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Copyright © 2022 por Bruna Pallazzo

Todos os direitos reservados.

Título: Mascarados
Revisão: Ana Ferreira, Hanna Câmara e Raquel Moreno.
Leitura Crítica: Ana Ferreira
Capa: Danieli Tavares
Diagramação: Nathalia Santos

Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer


meios, sem o consentimento do(a) autor(a) desta obra.
Esta é uma obra de ficção. Todos os nomes, lugares,
acontecimentos e descrições são fruto da mente da autora. Qualquer
semelhança com a realidade é mera coincidência.
Texto revisado conforme o Novo Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa.
Mascarados – Série Amores Imperfeitos – Livro 2
Um dia escutei que as pessoas com sorrisos mais bonitos são
as mesmas que escondem as dores mais profundas. Me olhando
agora, vejo que talvez essa frase estivesse errada.
Eu não acho que escondo minhas feridas, eu apenas não as
sinto mais. É o melhor a se fazer, assim como me manter afastado
da possibilidade de algum dia deixar alguém me amar novamente.
Um monstro não ama, ele destrói. E pessoas como eu
merecem ficar sozinhas.
A culpa que corrói meu coração o paralisou, e mesmo que a
menina de olhos perversos e lábios pecadores me faça desejar que
ele volte a bater, eu sei que não posso permitir.
Eu não sou o príncipe que ela deseja.
E eu não preciso de nenhuma princesa.
O futebol americano era uma lembrança diária do motivo pelo
qual eu não deveria permitir que o coração de ninguém batesse por
mim. Principalmente o dela. Ela merece um rei. E eu sou apenas uma
fera enjaulada em uma máscara de homem feliz.
Sou imensamente grata por apresentar mascarados a vocês. A
experiência de me tornar escritora vem sendo uma espécie de
libertação para mim. Logan foi um menino que se apresentou para
mim da mesma forma que para vocês, um moleque feliz e festeiro
que não se importava muito com nada. Confesso que quando
compreendi a dimensão do passado dele, me assustei e tive medo,
tanto medo que por um tempo eu não quis levar esse enredo adiante.
Não é um assunto fácil, muito menos tranquilo. Logan me mostrou
algo que eu, de fato já sabia, as pessoas com sorrisos lindos
escondem dores intensas e devastadoras.
Dito tudo isso, preciso te lembrar que somos todos imperfeitos.
Sendo assim, nosso jeito de amar traduz essencialmente essa
imperfeição. Às vezes amar é feio, dói e temos vontade de fugir.
Quando eu falo isso, não digo apenas de um amor romântico, mas
todos os tipos de amor, inclusive nosso estimado amor-próprio.
Mascarados é um livro sobre amor e talvez seu lado mais
cruel: o da desistência. Às vezes desistimos das pessoas, das
coisas e/ou da vida. Não é bonito, não é poético, não é romântico. É
cruel. É trágico. É triste.
Preciso te afirmar, Mascarados não é um livro fácil. Temos sim
muitas cenas engraçadas, eróticas e românticas. Em compensação,
temos cenas brutalmente reais. E quando eu digo isso, não falo
somente sobre cenas gráficas de nada, e sim sentimentos reais que
podem tocar em nossas feridas.
Quando me propus a ser escritora, meu foco sempre foi
mostrar a realidade, por isso muitas vezes você se sente parte da
vida do meu personagem, e às vezes — se eu tiver feito tudo certo
— esquece até que ele é um personagem. Eles são reais, podia ser
você ou um amigo, um vizinho. Enfim, meu pessoal é humano, então
não espere dores e amores idealizados.
Eu brinco com conto de fadas de propósito, porque nós
podemos buscar nosso próprio conto de fadas, mas sem esquecer
da nossa realidade cruelmente bela.
Leia atentamente as notas de gatilho, reflita se esse livro é
para você ou não, respeite seus limites. Sua saúde mental SEMPRE
vai valer mais que entretenimento. Eu me proponho a escrever um
livro real e intenso, sempre te avisando o que será encontrado em
suas páginas. Minha responsabilidade é te avisar, a sua é decidir e
conhecer os seus limites. Quem os delimita é você.
Além disso, Logan Gauthier é bissexual, e mesmo que sua
história de amor seja com uma mulher, não o desvalida de forma
alguma como tal. A sexualidade de Logan não será o foco de
debate, no sentido de que sua sexualidade é um fato bem
consolidado e bem aceito. Logan já é alguém que se descobriu, se
aceitou e ponto final. Se você é homofóbico, digo tranquilamente:
esse livro não é para você.
Depois de todo o papo sério, espero se divirta muito com
Mascarados. Se permita rir, chorar e às vezes querer socar esses
personagens. Que você encontre nessas páginas a esperança de
que tudo um dia acaba, inclusive, a dor.
Bom divertimento.
Bruna Pallazzo.
ESSE LIVRO POSSUI GATILHOS PARA PESSOAS
SENSÍVEIS AOS TEMAS:
Ansiedade — com cenas gráficas de crises —, depressão,
suicídio, abuso de substâncias lícitas e ilícitas, bulimia,
violência doméstica, estupro, abuso físico, psicológico e sexual.
Abandono parental e relação familiar tóxica.
Transtorno de Ansiedade generalizada: É um transtorno mental
caracterizado principalmente por uma ansiedade e preocupação
generalizada e excessiva acerca de diversos eventos ou atividades.
A intensidade e a duração da ansiedade são sempre
desproporcionais à probabilidade real ou o impacto do evento
antecipado.
Para evitar a possibilidade de autodiagnóstico, não listarei aqui
todos os sintomas possíveis. Lembre-se que transtorno mental tem
tratamento. Procure ajuda.
Livros são entretenimento, então caso você seja sensível a
qualquer assunto aqui listado, tenha cuidado.
Fiquem bem,
Bruna Pallazzo.
Para aquela que olhou debaixo da minha máscara e, ainda
assim, me amou e permaneceu. Amo você, bocuda.
Deixe ir tudo aquilo que te prende nessa enxurrada de angústia
e tristeza. Às vezes um adeus também é uma prova de amor - a si
mesmo.

Bruna Pallazzo.
Sejam bem-vindos(as) novamente à Universidade de
Crownford.
Primeiro, preciso te dizer que estou imensamente grata por
você estar aqui. Segundo, preciso relembrá-lo(a), caro aluno(a), que
as coisas que acontecem aqui em nossa universidade são fictícias, e
que qualquer semelhança com a realidade é uma mera coincidência.
Os alunos seguem sendo as mesmas pestes de sempre. Creio
que você já deva ter compreendido como eles funcionam, mas seja
como eu e sempre espere que a qualquer momento eles possam te
surpreender.
No semestre passado, o runningback emocionado – finalmente
– encontrou sua princesa. Quem me dera se todos eles tivessem
problemas apenas em encontrar sua outra metade. Aparentemente,
Matteo Azzaro é o único dentro do seu bando que tinha esse desejo.
Mas sabe, eu não costumo pensar apenas no que os meus alunos
querem, eu também penso no que eles precisam. Viram como eu sou
ótima?
Aqueles ingratos não acham, mas eu não ligo. Quando
finalmente conseguem seus estimados finais felizes, não escuto
nenhuma reclamação.
Esse semestre vamos observar mais atentamente Logan
Gauthier, o surubeiro – mas eu o chamo de mascarado –, um dos
meus piores alunos. Aquele ali desconhece a palavra limite e não tem
muito o que eu possa fazer além de aguentar todo o seu poder de
destruição. Quem organiza uma orgia na sala de química? Preciso
de alguém que consiga adestrar esse menino o mais rápido possível.
Dizem por aí que ele sempre foge quando o assunto é
relacionamento. Ai, Logan, você já devia saber que ninguém
consegue fugir quando o assunto é destino, e muito menos quando
estamos falando sobre sentimentos.
Bom, meu aviso a você, caro estudante, é que esteja disposto
a conhecer a ferinha da Universidade de Crownford. Pela minha
experiência, nem tudo é exatamente como parece ser.
Boa sorte nesse novo semestre.
Bruna Pallazzo.
Diretora da Crownford University.
(Também conhecida como destino ou agente do caos).
Um ano e meio antes.
— Você vai nessa merda de churrasco! — Sebastian jogou a
camiseta que segurava em suas mãos na minha cara. — Nem que eu
tenha que te levar pelos cabelos, mas você vai!
— Seb, eu já tenho outra festa para ir. — Passei a mão pelos
meus cabelos que deviam estar um completo caos, já que eu tinha
passado a manhã deitado, descansando da noite anterior.
Eu odiava qualquer coisa que envolvesse família. Aguentar a
minha já era um enorme suplício. Ter que aguentar a de outra
pessoa, que eu nem gostava tanto assim, estava fora de questão
para mim.
Entre uma festa na república e uma na casa do Azzaro, eu não
precisava pensar muito para decidir a minha preferência.
O futuro runningback titular do nosso time parecia ser um cara
legal, isso não tinha como negar. Fazia algumas semanas que nos
conhecíamos, e ele tinha se mostrado extremamente amigável e
receptivo, mas isso não me dizia muita coisa. Pessoas boas também
eram capazes de serem terríveis, ainda mais quando elas eram tão
certinhas como Matteo. Mesmo sendo um pouco difícil não gostar
do garoto, eu não tinha facilidade de confiar nas pessoas, muito
menos de deixá-las realmente se aproximarem de mim.
Sebastian sempre foi mais reservado, porém, de uma forma
bem contraditória, era mais aberto a novas relações. Eu não era
babaca. Não tratava as pessoas mal, só realmente não queria que
elas entrassem na minha vida. E Matteo parecia ser um cara
sorrateiro, quando eu desse por mim ele já estaria grudado no meu
pescoço.
— Para com isso, Logan! O cara nos convidou para conhecer
a família dele. Falando assim, até parece que você não almoça,
treina e estuda com ele todos os dias. Ele é nosso amigo. —
Sebastian disse, procurando algo na minha gaveta de calças.
Odiava que mexessem no meu closet, minhas roupas eram
algo praticamente sagrado para mim. Minha mãe sempre me dizia
que as pessoas que se arrumavam muito por fora geralmente
estavam completamente desarrumadas por dentro. A mulher não
poderia estar mais certa, porque meu interior era tão sujo e
desarrumado que eu o tinha desligado há alguns anos.
— Você sabe que eles não são meus amigos, e pare de
bagunçar minhas calças! — Acham que ele me escutou? Lógico
que não. Sebastian só fazia as coisas quando queria e se queria.
— Não entendo qual o problema de se abrir para o Thompson
e o Azzaro. — Sebastian prendeu seus cabelos em um coque frouxo.
Sebastian, meu melhor e único amigo, era um homem alto de
pele branca, com rosto irritantemente simétrico e o maxilar bem-
marcado. Sua obsessão com futebol o levava a malhar ainda mais do
que qualquer um naquele time, o proporcionando o melhor físico
também. Mesmo ele sendo menor do que eu, preciso admitir que ele
era ainda mais trincado e malhado, ou seja, mais gostoso.
— Quer mesmo que eu responda essa pergunta? — Arqueei
as sobrancelhas.
— Logan, para ser amigo de alguém, você não precisa contar
exatamente tudo da sua vida. Eles não precisam saber do seu
passado.
Senti até os músculos das minhas costas ficarem tensos com
sua afirmação.
Eu não acreditava nisso.
Para que alguma pessoa permaneça na minha vida, ela
precisava primeiro me aceitar com toda a merda que vem junto. E
acredite, não era pouca. Eu duvidava muito que o príncipe perfeito e
o kicker[1], que mais parecia um gato acuado, iriam conseguir essa
proeza que até hoje apenas Sebastian conseguiu. Permanecer na
minha vida não era para qualquer um. Não nego que escolho a dedo
quem entra no meu coração e conhece meus segredos.
— Não estou entendendo o motivo de toda essa investida em
ser amigo desses meninos.
Sebastian suspirou e empertigou as costas.
Ok, isso era realmente importante para ele, então talvez
realmente merecesse a minha atenção.
— Eu realmente gosto deles, Logan. Eles são completamente
diferentes das pessoas que estamos acostumados. Matteo é muito
participativo, e o Noah… — Ele não completou.
— O que tem o bad boy? — Tentei brincar, mas Sebastian me
conhecia bem demais para cair em qualquer zoação que nos tirasse
do foco principal.
Seb cruzou os braços e me olhou com um semblante sério.
— Não sei, eu só gosto deles. Se abre pelo menos um pouco.
Os dois não me parecem ser do tipo babacas. — Seb pediu.
Sebastian, mesmo sendo muito seguro de si, sempre teve
problemas por não conseguir se enturmar com as pessoas na nossa
bolha social. Óbvio que isso era por escolha dele, porque eu
conhecia algumas pessoas que se matariam para estar ao lado do
meu melhor amigo. Já eu era tranquilo com isso. Estava acostumado
com a podridão da elite nova-iorquina, e não me afeiçoar a eles
deixava tudo ainda mais fácil.
Sebastian e eu crescemos praticamente juntos. Eu nem me
lembrava de uma vida em que ele não estivesse ao meu lado. Foi por
isso que, ao perceber o quanto era importante para ele se aproximar
desses novos amigos, eu decidi que iria.
Apenas por ele.
— O que eu não faço por você? — Resmunguei levantando-me
da cama.
— É o que fazem os amigos, então não precisa ficar mal-
humorado. — Seb falou sorrindo.
Era impressionante o poder dele de persuasão. O idiota, que
provavelmente seria o mais novo capitão dos Crownford Kings,
sempre conseguia tudo o que queria. Quer dizer, nem tudo. Harmony,
sua melhor amiga de infância, era uma pessoa que nunca conseguiu
dar o que ele tanto desejava.
Sabia exatamente o que meu amigo sentia. E jurei para mim
mesmo que não sentiria essa merda nunca mais na minha vida.

A casa dos Azzaro era uma típica casa de família suburbana,


feita toda de tijolos aparentes e janelas brancas e uma cerca do
mesmo tom. Não podia dizer que era feia, mas também estava bem
longe de ser parecida com o lugar que eu e Sebastian crescemos.
O quintal estava lotado de pessoas. Quase nem parecia um
churrasco típico, estava mais para uma festa. Todos pareciam tão
animados e sorridentes. Era interessante ver um lugar onde as
pessoas eram realmente felizes. Nada de glamour ou status.
Ainda não tínhamos sido apresentados para a família
propriamente dita. Cada vez que íamos até os pais de Matteo, eles
estavam envolvidos em algum diálogo com outras pessoas. Não que
eu estivesse reclamando, eu não era o amigo que as pessoas
geralmente apresentavam para os pais. Então, se hoje eu
conseguisse passar ileso dessa obrigação, levantaria as mãos para
o céu e agradeceria a benção.
Sempre fui o garoto problema, aquele que todos chamam para
as festas e depois fingem que não conhecem. E eu gostava de ser
assim, já estava confortável com isso há anos.
— E eu achando que as festas dos nossos pais eram lotadas...
— Sebastian disse.
— Vocês não viram nada. Hoje até está vazio. — Noah
resmungou.
Noah Thompson era um cara de pouquíssimas palavras, mas,
ao contrário de todas as expectativas, com a gente ele conversava.
Óbvio que quem tinha conseguido a proeza de fazer o moleque
falar tinha sido eu. Não consegui deixá-lo em paz enquanto não o fiz
sorrir pelo menos uma vez. Eu sempre fui persistente — talvez até
um pouco teimoso —, e Noah era um cara esperto que já tinha
sacado isso logo de cara. Acho que depois de alguns dias ele
simplesmente cedeu.
Olhando para ele agora, até consigo ficar um pouco mais
tranquilo. Se ele, que tem toda essa pinta de que pode foder a vida
de qualquer um, foi aceito pelos pais do Azzaro e, pelo que eu
entendi, é o melhor amigo do Matteo há longos anos, então talvez eu
não tenha tantos problemas assim.
Não que eu quisesse ser aceito. Na verdade, eu só queria ir
embora.
— Pessoal, vou apresentar minhas irmãs a vocês. — Matteo
disse vindo em nossa direção, sorridente. O menino estava sempre
sorrindo, e de um jeito verdadeiro. De um jeito que sempre me
deixava com inveja.
Como deve ser ter uma vida que você sorri e não mente?
Como deve ser uma vida sem máscaras?
Estávamos os três em um canto perto da piscina, no quintal da
família Azzaro. Sentindo um calor terrível, mas pelo semblante
receptivo no rosto do Sebastian, para ele estava tudo ótimo.
Por fora, eu provavelmente parecia ainda mais feliz e aberto.
Agora por dentro... bom, nem eu mesmo sabia.
— Irmãs? — Arqueei as sobrancelhas.
— Não precisa nem olhar assim. Elas não são para o bico de
vocês. Sério, é território proibido. — Matteo apontou o dedo para
mim.
— Não existe tal coisa como território proibido para mim,
Azzaro. — Pisquei e recebi um beliscão de Sebastian.
— Cala a boca, respeita o cara. — O aspirante a dominador
parecia que ia voar no meu pescoço.
Sempre achei fofo como ele ainda tentava me educar, como se
isso fosse possível.
— Não mexa com a família dele — Noah resmungou — Só dá
problema, confia em mim.
Matteo suspirou olhando para uma garota. Os cabelos eram
pretos e quase batiam na bunda... e que bunda. Não me importaria
em nada de esquecer meus problemas metendo naquela bunda.
Era um problema usar o sexo para me divertir e desligar minha
cabeça fodida? Provavelmente.
Eu pararia? Óbvio que não.
Abaixei minha cabeça, quando recebi um tapão.
— O que foi, porra? — Perguntei passando a mão na minha
cabeça.
— Essa é Elizabeth, território proibido também. — Noah
respondeu.
Arqueei as sobrancelhas para Noah. O que tinha na moça que
a fazia tão importante assim?
— Quem é a donzela proibida? — Perguntei.
— Para você, ela não é ninguém. — Noah respondeu
resmungando.
Esse menino não sabia conversar sem resmungar? Não era
difícil para mim.
— Ah meu amigo, com aquela bunda, acredite, impossível…
— Cala a boca, porra! — Seb cochichou ao meu lado.
— Por favor, parem de falar da bunda da minha prima! —
Matteo olhou para o céu, como se pedisse paciência a Deus.
Alguém precisa avisar o pobre coitado o quanto antes que nem
Deus seria capaz de dar paciência para lidar conosco.
— Paramos, prometo — Beijei meus dois indicadores fazendo
a promessa mentirosa — Então, as irmãs?
— Estão lá na sala — Matteo foi andando rumo ao interior da
casa — Por que eu sinto que irei me arrepender de fazer isso?
— Fique tranquilo, Azzaro. Nós vamos respeitar os limites. —
Seb assegurou.
Eu ri internamente.
Desde quando algum de nós respeitamos os limites?
Andamos juntos até a sala de estar da casa dos Azzaro. A
casa em si era muito arrumada e bonita, mas de um jeito sem
grandes luxos. Foi interessante ver como Matteo parecia um pouco
ansioso para nos apresentar sua família. Ele estava, sim, com
ciúmes, mas eu podia notar o nervosismo para que todos aceitassem
a mim e Sebastian. Talvez eu estivesse errado no final das contas.
Na minha frente, estavam as mais velhas da prole dos Azzaro –
quem nos dias de hoje tinha cinco filhos, pelo amor de Deus? Não
tinha nem espaço no mundo para esse tanto de gente.
Stella era a mais velha e, pela simpatia e falação, ela e Matteo
tinham personalidades parecidas. Já Antonella poderia até ser
parecida fisicamente com a irmã mais velha, mas era bem mais
tímida. Ela não era reclusa e taciturna como Noah, a mulher era só
realmente muito tímida. Chegava a ser fofa.
Eram ambas muito bonitas, mas não fizeram meus pelos
eriçarem. Ou talvez eu não tenha prestado muita atenção depois que
eu vi um cara realmente gostoso que estava à minha direita.
Ele era exatamente do jeito que eu gosto. Cabelos pretos,
olhos verdes, uma bunda gostosa e uma barba cerrada que
arranharia minha virilha quando eu o colocasse para mamar no meu
pau.
É, realmente Matteo não precisava se preocupar. Eu já tinha
encontrado algo que me interessava, e não era nenhuma das irmãs
dele.
— Preciso pegar um babador? — Uma voz feminina chegou
aos meus ouvidos.
— Ninguém pode me culpar, o homem é gostoso demais. —
Comentei sorrindo, sem nenhum pingo de vergonha na cara.
Eu era bissexual e nunca tive problemas para compreender a
minha sexualidade. Claro que, quando se tem quinze anos e gosta de
homens do mesmo jeito que gosta de mulheres, as coisas podem
ficar um tanto quanto confusas, mas eu não demorei para me
entender e me assumir. Todo o processo de descoberta para muitos
era doloroso, mas para mim foi mais como um fato. Eu percebi que
era bissexual, assim como percebi que era gostoso me olhando no
espelho. Não foi um grande mistério, muito menos uma dor.
Virei minha cabeça e me deparei com olhos profundamente
verdes, me encarando risonhos.
— Joe realmente é muito gostoso. Inclusive, o namorado dele
também acha. — A menina de olhos pecadores piscou para mim,
brincalhona.
Não podia negar, gostei dela logo de cara.
— Não tenho ciúmes, adoro um ménage. Se o namorado
quiser participar também, vou adorar. Aliás, você também está
convidada. — Pisquei de volta para ela.
Meus comentários sempre fizeram com que as pessoas
corassem, ou, pelo menos, darem alguma risadinha nervosa. Mas,
diferente das pessoas comuns, essa aqui se manteve tranquila.
Provavelmente, achando apenas graça do meu atrevimento.
Quem é você?
— Eu até poderia topar, mas eu causaria um infarto no meu
irmão — Ela respondeu olhando para Matteo que conversava com
Seb, Noah e suas outras irmãs.
Olhei novamente para a menina atrevida que estava ao meu
lado. O tom inconfundível dos olhos era uma dica que se tratava de
uma Azzaro, mas ela tinha algo de diferente do resto dos seus
irmãos. Involuntariamente, olhei para baixo. Ela tinha seios grandes,
e pareciam absolutamente deliciosos. Foi um pouco difícil tirar meus
olhos dela. Eu sabia que não era nem um pouco educado olhar assim
descaradamente, mas foi incontrolável. Desci meus olhos me
deparando com sua cintura fina e quadril arredondado.
Porra, ela era linda.
Senti aquela descarga elétrica gostosa que apenas o tesão
consegue dar ao observar seu corpo. Voltei meu olhar para o seu
rosto e percebi que ela ainda sorria, mesmo após a fiscalização
descarada e nem um pouco educada.
— Qual das gêmeas você é? Isabella ou Donatella? —
Questionei, me recordando dos nomes das irmãs que Matteo ainda
não tinha me apresentado.
— Isabella — Ela estendeu a mão para mim — Mas todo
mundo me chama de Bella.
Os cabelos negros eram como os da senhora Azzaro e caíam
em cascata pelos seus ombros. Observei mais atentamente seus
lábios carnudos e convidativos. Ao contrário das suas irmãs, que
pareciam tranquilas e até mesmo angelicais, Isabella tinha algo
diferente no olhar.
Ela queimava diferente.
— Então, quer ajuda para conseguir comer os meus dois
amigos? — Ela perguntou e eu, pela primeira vez em anos, corei.
Meu Deus, agora o apelido de gêmeas do mal começava a
fazer todo sentido.
— E quem disse que eu preciso de ajuda, Bella? — Perguntei
testando o seu nome na minha língua.
É... era um bom nome para chamar enquanto gozava.
— Você não precisa, mas eu sei que quer. — Respondeu com
convicção.
— Eu quero sua ajuda? — Arqueei minha sobrancelha tomando
um gole da minha cerveja, que nesse momento já estava quente.
Garota petulante. Já disse que gostei dela?
— Claro que quer, Logan. — Eu tinha me apresentado para
ela? — Aprenda uma coisa, todos sempre querem minha ajuda e eu
sempre estou disposta a ajudar.
— Não preciso de ajuda para conseguir uma foda, gata.
— Claro que não precisa. Você é gostoso, e pelo tamanho da
sua mão, tem um belo pau. — Desdenhou com a mão.
Tossi engasgado.
Meu Deus, ela não tinha filtro?
Isabella bateu nas minhas costas, e todos os meus amigos
olharam para mim preocupados.
Deus, como uma pessoa como eu se assustava com
comentários sobre sexo? Geralmente, era eu quem chocava as
pessoas, não ao contrário. Pensando bem, não tinha sido o que ela
falou, mas o fato que eu não esperava que tais palavras saíssem
dos seus lábios gostosos.
— O que você disse para ele, Isabella? — Matteo perguntou,
vindo em minha direção tentando me ajudar.
— Nada. — Ela respondeu, fazendo uma carinha de santa que
quase dava para se deixar enganar.
O ar estava voltando ao normal e Stella havia me dado um
copo de água. Fui colocado no sofá – literalmente me sentaram nele.
E quando eu olhei para cima, Isabella não parecia nada preocupada.
Na verdade, ela estava mesmo era ansiosa.
— E então? Vamos conquistar o ménage? — Bella perguntou
animada.
— Eu disse que não precisava da sua ajuda.
— Eu sei. Não ligo, vou ajudar. — Respondeu sem titubear.
— E você sempre consegue tudo o que quer? — Arqueei as
sobrancelhas.
Isabella balançou a cabeça, acenando positivamente, e
esboçou um sorriso que eu podia jurar que era uma das coisas mais
lindas que eu já tinha visto.
Suspirei resignado, me rendendo ao seu desejo.
E, então, essa foi a primeira vez que eu fiz o que ela queria. E
foi fazendo exatamente isso que condenei nossos corações a uma
fogueira que queimaria nós dois.
Um caos completo. Isso que era o Natal dos Azzaro.
Eu conhecia Matteo — e consequentemente toda a família dele
— há quase dois anos, mas ano passado não pude passar o Natal
aqui. Meu pai foi categórico em me obrigar a ficar na festa da
empresa com ele e com Thommy, meu irmão mais novo.
Eu não tinha interesse na vida do Hunter, e muito menos ele
tinha interesse na minha, mas fazia qualquer coisa para mostrar para
os outros que podíamos, sim, ser a família perfeita. Uma enorme
piada. Se tinha uma coisa que minha família jamais conseguiu ser,
era perfeita. Se eu fosse brutalmente honesto, nós nunca teríamos
conseguido ser felizes, mas Hunter Gauthier não ligava para
felicidade, e sim para aparências.
Os Azzaro podiam não ser perfeitos, mas eles pelo menos
eram unidos. Você podia ver o amor em cada ação deles. Grace
tinha olhos atentos sobre todos, Giovanni estava sempre pronto para
dar um dos seus puxões de orelha, Stella sempre estava pronta para
te oferecer um ombro para chorar, assim como Antonella sempre
tinha carinho e palavras doces em momentos de crise. Donatella era
um verdadeiro leão quando alguém ousava mexer com um dos seus,
e bem, minha diabinha, juntamente com Matteo, tinha como
característica a superproteção.
Os Azzaro tinham amor.
Os Gauthier tinham ódio.
Minha relação com meu pai nunca havia sido boa, mas agora,
além de uma relação de merda, meu pai estava completamente
ausente, o que era estranho. Eu já havia passado minha cota de dias
tentando entender o que o idiota estava tramando, mas nada parecia
fazer sentido.
Olhei para o lado e vi que Noah está conversando com o
Senhor Azzaro. É interessante como o cara mais fechado que eu
conheço ficava solto ao lado da família de Matteo. Sebastian se
juntou a eles logo depois de sair do banheiro, e eu decidi fazer o
mesmo. Sempre gostei de passar um tempo ao lado do pai de um
dos melhores amigos. Giovanni era uma daquelas pessoas que fazia
você se sentir confortável ao seu lado, pela simples razão que ele
não julgava ninguém.
Se eu pudesse escolher qualquer pessoa para me inspirar,
com certeza seria ele.
Observei a sala de estar da família com um pouco mais de
calma, tentando achar o meu irmão. Sorri vendo que ele não estava
em lugar nenhum, e era um alívio saber que não preciso me
preocupar com isso. Grace Azzaro — a mãe do Matteo — deu
permissão para ele se sentir em casa. O menino era folgado e
carente, então obviamente devia estar em algum lugar brincando ou
destruindo alguma coisa. Se tratando de Thomas Gauthier, a última
opção era a mais provável. O menino sabe ser uma peste quando
quer.
Eu não impediria uma criança, que é praticamente órfã e
sozinha, de se divertir no Natal. Meu grande sonho é conseguir dar
para Thomas as coisas que eu não tive, e pode ser que isso comece
com lembranças de Natais felizes. Meu irmão, mais do que qualquer
pessoa, merecia isso.
Cheguei na rodinha de Noah, Seb e Tio Giovanni e notei que
ambos falavam sobre a cafeteria do homem que conseguiu criar
cinco filhos, ter um negócio e ainda sair adotando os amigos dos
filhos.
— Não vejo motivo para aumentar a cafeteria, os meninos não
irão levá-la para frente. Stella está bem no consultório dela, Antonella
vai lançar o terceiro livro daqui alguns meses e tem tudo para ser um
sucesso. Isabella está estável no emprego como engenheira,
Donatella provavelmente será efetivada como advogada depois que
terminar a faculdade e Matteo vai seguir na medicina. Não tem
porque aumentar um negócio que daqui uns anos eu nem terei mais
saúde para tocar. — Giovanni disse, dando um gole em seu whisky.
Ele não escondia o quanto era orgulhoso dos seus filhos, mas
ver que seu negócio não teria uma continuação parecia ser
igualmente um problema.
— O senhor sabe que Isabella não deixaria a cafeteria acabar,
não é? — Respondi — Ela adora aquele lugar.
Hoje em dia, minha diabinha era minha melhor amiga. Eu me
sentia orgulhoso desse feito. A menina que era o poço da
desconfiança, que não abria as comportas do seu coração com
facilidade. Até hoje não sei o que eu fiz para entrar naquele antro
escuro e frio, mas tenho certeza de que deve ter sido algo muito
bom.
Ela podia ser até mesmo chata aos olhos alheios, mas eu
conhecia Isabella, sabia que por debaixo daquela armadura tinha um
coração gigante.
— Minha bambina[1] adora mesmo. Mas ela vai alçar voos
mais altos que esse, e eu não vou segurar nenhum filho meu para
viver um sonho que não é deles. Não seria egoísta dessa forma. —
Giovanni Azzaro disse olhando para Sebastian.
Era impressionante a forma como cada frase desse homem
era colocada para nos cutucar de alguma forma. De sonso ele só
tinha a cara. Giovanni sempre sabia exatamente o que estava
fazendo. Ao contrário de Matteo, que era muito impulsivo, seu pai
parecia calculista. Uma qualidade que eu conhecia muito bem.
— Eu gostaria de ter um negócio nesse formato — Noah falou,
chamando atenção do pai de Matteo.
— Nunca me contou que pensava em abrir um negócio, Noah.
— Sebastian pontuou.
Eu também estava surpreso. O kicker do nosso time sempre
foi tão fechado sobre seu futuro quanto uma prisão de segurança
máxima. Sabíamos que Noah não iria para frente com o futebol
americano e engenharia civil não parecia a paixão da sua vida, mas
não deixava de ser surpreendente escutá-lo falar sobre abrir um
negócio.
— Eu andei pensando sobre isso esses dias, não me vejo
morando em outra cidade. Eu gosto daqui e, não sei, tive algumas
ideias — Noah murmurou envergonhado.
— Você quer me contar sobre essas ideias? — Giovanni
perguntou orgulhoso.
Eu quase podia ouvir as engrenagens do cérebro do velho
trabalhando.
— Não sei, eu acho que, por exemplo, se fizéssemos uma
livraria e uma cafeteria no mesmo lugar? Seria interessante, e uniria
duas coisas... que... hm — Ele ficou vermelho — que as pessoas
gostam.
— Que pessoas? — Questionei segurando o riso.
Tinha apenas uma pessoa que eu conhecia que amava livros
tanto quanto amava café. E era a mesma pessoa que esse idiota
tinha me prometido que tentaria esquecer. Eu não sabia por que eu
ainda teimava em acreditar em Noah.
Hoje, eu acho que Noah não mente por maldade, ele só
escolhe responder o que a pessoa quer escutar para evitar a
encheção de saco. Como se eu ou Sebastian caíssemos nessa
merda. Matteo era melhor em ler Noah do que nós, isso era óbvio,
mas já havíamos aprendido a lidar com o bad boy.
— Isso, muitos leitores são viciados em café e têm os
estudantes também. Parece ser uma boa ideia. E aqui em
Crownford, por ser uma cidade universitária, acho que teria um
público muito grande. — Noah argumentou desviando o olhar.
Noah parecia envergonhado em falar sobre sua ideia, mas
conhecendo ele como eu conheço, sabia que o problema não era a
ideia em si, e sim que ele tinha orquestrado todo um negócio
baseado em uma mulher.
— É uma ótima ideia, Noah. — Os olhos do Tio Giovanni
brilhavam — Podemos falar mais sobre isso, quer dizer, podemos
falar sobre isso quando você finalmente ligar para a psicóloga e
marcar a primeira sessão.
Me virei para Noah, assim como Sebastian. O idiota tinha
falado para a gente que já tinha até ido na primeira sessão.
Mentirosinho filho de uma puta.
— Eu vou marcar, ok? Depois das festas de final de ano. —
Noah se defendeu.
Aham, vai sim. E eu vou deixar de ser gostoso.
— Quando você for pego no exame antidoping porque está
usando aquelas merdas ou estiver com o pulmão fodido, eu juro que
vou te socar. — Sebastian falou puto.
— O amor de vocês é comovente. — Noah resmungou.
Se eu era um Golden Retriever, esse aqui era o quê? Um
Pinscher? Estava constantemente puto com a vida e sempre
resmungando alguma coisa.
Semestre passado, meus amigos começaram com essa
piadinha de que eu parecia um Golden Retriever, graças ao meu jeito
extrovertido e um pouco elétrico. Eu ainda estava pensando em qual
raça de cachorro que eu iria comparar esses bundões.
Eu sempre aceitava brincadeira comigo, já que isso sempre me
dava munição para brincar de volta.
— É justamente por amar você que a gente se preocupa, seu
cuzão.
Giovanni colocou a mão no ombro de Noah.
— Quando ele decidir se amar, vai procurar ajuda. Não é,
filho?
O ingrato deu de ombros.
Foi muito difícil para o Noah se abrir quando nos conhecemos.
Ficamos alguns meses sendo amigos apenas por conveniência, pois
nossos dois melhores amigos estavam se aproximando e
precisávamos nos aturar. Não que eu fosse uma pessoa fácil de se
abrir com outros, mas nada se comparava ao Noah. Eu pelo menos
sei ser simpático.
A decisão de abrir meu passado ao Matteo veio junto com a
decisão de colocar Noah na equação. No fundo, o garoto perdido me
parecia até mais apto a me aceitar do que o príncipe perfeito.
Não preciso dizer que ambos foram extremamente
compreensivos, mas me abrir deu a possibilidade para Noah fazer o
mesmo, e então eu conheci o lado não tão perfeito do Noah. Não que
tivesse um que parecesse perfeito, mas vocês entenderam o meu
ponto.
Noah conseguia me amar com todas as minhas merdas, e
mesmo me irritando com suas pequenas mentiras e omissões, eu o
amava com as dele.
Olhei para o lado tentando achar Matteo, e o aspirante a
príncipe da Disney estava sumido há quase uma hora. Se eu
pudesse apostar, falaria que Matteo está com Zoella, provavelmente
em um quarto ou banheiro, fazendo uma coisa que eu mesmo queria
muito fazer.
Esse Natal tinha um gosto especial para os dois. Era o
primeiro que Zoella passava com sua família. Confesso que até eu
me emocionei quando seu irmão deu a ela uma correntinha com uma
flor de lótus cravejada de diamantes. Só não foi mais bonito do que
ver a declaração que meu melhor amigo fez para ela. Matteo era um
cara sortudo por conseguir viver esse sonho.
Eu entendia Matteo por querer ter um relacionamento e toda a
porra de contos de fadas, mas eu queria mesmo era sexo e seguir
passando raiva com meus amigos.
Falando em passar raiva, onde está minha diabinha?

