

5 Não voluntariedade da criação do perigo: restrição deste requisito às situações de pré-ordenação: o


agente não o ter criado voluntariamente: Dr. Figueiredo Dias inclina-se para interpretar esta cláusula de
voluntariedade como pré-ordenação, isto é, só fixa excluído o direito de necessidade se o agente criar a
situação de perigo com o intuito de se aproveitar dessa situação de perigo para exercer o direito, e assim
sacrificar o interesse do terceiro.  Não é por ter havido uma voluntariedade que deve ficar impedido,
pex: A sabe que é alérgico de camarões, mas um dia decide comprar para comer em casa, e desenvolve
uma alergia. Não consegue ligar para o INEM, e mesmo tendo bebido e se encontrar acima do limite da lei
para conduzir, decide meter-se no carro e ir para o hospital –o perigo foi voluntário mas não faz sentido
excluir o direito, não pré-ordenou a situação para poder conduzir alcoolizado (art. 291.º CP)
Outro caso: A quer ver o jardim de B, e aproveita que A está de férias, salta o muro e vai ver o
jardim, não contava é que estivesse um cão solto, que o atacou. B para se proteger deu uma
paulada no cão, causando-lhe danos. Existe a provocação do crime, mas nem por isso deve ficar
excluído o direito de necessidade quanto à proteção (art. 190.º e 212.º CP)
Há, todavia, uma exceção: salvamento de interesses de terceiros, mesmo quando o agente tenha pré-
ordenadamente provocado a situação de crime não fica excluído o direito de necessidade. No exemplo
anterior, ser B a colocar camarões na comida de A. (art. 34.º/1/a, in fine)

6 A sensível superioridade do interesse a salvaguardar (art. 34.º/1/b) – princípio operativo; critérios:


Superioridade manifesta, como se determina?
- Um dos critérios é a comparação das molduras penais previstas para o sacrifício de cada um dos
interesses. Revela-se um critério muito falível, pode ser um princípio de ponderação mas apresenta muitas
fragilidades: os interesses que queremos salvaguardar podem não ter consagração penal. Por outro lado,
as molduras penais não são calculadas apenas em função da importância do interesse; e este critério não
tem em conta que a ponderação que se faz é concreta. Ainda, as molduras penais estão pensadas em
termos abstratos, além de que as molduras penais podem ser exatamente as mesmas, e pode-se justificar
proteger um interesse que é protegido com moldura penal menos grave.
- Critério da intensidade e extensão das lesões: explica alguma soluções, pex: bombeiro para acorrer a um
fogo tiver que empurrar alguém, que fica com arranhões, a pequena extensão da lesão pode levar a dizer
que se justifica o sacrifício de interesses pessoais para salvar interesses patrimoniais. Já não seria a mesma
solução se o bombeiro tivesse de o atirar de uma ponte abaixo. Outro exemplo: museu
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- Outro tópico que importa levar em conta é o grau de perigo: quanto maior o perigo mais amplo será o
âmbito dos interesses que se podem sacrificar. Lei tendencial:
Quando se trata de interesses da mesma natureza as coisas são relativamente fáceis, sacrificar um
bem que vale 10€ para salvaguardar um que vale 300€. A questão é mais complicada quando os
interesses não são reconduzíveis à mesma grandeza ou não são da mesma natureza.  um caso
particular é o da vida contra vida, sacrificar a vida de um para salvaguardar a vida de outro. Em
primeiro lugar, a vida humana é imponderável, tanto no plano qualitativo como quantitativo – não
há direito de necessidade (não é a mesma coisa atuar no exercício do direito de necessidade do que
atuar a coberto de uma causa de exclusão da culpa)
Casos mais complexos: os casos da comunidade de perigo, situações em que uma pluralidade de pessoas
estão em perigo, e este pode ser removido pelo sacrifício de algumas pessoas (estão todos sujeitos ao
mesmo perigo), pex: durante a 2ª GM, alguns médicos foram indicando pacientes para os campos para
salvaguardar a vida de outros pacientes;
Caso do barco: atirar pessoas borda fora para o barco não afundar, perante um naufrágio 
inexistência de um direito de necessidade dos passageiros que justifique o homicídio de alguns
deles
Caso dos alpinistas: 3 alpinistas estão atados por uma corda para sua proteção, e a certa altura, o
último cai e fica pendurado num precipício. Os outros não o conseguem puxar, mas se continuarem
naquela situação vão cair os 3. Neste caso não há uma escolha aleatória de quem é sacrificado, o
último já está condenado a morrer – Dr. Figueiredo Dias considera que há aqui direito de
necessidade; o Dr. Pedro Caeiro tem dúvidas que há aqui uma sensível superioridade, e além disso,
não é razoável impor ao último a perda da sua vida  não há direito de necessidade, no máximo
um direito de necessidade defensivo
[Não colocar o caso do piloto aqui, não se se trata só de direitos, mas sim de deveres.]

7 Razoabilidade do sacrífico (art. 34.º/1/c) - Dr. Figueiredo Dias trata esta condição como critério para
medir a superioridade dos interesses. O Dr. Pedro Caeiro não defende o referido, porque a raiz da alínea c
é contrária às anteriores (a + b), porque nestas procura-se o ganho global, na alínea c está um limite
exterior ao sistema social, é um limite interior do sistema pessoal, funciona portanto como uma barreira.
 Casos de intervenção médica sem consentimento para benefício de terceiro: é possível coativamente
colher sangue a uma pessoa para salvar outra pessoa através de uma transfusão? A doutrina divide-se,
mas o que não é viável seguramente é colher coativamente o sangue para fins científicos
- avaliação da razoabilidade deve por isso ser feita da perspetiva do lesado, e não da perspetiva do lado, e
não da perspetiva do sistema social; embora se deva levar em conta a “natureza ou valor do interesse
ameaçado”.

23/03
8. O emprego do meio adequado
- os deveres especiais de suportar perigos mais intensos -
- simples aptidão/idoneidade ou meios menos gravoso -
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9 Elemento subjetivo: o conhecimento dos pressupostos do direito de necessidade; o regime aplicável


quando falte esse elemento: remissão (aplicação analógica do art. 38.º/4) – se faltar o elemento
subjetivo o ato é ilícito, e aplica-se o 38.º/4

DIREITO DE NECESSIDADE DEFENSIVO:


1. Uma causa de justificação extralegal “a meio caminho” entre a LD (Art. 32.º) e o DNA (art. 34.º) – o
desafio desta causa de justificação é o facto de não estar prevista na lei, é extralegal, de criação
jurisprudencial. No entanto, não levanta problemas pois estas normas, como excluem a ilicitude, não estão
abrangidos pelo âmbito do princípio da legalidade.  É um meio caminho entre o direito de necessidade
agressivo e legítima defesa, é como uma causa híbrida, mas não é englobada em nenhum dos regimes

2. Pressupostos específicos: o interesse a sacrificar pode ser igual ou até ligeiramente superior ao
interesse salvaguardado; a remoção do perigo é feita à custa da esfera jurídica de onde o perigo provém;
prescinde-se da cláusula da razoabilidade do sacrifício – nesta causa de justificação os interesses a
salvaguardar não são manifestamente superiores aos interesses que temos de sacrificar, e a remoção do
perigo faz-se à custa da esfera produtora do crime, pex: condutor perde o controlo do seu veículo por
causa que não lhe é imputável e vai em direção a outro veículo, o proprietário deste tem maneira de
disparar contra os pneus do primeiro e fazer com que embata contra um murro, desviando-o do seu carro
Outra diferença com o direito de necessidade agressivo, anteriormente visto, é que nesta não há
lugar à cláusula de razoabilidade do sacrifício.
É justo que o risco corra por conta de quem o produz, o que não é justo é que traga prejuízos a outras
pessoas. Temos é de ter a certeza de que o perigo está a ser removido exclusivamente à custa da esfera
jurídica de quem o produz.

3. A posição seguidas nas Lições: não autonomização do DND à custa de uma interpretação duvidosa do
art. 34.º relativamente à superioridade do interesse a salvaguardar e, sobretudo, de uma recondução da
razoabilidade do sacrifício a critérios objetivos – O Doutor Figueiredo Dias não autonomiza esta causa de
justificação, trata-a no âmbito do art. 34.º.  No entanto, não podemos aplicar o art. 34.º porque não há a
sensível superioridade do interesse a salvaguardar, mas também não podermos podemos usar a LD porque
não existe uma agressão voluntária
Todavia, não há dúvida que quando falamos em interesses não falamos em bens jurídicos, aliás é possível
que o mesmo bem jurídico dê origem a interesses diferentes. Já não convence a ideia de que devemos
interpretar a razoabilidade do sacrifício de acordo com critérios objetivos, pois a alínea c é uma proteção
da pessoa contra o sistema social (contra os valores objetivos), é preciso interpretar o artigo 34.º como um
limite posto pela proteção pessoal

4. Explicação da necessidade da figura (por inaplicabilidade do art. 34.º):


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- o caso do alpinista: se os 2 alpinistas não cortarem a corda morrem todos, não temos uma LD porque o
3.º alpinista não está a praticar uma agressão, nem temos um direito de necessidade do art. 34.º, segundo
a posição do Doutor, porque a vida é imponderável, ou seja, é difícil afirmar que a vida dos outros 2 é um
interesse superior à vida do 3º. Sobretudo não se consegue compreender a alínea c, que é razoável impor
ao 3º o sacrifício da sua vida  caso típico de direito de necessidade defensivo (não estamos a sacrificar
um terceiro, a solução só se justifica porque o perigo é removido à custa de quem produz o perigo)
Principal diferença com o caso do barco: Existe em ambos uma situação de comunidade de perigo,
mas no caso do barco não se pode aplicar o direito de necessidade defensivo porque a fonte de
perigo não está determinada, todos os que estão no barco são fonte de perigo pelo que a escolha
extravasa o direito de necessidade defensivo.
- o caso da infiltração de água: A está no seu apartamento e vê uma infiltração de água que vem de casa do
vizinho (V). V não está em casa, A não consegue falar com ele nem com os bombeiros, e tapa o buraco, o
que faz com que a água se acumule em casa de V e provoque prejuízos – não há uma manifesta
superioridade de interesses, pelo que não há direito de necessidade do art. 34.º, mas também não é LD. O
agente está a praticar um ato lícito porque está a coberto do direito de necessidade defensivo.

O DIREITO DE NECESSIDADE JURÍDICO-CIVIL (art. 339.º CC):


Identidade de pressupostos com o direito de necessidade do art. 34.º CP  justificação paralela da
conduta no direito civil - as causas de justificação de outros ramos de direito tem eficácia no âmbito do
DP. No entanto, não têm grande autonomia porque os pressupostos são os mesmos.

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O CONFLITO DE DEVERES
Para esta matéria substituir as lições por um sumário desenvolvido que vai ser disponibilizado.
Casos Tipo 1 – o pai que naufraga com dois filhos pequenos e não pode salvar os dois
Casos Tipo 2 – o médico que não pode socorrer dois acidentados, um em risco de vida e outro em risco de
perda de um membro; ou mesmo risco e prognóstico diferente
Casos Tipo 3 – o médico que recebe um acidentado em risco de vida, necessitado do ventilador que está
aplicado num doente na mesma situação
Casos Tipo 4 – o agente que avista a ex-cônjuge, com que está proibido de contactar (art. 353.º CP), caída
na rua, inconsciente, carecendo imediatamente de manobras de reanimação (dever de salvar/monopólio
do facto: art. 10.º/131.º); - o agente cujo filho pequeno entra no recinto de uma central elétrica, correndo
perigo de vida (dever de salvar: art. 10.º/131.º versus acesso proibido: 191.º)

1. Pressupostos da situação (hipótese): o agente encontra-se sujeito a 2 ou mais deveres cujo


cumprimento concomitante é impossível - Em todos estes casos temos o agente numa situação de ter 2
ou mais deveres cujo cumprimento sucessivo não é possível, para cumprir um tem que violar o outro.
Normalmente as coisas colocam-se sobre conflito de deveres penais, mas não é necessário que todos
tenham natureza penal, basta 1.
AULAS TEÓRICAS – DIREITO PENAL II | Andréa Carlos

2. Regime: art. 36.º, o cumprimento do dever mais intenso, ou, sendo os deveres de igual valor, de
qualquer um deles, exclui a ilicitude do incumprimento do(s) restante(s) – O agente deve cumprir o dever
mais intenso ou, se eles forem de intensidade igual, qualquer um deles. Não é preciso que o agente
consiga efetivamente cumprir o dever, pode acontecer que opte por um dos deveres e não o conseguir
cumprir, mesmo assim a violação do primeiro dever está justificada, o agente tem é de iniciar o
cumprimento do dever  o que agente não pode fazer é ficar quieto, não fazer nada, pex: no caso tipo 1,
se não tentar salvar uma das crianças comete 2 crimes de homicídio por omissão – o agente é chamado
pela ordem jurídica a intervir na situação, não é livre de atuar ou não

3. Enquadramento dogmático: uma forma de estado de necessidade? Crítica


3.1 Direito (de necessidade) versus dever, liberdade de agir versus dever de agir, e agir em certo
sentido – Tradicionalmente esta matéria é vista como uma forma particular de um estado de
necessidade, mas não é a posição do Doutor Pedro Caeiro: no DDN para salvar o interesse é preciso
cometer um facto típico, no caso de conflito de deveres a lei não está a atribuir o direito de cometer
um facto típico, mas sim o dever de agir sob pena de se cometerem os crimes.

3.2 Autorização para sacrificar o interesse menos valioso (Art. 34.º) versus imposição de sacrificar o
dever menos valioso (mesmo que não manifestamente) ou igual (Art. 36.º) (casos tipo 1) – A lei não só
obriga o agente a atuar como o obriga a atuar num determinado sentido.

3.3 Fundamentos da justificação no conflito de deveres: satisfação na maior extensão possível dos
deveres que incumbem ao agente. Cumprimento do dever preponderante (ou igual) e o sentido do
brocardo ad impossibilita nemo tenetur – o fundamento é tentar maximizar o cumprimento de deveres
que o agente está sujeito, por isso é que a lei diz qual o dever que deve ser cumprido para se atuar
licitamente.  se o agente cumprir o dever menos intenso não há justificação por conflitos deveres; se
os deveres tiverem valor igual necessariamente o direito tem de se contentar com o cumprimento de
um deles. É dentro deste quadro que podemos compreender a máxima latina de ninguém estar
obrigado a fazer o impossível.

4. A natureza dos deveres conflituantes do art. 36.º:


4.1 Doutrina tradicional: restrição aos deveres de agir (crimes de omissão, tipo 1 e 2) e inaplicabilidade
aos conflitos e entre deveres de agir e de abstenção (3 e 4) - Toda a doutrina tradicional diz que a situação
de conflito de deveres só se põe nos casos de tipo 1, em que existem 2 deveres de agir, e não se põe
quando existe um conflito entre deveres de agir e deveres de abstenção (caso tipo 3 e tipo 4), pois nestes
casos prevalece sempre o dever de abstenção, ou seja, o dever de não praticar crimes por ação é sempre
mais forte do que o dever de salvar bens jurídicos pelo que o conflito estaria resolvido.
Fundamento: (pretensão) prevalência geral do dever geral de não ingerência em bens jurídicos alheiros
sobre deveres particulares de agir/salvar – nestes casos, só se poderia invocar o direito de necessidade,
se reunidos aos respetivos pressupostos (vg, nos limites da solidariedade que se pode impor ao terceiro
afetado) – A única coisa que se poderia invocar nestes casos seria o direito de necessidade na medida
em que se pudesse aplicar ao caso
A doutrina intermédia do “dever-direito” (Taipa de Carvalho) - nos casos em que verificam os
pressupostos do direito de necessidade o agente tem um dever de atuar
AULAS TEÓRICAS – DIREITO PENAL II | Andréa Carlos

4.2 Crítica:
- expressão literal do art. 36.º - art. 36.º nem se refere a deveres de ação nem a deveres de omissão,
apenas de conflito de deveres que abrange ambos
- possibilidade de um dever de agir ser concretamente mais intenso do que um dever de abstenção (casos
tipo 4 e 3) - Em segundo lugar, não podemos dizer que em abstrato um dever de abstenção é sempre mais
intenso que um dever de salvar,
- inadequação da recondução aos quadros de um direito (casos tipo 4) A objeção fundamental é que todo
este problema é muito difícil de compreender nos quadros de um direito, porque aqui o agente não tem
um direito (pex: caso tipo 4), o agente não pode escolher arbitrariamente atuar, a ordem jurídica espera
que ele atue, pelo que não podemos tratar esta situação num quadro em que a ordem jurídica confere
direitos como no direito de necessidade (neste o agente pode não agir)

4.3 Conclusão: pode haver conflito de deveres, para efeitos do art. 36.º, entre deveres de ação e deveres
de omissão

5. Critérios para determinar o valor/intensidade dos deveres:


5.1 A importância relativa dos bens jurídicos protegidos (casos tipo 2) - valor dos deveres começa por
apreciar-se em função dos bens jurídicos em causa, o dever de salvar a vida é mais intenso do que o dever
de salvar bens patrimoniais. Podem ser bens jurídicos da mesma natureza, há outros fatores que podem
alterar a intensidade dos bens jurídicos:
5.2 O grau de perigo (tipo 2; expetativa de êxito da intervenção, critérios puramente clínicos, irrelevância
de fatores que não têm implicação direta na expetativa de êxito) - grau de perigo para o bem jurídico +
expetativa de êxito de intervenção  quando se trata do mesmo bem jurídico, estes critérios são
puramente clínicos, não permeáveis a considerações como a idade
5.3 Superioridade concreta do dever de não matar (por ação) em relação ao dever de salvar (casos tipo 3) -
caso vida contra vida: caso tipo 3 – para a doutrina tradicional o problema não se coloca, porque o médico
ao desligar a máquina está a cometer um crime de ação e fazer valer o interesse que não devia prevalecer-
Dr. Figueiredo Dias tem uma posição diferente, embora dê o mesmo resultado: o ato médico não é um
crime por ação, mas sim por omissão porque o sentido social é deixar de salvar uma vida com a
interrupção do medicamento, pelo que existe um conflito entre dois deveres de ação – o dever de
continuar com o tratamento é mais intenso que o dever de se iniciar o tratamento sacrificando uma
vida alheia.
Todas as construções chegam ao mesmo resultado, mas fica por explicar o porquê? O Dr. Pedro Caeiro
diz que as expetativas comunitárias não seriam compatíveis com o dever dos médicos de examinar a
cada momento as possibilidades de sobrevivência de cada doente, e por isso mesmo o dever de não
interromper o tratamento é mais forte  Ficam fora desta âmbito os casos da chamada ortotanásia,
casos em que a pessoa já não está capaz de assegurar uma vida autónoma pois já não se levanta
verdadeiramente um problema de vida contra vida.
AULAS TEÓRICAS – DIREITO PENAL II | Andréa Carlos

6. Casos de pretenso conflito entre deveres de abstenção: É possível haver um conflito entre 2 deveres de
abstenção? São situações difíceis de conceber. Existiria um dever de abstenção quando o dever de não
praticar certa ação impede o dever de não praticar uma outra ação:

6.1 Caso do navio: dever de salvamento vs. dever de abstenção - existe uma avaria num navio, e este vai
desgovernado para a costa e é seguro que vai atingir uma praia com muita gente ou uma marinha onde só
estão barcos (não se sabe para qual dos dois sítios vai). O capitão pode condicionar à direção do navio: o
dever de não destruir a marinha vai implicar o dever de não matar aquelas pessoas, e vice-versa  na
realidade não é bem assim porque quando o capitão do barco condiciona a direção está a preencher um
tipo de crime por ação mas não está a violar um dever de abstenção (de não matar), mas sim um dever de
salvar as pessoas que estão na praia do crime, pelo que não há dois direitos de abstenção

6.2. Caso dos impostos/segurança social: causa da impossibilidade de cumprimento - pagar o IVA e a
segurança social, e a empresa só tem dinheiro para pagar 1 – aparentemente seria um conflito entre 2
deveres de abstenção, só que na realidade o que impede de pagar os dois não é o facto de pagar 1, mas
sim não se ter acautelado para poder pagar os 2.