Andei até o quintal dos Azzaro que, por um enorme milagre,


não estava muito lotado. Pelos gritos que chegavam aos meus
ouvidos, sabia quem eu iria encontrar ali. Abri um sorriso quando
observei Isabella e Thomas correndo na grama em volta da piscina.
Isabella estava usando um vestido vermelho curto — um que
eu havia dado a ela —, que conseguia deixá-la ainda mais gostosa.
Sua pele branca estava brilhando devido à brincadeira, me fazendo
salivar por puro tesão.
Eu sabia que não deveria ter esse tipo de pensamento com
ela, mas era inevitável. Tudo com Isabella me deixava à beira de um
abismo, e isso era problemático para caralho.
Era um problema o quanto eu me sentia atraído fisicamente
por ela, mas depois daquele beijo na piscina após uma das nossas
inúmeras noites de bebedeira no Hamilton's — só havia uma pessoa
que conseguia acompanhar meu ritmo bebendo tequilas, e, sem
dúvida, essa pessoa era Isabella Azzaro — mesmo focado em
ignorar essa atração fodida até que ela acabasse, eu sentia que ela
só aumentava com o tempo. Era algo que cada vez mais vinha se
tornando uma grande dor de cabeça.
Eu tinha que ser o cara que estaria com ela no dia do seu
casamento, entregando os lencinhos. Eu precisava ser o cara que
ela sempre ligaria para pedir conselhos. Eu seria o tio legal para os
remelentinhos dela — e que Deus os abençoasse para nascerem a
cara da mãe, porque a mulher era bonita demais para não ter filhos
parecidos com ela —, eu tinha que ser o melhor amigo. Esse era o
meu lugar. Pensar nisso me causava sempre uma pontada estranha,
mas eu tentava não me ater a essa mísera dorzinha.
Meu amor como um simples amigo não machucaria. Não posso
dizer o mesmo quando esse amor se torna romântico.
Tirei meu sapato, o deixei ao lado da porta e fui correndo até
os dois que corriam e gargalhavam brincando juntos.
— Te peguei! — Segurei Thommy pela cintura e caí junto com
ele no chão.
— Isso não é justo — Meu irmãozinho de oito anos gritou. —
Você não estava na brincadeira junto com a Titia Bella.
— Estou me sentindo excluído, vocês nem me chamaram para
brincar — Fiz beicinho, largando meu irmão e o deixando sair dos
meus braços.
— Você estava ocupado falando com seus amigos, aí viemos
brincar sozinhos — Isabella disse, chegando perto de nós dois.
Meu irmão se levantou no chão e colocou as mãozinhas na
cintura arqueando as sobrancelhas. O quão grande esse menino já
estava? Eu não estava preparado para todos os hormônios e mau
humor. Se eu tivesse que pagar por tudo que aprontei quando era
jovem e estúpido, quer dizer, se eu tivesse que pagar por continuar
sendo jovem e estúpido, estaria completamente fodido.
Thommy era uma versão minha em miniatura, loiro com os
olhos azuis-escuros e rosto comprido e anguloso. Eu só esperava
que as semelhanças parassem por aí.
O destino não seria um cara tão cruel de colocar dois Gauthier
idênticos no mundo, ninguém suportaria uma coisa dessas.
Estendi minha mão para Isabella para ela me ajudar a levantar.
— Você é muito folgado, pirralho — Disse, estendendo a mão
com um sorriso no rosto.
— Olha quem fala? Você me pede até para pegar água para
você, Isabella! E pasme, quando você está literalmente ao lado da
geladeira.
Ela deu de ombros, porque a diabinha sabe que é mimada
para caralho.
Esqueça tudo que você sabe sobre gente mimada, nada nem
ninguém chega aos pés dessa mulher de cabelos negros e olhos
verdes. Nem mesmo seus irmãos.
Segurei sua mão, a puxando para o chão e a fazendo cair em
cima de mim. Uma jogada muito mal pensada, diga-se de passagem,
porque Isabella estava de vestido e sentir sua boceta quente na
minha perna não ajudou em nada a afastar a vontade de fodê-la.
Tinha que ser tão deliciosa?
— Você é um otário — Ela deu um tapinha no meu peito,
sorrindo. Tão linda que chegava a me dar um aperto estranho no
peito.
Aproveitei que ela estava se ajeitando e fiz o que ela mais
odiava: cosquinhas.
Eu poderia dizer que amava vê-la sorrir, mas o que me deixava
feliz de verdade era a irritar. Nada era mais divertido do que ver
Isabella puta da vida. Ela se transformava em uma Grace Azzaro
versão dois ponto zero, ainda mais endemoniada.
— Para, Logan! — Ela gritou entre risos, se contorcendo
embaixo de mim.
— Vou te salvar, Tia Bella — Thommy pulou nas minhas
costas, gargalhando.
O moleque estava grande e seus pequenos soquinhos de
brincadeira chegavam a ser fofos.
— Eu me rendo! — Gritei.
— Isso! — Thommy saiu das minhas costas, comemorando. —
Eu vou ser ainda mais forte que você!
— Vai mesmo. E ainda mais bonito — Bella disse para o meu
irmão, que corou.
Tadinho, nunca teve nem chance contra ela. Ninguém tem.
Thommy a ama desde o dia que ela entrou em uma ligação de
vídeo com ele e comigo e se apresentou como minha melhor amiga,
e como ele mesmo sempre me relembra que tudo que é meu é dele,
Isabella também deveria ser dividida por nós dois.
Um pequeno espertinho, já que para o fazer feliz eu era capaz
de qualquer coisa, inclusive dividir a melhor amiga.
Nos deitamos na grama, olhando para as estrelas, ofegantes
depois de toda a brincadeira caótica.
Eu me sentia em paz. Demorei anos para finalmente encontrar
meu ponto de equilíbrio, e sabia que tinha encontrado. Eu tinha meus
amigos, que eram minha família. Meu irmão estava feliz com a vida
que tínhamos. Meu pai estava mais ausente que nunca. Meu
passado enterrado e selado nas profundezas da minha mente.
Eu sou feliz.
Talvez se eu repetisse isso muitas vezes, em algum momento
se tornaria verdade.
— Vocês podiam ser meus pais. — Thommy cortou o silêncio e
o meu coração ao mesmo tempo.
— Você tem uma mãe e pai, bebê. — Isabella tentou confortá-
lo enquanto segurava minha mão.
Ela não sabia o que estava dizendo. Para minha melhor amiga,
tínhamos apenas uma família disfuncional e ausente. Ela não sabia
metade dos podres que já aconteceram na mansão Gauthier, e eu
torcia para que permanecesse assim por um longo tempo.
Provavelmente, até a eternidade.
— Não tenho não! — Thommy fechou os olhos com força. Eu
sabia o quanto ele ficava frustrado com esse assunto — Uma mãe
morta e um homem que eu nem posso chamar de pai não vale de
nada, Bella.
— Ele não deixa você chamá-lo de pai? — Bella murmurou, me
olhando.
— Só o Logan que pode. Ele diz que eu sou uma desgraça. —
Thommy não tinha uma lágrima em seus olhos.
Podiam falar o que quisessem do meu irmão, mas que o garoto
era fraco isso ninguém poderia.
— Ele quem é um desgraçado — Isabella bufou.
— Eu não sou seu pai, mas sou seu irmão e sempre vou estar
do seu lado. Já conversamos sobre isso. — Abracei meu irmão,
beijando o topo de sua cabeça.
— Não é a mesma coisa e você sabe disso. — Thommy
respondeu baixinho.
— Eu sei, mas às vezes não conseguimos tudo que queremos.
— Eu, por exemplo, daria qualquer coisa para dar um pai a esse
garoto, mas não me sentia pronto nem à altura desse posto.
— E Tia Bella, você sempre vai ser minha tia? — Ele levantou
seu rosto para encontrar os olhos cristalinos de Isabella.
— Sempre.
— Até quando você já tiver uma família? — Thommy
perguntou, desconfiado.
— Vocês sempre farão parte da minha família, Thomas. — Ela
passou a mão pelo rosto suado do meu irmão — Para sempre
estaremos juntos, ok? Os Azzaro nunca abandonam ninguém.
Queria confiar cegamente nas palavras dela, mas não
conseguia. Mesmo Matteo sabendo de todo o meu passado, e
nunca, em nenhum momento, ter me julgado, eu sabia que ele era
diferente das irmãs, principalmente da Isabella. Minha pequena
ferinha sabia ser difícil quando queria.
Eu não tinha certeza se ela realmente não me abandonaria
depois de saber o que eu fiz, ou de onde eu vim. No desenho a Bella
se apaixonava pela Fera, mas na vida real as pessoas se afastam de
tudo aquilo que têm medo. E eu sabia no meu íntimo que ela sairia
da minha vida no momento que seus ouvidos escutassem tudo aquilo
que eu guardo apenas para mim.
Então eu fazia aquilo que ela mais odiava no mundo. Eu omitia.
Eu amava tanto essa garota que fazia qualquer coisa para que
ela permanecesse ao meu lado. Inclusive, me esconder através da
máscara que ela tanto aprendeu a amar.
No fundo, eu sabia que Isabella jamais amaria o verdadeiro
Logan, mas era melhor ela amar uma farsa do que não amar versão
nenhuma.
Venho nesse bar há seis anos, mas já não era mais a Isabella
de dezoito anos que tinha como única preocupação descobrir qual
carinha gostoso eu iria conseguir ficar. Não que eu sentisse falta
dessa época, hoje eu tenho um emprego estável nas indústrias MOT
como engenheira júnior, ganho meu próprio dinheiro e faço uma coisa
que eu genuinamente amo, mesmo que odiasse o lugar onde eu
trabalho. Mas, em alguns momentos, eu me sentia aquela Isabella
imatura e teimosa de anos atrás.
Tomo mais uma dose da minha tequila, pensando que a
Isabella de dezoito anos não teria que resolver um enorme problema
no trabalho na segunda-feira, e muito menos estaria refletindo sobre
isso em um sábado à noite.
Eu tinha escolhido engenharia aeroespacial logo quando entrei
na faculdade, e foi uma surpresa para todos. Quando eu contei para
os meus pais, eles quase tiveram um infarto. O curso não era ruim,
mas eu era terrível em matemática e física. Ninguém conseguia
entender a lógica em querer fazer um curso que eu obviamente não
tinha nenhuma aptidão.
Eu não julgava o questionamento deles, mas era uma questão
de desafio. Eu amava a sensação de fazer algo que alguém julgou
que eu não poderia e, principalmente, eu amava passar por cima das
minhas próprias convicções. Eu quis ser engenheira porque me
apaixonei pela ideia de construir aeronaves, e fiz de tudo para
alcançar o meu desejo.
Quanto mais “nãos” eu recebia, mais eu me esforçava para
provar que a pessoa estava errada — inclusive, eu mesma.
Fui assim a vida toda. Matteo e eu nos parecemos nesse
sentido, mas ele, diferente de mim, era determinado. Eu era teimosa.
Por exemplo, eu sabia que tinha algo rondando a cabeça do Logan
desde que Jordan Lewis apareceu naquele maldito jogo e não iria
sossegar enquanto não entendesse direito o que caralhos fizeram
com meu melhor amigo.
A única coisa que eu sabia sobre ela, é que a menina era
melhor amiga de Callum, o ex-namorado e primeiro amor de Logan.
Toda essa história estava soando muito estranha no meu ouvido.
Precisava dizer que eu já odiava os dois? Para deixar o menino mais
bem-humorado e feliz que eu conhecia naquele estado, algo muito
fodido tinha acontecido.
Logan achava que eu era sonsa como todas as outras
pessoas, que ele tinha na palma da mão como marionetes, mas eu
não era.
Chegava a ser engraçado quando alguém tentava mentir ou
omitir alguma coisa de mim. Ainda mais quando essa pessoa era
uma das que eu mais amava no mundo e sabia que o conhecia como
a palma da minha mão. Quer dizer, conhecia as partes que ele
deixava.
Logan era um menino escorregadio e era isso que tanto me
aproximava dele. Quando achávamos que tínhamos o conhecido de
verdade, ele mostrava uma faceta que mudava completamente à
visão que você tinha dele.
Ele era surpreendente, e eu amava isso.
Nunca fui boa em encontrar amigos, muito menos em confiar
nas pessoas. Minhas irmãs mais velhas puxaram o lado bondoso do
nosso pai — e nem preciso dizer do Matteo, porque aquele ali é uma
causa perdida —, e eu e Dona, minha irmã gêmea, éramos
desconfiadas como a nossa mãe. E era bom ter pessoas assim na
família. Às vezes, as pessoas precisam de um pouco de ódio no
coração, faz bem e balanceia as coisas.
Olhei para o canto do Hamilton’s. As paredes de tijolos do bar
estavam tomadas por pessoas encostadas, e não havia uma mesa
vaga. O bar estava completamente lotado depois da vitória dos
meninos na final do campeonato, e não era uma surpresa que
estivesse tão cheio.
Matteo, de todos, era o que mais estava animado. Além de um
semestre difícil, ele finalmente estava com o amor de sua vida em
seus braços. Meu irmão sempre sonhou em encontrar seu grande
amor e tinha encontrado em Zoella o que tanto procurava. Para
aqueles dois, a comemoração tinha um gosto diferente. Não era
apenas um campeonato, era o início do felizes para sempre.
Depois de passar um inferno por causa da bulimia, Zoe parecia
bem e feliz, e eu não podia estar mais aliviada por isso, ela merecia
o sorriso sincero que estampava seus lábios.
Se alguns meses atrás alguém me falasse que eu apoiaria
esse relacionamento, eu iria rir bem alto. Mas depois de tudo que eu
vi e entendi, não teria como continuar com o meu ciúme infantil.
Zoella merecia alguém como Matteo, e meu irmão merecia uma
princesa como Zoe.
Virei minha cabeça e vi meu amigo conversando alegremente
com o garçom. Eu e Logan nos sentávamos nos mesmos bancos do
bar desde o início da nossa amizade para tomarmos nossa rodada
de tequila. Era a nossa bebida. Nós tínhamos nossas coisas, que
eram apenas nossas. Em alguns momentos, eu achava que vivia em
um mundo só nosso. Nos entendemos como ninguém, e acho que
nunca achei alguém — fora Donatella — que me aceitasse tanto
quanto ele.
Logan parecia estar em uma conversa divertidíssima com
nosso garçom preferido, mas eu não tinha a mínima vontade de
participar, então estava me ocupando em observar o meu pessoal.
Sim, eu era controladora e protetora e gostava de sempre estar
atenta para ver se alguém que era importante para mim estava
fazendo alguma merda, e geralmente eles estavam. Adicione isso
também na longa lista de adjetivos que várias pessoas acham
irritante.
O que eu podia fazer? Alguns são legais, outros se preocupam
em ser quem são e foda-se o resto.
Noah estava sumido há algum tempo, e que Deus cuide desse
menino. Cada vez que eu o via fazer alguma merda longe do Matteo
e dos meninos, eu tinha vontade de socá-lo, mas Noah nunca me
dava abertura para nada. As únicas pessoas com quem ele tinha
intimidade eram meus pais, Antonella e os meninos, o resto ele
travava com uma distância extrema.
Liz estava com o namoradinho que tinha cara de ter um pau
grande. Os dois até que eram um pouco fofos, mas também um
tanto sem sal.
Olhei para o lado direito e encontrei Sebastian conversando
com Ellie, Layla e Paige. A ruivinha quase batia no peito do nosso
quarterback e estava rindo para as amigas sem nem tocar no seu
parceiro. Se essa era toda a paixão que eles tinham um pelo outro,
eu já podia começar a contar os dias para o fim desse acordo.
Aquilo ali era fadado ao fracasso total no dia em que começou.
— Quem você está julgando, diabinha? — Logan perguntou
risonho e já meio alterado pela bebida.
— Sebastian e Ellie. — Apontei com a cabeça — De quem foi
a ideia magnífica dos dois ficarem juntos?
— Destino? — Logan piscou.
— Péssima escolha, a química ali é um terror. — Olhei para o
casal que não era um oficialmente um casal — Olha como ele pega
na cintura dela e ela não parece nem um pouco mexida.
Sebastian tinha sua mão grande na cintura de Ellie, que
conversava com as amigas de forma descontraída. Eles não eram
um casal feio, eles só não pareciam certos um para o outro.
— Por um breve momento, eu fiquei preocupado com a
ruivinha, mas aí eu percebi que não havia uma gota de amor ali e
desencanei. Pelo que eu entendi, eles estão apenas se divertindo.
Estão meio que treinando juntos.
— Nunca entendi esse conceito de ter que treinar para transar.
Para mim, a coisa parece bem simples.
— Isso é porque você está acostumada a transar mal. Um dia,
quando alguém que sabe o que está fazendo te pegar, você
finalmente vai entender que sexo não é, necessariamente, só enfiar o
pau na boceta. — Logan bebeu mais um shot.
Uau, ele estava falando sério.
E minha calcinha já estava seriamente comprometida.
— Estou cansada de ter que ficar trocando de calcinha quando
estou com você. Juro. Para de falar essas coisas. — Fui sincera,
mas, ainda assim, tentando amenizar a porra do coração acelerado
que sempre vinha me lembrar que a qualquer momento eu poderia
me foder nessa história.
Logan ficou vermelho e sorriu, negando com a cabeça.
— Você ainda vai me matar dizendo coisas assim.
— Foi você que começou com esse papo de sexo e que só fico
com caras que não sabem transar. Agora eu estou aqui, pensando
como é ser comida por alguém que realmente sabe foder. — Foi a
minha vez de virar mais uma dose.
— Ah, gata, como eu queria ser o cara que mostraria isso a
você. Mas, você sabe, já peguei minha vaga de melhor amigo. Ou a
gente fode ou é amigo, os dois é impossível.
— Você tem razão. Será que o Sebastian me come? —
Perguntei provocativa.
— Cala a boca, Isabella. — Ele enrugou a testa e cruzou os
braços.
Tão bonitinho quando fica com ciúmes.
— Não precisa ficar com ciúmes, nós temos um acordo. Eu
não vou transar com seus amigos.
— E nem eu com o seus.
— Então confia no nosso acordo. Nada de se envolver com
nossos respectivos amigos.
— Até porque os seus dois únicos amigos acabaram de ir à
Irlanda. — Ele murmurou sorrindo.
— Calado. — E eles nem eram meus amigos, só colegas.
Eu ri em seguida. Porque nós éramos assim. Eu não conseguia
passar muito tempo ao lado do meu enorme Golden e não dar
risadas ou gargalhadas.
Ao nosso lado estava o casal do ano: Zoella e Matteo.
Matteo falava alguma coisa no ouvido de Zoella e eu podia
jurar que tinha algo a ver com amor e como ele era feliz ao lado dela.
Como se ninguém aqui tivesse notado essas coisas.
Eu queria um amor, queria um relacionamento. Eu era uma
Azzaro fiel aos princípios da família, mas, nossa, também não
precisava exagerar.
— Você está julgando de novo. — Logan comentou, prendendo
o riso.
— Eles são perfeitos um para o outro... — Não finalizei.
— E bregas. — Logan completou.
— Por Deus, se o amor é tão brega assim, eu não quero, juro.
Logan me olhou desconfiado.
— Você é uma Azzaro, Isabella. Está querendo enganar quem?
O coitado do seu futuro marido terá que chegar sempre com flores e
a porra toda para você.
Suspirei resignada.
— É, você tem razão. Talvez eu queira um pouco da breguice,
mas com limites. Não aguentaria ninguém em cima de mim desse
jeito.

Ciúmes.
Um sentimento filho da puta que nos consome, adoece as
estranhas e faz querer jogar qualquer coisa que tenhamos nas mãos
na cara de alguém. Eu odiava sentir ciúmes, mas era algo tão mais
forte que eu que me dava vontade de gritar comigo mesma.
Eu não era tonta. Era óbvio que sabia que era problemático ser
tão possessiva com as minhas coisas — e pessoas —, mas alguém
poderia me julgar? Eu dividi até o útero com outra pessoa. Se tinha
uma coisa que eu não queria mais era dividir, mas aparentemente o
melhor a ser feito era começar a aprender, porque ter um melhor
amigo que mais parecia uma piranha estava começando a me afetar.
Há exatos sete minutos ele saiu com um cara tão gostoso para
fora do bar e, pelo jeito que ele segurava a cintura do branquelo
sarado, ele ia transar.
E eu odiava saber que ele ia transar.
Queria dizer que era por inveja, como eu sentia quando
Donatella arrumava uma foda e eu não. Mas era a porra dos ciúmes.
Isso me incomodava mais do que palavras conseguem expressar.
Eu não sentia ciúmes dele como eu sentia de Matt, e lógico
que ninguém percebia isso exatamente.
Ninguém percebia de verdade o que se passava comigo.
Sabe o problema das pessoas fortes? Geralmente, ninguém
presta muita atenção nos sentimentos delas. E aí que morava a
minha saída perfeita. Se eu continuasse sendo apenas Isabella
Azzaro, com toda a pose e personalidade que isso acarretava, o
meu maior segredo — e mentira — estaria a salvo.
Eu estava apaixonada por Logan há um ano. Não me pergunte
como aconteceu, eu também não sei. Um dia eu estava sentada ao
seu lado na praia e ele tinha me feito rir com alguma de suas
brincadeiras, e então eu senti: o frio na barriga, o coração acelerado
e a porra toda que meus pais sempre advertiram que iríamos sentir
quando encontrássemos a tal pessoa certa.
Eu lutei muito tempo para não admitir para mim mesma que
não era apenas tesão o que eu sentia pelo meu melhor amigo. Era
paixão. E então se tornou amor.
Isso ia passar.
Tinha que passar.
Eu, que odiava mentiras, era a maior mentirosa de todos.
Eu mentia todos os dias quando levantava, colocava um sorriso
no rosto e via Logan foder com metade de Crownford, e fingia com
uma habilidade invejável que tudo que eu queria dele era a amizade.
Sorri sozinha.
Amizade foi a única coisa que eu consegui dele, mas, apenas
pelas batidas do meu coração, eu sabia que não era o que eu
precisava.
Era por isso que eu tive tanto medo por Matteo.
Era exatamente por isso que eu desconfiei de Zoella.
Eu não queria que Matteo se enfiasse em uma relação em que
não iria conseguir o que tanto desejava. Eu sabia como era isso, e
era uma merda.
— Você viu o Logan? — Minha prima perguntou.
Estávamos em uma roda, todos juntos. Minha prima tinha vindo
de Londres com o namorado para as festas de finais de ano e o
casamento de Antonella, que era sua prima preferida. Nella e Liz
eram uma dupla inseparável, e eu podia dizer que muitas vezes
Antonella mais parecia mãe de Liz do que qualquer outra coisa.
Sorri para minha prima antes de respondê-la, tentando fazer
meu coração parar de doer.
Era ótimo ser forte e fodona. Super recomendo a todos.
— Saiu com um gostoso há uns 8 minutos. — Respondi,
tentando fazer uma voz tranquila.
— Que precisão, amiga. — Zoella rebateu risonha.
A menina loira, que parecia mais uma modelo do que qualquer
outra coisa, me olhou com ironia, como se desconfiasse de alguma
coisa. Sustentei o olhar dela, não queria que ela descobrisse. Essa
era uma parte da minha vida que eu não deixaria nem minha gêmea
ter acesso.
Admito que peguei muito pesado com Zoella no começo, mas
não posso dizer que eu me arrependo. Eu tive medo por ele e jamais
vou me arrepender de tentar proteger meus irmãos, nem que isso
soe chato e irritante. Hoje em dia, eu amava Zoella. Além de minha
amiga, ela se tornou uma bênção da vida do meu irmão.
Zoella, com muito custo, entrou no meu coração, e agora ela
também era uma das pessoas que eu mantinha sob meu radar para
proteger. Era eu, inclusive, que tinha dado o gin que ela estava
tomando agora, mas que seria o único da noite.
Na minha cabeça, era isso que pessoas que amavam as outras
faziam, elas protegiam.
E por que você não está se protegendo da bomba atômica
que é sua amizade com Logan?
Minha consciência me questionou.
Mas eu ignorei. Como sempre.
— Quando seu melhor amigo te troca assim, é difícil não
prestar atenção. — Resmunguei.
Apenas uma amiga ciumenta, era isso que todos deveriam
perceber.
— Eu não te troquei, bocuda. — Logan chegou dando um tapa
na minha bunda.
Sorri imediatamente, o observando. Quem o via com essas
roupas de playboy não imaginava como de fato ele era. Eu
costumava rir da dificuldade que ele tinha em decidir suas próprias
roupas. Como se alguém ligasse se ele estivesse usando Giorgio
Armani ou Gucci. Talvez o melhor amigo dele, Sebastian, ligaria. Os
dois meninos criados na elite nova-iorquina faziam companhia para
Zoe não só quando iam assistir futebol, mas também quando saíam
para fazer compras.
E depois ainda tinham a ousadia de dizer que a mimada era eu!
— Logan, oito minutos e você já voltou? De duas uma, ou você
brochou, ou está precisando ir ao médico porque está com
ejaculação precoce. — Falei irônica, tomando um gole do meu
whisky.
— Cala a boca, Isabella! — Logan sibilou, tomando o copo da
minha mão.
— Ai, meu Deus! — Gargalhei — Você brochou? Com aquele
gostoso?
— Se você quer saber, isso não tem problema nenhum para
mim, Isabella. Homens têm direito de brochar, assim como as
mulheres. — Logan me olhou, puto da vida. Mas eu não podia ligar
menos.
Em alguns momentos, eu era agraciada com bênçãos do
destino. Não era comum, mas eu não estava reclamando. Hoje eu
poderia dormir sem uma lágrima no rosto por saber que o babaca
que tinha meu coração não tinha passado à noite com outra pessoa.
— Eu sei, lindo. O problema é que você vive pagando de
comedor por toda à cidade, então desculpa se é engraçado que o
surubeiro dos Reis de Crownford tenha brochado. — Argumentei.
— Só ignora isso, aconteceu e pronto. — Logan tentou mudar
de assunto, mas percebi o rastro de dor que passou em seus olhos.
Era sempre assim quando eu o chamava de lindo.
Será que era assim que o seu ex o chamava?
Um misto de pânico e compreensão tomou meu corpo. Não o
chamaria mais assim, não queria causar dor alguma em Logan, mas
percebi com certa angústia o medo que eu tinha de Logan ainda ser
apaixonado pelo ex. Mesmo que ele afirmasse categoricamente que
não, eu tinha minhas dúvidas.
Em alguns momentos, Logan parecia continuar sofrendo por
Callum, e quem sofre é porque ama.
Noah se aproximou de nós. O menino que foi praticamente
adotado pelos meus pais parecia feliz.
Enruguei a testa, confusa.
Isso era novo.
— Oi, Noah. — Zoe foi a primeira a sair do torpor.
— Oi... — Ele respondeu enrolado. Nunca tinha visto Noah tão
bêbado.
Liz o observou e, ao contrário de mim, minha prima não tinha
habilidade alguma para esconder os sentimentos.
— Como você está, Noah? — Liz perguntou com os malditos
olhinhos brilhando.
Não sabia por que ela ainda tentava, ele nunca respondia.
Ainda iria ter uma conversinha com ele sobre ter machucado
minha prima e seguir machucando todos esses anos. Meus pais e
Matteo podiam passar a mão na cabeça dele porque ele tinha um
passado difícil e tudo mais, porém passado nenhum te dava o direito
de tratar os outros como lixo.
— Ótimo. Desde quando eu consigo ficar mal quando você
está no mesmo lugar que eu, Elizabeth?
Eu me virei como o exorcista para olhar Noah.
O que caralho ele estava fazendo?
— Você sabe que eu odeio quando me chamam de Elizabeth!
— Liz respondeu sorrindo, mas ainda em choque.
Óbvio que ela iria responder. A mulher não tinha um pingo de
rancor no coração ou talvez de amor-próprio, ainda não tinha me
decidido.
— E você sabe que eu não ligo, Elizabeth. — O babaca
respondeu e depois olhou para o ruivo que tinha o braço no ombro de
Liz. — Cuida bem dela. Você tem a melhor namorada que alguém
poderia ter.
Ok. Eu tinha que admitir, ele era fofo.
Mas jura? Logo agora que a menina estava seguindo em frente
— ou pelo menos tentando —, ele resolve falar com ela.
Eu gostava do Noah, mas ele também não me ajudava.
As outras pestes pareciam em completo choque.
— Que porra foi essa? — Logan murmurou.
Isso foi seu amigo confundindo ainda mais a pobre cabeça da
minha prima.
Respondi apenas com um olhar, mas fui ignorada por Logan.
— Então, esse é o Noah? — Roman, namorado de Liz,
perguntou.
— Sim, é ele. — Liz engoliu em seco, olhando para Matteo,
como se ele tivesse a solução de algum problema.
Óbvio que ele não tinha. Não teve por todo esse tempo e não
teria agora.
— Vou ao banheiro. — Falei para todos e saí.
Fui rumo à porta que dava para o beco, que eu sabia que era
conhecido por ser uma putaria tremenda.
Noah estava lá parado com o pé na parede, dando um trago no
cigarro, que dessa vez parecia ser apenas um cigarro comum. Suas
mãos tremiam, mas seu rosto não mostrava nada. A jaqueta de
couro e os cabelos descoloridos passavam uma imagem de perigo,
mas era quando olhávamos para seu rosto que essa imagem se
contrastava com um semblante quase infantil.
— Você não tem vergonha de mexer com a cabeça dela desse
jeito? Liz está tentando seguir em frente. — Falei calma, mas firme.
— Você não tem vergonha de fingir que é apenas amiga do
Logan quando, na verdade, é apaixonada por ele? — Ele rebateu, e
tirou o meu chão no processo.
Noah me olhava, e parecia que nesse ato podia ver minha
alma.
Todas as sirenes de pânico dentro de mim foram acionadas,
mas eu precisava manter a calma. A lealdade de Noah não estava
comigo, mas, sim, com Logan.
Meu medo não era apenas as pessoas saberem dos meus
sentimentos patéticos, mas Logan ficar sabendo. Tinha certeza de
que ele não ia conseguir ficar próximo de mim sabendo disso. Eu via
como ele se fechava e se afastava das pessoas que já tinham se
declarado para ele.
Logan era o típico cara irritante e babaca que era fechado
para o amor e tinha plena convicção que passaria a vida sozinho.
— Um dia você disse para Matteo que pessoas que usam
máscara se reconhecem, lembra? — Ele deu um trago novamente no
cigarro — Um mentiroso reconhece o outro, Bella.
Eu me encostei na parede tentando manter a calma. Ele não
podia saber a verdade.
Não queria que ninguém tivesse acesso a essa merda. Não
estava preparada para isso.
— Que sentimentos, Noah? — Questionei — Está tentando
mudar de assunto por que tem medo de admitir que você sabe
exatamente o que está fazendo com ela?
Ele engoliu em seco, mas não recuou.
Inferno de moleque teimoso.
— E você está tentando mudar de assunto por que tem medo
de admitir a verdade? Eu, pelo menos, já passei dessa fase de
correr dos sentimentos.
— E passou para qual fase agora? Foder com a cabeça dela?
— Olhei para os olhos chocolates de Noah — Matteo pode passar a
mão na sua cabeça por causa das suas merdas, mas eu não vou.
Fica longe dela. Deixa a menina viver em paz.
— Ela está vivendo em paz, Isabella. Eu só não vou mais
ignorá-la.
— Então é assim com você? Agora que você decidiu ter a boa
vontade e falar com ela, pronto? Liz que resolva a confusão que você
deixou na cabeça dela? — Cruzei meus braços, com a raiva já me
consumindo. — Você está fazendo uma merda gigante.
Noah deu mais um trago e soltou a fumaça pelos lábios antes
de me responder.
— Sabe quem está fazendo uma grande merda? Você. Ele não
quer ser amado desse jeito, Isabella. Relacionamentos então, são
definitivamente um tópico sensível para o Logan. Você deveria dar a
chance para ele lidar com isso.
— Eu o amo como meu melhor amigo! — Insisti, elevando o
tom de voz — Você não me conhece, Noah, mas eu não sou como
você, que consegue se afastar das pessoas que eu amo. — Soltei.
Mas logo me arrependi.
Esse era um problema. Quando eu me sentia acuada, eu
atacava. Sem nem me perguntar exatamente se eu estava certa ou
não.
Pelo rosto de dor que Noah fez, eu tinha passado dos limites.
— Bella, às vezes o melhor que fazemos é nos afastarmos
para não causarmos mal à pessoa. Foi por isso que eu me afastei da
Liz. E já que estamos sendo sinceros, eu posso até ser covarde,
mas você é egoísta e sabe disso. — Noah respondeu sério.
Engoli em seco. Completamente sem palavras.
Noah olhou para frente, eu perguntei baixinho:
— Por que ele não quer amar ninguém? Por que ele não pode
ser amado dessa forma, Noah?
— Essa é uma resposta que só ele pode te dar.
— Logan esconde coisas de mim, não esconde?
Noah se desencostou da parede e me olhou sob os ombros.
— Não é como se você pudesse julgá-lo, já que também
esconde coisas dele.
Meu respeito por ele tinha aumentado e muito depois dessa
conversa. No final das contas, eu sentia que Noah era muito mais
corajoso do que eu jamais seria capaz de ser.
Encostei minha cabeça na parede, tentando respirar fundo.
Eu gostava de desafios, mas algo dentro de mim tinha certeza
de que eu havia encontrado o primeiro desafio que eu não tinha
nenhuma chance de ganhar.
O casamento de Antonella estava sendo uma festa digna de
princesa. A decoração tinha rosas brancas e tecidos lilás por todo o
espaço, além, é claro, de uma iluminação feita por lustres e algumas
velas espalhadas. Era notório como esse dia era importante para a
irmã de Isabella e para seu noivo, John.
Engoli em seco quando observei Matteo dando um beijo na
testa de sua amada, seguido por Harry, cunhado de Isabella,
passando a mão na barriga da Stella, sua noiva.
Eram raros os momentos que eu sentia àquela velha dor no
peito. Geralmente, era quando eu me lembrava que não era como
todos e que, no final das contas, eu veria todos se encontrando e
seguiria tendo um coração paralisado no meu peito.
Eu tinha escolhido isso, era o melhor para mim, mas, ainda
assim, em momentos como esse, era difícil.
Parecia uma outra vida onde Logan Gauthier já tinha sido
emocionado como Matteo Azzaro, mas esse tempo tinha passado, e
era melhor assim.
Bem mais seguro.
— Casamentos são uma bosta. — Noah disse ao meu lado
com o seu humor habitual.
— Eu até gosto. É bonito ver a felicidade dos noivos. —
Rebati, mentindo.
— Uhum, gosta sim. Pelo semblante de dor que está fazendo
agora, eu percebo o quanto está feliz em perceber que o final feliz
para alguns é uma realidade, e para outros é uma fantasia.
— Eu já tenho o meu final feliz, Noah. Eu consegui vocês. —
Olhei sorrindo para ele.
Eu genuinamente acreditava nisso.
Em alguns momentos da minha história, eu achei que acabaria
sozinho e fodido, então ter ao meu lado meus três melhores amigos
e Isabella era mais do que eu poderia desejar. Estava em paz com
meu futuro.
— Esse castelo que você construiu é de cartas. Você sabe,
não é? — Noah disse, enigmático.
Odiava quando ele falava essas frases de efeito e não
desenvolvia.
— O que você está tentando me dizer? — Perguntei, sem
paciência.
— Logan, você não é como Sebastian. Só tenta se convencer
que é.
— Desapegado?
Noah balançou a cabeça positivamente.
— Eu sou apegado a vocês, Noah. — Suspirei — Não estou
entendendo essa conversa. Eu sou feliz. Está tudo indo bem.
Noah olhou para Isabella, que brincava com Thommy e Tia
Grace na pista de dança.
— Essa sua amizade com Isabella não é um pouco estranha?
— Você está com isso agora. — Passei os dedos no arco do
nariz — Vai me dizer que é aquele tipo de babaca que não acredita
em amizade entre homem e mulher? Até Matteo já passou dessa
fase.
— Vocês se aproximaram ainda mais depois do término dela,
Logan. — Por que Noah parecia preocupado? Era ele que,
justamente, nunca ficava preocupado com nada.
— Noah, você estaria me falando essas coisas se ela fosse um
homem? Porque, pelo que eu me lembro, eu sou bissexual, então o
gênero da pessoa pouco me importa. Você nunca questionou minha
amizade com você ou com os meninos. — O cortei.
Noah colocou o cigarro entre os lábios e o acendeu, tragando
profundamente. Eu amava meu amigo, sempre quis protegê-lo do
mundo e, principalmente, de si mesmo. Noah não estava fumando
apenas por recreação, ele buscava alívio. O cigarro já estava se
tornando uma muleta para ele, e isso me preocupava demais.
Éramos todos atletas, o nosso corpo era uma ferramenta de
trabalho. Tudo bem que o camisa treze dos Crownford Kings não
tinha uma posição que precisava correr nem nada do tipo, mas,
ainda assim, ele precisava se cuidar se quisesse continuar jogando.
Às vezes, eu tinha a sensação de que Noah não queria nada
mais da vida. E essa porra me assustava mais do que eu conseguia
colocar em palavras.
— Você não acha que está fumando demais? O que está
acontecendo com você? — Perguntei, preocupado.
Ele levantou os olhos e apontou com o olhar para Liz e seu
namorado que se beijavam na pista de dança.
— Noah...
— Sem lição de moral, você sabe que não tem esse direito.
Vive preso ao passado tanto quanto eu!
— Ok. — Levantei minhas mãos em sinal de rendição.
— É foda para caralho vê-la com outro. Dói como o inferno, e
eu passei anos escondendo a dor que é ver essa menina longe de
mim. Não acho justo, principalmente agora que preciso lidar com
essa enxurrada de sentimentos, que eu não possa conversar nem
com os melhores amigos.
Me encolhi envergonhado.
— É que não sabemos como te ajudar, cara. Você que abriu
mão dela.
— E eu faria novamente. Olha para mim, Logan. Você acha
que eu daria conta de ter um relacionamento com Elizabeth? Eu sou
um fodido.
Eu sabia o que era viver preso ao passado. Era exatamente
por isso que eu fugia de relacionamentos.
— Você foi um idiota com Liz, não preciso te dizer isso. Mas
sempre estarei aqui ao seu lado.
Noah expulsou a fumaça dos seus pulmões e me olhou. Se
você quisesse mesmo entender a dor que Noah carregava dentro de
si, era apenas olhar em seus olhos. Eu já tinha conhecido muita
gente fodida, mas ninguém tão triste quanto Noah.
— Passei quatro anos em silêncio, e agora estou me
permitindo sentir toda a merda. E eu preciso de vocês, porque a
culpa... cara... — Ele suspira.
— Eu sei. A culpa é excruciante.
— Parece que foi eu sair da casa dos meus pais e vê-la ir para
o outro lado do país que tudo que eu falei para ela caiu em cima da
minha cabeça. — Noah virou a sua bebida como se ali estivesse a
cura das suas dores internas.
Que situação de merda.
Quando eu conheci Elizabeth, ela já era uma estrela que não
brilhava em toda sua potência. Eu a consolei em meu colo, dei
conselhos a ela e pedi até mesmo para Deus que deixasse essa
menina ser feliz. Ela não merecia toda aquela dor.
A culpa da dor dela era de Noah, mas eu compreendia meu
amigo como ninguém. Tem coisas que simplesmente não
conseguimos fazer, e ele ficar com Elizabeth era uma delas.
Ele olhou para Liz, que gargalhava segurando o ombro do
namorado.
— Aquele sorriso um dia foi meu. — Noah riu irônico. — Eu os
odeio ainda mais por saber que é por culpa deles que perdi
Elizabeth.
— Falando nisso, depois daquele montante que eles te deram,
nunca mais teve notícias?
— Eles se mudaram semana passada. Nova Iorque.
— Nem fodendo.
— Parece que agora todos os pais escrotos estão
concentrados naquele lugar. — Noah respondeu sarcasticamente.
— Que Deus abençoe a grande maçã [2]— Bati meu copo
com o dele. — O que os cretinos foram fazer lá?
— Meu pai recebeu uma promoção na empresa e decidiram se
mudar. Me sinto mais livre sem eles aqui em Crownford.
— Eu me sinto aliviado sem eles aqui, acredite. Cada vez que
eu topava com seu pai, era uma tortura ter que me controlar para
não encher aquela cara convencida de porrada. — Falei com
sinceridade.
— Estou orgulhoso do seu autocontrole. — Noah me deu um
soquinho na mão.
Meu celular apitou, peguei ele do bolso e olhei para a tela.
— Sebastian? — Noah questionou.
— Aham. — Murmurei.
Sebastian: Bem que você me avisou que não era uma boa
ideia vir aqui sozinho. Eu preferia enfiar garfos nos meus olhos.
Logan: Você é um idiota. Vai embora logo. Já levou a mulher
até o altar, já segurou a mão dela e tudo mais. Sua parte de melhor
amigo está finalizada.
Sebastian: Ela vai ficar puta se eu for embora, você a
conhece.
Logan: Então já avisa para ela que estou mandando ela ir à
merda. Você está sofrendo, não é obrigado a passar por essa
tortura por mais tempo que o necessário. Vai embora, come alguém
e dorme. Pronto, amanhã você vai estar novo.
Sebastian: Por que tudo com você tem que envolver sexo?
Logan: Por que é bom? Sério, tem coisa mais prazerosa do
que trepar?
Sebastian: Lógico que não.
Logan: Então pronto. Vai transar, Sebastian! Isso é uma
ordem.
Sebastian: Idiota! Dá um abraço nos meninos. Chego aí
amanhã. E manda o Noah não fazer nenhuma merda, como, por
exemplo, usar drogas.
Chegava a ser irritante a superproteção que os meninos tinham
com Noah. Eles achavam que ele era o que? Um bebê?
Olhei para o lado, e o idiota ainda estava observando a menina
que ele deixou para trás.
Tudo bem, admito. Ele era um bebê.
Logan: Eu estou cuidando do precioso. Fica tranquilo.
— Sebastian está irritado lá no casamento. — Comentei com
Noah.
— Caralho, achei que não ia conseguir chegar até vocês
nunca... — Matteo se aproximou de nós — Nunca vi uma família tão
viciada em fotos como a minha.
— Cadê a Cinderela? — Noah perguntou.
— Sentada com o pai. — Matteo respondeu apontando para a
mesa onde Zoe conversava alegremente com Oliver Harlow.
Um apontamento muito importante sobre o pai de Zoe: o
homem sabia como vestir um terno. Eu nunca achei homens mais
velhos atraentes, mas ele, porra, precisava admitir que era
impecavelmente bonito. Assim como os irmãos da Zoella, mas ali era
um território mais problemático.
Zach Harlow era professor — e muito gostoso — e obviamente
eu já havia lançado alguns olhares para ele, e fui prontamente
ignorado. O homem era muito certinho e ético, mas não custava
nada tentar.
— E então Sebastian está fodido lá no casamento da Harmony.
Até aí nada de novo sob a luz do sol. — Matteo seguiu a conversa.
— Noah reclamando do namoro de Liz, também nada de novo.
— Comentei e Noah me lançou um olhar de reprovação.
Eu não podia fazer nada. Errado eu não estava.
— Talvez algumas coisas simplesmente não mudem. — Noah
resmungou.
Matteo olhou para o céu de forma dramática e pediu:
— Deus, não o escute, faça algumas coisas mudarem. Por
favor, eu imploro.
— Ele está todo engraçadinho agora, não é? — Perguntei
virando meu rosto para Noah.
— Eu nunca fui mal-humorado. — Matteo deu de ombros.
— Mas agora você está praticamente rasgando o rosto com o
seu sorriso. Chega a ser irritante. — Falei.
— Disse o próprio Golden — Ele arqueou a sobrancelha, e
prosseguiu — O que eu posso fazer? Estou vivendo algo que eu
sempre quis. Estou feliz, meninos, de um jeito completamente novo.
— Matt tomou o meu copo e bebeu um gole.
— Você é folgado demais.
— Eu tenho créditos, Golden. Você pegou minha irmã como
melhor amiga.
— Falando nisso, preciso ficar um pouco com ela e Thommy.
— Olhei para pista de dança onde eles seguiram dançando.
— O garoto está bem feliz de estar aqui. — Noah comentou.
— Ele está. — Respondi satisfeito.
Deu um soquinho nas mãos dos meus amigos e fui até Isabella
e Thommy.
Eu queria conseguir tirar Thommy daquele maldito colégio
interno e criá-lo. Daqui uns anos talvez isso seria possível, mas hoje
eu sabia que o melhor para ele era permanecer no lugar onde eu
mesmo já tinha vivido e onde conheci o meu primeiro amor.
Coloquei um sorriso no rosto, mesmo que as memórias de
Callum que tomavam minha cabeça me fizessem querer chorar.
Como eu iria conseguir criar meu irmão se não conseguia nem
cuidar das minhas próprias dores e angústias? Já bastava ter fodido
com a minha vida, não foderia com a dele também.

A música chegava aos meus ouvidos e tomava conta dos meus


movimentos. Pelo menos era essa a desculpa que eu estava me
dando para passar meus braços na cintura de Isabella e trazer seu
corpo para perto do meu.
Eu não fazia ideia de que música era, mas a batida era
gostosa e permitia que ela rebolasse sua bunda encontrando com a
minha pélvis e me dando uma puta vontade de gemer. Porra, eu não
era um homem descontrolado. Inclusive, eu tinha muito orgulho do
meu autocontrole na cama, mas Isabella me fazia perder toda a
minha linha de raciocínio. Para terminar de me foder, Bella levantou
seu braço e os passou pelo meu pescoço, deixando sua nuca
exposta para mim.
Tive vontade de mordê-la bem ali, em uma tentativa de
arrancar gemidos daquela boca gostosa.
O nosso beijo se deu exatamente depois de uma loucura
assim. Muita pele com pele, além de um tesão filho da puta. Quando
eu vi, minha boca já estava na dela e sua boceta já roçava no meu
pau.
O beijo se tornou um assunto nebuloso na nossa relação. Não
fingíamos que ele nunca aconteceu, mas não tocávamos mais no
assunto.
Admito, eu não tocava no assunto.
Eu tentava me convencer que tinha sido apenas um tesão
momentâneo, e como diz Sebastian, é meio impossível não sentir
tesão por Donatella e Isabella. As duas — que são idênticas para o
mundo, mas para mim completamente diferentes —, têm um corpo
escultural e uma personalidade cativante.
É muito cuzão se eu disser que quando eu penso em um corpo
perfeito para foder, são exatamente nas curvas da minha melhor
amiga que vem à minha mente?
Muitos bissexuais dizem que têm preferências entre os
gêneros, e eu sempre fui categórico ao afirmar que eu não tinha
preferências. Se a pessoa me atraísse, pronto, não importava se era
homem ou mulher. Até que eu conheci Isabella. E agora meu pau não
só tem uma preferência, como também é específico no seu desejo.
Isso, sim, era confuso.
Desci minhas mãos para o seu quadril e a trouxe ainda mais
para perto. Eu estava tão duro, e com tanta vontade dela, que a
única coisa que vinha na minha cabeça era puxar Bella para o
banheiro e deixá-la enfiar meu pau até sua garganta e me foder com
sua boca. Eu andava sonhando muito com o rostinho de Bella sujo
com a minha porra.
Não vai por aí! Pare de ter esses pensamentos de merda!
— Você é doido para me foder. — Bella disse, como se lesse
meus pensamentos impuros.
— E você é doida para que eu te foda. — Mordi sua orelha.
Pela minha visão periférica, eu via poucas pessoas dançando,
e nenhuma delas eram nossos amigos. Noah havia ido dormir cedo,
Matt e Zoe estavam fodendo em algum lugar por aí. Thommy estava
dormindo no quarto com os pais de Matteo e Isabella, o que me
dava liberdade para desejá-la sem me sentir culpado.
Eu não era um idiota. Sabia que isso aqui poderia dar uma
merda gigantesca.
Eu tinha, sim, muitos defeitos, mas, a meu ver, o pior deles era
não conseguir dizer não para mim mesmo.
— Você não aguenta cinco minutos de uma sentada minha,
pirralho. — Isabella gargalhou.
— Isabella, me respeita, eu dou conta de até quatro pessoas
na minha cama. Você acha mesmo que eu não vou dar conta de
você? — Eu disse cutucando a onça.
Ela se virou para mim com um sorriso perverso nos lábios,
jogou seus braços sob os meus ombros e raspou suas unhas na
minha nuca.
— É fácil agradar pessoas que você não tem sentimento
nenhum, pirralho. Quero ver você conseguir agradar uma mulher que
vai ser obrigado a ver no dia seguinte.
Suas palavras me trouxeram de volta para a realidade.
Que porra eu estava fazendo?
— É exatamente por isso que nós nunca iremos foder, gata. —
Pisquei tentando descontrair — Por aqui não trabalhamos com nada
envolvendo o dia seguinte, e sabemos muito bem que você já se
tornou importante demais para que eu consiga não conversar com
você no dia seguinte.
Isabella sorriu ainda mais.
— Medroso! — Ela murmurou, e eu não discordei.
— Isabella? — Um homem perguntou.
Me virei para ver de quem se tratava, e era um dos amigos de
John. Não me recordava o nome dele, mas sabia que era o parceiro
de trabalho mais próximo do noivo. Inclusive, era ele, se não me
engano, que dividiu o apartamento com John por alguns anos.
— Wyatt! — Ela o abraçou, íntima demais para o meu gosto.
E que porra de nome é Wyatt?
— E você é o namorado? — O idiota perguntou.
— Não! — Bella praticamente gritou. Filha da mãe. — Ele é
apenas o melhor amigo. — Ela disse sorrindo sedutora para o tal do
Wyatt.
— É... apenas o melhor amigo. — Confirmei com um sorriso
forçado nos meus lábios.
Os dois trocaram alguns olhares que eu sabia muito bem o que
queriam dizer. Ela não ia fazer isso comigo. Apertei a mão dela,
pedindo silenciosamente para ela não ir para o quarto do imbecil,
mas ao contrário de segurar, ela me largou.
— Cinco meses. — Ela murmurou.
E eu sabia perfeitamente do que ela estava falando. Tinha
cinco meses que ela não transava e a mulher já estava para matar
alguém com o seu mau humor.
O que poderia fazer?
Fodê-la.
Revirei os olhos, tanto para mim quanto para ela. Não era só
uma merda sentir tesão por essa mulher, o ciúme também estava no
topo da lista das coisas que eu odiava. Acho que isso era normal,
melhores amigos protegem um ao outro, e era isso que eu queria
fazer com ela, a proteger de homens babacas que fodessem com
seu coração.
— Vou subir para o quarto, amiga! — Falei resignado.
Dei um beijo na testa dela e um aperto de mão no sortudo do
caralho do Wyatt, e fui rumo ao meu quarto.
O gosto amargo que eu sentia na minha boca só não era pior
do que a culpa que eu carregava em meu peito.
— Isabella, engole logo o meu pau. — Supliquei, olhando em
seus olhos que se fechavam e formavam umas ruguinhas que a
deixavam ainda mais linda.
Queria continuar encantado com seus olhos, mas fui distraído
pelo desejo de ter o meu pau em sua boca. Ela lambeu meu
membro como se ele fosse um picolé, e a porra do gemido que a
demônia soltou quase me fez gozar.
— Calma, pirralho. Aproveita. — Ela chupou a cabeça do meu
pau.
Enfiei meus dedos em seus cabelos e a segurei com firmeza.
Olhei em seus olhos, não com súplica, mas com ordem.
— Você me conhece como amigo, Isabella. Quando estou
fodendo, é você quem vai me obedecer.
Ela abriu sua boca, me mostrando os dentes com um sorriso.
Essa porra de sorriso que me fazia tremer.
— Eu só obedeço quem merece, pirralho.
Minha mão coçava para eu dar um tapa na sua cara. Será
que ela gostava de merdas como essa?
— Você gosta de bater, Logan? — Ela sussurrou, manhosa,
perto demais do meu pau. — Porque eu gosto de apanhar.
— Filha da puta. — Segurei seu cabelo e desferi um tapa de
leve em seu rosto, que apenas a fez sorrir. — Você é uma safada.
— E você gosta, querido.
— Chupa logo, Isabella. — Coloquei sua boca em direção ao
meu cacete, e finalmente ela me sugou para dentro com sua boca
quente.
Isabella me mamava com avidez, me mostrando que ela
queria isso tanto quanto eu.
Ela me retirou de sua boca e desceu para minhas bolas,
colocando uma a uma em sua boca, me babando e ao mesmo
tempo me fazendo sentir aquela pressão deliciosa bem debaixo do
meu estômago.
Isabella continuou me masturbando com a mão, e seguiu com
sua língua tortuosa até meu períneo com lambidas que me faziam
delirar. Foi quando ela chegou na minha bunda, e encontrou a porra
do buraco que eu nunca tive muito prazer em dar para ninguém,
que eu revirei os meus olhos.
— Porra, Bella... — Supliquei.
— Você sempre disse que era doido na minha bunda... —
Sua língua rodou pelo meu buraco — Eu sou doida pela sua.
Porra... porra... porra... porra...
— Isabella, eu vou... — Soltei um gemido quando ela voltou
sua língua para as minhas bolas.
— Vai gozar, e vai ser na minha cara. — Ela disse e logo em
seguida parou as bombeadas com a mão e lambeu meu pau.
— Caralho... Santo Deus.
— Deus não... — Ela retomou as bombeadas com a mão —
Isabella. Quero escutar o meu nome saindo dos seus lábios quando
você gozar!
E assim como se ela tivesse ordenado, eu gozei. Intenso,
potente. Minhas pernas bambearam, e eu sentia que eu podia cair.
— Isabella... — Murmurei.
Meu gozo se espalhou pelos seus lábios e bochechas. E eu
juro que ela nunca pareceu tão linda.
Abri meus olhos, me sentindo ainda completamente confuso.
Minhas pernas estavam letárgicas... e quentes?
Que porra é essa?
Passei meus dedos pela minha cueca apenas para constatar o
óbvio. Eu gozei nas calças. E pior, sonhando com a Isabella me
chupando com aquela boca maliciosa.
Para completar minha belíssima manhã de domingo, vejo que
um braço passa pela minha cintura, e pelas unhas em tons de
vermelho, eu sabia bem quem estava me encoxando. Isabella Azzaro
tinha nascido sem a porra da noção. Ela não estava com o Wyatt?
Matteo não mente quando diz que Bella nasceu sem a noção no
cérebro.
Tirei seu braço da minha cintura. Graças a Deus, a mulher tem
um sono pesado. Pelo menos alguma qualidade tinha que ter.
É, eu sei, eu estava mal-humorado e amargo. Mas quem não
ficaria depois de gozar nas calças como a porra de um adolescente?
E o pior de tudo, eu broxei na última vez que fui trepar.
Aparentemente, meu pau não só tinha uma dona como também era
idêntico a ela. Um mimado do caralho que só obedeceria se eu
desse o que ele tanto queria.
Que merda você está pensando, Logan?
Sono. Tudo isso é sono.
Entrei no banheiro e me olhei no espelho. Os cabelos loiros
estavam uma bagunça total, mas o rosto parecia brilhar de um jeito
que apenas as pessoas que são bem fodidas conseguiam.
Tirei minha cueca melada e fui para o banho. A água gelada do
chuveiro me ajudaria a aliviar o tesão encubado que eu ainda sentia
pelo pequeno demônio que eu chamava de melhor amiga.
Por que eu não me sentia em relação a ela como me sentia em
relação aos meninos? Por que ela tinha que mexer com a merda do
meu desejo? Isso nem chegava a ser justo.
Ao contrário do que uma maioria pensa, bissexual não sente
desejo por todas as pessoas. Quer dizer, acho que ninguém sente,
certo? Eu nunca tive atração pelos meus amigos. São bonitos e
gostosos? Óbvio. Os levaria para minha cama? Nem fodendo. Agora
Isabella, porra, não levar ela para cama é um verdadeiro suplício.
Queria entrar naquele quarto e foder não só a boca, mas a
boceta, a bunda. Eu queria entrar na mente daquela demônia e fodê-
la igual ela faz constantemente comigo.
Será que ela realmente gostaria de um belo tapa na cara?
Será que ela daria aquela bunda que eu sabia que ninguém
havia fodido ainda?
Será que ela me comandaria igual ao meu sonho?
Tantas perguntas que eu jamais saberia à resposta.
Uma onda de medo percorreu meu corpo, não podia ir por
esse caminho. Esses pensamentos não podiam tomar forma na
minha mente.
Eu realmente amava minha melhor amiga, e por isso não seria
nada simples transar com ela e seguirmos nossas vidas depois.
Brincávamos com essa ideia, e talvez até isso devesse parar porque
já estava ficando real demais para a minha cabeça.
Não queria evoluir nossa relação. Sei que muitos amigos
transam e depois seguem a vida, mas minha intuição me dizia que
esse era um vespeiro no qual eu não deveria mexer.
Ela poderia se apaixonar, e eu provavelmente foderia com
tudo.
Foi só pensar em paixão que o coitado do meu pau baixou.
Desliguei o chuveiro depois de tirar todo o sabão do meu
corpo. Me sequei com a toalha e a enrolei no meu quadril, indo em
direção a minha mala.
A mau-caráter continuava dormindo tranquila, soltando um som
que não chegava a ser um ronco, mas era quase — se eu dissesse
que era um ronco, ela me mataria.
— Goza chamando meu nome... — Relembrei sua fala em
meu sonho, dizendo com uma vozinha baixa e feminina — Idiota.
Gozou chamando o nome de outro ontem e vem no meu sonho me
mandar gozar chamando por ela!
— Falando sozinho de novo, pirralho? — Ah pronto, agora ela
vai ter ouvido biônico também? Ela não estava dormindo?
— Não.
— Tá bravinho hoje? — Ela sentou se espreguiçando.
— Estou normal, Isabella. — Dei de ombros, colocando os
meu short.
A intimidade já era tão grande nessa relação que Isabella já
tinha visto meu corpo seminu algumas vezes, e eu o dela. Ela tinha
problemas em bater na porta antes de abrir, e não via problema
nenhum em se trocar na minha frente.
Uma tentação que estava ficando cada vez mais difícil de
ignorar.
— Não sabia que você tinha ciúmes. — Ela fez um coque no
cabelo, com um semblante angelical.
Ela estava adorando isso. Como eu disse, uma idiota.
— Não é ciúmes.
— Ah, não é? — Ela arqueou as sobrancelhas.
— Não.
Ela se levantou da cama e veio até mim me abraçando por
trás, dando alguns beijinhos nas minhas costas.
— Vai, pergunta. Sei que está louco para saber como foi minha
noite com Wyatt.
— Para, Isabella! — Me desvencilhei dela e coloquei minha
camiseta.
— Você está falando sério que está bravo comigo por causa
disso? — Bella cruzou os braços.
Ela estava começando perder à paciência. Que ótimo, porque
eu mesmo estava puto.
— Por que não dormiu com o idiota do Wyatt? — Perguntei
com um tom de voz profundo.
— Ué, Logan, eu aprendi com você. A gente não dorme com
quem a gente fode. — O tom sarcástico me dizia que ela sabia
exatamente que estava me irritando e estava fazendo de propósito.
Filha da mãe.
Não consegui responder. Peguei o cartão para abrir a porta do
quarto e fui rumo à saída. Isabella não deixou e me segurou pelo
braço, me encarando.
Ok, agora ela estava realmente brava. Talvez eu tenha
exagerado um pouquinho.
— Quem é você para me julgar? — Ela perguntou, me fazendo
engolir em seco — Você fode com pessoas no banheiro do
Hamilton’s e depois se senta ao meu lado como se nada tivesse
acontecido. Não estou entendendo, qual é o problema aqui?
— Eu não sei. — Suspirei.
Como dizer a ela que dentro da minha cabeça as coisas
estavam confusas? Eu não gostava de ver ela com mais ninguém,
mas queria que ela fosse feliz.
— Eu tenho que viver, Logan. — Ela cerrou os olhos para mim,
como se estivesse tão confusa quanto eu.
— Não quero que se machuque, sabe disso. — Murmurei,
parecendo um menino que tinha perdido o colinho da mãe.
— Eu não me quebro fácil, Golden. Fica tranquilo. — Ela me
deu um beijinho no rosto, chegou perto do meu ouvido e sussurrou:
— E só para você saber, não precisa ficar todo putinho porque gozou
nas calças sonhando comigo. Eu também sonho com você. — Ela
encostou seu corpo ainda mais próximo do meu — Eu só gozo
chamando seu nome, Logan.
Maldita tentação do caralho.
O pior era saber que ela escutou o meu sonho e provavelmente
viu minha cueca toda melada de porra. Não sabia se ficava ainda
mais irritado ou envergonhado. Quem eu estava querendo enganar?
O pau duro que eu sustentava no meio das pernas havia mesmo
ficado excitado em saber que era meu nome que ela clamava quando
gozava.
Dei um tapa em sua bunda só para descontar um pouquinho o
tesão que eu estava sentindo.
— Vai se arrumar para o café da manhã, pequeno demônio.
Antes que eu faça uma merda.