6.3 Caso do condutor que entra em contramão na autoestrada: não há correspetiva incompatibilidade dos
deveres - condutor entra na autoestrada em contramão, a partir desse momento tudo o que ele fizer é
proibido (parar, encostar, etc) – na realidade não há um conflito de deveres. O que o agente deve fazer
aqui é procurar o menor sacrifício possível da segurança rodoviária e utilizar essa conduta como o meio
adequado – direito de necessidade
Suma: é uma causa de justificação autónoma, não é um direito, pode haver conflitos entre deveres de ação
e deveres de omissão, deve-se aferir qual o dever mais intenso e cumprir esse
-----------

OS CONSENTIMENTOS (e o acordo)
Nem todos os casos serão verdadeiros casos de consentimento.
Casos Tipo 1 – Bárbara consente em que Carlos entre em sua casa para jantar (art. 190.º), Bárbara e Carlos
consentem em ter relações sexuais (art. 164.º)
Caso Tipo 2 – António consente em fazer uma tatuagem (art. 143.º); Guilherme consente em doar sangue
para o banco de sangue do hospital (art. 143.º)
Caso Tipo 3 – Daniel consente em que Eduardo o mate (art. 131.º); José, de 17 anos, consente em ter
relações sexuais com Sandra, de 25 anos, a troco de dinheiro (art. 174.º)
Caso Tipo 4 – Fernanda consente em que lhe amputem um braço para assim poder ganhar um papel num
filme (art. 144.º)

I. INTRODUÇÃO:

1. Consentimento efetivo e consentimento presumido (art. 38.º e 39.º CP) – Existem 2 causas de
justificação de consentimento: efetivo e presumido (subsidiário).
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2. Natureza pública do DP – disponibilidade individual: contradição? - A primeira questão que se levanta


é um aparente paradoxo, vemos o DP como um ramo de direito de proteção do sistema social e esta causa
de justificação considera licitas certas condutas porque o portador do bem jurídico consente a conduta,
como uma vontade individual se vai sobrepor à vontade do sistema social?

3. Bens jurídico-penais supraindividuais (incluindo coletivos) e bens jurídicos pessoais: a figura do


portador (pessoa humana e jurídica) - Bens jurídicos supraindividuais (que não radicam num portador
concreto, pex: bens jurídicos do Estado e bens jurídicos coletivos) e bens jurídicos pessoais (necessitam de
um portador concreto, são os que estão nos primeiro artigos da parte especial do CP) – o problema do
consentimento só se coloca em relação aos bens jurídicos pessoais (podem dizer respeito às pessoas
humanas e às pessoas jurídicas)

4. Direitos fundamentais, direitos subjetivos e bens jurídico-penais; a valência social/sistémica do bem


jurídico – Neste contexto de bens jurídicos pessoais encontramos uma invocação de várias categorias do
direito: por lado são direitos fundamentais, são direitos constitucionalmente protegidos; são também
direitos subjetivos, protegidos pelo direito civil – em qualquer uma das duas dimensões avulta um poder
do sujeito, um poder individual. Quando passamos para o DP o que avulta é a dimensão objetiva, não a
dimensão subjetiva dos bens, precisamente pela função de proteção dos bens jurídicos, são bens que se
inscrevem no sistema social pelo que a ideia de bem jurídico é de um valor comunitariamente relevante 
sendo assim, maior é o paradoxo que falamos

5. Logo: relevância do consentimento ≠ abandono ou renúncia ao bem jurídico – Certa doutrina dizia que
o consentimento se compreende porque há uma renúncia de proteção do bem jurídico  não é
convincente, porque a pessoa não tem competência para renunciar à proteção penal, pois o bem jurídico
não pertence verdadeiramente à pessoa, daí se designar como portador.

6. Fundamento da justificação por consentimento: relevância da autonomia pessoal do portador do bem


jurídico; subsistência da lógica da ponderação de interesses - Como se compreende então a relevância do
consentimento? Também no consentimento existe uma lógica de conflito de interesses, entre o interesse
que o DP quer proteger e o interesse que é a autonomia da pessoa, o consentimento é a procura de um
equilíbrio entre os bens jurídicos protegidos pelo DP e o bem da autonomia do portador desse bem
jurídico. O regime do consentimento mais não é que estabelecer as condições da relevância da autonomia
pessoal (sistema pessoal vs. sistema penal)

II DISTINÇÃO ENTRE CONSENTIMENTO E ACORDO (COSTA ANDRADE)

1. Os bens jurídicos pessoais radicam na liberdade/Autonomia do portador (liberdade geral, liberdade


sexual, reserva da vida privada, património, imagem, etc): o acordo como causa de exclusão da
tipicidade (Casos tipo 1) - Há certos bens jurídicos que na realidade são prolongamentos da liberdade e da
autonomia das pessoas, como o bem jurídico da liberdade, da liberdade sexual, a reserva da vida privada,
etc – os crimes que ofendem esses bens jurídicos tem como pressuposto o serem praticados contra a
vontade da pessoa, ou seja, havendo acordo não se preenche o tipo objetivo de crime (art. 190.º é um
dos casos em que a lei emprega mal o termo consentimento, o que deveria dizer era acordo)
AULAS TEÓRICAS – DIREITO PENAL II | Andréa Carlos

Consonância entre a incriminação e o acordo: ambos protegem o mesmo bem jurídico, ou seja, a
liberdade e autonomia pessoa; conduta praticada com o acordo do portador não provoca dano social -
ao concordar (ou não concordar) com estes factos o portador do bem jurídico está a realizar o mesmo
bem jurídico que é protegido
esta diferença tem também importância para efeitos de erro! – lembrar Senhor Doutor
2. Os bens jurídicos pessoais cuja tutela transcende a liberdade do portador vida, integridade física,
autodeterminação sexual  produção de um dano social apesar da concordância do portador 
necessidade de ponderação com a autónoma: o consentimento como causa de exclusão da ilicitude de
uma conduta típica  restantes tipos de caso - No entanto, há outros bens jurídicos pessoais cuja
proteção vai para lá da vontade dos respetivos portadores, a vida, a integridade física e a
autodeterminação sexual – quando o DP protege, pex, a vida de alguém não está só a proteger o poder da
pessoa querer viver ou não, são bens tão importantes que a sua proteção corresponde a um interesse
social, pelo que podem ser protegidos contra a vontade, há um dano social que transcende a autonomia
do portador
Dissonância entre o bem jurídico protegido pela norma incriminadora e a autonomia pessoal: conduta
típica provoca dano social, que pode ou não ser justificado - Quando alguém dá o seu consentimento
para doar um rim a um familiar já não estamos só perante a liberdade da pessoa pois provoca sempre
um dano social, e por implicar este dano é que é necessário a figura do consentimento para que o
sistema social aceite a lesão em homenagem da autonomia do portador – o consentimento como causa
de justificação só se coloca em relação a estes bens jurídicos (ou seja, aplica-se a todos os casos exceto
o tipo 1)  por isso se fala sempre numa lesão tolerada, o dano tem de ser justificado

III. CRITÉRIOS DA RELEVÂNCIA DO CONSENTIMENTO

1. Bem jurídicos pessoais (versus bens jurídicos supraindividuais):


- indisponíveis (vida, autodeterminação sexual)
- disponíveis (integridade física)
Quais as condições para o consentimento ser relevante: tem de tratar-se de bem jurídicos pessoais
disponíveis pelo portador. A autodeterminação sexual é um bem jurídico indisponível, e trata-se da
dimensão da formação da esfera sexual dos menores – os crimes sexuais contra menores não estão todos
previstos nos crimes contra a autodeterminação sexual, os crimes contra a liberdade sexual são de
proteção universal, um crime de violação é agravado por ser menor mas não é um crime contra a
autodeterminação sexual (só são crimes porque se trata de menores) – o menor não pode consentir na
prática sexual (aqui é consentimento não acordo)? NÃO, o consentimento aqui não é eficaz porque se trata
de um bem indisponível, estes crimes pressupõe a concordância do menor
Pode levantar-se a questão de saber se naqueles crimes onde se tutela a menoridade até aos 18 anos,
como a pornografia de menores, em que medida um verdadeiro consentimento não pode afastar a
ilicitude do facto (ou seja, entre os 16 e os 18 anos)? Por um lado a autodeterminação sexual surge
como bem jurídico indisponível, por outro há contradições sistemáticas (pode exercer a sua liberdade
sexual positiva desde os 16 anos mas estes atos são crimes considerando a menoridade de 18 anos).

Quando se trata de bens jurídicos supraindividuais não temos um portador do bem jurídico que possa
consentir na sua lesão, o consentimento não é possível. Diferentemente, os bens jurídicos pessoais exige
um portador, e existem 2 subgrupos: indisponíveis e disponíveis.  Toda a controvérsia que se tem gerado
AULAS TEÓRICAS – DIREITO PENAL II | Andréa Carlos

à volta do suicídio medicamente assistido não é mais a procura de uma definição da relevância do
consentimento no crime de homicídio, hoje em dia ainda não é relevante o consentimento pelo que ainda
não exclui a ilicitude (a vida continua a ser um bem indisponível). [Note-se que não se considera auxílio ao
suicídio a ortotanásia.]

Temos bens jurídicos que são prolongamentos e expressões da liberdade da pessoa, onde existe uma
continuidade entre a autonomia da pessoa e o acordo, a autonomia da pessoa e o bem jurídico protegido.
Todavia, há outros bens que não se esgotam nesta autonomia, embora se trate de bens jurídicos pessoais
o direito penal não os deixa “entregues” ao puro arbítrio pessoal para evitar reflexos negativos na
comunidade, o que existe nos casos de consentimento é uma lesão efetiva mas tolerada, por vezes, até
desejada do ponto de vista social  Embora o direito aceite a vontade da pessoa que consente a lesão,
regula o modo como essa vontade pode prevalecer sobre a tutela do bem jurídico.
Em todo o caso de consentimento temos uma lesão para o sistema social, e uma homenagem à
autonomia!

30/03
Existem requisitos do facto e requisitos do consentimento:
2. Requisitos do facto:
- não contrariedade aos bons costumes (art. 149.º); caso particular do crime de dano (art. 212.º); critica:
distinção entre património como bem pessoal e património cultural como bem supraindividual; as
agressões sadomasoquistas: o consentimento em relação à integridade física está previsto no art. 149.º,
que pormenoriza os requisitos do art. 38.º CP. Em primeiro lugar, é preciso que o facto não ofenda os bons
costumes. No passado, esta cláusula dos bons costumes tinha uma conotação moral.  Diferentemente,
hoje esta cláusula tem como parâmetros a gravidade e irreversibilidade da lesão. Um exemplo de
contrariedade aos bons costumes é o da pessoa que consente que lhe amputem uma mão só para
conseguir um papel no filme. A responsabilidade penal é da pessoa que faz a amputação, o consentimento
é inválido.
O art. 149.º refere os motivos de quem consente e do agente: o que explica que em casos excecionais,
apesar de a lesão ser grave e irreversível, o ato não ser contrário aos bons costumes. O consentimento é
válido.
O crime de dano: a propriedade e o património são, em princípio, bens disponíveis na medida em que
são ainda prolongamentos da liberdade da pessoa. O Doutor Costa Andrade refere que os crimes de
dano são uma exceção ao referido porque quando alguém concorda que outro destrua um bem seu há
um dano (empobrecimento social), pex: X é proprietário de um quadro de Picasso, e consente que B o
transforme num alvo de dardos – toda a sociedade perde com a danificação do quadro, pelo que tem
de existir um meio de defesa: o regime do consentimento  O Dr. Pedro Caeiro não concorda: a
propriedade e o património são estritamente pessoais. Diferente é saber se os bens da pessoa não se
integram no património cultural, e aí sim já estamos no âmbito de bens jurídico supraindividuais. A
resposta não está na deslocação do acordo para o consentimento, mas sim no facto de se tratar de
bens jurídicos diferentes.

- as intervenções médico-cirúrgicas em benefício próprio (art. 150.º/1, 156 e 157): um caso de acordo;
comparar a diferente solução dada pelos art. 156.º/2 e 39.º aos casos em que há dúvidas: Outro problema
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prático: intervenções médico-cirúrgicas em benefício próprio – art. 150.º/1: os casos descritos no artigo
não são ofensas à integridade física precisamente porque são atos dirigidos à produção da integridade
física. No entanto, o consentimento é necessário (art. 156.º CP) para ser protegida a liberdade do agente
 isto tem consequências: para haver consentimento presumido é necessária uma conclusão positiva que
permite a quem presume o consentimento ter uma convicção fundamentada.  Nos casos de dúvida
podemos atuar a coberto do art. 156.º/2 (o art. 39.º é mais exigente porque há uma ofensa)

- casos do art. 150.º que não se coadunam com as leges artis – necessidade do consentimento para
justificar a lesão da integridade física: se os médicos conscientemente violarem as legis artis (protocolos
médicos) o referido passa a ser crime contra a integridade física (art. 150.º/2), pex: B tem uma deficiência
cardíaca que desaconselha o medicamento Y, o médico que administre esse medicamento está a cometer
o crime  Pode colocar-se um problema de consentimento, porque o médico pode dar a “escolher” ao
paciente, se este der o seu consentimento a ilicitude é excluída por este.

3. Requisitos do consentimento:
- capacidade: autonomia e maturidade. O limiar de 16 anos (Desde 2007) + discernimento; representação
legal e suprimento judicial; especialidades - capacidade para consentir: só pode consentir na lesão do bem
jurídico quem tiver um grau mínimo de maturidade que a lei fixa em 16 anos (até 2017 fixava em 14 anos);
tendo menos de 16 anos é preciso o consentimento dos representantes legais, exceto se tratar-se de
ofensas à integridade física grave. Além deste mínimo de idade, é preciso ter discernimento: excluir
pessoas que em virtude de anomalias psíquicas não tem capacidade para consentir  não confundir com a
inimputabilidade, uma pessoa pode não poder consentir mas ser imputável para a prática de um certo
crime, ou vice-versa.

- requisitos relativos à vontade: a vontade tem de ser séria, livre e esclarecida. Uma vontade séria é
aquela que não é expressa na brincadeira, mas sim ponderada e refletida (exclusão de declarações não
sérias). Além disso, tem de ser uma vontade livre, o consentimento não é válido quando obtido através de
ameaça ou coação; e esclarecida, pois só perante uma vontade esclarecida faz sentido prestar homenagem
à sua autonomia.  Em sede de intervenções médicas tem relevância o art. 157.º: permite que certas
informações não sejam comunicadas ao paciente, e ainda, nem tudo está abrangido no dever de
informação.  Este privilégio terapêutico não se aplica à investigação científica.

Situações que afetam a vontade esclarecida:
Provocação do erro:
 Engano referido ao próprio bem jurídico, pex: A solicita a B que participe numa experiência científica
mas esconde-lhe vários efeitos secundários – consentimento é inválido
 Engano que não se refere diretamente ao bem jurídico, pex: A oferece a B uma quantia de dinheiro
para fazer uma colheita de sangue, B aceita, A depois não lhe paga – o consentimento é válido porque
o engano provocado diz respeito ao bem negócio, não ao bem jurídico
 Engano sobre a finalidade altruísta, pex: médico convence X a dar sangue porque um seu familiar
precisa de uma transfusão de sangue, e na realidade o sangue destina-se a uma experimentação
científica – a finalidade pode afetar a validade do consentimento, consentimento inválido
AULAS TEÓRICAS – DIREITO PENAL II | Andréa Carlos

Erro em sentido estrito (espontâneo por parte de quem consente, não provocado) – não afeta a validade
do consentimento. Excetuam-se 2 situações: quando o erro é conhecido do agente que pratica o facto ou
quando existe o dever de esclarecimento por parte deste  não estamos a referir-nos ao erro da categoria
do crime, mas sim da falta da vontade esclarecida

- requisitos relativos à forma: em princípio não é preciso nenhuma forma para o consentimento ser válido
(livre). O consentimento pode expresso ou tácito. Este consentimento tácito não se confunde com o
consentimento presumido, porque neste não se sabe a vontade real da pessoa
- Persistência do consentimento no momento da prática do facto e livre revogabilidade; as diretivas
antecipadas - o consentimento deve persistir no momento em que o facto é praticado, por isso é
livremente revogável à prática do facto. Um ponto especial são as diretivas antecipadas da vontade:
servem sobretudo para afastar certos tipos de tratamento que seriam possíveis ao abrigo do art. 156.º/2.

4. O consentimento hipotético: raciocínio semelhante ao que subjaz à regra do comportamento lícito


alternativo – exclusão da responsabilidade pelo crime consumado, possível responsabilidade por tentativa.
Distinção do consentimento prestado e não conhecido e do consentimento presumido. Aplicação residual:
construção semelhante ao que estudamos no comportamento lícito alternativo, ou seja, situações em que
alguém pratica um facto típico ilícito, não há consentimento real nem presumido, mas se prova que se o
portador do bem jurídico tivesse sido chamado a pronunciar-se teria consentido eficazmente na conduta.
Quando isto acontece, a doutrina afirma que se deve afastar a responsabilidade pela consumação, afasta-
se o desvalor de resultado e subsiste o desvalor de ação pelo que o agente pode ser punido pela tentativa.
 Apresenta uma aplicação residual
Não se confunde com os casos do art. 38.º/4 em que há consentimento mas o agente não sabia, no
consentimento hipotético não houve consentimento.

IV. CONSENTIMENTO PRESUMIDO (art. 39.º)


1. Necessidade de uma decisão + impossibilidade de averiguar a vontade real do titular - Quando se
verificam os requisitos do consentimento presumido é equiparado ao consentimento efetivo, justifica-se o
facto e exclui-se a ilicitude. Trata-se de situações em que alguém tem de tomar uma certa decisão que
implica a prática de uma conduta típica, que afeta um bem jurídico alheio, mas não se sabe a vontade real
do portador do bem jurídico pois este não a pode exprimir  Só se aplica quando no momento do facto
não é possível saber a vontade real da pessoa.