Tio Giovanni estava abrindo a porta para a esposa quando eu e


Isabella esbarramos com eles. Os dois estavam só sorrisos e
alegria.
— Oi, família. — Bella abraçou a mãe e logo depois o pai.
— Vindo do mesmo lugar que o Logan, bambina? — Tio
Azzaro questionou a filha.
— Eu dormi com ele. — A doida respondeu.
O homem se engasgou. Qualquer dia desses ela provocaria
um infarto no pai, e nem estou brincando.
— Isabella Azzaro, eu não preciso saber das suas noitadas. —
Tio Giovanni vociferou.
— Pai, eu não transei com o Logan, eu transei com Wyatt. —
Isabella respondeu como se estivesse falando sobre o tempo.
A resposta foi um arregalar de olhos de todos à sua volta.
— Vocês esqueceram de produzir a noção quando essa aqui
estava no útero? Qual foi o problema? — Perguntei sério.
— Eu me faço essa pergunta todos os dias, querido. — Tia
Grace respondeu — Vamos, amor. Senão alguma das suas filhas
vão acabar te matando qualquer dia desses.
— Eu não disse nada demais, a senhora sabe disso.
— Ai Isabella, se as portas do céu estão abertas para mim,
minha filha, pode ter certeza que é por sua causa. Estou pagando
por todos os meus pecados. — Tio Giovanni brincou, já um pouco
mais recuperado.
— E olha que não são poucos, papai. — Ela piscou e o homem
já se rendeu.
Era por causa dele que a Isabella não só achava que
comandava o mundo, mas também tinha à certeza. Giovanni era um
ótimo pai, mas sempre teve o pulso mais leve em relação a Isabella.
Talvez por ela ser mais teimosa e sempre vencer pelo cansaço, ele
sempre foi deixando-a conquistar tudo o que queria. E o pior é que,
no final das contas, até eu acabava cedendo aos caprichos da Bella.
— As outras crianças já estão aí. Todos com essas caras de
quem quase morreu ontem à noite, mas graças a Deus estão vivos.
— Tia Grace bateu no meu ombro.
Entramos no salão destinado ao café da manhã. Era suntuoso,
assim como todo o hotel em que foi feito o casamento. As mesas
estavam lotadas, e bem no canto estava o nosso pessoal.
Realmente, todo mundo parecia que tinha ido à guerra e
voltado a duras penas.
— É o Sebastian? — Isabella perguntou olhando para nossa
mesa.
— Sempre de olho no Sebastian, Isabella? – Perguntei.
Nunca tinha achado uma única pessoa que não ficasse
impressionada com a beleza de Sebastian.
Para ser justo, Zoella não parecia tão impressionada com os
músculos e os cabelos, mas a loirinha não conta, porque desde que
viu Matteo, seus olhos só sabiam reparar no amado.
— Ah Logan, me economiza.
— E sim, é o Seb. Ele me mandou mensagem de madrugada
dizendo que não estava mais aguentando ficar naquele lugar e veio
embora. — Com o meu jatinho, mas isso eu preferi deixar apenas
para mim.
Não que eu achasse que Isabella fosse uma aproveitadora ou
iria querer me usar por dinheiro, é só que quando ela tivesse à real
dimensão da quantidade de dinheiro que minha família tem, ela iria
querer saber mais sobre a minha família.
E era exatamente isso que eu queria evitar.
A mulher era teimosa e curiosa, uma combinação perigosa
demais para que eu fornecesse qualquer armamento para ela.
— A sonsa da Harmony nunca percebeu a paixão dele? Não
sei por que não consigo acreditar nisso.
— É porque ela já percebeu, só não quis fazer nada em
relação a isso. E para de ser como seu irmão, se metendo na
história das pessoas. — Segurei sua mão e seguimos até a mesa.
— Matteo é muito mais intrometido do que eu!
— Aí você acordou, Bella. — Recebi um tapinha como
resposta.
— Bom dia, pessoal. — Zoe foi a primeira a nos cumprimentar.
— Rostinho corado, cunhadinha. Matt está arrasando com
você, está notável. — Eu olhei para minha melhor amiga com os
olhos arregalados.
— Meu Deus, hoje você está pior do que o normal? A rola do
Wyatt terminou de tirar o seu bom senso? — Questionei
desacreditado.
— Isabella, você ficou com o Wyatt? — Matteo praticamente
gritou.
— E quem caralho é Wyatt? — Sebastian perguntou confuso.
— Nem queira saber, Seb. — Suspirei.
Isabella ignorou todos nós e sorriu com toda a segurança que
só ela tinha em nos atormentar.
Meu telefone vibrou no meu bolso, e eu não precisava olhar na
tela para saber que era a causa dos meus medos mais sombrios me
ligando.
— Oi, pai. — Falei, atendendo a ligação.
Meus amigos levantaram seus rostos no mesmo momento para
mim. Eles sabiam o peso dessa ligação, e pelo estatelar do meu
coração, eu também sabia.
— Logan, você precisa vir para Nova Iorque. Amanhã. — Ele
disse com uma voz gelada e distante.
— Mas...
— Não me irrite. Esteja aqui amanhã e não traga Thomas
com você. Precisamos conversar.
Engoli em seco.
— Estarei aí amanhã. — Murmurei.
— Ótimo. — E assim ele encerrou à ligação.
O que caralho eu ia fazer? Com quem eu deixaria Thomas? O
que esse imbecil queria comigo? Por que ele só não esquecia que eu
existia e seguia à sua vida?
— Então, Nova Iorque? — Matteo perguntou a todos. Eu nem
ficava surpreso com seu companheirismo. Matteo era o tipo de
amigo que estaria ao meu lado em qualquer situação.
Menos se eu trepasse com a irmã dele. Aí, provavelmente, ele
só socaria minha cara mesmo.
— Nova Iorque! — Noah confirmou.
Isabella pegou na minha mão, me chamando atenção. Seus
olhos reluziam um milhão de questionamentos, mas apenas pela
ação de soltar a mão dela eu mandei o meu recado.
Ela não entraria na podridão do meu passado, essa era uma
escolha que eu iria manter.
— Vou arrumar minhas malas. — Bella falou alto — Vamos
comigo, cunhadinha?
— Bella, eu não acho necessário… — Um pesadelo por
completo seria ter Isabella comigo lá.
— Logan, eu não estou perguntando. Eu vou. — Ela me
encarou. Não estava brava, e sim preocupada.
Como lidar com sua preocupação sem ser um escroto? Ela
provavelmente teria que conhecer um lado meu que nem eu mesmo
gostava. Olhei para os meus amigos que pareciam tão atentos
quanto ela.
— Bella, você não entende.
— Você não quer que eu vá? — Eu não queria, mas falar isso
iria magoá-la, então optei pelo caminho mais fácil. Eu cedi.
— Quero.
— Então vamos, Zoe. — Bella puxou a cunhada.
Observamos as duas irem em direção aos quartos e, ao olhar
para minha melhor amiga apenas pelo seu caminhar obstinado, eu
percebi que não importava minha escolha, Isabella estava
determinada a descobrir meu segredo, qualquer que fosse.
— Isso vai dar uma merda gigante. — Matteo disse.
— Bico calado, Azzaro. — Olhei diretamente em seus olhos —
Você me prometeu.
— Eu amo você, cara, jamais falaria para ela ou para Zoe.
Mas eu preciso te dizer...
— Isabella odeia mentira. Ele já sabe. — Seb o cortou, me
defendendo.
— Vamos senhores, temos uma visitinha ao papai do Logan.
Sem brigas. — Noah se levantou, chamando a atenção de todos.
Papai.
Eu quase ri dessa afirmação.
Aquele homem nunca seria meu pai.
Monstros não deveriam ser pais de ninguém.
Fazia muitos anos que eu tentava não ligar para a bizarrice que
era minha vida. Seja por ter uma família como a minha ou ter vivido
as histórias que eu já vivi, sempre tive uma leve impressão de que o
meu dia a dia não era nem um pouco normal.
Olhe hoje, por exemplo: fui acordada com um gemido do meu
melhor amigo — pelo qual eu sou apaixonada —, chamando pelo
meu nome enquanto claramente gozava nas calças, isso logo depois
de eu mesma ter gozado chamando o nome dele quando estava
transando com outra pessoa.
Seria engraçado, se não fosse trágico.
Além de tudo isso, tivemos uma ligação estranhíssima do pai
do Logan ordenando que ele vá para Nova Iorque. O que o pai dele
precisava que ele fizesse em Nova Iorque? Eu não fazia a menor
ideia, e se eu parar para pensar bem, eu não faço ideia de uma
porção de coisas sobre Logan.
Tudo isso aconteceu e não são nem onze da manhã.
— Então você vai para Nova Iorque? E seu trabalho? —
Donatella, minha irmã gêmea, questionou.
Eu estava arrumando minha mala, enquanto ela e Zoella se
sentavam em minha cama me observando. Minha cunhada vestia um
moletom todo rosa, provavelmente de alguma marca cara que
custava meu rim, já eu estava com meu amado moletom cinza que eu
havia comprado no Walmart. Eu jamais gastaria mais do que
cinquenta dólares em um moletom. Jamais!
— Estou de férias até a semana que vem. Só volto a trabalhar
quando vocês voltarem para à faculdade. Fiz assim para passar mais
tempo com vocês.
Todos nós tiramos recesso de inverno para as festas de final
de ano e para o casamento da minha irmã.
— Vocês, não. O Logan. — Donna respondeu afiada.
— O que você está querendo dizer com isso? — Arqueei minha
sobrancelha.
— Nada, estou apenas dizendo o óbvio. Não foi por nós que
você tirou essas férias, foi para ficar próxima do Golden, seu melhor
amigo e toda essa coisa. — Ela disse praticamente desdenhando.
Donatella observava meu quarto como se procurasse alguma
prova de crime.
— Eu não transei com ele.
— Eu sei, você transou com Wyatt. Nossa mãe contou. —
Donatella delatou. Depois diziam que eu era a fofoqueira da família.
Claramente minha mãe ocuparia esse lugar muito melhor do que eu.
Zoe olhava para nós duas como se estivesse vendo um jogo de
tênis.
Tadinha, ainda estava se acostumando com o caos.
— Então não estou entendendo todo esse questionamento. —
Respondi Donatella, que me encarava.
Eu quase podia escutar seus pensamentos.
“Você vai continuar fingindo que me engana, e eu vou
continuar dizendo que eu acredito.’’
Eu não estava a enganando, ela que não havia feito as
perguntas certas. Se eu fosse pensar bem, ela não tinha feito
pergunta nenhuma.
— Você quer ir com a gente? — Perguntei, com medo de
deixá-la de lado.
— Eu? — Donatella arregalou os olhos — Isabella, quem é
aspirante a babá é você.
— Não sei o que está dizendo, até ontem era doida para dar
para o Sebastian. — Constatei o óbvio, fechando minha mala.
— Exato. Eu queria dar para o Sebastian, não sair com ele e
muito menos seguir com ele. O garoto é amigo do nosso irmão mais
novo, praticamente acabou de sair da puberdade. — Donna
respondeu, mordendo uma pelinha do dedo.
— Então ele serve para transar e não para ser seu amigo? —
Zoe perguntou, desconfortável.
— Querida, entenda, algumas pessoas se encontram apenas
para serem parceiras de cama. É gostoso, divertido e acabou. Nem
tudo precisa ser profundo. — Donna falou olhando para Zoe.
— Mas isso não é usar a pessoa? — Minha cunhada
questionou.
— Não, isso são dois adultos decidindo que precisam gozar.
Às vezes, é apenas sobre isso. — Donna deu de ombros.
Minha irmã era a pessoa mais prática e sem paciência para
dramas que eu conhecia. Como ela nasceu bem na nossa família
ainda é um enorme mistério.
— Você não precisa se preocupar com isso, Zoe. Agora você
já tem o seu príncipe que te ama e a porra toda. — Abri um sorriso
para ela tentando tranquilizá-la.
Ao contrário de mim, Donatella não sabia de tudo que Zoe já
tinha passado. Era mais fácil para mim compreender o desconforto
de Zoella.
— Vocês viram a Liz? — Zoe perguntou, preocupada.
— Na verdade, não. Não consegui conversar muito com ela no
casamento.
Minha prima parecia um pouco mais fechada do que eu me
lembrava, mas ela estava crescendo, então acho que ela já não tinha
mais a mesma paciência de quando ainda era uma adolescente
chorona.
— Eu também não consegui conversar com ela. Acho que ela
já vai embora hoje. — Zoe falou, mexendo no celular.
— O que você está fazendo?
— Tentando mandar mensagem, mas ela não me responde
desde ontem. Será que ela ficou chateada com alguma coisa? —
Zoella era a pessoa mais paranoica que já tinha visto.
— Ela ficaria chateada com o que, Zoe? Fica tranquila. Ela
está com o namorado fazendo provavelmente a mesma coisa que
você estava fazendo ontem. — Dei um beijinho na testa da minha
cunhada.
— Vou falar com meu pai sobre a viagem. — Ela disse, indo
até a porta. — Encontro vocês lá embaixo.
Observei a menina loira que havia lutado ferozmente pelo
sorriso que hoje estampava no rosto. Eu achava que tinha conhecido
pessoas fortes na vida, mas Zoella me provou o verdadeiro
significado de força e resiliência. Essa menina era uma força da
natureza.
— Eu beijei o Zion. — Donatella falou, me tirando dos meus
pensamentos.
— Como assim? Você não tinha ranço dele e toda essa coisa?
— Eu tenho ranço dele, mas o homem é um gostoso. E uma
pegada... — Donatella me respondeu como se essa fosse uma
explicação plausível.
— Você beijou o Zion? — Perguntei novamente só para ter
certeza.
— Foi o que eu acabei de dizer. Eu beijei o Zion. E Bella, foi o
melhor beijo da minha vida. — Donatella suspirou.
Espera um momento.
— Você suspirou?
— Não.
— Eu tenho certeza de que eu ouvi você suspirar.
— Ah, cala a boca. Você não tem ideia da pegada. Irmã, ele
literalmente me jogou na parede e me prensou. E nossa, eu queria
novamente. — Ela se deitou na cama sorrindo.
Essa manhã não parava de ficar estranha. Donatella estava
literalmente sorrindo igual uma idiota por causa de um beijo.
Que. Porra. É. Essa?
— Donatella, você está fodida. — Murmurei, ainda em choque.
— É, eu sei. — Ela deu de ombros, e eu arregalei ainda mais
meus olhos. — Algumas pessoas não são sonsas ou dramáticas.
— Você está me dizendo que está apaixonada por ele? — Me
sentei na cama.
— Não, estou dizendo que se eu ficar apaixonada por ele está
tudo bem. Até lá, vou continuar provocando o homem. Nossa, se ele
me beijando com raiva é daquele jeito, imagina com ódio? — Ela
disse dando gritinhos e gargalhando.
E eu tive que gargalhar junto. Quem era eu para julgar a mente
caótica da minha irmã? O coitado do Zion não tinha nem ideia que
tinha encontrado uma enorme dor de cabeça para lidar.

— Eu preciso que você não surte. — Logan disse sério, me


segurando pelo ombro.
Já estávamos no aeroporto, não entendi muito bem porque
estávamos em uma sala privativa, mas gente rica tinha suas
mordomias, não seria eu a reclamar.
— Estou com vontade de gritar só porque você está me
mandando não fazer isso. — Sorri sarcástica.
— O que eu faço com você, Isabella? — Ele suspirou rendido.
Me amar. Seria uma ótima coisa para você fazer por mim.
Eram raros os momentos em que eu realmente compreendia
que, por mais que ele me fizesse muito feliz, Logan nunca me daria o
que eu queria. E mesmo com um sorriso genuíno no rosto, eu sabia
que ele era apenas temporário.
— O que você vai me falar que eu não posso surtar? —
Perguntei animada.
Às vezes, eu acho que nós dois formaríamos um casal de
Goldens, porque eu parecia ligada na tomada igualzinha a ele.
— Meu jato já está preparado lá fora, e eu sei...
— Seu jato? — Eu cortei.
— Sim. Lembra... não é para surtar — Ela me pediu, mas
minha respiração já estava descompassada. — Ele está ali fora. Se
você olhar pela janela, vai vê-lo.
Virei meu rosto rapidamente e quando observei mais
atentamente, vi o modelo Tremblay 4000 estacionado na pista.
— Você tem um jato de vinte e sete milhões de dólares? —
Perguntei em choque.
Os meninos soltavam risadinhas atrás de mim, já eu estava
grudada na janela como uma criança namorando seu novo brinquedo.
Eu sabia que Logan era rico, mas daí ele ter dinheiro o suficiente
para ter um jato não era de forma alguma algo que eu esperava.
— Na verdade, eu fabrico jatos de vinte e sete milhões de
dólares. — Logan parou ao meu lado, de braços cruzados.
Eu quase me engasguei.
— Você está brincando com a minha cara.
— Meu nome completo é Logan Tremblay Gauthier. Sou
bisneto...
— De Thomas Tremblay. Puta que pariu. Ele é maiores gênios
da aviação, Logan. — Eu o cortei novamente
Agora o nome de Thomas fazia ainda mais sentido.
— Eu sou. — Ele respondeu orgulhoso.
Eu o olhava, e podia jurar que meu olho esquerdo estava
pulando. Como ele me escondeu isso? Meu Deus, eu amava aviões e
o menino era dono de uma das maiores montadoras do mundo.
— Não surta! — Ele mandou, provavelmente vendo em meu
semblante o tumultuado de emoções que borbulhavam em mim.
— Por que você não me contou? — Foi a minha vez de cruzar
os braços.
— E ter que comprar todos os seus sapatos? Não, obrigado.
— O cretino respondeu, e eu não consegui segurar o riso, assim
como ele.
Como se ele já não me comprasse sapatos antes.
O observei mais atentamente. Ele achava que eu era o que?
Uma otária que não percebia como ele adorava fazer uma gracinha
quando queria despistar o assunto? Eu não iria criar caso agora,
mas o que Logan tinha de escorregadio eu tinha de obstinada.
— Logan, você é tipo... milionário.
— Bilionário — Matteo corrigiu — Ele é bilionário.
— Puta merda.
— Não... — Logan tentou dizer, mas não deixei.
— Como que eu não vou surtar? Homem, você é bisneto de um
gênio e é um dos homens mais ricos desse país, como me diz para
não surtar com uma porra dessa? — Eu estava eufórica, confusa, e,
de uma forma estranha, muito feliz.
Esse era o segredo que ele tinha escondido de mim? Porra,
isso nem era um problema de verdade. Será que Logan era aquele
tipo de homem que não gostava da própria riqueza? Ou tinha
vergonha? Ou pior ainda, tinha medo de eu ser uma interesseira?
— Eu te dei um porta-retrato de aniversário. Meu Deus, foi por
isso que você não quis nem um presente meu? — Perguntei um
pouco envergonhada.
Logan odiou quando eu o lembrei do seu aniversário. Meu
presente parecia ter sido quase uma afronta a ele. Foi um dia
estranho, mas ele me disse que odiava comemorar aniversários, eu
só não entendia ainda o porquê.
— O quê? Não, Isabella. Eu só realmente não gosto de
presentes. Nem o Sebastian me dá presente.
Olhei para o Seb que arrumava aquele cabelo, pela quinta vez
no dia.
— E você? Vai me dizer que é neto do Bill Gates ou algo
assim?
— Não, por aqui temos apenas uma empresa automobilística.
— Bilionário também, Bella. — Noah dedurou.
Um constrói aviões e outro construía carros? Era isso mesmo?
— E eu pagando minha conta no Hamilton’s quando eu tinha
vocês, que poderiam pagar para mim. Não acredito que estou
gastando meu rico dinheirinho. — Logan passou o braço pelo meu
ombro, nos dirigindo para fora da salinha.
— Gastou seu dinheiro com você mesma, no caso. —
Sebastian disse segurando o riso.
— Não quero saber, a partir de hoje eu não gasto mais um
dólar quando eu sair com vocês. Onde já se viu, eu lá me matando
de trabalhar e vocês podendo pagar a conta de um mísero sábado à
noite para uma amiga.
— Isabella, o papel de sonsa da nossa família não é seu. —
Matteo me repreendeu fazendo graça. Abusado — Desde quando
sobra dinheiro na sua conta? Pensa bem?
Sorri para Logan.
Faz alguns meses que meu dinheiro vinha rendendo na minha
conta. Ah, eu estava até feliz que eu finalmente estava conseguindo
viver apenas com o que eu ganhava e não gastando mais do que eu
poderia.
Em minha defesa, artigos eletrônicos eram sempre algo bom
em se gastar. Zoe comprava sapatos, eu comprava peças para o
meu computador, jurando para mim mesma que era minha
ferramenta de trabalho.
— Eu já pago todas as suas doses de tequila, sua bocuda.
Agora vamos embarcar nessa belezinha. — Ele me levou até perto
do avião e eu observava a máquina, maravilhada.
— Esse jato foi considerado o melhor do mundo ano passado.
Inclusive, foi o mais vendido. — Me desvencilhei de Logan para
observar a junção dos parafusos. Cada detalhe da montagem me
fascinava. Era como um grande quebra-cabeça que se alinhava com
perfeição. — Ele tem dois motores Honeywell HTF7350 com cerca
de 7300 lbs de empuxo. Deve ser uma delícia de pilotar.
— Um fato importante sobre mim: eu sei a parte de gerência
da empresa, agora sobre aviões eu sou terrível, para o desespero
do meu falecido avô. — Logan disse brincando.
— Não tem problema, eu sei por nós dois. — Respondi
subindo as escadas.
Todos já estavam dentro do avião. Zoe sorria apaixonada para
Matteo, enquanto Noah e Sebastian viam alguma coisa no celular.
Todos pareciam estar tranquilos, mas aquela não era a paixão deles,
era a minha.
Sentei-me na poltrona ao lado de Logan. Eu observava
atentamente a aeronave. As poltronas de cor creme eram grandes e
o teto não era baixo como de costume, os meninos conseguiam ficar
em pé com facilidade.
Era simplesmente maravilhoso.
Me virei para Logan, que conversava com Sebastian e Noah,
super tranquilo. Passada a euforia, tudo isso me parecia muito
estranho. Não fazia sentido ele esconder esse fato de mime agora
estar tão confortável com a situação.
Zoe olhou para trás e pelo seu olhar ela sabia tanto quanto eu.
Avistei Matteo, que esse sim me parecia tenso.
O que está acontecendo, irmão?
Ele engoliu seco, e olhou para Logan.
— Tudo bem, Bella? — Logan me perguntou.
Eu olhei para o seu sorriso, e consequentemente para sua
boca. Meu coração me relembrou, errando uma batida, como toda
aquela situação não era engraçada e sim fodida.
— Tudo ótimo, pirralho — Menti, sorrindo de volta — Tudo isso
é incrível.