2. Momento da presunção = momento do facto; irrelevância do que se apura ex post - O momento em


que se presume o consentimento é o momento do facto, da prática da conduta típica. Não afeta a validade
do consentimento o que se vem a verificar depois, ou seja, depois da prática do facto concluir-se que o
agente não teria consentido. É irrelevante que o portador do bem jurídico depois diga que não teria
consentido.
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3. Não se tratar de proteger o “verdadeiro bem” do titular, mas sim a sua vontade real; presunções de
acordo com a normalidade e razoabilidade; mas: impossibilidade de presunção se se conhece a vontade
real contrária do titular (ex) - Não se trata, no consentimento presumido, de proteger o interesse do
portador do bem jurídico, mas a sua vontade real. É preciso verificar se o portador teria eficazmente
consentido no facto, isto é, é preciso que se verifiquem os requisitos/condições normais do
consentimento, exceto a expressão da vontade.  Estas presunções são feitas de acordo com critérios de
razoabilidade/normalidade, pelo que não se pode presumir se existir suspeita que a vontade real fosse
diversa.  Casos do art. 150.º/2: o médico pode presumir que, mesmo violando as legis artis, o portador
consentiria
4. Regime: equiparação ao consentimento verdadeiro - É equiparado ao consentimento verdadeiro quer
do ponto de vista do regime quer do ponto de vista das consequências

V. ELEMENTO SUBJETIVO
O art. 38.º/4 diz expressamente que se o consentimento não for conhecido do agente este é punível com a
pena aplicável à tentativa. Não se aplica por analogia, mas sim diretamente.  A exigência do elemento
subjetivo é o modo de “eliminarmos” o desvalor da ação.
Consentimento efetivo: conhecimento das circunstâncias objetivas (art. 38.º/4 CP) + Consentimento
presumido: conhecimento das circunstâncias objetivas e efetiva presunção de consentimento por parte do
agente.

OUTRAS CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO


I INTRODUÇÃO
O carácter não-taxativo do art. 31.º (princípio da unidade da OJ) - Até agora vimos causas de justificação
especificamente reguladas no CP, mas existem outras causas de justificação. O próprio artigo 31.º/2
reforça esta ideia.

II ATUAÇÃO OFICIAL: conduta típica ao abrigo de um poder-dever de intervenção estatal


1. Exemplo: o magistrado que ordena a detenção de um suspeito; o oficial da polícia que ordena uma
carga para dispersar uma manifestação ilegal - quando alguém pratica uma conduta típica ao abrigo de um
dever/poder que a lei lhe impõe, pex: magistrado do MP ordene que se detenham alguém suspeito, priva a
liberdade dessa pessoa; o oficial de polícia perante uma manifestação ilegal violenta ordena que dispersem
a manifestação embora possa resultar ofensas físicas – condutas típicas que atingem bens jurídicos alheios,
mas que são justificadas pela própria lei (que delimita a proteção dos bens jurídicos nestes casos)

2. Justificação depende da (integral) legitimidade da atuaçao da autoridade - Quais são os requisitos para
esta causa de justificação funcionar? Só haverá exclusão da ilicitude quando a atuação oficial seja
integralmente legítima.
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3. Atuação ilegítima: do lado dos particulares: atenção à necessidade de defesa (meios específicos de
reação); direito de resistência - E quando a atuaçao é ilegítima? Haverá alguns direitos por parte dos
particulares porque a conduta deixa de ser lícita: temos de ter atenção às condicionantes do direito da
legítima defesa, há certos casos em que reação deve ser feita por meios especiais; para que haja uma
conduta ilícita no sentido jurídico-penal é preciso que se verifiquem condições que nem sempre são
verificadas quando há uma conduta típica; muitas vezes o que existirá é na realidade é um direito de
resistência

4. Cumprimento de um dever ou exercício de um poder-dever e não “direito” da autoridade - Não


correspondem ao exercício de um direito, o Estado não tem direitos, têm deveres ou no máximo poderes-
deveres uma vez que está sempre vinculado à prossecução do interesse público.

III. (OBEDIÊNCIA DEVIDA A) ORDENS OFICIAIS OU DE SERVIÇO


1. Ordem legítima do superior hierárquico  justificação da conduta do subordinado em virtude da
obediência devida. Exemplo - Um funcionário deve obediência ao seu superior hierárquico, pelo que quem
atue no cumprimento de um dever hierárquico atua licitamente, pex: magistrado ordenada a detenção de
um suspeito, a sua conduta está justificada pela atuação oficial, a polícia que detenha o suspeito tem a
conduta justificada pelo cumprimento de um dever hierárquico.

2. Ordem ilegítima (por erro ou até com dolo): perspetivas possíveis - O problema coloca-se quando as
ordens são ilegítimas, seja porque o superior atuou em erro, seja porque atuou com dolo. Há várias
perspetivas possíveis:
- (1) dever de obediência por parte do subordinado, justificação em qualquer caso - o agente está a atuar
licitamente, quem responde pelos factos é o superior;
- (2) avaliação do dever de obediência à luz do direito administrativo; dever e justificação existem quando a
ordem seja formalmente regular; em caso de dúvida: solicitação da confirmação da ordem por escrito e
exclusão da responsabilidade - o dever existe sempre que a ordem seja formalmente regulada, ou seja,
emanada por autoridade competente, transmitida pela forma prevista e se cumprem os seus pressupostos.
Nestes casos o agente atua justificadamente, mesmo que o conteúdo da ordem seja ilegítima. Em caso de
dúvida, o funcionário tinha o dever de solicitar uma confirmação da ordem por escrito antes de atuar

- (3) posição adotada: distinção entre duas questões: quando existe dever de obediência no direito
administrativo e quais as consequências do cumprimento de ordens ilegítimas no direito penal (Art.
271.º/3 CRP e 36.º/2  dever de obediência hierárquica cessa quando conduz à prática de um crime (Ed.
Correia); também 31.º CP “ordem legítima”; o caso particular das ordens ilegítimas obrigatórias por lei
Temos de saber quando há um dever de obediência e quais as consequências do cumprimento de ordens
ilegítimas no direito penal. O art. 271.º/3 CRP e 36.º/2 CP dizem que o dever de obediência hierárquica
cessa quando conduz à prática de um crime, ou seja, se o funcionário obedecer à ordem a sua conduta
não está justificada, e o facto é ilícito.
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Problema diferente: ordens ilegítimas obrigatórias por lei – ordens que são de cumprimento obrigatória
para os funcionários mesmo que sejam ilegítimas. No entanto, estas ordens (o seu cumprimento) não
levam por definição à prática de crimes.
Em suma: o dever só justifica a conduta quando exista, e para que exista a ordem tem de ser legitima
[p. 587 das Lições: não ler: “conflito de deveres”, com prevalência do dever geral de abstenção sobre o dever
de cumprir a ordem? Crítica: não existe conflito de deveres porque nunca existe dever de obedecer quando
conduza à prática de um crime]

- casos de erro do funcionário sobre a legitimidade da ordem (remissão) - E se o funcionário se encontrar


em erro sobre a legitimidade da ordem? Estará em erro sobre os pressupostos de uma causa de
justificação – erro nos termos do art. 16.º/2 CP, erro exclui o dolo pelo que só poderá ser punido a título de
negligência (na maior parte dos casos não é punido porque não viola um dever de cuidado). E se o agente
julgar que tem de obedecer à ordem mesmo sendo ilegítima?

IV. AUTORIZAÇÕES OFICIAIS


1. Autorizações (certificações) para exercer uma atividade socialmente adequada. Exemplos. Exclusão da
tipicidade. Exclusão da tipicidade – por falta de autorização

2. Autorização do sacrifício do bem jurídico em homenagem a outros interesses. Exemplos. Exclusão da


ilicitude - a autoridade competente autoriza uma conduta que provoca uma lesão num bem jurídico, um
dano social independentemente de haver autorização, mas torna-o tolerável: neste caso justifica-se a
conduta, a ilicitude é afastada
3. Reflexos das invalidades administrativas das autorizações no direito penal; distinção entre nulidades
(afetam a justificação) e anulabilidades (não afetam a justificação). Caso especial: o envolvimento do
particular na invalidade do ato (exemplo): conduta típica continua a ser ilícita – quais são os efeitos das
invalidades dos atos administrativos de autorização sobre o direito penal? Se o ato for nulo a justificação
não pode operar; se pelo contrário, o ato for meramente anulável continua a existir a justificação do ato, a
excluir a ilicitude do ato. Há uma exceção: em que o particular está envolvido no caso de invalidade do ato,
a justificação não pode funcionar.

06/04
V. AGERE PRO MAGISTRATU (agir no lugar do magistrado)
1. Detenção em flagrante delito por crime punível com pena de previsão (art. 255.º/1/b CPP).
Provisoriedade e subsidiariedade - O caso comum da detenção em flagrante delito: é um poder
subsidiário, o particular só pode deter se não for possível recorrer às autoridades em tempo útil. A
detenção é provisória, a lei obriga que a pessoa seja o mais rápido possível presente às autoridades – só
exclui a ilicitude da detenção propriamente dita, da privação da liberdade.

VI. AÇÃO DIRETA (JURÍDICO-CIVIL)


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1. Indispensabilidade do recurso à força. Necessidade e proporcionalidade do meio. Proporcionalidade


dos interesses - Provindo do Direito Civil, não se confunde com a legítima defesa, trata-se do ato através
do qual alguém procura realizar o seu direito quando não seja possível recorrer à autoridade. Requisitos:
ser indispensável o recurso à força, necessidade e proporcionalidade do meio, e a proporcionalidade dos
interesses (só se pode realizar o direito se não implicar o sacrifício de um interesse superior, pex: B
encontra na rua C com um casaco seu e lhe furtado uma semana atrás, está justificado por ação direta o
ato de agarrar a pessoa para lhe poder tirar o casaco.
! É uma causa de justificação que vem do direito civil, mas estando verificados os seus pressupostos é
reconhecida no direito penal em virtude do art. 31.º CP

VII. PODER PATERNAL (incluindo o direito de correção)


1. Problema é mais amplo do que a correção – quando se fala em poder paterna referimos-mos ao poder
titulado pelos pais e tutores, e traduz-se no poder de educar os menores. No entanto, ver esta questão só
como direito de correção é uma perspetiva demasiado estreita, o problema é mais amplo que o direito de
castigo (corrigir o menor pressupõe já uma falha). Há outras dimensões do poder paternal.

2. Condutas típicas mais comuns: Quais as condutas típicas mais comuns que podem precisar de ser
justificadas? As ofensas corporais, as ameaças, a coação, as injúrias, a violação do segredo de
correspondência e de telecomunicações – condutas tipificadas no direito penal  Como o poder paternal
pode justificar estas condutas?

3. Todo o exercício do poder paternal tem que servir uma finalidade educativa + proporcionalidade +
moderação (núcleo essencial dos direitos em causa não pode ser atingido) - A conduta em causa tem de
ser guiada por uma finalidade educativa, pex: muito dificilmente uma injuria pode caber no poder paternal;
(2) proporcionalidade – a conduta deve ser proporcional à finalidade educativa que se visa pelo que não
pode ser gravosa, ideia de proibição de excesso (proporcionalidade em sentido amplo) e de proporcional
(em sentido estrito) à conduta que visa; (3) deve presidir a estas condutas uma ideia de moderação pois
não se pode atingir o núcleo essencial dos direitos do menor

4. Titulares: pais e tutores (não outros encarregados de educação, vg. Professores) - Quem pode praticar
estas condutas? Apenas os pais e tutores, pessoais que tem responsabilidade pela educação, em sentido
estrito, das crianças. Os professores, por exemplo, não tem poder paternal.

5. Castigos corporais: evolução – pátria potestas do direito romano (ius vitae ac necis sobre os aliene
iuris); o “verdadeiro bem” do menor (tough love); contributo da psicologia do desenvolvimento e negação
de qualquer efeito positivo da violência – banimento dos castigos corporais. Exceções: as agressões
simbólicas e a cláusula de insignificância – intensidade do gesto, idade da criança. Não abrange causação
de dor (doutrina dominante) - houve uma evolução do ponto de vista cultural e jurídico, desde os menores
serem considerados propriedade do paterfamilias, serem vistos como escravos, a ver o direito de correção
como favorecimento do menor  psicologia do desenvolvimento mostrou que os castigos corporais não
tem um efeito positivo no desenvolvimento do menor, o que levou a banir estes castigos. No entanto, há
exceções que a doutrina vai assinalando: por um lado, há certos gestos que não são agressões (ter em
conta a idade da criança), pex: agressões simbólicas (não pode ser uma conduta que provoca dor senão já
preenche um tipo de crime); e diferentemente, há condutas que podem provocar alguma dor mas ainda se
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enquadram na designada adequação social ou que já necessitam de justificação  Dr. Pedro Caeiro
considera que as que causem dor já não estão abrangidas pelo poder paternal

6. Outras condutas típicas: restrição da liberdade, supervisão de correspondência e utilização de meios


informáticos. Adequação social (exclusão da tipicidade) ou justificação? Posição adotada: ponderação de
interesses (justificação) - só quando os pressupostos estiverem verificados se poderá falar em justificação
pelo poder paternal.  Dr. Pedro Caeiro considera que aqui também não se justifica a conduta pela
adequação social, há um dano que precisa de ser justificado, através dos critérios  Conflito entre o
poder paternal e a liberdade sexual positiva dos menores: até que ponto o poder paternal pode impedir
esses menores de terem relações sexuais com outras pessoas? Não há uma solução abstrata, só no caso
concreto é que se pode verificar se pode ou não existir justificação

A CULPA
I. DOUTRINA GERAL DA CULPA
1. A culpa como princípio fundamental do direito penal (princípio da dignidade da pessoa humana: art. 1
CRP e 40.º/2 CP); o sentido profundo do princípio: proteção da pessoa contra o poder punitivo do
estado- culpa é um princípio fundamental do direito penal, um juízo que fazemos sobre a pessoa do
agente: a culpa surge essencialmente como a proteção da pessoa contra o Estado, sobretudo no âmbito de
um sistema em que não vigoram exigências de retribuição (mas sim a proteção do bem jurídico). Surge
como uma barreira contra o poder punitivo do Estado, em nome da dignidade da pessoa humana – seria
contrário a essa dignidade censurar alguém que atuou sem culpa, seria uma instrumentalização da pessoa
ao serviço de interesses puramente estaduais. Mesmo que o referido implique um défice de proteção do
bem jurídico.
A culpa surge em conflito com a proteção dos bens jurídicos!

2. Posição no sistema da construção da infração e distinção entre culpa e ilícito típico - Recordar o que
falamos sobre a construção do conceito do crime. O que se questiona agora é qual o conteúdo do conceito
de culpa? Em que consiste verdadeiramente a culpa?

II. A EVOLUÇÃO DO CONCEITO


1. Positivismo naturalista: dolo/negligência (conceção psicológica) – para esta doutrina a culpa consistia
no dolo e na negligencia e era vista como uma ligação psicológica entre o agente e o facto, ligação que
consistia no representar e querer (dolo), ou na representação mas não teve perceção que o facto ia
ocorrer (negligência consciente), ou nem chegou a representar (negligência inconsciente)

2. Normativismo: juízo de censura por ter agido como dolo/negligência quando podia e devia ter agido
conforme o direito - Deve-se ao normativismo a rotura com a referida conceção, porque os autores
normativistas deslocaram a natureza do direito penal para o mundo do homem, do dever-ser, afirmando
que a culpa não é só as suas formas, que o essencial é o juízo de censura, de reprovação ao agente por ter
praticado aquele facto quando podia ter agido de acordo com o direito.  Reconheciam que a culpa
dolosa é mais grave que a negligente.
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3. Finalismo: puro juízo de censura – para a Escola da ação final o dolo e a negligência são deslocadas para
a ação típica, não tem a ver com a culpa, pelo que a culpa é um simples juízo de censura ao agente por ter
praticado o facto.

4. Posição adotada (Figueiredo Dias):


- função do juízo da culpa: juízo de censura e proteção da dignidade da pessoa - é inequívoco que tanto o
normativismo e a escola de ação final tem razão quando dizem que a culpa é um juízo de censura. No
entanto, é verdade que a culpa tem um conteúdo diferente e que se manifesta de forma diferente
consoante o agente tenha atuado com culpa ou com negligência: esta diferença de gravidade também
existe ao nível da culpa: a gravidade maior de um facto doloso também se repercute na gravidade da
culpa. Também aqui existe um tipo de culpa doloso e um tipo de culpa negligente
- relevância do dolo/negligência (reflexo proporcional da forma típica do ilícito): tipo-de-culpa (doloso ou
negligente) - Não é pensável um juízo de culpa que abdique do dolo e da negligência pois a culpa tornar-se-
ia num mero juízo na “cabeça do juiz”, que não teria qualquer materialidade, ligação com o que o juiz fez.
O dolo e a negligência ainda são formas de encarnar o juízo sobre a conduta do agente.

- necessidade de um conceito material de culpa e o pressupostos da liberdade (remissão) - Para


podermos censurar alguém temos de assumir que essa pessoa é livre, culpa e liberdade são portanto dois
conceitos intrinsecamente ligados. Não pode haver culpa sem uma qualquer forma de liberdade, vamos
estudar no que consiste esta relação

III. CULPA E LIBERDADE


1. A culpa da vontade, baseada no livre-arbítrio do concreto agente: o “poder-de-agir de outra maneira”.
Crítica: a indemonstrabilidade do livre-arbítrio; consequências jurídicas: in dúbio pro reo e agentes
especialmente perigosos – A questão que se coloca é como se pode censurar ao agente que tenha agido de
determinada forma? Num primeiro momento vigorou a chamada culpa da vontade que se baseava no
livre-arbítrio: a culpa reside na censura que se dirige ao agente por poder agir de outra maneira.
O Doutor Figueiredo Dias critica esta aproximação: o livre-arbítrio não é algo que seja demonstrável em
tribunal, não sabemos se a pessoa podia ter agido de outra maneira. Além disso, o problema não pode ser
um debate filosófico mas sim o de atribuir uma consequência jurídica ao facto de uma pessoa, pelo que
tem de se utilizar métodos jurídicos.  O facto do livre-arbítrio ser indemonstrável provoca consequências
jurídicas: provocaria que em caso de dúvida decidir a favor do réu, o que em rigor levaria a uma absolvição
em todos os casos, o que não é admissível. Ainda havia outra consequência: os agentes especialmente
perigosos, quem é delinquente por tendência pode resistir menos que os outros, pelo que
necessariamente a sua culpa seria menor, pelo que deveriam ter penas menores – problema político
criminal

2. A culpa da vontade assente numa presunção legal de liberdade: o postulado da capacidade geral de
responder ao “apelo normativo”. Crítica: o hiato entre uma suposição abstrata e o necessário juízo
concreto; impossibilidade de servir de limite da medida da pena concreta – a segunda possibilidade de
compreender a relação: haveria uma presunção geral de liberdade, todas as pessoas tem a capacidade de
responder ao apelo politico-criminal.  O problema é saber se o particular no momento em que praticou o
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facto tinha ou não capacidade para responder ao direito, ao apelo normativo. Assim, a culpa não poderia
servir como limite da pena concreta, porque não sabíamos de que forma a liberdade estava condicionada.

3. A culpa do carácter: objeto da censura desloca-se do facto para o carácter/personalidade do agente, a


quem se reprova ter agido contra o direito quando podia ter agido de outra maneira. Crítica: persistência
do fundamento do livre-arbítrio - deslocar o objeto do que censuramos, do facto, para a personalidade
que se decidiu contra o direito quando se podia ter decidido a favor, o que censura é a personalidade da
pessoa. Esta doutrina tem importância ao centrar a censura na personalidade, mas continua a localizar o
motivo da censura sempre com a ideia que podia ter agido de outra forma, a disparidade entre o poder de
agir de outra maneira e de agir contra o direito – presunção de liberdade indemonstrável

4. Figueiredo Dias: a liberdade como característica do “ser-total-que-age”. A herança da filosofia


existencialista: ser pessoa é ser livre e decidir-se a si próprio, continuamente, em infinitas decisões
existenciais. A ação como expressão concreta da personalidade: “ter de responder pelas quantidades
desvaliosas da personalidade que fundamentam um ilícito-típico e que nele se exprimem”. Mas: não é um
“DP do agente” - para o Doutor Figueiredo Dias o ponto de partida para a censura não é o livre-arbítrio,
aliás é irrelevante saber se este existe ou não, o que importa é olhar para a pessoa humana que tem como
característica evidente a liberdade.
A pessoa humana decide-se a si própria (filosofias existencialistas) e à sua personalidade, quem é, e o que
é em cada momento da sua vida, projetando essa decisão no momento da ação. Esta é vista como
expressão concreta da personalidade, e a culpa aparece como ter de responder pela qualidades
desvaliosas da personalidade que fundamentam o facto criminoso (o ilícito-típico) e se exprime nesse facto
criminoso, a personalidade documentada no facto é o objeto da culpa  Se é livre é responsável. Esta
maneira de ver as coisas não significa transformar o direito penal do agente, não estamos a dirigir-nos a
uma concreta personalidade desvaliosa, mas sim a que fundamenta o ilícito-típico, continua a ser um
direito penal do facto.

5. Culpa da personalidade (Dr. Figueiredo Dias) e culpa pela não formação da personalidade (E. Correia).
Liberdade de consciência, direito à diferença e dever de não ofender, com a sua ação, bens jurídicos
penalmente protegidos – a culpa da personalidade é a estivemos a ver agora, das qualidades valiosas e
desvaliosas. Outra coisa diferente é a culpa pela não formação da personalidade: o Dr. Eduardo Correia
dizia que os delinquentes por tendência devem ser mais punidos porque tem um dever reforçado de
combater a inclinação para o crime, e se não o fazem a sua culpa é mais grave  o Dr. FD critica esta ideia,
pois esta supõe que cada um de nós tem o dever de formar a personalidade de uma certa maneira – este
dever não existe, é contrário à liberdade de consciência e do direito à diferença, o que existe é um dever
de não ofender com a sua ação bens jurídicos penalmente protegidos
Porque podemos censurar alguém? Porque dessa maneira estamos a censurar qualidades
desvaliosas que o direito deve reprovar, a censura está na responsabilidade que vem com a
liberdade.

IV. TIPO DE CULPA DOLOSO E CONSEQUÊNCIAS DA ILICITUDE


1. O dolo (e a negligência) como categoria(s) heterogénea(s) – só há duas formas relevantes para o direito
penal, um tipo de culpa doloso e um tipo de culpa negligente, cada um com as suas características. Quando
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falamos do tipo incriminador subjetivo vimos que se podia dividir entre o doloso e o negligente: não
estamos a valorar duas vezes a mesma coisa, estamos a utilizar estas formas tanto na configuração do tipo
como na configuração da culpa pois estas formas são categorias heterogéneas, isto é, tanto o dolo como a
negligência são compostos por vários elementos, alguns relevam ao nível da tipicidade (representação e
vontade de praticar certo facto – tipo subjetivo doloso) e outros em sede de culpa (elemento emocional)

2. O tipo de culpa doloso (“dolo da culpa”): o terceiro elemento do dolo  elemento emocional: atitude
íntima de contrariedade ou indiferença ao direito – é o elemento emocional que releva no âmbito da
culpa. A culpa dolosa é mais grave que a negligente porque ao praticar um facto típico que represente e
quer está a manifestar uma atitude de contrariedade ao Direito: é nesta atitude de contrariedade que
reside o elemento emocional. Diferentemente, quem atua com negligência, seja porque confia que não se
vai produzir o facto ou não o represente, não exprime uma atitude de contrariedade mas sim de descuido
perante os comandos jurídicos.
3. Maior gravidade do dolo: sobreposição consciente dos próprios interesses aos interesses
juridicamente protegidos – Quem atua com a culpa doloso sobrepõe conscientemente os seus interesses
aos interesses da ordem jurídica, mesmo que atue com dolo eventual. Perante isto houve várias doutrinas
que trouxe para o elemento emocional do dolo a consciência da ilicitude: só pode sobrepor os seus
interesses aquele que sabe que o que está a fazer é contrário ao direito, a consciência da ilicitude passa a
integrar-se no dolo:

4. Consciência de agir ilicitamente como elemento necessário do dolo? -


- erro sobre a factualidade típica e erro sobre a proibição: quem não sabe que está a agir ilicitamente
segundo a visão das coisas referidas estaria a atuar sem dolo. No fundo, estas doutrinas
assimilavam/igualavam o regime do erro sobre a proibição ao regime do erro sobre a factualidade típica.

- exemplos de erro sobre a proibição: impossibilidade de agir dolosamente? É exemplo de erro sobre a
proibição aquele em que uma pessoa portuguesa vai para um país de religião oficial muçulmana e
transporta uma garrafa de uísque não sabendo que beber álcool naquele país é crime; ou aquele que vai
para outro pais e pratica nudismo não sabendo que nesse país tal constituiu crime; ou alguém tem relações
sexuais com um menor que tem 17 anos, e julga que só é crime para menores de 16 anos.  Nestes casos
podemos dizer que quem age não atua dolosamente?

- o art. 29.º CP de 1886 e o princípio de que a ignorância da lei não desculpa; a interpretação de Beleza
Santos e de Eduardo Correia e o artigo nº 44/7 do CP de 1886: no CP anterior existia o princípio de que a
ignorância da lei na desculpa, mas ambos os autores referidos interpretavam a norma como uma norma
sobre a aplicabilidade das leis em geral, ou seja, que não afeta o problema da consciência da ilicitude. 
Surgiram 4 teorias:

- teoria do dolo estrita: consciência atual do ilícito é elemento do dolo; crítica; a contrariedade ou
indiferença não exige consciência atual do ilícito (Remissão); conveniência politico-criminal – a teoria do
dolo estrita dizia que a consciência atual e efetiva da ilicitude é um elemento do dolo; se não sabe se o
facto é ilícito é excluído o dolo, e portanto o agente só pode ser punido a título de negligência. Equiparação
ao regime do erro sobre a factualidade típica  2 grandes problemas: não está dito que a atitude de
contrariedade só existe quando o agente conhece o carácter ilícito do facto, e existe uma inconveniência à
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política-criminal, pois a negligência nem sempre é punida o que significaria que quando não se provasse a
efetiva consciência haveria absolvição do agente, ou mesmo se fosse punido eram penas inadequadas ao
facto concreto.

- teoria do dolo limitada – quando os factos são de tal modo graves que representam uma cegueira aos
valores jurídicos, estes casos são equiparados ao dolo, mesmo que não haja a consciência efetiva do ilícito.
 Crítica: estaríamos a punir as pessoas por aquilo que elas fariam se soubessem que o facto era ilícito, a
punição sustentava-se numa fórmula condicional hipotética; e existe uma violação do princípio da culpa
porque se ficciona que o agente atua com dolo. Além da óbvia contradição da doutrina.

- teoria da culpa estrita – o facto de quem age sem a consciência do ilícito não está relacionado com dolo,
o que se pode é excluir a culpa do agente se for um erro não censurável  Crítica: ignora-se a distinção
entre culpa dolosa e culpa negligente; para estas teorias é o mesmo: A danificar o objeto de B para salvar o
seu, sabendo que esse é mais valioso julga que tem o direito de o sacrificar + sacrificar o objeto de B para
salvar o seu julgando que o de B é menos valioso
- posição adotada – teorias da culpa limitada: temos de distinguir 3 espécies de erro sobre a proibição
(incluir todos os casos em que o agente não sabe que os factos são ilícitos, mas representa-os bem):
(1) O primeiro é quando o agente erra sobre os pressupostos do facto: é um erro ainda sobre os factos, é
um erro de conhecimento - exclui-se o dolo pois não manifesta uma atitude de contrariedade com o
direito, aliás julga que está a atuar de acordo com ele, falta o elemento emocional
(2) Temos o erro sobre as proibições legais (art. 16.º/1/2ª parte) – casos em que mesmo que o agente
represente bem os factos não pode adquirir a consciência da sua ilicitude (neocriminalizações, condutas
que não tem relevância ética) – exclui-se o dolo porque falta o elemento emocional
(3) Erro sobre a ilicitude, casos de falta de consciência do ilícito, da proibição – art. 17.º/1, a falta de
consciência do ilícito implica a exclusão da culpa, se o erro não lhe for censurável, pois se o erro lhe for
censurável (art. 17.º/2) continua a ser punido pelo crime doloso
Quando se trate de um erro intelectual exclui-se o dolo (erro sobre a factualidade típica, erro 1 e 2).

5. Conclusão intercalar: divisão não é “erro sobre a factualidade típica” versus “erro sobre a proibição”
mas sim erro intelectual (de conhecimento, da consciência psicológica ou intencional), que exclui sempre o
dolo, versus erro moral (de valoração, da consciência ética), que pode excluir a culpa se não for censurável
- Já há outros casos em que o erro é moral, erro sobre a consciência ética que nos permite avaliar o que
está certo ou errado. Não exclui o dolo.

6. IMPORTANTE: erro sobre proibições legais e falta de consciência do ilícito: critério fundamental: a
neutralidade/relevância axiológica da conduta proibida e a consequente falta/presença da informação
necessária para uma correta orientação do agente para o problema da ilicitude. A censura da falta de
informação no erro sobre proibições legais (art. 16.º/3) - Como saber quando aplicar o art. 16.º/1 e o art.
17.º? Temos de olhar para a conduta e para a sua relevância axiológica, se a conduta não tiver relevo ético
só por si trata-se de um erro do art. 16.º/1; se pelo contrário a conduta tiver relevância ética, ou seja, que
deveriam suscitar no agente a questão da ilicitude aplica-se o art. 17.º
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7. A afirmação do dolo apesar da falta de consciência da ilícito: o erro censurável (Art. 17.º/2).
Persistência de uma atitude de indiferença perante o direito. A própria falta de consciência do ilícito,
quando censurável, revela uma personalidade indiferente para com os valores jurídicos, que fundamenta
uma culpa dolosa e não meramente negligente - como se explica o que está no art. 17.º/2? Há certos erros
que fundamentam a culpa dolosa, pex: médico que acha que pode provocar abortos para uma
experimentação científica releva uma indiferença perante o direito, a ordem jurídica. O facto de não saber
que está a agir contra o direito fundamenta a personalidade desvaliosa

8. A falta de consciência do ilícito não censurável e a exclusão da culpa (art. 17.º/!) – remissão + 9. Matéria da pp.
644-652 só será questionada em orais de melhoria da nota

10. Elementos essenciais dos tipos de culpa dolosos - há certos tipos de culpa dolosos que podem ser
qualificados ou privilegiados, pex: o homicídio é qualificado se for praticado por um parente da vítima, há
uma culpa especialmente graves. Diferentemente, há elementos que diminuem a culpa do agente, pex:
homicídio privilegiado, por exemplo a pedido da vítima – estes elementos não devem ser confundidos com
os elementos subjetivos da ilicitude (dolo e/ou negligência e certos elementos como a intenção de
enriquecimento no crime de burla, art. 217.º CP)
20/04

A NEGAÇÃO DA CULPA

A INIMPUTABILIDADE
I. RECUPERAÇÃO DO PENSAMENTO ESSENCIAL SOBRE A CULPA: um juízo de censura ao agente pela
personalidade documenta no facto
1. A inimputabilidade como obstáculo à culpa: a impossibilidade de um juízo de censura – se
consideramos a inimputabilidade um obstáculo ao juízo de culpa, necessariamente, terá de ser
determinada pelo conceito de culpa, ou seja, é sempre função daquilo que dissermos a propósito da culpa
(é um juízo de censura dirigido ao agente pelas qualidades desvaliosas documentadas no facto)  De facto
consideramos que é um obstáculo, e não uma causa de exclusão da culpa (como alguns consideram), pois
reúne uma serie de condições subjetivas do agente que impedem a apreciação de culpa. A imputabilidade
é pressuposto básico para o juízo de culpa, se esta não está presente não se pode formar um juízo de
censura ao agente.

2. As formas de imputabilidade – em razão de anomalia psíquica (art. 20.º) e em razão da idade (Art. 19.º).
Vamos iniciar o estudo pela imputabilidade em razão de anomalia psíquica.

II INIMPUTABILIDADE EM RAZÃO DE ANOMALIA PSÍQUICA (art. 20.º CP)


1. Antecedentes; os 3 paradigmas e a sua sucessão – surgiram 3 paradigmas quanto ao que devia ser
considerado, para efeitos politico-criminais, a inimputabilidade por esta razão e quais as consequências
que dessa noção derivavam. Quais foram esses paradigmas?

2. O paradigma biopsicológico e a doença mental:


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2.1 As “ciências do Homem” (psicologia, psiquiatria, criminologia) e o seu horizonte epocal: o positivismo
do séc. XIX e o modelo determinista; a racionalidade mecanicista das ciências naturais e a negação do livre-
arbítrio – o inimputável para este paradigma era o que sofria de loucura. A doença mental era um dado
positivo que a ciência determina para que o direito aplica as consequências devidas.  Funda-se no
modelo determinsta segundo o qual o homem age sempre determinado por causas naturais, as ações são
sempre determinadas por condicionamento do meio e não pela liberdade, pelo que não existe livre-
arbítrio

2.2 A culpa como relação psicologia entre ao gente e o seu facto (remissão): imputabilidade como
pressuposto da culpa: o impacto da doença mental sobre o elemento intelectual da culpa: só quem
entende ou tem capacidade para entender o facto que pratica pode agir, respetivamente, com dolo ou
negligência – o referido tem como efeito considerar a culpa como relação psicológica entre o agente e o
facto, consistente no dolo e na negligência. Assim, a doença mental influi no elemento intelectual porque
só quem representa ou pode representar o que está a fazer pode agir com dolo ou negligência

2.3 Inimputabilidade (doença mental) como estado; CP 1886: os “loucos que não tiverem intervalos
lúcidos” ou “praticarem o facto no estado de loucura”; a extensão: privação acidental do exercicio das
faculdades intelectuais no momento do facto - inimputabilidade é equiparada à doença mental, é um
estado quase que permanente, podendo mesmo sê-lo, uma qualidade da pessoa, que afeta sempre o
elemento intelectual – e foi configurada deste modo no CP de 1886
2.4 Os fins das reações criminais (prevenção especial) e a prevenção da perigosidade – considerando que o
inimputável era o doente mental, só faz sentido as penas terem finalidades de prevenção especial, evitar
que o agente repita o facto, não de retribuição. Tal como defendia o positivismo do séc. XIX.
2.5 As funções do perito (médico, psiquiatra) e do juiz – aos primeiros cabia exatamente determinar quem
era doente mental, e consequentemente, inimputável, o que era decisivo na aplicação da consequência
por parte do juiz que apenas tinha de aplicar a pena

3. O paradigma normativo:
3.1 O movimento mais geral de superação do positivismo; a influencia do idealismo e a autonomia do
direito enquanto saber normativo (C. Neves) – para compreender este segundo paradigma é necessário
relembrar o movimento mais geral de superação do positivismo, com influência do movimento idealista,
no qual há recuperação da autonomia do direito (saber normativo e não redutível a grandezas naturais ou
físicas) e recuperação da ideia de retribuição como finalidade da pena

3.2 Retribuição e culpa, como censura pessoal assente no livre-arbítrio – censura pois podia ter agido de
outra maneira e não o fez

3.3 Alteração do objeto do juízo de inimputabilidade: esta torna-se num elemento integrante do próprio
juízo de culpa (podia ter agido de outra maneira com aquela anomalia psíquica?) – muda o objeto do juízo
de inimputabilidade porque a questão já não é saber se a pessoa sofria de um momento de loucura no
momento da prática do facto, mas sim se o agente podia ou não ter agido de outra maneira, isto é se a
anomalia psíquica lhe retirou a possibilidade de agir de outra maneira pois não podia utilizar o seu livre-
arbítrio

3.4 Mudança do foco da inimputabilidade: do elemento intelectual (capacidade de entender) para o


elemento volitivo (capacidade para atuar) – mudança no foco do juízo da inimputabilidade: não é o
elemento intelectual mas sim o elemento volitivo
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3.5 Substrato biopsicológico: de estado a fenómeno (anomalia psíquica): desvalorização do elemento


biopsicológico como (apenas) um dos fatores que pode privar o agente da capacidade de atuar de outra
maneira; perda da autonomia do juízo de inimputabilidade – deixa de ser necessário que o agente seja um
doente mental, mas que a anomalia psíquica o impeça de agir conforme ao direito. Existe, portanto, um
alargamento do elemento biopsicológico  a inimputabilidade perde a autonomia porque fica equiparada
a todas as situações que impedem o agente de agir de outra maneira, pex: pressão exterior

3.6 Anomalia psíquica e livre-arbítrio: papel do perito e do juiz - o perito continua a poder dizer que no
momento da prática do facto o agente sofria de uma anomalia, mas tal já não é decisivo na aplicação da
consequência pelo juiz

4. O paradigma compreensivo:
4.1 Adaptação do paradigma normativo a um outro conceito de culpa (culpa da personalidade – F. Dias):
“responder por aquilo que se faz na base daquilo que se é”) – é uma adaptação ao paradigma anterior, o
que muda é o conceito de culpa que está implícito, pois adota-se neste paradigma o conceito de culpa da
personalidade, da pessoa.