Eram duas da tarde e nós ainda estávamos na metade do


caminho até Nova Iorque. Todos dormiam dentro do avião, mas,
graças à minha mente ansiosa, eu não conseguia pregar os olhos.
Arrumei a coberta de Logan e observei. Ele parecia um anjo
dormindo.
Sim, eu era a pessoa patética que era tão rendida no macho
que amava ver ele dormir. Inclusive, era por isso que eu amava
dormir ao seu lado.
Eu poderia passar horas apenas observando seu rosto
definido, seu nariz reto e boca carnuda e desenhada.
A boca.
Se eu fechasse meus olhos nesse exato momento, eu poderia
lembrar exatamente do momento em que esses lábios tocaram os
meus e eu senti tudo aquilo que eu devia sentir em um beijo. O frio
na barriga. A calcinha encharcada. O coração acelerado. Os pelos
eriçados.
Antes eu achava que estava apaixonada, mas foi com esse
beijo que eu tive a certeza de que eu amava Logan. Desde aquele
dia, peço que o destino cuide do meu final feliz, porque teria que ser
com ele. Se não fosse...
Porra.
Se não fosse, eu iria provavelmente experimentar um coração
partido. E vendo como Noah e Sebastian sofrem, eu não estava nem
um pouco preparada para essa merda.
Fechei meus olhos e escorei minha cabeça na poltrona,
deixando toda a chuva de memórias inundar minha cabeça.
— Logan, vamos tomar banho de piscina. O calor está terrível
— Falei esticando minha mão para ele.
— Shhhh... Você vai acordar todo mundo. — Ele me
repreendeu, mas pegou na minha mão mesmo assim.
— Você já reparou que sempre reclama das coisas que eu
peço, mas no final das contas faz tudo que eu quero? — Falei
zombando.
Não que fosse uma reclamação, eu amava como ele me
mimava.
No fundo, era quando ele cedia às minhas vontades que eu
me sentia amada.
— Já, Bella. E é sempre um prazer te servir. — Logan me
respondeu irônico e logo beijou minha testa.
Nós éramos assim. Ele me enchia o saco e eu enchia o dele.
Como duas crianças no jardim de infância.
— Tira a roupa. Vamos nadar, pirralho.
Ele nem se dignou a responder, tudo que vi foi ele abaixando
as calças e tirando a camiseta. Foi impossível não olhar para o seu
corpo e sentir minha boca salivar. Como eu queria passar minha
língua por cada gominho que ele possuía na barriga.
Não demorei nada para puxar meu vestido pela cabeça e
deixar meu corpo exposto para ele. Sentia seus olhos me
queimarem, sorri sob meu ombro antes de pular na água. A água
gelada tocou meu corpo, me fazendo perceber o quanto eu estava
quente. O calor da Flórida estava sempre ali, mas tinha certeza que
não era por causa da temperatura que estava assim. Era ele.
Sempre ele.
Quando subi para superfície e ele já estava lá, sorrindo de um
jeito que agitava meu coração, o abracei com todo o amor que eu
sentia. O corpo de Logan era todo duro e definido. Ele não era forte
como Sebastian ou trincado como Matteo. Logan era perfeito,
definido na medida certa, do tamanho que cabia em meus braços.
—Você é gostoso demais. —Falei em seu ouvido.
O resmungo foi mais um gemido.
— Não faz assim. — Suas mãos seguraram meu quadril com
firmeza.
Nossos olhos foram direto para nossas bocas. Meu corpo
estava arrepiado, e eu sentia a respiração ofegante de Logan contra
meu rosto, me deixando com tanta vontade dele. Como eu queria
sentir seu gosto, a textura de sua língua na minha boca. Queria
saber como Logan beijava, como ele trepava, e, principalmente,
como ele amava.
Eu nunca quis tanto algo na minha vida como queria ele.
— Quando você me olha assim, eu tenho vontade de mandar
toda essa coisa de amigos para o inferno e te beijar. — Murmurei,
com a voz um pouco arrastada.
Logan me puxou ainda mais para ele, me deixando sentir o
quanto seu corpo já me queria.
— Eu posso te dar o mundo, Bella, mas isso não dá. Isso
estragaria tudo. — E eu queria que tudo se fodesse mesmo, tudo
não. Ele. Eu queria que ele me fodesse.
Entrelacei minhas pernas em seu quadril, passando minha
boceta em seu pau de propósito. Logan gemeu e jogou a cabeça
para trás, como se pedisse forças ao universo.
— Você se lembra quando disse que faria tudo para que eu
fosse feliz? — Perguntei.
Os olhos de Logan se voltaram para mim e suas mãos foram
para minha bunda me segurando com firmeza, me pressionando
ainda mais com seu pau.
— Lembro. — Sussurrou.
— Sabe o que me deixaria feliz hoje? — Levei meus lábios
até sua orelha, deixando todo meu corpo em contato com o dele.
Os bicos dos meus seios quase rasgavam meu sutiã de tão duros.
— O quê, diabinha? — Sua voz estava ofegante.
— Seu beijo. — Mordi seu lóbulo.
— Bella...
— Um único beijo. — Supliquei, rebolando contra o seu pau.
— E amanhã? — Sua mão foi até minha nuca, me trazendo
para o seu olhar.
— Amanhã seremos Bella e Logan. Só um beijo. — Cheguei
mais perto dos seus lábios. — Por favor, me faz feliz hoje,
pirralho?
E ele me atendeu, me fazendo sentir uma euforia que nunca
senti antes. Era divino. Era certo. Era ele.
Seus lábios não me devoraram em um primeiro momento. Ele
parecia apreensivo. Foi apenas um toque, um carinho. Prendi
minhas mãos em seu cabelo e lambi seus lábios, pedindo
passagem. Eu precisava explorá-lo. Sentir seu gosto e me deliciar
com seus sons.
Só hoje.
Amanhã tudo acabaria.
Ele abriu a boca e recebeu minha língua, e a sensação de
pertencimento me enlaçou. Meu coração batia freneticamente no
peito, as mãos dele passavam pelo meu corpo. Quando ele me
prensou na parede da piscina e começou a comandar o beijo, eu
quase gozei. Sua língua brincava com a minha, enquanto suas
mãos torturavam o bico dos meus seios, fazendo os meus
batimentos cardíacos aumentarem.
Logan não tinha pressa em me explorar. Nós dois queríamos
fazer desse momento uma eternidade.
O explorei com meus dedos, sentindo cada pedaço de pele
dele, guardando em minha memória seu gosto e seus sons. Esse
era um daqueles momentos que eu jamais me esqueceria, porque
foi quando eu tive a certeza de que não era paixão. Era amor. Um
daqueles que a gente não esconde, não foge, não esquece. É um
daqueles amores para sempre.
Eu o amava.
Eu o amava para caralho.
Puxei ele mais ainda, como se ele pudesse desaparecer a
qualquer momento. Sua língua brincava com a minha e sua mão
desceu direto para minha bunda, me apertando contra sua ereção.
Ele queria mais, e eu também. Mas não podíamos. Nunca
poderíamos.
Acho que nem eu conseguiria lidar com a explosão de
sentimentos que me daria se eu entregasse meu corpo a ele.
Acho que você é o amor da minha vida, pirralho.
Abri os olhos em uma tentativa de parar a chuva de memórias.
Tudo nesse dia foi intenso. O beijo, Matteo nos pegando no flagra,
eu tendo que sorrir mais uma vez quando, na verdade, eu só queria
subir, correr para o colo da minha mãe e chorar até meus olhos
arderem. Eu tinha encontrado o amor, mas ele não tinha me
encontrado.
Pior.
Ele não me queria dessa forma.
Eu já havia passado por todos os estágios de negação, até um
namorado eu fui capaz de arrumar, apenas para provar para mim
mesma que eu não o amava, mas só com aquele beijo eu vi que não
adiantaria correr. Eu poderia mentir, omitir e até mesmo fugir.
Mas existia apenas uma verdade.
Eu amava Logan Gauthier e tinha quase certeza de que ele era
o amor da minha vida.
Mas eu não era o amor da vida dele.
Observei o apartamento que eu havia ganhado do meu pai
quando fiz dezoito anos. Ele ficava no coração do Upper East Side, e
era tão grande que poderia caber uma família do tamanho dos
Azzaro e ainda sobraria espaço. Tudo era moderno, e quase frio
perto do que eu estava acostumado em Crownford. O apartamento
banhado em cinza, preto e branco, gritava poder e dinheiro.
Não parecia uma casa, e sim uma vitrine.
Conferi meu telefone pela milésima vez apenas para ter
certeza que Tia Grace não havia me mandado mensagem com
notícias de Thommy. A mãe de Matt ficou eufórica quando eu pedi
que ela ficasse com meu irmão por esses dias em que ficaríamos em
Nova Iorque. Fiquei com medo de Thomas não aceitar ficar com
eles, que eram praticamente estranhos, mas meu irmão já havia
compreendido que estava em segurança com aquelas pessoas.
Guardei o celular e olhei em volta. Zoella estava sentada na
mesa da varanda envolta a um monte de lápis coloridos e canetas,
desenhando. A menina que antes era tão desconfiada e fechada,
agora parecia um pouco melhor, ela parecia feliz.
Matteo sempre estava por ali, a observando como um falcão
apenas para ter certeza de que a mulher estava bem, ou se estava
precisando de algo. Pessoalmente, eu achava um puta de um
exagero todo o cuidado que ele tinha com ela, mas não era nada
surpreendente. O homem não saía do nosso pé por causa de um
resfriado, quem dirá por coisas mais graves. Matteo é um cuidador
nato, e era bom que fosse assim. Vira e mexe alguém precisava de
um colo.
Os meus três melhores amigos jogavam videogame na minha
sala de estar e, mesmo que a cena parecesse familiar, também era
um pouco estranha. Eles não pertenciam aqui, pelo menos não a
essa parte do meu mundo. E não estava falando isso por causa da
diferença de classe social, eles não pertenciam a tristeza que era
essa parte da minha vida.
Na minha cabeça era como se existissem dois Logans, o que
sou por aqui, e o que eu sou com eles. Misturar esses dois mundos,
me parecia quase confuso.
Isabella já tinha ido dormir, mas eu sabia que em sua mente
borbulhavam perguntas que, para minha total surpresa, não haviam
sido feitas ainda. Ela estava estranha, eu não sabia se ela estava
apenas chateada, ou realmente cansada, mas decidi dar um tempo.
Estava sem cabeça para lidar com uma de suas birras agora.
Minha energia estava concentrada na conversa que eu teria
com meu pai amanhã.
Toda vez que eu via o homem que eu mais odiava no mundo
todo, eu sentia coisas que acho que nenhum ser humano deveria
sentir.
Não era só ódio.
Era maior.
Me corroía e me prendia a um passado que não existia mais.
— Logan? — Sebastian me chamou, se virando para trás ainda
sentado no sofá.
Eu estava encostado na parede, tentando acalmar minha
mente que graças a merda da ansiedade trabalhava a um milhão por
hora. Meu coração batia acelerado, parecia que eu estava vivendo
em terceira pessoa.
— Respira, Logan. — Noah pediu, fazendo o mesmo
movimento.
Matteo observava tudo como uma águia.
Podia não ser o mais empático dos três, mas era, sem dúvida
nenhuma, o mais cuidadoso, por mais que isso soasse meio
contraditório.
— Pega uma água para ele. — Matteo disse olhando para
Noah.
Ele se levantou do sofá junto com Sebastian e veio em minha
direção. Minha visão começou a ficar turva e minhas mãos suavam.
Os sentimentos intensos e indesejados começaram a reaparecer.
Eu não tinha só medo do meu pai. Era um pavor de proporções
desmedidas.
Um dia eu disse que Jordan era o meu único gatilho, mas eu
estava mentindo.
Não existia gatilho maior para mim que o meu próprio pai.
As piores lembranças que eu tinha, ele sempre estava na cena.
Em alguns dias, eu me questionava como um homem daquele
poderia ter filhos. Que tipo de Deus era esse que deixava os
monstros procriarem? Não era justo com ninguém, mas
principalmente conosco, os filhos desse monstro.
Fui puxado para o escritório da sala de estar. Matteo me
sentou no sofá e me fez curvar, colocando minha cabeça entre meus
joelhos.
— Estamos aqui com você, Logan. — A voz de Matteo me
conduzia.
Eu tentava respirar melhor, tentando clarear minha mente e,
principalmente, acalmar o meu corpo.
Controle.
Precisava da merda do controle novamente.
Respirei fundo.
Uma.
Duas.
Três vezes.
O oxigênio melhorava a circulação de sangue pelo corpo e,
consequentemente, no cérebro. Pelo menos é o que eu havia
pesquisado na internet, e realmente funcionava. Eu lidava com crises
como essa há alguns anos, mas ainda não tinha me dignado a fazer
alguma coisa sobre isso. Ainda não era a hora.
Um silêncio mental se estabeleceu, e eu fui me acalmando. O
cansaço que sempre batia após as crises era quase instantâneo.
Eu nem tinha visto o rosto do monstro ainda e já estava
completamente exausto.
— Você não precisa ir até lá. — Sebastian me assegurou. Ele
estava parado sentado na mesa, me observando atentamente.
— Sebastian, eu e você sabemos que isso é mentira. Eu
preciso ir lá, era uma ordem e não um pedido. — Levantei meu rosto
e encontrei meus três melhores amigos parados me olhando
preocupados.
Odiava que eu fosse o responsável por colocar esse semblante
em seus rostos. Matteo tinha acabado de passar por um inferno,
Noah vivia no seu próprio particular e Sebastian não merecia passar
por mais uma dor de cabeça junto comigo, ele já tinha me ajudado
demais.
Eu odiava ser um peso. É justamente por isso que gostava de
não sentir nada. Por dentro, eu suportava muita merda para que não
causasse mais nenhum mal a ninguém. Não poderia suportar mais
fazer mal a alguma pessoa, principalmente a alguém que eu amasse.
Eu não queria ser um monstro, mesmo sendo um.
— Logan, o que você está pensando, cara? — Sebastian me
questionou.
Ele chegou perto de mim e se abaixou ficando cara a cara
comigo.
— Não vai por esse caminho. Você sabe que nada que está
passando aí na sua cabeça é verdade. Você não tem culpa de nada,
Logan.
— Quem disse que eu estava pensando em algo? — Passei
minhas mãos pelo rosto. Eu precisava me recompor, e precisava ser
rápido.
— Logan... — Matteo começou com o drama.
— Parem. Eu estou ótimo. Meu pai e eu iremos conversar seja
lá qual for o assunto, e tudo vai ficar bem. — Garanti.
— Você não nos engana.
— Vindo do maior mentiroso de nós quatro, fico até tocado —
Retruquei Noah, mas logo me arrependi.
Noah desviou o olhar e empertigou a coluna.
Ótimo, agora eu também deixava meus amigos com raiva.
— Eu não quero falar disso. — Tentei me explicar.
— Você nunca quer falar sobre isso. E esse é exatamente o
problema. — Sebastian me segurou pelo ombro e prendeu meu olhar
sob o seu — Nós vamos amanhã com você, e isso não é um pedido,
é uma constatação. Quando você sair da sua casa, estaremos lá te
esperando.
— E as meninas?
— São bem grandinhas, Logan. Elas irão ficar bem. — Foi a
vez de Matteo ser enfático.
— Eu não quero que nada disso vaze para mais ninguém...
— Nós sabemos. Logan, Zoella entende, ela nem me
perguntou nada. — Os olhos dele sempre brilhavam quando falava
sobre ela.
O quão sortudo tinha que ser para ter nascido em uma boa
família e ainda ter a possibilidade de viver um grande amor?
Se eu fosse sincero comigo mesmo por cinco segundos, eu
diria friamente que, além de amar muito Matteo, eu sentia uma inveja
enorme da vida que ele levava. Era quase injusto que alguns
tivessem que sofrer tanto, enquanto outros foram praticamente
intocados pelo destino.
— O problema não é ela. — Constatei o óbvio.
— Isabella é incontrolável, não há muito o que possamos fazer.
— Matteo tentou brincar.
— Estou falando sério, Matteo. Eu não quero ter que lidar com
sua irmã e todos os julgamentos dela. Não tenho condições de
encarar isso nesse momento.
Matteo me encarava, e apenas pela sua postura corporal eu
sabia que ele estava puto. Não tinha nada que conseguisse tirar
Matteo do sério tão rápido quanto mexer com suas irmãs.
— Você fala com tanta certeza de que ela te julgaria, mas ela
te ama, Logan. Tenho certeza de que essa fanfic que você criou na
sua cabeça em relação a Isabella está errada. — Matteo falou e
todos tivemos que segurar o riso.
Fanfic?
— Matteo, eu não sei por que ainda nos surpreendemos com
você. — Sebastian riu balançando a cabeça.
— Não saiam do foco aqui. — Matt cruzou os braços e olhou
para mim — Você realmente acha que minha irmã te julgaria? Depois
de tudo que já conheceu dela?
— Acho. Na verdade, tenho quase certeza. Matteo, quem
Isabella não julga?
— Olha, eu não sei o que caralho que você e Isabella chamam
de amizade, mas não é nem de longe essa merda que vocês
construíram. — Matteo falou elevando o tom de voz. — Se você
realmente conhecesse a minha irmã, saberia que aquela ali quando
ama é capaz de entrar na frente de uma bala apenas para proteger
a pessoa que seu coração escolheu. Ela faria isso por mim, por
você... — Matt suspirou derrotado — Mas você é teimoso, então eu
não vou mais tentar te convencer disso.
Matteo saiu, provavelmente precisando esfriar a cabeça, mas
eu continuava achando que ele estava errado.
— Você está fazendo uma bela merda. — Noah disse seus
pensamentos em voz alta.
— Agora não, Noah. — Sebastian me defendeu.
— E quando? — Ele puxou a maçaneta e abriu a porta —
Quando Isabella ver que o homem que ela considera o porto seguro
dela não tem coragem de contar quem realmente é porque tem
absoluta certeza de que ela o julgaria? Ou quando esse idiota a
perder de vez?
— Quem é você para me julgar, Noah? — Me virei para ele.
— Eu sou o único aqui que tem esse direito. Eu já estive
exatamente no seu lugar, e olha a merda que eu fiz. — Ele fechou a
porta e se sentou ao meu lado.
— Vocês dois tinham uma história de amor... — Ele me cortou.
— Nós éramos melhores amigos antes de tudo. Ou você acha
que ela seguiu falando comigo por quê? Otária Elizabeth nunca foi.
Ela sabia que eu precisava do seu olá, mesmo que eu nunca tivesse
dito nada. Você achou uma merda perder seu amor, mas você não
faz ideia do que é perder um amigo, Logan.
Ah, Noah, você sabe que eu sei exatamente como é a dor de
perder a porra de um amigo!
— Por que vocês estão me pressionando agora? Já preciso
me preocupar com meu pai, não quero pensar nisso. É a minha
escolha.
— Nós iremos respeitar. — Sebastian olhou para Noah, como
um aviso.
— Você sabe o que está fazendo. — Noah finalmente se
rendeu — Estaremos ao seu lado de qualquer forma.
E eu confiava que estariam. Matteo amava sua família mais do
que tudo, mas, mesmo assim, eu sabia que quando eu precisasse
dele, ele sempre estaria ao meu lado.
Respirei fundo.
Quem eu estava tentando enganar afinal? Isabella sempre foi a
pessoa mais leal que eu conheci. Ainda assim, esse medo
insuportável que gela minhas veias sempre me impede de dizer a
verdade a ela.
Eu achava que, de alguma forma, quando ela compreendesse
a magnitude de tudo que aconteceu, ela iria embora e esse era o
motivo do meu medo.
Eu não queria perdê-la, e apenas por isso eu decidi manter
uma parte de mim escondida. E assim eu seguiria.

Tremblay era uma das maiores empresas de aviação do


mundo, fundada inicialmente no Canadá pelo meu bisavô. Foi meu
avô, já casado com a herdeira da Tramblay, a trouxe para os
Estados Unidos logo após o nascimento da sua primeira e única filha,
Aurora Tremblay Gauthier. Também conhecida como o primeiro amor
da minha vida, a mulher que detinha o meu mundo nas mãos e o meu
coração batendo fora do meu corpo.
Minha mãe conheceu meu pai com apenas dezesseis anos – e
ele era apenas mais um ano mais velho do que ela. A menina rica,
havia encontrado o seu amor justamente no filho do segurança. Podia
ter sido uma história amor estilo Romeo e Julieta, se meu avô não
gostasse tanto do garoto, Hunter, e investisse nele para que, além
de casar-se com sua filha, tornasse seu sucessor na empresa, assim
como havia sido com ele.
Parecia a porra de um conto de fadas, mas na verdade era só
o início de um enorme pesadelo. Um que eu daria qualquer coisa
para não pertencer.
A mansão dos Tremblay-Gauthier era como um castelo
perfeito. Tudo aqui exalava rigor e requinte, mas como dizia minha
falecida mãe: “É dentro dos castelos mais bonitos, que vivem as
feras mais terríveis.”
Ela não poderia estar mais certa.
Meus amigos ficaram dentro do carro, e eu entrei pela enorme
porta da frente. Sozinho. O cheiro da casa continuava o mesmo,
assim como os móveis da entrada.
Tudo por aqui era ridiculamente suntuoso.
Se meu apartamento parecia frio, a mansão era uma nevasca.
— Seu pai te aguarda. Ela está em seus aposentos. —
Hannah, nossa governanta há longos anos, falou.
Observei a mulher que praticamente me criou. Ela já tinha os
cabelos grisalhos e algumas rugas no rosto.
Sem pedir permissão, cheguei perto dela e a abracei. Hoje em
dia, eu já não batia mais em sua cintura, e sim ela quem batia em
meu peito.
— Senti sua falta também, garoto. Seja forte, ok? — Ela deu
três tapinhas em meu peito e me largou.
Assenti com a cabeça e fui rumo ao quarto do meu pai.
Subi as escadas e bem ao final delas tinha a foto dela.
A imagem tinha uns três metros de altura. Era gigante e
mostrava bem a idolatria que meu pai tinha por essa mulher.
Observei-a por algum tempo. Eu nunca tinha levado nem uma
foto dela junto comigo. Em alguns dias, eu mal me lembrava do seu
rosto ou da sua voz, mas só de estar aqui, olhando-a com seu rosto
bonito, cabelos longos e loiros, e olhos que eram cada um de uma
cor, eu me recordava de tudo. Cada risada, cada beijo de boa
noite...
— Oi, mamãe — Falei com a voz embargada.
Eu sentia falta dela, e tinha absoluta certeza que eu não iria
conseguir acabar com essa saudade, essa dor... e culpa.
A maldita culpa.
Enterrar minha mãe foi a primeira grande merda que eu tive
que fazer na minha vida. Perdê-la foi como perder uma parte de mim,
de quem eu era, e de quem eu poderia ser. Um menino de doze anos
não deveria ser obrigado a viver sem a mãe. Não era justo.
O amor que ela me transmitia e me ensinou a sentir, jamais
seria explicado.
E o pior de tudo, é saber que ela não se foi em paz. Minha
mãe definhou por anos. Cada dia um pouquinho.
Quando uma pessoa morre, sempre nasce uma sensação de
vazio e dor no lugar do amor. Eu sempre senti que uma parte minha
tinha sido enterrada junto com ela. Aurora Tremblay-Gauthier foi a
mulher que me ensinou tudo o que eu sei, mas também foi a mesma
que me devastou no momento em que se foi deste mundo.
Respirei fundo antes de abrir a porta do quarto do meu
excelentíssimo pai.
Era algo que eu tinha que parabenizá-lo. Eram poucos que
conseguiam tirar o sorriso do meu rosto, e isso ele fazia com
maestria.
Abri a porta, e a cena que eu encontrei me chocou.
O homem que sempre mostrava força e virilidade, estava
magro e com uma aparência derrotada. Meu pai estava deitado
coberto pelos lençóis brancos, e me observava com um sorriso no
rosto que eu não entendia.
— Finalmente você viverá livre da minha presença, Logan.
Eu me engasguei.
— Que merda você está dizendo, Hunter? — Cheguei perto
dele com calma, tomando tempo para acalmar minha mente e meu
coração.
— Não era isso que sempre pediu? Para ser livre de mim?
Parece que alguém atendeu suas preces. — Ele tossiu, mas ainda
com um sorriso irônico nos lábios.
Eu continuava em silêncio, porque, por mais que minha mente
trabalhasse a um milhão, eu havia perdido a capacidade de formular
palavras.
— Estou morrendo, Logan. Finalmente vou encontrar o amor
da minha vida, não irei mais viver mais nesse mundo de bosta. — Ele
parecia realmente convencido de suas palavras.
— Como se pessoas como você fossem para lugares como o
dela. — Praticamente rosnei.
— Sua mãe não era uma santa, Logan. Lugar de pessoas ruins
é no inferno, e será exatamente para onde irei, junto a ela.
— Cala a boca. — Gritei. — Você não tem o direito de falar
essas coisas sobre ela.
— Garoto, você já devia ter aprendido que eu faço o que eu
quiser, e que será assim até o dia que meus olhos não se abrirem
mais. — Ele pegou alguns papéis e entregou em minhas mãos, e eu,
por impulso, obedeci. — Eu tenho câncer, descobri há alguns
meses. Não tenho mais o que fazer, a não ser esperar essa merda
me matar de vez, mas não é para isso que eu te chamei aqui.
— Não? — Ele parecia tão frio. Nem parecia que estava
falando sobre morte, e sim de negócios.
Meu pai sempre foi um cara que parecia não sentir nada, a não
ser quando falava sobre minha mãe.
— Claro que não, garoto burro. A minha morte é só uma
bênção com a qual você vai ter que lidar. Precisamos falar da
empresa, e da sua herança.
Ele sempre me xingava. Sempre.
— Minha e do Thomas. — Acrescentei.
— Sim, sua e daquele garoto. — Seus olhos foram para a
fotografia que ele mantinha da minha mãe em sua cabeceira. —
Tremblay ficará em um primeiro momento sob a tutela do meu vice-
presidente, mas, basicamente, ele trabalhará para você. Não seja
ingênuo ou burro. — Seus olhos voltaram para mim. — Seja o
homem que eu te criei para ser, e não o que sua mãe criou. Termine
a faculdade e veja se não quebra tudo aquilo que eu construí.
— Só isso? — Eu o olhava completamente chocado.
Eu queria sair daqui o mais rápido possível.
Eu me negava a chorar na frente desse idiota.
— O que mais? Você quer que eu te abrace e diga que eu amo
você? — Ele sorriu mostrando seus dentes amarelados — Logan, eu
não amo você. Nunca amei. O único motivo que eu tive você foi por
sua mãe. Ela queria ter filhos mais do que qualquer coisa no mundo,
e eu precisava de um herdeiro. Era um martírio ter que dividir ela
com você, mas o que eu não faço por negócios?
— Até morrendo você precisa ser um escroto?
— Morrendo ou não, as coisas não mudam entre nós. Você
continua sendo meu herdeiro e é isso que importa. E antes que dê
uma de filho rebelde, lembre-se que aquela empresa também era da
sua mãe. Você faz uma merda com ela, não está afetando a minha
memória, mas da mulher que você tanto amou. Estamos entendidos?
— Sim, Hunter. — Amassei os papéis da minha mão.
— Ótimo. Encoste a porta quando sair. — Ele empinou o
queixo e apontou para a porta.
Minha respiração parecia entrecortada.
Fechei a porta e me escorei na parede.
As emoções que tomavam conta de mim me rasgavam.
Eu não amo você.
Bato minha cabeça na parede, e lágrimas grossas e quentes
percorrem o meu rosto.
Só cinco minutos e isso aqui acaba.
Você não me ama seu merda, mas eu sempre te amei. Eu
praticamente fui projetado para isso.
A dor consumia meu peito de forma vívida. Quando eu olhei
para o lado, ao fundo do corredor estava mais um quadro dela.
— Mas que grande merda que você meteu a gente, mãe.
Respirei fundo e aos poucos fui me acalmando. As muralhas se
reerguendo, a armadura de encaixando a máscara voltando para o
lugar onde ela pertencia.
Eu não enganava o mundo porque eu gostava, mas, sim,
porque era necessário.
Se eu não usasse a máscara de menino feliz, as minhas
chances de ser feliz seriam nulas. E qual ser humano não buscava a
felicidade?
Caminhei para fora da casa dos meus pesadelos vividos.
Tentando me reconstruir. Tentando me remontar. Tentando
sobreviver.
Tem momentos que os sentimentos são incontroláveis e,
quando isso acontece, o melhor que eu tenho que fazer é buscar
meus amigos.
Eu dou mais um passo, e sinto o peso em meus ombros.
Outro passo e lágrimas inundam minha bochecha.
Mais um, e a dor corrói meu corpo.
Outro, e as memórias tomam minha cabeça.
E o último me faz questionar: por que estou chorando por esse
monstro?
É porque você sabe que é um monstro como ele... vocês são
iguais.
Preciso dos meus amigos.
Preciso das únicas pessoas do mundo que eu confio minha dor.
— Logan? — Sebastian é o primeiro a chegar até mim.
Eu não consigo parar de chorar, eu não consigo parar de
sentir.
São os braços de Matteo que me amparam.
É o olhar de Noah que me conforta.
São as palavras de Sebastian que me seguram.
Eles me colocam dentro do carro, e tudo que eu sei fazer é
chorar.
Essa porra dói demais.
— Estamos aqui, Logan. — Sebastian me abraçou no banco
traseiro.
Eu sei que eles estão aqui e vão estar sempre. Se não fosse
por eles, eu teria a certeza de que o amor nunca mais existiria para
mim.
Meus meninos inquebráveis. Foram escolhidos a dedo pelo
simples fato que eu posso amá-los sem destruí-los.
Sebastian é uma fortaleza.
Matteo sabe se reconstruir como ninguém.
Noah já foi tão destruído que hoje em dia nada mais consegue
machucá-lo.
— Você não está sozinho. — Noah falou baixinho no meu
ouvido.
Eu sei cara, eu nunca mais vou estar.
— O que aquele filho da puta fez com ele? — É a voz do
Matteo que escuto.
— Matteo, não é a hora. — Sebastian rebate.
— É a hora daquele filho da puta parar, Sebastian! Olha o
estado do Logan, porra! — Meu menino protetor diz tomado pela
raiva.
Para alguns, a superproteção dele pode parecer exagerada,
mas, como eu disse, todos foram escolhidos a dedo para que me
vejam por de trás da armadura.
Matteo me protege quando eu não consigo fazer isso sozinho.
— Logan? — Noah tenta me chamar, mas não consigo
responder.
Estou me afogando, cara. Me afogando em meio ao amor e
ao ódio.
Você consegue me salvar?
Peço com o olhar.
— Ele está tendo uma crise de pânico? — Sebastian perguntou
atordoado para Noah.
— Não... — Os olhos de Noah se enchem de água. — Ele está
sofrendo.
Sorrio internamente.
Ele me entende. Sempre entendeu.
Noah sabe expressar minhas palavras quando eu não consigo
dizê-las.
Meu rosto é puxado para o lado, e duas mãos imensas o
seguram.
— Logan, olha para mim, cara. — Sebastian me encara com
seus olhos negros brilhando compreensão. — Fique com a gente,
ok? Nada disso que está passando pela sua cabeça é você, cara.
Você é amado, você não é sozinho... tudo vai ficar bem.
— Vo... Vo..cê... — Tento perguntar em meios aos soluços.
— Eu perdoo você. Sempre vou perdoar você, Logan. — É a
vez do Sebastian chorar.
E ele é meu perdão.
Um perdão que preciso mais que tudo, mas jamais vou
conseguir me dar.
Um perdão que eu preciso para sobreviver, como meus
pulmões precisam de oxigênio.
— Eu amo você, Logan. — Matteo diz me olhando pelo
retrovisor.
— Amo você. Você sabe. — Sebastian sussurra ao meu lado.
E quando eu olho para meu menino triste, que está ainda mais
triste nesse momento, ele sorri em meio às lágrimas.
— Te amo. — Ele diz tentando me mostrar que tudo está bem.
Então eu fecho meus olhos, e peço para Deus me deixar
dormir um pouco.
Eu sou amado.
Eu não estou sozinho.
Mas...
Eu ainda sou culpado.
— Te amo, lindo. — Ele sorri para mim.
Por que ele sorriu?

Acordei em minha cama.