4.2 Compreensão é diferente de tolerância ou desculpa; antes: entendimento pelo tribunal das conexões
de sentido entre o agente e o seu facto; facto como obra da pessoa enquanto ser-livre – quando falamos
de um paradigma compreensivo não estamos a falar em tolerância ou desculpa, mas sim no sentido de um
entendimento por parte do juiz de inteligibilidade, de captação do sentido do facto, entendimento das
conexões de sentido entre o agente e o facto que nos permitem ver o agente como autor do facto

4.3 Inimputabilidade volta à sua função de pressuposto, condição prévia, do juízo de culpa –
imputabilidade regressa à sua função inicial de pressuposto de juízo de culpa, só faz sentido discutir se o
agente é culpado ou não se o facto faz algum sentido – tem de existir uma conexão de sentido razoável

4.4 Comunicação entre o juiz e o agente: reconstrução das conexões de sentido entre o facto e a
personalidade do agente que permita compreendê-lo num certo contexto social – comunicação entre o
agente e o juiz: não é necessariamente um diálogo, uma fase processual

4.5 Elementos do juízo de inimputabilidade: art. 20.º/1 CP :


a) o elemento biopsicológico: a anomalia psíquica (avaliação do perito): a existência de uma anomalia
psíquica está subtraída à cognição do juiz, é preciso alguém que a determina.  Anomalia psíquica é um
conceito jurídico que engloba diversas situações: psicoses (processos orgânicos deficientes, incluindo
esquizofrenia), oligofrenia, psicopatias, neuroses e transtornos parafílicos (zonas cinzentas e necessidade
de restrição do conceito), perturbações profundas da consciência (intoxicações não completas por álcool
ou drogas, fadiga externa)  nos casos de hipnose não se coloca este problema porque são casos onde
nem há ação por parte de quem age em estado de hipnose, e nos estados intensos de afeto ou estado
passionais em princípio persiste a imputabilidade

b) o elemento normativo/compreensivo: os efeitos da anomalia psíquica: “a incapacidade de avaliar a


ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação” – a anomalia só é relevante se
implicar o referido, mas estes dois elementos não devem ser interpretados no sentido de o agente ficar
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privado de agir de outra maneira  Compreensibilidade externa e social do facto; sentido do facto do
inimputável: explicação e compreensão – estes são 2 conceito diferentes, o facto pode ser explicado e não
ser compreendido do ponto de vista social  Determinação retrospetiva pelo juiz, a parti do facto, das
conexões de sentido entre o facto e o agente

c) o elemento fático ou típico: conexão temporal (o momento do facto) e conexão típica (referência
exclusiva ao facto típico sub judice; consequências) – a inimputabilidade nunca é um juízo geral, ninguém é
inimputável, pode estar é num estado de inimputabilidade  a conexão temporal, é medida sempre em
relação ao momento em que o agente atua, pex: pessoas que sofrem de doenças mentais podem ser
consideradas imputáveis naquele momento num certo facto; quanto à conexão típica: é perfeitamente
possível que alguém seja considerado imputável para o facto x e inimputável para o facto y, mesmo que
sejam praticados no mesmo momento

III O PROBLEMA DA IMPUTABILIDADE DIMINUÍDA – art. 20.º/2


1. A questão à luz das conceções de culpa fundadas no livre-arbítrio: consequências político-criminais -
Nestes casos o agente tem a capacidade, mas está sensivelmente diminuída.
Assim, se tratarmos este problema à luz da ideia do poder de agir de outra maneira e do livre-arbítrio o
agente terá uma culpa leve, quem é menos capaz tem menos responsabilidade, o que tem como
consequência político-criminal penas mais leves. o que pode levantar problemas de defesa social  o
agente não pode ser sujeito a uma pena relativamente determinada, pois não podemos ver uma culpa
agravada do agente, por isso é que a lei ficciona a inimputabilidade de agentes imputáveis

2. Posição de Figueiredo Dias: imputabilidade e culpa agravada ou atenuada (consoante as circunstâncias);


verdadeiro problema seria não a gradação da capacidade mas sim a gradação da compreensibilidade do
facto – “imputabilidade duvidosa” (dúvidas sobre o sentido dos factos): art. 20.º/2 e sujeição uma medida
de segurança – a questão não é ter mais ou menos capacidade para cumprir a norma de direito, mas sim a
avaliação dos graus de compreensibilidade do facto, o que há é uma diminuição da compreensibilidade do
facto pelo agente

3. Posição adotada: dúvidas sobre a compreensibilidade do facto devem ser resolvidas nos termos gerais
(eventualmente com recurso ao in dúbio pro reo). A gradação da capacidade ainda é compatível com uma
conceção de culpa fundada na personalidade, daí, menor capacidade de cumprir a norma; o sistema
tendencialmente monista das reações criminais: art. 20.º/2/3 e 83.º (PRI) - o artigo aponta para fatores
concretos que não podem ser reconduzidos ao facto de poderem ser compreendidos pelo juiz: se este tem
dúvidas se existem condições para a inimputabilidade do agente deve aplicar o in dúbio pro reu
Além disso, mesmo perante uma culpa da personalidade, da pessoa, é possível dizer que uma agente tem
mais ou menos capacidade para cumprir com a norma – art. 20.º/2: há agentes que tem uma capacidade
sensivelmente menor o que causa um problema de defesa social, daí a possibilidade de aplicação de uma
medida de segurança  interpretação racional deste artigo, e diferença com a PRI, onde há uma culpa
agravada, e nestes ficciona-se a inimputabilidade precisamente para permitir a aplicação da medida de
segurança
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IV A ACTIO LIBERA IN CAUSA (art. 20.º/4)


1. Ação que não é livre no ato mas sim na causa: colocação pré-ordenada em esto de inimputabilidade
para cometer determinado crime; meios e motivos. Exemplos - Trata-se de casos em que alguém provoca
pré-ordenadamente uma situação de inimputabilidade para praticar um facto típico e ilícito, pex: ingestão
de álcool, drogas – o agente não é livre no ato, mas sim na causa. As pessoas colocam-se nesse estado,
pex: porque não tem coragem para o fazer de forma consciente, porque julga que deste modo vai ser
absolvido – estes motivos são irrelevantes  O ponto fundamental é a pré-ordenação, a intenção, pex: A
quer herdar a fortuna da mãe, mas não tem coragem de os matar, coloca-se num estado de
inimputabilidade para o fazer

2. Consequências político-criminais (incluindo ausência de perigosidade) – legislador tem de dizer algo


para estas situações, caso contrário o agente seria absolvido, pois muitas vezes o agente nem é perigoso

3. Ficção de imputabilidade? Não: art. 20.º/4: inimputabilidade como conceito normativo aberto à
definição do legislador. Possibilidade de um redefinição de inimputabilidade logo no nº1 – uma parte da
doutrina vê aqui uma ficção de imputabilidade quando na realidade a pessoa está numa situação de
inimputabilidade: o Doutor discorda, no próprio teor do artigo 20.º/4 se retira que a imputabilidade não é
excluída quando a anomalia psíquica tiver sido provocada

Dentro de certos paramentos como conceito normativo está aberto à definição do legislador, pelo que é
possível que este diga que nestas situações o agente é imputável – intenção: dolo direto ou dolo
necessário

4. Situação diferente: a colocação dolosa ou negligente em estado de inimputabilidade e o cometimento


(não pré-ordenado) de um ilícito-típico em estado de inimputabilidade: art. 20.º/1 e a possibilidade de
aplicação de medidas de segurança; o crime do art. 295.º e a condição de punibilidade aí prevista; o bem
jurídico protegido – situação diferente são os casos em que o agente se coloca de forma dolosa e
negligente numa forma de inimputabilidade e acaba por cometer um facto ilícito-típico, pex: C bebe
demasiado e fica num estado de inimputabilidade, destrói um carro  Não se aplica o art. 20.º/4, temos é
uma colocação num estado de inimputabilidade, pelo que o agente seria inimputável.
Todavia, existe um crime no CP, previsto no art. 295.º, que pune quem se coloca nessa situação e pratica o
facto – crime de embriaguez e de intoxicação: quem se coloca nesse estado está a criar um perigo
abstrato, perde as inibições do atuar social o que facilita a prática de crimes abstratos – não basta que o
agente se coloque nesse estado, são necessárias que se verifiquem certas condições objetivas de
imputabilidade, a punibilidade depende de praticar um facto ilícito-típico, no caso não seria punido pelo
crime de dano mas sim pelo crime previsto no art. 295.º
 Uma coisa é colocar-se nesse estado para praticar o crime, outra coisa é colocar-se nesse estado e
nesse estado praticar um facto típico-ilícito.

V. A INIMPUTABILIDADE EM RAZÃO DA IDADE (ART. 19.º)


1. O limiar dos 16 anos – No art. 19.º encontra-se o limite de 16 anos, ou seja, a imputabilidade penal
começa com a idade de 16 anos.
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2. Evolução: os critérios quantitativos (variáveis) e o critério do discernimento (CP de 1886) e os critérios


misto (A. R. Alfaiate) – Em todos os sistemas jurídicos existe uma delimitação que influi na
responsabilidade penal: no CP de 1886 não existia um critério formal de idade, mas sim de discernimento
para avaliar a ilicitude do facto e de se determinar de acordo com essa avaliação. Existem ainda propostas
de critérios mistos, onde se conjuga o critério de idade e o critério de discernimento.

3. Maturidade na avaliação do ilícito? Crítica –O que leva o legislado a delimitar a idade para este efeito?
Há quem entenda que traduz uma ideia de maturidade para compreender o ilícito, há um processo de
formação não imediato para distingui o lícito do ilícito, pelo que existe uma parte da vida em que as
pessoas não tem maturidade para avaliar as consequências do seu ato  O Doutor não concorda, não se
pode presumir que os menores de 16 anos não tem maturidade para a avaliar a licitude de factos, não
pode ser uma questão de maturidade a estar na base de ideia de maturidade

4. Analogia com a anomalia psíquica? Crítica – outra visão apresentada: existe uma analogia com a
anomalia psíquica, uma vez que ainda não se completou a dita formação – o Doutor não concordo, não se
pode comparar um menor a um adulto que tem uma anomalia

5. Posição adotada: a definição da inimputabilidade é uma tarefa essencialmente normativa, dirigida a


uma função político-criminal, dentro dos limites de possibilidade do ser – não é um conceito ontológico, ou
antrológico, que o direito tenha de receber - definição de imputabilidade é uma tarefa normativa.
O legislador define quem é imputável ou não, com respeito pelos limites naturais do ser, de modo a
cumprir uma função politico-criminal.
Logo: personalidade ainda em formação como suporte insuficiente de um juízo de culpa (não confundir
com incapacidade de avaliação do ilícito) e a proteção do menor contra o sistema penal e a particular
dureza das suas instituições (processo e penas) – Há duas razões que levam a consagrar a razão da
idade: um menor de 16 anos ainda não tem uma personalidade suficiente formada para ser objeto de
um juízo de culpa, e ideia de proteção do menor contra sistema penal por força da dureza e do
processamento do facto, aliás há penas que nem fazem sentido se aplicar a menores como as multas

6. A responsabilidade dos menores entre 12 e 16 anos: a antiga OTM (modelo de proteção) e desde 1999,
a Lei 166/99 (LTE, modelo de responsabilidade, ainda orientada no sentido do interesse do menor) + Lei
147/99 (proteção); LTE não é direito penal: medida educativas – o referido não quer dizer que os menores
podem fazer o que lhes apetece e que o Estado não tem nada a ver com isso. Até 1999 vigorou o OTM,
regime que unificava o tratamento de todos os menores, os que praticavam factos e os que eram vítimas
de crime.  não faz sentido tratar da mesma forma os dois “grupos”, o que levou a uma revisão – o que se
pretendeu era evitar que os menores fossem absorvidos pelo DP, encontrando um sentido autónomo de
tratamento destes e do próprio direito penal – 2 leis

7. Regime especial para jovens adultos (16-21): LD 401/82; atenuação especial da pena e normas sobre a
execução das penas – o regime especial para os jovens adultos imputáveis, entre os 16 e os 21 anos que
cometem crimes – o DL procurou criar um verdadeiro regime para jovens, nomeadamente, com a criação
de instrumentos como prisões-escolas. Hoje, as únicas normas relevantes sejam as relacionadas com a
atenuação especial da pena e sobre a execução da pena.
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AS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPA (inexigibilidade)


I INTRODUÇÃO
1. Terminologia: causas de exclusão da culpa/exculpação (evitar desculpa) – causas de exclusão da culpa
ou causas de exculpação. Alguma doutrina refere causas de desculpa, mas o Doutor não é adepto da
terminologia, porque desculpar alguém significa perdoar outrem da prática de um facto culposo, e aqui
estão em causas situações em que não é possível formular o juízo de culpa por força de certas
circunstâncias.

2. O sentido do problema da exclusão da culpa: Para uma doutrina mais antiga a inexigibilidade seria o
reverso da culpa, não se exigir que age de outra maneira

3 A inexigibilidade (cláusula geral) e o poder de agir de outra maneira: duas faces da mesma moeda;
crítica: o amolecimento do DP (incluindo in dúbio pro reu); a crítica ao próprio conceito de culpa
subjacente (remissão), inadequação do (não) poder agir de outra maneira para caracterizar situações de
inexigibilidade; exemplos; o não poder agir de outra maneira como falta de ação penalmente relevante –.
Deste modo, seria uma cláusula geral – critica: não defendemos o conceito de culpa como poder de agir de
outra maneira, outros defendem que tal provocaria um amolecimento do direito penal porque levaria à
absolvição em quase todos os casos.
Além disso, pex: A aponta uma pistola a B e diz que ou B mata C ou é morto, B mata C, B podia ter agido de
outra maneira e ser morto + 1 boia para 2 náufragos, 1 deles afoga para o outro para se salvar, podia ter
agido de outra maneira – a ideia de agir de outra maneira não retrata a ideia de inexigibilidade

3.1 Inexigibilidade como culpa muito reduzida (desculpa) e causas de exclusão da culpa (inimputabilidade,
falta de consciência da ilicitude, não censurável), crítica – Outra visão é ver a inexigibilidade como culpa
muito reduzida – se a culpa é diminuta ela existe pelo que não há razão para considerar que não é exigível
outro comportamento.

3.2 Inexigibilidade como causa de exclusão da responsabilidade pelo facto, assente em critérios gerais e
abstratos (“qualquer pessoa…”); só depois se poria questão da culpa ou da perigosidade; crítica - como
causa de exclusão da responsabilidade pelo facto, a inexigibilidade como categoria intermédia entre a
culpa e a ilicitude, qualquer pessoa teria agido da mesma forma – a questão da culpa é pessoal, não geral

3.3 A inexigibilidade como causa de justificação: crise da própria aplicabilidade da norma. Crítica: claro que
todo ilícito supõe a exequibilidade do cumprimento do dever, mas; problema específico, e diferente, da
inexigibilidade como afastamento da culpa em relação à prática de um facto ilícito: circunstâncias
particulares do agente, que a natureza abstrata da norma e do dever não permite complementar, sentido
da persistência do ilícito: o caso dos náufragos - como causa de justificação: se o agente não podia ter
agido de outra forma não se pode exigir o cumprimento do dever pelo que nem sequer há facto ilícito. É
verdade que todo o dever jurídico supõe a possibilidade do seu cumprimento, só que o que está aqui em
causa não é isso, a inexigibilidade diz respeito a circunstâncias particulares do agente que afastam a culpa
em relação ao não cumprimento de um dever que existe – há sempre um desfasamento da norma
enquanto comando geral e abstrato e o facto concreto.
Em todos os casos de inexigibilidade as pessoas estão a atuar ilicitamente, os factos são ilícitos, quem é
posto em perigo continua a ter direito de legitima defesa.
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3.4 A inexigibilidade na teoria da responsabilidade de Roxin: responsabilidade: culpa + necessidades de


prevenção; inexigibilidade reduz ou elimina as segundas; crítica: a heterogeneidade dos elementos - funde
a culpa e a inexigibilidade com necessidades de prevenção – nos casos em que existe inexigibilidade há
culpa mas não essas necessidades.  Crítica: é verdade que nos casos de inexigibilidade não existem
necessidades de prevenção, mas isso não significa que devemos fazer um englobamento destes elementos
tão diferentes na mesma categoria. O critério não explica a autonomia da inexigibilidade como forma de
dizer que não podemos censurar x pessoa.

4. Critica comum às abordagens precedentes: inexigibilidade não pode assentar em critérios gerais e
abstratos, mas tem que dizer respeito à culpa como censura pessoal e concreta dirigida à personalidade do
agente documentada no facto. Consequência: culpa e a sua exclusão têm que funcionar dentro do mesmo
paradigma de racionalidade  a culpa e a inexigibilidade devem funcionar no mesmo horizonte
4.1. Culpa da personalidade referida à atitude interior do agente: facto ilícito pode ainda ser expressão de
uma personalidade fundamentalmente fiel ao direito, de um ponto de vista juridicamente valioso.
Exemplos: padrão médio não é o critério mas parâmetro de avaliação da concreta personalidade. Homem
médio e heróis; exigibilidade intensificada - Na inexigibilidade não se revela a personalidade desvaliosa do
agente – em todos os casos ainda é uma personalidade fiel ao direito. Há certos casos onde existe uma
exigibilidade intensificada devido, pex, às profissões que desempenham
4.2 Inexistência de uma cláusula geral de exclusão da culpa: princípio da taxatividade; competência da OJ
para definir os pressupostos e os limites da inexigibilidade - não existe no nosso direito uma cláusula geral
de inexigibilidade, estão taxativamente previstas, o que significa que o nosso direito tipifica as causas de
inexigibilidade pois o legislador tem essa legitimidade para definir o referido.

27/04
II O ESTADO DE NECESSIDADE DESCULPANTE – art. 35.º
1. A presença explícita da ideia de inexigibilidade - O legislador tipifica expressamente a ideia de
inexigibilidade: “quando não for razoável exigir comportamento diferente”. Esta causa de exclusão da
culpa está prevista no art. 35.º CP – tem proximidade com o direito de necessidade agressivo e o direito de
necessidade defensivo, causas de exclusão da ilicitude:

2. Solução diferenciada do “estado de necessidade”: justificação e exculpação (remissão) – a diferença


deve-se ao nosso direito ter adotado uma teoria dualista ou diferenciada. Existe um pressuposto comum, o
perigo, mas em certas circunstâncias essa situação exclui a ilicitude do facto, justificando a conduta do
agente, e noutras situações exclui a culpa (mas o facto continua a ser ilícito).

3 Diferenças entre o art. 34.º e o art. 35.º:


3.1 A ponderação dos interesses; subsidiariedade do art.º 35 em relação aos direitos de necessidade
(Agressivo e Defensivo) como decorrência da construção do conceito de crime; casos de subsunção
concomitante: aplicação da norma justificante - a diferença mais relevante é a ponderação dos interesses
em conflito, o que justifica o direito de necessidade é precisamente tentar salvaguardar-se o interesse
superior (ideia de ganho social), no estado de necessidade desculpante a ponderação não existe, pelo que
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não existe, necessariamente, um ganho social  Aplicar o art. 35.º de forma subsidiária face ao art. 34.º,
porquê? Pela construção do próprio conceito de crime, primeiro verifica-se se há ilicitude, e só depois se
há culpa. Pode haver vários casos em que ambas as previsões estejam preenchidas, o mesmo facto pode
subsumir-se aos dois artigos, e aqui a ideia de subsidiariedade surge de novo.
Outra diferença (ainda relacionada com os interesses em causa): no art. 34.º não existe qualquer limitação
dos tipos de interesses que se quer salvaguardar, no art. 35.º, diferentemente, exige-se que o interesse a
salvaguardar seja um dos referidos no artigo – art. 35.º/1.

3.2 Inexistência de uma cláusula de limite do sacrifício (34º/c) - Além disso, não existe uma cláusula de
limite de sacrifício como no art. 34.º/c – a razoabilidade não está prevista no art. 35.º porque se ela faz
sentido no momento em que estamos a atribuir a alguém o direito de sacrificar um bem alheio, aqui não se
atribui nenhum direito pelo que não faria sentido limitar o estado de necessidade desculpante.

4 Requisitos:
4.1 Perigo atual (remissão); “não removível de outro modo”: requisito autónomo? - Tem que existir um
perigo atual (vale o mesmo do que no direito de necessidade) e não removível de outro modo, ou seja, a
única forma de remover o perigo é praticar o facto ilícito. Será que este último é um requisito autónomo?
Não, já está contido no art. 34.º quando se exige que o agente use o meio necessário.
4.2 Limitação da exclusão da culpa ao salvamento de certos interesses (não necessariamente no sentido de
bens jurídicos em sentido técnico, ex. a vida abrange a vida intrauterina; liberdade abrange a liberdade e
autodeterminação sexual); interesses próprios ou de terceiro (integração com o requisito da inexigibilidade
- O estado de necessidade desculpante só funciona quando se trata de salvar o interesse da vida,
integridade física, honra e liberdade do agente ou de terceiro – o Dr. Pedro Caeiro não considera que estão
previstos como bens jurídicos, mas sim como interesses, e é isso que nos permite compreender de forma
mais abrangente a extensão e o conteúdo desses interesses, pex: quando se fala da vida também estamos
a falar da vida intrauterina
Os interesses referidos podem ser do próprio ou de terceiros. Quando se trate de proteger interesses de
terceiro temos de prestar particular atenção à cláusula de inexigibilidade, saber se de facto não era
exigível um outro comportamento.

4.3 Cláusula de inexigibilidade: padrão do homem medio colocado na posição concreta do agente: nem
herói nem cobarde. A exigibilidade intensificada (perigos específicos) - A cláusula de inexigibilidade é o
princípio operativo do art. 35.º - recorremos ao padrão do homem médio, colocado na concreta posição
em que o agente se encontrava, para determinar se era exigível que a pessoa cumprisse o dever jurídico,
que se tivesse outro comportamento  No entanto, tendo em atenção o conteúdo do conceito de culpa
(censura pela personalidade documentada no facto): o agente poderia sempre ter agido de outra maneira,
mas não era razoável exigir que agisse dessa outra maneira – a inexigibilidade compatibiliza-se com o
referido conceito de culpa
Haverá casos de inexigibilidade intensificada: não existe uma inexigibilidade geral, depende das
“circunstâncias do caso”. São casos em que o agente em virtude da profissão, ou especiais da
capacidade que possa ter, está sujeito a um parâmetro mais exigente.
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4.4 A causação voluntaria do perigo pelo agente: tratamento análogo ao direito de necessidade:
preordenação excluiu a inexigibilidade - A causação voluntária do perigo pelo agente – só deixa de haver
estado de necessidade desculpante quando o agente se coloca voluntariamente, e pré-ordenadamente, na
situação de perigo para depois poder, a coberto dela, sacrificar o interesse do outro. Deixa de haver
inexigibilidade.  Não basta a voluntariedade!

4.5 Elemento subjetivo é fundamental: conhecimento da situação de perigo e ação dirigida à preservação
do mesmo; em caso de desconhecimento da situação de necessidade, não se aplica o art.º 38/4 (por
analogia) - Um elemento fundamental é o elemento subjetivo do END, é essencial que o agente conheça a
situação de perigo e que a sua ação se dirija a salvar o interesse – se o agente não souber que existe uma
situação de necessidade o agente responde pelo seu facto. Exemplificando: no caso da boia para os 2
náufragos, um dos agentes acredita que existe outra boia disponível mas aproveita a situação para afogar
o outro – se de facto a outra boia não existir o agente estaria a coberto do art. 35.º sem o saber, mas tal
não se verifica, o agente atua porque quer matar pelo que o art. 35.º não se pode aplicar, nem o art. 38.º/4
por analogia (aqui existe tanto desvalor de resultado como de ação, não existe nenhuma situação análoga
à tentativa).

5. O nº 2 do art.º 35 e a possibilidade de o agente não ser punido: causa de exclusão da culpa? O art.
35.º/2 é também é uma causa de exclusão da culpa?
5.1. O anteprojeto de Eduardo Correia e a cláusula geral de inexigibilidade – Para alguma doutrina a
resposta é positiva, afirmando que é uma herança do Projeto de Eduardo Correia, que tinha uma cláusula
de inexigibilidade de aplicação genérica.  Não é isso que o legislador consagrou: se recuperarmos o que
estudamos sobre o princípio da culpa rápido se compreende que este artigo não funciona como causa de
exclusão da culpa, pois se funcionasse como tal não poderia haver pena, seria uma violação do princípio da
culpa – é uma causa de não punibilidade ou de atenuação da pena!

5.2 A solução diferente acolhida no CP: nº2 atenua a pena ou dispensa-a (princípio da culpa em sentido
unilateral). A cláusula de inexigibilidade tem o seu campo circunscrito ao nº1: tratando-se da proteção de
outros interesses, é sempre exigível que o agente atue em conformidade com o direito. Alternativa:
inexigibilidade que não excluiu a culpa, o que é uma contradição nos termos – Como o devemos
interpretar? Quando se trate de proteger interesses diferentes do art. 35.º/1 é sempre exigido que o
agente agisse de outra forma, mas há casos em que podem não se verificar exigências preventivas que
justifiquem a aplicação de uma pena, pelo que excecionalmente pode ser dispensado ou a pena ser
atenuada.  Só nos casos anteriores é que se admite que o agente atue de uma maneira que não
podemos exigir um outro comportamento.

5.3 Erro sobre os pressupostos do Estado de necessidade desculpante; casos e seu tratamento: No art.
16.º/2 temos o erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação – a consequência era a exclusão
do dolo. Hoje o que vamos ver é a parte final da norma - “excluiria a culpa do agente” – exclui também o
dolo da culpa
- Casos de erro sobre a situação de perigo que, se existisse, levaria à afirmação da sua inexigibilidade:
aplicação do art.º 16º/2 e exclusão do dolo (dolo-da-culpa); eventual punição por negligência - Caso da
boia e 2 náufragos: 1 deles naufraga o outro para sobreviver, não é um END pois se não matar a outra
pessoa ambos poderiam sobreviver, mas o agente representou erradamente que era a única maneira de
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sobreviver – aplica-se o art. 16.º/2 (ele quis matar, mas falta o elemento emocional, não existe uma culpa
dolosa, não revela uma personalidade contrária ou indiferente ao direito, o que pode estar em causa é
uma culpa negligente)

- Casos de falsa representação de situações que, se se verificassem, não levariam à exclusão da culpa do
agente (por lhe ser exigível conduta diversa): irrelevância do erro e punição pela conduta dolosa - Existem
casos em que o agente representa uma situação de facto que aparentemente constituiria END, mas esse
erro deve ser considerado irrelevante, pex: X precisa de uma intervenção cirúrgica, o médico responsável
recusa-se a operar dizendo que X está infetado com uma doença contagiosa, mas X não está infetado – não
podemos aplicar o art. 35.º porque não está infetado, nem o art. 16.º/2 (mesmo que a situação se
verificasse era exigível ao médico que realizasse a operação) – o agente responde pelo crime doloso 
Coaduna-se com a nossa conceção de culpa: existe uma personalidade desvaliosa, indiferente aos valores
da ordem jurídica

O EXCESSO DE LEGÍTIMA DEFESA DESCULPANTE – art. 33.º/2


6. O excesso de legítima defesa desculpante - Causa de exclusão de culpa que também assenta numa
ideia de inexigibilidade.
6.1 O excesso intensivo ou excesso nos meios: a ausência do requisito “meio necessário” e, portanto, a
ilicitude da ação da defesa - Um dos requisitos da LD é o agente empregar o meio necessário: quando o
agente emprega um meio desnecessário não existe LD, pois não se verificam todos os pressupostos e,
consequentemente, o facto continua a ser ilícito – excesso intensivo/de meios.

6.2 Podemos distinguir dentro do excesso intensivo 2 espécies, de acordo com os motivos desse excesso:
Excesso estémico – motivado por sentimentos de agressividade (pex: raiva)  art. 33.º/1, o facto é ilícito
Excesso astémico – provocado por sentimentos de medo, perturbação, susto. Note-se que o medo pode
ser censurável ou não censurável (há situações em que podemos censurar por ter medo)
- censurável  art. 33.º/1, podendo beneficiar de uma atenuação da pena
- não censurável  art. 33.º/2, não era exigível que o agente tivesse um comportamento diferente

6.3 A exigibilidade intensificada na avaliação da censurabilidade do medo ou susto


6.4 A explicação do regime à luz da noção de culpa da personalidade acolhida - Podemos compatibilizar
com a noção de culpa: não existe uma personalidade desvaliosa pelo que não existe fundamento para um
juízo de culpa jurídico-penal.
6.5 Exclusão da culpa funciona mesmo que o agente tenha consciência do excesso - A exclusão da culpa
pode funcionar mesmo que o agente se aperceba que se está a exceder.
Não devemos confundir com o excesso extensivo da LD (erro sobre os pressupostos da LD)
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FALTA DE CONSCIÊNCIA DO ILÍCITO NÃO CENSURÁVEL – ERRO SOBRE A ILICITUDE


7. A falta de consciência do ilícito (= erro sobre a ilicitude) não censurável (art. 17.º/1) como causa de
exclusão da culpa – este erro funciona como causa de exclusão da culpa, ideia de inexigibilidade
7.1 O problema geral do erro sobre a proibição, onde se inclui o erro sobre a ilicitude: representação
correta dos factos típicos (dolo do tipo) não leva o agente a atualizar a sua consciência ética, alcançando o
sentido de ilicitude do facto - Insere-se no problema mais geral do erro sobre a proibição, que consiste no
agente representar bem os factos mas não sabe que esses factos são proibidos, sabe o que está a fazer
mas não sabe que a conduta é proibida. O facto de conhecer os factos não o desperta para o problema da
ilicitude – o que o Direito espera do agente é que alcancemos o sentido da ilicitude.  Podemos distinguir
2 situações diferentes:
Condutas axiologicamente neutras - se não conhecermos a lei podemos alcançar o sentido da sua
ilicitude? Se a resposta for negativa, se apenas o conhecimento efetivo da norma nos permite ter
consciência da ilicitude do facto, é um erro sobre a proibição legal previsto no art. 16.º/1/2ª parte.
Condutas com ressonância ética/axiológica – condutas em que o direito espera que a simples
representação da conduta oriente o agente para a sua proibição  Erro sobre a ilicitude do art. 17.º:
pode ser censurável ou não censurável

7.2 O critério da relevância/densidade ética/axiológica das condutas e sua repercussão no enquadramento


dogmático: - erro sobre proibições legais: erro intelectual (de conhecimento), falha da consciência
psicológica (intencional)  afastamento do dolo da culpa, mas possibilidade de negligência (dever de
informação), pex: obrigações declarativas
- erro sobre a ilicitude: erro moral (de valoração), falha da consciência ética  não afeta o dolo, mas pode
excluir a própria culpa se não for censurável.
Quando se trata de erro sobre ilicitude já não estão em causa problemas de conhecimento, mas sim um
erro de natureza moral, da consciência que avalia a qualidade moral das condutas –não afeta o dolo, é
uma questão de culpa, isto é, de saber qual é a personalidade que fundamenta a falta de consciência do
ilícito

7.3 A possibilidade do erro sobre a ilicitude de condutas com relevância axiológica - É possível um erro
sobre a ilicitude? Em geral não devido à fundamentação ética das proibições penais. Contudo, há zonas
onde não existe consenso social sobre a criminalização, isto é, há situações em que o apelo normativo das
proibições penais não é total, não tem o efeito esperado
Exemplos: casos em que não existe um consenso social acerca da criminalização (pex: interrupção
voluntária da gravidez, auxílio medicamente assistido ao fim da vida), casos de neocriminalização (normas
que visam contrariar certos hábitos instalados e que por vezes demoram a ser interiorizadas na sociedade,
pex: atribuição indevida de vantagens a funcionários), e casos dos erros culturalmente determinados, isto
é, casos de conflitos de ordens de valores (pex: consome bebidas alcoólicas para um país em que é crime
consumir bebidas alcoólicas)  Em todos estes casos pode acontecer que o agente não exprima uma
personalidade adversa ao Direito.

7.4 Distinção entre consciência vera (verdadeira) e consciência reta - O Dr. Figueiredo Dias, para distinguir
quais os erros que podem ser censuráveis ou não, recupera uma distinção entre a consciência vera
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(verdadeira, aqueles que são capazes de distinguir o bem e o mal e assim conhecer a verdade) e a
consciência reta (exprimem uma consciência com os ditames do Direito embora não consigam aceder à
distinção entre o bem e o mal – a pessoa não escolheu o bem, mas ainda atuou de uma forma
juridicamente reconhecida)

7.5 Caracterização da consciência reta – o agente não acede, no momento do facto, ao sentido de ilícito
imposto pela ordem jurídica, mas exprime ainda, apesar do erro, uma atitude de fidelidade e de
correspondência a valores e pontos de vista juridicamente reconhecidos. Assim, não existe uma
personalidade desconforme ao direito e, consequentemente, não podemos censurar uma consciência reta!

7.6 Critérios da não-censurabilidade do erro - E quais os critérios para aferir se há consciência reta? Os
critérios da não censurabilidade do erro?
- questão do ilícito é discutível, controvertida e conflitual (sociedades plurais e complexas) - tratar-se de
uma questão controvertida de um ponto de vista conflitual, saber se a norma é fundamentada
- expressão de um ponto de vista juridicamente valioso (mesmo que diferente do sentido imposto pelo
direito) - o agente, apesar do erro, ainda exprima um ponto de vista valioso
- propósito de exprimir esse ponto de vista e de assim atuar de maneira conforme ao direito - atue com o
propósito de exprimir esse ponto de vista
Exemplificando: no momento em que entrou em vigor a norma que proíbe a atribuição indevida de
vantagens (Art. 372.º), X continua a dar a vantagem a B porque não se apercebeu dessa alteração e
preenche os requisitos anteriormente expostos – erro sobre a ilicitude não censurável

7.7 Situações de conflito de valores - uma pessoa que pertence à comunidade criadora da norma, no
momento conflitual não escolhe a opção que o Direito esperava dela – erro sobre o âmbito ou existência
de uma causa de justificação. O erro sobre os pressupostos de causa de justificação é um erro intelectual
(Art. 16.º), aqui é um erro sobre a causa de justificação mas não é um erro intelectual, ele valora mal os
factos mas compreende-os (art. 17.º)
Exemplos: (1) pai castiga corporalmente um filho pois julga que está a atuar licitamente; (2) ameaçar um
suspeito com tortura para este confessar um crime e salvar uma vida que estava em risco – a ameaça de
tortura é crime (proibição universal), julgou que estava a atuar licitamente mas não estava; (3) médico só
pode salvar 1 de duas pessoas, 1 é sua filha e decide salvar a outra para não ser acusado de beneficiar a
filha, decidiu que era a atitude certa – o médico tem o dever mais intenso de salvar a sua filha, pelo que de
acordo com o art. 36.º deveria ter salvado a filha (erro não censurável)
A censurabilidade do erro depende das concretas circunstâncias do caso.

7.8 Processo de neocriminalização – são exemplos de normas que demoram a ser interiorizadas pela
sociedade, como referido anteriormente, como por exemplo a norma que proíbe a atribuição de vantagem
indevida aos funcionários.

7.9 Referência à possibilidade de atenuação da pena do nº 2 do art. 17.º quando não se aplique o nº 1 -
Art. 17.º/2 – quando o erro é censurável o agente responde pelo crime doloso, o dolo está na atitude de
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contrariedade ao Direito (precisamente por não saber que o facto é ilícito é que é punido). No entanto, a
pena pode ser atenuada quando não se aplica o nº 1.

OBEDIÊNCIA INDEVIDA DESCULPANTE


8. Obediência indevida desculpante. 8.1 Obediência devida (como causa de justificação) e indevida (como
possível causa de exculpação, art. 37.º) - Uma das causas de justificação é o cumprimento de um dever. Só
que o dever de obediência cessa quando a ordem conduz à prática de um crime (art. 37.º), e
consequentemente, deixa de haver justificação, pelo que se questiona o que acontece aos funcionários
(Art. 386.º) nestas situações:

8.2 O problema: o dever de obediência cessa quando conduz à prática de um crime (36.º/2 CP e 271.º/3
CRP) – é o facto de deixar de ser justificada a conduta que levanta esta questão, o facto é ilícito pelo que
importa aferir da responsabilidade penal

8.3 Círculo de agente: os funcionários (art. 386.º CP) – No ponto anterior é referido que é preciso aferir da
responsabilidade, mas de quem? Dos funcionários, e são funcionários os referidos no art. 386.º CP
E quando o funcionário não se apercebe que a conduta conduzirá à prática de um crime)
8.4 Enquadramento dogmático:
- F. Dias: forma especial do erro sobre a ilicitude; tratamento mais favorável do funcionário em relação ao
regime geral do art. 17.º (que exige a não censurabilidade do erro): basta que não seja evidente que a
ordem conduz à prática de um crime. Fundamentação: a posição subalterna e a preservação do
funcionamento eficaz da administração. Distinção entre o art. 37.º e o erro sobre os pressupostos da
legitimidade da ordem (art. 16.º/2) - Dr. Figueiredo Dias (posição adotada) defende que há um regime mais
favorável ao funcionário no art. 37.º face ao disposto no art. 17.º, pois se tratássemos os casos no âmbito
deste artigo só excluíamos a culpa do funcionário se o erro fosse censurável), uma vez que a única
exigência é que não seja evidente que a ordem conduz à prática o crime.
O fundamento é a posição subalterna do funcionário e a preservação do funcionamento da máquina da
Administração (evitar que se interrogue o superior sobre a legitimidade da ordem)  Problema diferente é
o erro sobre os próprios pressupostos de dar a ordem, pex: receber a ordem de alguém que não é
competente – não se trata de um problema do art. 37.º, mas do art. 16.º/2

- N. Brandão: art. 37.º é uma regulamentação especifica do erro sobre os pressupostos da causa de
justificação: norma especial em relação do art. 16.º/2 (e não ao art. 17.º); é sempre um erro de
conhecimento, que normalmente cairia no âmbito do art. 16.º/2, onde subsistira a possibilidade de
punição por negligencia; art. 37.º, ao excluir a culpa, impede a punição por negligência - De forma oposta,
a tese de Dr. Nuno Brandão, diz que o art. 37.º é uma norma especial do art. 16.º/2, exclui-se a
possibilidade de punição a título de negligência

8.5 Apreciação crítica:


- A divergência doutrinal existe logo na interpretação do art. 37.º, pois para F. Dias nunca é um problema
de representação dos pressupostos de facto, para N. Brandão é sempre esse problema.
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- Posição de F. Dias: não é consciente com o critério adotado para as outras causas de exclusão da culpa,
pois aqui apela-se a um critério geral e abstrato (um corpo estranho nas causas de exculpação) quando
refere o não ser evidente para a generalidade das pessoas que a ordem leva ao cometimento do crime 
recorre a um critério abstrato para verificar a existência da culpa, quando toda a construção do crime é
sempre individualmente orientada para um concreto agente e uma concreta personalidade
- Posição N. Brandão: é verdade que a referência ao “quadro das circunstâncias que o agente representou”
indicia um erro sobre factos. No entanto, alarga-se desmesuradamente a exclusão da culpa em casos onde
esse quadro já é fruto de uma negligencia grave e grosseira por parte do agente. Isto é, se seguirmos esta
doutrina, quando maior for a negligencia na (não) representação das circunstâncias relevantes, mais
favorável será o tratamento dado pelo art. 37.º  impossibilidade de responsabilizar o agente que é tão
negligente que representa os factos de forma errónea.