Não há nem um barulho no quarto, e quase me espanto pelo
silêncio. Há algo na falta de agitação que sempre me lembrou à
morte. Aqueles singelos minutos, onde tudo parecia em suspenso,
que você compreende que tudo deixou de existir. Há uma certa calma
no completo caos. Olho para o lado ainda meio tonto. Sebastian
passa a mão pelo meu cabelo de forma despretensiosa. Fechei
meus olhos novamente, tentando me manter fora do mundo por mais
um tempo.
Repasso as últimas horas na minha cabeça, tentando
compreender se foi um sonho ou realidade.
Meu pai vai morrer.
O homem que destruiu minha família, finalmente irá embora
desse mundo e eu, que deveria estar soltando fogos, estou triste.
Por que eu me sinto tão triste?
Para alguém que estava tão acostumado a não sentir nada,
sentir-me um lixo, como estou sentindo agora, me parece
apavorante.
Tenho vontade de gritar comigo mesmo e me repudiar por ser
tão idiota. Eu não o amo... eu me recuso a amar um monstro. Por
que suas palavras me corroem tanto? Por que ele tem o poder de
entrar na minha mente dessa maneira?
Eu tenho vinte anos. Não consigo nem lidar com minha própria
vida, e agora terei que enfrentar a possibilidade de gerir um império
e ainda ser o tutor de um garoto de oito anos.
Porra, mãe! Olha a merda em que você nos meteu!
Eu não deveria ficar bravo com ela. No fim das contas, foi a
maior vítima de toda essa história, mas é impossível não a odiar um
pouquinho.
Como eu vou conseguir lidar com tudo isso?
Como gerir todas essas emoções e, ainda por cima, virar um
adulto, assim, da noite para o dia?
Respiro fundo e me permito sair da minha própria mente.
— Boa noite, cara. — Sebastian me cumprimentou com um
sorriso no rosto.
Era um alívio não ter que devolver o seu sorriso. Ele me
compreendia.
Olho para o seu colo e vejo o controle do videogame, mas,
pelo silêncio, a televisão está desligada. Quando meu olhar segue
em frente, vejo que Noah também está no quarto sentado no sofá em
frente à televisão.
— Como você está? — O tom de voz de Sebastian era
profundo.
— Me sinto um merda. — Olhei para Seb. — Ele vai realmente
morrer.
— Nós vimos os papéis. — Lógico que viram. — Logan, essa
porra é realmente séria.
— É, eu sei. Não é um jogo ou mentira, ele não seria cruel
nesse ponto. — Toquei na mão de Seb. — Vou ter que assumir a
empresa e o Thommy. Cara, eu não estou pronto para isso.
Principalmente, para cuidar do meu garotinho. Thommy havia
ficado em Crownford com os pais de Bella e Matteo. Como eu iria
cuidar do meu irmão? Como me tornaria capaz de fazer uma coisa
dessas quando, obviamente, não sabia nem cuidar de mim mesmo?
— E não está sozinho, sabe disso. — Noah tenta me confortar.
— Eu sinto como se estivesse me afogando, mal consigo
respirar.
Um silêncio se estabeleceu. Sebastian e Noah sabiam que não
tinha como me ajudar, eu tinha que enfrentar essa merda sozinho.
Como eu faria isso ainda não sabia, mas tinha que dar um jeito, e
rápido.
— Cadê a Isabella? — As palavras escorrem da minha boca
antes mesmo que eu possa analisá-las.
A postura de Sebastian se endurece, e pelo seu olhar eu
percebi que ele estava escondendo alguma coisa.
— Não sou o homem mais perceptível do mundo. — Eu tinha
que concordar com ele, o idiota sabia ser um sonso na maioria das
vezes. — Mas o Noah é.
O olhei confuso. O que ele estava tentando me dizer?
— Eu preciso que você seja sincero comigo, ok?
— Eu sempre sou sincero com você.
— Eu preciso que você seja sincero com você mesmo, então.
Você a ama?
— Claro, Sebastian, ela é minha melhor amiga.
— Logan... — Ele se deita virado para mim — Você realmente
a ama?
Então, eu entendo o que ele realmente está me perguntando.
Engoli em seco. A porra do meu coração quer começar a gritar
alto, mas não permito. Eu não posso permitir.
— Não posso amá-la. Você sabe disso. — Não diga as
palavras, Sebastian. Não quero ouvir a verdade.
— Você não pode amá-la? — Ele pergunta baixinho, quase
inaudível.
— Não quero amá-la. Foi por isso que eu quis ser amigo dela.
Achei que você já tivesse entendido isso.
— Seu coração é paralisado. Eu sei. — Sebastian desvia o
olhar para que eu não veja a verdade ali.
É, eu sei, Seb. É uma merda.
— Não quero falar disso. — Pedi.
— Você já está pronto para falar sobre o que aconteceu hoje?
— Sebastian trocou de assunto.
Meus pensamentos seguintes estão nela. Olho para o lado,
apenas para ter certeza de que ela realmente não está aqui. Se
Isabella estivesse em casa, eu tenho certeza de que estaria aqui, e
nada poderia pará-la.
— Onde ela está? — Tentei mais uma vez.
— Isabella saiu com Zoella e Matt, foram todos ao shopping.
Eu queria um tempo com você, pedi para eles saírem com ela.
— E como ela reagiu a isso?
— Ela não queria sair do seu lado, mas como fui eu quem pedi,
ela acabou cedendo.
— Mas eu cheguei aqui desmaiado. — Se eu conhecia bem
minha diabinha, ela estaria preocupada comigo.
— Falamos que você tinha tomado um porre, por isso estava
desmaiado quando chegou.
— Ela acreditou?
Sebastian se levantou e foi até a janela.
— É a Isabella, Logan. — Ele me responde como se isso por
si só mostrasse exatamente o que eu preciso saber.
— Logan... — É o Noah que me chama.
Não, Noah, eu não quero saber a verdade.
Ele engole em seco.
Teimoso do caralho.
— Acho que ela ama você. — Ele soltou em um fio de voz.
— Lógico que ela ama, Noah. Eu sou o melhor amigo dela. —
Tento consertar a cagada que suas palavras fazem no meu coração.
— Não, Logan. Acho que ela realmente ama você. — Noah
suspira, como se estivesse guardando um segredo a um milênio.
O silêncio profundo do quarto quase me devora.
O que eu posso dizer?
— Quando Noah me disse isso, por um momento tive a mesma
reação que a sua, mas depois, pensando bem, é a verdade. Olha os
sinais. Olha para você. — Sebastian apontou para mim.
Olhei para Sebastian, que, ao contrário de todas as
expectativas, não está surtando, está apenas... preocupado?
Bati minha cabeça na cabeceira da cama.
Ela não pode me amar.
Ela nunca amou ninguém, não seria eu quem conseguiria entrar
naquele coração gelado.
— Meu pai está morrendo.
Eu quase posso sentir a tensão dos dois em meus ossos.
— Ele me entregou alguns papéis, disse que não me amava —
Sorrio com escárnio — e falou que está indo embora dessa terra. E
sabe o que é pior? Eu sinto dor. Eu não deveria sentir dor, eu deveria
estar em um bar qualquer comemorando que esse escroto vai
morrer.
— As coisas não são tão fáceis assim, você sabe disso. —
Noah é quem diz.
— O que eu sei é que não devia amar o meu pai, assim como
você não deveria amar os seus. Essa porra é tóxica, isso nos corrói!
— Vociferei.
— Mas a gente não manda nessa merda. Não é isso que você
sempre me fala?
— Eu me recuso a sofrer pela morte dele. Eu quero que ele se
foda. — Me levantei da cama. — Eu preciso cuidar do meu irmão.
Além do mais, aparentemente, eu preciso me preocupar em como
gerir um império.
Me olhei no espelho, e, por Deus, eu parecia um merda.
— Logan, você está descontrolado. — Sebastian constatou.
Me virei para meu amigo e encontrei seu semblante
preocupado.
— O que está acontecendo com você agora, realmente tem a
ver com seu pai? — Seb ajeita seus cabelos atrás da orelha.
Ela ama você, Logan.
Eu recebo a notícia que meu pai vai morrer, eu sinto a dor de
voltar para minha casa, sinto a ânsia de relembrar cada minuto ali.
Mas o que me fode mesmo é a possibilidade dela me amar?
Isso é algum tipo de piada?
— Logan, eu acho que está no momento de ser sincero
comigo, com você mesmo... — Noah tentou falar, mas eu o cortei.
— Eu sou sincero com você! Eu nunca minto para você! Para
de falar como se eu fizesse isso! — Me defendi.
— Você mente sim. — Noah se sentou na cama. Ele não
complementou, apenas ficou ali me observando.
Não. Não. Não.
— Logan, você precisa lidar com essa merda, senão você vai
acabar machucando a Isabella, assim como vai se machucar
também. Eu não posso deixar isso acontecer. — Sebastian se
justificou, sentado na minha cama me observando atentamente.
— O que vocês estão dizendo? Por que estamos falando disso
agora? — Andei pelo quarto como um animal enjaulado.
— Porque somos seus amigos, e agora as coisas estão claras
para nós. — Sebastian falou com a voz embargada. — Você vai viver
um turbilhão de coisas. Por mais que você ache que tem controle de
tudo, você não tem!
— Eu não amo a Isabella desse jeito! — Bati na parede. — Eu
não consigo mais amar ninguém desse jeito.
— Mas ela ama você. — Noah disse com uma voz acolhedora.
— Eu a conheço mais do que você se permite conhecê-la. Ela
realmente ama você.
Minha respiração falha.
Eu amo você, Logan.
Me faz feliz hoje?
Você nunca vai se afastar de mim, não é?
Bato minha testa na parede tentando clarear meus
pensamentos. Que merda está acontecendo hoje? Parece que meu
mundo está desmoronando bem debaixo dos meus pés.
— Por que vocês estão fazendo isso? — Supliquei.
— Eu preciso ser sua voz quando você não a tem, lembra? Eu
não queria mais guardar essa hipótese para mim. — Noah olha para
os seus pés. — Eu não queria mais mentir para você.
Mas eu queria continuar mentindo para mim mesmo.
— Você a ama, Logan. — Sebastian solta, suspirando. — E
ela te ama também. E está tudo bem, essas coisas são
incontroláveis. Lembra que conversamos sobre isso?
Puxo meus cabelos com raiva.
Eu não estou preparado para isso.
Eu não quero isso de jeito nenhum!
Eu não a amo! Eu não posso amá-la!
— Cheguei! — O som da voz dela ecoa em meu quarto. —
Trouxe comida e muita água para rebater essa sua ressaca.
Eu tive medo de olhá-la.
O peso do meu coração é quase demais para suportar.
Respirei fundo, pedindo mentalmente para não ser verdade,
para que eu não veja em seus olhos o reflexo de um sentimento que
eu não consigo lidar.
Subo meu rosto devagar, minhas mãos estavam na cintura
como se eu precisasse me segurar para não ir correndo para o
abraço dela. Suas pernas estão cobertas por uma calça preta toda
rasgada, e ela usa uma de suas inúmeras blusas de banda que ela
nunca se dignou a escutar. Em suas mãos estão duas sacolas com
provavelmente os itens que ela comprou.
Foi quando cheguei no sorriso que meu coração palpitou.
E quando eu cheguei nos olhos, eu senti vontade de correr.
— Logan, o que aconteceu? — Ela tentou chegar próximo a
mim, mas por puro instinto eu recuei. É um ato simples, mas Bella
parece ter levado uma bofetada no rosto.
Meu sangue corre rápido em meu corpo, minha cabeça parece
que vai explodir.
Memória dos últimos anos pulam em minha mente. Cada
brincadeira, cada vez que dormimos juntos. Nossa aproximação e
intimidade depois que ela terminou. O alívio que me tomou quando
ela me contou que não estava mais com Peter. A vontade de beijá-la.
A vontade não de fodê-la, mas de fazer amor. Devagar, sentindo
cada respiração, cada arrepio, cada gemido.
Tentei me movimentar, mas não tinha forças.
Tentei sorrir, mas não conseguia.
Tentei falar, mas não podia.
E tudo isso porque, se eu fizesse qualquer uma dessas coisas,
a verdade iria escapar dos meus lábios, do meu corpo... de mim.
Eu amo você, Isabella. E nós dois estamos prestes a
conhecer o inferno.
Senti minha máscara se liquefazer, diluindo todas as minhas
ilusões, massacrando todas as nossas omissões, e expondo todas
as feridas que eu nunca fui capaz de cuidar.
Nossa amizade nunca passou de uma máscara conveniente
para que ficássemos juntos da maneira que gostaríamos. E agora eu
não sabia como conseguiríamos lidar com a falta dela.
Olhei para o lado, e ali está meu melhor amigo, o cara que
sempre me protegeu quando eu não conseguia fazer isso por mim
mesmo, o único que sempre teve a noção que nossa aproximação
era a receita para o desastre.
O semblante de Matteo é tudo que eu preciso para confirmar
que ele sabe. Sua respiração descompensada e o jeito que segura a
mão da sua irmã me mostra que ele realmente quer me proteger...
de mim mesmo.
Zoella estava na décima quarta loja e eu já estava a um passo
de dar uma sacolada na cara da minha amiga. Como alguém
conseguia gostar tanto de fazer compras? O frio em Nova Iorque
estava irritante e a loira não se cansava de ver roupas, sapatos e
bolsas. Puta merda, para que ter tantas bolsas? Não era só ter uma
e pronto?
Olha, eu gosto de fazer compras às vezes, de ter minhas
coisas, mas nada como Zoella, Logan e Sebastian. Não tem
cabimento a quantidade de coisas que esses três infelizes gostam de
comprar. Uma hora fazendo compras é legal, mas quatro é
estressante!
Todo mundo chamava Zoella de Cinderela, mas estava mais
para uma Barbie. Nunca conheci alguém tão patricinha quanto ela.
Nem mesmo Logan era tão consumista.
— Olha, eu amo sua namorada, mas vou matá-la se tivermos
que entrar em mais uma loja.
— Isabella já está para te matar, anjo. — Matteo gritou
aguardando fora do provador.
— Mas...
— Sem mas, seu pai vai brigar com você quando ver essa
quantidade de compras. — Matt advertiu a namorada.
— Não vai não. — Ok, mentindo ela não estava. Oliver era
péssimo em dar limites para Zoella.
— Eu vou te matar se você comprar mais alguma coisa! Não
aguento mais entrar em nenhuma loja com você. — Me sentei no
banco que ficava em frente ao provador.
A loira abriu a porta do provador e saiu de lá com um vestido
rosa e botas brancas que batiam em suas coxas. As pessoas
podiam falar qualquer coisa da minha cunhada, menos que era feia.
A mulher era tão bonita que chegava a doer os olhos.
— O que achou? — Ela se virou para o espelho enorme que
ficava à nossa direita.
— Está uma gostosa, como você sempre fica em qualquer
vestido. — Zoella suspirou com minha resposta.
— Você é uma péssima parceira de compras. — Zoella foi em
direção ao provador. — Não sei como é minha amiga e do Logan.
— Vocês são uma espécie de Karma. Minha teoria é que hoje
Deus me pune por cada birra que eu dava quando ia ao shopping
com minha mãe. — Arrumei meus cabelos depois de retirar minha
touca.
Matteo riu em resposta, beijando o ombro da namorada. Tão
fofinhos e tão... melosos.
— Nem é tão chato vir fazer compras comigo, eu sou um amor.
— Zoe me respondeu.
— Você é um amor, mas, querida, quatro horas? Não tem
quem aguente. — Falei prendendo o riso.
— Eu aguento suas reclamações, e você aguenta minhas
compras. — Zoella gritou do provador.
Eu tinha passado praticamente toda a tarde tentando não
pensar nele, e nem em como ele chegou em casa nos braços de
Matteo desacordado por causa do álcool.
Toda aquela história estava muito estranha. Não era só o fato
dele ter bebido depois de conversar com o pai, mas também como
ele se negava a conversar comigo sobre aquele assunto.
Mordi meu lábio, sentindo um pouco do gosto metálico.
Era oficial, eu estava começando a me sentir rejeitada pelo
Logan, e eu culpava toda essa rede de omissões que ele criou. Que
porra estava acontecendo? Por que eu não podia saber a verdade?
E desde quando Logan não confiava em mim?
Parecia que estava lidando com uma pessoa completamente
desconhecida. Cadê o meu menino alegre e festeiro? Depois de todo
esse problema com o pai, Logan parecia uma pessoa
completamente diferente do que ele se mostrava para mim, e eu
sentia falta do meu melhor amigo.
— Você também está achando muito estranha toda essa
história do Logan com o pai? — Tentei sondar Matteo.
— Estranho mesmo é estar todo esse mistério em volta dessa
viagem. Que o Logan não tem boa relação com a família dele, isso
era óbvio. — Zoella saiu do provador com sua própria roupa.
Finalmente.
Meu irmão engolia em seco, e olhava para o lado das roupas.
— Você acredita que ele nunca me falou sobre a família dele?
— Mordi uma pontinha da minha unha, tentando novamente arrancar
alguma coisa do meu irmão.
— Bella, você precisa entender que nem todo mundo é aberto
sobre as coisas que rondam a própria cabeça. — Matt respondeu.
— Eu entendo isso, mas ele é meu melhor amigo, e Logan não
costumava se esconder de mim. Eu sabia até com quem o garoto
estava trepando, tem intimidade maior que essa?
— Ai, Deus... — Matteo suspirou derrotado. Uma hora ele iria
ter que aprender a relevar as coisas que saíam da minha boca.
Eram tantas as perguntas que rondavam minha cabeça, me
fazendo ficar até zonza.
Esse pirralho ainda me paga por me angustiar tanto!
— Quer falar sobre a estranheza de melhor amigo? Bom,
Elizabeth não responde mais minhas mensagens. — Zoe passa seu
cartão de crédito.
Não me passa despercebido o tom triste em sua voz.
— Do nada?
— Eu não faço ideia, ela não me responde. Estou sendo
completamente ignorada. — Zoe me olha. Essa coitada não tem um
minuto de paz? Vou matar Elizabeth. — Você sabe o que eu fiz?
— Isso não me parece muito do feitio da Liz. — Pondero —
Será que tem dedo daquele merda do namorado dela?
Matteo olhou atento, mas, por algum motivo completamente
alheio a mim, estava calado.
— Achei que você gostava do Roman. — Zoe pontuou.
— Eu gosto, mas não confio. É homem, Zoella, não dá para
confiar. — Saímos da loja e o vento frio Nova Iorquino tocou meu
rosto, me fazendo estremecer.
— Não acho que tenha a ver com o namorado. — Matt me
respondeu, e parecia um pouco preocupado.
Zoe olhava para o celular e ali eu vi as milhares de mensagens
não respondidas.
— Às vezes, ela só precisa de um tempo afastada. A gente
nunca sabe o que está se passando dentro das pessoas. — Rebati
usando as mesmas palavras do meu irmão. Sua resposta foi um
sorriso amarelo.
— Isso não está me cheirando bem. Meu pressentimento é de
que está vindo uma bomba aí, e eu nem sei como me proteger. —
Zoe pega na mão do meu irmão para atravessar a rua.
Uma pontinha de dor atingiu meu peito. Eu queria muito esse
companheirismo e intimidade.
Que bela merda.
— Não seja tão dramática. Relaxe um pouco, Zoe. Quando a
tpm dela passar, você vai perceber que tudo isso é coisa da sua
cabeça.
Zoella me fitou com seus olhos azulados e inquisidores.
— Você já percebeu que tem uma mania irritante de desvalidar
o que eu estou te falando?
— Eu não estou te desvalidando, Zoe. — Respondi respirando
fundo, já sentindo a velha culpa dar as caras.
— Bella, eu não estou sendo dramática. Se você mudasse
comigo completamente do nada, eu também acharia estranho. Tem
alguma coisa acontecendo com ela, eu sinto. É como você está se
sentindo em relação ao Logan, só que é ainda pior, porque eu não
faço a menor ideia do que pode estar acontecendo.
— Logan está fodido por causa do pai, você sabe que ele tem
problemas familiares. — Matt defendeu o amigo. — E sobre Liz, eu
preciso falar com ela. Também não faço ideia do que está
acontecendo.
— Eu não quis dizer que você não está certa, só estou dizendo
para você não se deixar atingir por isso. — Suspirei. — Estou
tentando te proteger.
Meu telefone tocou no meu bolso, e sorrio ao ver que é minha
mãe.
— Diga, patroa.
— Isabella, quando você vai voltar para casa e cuidar desse
demônio de cachorro? — Apenas pela voz dela eu sabia que Max
tinha feito uma merda muito grande.
— O que aconteceu com Max, mãe?
— Seu cachorro quebrou minha mesa de centro! Você precisa
adestrá-lo, com urgência! — Ela gritava tanto no telefone que por um
momento tive que afastar o aparelho da minha orelha.
— Como assim? Ele se machucou? — Perguntei preocupada.
Quem ligava para a mesa de centro com um zilhão de anos?
Meu cachorro que era importante.
— Isabella, qual a parte que esse ser é uma cria das
profundezas você não entendeu? Vaso ruim não quebra, minha filha.
Já sobre a minha mesa de centro, não posso dizer o mesmo.
— Tem certeza que não preciso levá-lo para o veterinário? —
A resposta da minha mãe foi apenas um suspiro de rendição.
— Adestramento, Isabella! — E simplesmente desligou na
minha cara.
Mandei mensagem para Stella imediatamente. Minha irmã mais
velha cuidava do cachorro melhor do que eu, e iria saber o que fazer
caso ele precisasse de mais alguma coisa.
Max foi o melhor presente de aniversário que Logan podia ter
me dado. Sempre sonhei em ter um cachorro. Sorri. Meu Golden era
o melhor para fazer minhas vontades, nem meu pai conseguia me
mimar tanto quanto ele.
— Vamos passar em algum lugar para comprar comida. Logan
deve estar fodido por causa da ressaca. — Avisei a Zoella e Matteo,
que concordaram.
Eu poderia até parecer uma mimada e egoísta para a maioria
das pessoas, mas o que quase ninguém percebia era como eu me
esforçava para fazer as pessoas que eu amava felizes.

Eu escutava alguns barulhos vindos direto do quarto de Logan.


Fui em direção ao enorme corredor, e não entendia por que
meu coração batia tão forte. Era apenas o Logan, aquele que eu já
dormi ao lado milhões de vezes, que cuidou das minhas piores
ressacas e me deu colo todas às vezes que eu precisei.
Por que estávamos tão diferentes um com o outro? E por que
eu sentia que tudo tinha ficado pior?
Quando mentimos, o nosso medo em ser pego era sufocante,
e comigo não era diferente. Eu sabia que Logan não lidaria bem com
um possível relacionamento comigo. Flertar era aceitável, um
envolvimento corporal, uma possibilidade. Agora amor? Seria o fim
de tudo. Eu sabia disso.
Eu não queria perdê-lo. Inclusive, tinha medo de dizer essas
palavras em voz alta e perceber o quanto eu era mentirosa.
Isabella Azzaro, uma mulher de vinte e quatro anos,
independente, gostosa e bem resolvida com a vida era, na verdade,
um poço de insegurança? Porque essa era a única explicação que
tinha para alguém que aceitava todas as coisas que eu vinha
aceitando nos últimos meses.
Eu vivia de pequenas migalhas.
Eu era alimentada por uma amizade, porque eu sabia que era
a única coisa que o homem que eu amava conseguia me dar. Que
tipo de masoquista aceita uma coisa dessa?
Não conversava sobre isso com Donatella, nem com ninguém,
porque, no final das contas, eu iria ver a verdade. Eu não deveria
ficar perto do Logan, o certo seria eu impor uma distância e
esquecê-lo.
O cérebro apaixonado é viciado e o meu, como qualquer outro,
sempre escolhia Logan.
Não era burra. Eu só não conseguia escolher algo diferente.
Quando o amor ainda era maior do que a dor, as escolhas se
tornavam quase óbvias. Ficar ao lado do Logan ainda não me
sufocava, mas eu sabia que um dia iria. Tudo que queima, um dia se
apaga causando uma fumaça que nos sufoca, e aos poucos nos
mata. Pensei de forma triste que assim seria minha história de amor
com Logan.
Um dia ela ia simplesmente morrer.
Entrei no quarto dele e vi uma cena um tanto quanto inusitada.
Logan estava em pé, enquanto seus dois amigos estavam
sentados na cama, e toda falação que eu tinha ouvido havia se
perdido em um profundo silêncio.
Logan estava olhando para o chão, com as mãos na cintura.
Ele estava chorando?
Um arrepio ruim me subiu pela espinha.
Que merda tinha acontecido com ele?
— Cheguei! — O som da minha voz ecoou — Trouxe comida e
muita água para rebater essa sua ressaca.
Foram poucos segundos para que ele encontrasse seus olhos
com os meus, mas, quando finalmente consegui o contato, tudo que
vi ali refletido me deu vontade de chorar.
Eu não sabia por que, eu não entendia nada que estava
acontecendo, mas Logan parecia diferente.
— Logan, o que aconteceu? — Tentei chegar próximo a ele,
mas o que aconteceu me chocou e machucou na mesma proporção.
Logan se afastou de mim.
Ele não me responde, só fica lá me olhando com seus olhos
vazios e tristes.
— Logan, fala comigo. Como eu posso te ajudar? — Tento
novamente chegar perto dele, e como se ele acordasse de um coma,
seus olhos se abrem e fecham.
Olhei para Matteo, que estava do meu lado, em um pedido
silencioso de ajuda. Nem tinha percebido, mas meu irmão me
segurava pela mão.
— Ele precisa de espaço, Bella. — Noah diz.
Uma onda de irritação me arrebata, minha vontade era
esmurrá-lo.
Logan não precisa de espaço. Ele está triste, e assim como
ele me ajudou quando eu estava fodida, eu posso ajudá-lo também.
— Logan... pirralho, fala comigo. — Tentei novamente dar um
passo, mas ele desviou.
— Bella... — Matteo tentou falar.
— Não, agora não! Eu só saio daqui quando ele falar o que
está acontecendo!
— Isabella, você realmente não quer ir por esse caminho. —
Sebastian me alertou, mas eu ignorei.
— Logan, olha para mim! — Rosnei, já sentindo algumas
lágrimas pinicarem nos meus olhos. Quando ele me obedeceu, senti
um alívio transpassar meu corpo. — Você precisa de um abraço?
Um suspiro dele.
Uma respiração profunda minha.
— Sabe o que eu preciso? — Ele diz apático. O menino alegre
e agitado não está mais ali. — Que você me dê cinco minutos de paz
e entenda que nem tudo gira em torno de você! Não quero conversar
com você agora, Isabella.
Se ele tivesse me batido, teria doído menos.
Eu posso até ser apaixonada por ele, mas daí a aguentar falta
de educação já estava fora da minha alçada.
— Eu estou cansado, e não quero falar do meu pai. Não
preciso das suas inquisições agora. Só me deixa em paz, só hoje.
Amanhã nós conversamos. — Ele continuou.
Certo.
Abaixei minha cabeça olhando para as compras na minha mão.
Odiando a forma que ele me tratou... odiando-o.
Entreguei a sacola para Matteo.
— Tem comida e água. — Me virei o mais rápido possível para
que ninguém notasse lágrimas que se formavam em meus olhos.
Nada me abalava mais do que ser maltratada por alguém que
eu amasse. Senti uma mágoa e uma raiva consumir meu peito ao
perceber tudo que Logan havia me falado. Não havia feito nada de
errado para merecer seus gritos.
— Bella... — Ele me chamou, com o tom de voz arrependido.
— Vai se ferrar.
— Que porra foi essa? — Um Matteo, em pura cólera, me
olhava enquanto soltava a sacola de comida no chão.
— Matt... — Noah tentou segurar o amigo.
— Me larga. — Matt pediu, soltando o braço do alcance de
Noah. — Eu falei para não falar com ele ainda, não falei? Vocês são
o quê? Idiotas?
— Precisávamos entender se o que Noah andava observando
era real, Matteo. — Sebastian tentou explicar.
— O menino acabou de ficar sabendo que o pai vai falecer e
vocês acharam que, no mesmo dia, ele também precisava que
jogassem na cara dele que está apaixonado por Isabella? — Matteo
me olhou — Ele pode estar só confuso, não é, cara?
A minha vontade era de rir. Porque era óbvio que o coitado do
meu amigo queria acreditar que tudo que Noah e ele achavam era
apenas uma confusão. Tinha que ser... pena que não era.
Eu poderia mentir, sair pela tangente, mas isso não seria justo
com a confiança que eu e Matteo construímos.
Respirei fundo uma vez.
Outra vez.
E, só para garantir, uma terceira vez.
Eu não queria falar em voz alta. Não queria explicar como eu
calei meu coração por meses, como eu tentava tirar minha cabeça
dela, mas nunca conseguia. E em como eu já tinha até broxado
depois de perceber que ninguém era ela.
Por isso as surubas acabaram. Porque cada vez que eu me
juntava a um corpo que não era o dela, eu não sentia mais vontade
de estar ali. Chegava a ser patético.
Eu quis tanto acreditar nessa mentira deslavada que eu repetia
de que tudo era apenas uma atração para ver se em algum momento
tornava-se real.
O pior não era eu ter me apaixonado, sempre soube que isso
era uma possibilidade, o que me fodia era ela me amar. Eu conhecia
Isabella, e agora tanta coisa fazia sentido que chegava a me
assustar.
Como eu queria ser sonso como Sebastian. Se fosse ele no
meu lugar, tenho certeza de que não veria os sinais, nem que eles
fossem em néon. Tanto é que ele sempre acabava machucando as
meninas por não perceber quando as coisas já não estavam só
casuais.
— Porra. — Matteo disse derrotado. — Eu falei para não
chegar perto dela, não falei, caralho? Vocês nunca me escutam.
— Achei que você acreditava que ele tinha o coração
paralisado. — Sebastian rebate irônico.
— A gente conta mentiras para tentar se enganar do óbvio. —
Matteo colocou a mão na cintura, e sua respiração já começava a
descompensar. — Foi por isso que tratou Isabella daquele jeito?
Desviei o olhar.
— Responde, porra! — Matt gritou.
— Foi. — Respondi envergonhado. — Eu não quero nada
disso, Matt. Nunca quis.
— Genial. — Ele olhou para o teto. — O cara passou quase
dois anos flertando com a minha irmã, dormindo com ela, rindo com
ela, e não queria se apaixonar. — Agora ele retornou o olhar para
mim. — Você achou que ia acontecer o quê?
Sinceramente? Me apaixonar por ela nunca me passou pela
minha cabeça. Mas não consegui responder.
— Matteo, chega. Você mesmo disse que ele já passou por
muito hoje. — Sebastian me defendeu.
— Você sempre tenta limpar as merdas que ele faz. — Matt
acusou Seb.
— E você sempre tenta limpar as merdas que o Noah faz. Não
se esqueça nem por um momento que sempre aceitou não saber o
que ele fez com Elizabeth, e eu não vejo você bufando por isso.
— Por que esse assunto está virando pra mim? — Noah
ergueu as mãos em rendição.
— Eu sempre aceitei que ele nunca quis me contar, mas ela
também não quis. É uma escolha deles. Sem contar que Elizabeth
está bem, ao contrário de Isabella, que claramente saiu daqui
chorando por causa dele. — Matt disse apontando para mim.
— Eu não quero contar para ela, Matteo. É a minha escolha.
— Empertiguei a coluna.
— E eu estou te obrigando a contar? Minha única pergunta foi
por que você a tratou daquele jeito. — Matteo estava irredutível.
— Eu só queria distância, eu preciso de um pouco de espaço
para entender o que eu preciso fazer. — Seb colocou a mão no meu
ombro.
Ficamos os quatro em silêncio, tentando digerir os últimos
segundos.
Podia parecer uma coisa pequena. Todo mundo se apaixonava
e seguia a vida. Até mesmo aqueles que tinham medo de se
apaixonar provavelmente não causavam o caos com esse simples
fato singelo.
Olhei para Matteo. Ele mostrou para todos nós que pode até
ser difícil ficar com alguém, mas o amor em si era fácil. Tinha que
ser.
Eu me lembrava disso.
Quando tudo que eu tinha era um medo suportável. Quando
minha insegurança não me causava calafrios. Quando eu ainda era
como Matteo.
— Você acha que ela realmente me ama? — Murmurei,
olhando para os meus pés.
— Acho. — Ele não explicou. Não que precisasse, tudo estava
tão claro como a luz do dia.
— E eu achando que agora as coisas iam ficar melhores para
mim. — Matt sibila. — O caos que isso vai ser.
— Eu não vou machucá-la. — E falava sério, preferia me ferir
que causar mal à Isabella.
— E o que você acha que acabou de fazer dando esse show?
— Matteo cruzou os braços.
Um bolo pesado se formou na minha garganta.
Como eu disse, eu sou péssimo nisso.
— É só você se desculpar com ela. — Sebastian me confortou.
— Ela é rancorosa, as coisas não acontecem assim com a
Isabella. — Tombei minha cabeça.
Eu me sentia completamente exausto.
— Ela não está brava, Logan. Ela está magoada. Não é rancor
que uma mágoa gera. — Matteo me rebateu.
Talvez ele tivesse razão quando dizia que ele era o melhor
amigo de Isabella. Matteo a conhecia de cor, coisa que eu
claramente não conhecia.
— Só fala com ela, Logan. — Noah pediu com um olhar
suplicante.
Só consegui acenar com a cabeça.
Matteo estava certo quando dizia que o destino não brincava
em serviço na hora de nos foder. Eu só não falava que esse era o
pior dia da minha vida porque ele nem de longe era o pior.
Comparado a todas as tempestades que eu já havia vivido, o
dia de hoje não passava de uma chuva de verão. Pena que as
tempestades deixaram destroços pelo caminho, que fazem até
mesmo as chuvas mais esperadas serem um sinal de desgraça.