8.6 Posição adotada – F. Dias: leitura dogmaticamente mais congruente e político-criminalmente mais
adequada. Importa distinguir entre erros sobre pressupostos do dever de obediência (art. 16.º/2), com
subsistência de eventual responsabilidade negligente (Art. 16.º), onde se valora a posição de inferioridade
hierárquica; do erro sobre o sentido ilícito da ordem e da conduta, que pode excluir a culpa nos termos do
art. 37. CP

04/05
Exemplificação do anteriormente referido: Um juiz é demitido das suas funções, e depois dirige-se a um
funcionário e diz-lhe para prender X. O funcionário não sabe que o juiz foi demitido, pelo que cumpre a
ordem, preenchendo o facto de sequestro  erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação, é
um erro de conhecimento (art. 16.º/2), sobra investigar se o funcionário agiu com negligência (art. 16.º/3).
Um chefe da PJ dá uma ordem a subordinado para agredir e ameaçar a pessoa que está a ser interrogada,
até ela confessar o crime  ordem ilegal, o funcionário não deve obediência. No entanto, o funcionário
agride o suspeito (atua sem consciência do ilícito)  não se aplica o art. 37.º, porque é evidente que a
ordem conduz à prática do crime, a culpa não é excluída
Há uma comunidade de pessoas fechadas numa casa que se recusam a desocupar a casa. A polícia é
chamada para proceder à desocupação, e o chefe tem a informação que as pessoas dentro da casa estão
armadas, pelo que dá ordem aos subordinados para arrombarem as portas e dispararem se virem um
movimento suspeito. A informação é falsa. Os subordinados atingem com tiros algumas pessoas  ordem
ilegal porque na realidade as pessoas não estavam armadas (violação do princípio da proporcionalidade da
força pública), consequentemente os subordinados não deviam obediência a essa ordem, atuaram
ilicitamente. Nestes casos, aplica-se o art. 37.º, o agente atua representando bem os pressupostos da
ordem mas sem consciência que essa ordem conduz à prática do crime.  E o chefe que dá a ordem?
Temos de ver se ao dar aquela ordem existe ou não um erro sobre os pressupostos da causa de justificação
(art. 16.º/2)

PUNIBILIDADE
A1. Última categoria da construção jurídico do crime – Última categoria da construção do crime, pelo que
pode haver um facto típico-ilícito-culposo e não ser punido. A ideia subjacente é a da dignidade penal, é
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preciso que o comportamento “mereça” ser punido – vamos ver vários factos aos quais falta a dignidade
punitiva.

2. heterogeneidade dos elementos da punibilidade: condições objetivas de punibilidade presentes na


partes especial, a “não-desistência da tentativa”, etc – A primeira aproximação ao conteúdo da categoria
da punibilidade mostra que é uma categoria bastante heterógena: existem condições objetivas de
punibilidade – maioritariamente, previstas na parte especial, pex: art. 135.º (“se o suicídio vier
efetivamente”), art. 295.º (“nesse estado praticar um facto ilícito típico”) - mas nem todas circunstâncias
relevantes desta categoria são condições objetivas de punibilidade, pex: desistência da tentativa.

3. Fundamento: a falta de dignidade penal do facto típico, ilícito e culposo. A punibilidade como momento
privilegiado da cristalização da dignidade penal - Porque existem estas condições? Porque há factos que
não tem dignidade penal para a ordenamento jurídico os punir.

4. Dignidade penal e propósitos político-criminais (ex: desistência da tentativa, art. 227.º e 295.º) –Desde
logo pode acontecer que existam interesses do próprio ordenamento jurídico-penal que devem ser
preservados antes de punir, pex: na desistência da tentativa existe a procura da defesa do bem jurídico, ou
para não sobrecarregar o sistema prisional – isto justifica a seleção dos factos punidos.

5. Preservação de interesses extrapenais que conflituam com a pretensão punitiva – Além destes
propósitos, pode acontecer ainda que se pretenda tutelar alguns interesses extrapenais que entram em
conflito com o direito penal, pex: em alguns sistemas jurídicos (não em Portugal) admite-se que as vítimas
de tráfico de pessoas não sejam puníveis por crimes que cometerem na qualidade de traficadas – quer
estimular-se que essas pessoas denunciem a situação de traficadas.

6. Irrelevância para o dolo: a afirmação do dolo não dependa da representação (e vontade) das
condições de punibilidade – Uma característica importante das condições objetivas de punibilidade é que
não são relevantes para a afirmação do dolo, para atuar com dolo é suficiente que o agente represente e
queira praticar os factos ilícitos e típicos, não importa que conheça estas condições.

7. Distinção entre punibilidade (do facto), procedibilidade (categoria do processo penal) e carência de
pena (isenções e dispensas de pena, ex: art. 35.º/2 e 374.º-B/1) - Devemos distinguir punibilidade do
facto (o que estamos a ver) de outras categorias: procedibilidade – relacionado com o processo penal,
existem crimes em que se exigem certas condições para o processo iniciar-se; carência de pena – cláusulas
para o juiz avaliar se nos casos não existe carência de pena, não se trata da punibilidade do facto, mas sim
de saber se o concreto agente deve ou não ser punido.

Terminamos a construção do crime doloso ----------------------------------------------------------------------------------


NEGLIGÊNCIA
A1. Negligência como forma típica de aparecimento do crime: evolução do “tronco comum” (com
separação da culpa: uma culpa especial) à autonomia completa das duas formas - Começou por ser uma
forma especial de culpa, a construção do crime era igual para os crimes dolosos e para os crimes
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negligentes (tronco comum) e só na categoria da culpa se fazia uma divisão entre culpa dolosa e culpa
negligente  Com a doutrina da ação final, essa construção entrou em crise, afirmou-se que o dolo e a
negligência são categorias autónomas. A negligência é uma forma especial de aparecimento do crime – os
crimes negligentes tem características particulares, e são punidos apenas excecionalmente.

2. Punibilidade da negligência: necessidade de previsão expressa (art. 13.º) - Uma das especialidades da
negligência é a regra da sua punibilidade, art. 13.º, um crime só é punido por negligência nos casos
especialmente previstos na lei, casos previstos na parte especial.

3. Critério de decisão na criminalização da negligência: relevância do bem jurídico, proliferação de


atividades perigosas - Porque se criminaliza a negligência? (1) Porque há bens jurídicos cuja dignidade
penal é tão elevada que também precisam de ser protegidos contra comportamentos negligentes, (2)
Proliferação na sociedade moderna de atividades perigosas

4 Tipificação da negligência : doutrina do duplo escalão. Análise do art. 15.º - A tipificação da negligência
encontra-se no art. 15.º do CP – doutrina do duplo escalão – significa que a negligência tem um tipo de
ilícito próprio e uma formulação da culpa também própria, isto é, tem 2 elementos autónomos: não
proceder por cuidado às circunstâncias que está obrigado – violação do dever objetivo de cuidado (tipo de
ilícito); e que é capaz – capacidade pessoal para cumprir esse dever (culpa).

- Quais são as modalidades da negligência? Negligência consciente (art. 15.º/a, percebe que pode estará a
preencher o tipo de crime mas acredita que não vai acontecer) e negligência inconsciente (art. 15.º/b, o
agente não chega sequer a representar a possibilidade de estar a preencher um tipo de crime)  esta
distinção não é valorativa, uma não é mais grave que a outra, é apenas uma tipificação fenomenológica –
não quer estabelecer uma hierarquia de valores

5 O tipo de ilícito negligente:


5.1 Diferenças com o tipo doloso no plano da vontade: relevância da vontade depende de uma
comparação com o comportamento juridicamente imposto - já vimos que existe uma diferença de base
entre o comportamento doloso e o comportamento negligente, pois no primeiro o agente dirige a sua
vontade ao preenchimento de facto típico-ilícito, enquanto no segundo o comportamento só assume
relevância através de um exercício virtual de comparação ao comportamento que era exigido

5.2 A especial relevância do resultado dos crimes negligentes: a impunibilidade da tentativa, crimes
formais e crimes materiais - daqui decorre uma diferença ao papel do resultado dos crime negligentes,
nestes o desvalor da ação não é tão “forte” pelo que o resultado tem uma maior importância: a tentativa
não é punível; em segundo lugar: existe uma ideia que os crimes negligentes são crimes materiais (de
resultado), tendencialmente é verdade, mas não existe nenhum obstáculo a que se criminalizem crimes
formais, pex: conduzir com uma taxa de alcoolémia superior a 1.2 e não ter consciência
- Na vasta maioria dos casos, punição depende do resultado, uma questão de azar? Na negligência não
estamos a fazer depender tudo da sorte e do azar? Apenas porque se produziu o resultado? Duas
pessoas praticarem o mesmo facto, e só uma é punida pois só uma produz um resultado  A questão
não é esta, o resultado típico faz parte do desvalor do crime de negligência, e portanto é razoável que
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quem preenche o tipo de crime seja responsabilizado pela produção do resultado (este ainda contribui
para a definição do tipo de ilícito).

5.3 Violação do dever de cuidado (desvalor de ação) + (eventual) imputação do resultado típico - em que
consiste o tipo de ilícito objetivo dos crimes negligentes? Implica um desvalor de ação, de não cumprir o
dever de cuidado, e um desvalor de resultado que é a imputação do resultado típico sempre que se trate
de um crime material  a imputação do resultado típico não tem especialidades de maior em relação aos
crimes dolosos

5.4 Violação do dever de cuidado não se esgota na criação de um risco proibido de produção do resultado:
argumentos: crimes formais; violação de deveres de informação não se referem à produção do resultado
(ex: negligência no erro sobre proibições legais e no erro sobre os pressuposto de uma causa de
justificação); negligência por assunção do risco - questão seguinte é mais complexa: será que a violação do
dever de cuidado não é a mesma coisa do que a criação de um risco de ocorrência desse resultado? São
duas coisas distintas:
 porque pode acontecer que o crime negligente em causa seja um crime formal, e nestes não faz
sentido questionar a imputação do resultado porque o resultado típico não existe;
 há certos casos em que a negligência e a violação do dever de cuidado não se referem à imputação
do resultado, pex: erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação, A mata B porque acha
que B se prepara para detonar uma bomba – aqui o dolo é excluído, mas a negligencia e o dever de
cuidado não diz respeito ao causar morte a B, ele quis causar a morte, não violou um dever de
cuidado, a negligência não está na causação da morte, mas sim na verificação dos pressupostos da
causa de justificação (se o agente se informou minimamente) - estamos a referir a negligência à
violação de deveres de informação – o mesmo para o erro sobre as proibições legais  argumento
decisivo, a negligência não se refere à causação do resultado;

 casos da negligência por assunção do risco, casos em que alguém assume a prática de uma certa
conduta para a qual não está preparado e depois as coisas correm mal e a pessoa acaba por
preencher um tipo de crime, pex: vizinho que se oferece para compor o esquentador de gás. O
esquentador explode e provoca incêndio – a negligência não está no ato de reparar o esquentador,
mas sim em ter assumido o risco de executar a reparação (antecipação da negligência para um
momento anterior à criação do risco)

5.5 Critérios do cuidado devido - quais são os critérios do dever de cuidado? Critério geral e abstrato ou
individualizado?
- limiar mínimo: padrão geral e objetivo em função da proteção do bem jurídico; fundamento; casos de
incapacidade concreta de cumprimento do dever (problema de culpa, e não de preenchimento do ilícito-
típico) - Num primeiro passo deve-se aceitar um critério comum a toda a comunidade, se determinada
pessoa em concreto por alguma razão pessoal não tem capacidade para cumprir o dever é uma questão da
culpa – prejudica a proteção do bem jurídico.
- casos de capacidade pessoal superior à média: critério individualizado, que toma em atenção a maior
capacidade; exemplo e fundamento da maior exigência – quem pode mais deve prestar mair2:
consonância com a proteção do bem jurídico. Limites (em sede de culpa) - Todavia, temos casos em que
certos agentes tem capacidades pessoais superiores à média, o critério deve ser o mesmo do que para os
restantes? Nestes casos o critério tem de ser individualizado, da capacidade concreta da pessoa – promove
a proteção dos bens jurídicos  esta maior capacidade tem alguns limites, mas devem ser avaliados em
sede de culpa
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5.6 Fontes do dever de cuidado:


- cuidado geral nas relações sociais e tipicamente referido - quando falamos do dever cuidado não estamos
a falar do cuidado geral que nos rege, este é um dever tipicamente referido, de não propiciar o
preenchimento de certo tipo de crime. o art. 15.º cinge o dever de cuidado às circunstâncias do caso, pelo
que a norma é sempre referido ao particular do tipo de crime.
- normas jurídicas de comportamento (leis e regulamentos); exemplos - a primeira fonte são as normas
jurídicas de comportamento (leis, regulamentos)
- normas técnicas de regulação de atividades profissionais (médicos, desportistas) - Em certos casos podem
ainda recorrer-se aos costumes profissionais, pex: Baby-sitting, casos em que não existe nenhuma
regulamentação – não viola o princípio da legalidade
- Regras de imputação do resultado (conexão do risco) são uma categoria autónoma em relação ao
cuidado devido - deve fazer-se uma distinção entre a violação do dever de cuidado e a imputação do
resultado, pex: B passa um sinal vermelho, passa num lençol de água, e atropela uma pessoa – temos uma
violação do dever de cuidado que é passar o sinal vermelho, mas não se deve imputar o resultado à ação
do agente, surge por outros fatores
- negligência na aceitação ou assunção do risco; justificação político-criminal: a incapacidade de cumprir o
dever de cuidado referido ao facto e as lacunas de punibilidade que daí decorrem - temos ainda as
situações de negligência na assunção do risco ou na aceitação – se referirmos a negligência ao facto
propriamente dito o agente seria absolvido, porque as pessoas não tem capacidade para cumprir o dever
de cuidado. É necessário, para evitar estas absolvições que seriam lesivas, antecipar o momento da
negligência para o momento em que o agente aceita realizar a conduta, porque ele tinha capacidade para
perceber que não está preparado para executar a tarefa, aqui aferimos se tinha o dever de não aceitar –
finalidades político-criminais

5.7 Princípio da confiança e o princípio da autorresponsabilidade: quem atua em conformidade coma


regra de cuidado relevante de poder confiar que as outras pessoas fazem o mesmo; necessidade de
atentar ma regra de cuidado relevante - quando estamos a falar de acontecimentos naturais todos
devemos evitar o risco geral de vida, mas a partir daí vale o princípio da autorresponsabilidade, cada um é
responsável pelos riscos que cria e não pelos riscos criados por outra pessoa. Assim, devemos poder
confiar que os outros se comportam de acordo com as regras de cuidado que sejam relevantes no concreto
caso – se tal não se verificar, o resultado lesivo não pode ser imputado ao agente que cumpre o concreto
dever de cuidado.
Todavia, este princípio da confiança tem alguns limites:
(1) os conhecimentos especiais que o agente possa ter sobre a situação, pex: A e C trabalham num porto
de mar, A faz a sua escala de navio, C deve fazer o mesmo encaixando os seus navios na tabela já
definida por A. A decide fazer uma sesta, estando a violar o dever de cuidado, mas pode confiar que C
vai definir a tabela. C não o faz. Colidem 2 navios – A não será responsabilizado pela colisão. Mas e se A
souber que C não vai fazer a tabela? Será também responsabilizado

(2) casos em que um determinado agente tem funções de fiscalização, supervisão ou monotorização das
atividades de outras pessoas
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Em princípio também podemos confiar que a outra pessoa não praticará um crime doloso, mas uma
pessoa que violou um dever de cuidado nem sempre pode, no concreto caso, invocar o princípio da
confiança!

5.8 O problema de um tipo subjetivo negligente tipo de ilícito subjetivo – existe na negligência?
- Roxin: distinção entre negligência consciente e inconsciente - No caso da negligência consciente ainda
temos um elemento identificável (que é a representação de que o facto pode ocorrer) capaz de preencher
o tipo de ilícito, por isso é que Roxin faz a distinção entre esta a consciente e a inconsciente, afirmando que
só existe tipo subjetivo na primeira.
- Paula Ribeiro de Faria: defende que não existe tipo subjetivo
- F. Dias: representação imperfeito ou pura não representação do facto são um substrato normativamente
relevante para caracterizar o tipo subjetivo - o facto de o agente não representar nada na negligência
inconsciente não deixa de ser um facto valorado pelo DP, a falta de representação é ainda um substrato
capaz de fundamentar a censura penal.

- Posição adotada:
Negligência inconsciente = Figueiredo Dias (lógica paralela à falta de consciência do ilícito censurável
como suporte normativo (“substrato”) da culpa dolosa
Negligência consciente: entidade autónoma entre dolo e a negligência stricto sensu? Elemento
intelectual = dolo eventual; distinção: atitude de indiferença perante a possível ocorrência do facto
versus confiança positiva, mas errónea, na não verificação do facto. Conclusão provisória: entre dolo
eventual e negligência consciente há apenas uma diferença de culpa? - mais complicada porque o tipo
subjetivo é a representação do facto como possível (igual ao do dolo eventual), o que significa que a
negligência consciente não se distingue do dolo eventual quanto ao tipo subjetivo, pelo que seriamos
levados a concluir que a diferença entre ambos é apenas uma diferença de culpa (na atitude interior do
agente perante a possibilidade). Toda a negligência consciente é ainda um tipo de ilícito doloso a que
falta culpa dolosa – não pode ser punido a título de dolo  visão do Dr. Pedro Caeiro

5.9 Tipo de culpa negligente:


- culpa negligente: censura pessoal que se dirige ao agente por ter violado a norma de cuidado que tinha
capacidade para cumprir; atitude de desleixo ou leviandade perante o dever-ser jurídico - só existe
negligência se o agente tiver capacidade para cumprir o dever de cuidado
- aplicam-se todas as causas de negação da culpa, exceto a falta de consciência do ilícito não censurável;
explicação - Podem aplicar-se todas as causas de exclusão da culpa, exceto a da falta de consciência do
ilícito pois supõe uma particular direção de vontade, que nos crimes negligentes não existe.
- A capacidade para cumprir o dever: a comparação do agente com a pessoa do seu tipo normal,
enquadrada no seu contexto sócio existencial; incapacidade relevante depende de características pelas
quais não é responsável - Como medimos a capacidade? Implica sempre uma comparação: padrão “das
pessoas como eu”, homem socio-existencialmente colocado, pelo que só deixamos de fora as causas de
capacidade pelas quais o agente não pode responder, pex: inteligência, idade, formação
Esta incapacidade de cumprir o dever de cuidado deve ser autonomizada da incapacidade de agir (é
um problema de nem haver ação)
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5.10 A exigibilidade da culpa negligente:


- a não censurabilidade da perturbação, medo ou susto no excesso intensivo asténico de legítima defesa:
maior amplitude da exculpação nos factos negligentes? – há também algumas especificidades quanto à
exigibilidade – art. 33.º/2, o excesso de meios também pode significar a prática de um facto negligente, se
o medo não for censurável – a inexigibilidade é mais ampla quando o facto seja praticado por negligência
- a exclusão da culpa no art. 35.º: mais fácil afirmar a inexigibilidade em relação a factos negligentes,
maxime, com negligencia consciente, do que em relação a sacríficos dolosos de interesses subjetivos - o
mesmo se diga em relação ao art. 35.º. (o agente tem de ter noção de sacrificar um interesse para
salvaguardar outro).

5.11 Negligência grosseira: fator de maior gravidade (art. 137.º) ou mesmo critério de incriminação (art.
156.º/3). Maior gravidade do ilícito e maior gravidade da culpa (solução cumulativa) - o CP utiliza esta
noção para estabelecer penas mais graves, e como critério de incriminação (casos em que a lei só pune a
negligência se for grosseira)  consiste numa cumulação entre o facto ser mais grave e a culpa também
ser mais grave

11/05
A matéria relativa aos factos de consciência só será avaliada em oral de melhoria.

A OMISSÃO
I CONSIDERAÇÕES GERAIS
1 Introdução:
Caso 1: O senhor A contrata B para ir a sua casa compor uma televisão. B, estando na casa de A, e estando
presente uma funcionária de A, B dirige-lhe certos comentários que A considera abusivo pelo que lhe
ordena que saia de sua casa. B não obedece e permanece na casa, pelo que A chama a polícia.
Caso 2: uma criança está na praia e fica em dificuldades no mar. O nadador salvador continua a falar com
os amigos e a criança morre por afogamento
1.1 A omissão como forma inversa da ação penalmente relevante. O dever de agir decorrente dos tipos
omissivos - Temos aqui dois problemas que convocam a doutrina da omissão: a omissão não se traduz num
não agir qualquer, não se pune a inatividade geral, é sim uma omissão concreta que resulta da lei esperar
que o agente atue mas este não o faz. Há vários pontos que temos de pensar de forma inversa à ação: nos
dois casos acima referidos, havia um dever de agir, por isso é que o agente é punido

1.2 Uma consideração “pré-jurídica” (social) dos crimes de ação e dos crimes de omissão: a diferença
estrutural entre a causação de riscos e a não remoção de riscos. Os tópicos conflituantes – e carecidos de
justa ponderação – da sociedade de risco, da solidariedade e do princípio liberal do Estado - os crimes por
ação, normalmente, são valorados como mais graves do que os crimes por omissão, mas porquê? Porque
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nos crimes de ação o agente é responsável pela criação do risco para o bem jurídico, enquanto nos crimes
de omissão o bem jurídico já estava em risco por uma causa alheia ao agente, mas ele não remove o risco
como a lei esperaria que o fizesse.
Todos compreendemos que a lei imponha um dever geral de não ofender bens jurídicos, mas não
podemos dizer a mesma coisa em relação ao salvar o bem jurídico (tal seria contrário ao princípio liberal
do Estado, sob pena de todos os cidadãos se tornarem funcionários sociais) – neste ponto não existe uma
semelhança entre crimes por ação e crimes por omissão  Nos crimes de omissão temos de compatibilizar
dois valores conflituantes: um dever mínimo de solidariedade social e o princípio liberal do Estado

2. Distinção entre ação e omissão


2.1 Casos normais e casos problemáticos - Como se distingue ação da omissão? Há certos casos em que a
distinção é evidente, que a conduta típica é enquadrada numa das noções. No entanto, há casos
problemáticos, pex: caso do médico que desliga uma máquina porque o processo de salvamento já não faz
sentido - o Dr. Figueiredo Dias vê neste caso, embora o agente pratique uma ação, um crime de omissão
porque o sentido social é deixar de prestar os cuidados necessários  Dr. Pedro Caeiro concorda que é um
crime de omissão. Note-se que o mesmo ato praticado por qualquer pessoa já é um crime de ação, porque
esse não está obrigado a salvar, a assistir o doente.
2.2 Critérios de distinção: Que critérios se aplicam?
a) ilicitude típica/ imputação objetiva: criação versus não remoção do risco para o bem jurídico - critério da
imputação objetiva: uma coisa é criar um risco outra coisa é não remover o risco para o bem jurídico
b) sentido social do comportamento: regresso ao exemplo do “ato” de desligar a máquina do paciente que
dela carece para viver - critério do sentido social do comportamento: atender aos deveres que incubem o
agente

3. Distinção entre omissões puras (próprias) e omissões impuras (impróprias)


3.1 Omissões puras – são crimes formais (aqueles que não exigem para a respetiva consumação a
produção de um resultado, basta um mero não agir), pex: art. 200.º, art. 190.º/2ª parte – são o que os
crimes de mera atividade são nos crimes da ação.
3.2 Diferentemente, as omissões impuras – são crimes materiais ou de resultado. A omissão impura está
prevista no art. 10.º/1 CP que estabelece o princípio de equiparação da omissão à ação.  Há ainda
certos crimes onde se equipara especificamente as duas formas, nestes não temos de recorrer ao art. 10.º,
pex: art. 224.º, infidelidade patrimonial
Quanto aos crimes de omissão pura, não há grandes problemas uma vez que estão tipificados na parte
especial, pois uma pessoa só pode saber que não agir é crime se tal estiver previsto. Levantam-se mais
questões quanto à omissão impura:

4. A equiparação da omissão à ação nos crimes materiais (omisso impura):


4.1 Fundamento; a doutrina de Eduardo Correa; a perspetiva mais restrita de F. Dias: correspondência
essencial do sentido social (desvalor) da omissão à causação do resultado por ação - o Dr. Eduardo Correia
dizia que a ação era a negação de valores, e a omissão também, pelo que havia uma equiparação básica e
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fundamental entre ambas. O Dr. Figueiredo Dias apresenta uma interpretação mais restrita, entendendo
que não podemos comparar genericamente a ação e a omissão, temos de ver se no caso concreto o
sentido social da omissão pode ser equiparada à causação do resultado por ação

4.2 O carácter fulcral da posição de garante e do especifico dever que daí resulta e que obriga
“pessoalmente” o agente a evitar o resultado. Consequência: a diversidade da estrutura típica dos crimes
de ação e de omissão impura – o art. 10.º/2 dá razão à ideia exposta, pois limita a punição dos crime por
omissão aos casos em que existe um dever jurídico que pessoalmente obriga alguém a evitar um resultado
– o dever jurídico é constitutivo da responsabilidade por omissão
A tipicidade dos crimes de ação distingue-se da tipicidade dos crime por ação, pex: os factos particulares
de onde decorre o dever de salvar alguém, são complementares, acrescem ao tipo homicídio por ação –
logo a estrutura típica do crime de ação é diferente da estrutura típica do crime por ação

4.3 A ressalva da parte final do art. 10.º/1: a restrição introduzida no nº2, restrição da punibilidade de
certos crimes aos comportamento ativos. Critério é sempre o da similitude do desvalor – pode haver certos
casos em que a lei não queira punir a omissão (“salvo se outra for a intenção da lei”), pex1: no crime de
burla é preciso usar meios astuciosos para enganar a vítima – embora seja um crime de resultado, é difícil
pensar o cometimento do crime de burla por omissão porque como podemos usar astúcia através da
omissão; pex2: crime de homicídio qualificado quando o agente usa meios especialmente perigosos
Seja como for, o Dr. Figueiredo Dias defende o critério de analogia, procurar ver se naquele caso concreto
a prática do crime por omissão tem o mesmo desvalor do crime homólogo por ação
5. A questão da conformidade constitucional (Art. 27.º CRP) do art. 10.º/2 - é conforme com o princípio
da legalidade? Esta é uma cláusula aberta, geral. Todavia, a doutrina e a jurisprudência tem identificado
uma tipologia de situações de onde decorre o dever de garante, pelo que a cláusula é ainda conforme com
a Constituição, desde que os tipos de onde decorre o dever de garante sejam descritas com clareza,
precisão e sejam exaustivas (não remetam para cláusulas abertas)
Teoria material-formal – equivalência do desvalor entre o ataque e o não-salvamento do bem jurídico com
apoio em circunstância formais e positivas que ofereçam a necessária segurança jurídica aos cidadãos -
material porque presta homenagem à ideia que o fundamento é a semelhança entre o desvalor do crime
de ação e o crime de omissão (estamos a fazer um juízo material), mas não basta o juízo de desvalor,
temos de encontrar circunstâncias positivas e concretas que possam concorrer para que os cidadãos
tenham segurança na atuação.

6. Possibilidade de atenuação da pena. Representação social da menor gravidade dos crimes de omissão
(não causação do risco) - Art. 10.º/3 prevê uma possibilidade de atenuação da pena – representação social
de menor gravidade dos crimes de omissão, além de que as molduras penais estão pensadas para quem
comete um crime por ação. É algo que fica na competência do juiz decidir, não é uma atenuação
obrigatória, mas só se justifica se o facto for particularmente menos grave.

II O TIPO DE ILÍCITO DOS CRIMES DE OMISSÃO


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1. O ilícito-típico como lugar privilegiado da especificidade dos crimes de omissão - A especialidade dos
crimes de omissão projeta-se sobretudo no tipo de ilícito. Quais são os elementos comuns a todas as
omissões?

2. Tipo objetivo: elementos comuns a todas as formas de omissão:


a) Situação típica que exige uma atuaçao do agente (omitente) - Tem de existir uma situação de perigo
para o bem jurídico que exige uma atuaçao para o omitente, sendo que a situação típica aparece na
omissão pura descrita no próprio tipo legal de crime, e nas omissões impuras a situação que obriga o
agente a agir é o risco de ocorrência do resultado típico de um crime descrito na PE, e saber se este pode
ser equiparada a um crime de ação
b) ausência da ação devida ou esperada (conteúdo da conduta típica, substrato da punição) - o agente não
pratica a ação devida ou esperada pelo ordenamento jurídico
c) Possibilidade fática de agir: a impossibilidade de agir implica a inexistência do dever (ad impossibilita
nemu tenetur; remissão: a inexigibilidade lato sensu como categoria geral do dever e do ilícito); mas
atenção à possibilidade de salvamento por meios alternativos - o agente tenham a possibilidade fáctica de
agir, se não houver essa possibilidade trata-se de inexigibilidade que afasta a obrigação da própria
conduta, que afasta o dever

Tipo objetivo: elementos específicos da omissão impura:


a) imputação objetiva: diferença com os crime de ação: não existe o primeiro degrau (causalidade
real/natural); pura imputação normativa: doutrina da adequação (omissão da ação adequada) e da
conexão do risco - dentro do tipo objetivo temos desde logo a imputação do resultado por omissão, mas
neste caso não existe a causalidade real que existe na imputação do resultado nos crime de ação. O que
significa imputarmos um resultado ao omitente é sempre uma pura atribuição normativa, um juízo
normativo que não tem qualquer elemento de causalidade real ou natural. Aplica-se a doutrina da
adequação e a doutrina da conexão do risco

b) existe imputação sempre que a ação esperada/omitida fosse apta a diminuir o risco de produção do
resultado - aplicar doutrina da adequação: existe uma omissão adequada quando o agente não pratica
uma ação que poderia praticar e seria adequada a afastar o resultado – não é preciso para que o agente
cumpra o dever que a ação tenha êxito. Nestes casos pode haver uma particular incidência do princípio in
dubio pro reo;
c) aplicação das regras de exclusão da imputação do resultado - tem integral aplicação as regras da
conexão do risco e da imputação objetiva, especialmente o comportamento lícito alternativo.

3. Tipo objetivo: elementos específicos: a posição e o dever de garante:


3.1 Posição: substrato fático; dever: jurídico e pessoal (por oposição a um dever geral de prevenção de
perigos e de auxílio mútuo: princípio da legalidade) - Temos dois elementos específicos da omissão impura
intimamente ligados, mas que são distintos – posição e o dever de garante (de não produção do resultado).
Qual a diferença? Quando referimos a posição de garante significa o conjunto de pressupostos fácticos que
obriga a pessoa a evitar o resultado. Diferentemente, o dever de garante é um dever jurídico (que decorre
de normas) e pessoal (que incumbe a determinada pessoa mas não incumbe a generalidade das pessoas)
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3.2 Densificação do dever de garante De onde pode decorrer o dever de garante?


3.2.1 Teoria formal: três “fontes”: lei, contrato e situação de ingerência; vantagens (segurança jurídica) e
insuficiências (conexão entre fontes e o fundamento da omissão; conteúdo dos critérios) -
Tradicionalmente, na teoria formal, haveria 3 fontes – lei, contrato (pex: segurança pessoal, baby-sitting),
situação de ingerência - quando alguém cria um risco para a esfera jurídica da outra pessoa e fica obrigada
a remover esse risco, mesmo que tenha atuado de forma lícita  vantagens: segurança jurídica. 
Desvantagens: (1) existem várias situações que não são formalizadas como relevantes em outros ramos do
Direito, mas não penalmente relevantes, pex: deveres que um tio tem para com um sobrinho que vive com
ele; (2) as “lacunas” presentes nos contratos; (3) não atentam suficientemente no verdadeiro fundamento
dos crimes de omissão que é o princípio da solidariedade mínima que tem de existir na comunidade

3.2.1 Teoria das funções: há deveres de garante quando se trata de alguém que tem por função a guarda
de um bem jurídico concreto (deveres de proteção contra qualquer perigo), ou se trate de vigiar uma
concreta fonte de perigo (deveres de controlo) que possa ameaçar vários bens jurídicos. Todos os deveres
de garante se reconduzem a estas duas categorias  Ajuda a explicar a diversidade dos deveres de
garante, e o modo como funcionam. Contudo, não mostra qual o verdadeiro fundamento da incriminação
da omissão, nem aponta com suficientemente precisão os planos onde se releva o dever de garante, ou
seja, há pouca concretização positiva

3.2.3 Posição adotada: a teoria material-formal: desvalor equivalente + reflexo em circunstâncias positivas
- Teoria material-formal: o desvalor da omissão é equivalente ao desvalor da ação, mas esse desvalor tem
de ter reflexo em certas circunstâncias positivas.
4. Teoria material-formal - Temos 3 grandes grupos de situações
4.1 - situações onde existe entre certas pessoas deveres de proteção e assistência, que podem referir-se a
um bem jurídico particular ou a pessoas propriamente ditas. Desdobra-se em vários subgrupos: (1)
relações familiares e análogas, (2) relações contratuais (o que gera o dever de garante não é propriamente
o contrato, mas sim a relação fáctica de confiança que se estabelece entre os contratantes – exige-se o
contrato por razões de segurança jurídica), (3) casos de comunidade de vida (proximidade existencial) e
comunidade de perigo (situações temporárias ou esporádicas que um grupo de pessoa decide praticar uma
certa atividade que comporta riscos, pex: escalada de uma montanha)
4.2 - situações onde existe um dever de vigilância e de segurança em face de uma fonte de perigos, pex:
(1) situação de ingerência – a ação que gera o perigo não é ilícita, pois só assim a ingerência ganha uma
relevância particular; (2) deveres de fiscalização de fontes de perigo no âmbito de domínio próprio – quem
tem as vantagens de utilização do bem, também é responsável pelos perigos, pex: propriedade de
máquinas perigosas; (3) dever de garante em face de situações de terceiros – em princípio não somos
responsáveis das outras pessoas, mas admite-se que em certos casos, certas pessoas, possam responder
penalmente por ato de terceiro que vigiam que não seja imputável (pex: menores, internados em hospitais
psiquiátrico)
4.3 Posições de monopólio de facto – também tem deveres de evitar o resultado quando uma pessoa
pode fazê-lo e mais ninguém o pode fazer, pex: criança a afogar-se num lago e só está uma pessoa por
perto. O monopólio tem uma função subsidiária em relação às outras duas situações, e tem de existir uma
grande desproporção entre o valor do bem jurídico em causa e o esforço que se pede ao agente 
Tradicionalmente dizia que só se aplicava o monopólio de facto quando só 1 pessoa pudesse evitar o
resultado, mas hoje esta característica está em crise porque não se compreende afastar a responsabilidade
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penal quando puderem 2 pessoas evitar o resultado (o fundamental é não existirem outras pessoas a
quem incubem o dever primário)

5. Cumprimento do dever não exige o efetivo salvamento: basta a prática da ação adequada a evitar o
resultado - Não se exige o sucesso da ação, o dever cumpre-se quando o agente pratique a omissão
adequada e o resultado não deve ser imputado ao agente.

6. Posição de garante: pressupostos de facto que integram a factualidade típica dos crimes omissivos
impuros; dever de garante: elemento de caracterização do ilícito da omissão imprópria. Relevância da
distinção em matéria de erro - A posição de garante é o conjunto de pressupostos que originam o dever
de garante, distinção que tem grande importância para compreensão do erro em matéria de omissão

III O TIPO DE ILÍCITO SUBJETIVO NOS CRIMES DE OMISSÃO


1. Admissibilidade do dolo (várias modalidades) e da negligência (nos termos legais) - Os crimes de
omissão tanto podem ser praticados com dolo (nas suas várias modalidades) como com negligência (nas
duas modalidades - omissão por descuido, violação de um dever de cuidado). Relembrar que os crimes de
negligência só são punidos nos casos previstos na lei, art. 13.º

2. Erro sobre a posição de garante versus erro sobre o dever de garante


2.1 Erro sobre a posição de garante – pex: Pai que está na praia com o filho, não existe nadador salvador,
e o filho está em dificuldades no mar. Pai não vai salvar a criança porque julga que não é o seu filho, mas
outra criança que estava na praia  erro de conhecimento/intelectual, ao não perceber que é o seu filho o
omitente não representa a sua posição de garante (os pressupostos da posição de garante fazem parte do
tipo, pelo que não está a representar a factualidade típica) – erro sobre a factualidade típica, art. 16.º/1/1ª
parte – exclusão do dolo do tipo, eventual responsabilidade por negligências nos termos do art. 16.º/3, se
o tribunal entender que no caso concreto não deveria ter averiguado se não era o seu filho
2.2 Erro sobre o dever de garante – pex: Pai que está na praia com o filho, e o filho está em dificuldades no
mar. Pai não vai salvar a criança pois, embora percebe que é o seu filho, acha que quem tem o dever de
salvar é o nadador salvador  representa bem todos os factos, erra na valoração dos factos, não atualiza a
sua consciência moral – erro da consciência moral/de valoração, ou seja, é um erro sobre a ilicitude, art.
17.º - pode ser censurável ou não censurável mas será sempre uma falta de consciência do ilícito

IV. O TIPO DE CULPA NOS CRIMES DE OMISSÃO


1. Característica particular: maior frequência da falta de consciência do ilícito: a natureza controversa da
proibição como elemento essencial da falta de consciência do ilícito (remissão) e sua verificação
particular nos crimes de omissão (discussão sobre as posições de garante); recuperação do critério da
personalidade reta - Não tem grandes especialidades. É possível que exista uma maior frequência
estatística de casos de falta de consciência do ilícito, até não censurável, precisamente porque as situações
do dever de garante não são totalmente líquidas. Deste modo, é pensável uma maior plausibilidade de
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erros sobre o dever de garante que conduzam à exclusão da culpa através da aplicação do critério da
consciência reta.
2. Particular relevo da dupla projeção da ideia de inexigibilidade- dupla projeção da ideia de
inexigibilidade, como no conflito de deveres, há casos em que a ideia de inexigibilidade serve para dizer
que não existe o dever de agir. Isto não significa que a ideia de inexigibilidade não continue a ser relevante
para efeito das causas de exclusão da culpa

FIM

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