O quarto estava escuro, e fazia poucos minutos que todos


tinham ido dormir. Demorou horas para que o trio de seguranças,
que eu chamo carinhosamente de melhores amigos, deixassem meu
quarto e fossem jantar.
Todos pareciam preocupados, com medo de eu entrar em
colapso a qualquer momento. Até mesmo Matteo, que estava puto,
ficou comigo até eu voltar a ser eu mesmo.
Abri a porta do quarto onde Bella estava dormindo. Ela estava
deitada, toda encolhida na ponta da cama, coberta, e a única luz que
clareava o quarto era a lareira ligada.
A mulher que tinha entrado no meu coração a porradas se virou
e parou, me observando, sem dizer nada. Seus olhos estavam um
pouco vermelhos, mas nada inchados.
Provavelmente, estava puta comigo por ter a feito chorar, coisa
que ela odiava com todas as forças.
— Bella, me desculpa. — Cheguei perto, mas nem um som
saía da sua boca. Retiro o que disse, Matteo não a conhecia de cor
porra nenhuma, aqui estava o rancor em pessoa. — Eu não queria
ter gritado com você, mas também não estou pronto para falar sobre
isso com ninguém.
— Inclusive com os meninos? — Ela puxou a coberta, batendo
na cama.
— Inclusive com eles. — Se eu fosse brutalmente honesto, eu
só queria fingir que o dia de hoje não existiu.
Me deitei em silêncio e puxei Isabella para o meu abraço. Seu
rosto repousou em meu peitoral, provavelmente escutando o ritmo
acelerado do meu coração. Isabella se aconchegou ainda mais. Tê-la
em meus braços, ainda mais hoje, me trouxe uma onda de pânico e
paz um tanto quanto confusa.
A minha mão passou por suas costas, arrepiando-a. Seu
pijama comprido e grosso não impede que eu veja os pelinhos da sua
nuca eriçarem com meu toque.
Sempre estiveram aqui esses sinais, não é, amor?
Ela beija meu peito, bem em cima do meu coração.
Nesse momento decidi fazer a pergunta que há algum tempo fiz
aos meus melhores amigos. A pergunta que me fez abrir todas as
comportas da minha mente fodida. Foi com a resposta deles que eu
percebi que eles realmente estavam comigo nessa.
Será que você está comigo nessa, amor?
— Bella, o amor que você sente por mim é incondicional? —
Murmurei perto do seu ouvido.
— Claro, Logan. — Respondeu rapidamente.
Isso parecia ser tão claro para ela quanto a luz do dia.
— Então você seria capaz de me perdoar por qualquer coisa
que eu tenha feito?
Isabella ficou dura em meus braços, provavelmente pensando
no que o amor dela suportaria. Se ele não era condicionado a nada.
Era fácil amar uma pessoa quando ela supria todas as suas
expectativas, o difícil mesmo era amar o fodido, o feio... o intragável.
Isso era o amor incondicional. Aquele que não dependia de nada e
suportava o simples fato de a pessoa ser ela mesma.
Eu acho que te amo incondicionalmente, Bella.
Mas e o amor dela por mim? Esse eu tinha dúvidas se era
realmente incondicional. Isabella era uma pessoa difícil em alguns
momentos. Difícil de agradar, difícil de entender, difícil de conhecer.
Como eu entrei no coração dela, para mim, ainda é um mistério, mas
por motivos óbvios, eu preferia que não tivesse conseguido esse
feito.
A verdade era: eu estava com medo.
Um medo que, nesse momento, parecia sobrepor até mesmo
meu amor por ela. Parecia que qualquer resposta que ela desse
seria errada.
— Quando tínhamos oito anos, Donatella pegou minha boneca
e a perdeu. Eu amava aquela boneca, sabe? Mas eu a perdoei, ela
não tinha feito por mal. Quando meus pais foram comprar uma nova
para mim, eu os fiz comprar uma para ela também. Stella uma vez
saiu escondida e meus pais quase a pegaram, mas eu fui mais
rápida e quebrei o abajur da minha mãe. Eu não precisava ajudar,
mas lá estava eu. Fiquei de castigo por dez dias por causa disso.
Outra vez, bati em uma menina que deveria ser o dobro do meu
tamanho no ensino médio porque ela estava fazendo bullying com
Antonella. Fiquei uma semana suspensa da aula, e, naquele ano, não
pude ir para a formatura. Matteo, bom, esse eu tenho até dificuldade
de escolher um momento em que eu abri mão de alguma coisa por
ele. — Isabella levantou a cabeça para mim. — Todos os meus
irmãos já me irritaram ou me fizeram perder alguma coisa. Meus pais
têm milhões de defeitos, eu mesma sou cheia deles, Logan. Sou
mimada, um pouco arrogante, confesso, mas o que ninguém pode
dizer é que eu não amo as pessoas incondicionalmente, e dentro
disso está a minha capacidade de perdoar. Eu sempre estarei do
seu lado, Logan. Sempre.
Beijei a testa dela, com meu coração retumbando forte dentro
do meu peito. Por que tudo parecia tão difícil? Por que eu não me
sentia seguro?
— Logan...
— Hm...
— Nós estamos bem? — Tento me acalmar antes de dar a
resposta.
Nossa relação estava bem. Agora, eu? Eu não conseguia dizer
o que estava acontecendo.
Uma única coisa se passava na minha cabeça: eu não quero
fazer isso de novo.
Eu não quero amar novamente.
Não era minha confiança nela que me impedia de nada… era a
porra do meu medo.
— Claro, diabinha, eu só estou sofrendo. — Tomei fôlego. —
Meu pai está morrendo.
Contei uma meia verdade, uma hora algumas coisas ela vai
precisar saber. Não adianta eu fugir. Ela arregalou os olhos. E pelo
seu semblante, ela estava se sentindo uma idiota.
— Logan, puta que pariu. — Sentou-se na cama. — Me conta
isso direito.
Puxei-a de novo para o meu peito, a abraçando.
— Hoje não, ok? Não quero mais chorar nem me desesperar.
Seja a minha paz?
Beijo seu pescoço. Só porque... em alguns momentos, ficava
difícil demais de segurar.
Isabella parecia confusa, mas acatou meu pedido, ficando
ainda mais grudada em meu corpo.
Minha mão entrou em seu cabelo, e a mantive olhando para
mim com aqueles olhos verdes perfeitos. A mulher tinha muitas
partes bonitas, mas os seus olhos... porra, eles sempre queimavam.
Ou talvez fosse quando me olhava. De qualquer forma, sempre foi
minha parte favorita dela.
— O que você está pensando? — Perguntei.
— Eu estou perdida. Parece que você está escorrendo entre
meus dedos, e eu não sei como te segurar. — Falou com a mais
profunda sinceridade.
Eu não posso me desligar dela, mas eu também não posso
ficar com ela.
Como sair dessa merda?
Você quer mesmo sair? Você realmente quer viver uma vida
onde ela não seja mais apaixonada por você?
E a resposta era clara na minha mente.
Eu queria.
Queria que fôssemos amigos, queria viver momentos felizes e
alegres, como antes. Não queria a paixão, a dor... e a culpa que tudo
isso acarreta.
Eu queria que Isabella e eu fôssemos para sempre, e para isso
precisamos ser amigos.
— Isabella, nossa amizade é a coisa mais importante para
mim. Você é importante para mim. Nossa amizade me faz feliz. Eu
nunca me senti tão vivo como quando estou com você, então, por
favor, não pense que está me perdendo. Muito pelo contrário, me
esforço como um louco para te manter perto de mim. Você é minha
melhor amiga, e sempre estarei aqui do seu lado. Sempre.
Olhei em seus olhos, a observando.
Os olhos malditos, que sempre me sugavam, me hipnotizando.
Com certeza eram eles que abriram a passagem do meu coração
para que a diabinha entrasse.
— Você poderia me fazer feliz hoje, pirralho? — Ela me faz a
mesma pergunta do nosso primeiro beijo.
Aquele que eu nunca esqueci.
E que provavelmente nunca irei esquecer.
Eu poderia ignorar o seu pedido, mas eu não sou um homem
bom. Então eu a beijo, tomando seus lábios com carinho. Porém, ao
contrário da primeira vez, não a devoro com minha língua, muito
menos sinto seu corpo com as minhas mãos.
É um beijo triste.
É um beijo de despedida.
Logan e Bella como amantes morrem aqui.
Meu amor por ela como mulher morre aqui.
Matar um amor é difícil, mas eu já fiz isso uma vez, conheço
bem o caminho.
— Eu amo você, pirralho. — Bella falou com a voz embargada.
— Eu sempre vou amar você, bocuda. — E dou um beijo na
sua testa.
Em um mar de incertezas, a única coisa que eu consigo saber
é que amar Isabella se tornou uma das coisas mais devastadoras
que meu estúpido coração já escolheu fazer. Felizmente, faz muitos
anos que eu não sigo mais os seus pedidos.
Isabella se aninha em mim, e o coração que antes batia forte
parecia calmo agora. Em paz. Como tinha que ser.
Minha cabeça parece estar rodando enquanto eu escovo meus
dentes, logo depois de acordar na minha cama solitária. Não
consegui pregar meus olhos à noite, repassando todos os últimos
acontecimentos. O barulho de Isabella ressoando baixinho no meu
ouvido me acalmava, me permitia pensar nas coisas com um pouco
mais de clareza.
Olhei para o espelho. Meus olhos estavam avermelhados, o
que fazia o azul da íris parecer ainda mais forte. Além, é claro, da
barba que havia começado a crescer e eu ainda não tive forças de
fazer.
Porra, ainda estávamos no quarto dia do ano e tudo já tinha
explodido pelos ares, mas eu não iria me desesperar. Já passei por
merdas antes, e não seria a primeira vez que eu tinha que lidar com
à morte. Eu iria sobreviver.
Tudo daria certo no final das contas, eu só precisava manter o
controle.
Sorri lembrando de quando eu quebrei uma das estátuas que
ficava em uma das inúmeras salas de estar da mansão onde eu
cresci. Eu fiquei com tanto medo do meu pai que corri até minha
mãe. Não me permiti chorar até que chegasse em seu colo. Como eu
queria o colo da minha mãe agora.
Talvez, se ela ainda estivesse nesse mundo, eu não seria quem
eu sou hoje. Com Aurora no mundo, eu seria um homem melhor.
— Porra! — Xinguei baixinho.
Eu sentia que estava prestes a implodir a qualquer momento.
Não era justo com Bella amar alguém como eu, e não é nada
justo comigo viver a sina de amar alguém novamente. Eu ainda podia
escutar a voz de Callum no fundo da minha cabeça, me relembrando
cada pequeno motivo que tornava o amor impossível para mim.
Não era uma questão de querer, e sim de poder.
Eu não podia amar Isabella, mesmo amando. E eu,
definitivamente, não deveria querer ignorar meus medos, mesmo
querendo.
Abri a porta do meu quarto e encontrei minha bússola moral e
ética deitada na minha cama.
— Isabella saiu hoje de manhã, parecia alegre. — Sebastian
relatou.
— Ela dormiu bem à noite. — Vou até minha mala e puxo dali
uma camiseta branca e um conjunto de moletom cinza.
— Vocês conversaram? — Sebastian se sentou na cama e me
observava com atenção.
Suspirei.
Como dizer a ele que perguntei a Isabella o mesmo que havia
perguntado para os meus três melhores amigos, e que sua resposta
só me mostrou que aquela mulher aceitaria qualquer coisa do meu
passado, mas, ainda assim, isso não era suficiente para aplacar meu
medo.
Nada seria.
Antes tinha medo dela me julgar e se afastar, mas hoje eu
tenho medo dela me aceitar e ficar.
Uma confusão que nem eu conseguia compreender.
— Logan... — Sebastian suplicou. Ele odiava quando eu me
guardava dentro de mim.
— Eu perguntei a ela. — Foi tudo que eu consegui dizer.
— E ela disse que não perdoaria você? — Ele não parecia
surpreso.
— Isabella me ama, Seb. Ela perdoaria.
— Mas você não conseguiu contar, não foi? — Sebastian
compreendeu antes mesmo de eu dizer. — Logan, o que está
acontecendo com você? O que você está planejando fazer?
— Vamos seguir sendo amigos. — Falei sucinto.
— Você não está fazendo o menor sentido.
— Eu não tenho medo de me machucar a amando, eu tenho
medo de machucá-la. Não quero um relacionamento, sempre fui claro
em relação a isso. Por isso as surubas, lembra? Sem envolvimento,
sem risco.
— Então amor de amigos tudo bem para você, mas amor
romântico nem fodendo. Você sabe que no fim de tudo é amor do
mesmo jeito, não é? — Seb tentou me dissuadir.
Não é. E ele sabe disso.
Virei minhas costas e toquei na maçaneta do quarto.
— Logan, você vai acabar perdendo sua segunda chance por
medo. Se tem uma coisa que você nunca foi, é covarde. —
Sebastian me alerta.
— Eu nunca quis uma segunda chance, Sebastian. Escolher
não viver um amor não me faz um covarde, e sim responsável.
— Pare com isso. A culpa não foi sua, Logan!
Me virei para o meu melhor amigo e o encarei, mirando bem os
seus olhos negros.
Dedilhei meu colar, que havia recolocado no pescoço esta
manhã.
Algumas coisas precisavam sempre ser relembradas, para não
cometermos o mesmo erro duas vezes.
— Eu não quero amar a Isabella, eu não quero ficar com ela...
e, principalmente, eu não quero destrui-la. Essa é minha escolha, e
nada que vocês me disserem vai me fazer mudar de ideia.
Essa era uma escolha que eu nunca abriria mão.
— Então você vai simplesmente abandonar a menina que
sempre fez de tudo por você? Ela é sua melhor amiga, Logan! Você
que sempre criticou o Noah por todas as merdas que ele já fez, vai
seguir os mesmos passos?
— Eu não vivi até hoje sendo amigo dela? Por que as coisas
mudariam agora? — Arqueei as sobrancelhas — Eu não estou
copiando o Noah, estou copiando você.

Um dos únicos lugares que eu realmente sinto falta em Nova


Iorque é o Central Park. Eu corria aqui todos os dias depois que
voltei do colégio interno, e era um momento de ficar sozinho, clarear
minhas ideias e me centrar no que realmente importa.
Corro ainda mais rápido tentando me concentrar na minha
respiração e voltar ao meu próprio equilíbrio. Preciso me reorganizar
e pensar nos meus próximos passos, o que eu irei fazer com esse
sentimento do inferno, o que eu vou fazer com o Thommy, que nesse
exato momento está na casa dos Azzaro como se eles fossem sua
própria família, mas eles não são. Eu preciso ser a família dele.
Eu preciso crescer, e isso precisa acontecer muito mais rápido
do que eu imaginei.
Primeiro, eu preciso ler todos aqueles papéis que meu pai me
entregou, ver todas as instruções e analisar se eu vou conseguir
concordar com todas as loucuras que ele ditou. Depois, preciso
compreender melhor a doença do meu pai, e ter a certeza de que
realmente não há nada que se possa fazer por ele.
Porra, eu preciso contar essa merda para Thommy.
Respirei fundo e corri mais rápido.
Controle, preciso dele como ar para respirar.
E depois de tudo eu ainda preciso entender como eu vou matar
esse amor por Isabella e seguir sendo apenas seu amigo.
Se tudo acaba um dia, por que um sentimento não iria? O amor
é como qualquer outra coisa, ele precisa ser alimentado para
prosperar.
Ok, posso lidar com isso.
Eu não vou abandonar Isabella, isso nem passou pela minha
cabeça. Ela continuará sendo minha amiga, e eu amigo dela. Só
precisamos superar essa paixão. Toda essa merda só precisa virar
uma página da nossa história, não sua finalização.
Matar um amor não é fácil, mas não é impossível. A cada
flerte, cada abraço, cada beijo, e cada dia que ela acorda ao meu
lado, é um jeito de alimentar meu coração. Eu não preciso machucá-
la no processo, eu só preciso que isso termine.
Passo por um casal que corre rindo um com o outro, e sinto
minhas mãos arderem pela fisgada.
Isso passa.
Vai passar.
Recito essas palavras como mantra até que elas se tornem
reais.
Abri um sorriso demorado em meus lábios, tentando evitar as
lágrimas.
Éramos um clichê desgraçado, fadados ao fracasso desde o
momento que o destino nos entrelaçou.
A vontade é de chutar alguma coisa, machucar minhas mãos
tentando socar a cara do filho da puta sádico que decidiu que seria
uma ótima ideia colocar Isabella Azzaro no meu caminho. Fazer isso
com Isabella beirava a crueldade, a menina não merecia tamanho
sofrimento.
Isabella merecia um rei, eu só era uma fera e, ao contrário do
desenho, não existia nenhuma Bella que conseguiria me salvar. Eu
não queria reaprender a amar, até porque feras não amam, elas
destroem. E a última coisa que eu queria era destruir minha melhor
amiga.
Respirei fundo tentando frear as memórias. Como eu gostaria
que algumas coisas fossem simplesmente apagadas da minha
cabeça.
— Você acha que eu sou o amor da sua vida? — Callum me
questionou, umedecendo os lábios.
— Eu sei que eu amo você. — Toquei seus lábios com o
polegar.
Amo tanto que meu coração chega a doer com um simples
pensamento de o ter longe de mim.
— São poucas as pessoas que se casam com o primeiro
amor, sabia?
— Do que você está falando, lindo? — Rebati, já sentindo
meu pau endurecer enquanto ele roçava sua mão por cima da
minha calça.
— Eu sei que você me ama, até porque eu era seu melhor
amigo antes de toda essa merda começar. Mas eu sinto que não
sou o amor da sua vida. — Minha mão foi até seu pescoço, o
prendendo em meu controle.
Callum sorriu malicioso.
— Então o que você vai ser para mim? — Perguntei em um
sussurro.
— Eu vou ser a pessoa que irá te ensinar sobre o amor. —
Ele chegou mais perto dos meus lábios, e minha respiração se
tornou ofegante.
— Então me ensine direito, lindo. Está em suas mãos me
educar ou me destruir.
E ele destruiu, de um jeito que eu tinha certeza que não tinha
como recuperar.
Callum não só me arruinou, mas ele também me mostrou que
algumas coisas precisam ser enjauladas. Foi uma lição valiosa, e eu
nunca poderia me esquecer dela.
Terminei de colocar minha camiseta e fechei minha mala.
Estava na hora de voltar para Crownford e me preparar para as
aulas, os treinos e passar os últimos dias de férias com meu irmão.
Saí do quarto e me dirigi para a sala para me encontrar com
meus amigos. Eu podia notar a tensão que todos estavam, e que
tentavam dissipar. Peguei meu celular para conferir minhas redes
sociais e tomei um susto quando vi uma foto de Noah abraçado com
sua amiga de infância, Athena Rogers, uma menina belíssima, com
cabelos roxos e olhos esverdeados.
Ele já havia falado sobre ela e como eles se afastaram com o
tempo depois que ela precisou se mudar de Crownford para Nova
Iorque. Meu amigo sorria na foto, abraçando a menina que parecia
gargalhar. Engoli em seco ao perceber que isso tinha tudo para dar
merda.
Elizabeth não era tão próxima de mim, até porque ela sabia
que toda minha lealdade estava com Noah, mas, ainda assim,
éramos amigos o bastante para que eu soubesse o que se passava
dentro daquela cabecinha.
Liz suportava o silêncio, a rejeição, até mesmo a distância,
mas isso aqui eu sei que ela não dava conta de suportar.
A maior dor da menina, que em muitos momentos se parecia
comigo, não era ter vivido um amor com Noah, era justamente ele ter
finalizado a amizade dos dois. Noah sabia disso, Matteo sabia disso
e, provavelmente, até Isabella sabe disso.
Postar uma foto com Athena no vocabulário da Liz é a mesma
coisa que mostrar para ela que, finalmente, depois de quatro anos,
ela está superada. Por mais que ela tenha um namorado e esteja
construindo uma vida em outro lugar, é difícil ter consciência dessas
coisas.
Eu não aguento como ele a faz sofrer, e me irrita ainda mais
como ele simplesmente não consegue parar. É por isso que eu odeio
essa merda de amor. Talvez se Noah amasse menos a Liz, ele não a
faria sofrer tanto.
Cheguei na sala e todos estão tensos, como eu imaginei que
estariam.
— Então, vamos voltar para nossa casinha? Ansioso para
deixar essa merda de cidade. — Tento soar o mais animado
possível.
— Graças a Deus. — Seb responde se levantando.
Isabella nem me olha, parece que faz as coisas
mecanicamente, como se nem estivesse aqui.
— Ei, tudo bem? — Questiono, falando baixo próximo a ela.
— Tudo ótimo. — Bella sorri para mim, sem malícia... sem
vida. Apenas um sorriso congelado, iguais aos que eu dou
diariamente. — Vamos?
Acenei com a cabeça.
Essa era a felicidade que Sebastian havia visto nela mais
cedo? Se fosse, Sebastian não tinha percebido que era mentirosa
como a minha felicidade.
Isabella estava tentando esconder que seu coração havia sido
quebrado ontem à noite.
Ela havia entendido o recado.
O beijo de despedida havia selado nosso destino, e por mais
que doesse nela agora, era o melhor para nós dois. Bella ficaria
bem, e eu... bom, eu ficaria vivo.
Coloquei a última blusa dentro do meu guarda-roupa, porque
finalmente eu tinha tomado vergonha na minha cara e desfeito minha
mala. A viagem de volta foi estranha, para dizer o mínimo. Os
meninos pareciam tensos e Zoella seguia o mesmo rumo,
principalmente depois da foto fatídica do Noah.
Para quem estava de fora era apenas uma foto normal, algo
sem o menor problema. Mas quem conhecia todos os volumes da
história de Elizabeth e Noah sabia que era algo que provavelmente
desencadearia o caos.
Minha prima, ao contrário de mim, tinha uma maravilhosa
habilidade de perdoar. Se tudo que aconteceu com Liz tivesse
acontecido comigo, Noah nem precisaria me ignorar por quatro anos,
porque eu mesma já o cortaria da minha vida.
Olhei meu celular novamente, conferindo se Elizabeth havia
respondido minha mensagem. Mas ainda nada.
Eu sei que o garoto tem direito de ter uma amiga, mas todo
mundo sabe que não é só uma amizade. É a porra de uma troca. É
colocar alguém no lugar que já foi de Liz e que, inclusive, foi expulsa
do seu posto porque o imbecil quis assim. Até aí o normal, homem
fazendo babaquice, mas então precisa ficar choramingando pelos
cantos por causa de Elizabeth? É demais para minha cabeça. Noah
precisa escolher, ou ele supera de vez o amor de adolescência, ou
cresce e vai arrumar as cagadas que ele mesmo fez!
“Ah, mas ele tem um monte de trauma.”
E minha prima precisa ser traumatizada também por causa de
todos esses traumas? Elizabeth não merecia esse tipo de coisa, e
todo mundo sabe disso, até mesmo o boçal do meu irmão que
sempre acaba passando a mão na cabeça do Noah.
Eu tento não ficar com raiva do meu irmão caçula, mas às
vezes é difícil. Como alguém que se diz tão ciumento consegue
relevar as coisas tão facilmente? Ele pode até não saber exatamente
o que aconteceu porque é covarde demais para insistir em saber a
verdade, mas eu sei, e é péssimo.
Talvez essa fosse a razão da minha dificuldade de me
aproximar de Noah, por mais que eu gostasse dele e ficasse feliz
que ele tivesse um porto seguro dentro da minha casa. Eu não
conseguia superar o quanto eu ficava puta quando relembrava as
dores que ele foi capaz de causar na minha prima.
Eu ainda me lembro de como Liz chegou aqui em casa
desolada, de como ela precisou dormir agarrada à Antonella e de
como ela passou meses sendo apenas um fantasma da menina feliz
que já tinha sido um dia. Ela superou, óbvio, até porque se não
Donatella e eu tínhamos feito ela melhorar na força do ódio, mas ela
nunca mais foi a garota alegre e divertida de antes.
Parecia que cada vez que ele não a respondia, morria mais um
pouquinho do seu coração. Eu não sabia das justificativas dele e
mesmo sabendo que elas existiam, ainda assim, eu achava
indesculpável.
Por mais que parecesse, Noah não era uma vítima nessa
história. Ele era o vilão.
Deitei em minha cama e olhei para minha mesa, onde coloquei
um mural de fotos. Ali estava cheia de fotos das pessoas que eu
realmente amo, e quando eu vejo a foto de Logan, Max e Tommy no
Natal, as lágrimas me atormentam para sair.
Eu sempre entendi que ele provavelmente nunca me amaria
mais do que uma amiga, e estava tentando conviver com isso.
Pode não parecer, mas eu sei que nem tudo que eu quero eu
consigo. Na minha cabeça, uma hora esse amor passaria. Logan
sempre teria uma parte do meu coração, mas não teria todo o meu
futuro. Eu me apaixonaria, seguiria minha vida e construiria minha
história com outra pessoa. O que eu nunca tinha realmente pensado
é não ser tão importante para o Logan quanto ele é para mim.
Óbvio que a conexão que ele tem com os meninos é
inexplicável e eles são quase almas gêmeas, mas nem consigo
mensurar como foi provar do gosto amargo de ver que eu não sou
confiável em seus olhos.
‘’— Eu estou cansado e não quero falar do meu pai. Não
preciso das suas inquisições agora. Só me deixa em paz, só hoje.
Amanhã nós conversamos.’’
Eu não devia ter o pressionado, mas, ao mesmo tempo, como
reagir quando o seu melhor amigo demonstra que claramente
consegue conversar com outras pessoas, mas não com você?
Logan sabe tudo sobre minha vida...
Sabe dos meus erros do passado.
Sabe das minhas inseguranças.
Ele sabe até mesmo dos meus sonhos mais íntimos.
Ver que isso não é recíproco me dilacerou até mais do que
saber que ele não é apaixonado por mim.
Está sendo uma das dores mais fodidas que precisei enfrentar.
Abri minha gaveta para pegar meu iPad e ver quais serão
minhas atribuições no trabalho durante a semana, mas dei de cara
uma única foto que guardei minha e do meu ex-namorado, Peter. Eu
comecei a namorá-lo em uma tentativa um pouco desesperada para
não admitir quem era o real dono das batidas do meu coração.
Minha mãe sempre me avisou que decisões impulsivas eram
sempre erradas, mas eu, como uma boa teimosa, não escutei. Me
agarrei a Peter como uma salvação. Mal sabia eu que estava, na
verdade, me afundando mais.
Escorei minha cabeça na cama, deixando as memórias de um
dos piores dias da minha vida vir à tona.
Olhei para o telefone do meu namorado mais uma vez, só
para ter certeza de que eu não estava vendo coisa. Aquilo
realmente era uma mensagem de uma mulher, quer dizer, de uma
tal de Diana, que parecia tão iludida quanto eu, falando para ele
que queria apresentar os pais dela a ele.
Eles eram namorados?
Escutei os passos de Peter atrás de mim e empertiguei
minhas costas.
— Gata? — Sua voz parecia fraca.
— Não minta para mim. — Respirei fundo e me virei. — Você
está me traindo há quanto tempo?
Primeiro ele ficou em completo choque, e logo depois foram
seus olhos que ficaram vermelhos. Peter nem tentou negar, seus
ombros caíram e ele proferiu as palavras que apenas confirmaram
minhas suposições.
— Dois meses. — Ele tentou parecer mais forte, mas seus
olhos foram para os pés. — Não foi nada planejado, só aconteceu.
— Só aconteceu... — Como acontece de você trair alguém?
Seu pau só cai para dentro da boceta? — Entendo. E toda aquela
cena na despedida da minha prima? Todo aquele ciúme? Era medo
de eu ser como você?
Peter finalmente me olhou nos olhos, e o que eu vi ali não foi
arrependimento, muito menos tristeza. Ele estava com ódio. De
mim.
— Desde quando você é apaixonada por Logan? — Ele me
devolveu. — Desde quando você transa comigo pensando nele? Ou
me beija pensando nele? Ou melhor, desde quando você gostaria
que fosse ele em meu lugar?
Minha boca abria e fechava, mas nenhuma palavra saía.
— Você pode achar que todo mundo é otário como as
pessoas que estão à sua volta, mas, Isabella, eu te conheço bem.
Essa sua pose moralista e convencida só engana aqueles que não
querem enxergar sua verdadeira face.
— Do que porra você está falando? — Perguntei, já sentindo
meu sangue ferver.
— Você é uma traidora, se lembra? — Ele tomou o celular da
minha mão — Pelo menos foi o que você me disse quando eu quis
namorar com você e você mesma não quis. Disse que não servia
para relacionamentos monogâmicos. Pois, então, eu tenho que
concordar, você não serve.
É justamente por isso que eu sempre odiei me abrir para as
pessoas. Na raiva elas sempre usam suas próprias fraquezas
contra você.
— Eu nunca te traí, Peter!
— Com a boceta pode não ter traído mesmo, mas com sua
mente e coração... porra, você já começou me traindo. Vai me dizer
que não começou a namorar comigo só porque viu que estava
apaixonadinha pelo fedelho? — Peter parecia possuído, soltando
todo o veneno que ele guardou por meses.
— Você está virando uma situação errada para mim porque é
covarde demais para assumir suas merdas! A menina está te
chamando para conhecer a família dela. — Falei com tanta raiva
que saiu quase como um rosnado.
— Eu me apaixonei por ela. —Ele parecia falar a verdade. —
Diana é uma das melhores coisas que aconteceu comigo.
— E quando você teria a decência de terminar comigo?
— Não sei. — Ele desviou o olhar.
— Como não sabe? Você está apaixonado por outra pessoa!
— Berrei.
— E você não pode me julgar, pode? — Ele gritou de volta. —
Entrar para um relacionamento raso como o nosso é uma coisa...
— Mas um de verdade dá medo. — Me virei para a janela do
seu apartamento, não estava suportando olhar mais em sua cara.
Eu queria bater nele, voar em seu pescoço e acabar com ele.
Me sentia uma completa idiota. Por mais que meu coração
não fosse dele, ainda assim eu gostava do Peter. Tínhamos um
relacionamento legal. Até hoje, eu achava que ele tinha o mínimo
de respeito por mim.
Sempre errada, Isabella.
— Demorou, sabe, para eu perceber que a amizade de vocês
era diferente. Não foi fácil. Preciso dizer, você esconde muito bem.
Mas primeiro foi você o chamando em sonho. Depois, foi o jeito que
você o olhava quando ninguém estava vendo. Você colocava o
nome dele em todas as conversas que tínhamos. E então vieram os
ciúmes, o mau humor quando ele não te respondia. Nossa, tantas
coisas. Foi duro perceber que você estava apaixonada por ele, e foi
pior quando percebi que tudo que você dava a ele eu não recebia
nem um terço. Qualquer homem que passar na sua vida não será
nada mais do que um estepe.
— Isso não justifica porra nenhuma do que você fez! Se diz
tão apaixonado por essa coitada, mas até semana passada fodia
comigo e com ela. Que tipo de amor é esse? Um amor que trai e
engana? Que tipo de pessoa fica com a outra por medo?
Peter parou ao meu lado e sorriu.
O cretino teve a indecência de sorrir.
— Nós dois somos iguais.
— Vai se foder! — Gritei na sua cara. — Eu não sou igual a
você, seu cretino. Eu gostava de você, eu nunca toquei no Logan.
Você se apaixonou por outra pessoa e está comigo só pelo prazer
de me machucar. Você é um filho da puta, é isso que você é!
— Eu era completamente apaixonado por você, Isabella. Você
me machucou. Talvez você tenha razão, eu estava louco para te
machucar de volta.
Não fiquei ali para terminar a conversa, peguei minhas coisas
e saí da casa. Puta da vida e, o pior de tudo, machucada.
Eu poderia não amar o Peter, mas, assim que sentei no banco
do meu carro, chorei. Peguei meu celular e mandei mensagem
para a única pessoa que confortaria minha dor: Logan.’’
Eu não me culpo por ele ter me traído, eu me culpo por ter o
usado em uma tentativa de esquecer o Logan. Se eu tivesse me
apaixonado por Peter, talvez eu não estaria sofrendo como estou
agora.
Meu Deus, que porra eu estou dizendo? O cara era um
escroto!
Viu como amar o Logan me deixa burra? Em alguns momentos,
eu quase tenho dificuldades em me reconhecer.
— Por que está vendo fotos do embuste? — Donatella entrou
no meu quarto.
— Não sei... — Olhei para foto mais uma vez e, finalmente, a
joguei no lixo que ficava perto da escrivaninha.
— Que merda aconteceu nessa viagem que você voltou com
um humor do cão? — Dona se sentou na minha cama.
Foi a primeira vez que eu quis desabafar com alguém. Eu
odiava falar sobre mim mesma, e, pior de tudo, odiava alguém se
metendo na minha vida. Mas isso já estava me consumindo. Minha
ansiedade estava prestes a entrar em combustão, e eu não queria
isso.
Talvez se eu colocasse isso para fora, em algum momento
ficaria mais fácil.
Estrelei meu pescoço e me virei para minha irmã.
— Preciso falar sobre uma coisa, mas eu espero que você não
encha o saco nem faça suas piadinhas.
— Desembucha, Isabella. — Dona falou, com sua paciência de
sempre.
— Eu... sou... — Olhei para os meus pés — apaixonada pelo
Logan.
— O quê? — Dona questionou alto. — Escutei porra nenhuma.
Suspirei.
— Eu sou apaixonada pelo Logan. E isso está começando a
me consumir. — Me sentei ao seu lado.
Um silêncio se instalou. Donatella parecia digerir minhas
palavras, e eu fazia o mesmo.
Olhei para frente e ali estava uma foto do menino que tinha o
poder de virar minha vida de cabeça para baixo e causar o completo
caos.
— Você é apaixonada pelo Logan.
— Sim.
— Tipo, o Logan... que já comeu metade de Crownford, amigo
do nosso irmão e, por sinal, seu melhor amigo. — Ela parecia
incrédula.
— Sim.
— Isabella, você é uma idiota. — Donatella se deitou em minha
cama e olhou para o teto, e eu segui o mesmo movimento. — Desde
quando?
— Eu acho que um ano... talvez, não sei.
— Puta que pariu. — Donatella colocou as mãos no rosto. —
Você se apaixonou não só por um moleque, mas também pelo mais
sem noção dos moleques. Se juntar você e Stella, não dá um dedo
bom para macho.
— Eu pedi para você não fazer piadinha, sem noção. — Sorri,
porque ela meio que tinha razão.
— Gata, não tem como eu não fazer nenhum comentário, até
porque não estou fazendo piada, estou falando a verdade. E por
Deus, minha cabeça estava enfiada na bunda? Como eu não percebi
nada?
— Uhum, acredito que você nunca percebeu nada. Donatella,
você me conhece melhor que ninguém, me poupe.
— Eu não tinha percebido, Isabella, juro. — Ela parecia falar a
verdade.
Eu tinha absoluta certeza que ela já sabia, mas parece que
Donatella não andava muito perceptiva nesses últimos dias. A
cabeça dela estava enfiada em algum lugar, mas tenho certeza de
que não era na bunda.
— Você é uma péssima irmã. — Dei um soquinho no seu braço
— Até o Noah percebeu, Donatella. Que vergonha.
— Logico que o Noah percebeu, aquele menino nem abre a
boca para falar, fica só observando as pessoas. Além do mais, eu
tenho mais o que fazer. Eu não vou ficar cuidando da sua vida assim,
de graça. — Eu juro que ela parece uma má pessoa falando essas
coisas, mas bem lá no fundo ela é ótima.
— Certo. E o que eu faço agora com essa merda?
— Vai conquistar o homem? Desde quando você tem medo de
buscar o que quer? — Donatella arqueou as sobrancelhas.
— Ele não quer me falar nem da família dele, Donatella. Essa
viagem foi importante para eu perceber que Logan nem confia em
mim e que essa coisa de melhores amigos foi uma criação da minha
cabeça para manter ele na minha vida.
— Então o cuzão está te afastando? Você acha que ele
percebeu alguma coisa, porque, assim, a última notícia que eu tenho
é que você pediu para ele te beijar na nossa piscina. Não é como se
você estivesse tentando esconder, certo? — Dona comentou, com
um rosto tão chocado que parecia que ela havia acabado de
descobrir a cura para o câncer. — Como eu pude ser tão tonta?
Desde quando Isabella Azzaro pede beijo de algum homem? Óbvio
que você estava apaixonada.
— Era só o que me faltava, você acha que ele percebeu?
Porque desejo por desejo, ele também sente por mim.
— Por que você não conversa com ele logo de uma vez? Você
tem vinte e quatro anos, Isabella. Não é como você fosse uma
adolescente apaixonada pela primeira vez. — Engoli em seco com as
palavras da minha irmã.
— Ele é bem categórico no quesito não se apaixonar, então eu
acho que tudo ficaria pior se eu falasse. Além disso, qual parte do
“ele não confia em mim” você não entendeu?
Donatella se levantou e foi até o espelho conferir o cabelo.
Ela estava começando a ficar irritada.
— Que Logan é problemático, isso nós todos já sabíamos. O
menino tem uma família carregada de segredos, transa até mais do
que eu e Sebastian juntos e, convenhamos, isso não é para qualquer
um. Além de ter um amor no passado que ele nunca fez questão de
esconder. — Donatella se virou para mim, cruzando os braços.
— Ok, mas não estou entendendo aonde você quer chegar
com isso?
— Você sempre gostou de ser desafiada, igualzinho ao
Matteo, diga-se de passagem. Então agora você encontrou um
desafio e tanto. Em vez de chorar pelos cantos, você deveria lutar
pelo homem que seu coração escolheu. Você fugir do sentimento não
deu certo. Negar, então, só fodeu mais com tudo.
— E eu achando que você falaria para eu o esquecer e nunca
mais me apaixonar na minha vida. — Divaguei.
— Como se algum de vocês me escutasse quando eu falo isso.
Além do mais, eu acho que posso estar tão fodida quanto você,
então quem sou eu para julgar.
— Achei que todo aquele suspiro e gritinhos em relação ao
Zion tinham passado. — Eu não estava acreditando que Donatella
finalmente tinha sido fisgada.
Que porra tinha no sangue dos Harlow? Aquela merda era
milagrosa?
— Bella — Dona falou baixinho — Ele realmente gosta de mim.
— Todos eles sempre gostaram, irmã.
— Não, ele realmente gosta de mim. Não do sexo, ou da
facilidade. Ele realmente gosta de mim. — Eu sorri quando entendi o
que ela estava falando.
Para as pessoas de fora, Donatella podia ser só mais uma das
inúmeras pessoas que não acreditavam no amor, mas eu a conhecia
profundamente e sabia que ela acreditava sim, só achava que não
era para ela.
— Dona, eu já havia falado que você encontraria alguém que te
aceitasse do jeito que você é.
— Ele não quer ter filhos, Bella. Muito menos se casar. — Os
olhos da minha irmã brilham ao falar do homem.
— E você não teve nem que procurar, vagabunda. — Brinquei.
— Uma recompensa por ter que te aturar até dentro do útero.
— Bati em sua bunda em resposta ao seu atrevimento.
— Isabella, um conselho que eu te dou... — Ela diz olhando em
meus olhos. — Não seja covarde. Você está com medo de ser
rejeitada ou dele não amar você, mas pense fora da caixa. Você
acha mesmo que ele teria tanto medo de te mostrar os podres dele
se não sentisse nada?
Mas e aquele beijo? Não o da piscina, o beijo frio e distante.
Desviei meu olhar.
— Mas ele mostrou para o Matteo. — Contrapus, mantendo
meus pensamentos apenas para mim.
— Exato. Ele mostrou para o Mattteo... — Ela disse, como se
fosse óbvio. Donatella soltou um suspiro quando viu que eu não
entendi nada. — Isabella, não seja burra. Logan nunca deixa ninguém
se aproximar dele, mas você ele deixou, e agora caga de medo de
você o conhecer de verdade. Entende a lógica aqui?
Eu entendia?
— Você está tentando me dizer que ele não confia em mim
porque me ama? Isso não faz nenhum sentido.
— E ainda dizem que a Stella que é sonsa — Dona resmunga.
— Ele não confia porque ele pode ter medo de você o rejeitar.
‘’— Então você seria capaz de me perdoar por qualquer coisa
que eu tenha feito?’’
Olhei para minha irmã, que tinha um sorriso malicioso nos
lábios.
— Sempre gostou tanto de desafios, irmã. Talvez tenha achado
um que realmente vale a pena.
Meu cachorro bateu as patinhas na minha perna e me olhou
com aqueles olhinhos pidões que eu tanto amava. Provavelmente, já
estava na hora da refeição de Max.
— O que você acha, Max? Seu pai é um desafio que vale a
pena?
A resposta foi um latido.
— É, concordo. Ele é o único desafio que realmente vale a
pena.
Ainda que estejamos nas férias de inverno, o poker com os
meninos seguia sendo uma rotina. Thommy está aproveitando os
últimos dias por aqui e saiu com Zoe, Bella, Ellie, Layla e Paige para
um domingo no parque, além, é claro, da companhia de Max, o
cachorro que eu havia dado de aniversário para Isabella.
O garoto sempre amou cachorros, mas por causa de toda a
circunstância que envolvia a nossa família, ele nunca pode ter um.
Sairíamos à noite para deixá-lo no colégio novamente, e eu já
estava antecipando como toda a situação seria horrível.
Thomas sempre deixou claro para mim o quanto odiava aquele
colégio. A verdade é que Thomas odeia ficar longe de mim tanto
quanto eu odeio ficar longe dele. É péssimo que eu não me sinta
apto a cuidar dele, além de ter o pequeno detalhe de que ele sempre
foi uma arma do meu pai contra mim.
Meu pai sabe do meu apego por Thomas, e como ele é o
responsável por ele, usa isso para me fazer obedecê-lo. Se não
fosse por Thomas, eu nem teria ido a Nova Iorque.
Antes de vir para Crownford, meu pai tinha me deixado quatro
meses sem ver o garoto ou poder ligar, só porque eu me neguei a ir
em uma reunião da nossa empresa. Hunter sabia ser o maior dos
escrotos quando ele queria e, olha que ironia, ele sempre queria.
Era confuso eu me sentir apavorado com à morte dele e, ao
mesmo tempo, satisfeito.
Que tipo de pessoa fica feliz com à morte do próprio pai?
Melhor, que tipo de pessoa fica satisfeita com à morte de
alguém?
— Logan, para com essa merda. — Sebastian sibilou ao meu
lado, olhando para suas cartas.
Levantei o meu rosto e encontrei Matteo e Noah me
observando, ambos com a testa enrugada.
— O que foi? — Questionei defensivo.
— Eu é que te pergunto. Você estava aí, murmurando coisas
ininteligíveis. — Matteo respondeu, deixando suas cartas na mesa.
— Estou preocupado com Thommy. Vai ser uma merda ter que
levar ele até aquela escola hoje. — Fui sincero, não havia motivo
para não ser.
— Você já buscou entender melhor a doença do seu pai? Acho
que talvez seja o momento de pensar sobre à morte dele e como
isso vai ser para o Thomas. — Sebastian era sempre muito prático.
Os problemas com ele eram sempre resolvidos de uma maneira fácil
e sem drama.
Eu sabia muito bem o que o projeto de dominador pensava
sobre Thomas. Meu pai sempre foi claro que, se eu quisesse, eu
poderia ficar com meu irmão, bastava eu o obedecer.
Desviei o olhar.
— É um câncer no pulmão. Ele fumou a vida toda, então… —
Olhei para Noah, que apagou o cigarro imediatamente. — Espalhou
pelo corpo todo, pelo que eu entendi do laudo médico. É lógico que o
grande Hunter Gauthier não quis ficar no hospital e escolheu morrer
em casa.
— Sozinho? — Noah perguntou.
— Sim. Até por que quem vai ficar com aquele escroto? — Os
meninos balançavam a cabeça concordando. — Se ele, pelo menos,
mostrasse algum tipo de sentimento ou, sei lá, algum tipo de
remorso, eu até poderia ficar ao seu lado, mas ele não sente nada.
Inclusive, ele deixou bem claro que não me ama, então quem sou eu
para ajudá-lo em seu leito de morte?
Tomei um gole da minha cerveja, que me desceu rasgando.
— Você está melhor do que nos últimos dias. — Matteo
constatou.
— Precisei me controlar, não posso deixar essa merda entrar
na minha cabeça. Sebastian está certo quando diz que eu preciso
pensar no Thommy e, além disso, tem a empresa que eu quero, sim,
cuidar. É o legado da minha mãe, eu preciso gerenciar isso, é
importante para mim.
— Um passo de cada vez, Logan. Ainda temos mais dois anos
e meio de faculdade pela frente. — Seb disse.
— Eu sei, mas eu tenho que sair daqui pronto. Não é mais
sobre diversão e sexo, eu realmente preciso crescer. — Sorri de
canto de boca. — Ok, sempre seguirá sendo sobre sexo.
— Você é péssimo. — Matteo disse, revirando os olhos.
Noah parecia perdido em pensamentos, mordia a boca olhando
para o celular.
— Eu sinto que fiz uma merda, mesmo sabendo que não é
exatamente uma merda. — O gênio constatou.
— Não tenha dúvidas, você fez. — Eu falei, sentindo uma onda
de irritação percorrer meu corpo.
— Eu discordo. Agora ele não pode mais ter amigas? Noah
tinha falado que iria seguir em frente. — Sebastian o defendeu.
Olhei um pouco confuso para Sebastian. Não foi ele que há
algumas semanas perdeu a paciência com o chororô do Noah?
— Olha, essa história “Noah e Elizabeth” acabou, vocês todos
precisam superar. E a Liz aparentemente superou, não foi ela que
até arrumou um namorado? Não entendo todo esse drama. — Claro
que não entendia, nosso capitão conseguia ser mais frio que a porra
de um iceberg.
Quem consegue levar a pessoa que ama até o altar? Apenas
ele, porque qualquer um de nós três aprontaria um berreiro como se
tivéssemos dois anos de idade e estivéssemos com fome.
— Não é drama, Sebastian. O que ele fez com a Liz não
envolveu só um amor adolescente, eles eram melhores amigos e ele
só parou de falar com ela. — Rebati.
Matteo olhava para os dedos. Ele sempre odiou falar sobre
esse assunto, sempre o evitou ao máximo. Eu conseguia entendê-lo,
era difícil ficar entre os dois e, pelo seu senso de proteção, quando
ele soubesse de verdade sobre a história inteira… eu preferia não
pensar sobre esse dia.
— Mas é só uma foto com uma amiga, vocês sabem que não
tem nada demais nessa merda! — Noah falou exasperado. — Ela
postou uma foto com o namorado com uma legenda…
O menino de olhos tristes tragou o novo cigarro. Era uma
confusão do caralho, isso sim.
— Então se foi só uma foto e se ela já está tão em outra
assim, por que você se sente culpado? — Arqueei minhas
sobrancelhas e cruzei meus braços.
As mãos dos Noah foram para o rosto e ele respirou fundo.
— Não aguento mais essa merda!
— Isso eu preciso concordar, eu também não aguento mais. —
Fui sincero.
Era sempre assim. Eles se magoavam, choravam cada um no
seu canto e melhoravam, até que alguém fazia uma merda
novamente. Um puta ciclo chato do caralho.
— Eu não sei por que você está sendo tão duro com Noah, não
é como se você estivesse sendo bom para Isabella que, pasme, é
realmente sua melhor amiga. — Matteo me acusou.
— Liz sempre vai ser minha melhor amiga... — Noah tentou
dizer.
— Porra nenhuma! — Seb apontou. Seu rosto estava tomado
por uma carranca que chegou a me assustar. — Se ela fosse, você
conversaria com ela, tentaria saber como a vida dela está… saber
dos seus desejos, ou medos, sei lá, qualquer merda assim. Você tem
que aceitar que ela fez parte da sua vida e agora não faz mais. Você
precisa deixar Elizabeth ir, Noah.
Noah engoliu em seco e desviou o olhar.
— E você, Logan, que porra você está fazendo com a
Isabella? — Sebastian era o único na mesa que sabia que eu não
respondia as mensagens da minha melhor amiga há dois dias. Eu
precisava de um tempo para coordenar minha cabeça. Eu precisava
de espaço. — Por que vocês dois não conseguem, sei lá, fazer uma
terapia e parar de magoar as meninas que não tem culpa do
passado fodido de ninguém? Você não conversa com Isabella desde
que voltamos de Nova Iorque na sexta. Que tipo de pessoa faz isso,
seu animal?
Matteo me olhou não com raiva, mas, sim, com decepção.
Seria melhor se fosse com raiva.
— Eu precisava de um tempo para colocar minha cabeça no
lugar. — Me defendi.
— E para isso você tinha que ficar sem falar com ela? É por
isso que minha irmã está amuada pelos cantos? — Eu era um idiota.
Não consegui me defender, só olhei meus amigos, calado.
O que eu iria dizer? Não tinha desculpa, nenhuma justificativa.
Sebastian apontou para Noah.
— Nós conhecemos a Elizabeth desde que ela tem dezesseis
anos, eu gosto dela. Para mim, ela sempre será como uma irmã
mais nova. Não quero mais você fazendo aquela menina sofrer,
Noah! A decisão foi sua de se afastar dela, então segue em frente,
caralho. Quer ser amigo da Athena? Pronto, retoma essa amizade.
Mas pelo amor de Deus, para de ficar chorando pelos cantos cada
vez que você dá um passo para longe da Liz. Quando você
finalmente desistir dela, eu tenho certeza de que ela vai desistir de
você. No fundo, ela ainda tem esperanças, e todo mundo aqui sabe
disso.
— Seb... — Matteo tenta defender.
— Qual foi a última vez que você conversou com Elizabeth? —
Seb pergunta para Matteo, sem aumentar o tom de voz.
— Desde o casamento? — Matt não parecia nada firme.
— Puta que pariu. — Foi a vez de Noah.
— Mas a Zoe...
— A Zoe não é você, seu idiota. Ela conhece a Zoe há o que?
Seis meses? Já você e ela praticamente foram criados juntos. Fala
com sua prima, veja como ela está. Eu sei que estar no meio dos
dois é uma merda, mas o que podemos fazer? O Noah não quis ficar
com ela, essa é uma decisão que vamos ter que aceitar. — Eu
olhava para Sebastian completamente em choque.
— Eu nunca falei que não quis ficar com ela… — Noah parecia
estar quase perdendo a paciência.
— Sim, eu sei. Mas no final das contas você a rejeitou, não
foi? E continuou rejeitando cada vez que não conversava com ela,
então está na hora de você enfrentar a realidade do que você fez. —
Noah mordeu o lábio, nervoso. — Com essa foto você a rejeitou de
novo, mostrando que é capaz de ter outras amigas, só não é capaz
de manter ela na sua vida. Você precisa enfrentar essa merda, Noah.
— Noah se levantou e foi se sentar no sofá.
Bom, errado Sebastian não estava.
— E você, Logan, vai rejeitar a Isabella também? Porque você
disse que não ia copiar o Noah, mas está fazendo exatamente igual a
ele. Quando eu decidi que não iria atrás da Harmony, eu arquei com
todas as consequências dessa merda. Eu inclusive a levei até a
porra do altar, já que como melhor amigo ela me quis para esse
papel. Eu não a puni por uma coisa que ela nunca teve
responsabilidade. Isso se chama ser adulto e você está aí, tendo
comportamento de moleque, falando aos quatro ventos que precisa
crescer.
Matteo já não prestava mais atenção em nós, e digitava no
celular freneticamente com um rosto tomado pelo horror.
— Não querer ter um relacionamento amoroso com Isabella é
uma escolha sua, mas você não precisa ser um idiota para colocar
essa distância. Você sempre diz que amor romântico passa. E então,
qual vai ser? Vai esperar essa merda passar sendo ou não amigo da
Isabella?
Peguei meu celular e fui responder minha diabinha. Que Deus
me ajudasse, porque a mulher provavelmente não estaria chorando
como Liz, e sim soltando fogo pela boca.
— Boa escolha. — Sebastian sorriu com canto de boca.
Matteo podia parecer que mantinha nosso grupo sob controle,
mas quem gerenciava o caos mesmo sempre foi e sempre seria o
Sebastian.
— Achei que você ia explodir de raiva, papai. — Brinquei.
— Cala a boca, seu otário. — Seb deu um soquinho em mim.
— Ei, Noah, não precisa ficar emburrado, você sabe que eu só falo
para o seu bem.
Noah seguia sentado no sofá, olhando para o nada.
— Cara, temos um problema. — Matteo falou, vermelho como
um pimentão. Noah olhou imediatamente.
— O que foi, Matteo? — Sebastian tirou o sorriso do rosto
imediatamente.
— Elizabeth me bloqueou e deletou todas as redes sociais. —
Seus olhos foram para Noah.
Um minuto de paz? O que era isso? De comer?
— Puta merda. — Sebastian murmurou.
Peguei meu celular e mandei uma mensagem imediatamente.
Meu coração pesou um pouco quando eu percebi que não falava com
Elizabeth desde a primeira semana dela em Londres. E isso já tinha
seis meses.
— Que merda. — Murmurei.
Todos nós a deixamos de lado. Ninguém aqui se salvava.
— Como assim? — Noah parecia em pânico. — Ela falou
alguma coisa?
Matteo mantinha os olhos fixos na tela.
— Não, ela só sumiu. — Ele iria chorar, tenho certeza.
Elizabeth era tão importante para Matteo quanto qualquer um de nós.
— Zoella disse que está falando com ela.
Um suspiro aliviado saiu dos meus lábios. Pelo menos com
Zoella ela falava, o que, por si só, já era uma coisa boa, mas imagina
se ela corta laços até com a Cinderela?
Caos. Total e absoluto.
— Fala logo, Matteo. Que porra é essa? — Noah saiu do sofá
e foi até o Matteo em uma velocidade impressionante.
Matt limpou a garganta, visivelmente transtornado.
— Ela terminou com o Roman. Quer dizer, ele terminou com
ela. — A voz do Matt ondulou. — Tudo o que sabemos é que ela não
quer falar com ninguém.
— Ninguém que tenha a ver comigo, é isso? — Noah não era
burro, ele sabia exatamente o que isso queria dizer.
Matt balançou a cabeça, confirmando.
Bom, ele não precisou tomar a decisão de esquecer ela de
vez. Aparentemente, Liz tomou a decisão pelos dois. Finalmente.
— Mas eu sou o primo dela… — Matteo disse em choque.
— É, mas você é o primo que sempre ficou ao lado dele, não
do dela. — Apontei o óbvio.
— Mas eu não a amo menos, as circunstâncias são diferentes.
— Matteo olhou para cima, parecendo que prendia as lágrimas nos
olhos.
Elizabeth conseguiu o inimaginável, derrubar não só um, mas
dois Reis de Crownford de uma vez só. Eu já era acostumado a lidar
com a culpa, agora esses dois nunca tiveram que enfrentar nada
desse tipo.
Era uma angústia insuportável.
Fui retirado dos meus pensamentos quando Noah jogou um
copo de água na minha parede. Foi um alívio ver que ele não estava
chorando, mas que nos seus olhos estavam brilhando outra coisa.
— Não aguento mais fazê-la sofrer. — Noah falou derrotado.
— Então começa a pensar em como você vai fazer para se
tratar, porque tudo isso está fugindo do controle. — Matteo foi
categórico.
Noah pegou sua jaqueta de couro, a chave da moto e foi rumo
à porta. Maldita hora que esse imbecil comprou uma moto de
presente de Natal para ele mesmo.
— Aonde você vai? — Perguntei preocupado.
Silêncio foi a resposta que ele me deu.
— Ele vai falar com a Antonella, é a única que ele escuta
mesmo. — Matt deu ombros.
Ele parecia exausto, mas talvez tivesse algo de bom nisso. Só
reconhecemos o limite quando chegamos nele. Elizabeth sempre foi
passiva em toda essa história, em algum momento ela iria explodir.
Eu estava dividido entre ficar satisfeito e me sentir um idiota.
O alívio em meu peito era a resposta que eu precisava. Eu
estava feliz em saber que ela sabia se defender. Se Liz soube dar
limite quando tudo ficou insuportável demais, eu tenho certeza de que
ela sairia ainda mais forte no final dessa história toda.
— Irmão! — Fui abraçado por pequenas mãos.
— Ei, você já chegou? — Tirei seu cabelo da testa. — Você
está precisando de um banho. Cadê a Bella?
Olhei para a porta que o pequeno deixou escancarada,
procurando a causa das minhas taquicardias.
— Titia Bella ficou lá embaixo conversando com Tio Noah. —
Ele chegou perto de mim e falou baixinho. — Ele estava chorando.
— Ele está magoado, é por isso que estava chorando. —
Sebastian explicou para Thommy.
— Tia Bella falou que ele quebrou o coração de uma garota. —
Thommy deu de ombros.
— Garoto, não seja um babaca quando você for mais velho. —
Matteo resmungou.
— Não xinga na frente do menino. — Sebastian repreendeu.
— Eu já sou quase um pré-adolescente. — Thommy falou
orgulhoso, já eu fiz uma prece para que ele cresça devagar.
Imagina esse menino adolescente? Não queria imaginar, sentia
meu olho até pular de nervoso. Ele sempre seria meu bebê.
— Oito anos, Thommy. Adolescência está bem longe. —
Respondi.
— Se você gostar de uma garota… — Matteo começou. Lá vai
ele ensinar essa merda de conto de fadas para o meu irmão.
— Ou um garoto — Completei.
— Isso, ou um garoto, você não precisa ficar com medo ou
fugir. É bom gostar de alguém. — Matt disse olhando sério para
Thommy.
— Eu vou ser igual ao meu irmão, sem namoros. — Thommy
disse, e todos gargalhamos.
Mas por dentro eu fiquei preocupado.
Que tipo de exemplo que eu era para ele?
— Você pode querer namorar, meu bem. Tenho certeza de que
vai fazer alguém muito feliz. — Fiz um carinho em seu rosto enquanto
falava.
Eu não queria o mesmo destino para o meu irmão, tenho
certeza de que ele vai encontrar alguém que o faça muito feliz. Sorri
pensando na pessoa sortuda que ele teria do seu lado. Se ele sendo
uma criança já era tão excepcional, não tinha dúvidas que se tornaria
um homem brilhante.
— Mas agora vamos parar de papo, porque criança não
namora. — Bati palmas — E vai para o banho, Thommy.
Fiquei até surpreso quando ele obedeceu. Talvez eu não seja
tão ruim assim.
— Se criança não namora, deveríamos proibir nosso bebê de
namorar. — Sebastian brincou.
Matteo prendeu o riso e falou:
— Noah realmente precisa crescer.
Alguém bateu na porta, e meu coração sofreu com uma
descarga de adrenalina só ao ver o rosto de Isabella. Ao contrário
de mim, que sorria, ela estava séria. E quando colocou os olhos em
mim, eu percebi o quanto eu estava fodido.
Ela tinha me mandado treze mensagens. Eu ignorei todas.
Podia ver pelo seu semblante que eu estava na listinha das pessoas
mais odiadas por ela no momento.
— Thommy já foi para o banho, Matteo? — Ah, e quem era o
infantil agora?
— Sim. Você falou com Noah?
— Falei, ele parecia transtornado, mas achei bom finalmente
Liz fazer alguma coisa em relação a toda essa merda. Eu, no lugar
dela, já o tinha cortado da minha vida há muito tempo.
Engoli seco.
Indireta, amor? Jura?
— Nos vemos no jantar. Tchau, meninos. — E assim ela saiu.
Sem despedida, sem eu te amo. Sem nem olhar para trás.
Mas eu queria o quê também?
Nossa, parece que não bastava tudo estar uma bela merda, eu
ainda fazia ficar pior.
— Não queria ser eu a dizer isso, mas você está muito fodido.
— Sebastian disse.
— Cala a boca, gênio.

O colégio do Thommy ficava uns quarenta minutos de


distância, quando o trajeto era feito de avião, claro, e era
exatamente o que faríamos.
Primeiro iríamos nos despedir dos Azzaro e, depois, direto
para o aeroporto. Eu teria que dormir apenas umas quatro horas
essa noite, mas quem liga. Qualquer coisa para manter esse menino
mais um pouco comigo.
Depois que Thommy voltou do parque, estava muito calado, o
que não era de forma alguma seu jeito natural. O seu parceiro de
videogame estava sofrendo junto com Antonella, irmã do Matteo,
então eu e os meninos ficamos com ele.
Eu sabia que ele não queria voltar, mas também não podia
ficar.
Era uma situação fodida para um garoto de apenas oito anos
lidar.
Me arrepiei quando escutei a primeira fungada.
— O que foi, meu bem? — Me virei para ele, preocupado.
Ele não conseguiu responder porque chorou ainda mais. Minha
mão estava no volante e eu tentava me concentrar na direção, mas
era difícil. A vontade era colocá-lo no meu colo e niná-lo até que
essa dor dele passasse.
— Ei, cara... vai ficar tudo bem.
— Por que você não me ama? — Ele conseguiu me perguntar,
fungando.
Peraí, como assim não o amo?
— Thomas, você é a pessoa que eu mais amo no mundo todo.
— A Titia Bella disse que os Azzaro nunca abandonam aqueles
que eles amam. Você sempre fica me abandonando. — Seu tom era
quase acusatório.
Um nó se formou na minha garganta, e eu olhei para cima para
suprimir meus sentimentos.
— Thomas, o melhor para você...
Ele me cortou, chorando mais.
— É ficar com você. Aquele lugar é horrível. Não me deixa lá,
Logan. Eu não quero mais ficar lá. — E pelo seu choro não era só
um querer, meu irmão não suportava mais aquilo. — Por favor...
Escutar meu irmão praticamente implorando para não ir
rompeu algo dentro de mim.
— Não quero mais ser sozinho. Quero ter uma família igual a
todo mundo. — O garotinho soluçava e colocava a mãozinha no peito
como se sentisse dor no local.
Parei na frente da casa dos Azzaro atormentado pelo choro, e
com um milhão de pensamentos e sentimentos me rondando.
O que eu poderia fazer?
Como eu ia lidar com um garoto de oito anos, uma faculdade,
empresa... como fazer isso?
— Thommy, você realmente acha que eu não amo você?
— Eu acho. — Ele limpou as lágrimas que banhavam seu rosto
pálido. — Se você me amasse, não me deixaria sozinho. Você tinha
a mamãe, e eu não tenho ninguém!
Thomas bateu a mão no banco, e agora parecia com raiva. Eu
nunca tinha visto ele com raiva.
— Thomas, você sempre tem a mim. Sempre.
— Então me deixa ficar, eu não quero voltar para lá. Não
quero, Logan.
Ele me abraçou e o segurei no colo. Como eu sentia falta dele.
Thomas era a pessoa mais importante da minha vida e, por mais que
eu não me sentisse preparado, estava na hora de assumi-lo.
— Tudo bem, eu não vou te abandonar mais. — Seus olhos
brilharam. — Eu amo você, Thomas. Nunca duvide disso, ok? Por
favor.
— Vai ficar comigo para sempre? — Ele murmurou fungando.
— Para sempre. — Segurei seu rostinho. — Somos uma
família. Você é a pessoa mais importante para mim, e eu te amo
muito, muito mesmo, mais do que eu amo qualquer um. Acredite
nisso, por favor.
Em um primeiro momento, ele me observou com atenção
tentando buscar alguma mentira, mas, quando viu que eu falava
sério, passou os braços pelo meu pescoço e me prendeu em um
abraço que quase me sufocou.
— Eu te amo muito, Logan. — Dei um beijo nos seus cabelos.
Quando éramos pequenos, eu devia ter uns dezesseis anos,
havia acabado de voltar colégio interno que fiquei por um ano,
Thommy era apenas um bebê. Eu me sentia mal por ter ficado um
ano longe dele, como se eu tivesse abandonado uma parte minha
para trás. Então eu passava todo meu tempo livre com ele e Callum.
Além, é claro, de Sebastian e Jordan, que sempre rondavam nós
três.
Por algum tempo, Thommy me chamou de pai. Era eu que o
educava, dava comida a ele e o colocava na cama. Foi um processo
natural, mas que eu, no auge da adolescência, não consegui lidar.
Com o tempo ele foi aprendendo a me chamar de irmão novamente.
Essa era um dos itens que estavam na minha longa lista de
arrependimento. Eu devia ter sido melhor para Thomas. Eu devia ter
sido o pai dele e o criado desde o início. Ele tinha razão, eu tive
nossa mãe e ele não teve ninguém.
Logo depois que eu decidi vir para Crownford, ele foi para o
colégio interno, e por mais que nos falássemos todos os dias, não
era a mesma coisa. Deveria ter sido melhor, mas como não posso
voltar para o passado, tenho que ser melhor agora.
— Vamos lá contar a notícia para todos! — Tentei animá-lo.
Thommy sorriu para mim e saiu do carro em disparada.
Como eu vou fazer essa merda? Não entendo nada de
crianças.
Fechei a porta do meu carro e fui andando em piloto
automático.
Que merda eu havia feito?
Eu seria pai de alguém? É isso?
— Garoto? — Era o pai do Matteo.
— Vovô Giovanni, o Logan me deixou ficar. — Thommy
praticamente gritou, e entrou correndo. — Titia Bella, eu não vou
mais embora.
— Ai, meu Deus. — Bella o abraçou, e eu podia jurar que ela
estava emocionada.
Bella havia se apaixonado por Thommy, assim como ele se
apaixonou por ela.
Eu entendia perfeitamente meu irmão.
— Ele deixou. Você realmente estava certa, ele me ama
mesmo. — Bella me olhou sob o ombro.
— Te falei, amor, não precisa ficar preocupado. — Ela o
abraçou novamente. — Não consigo acredito que vou te ter todos os
dias aqui.
— Agora você pode sempre ficar comigo e assistir filmes.
Nossa, você pode até me buscar na escola. — Ele falava tão rápido
que estava até ofegante. — Irmão, ela pode, né? Fazer isso tudo...
— Ela trabalh... — Tentei falar, mas Bella me interrompeu.
— Busco sempre. Eu posso ficar com você sempre que puder
e seu irmão deixar.
— Ele deixa. — Thommy balançou a cabeça. — Não é, irmão?
— Sim, Thommy. Sempre que a Isabella quiser, ela pode te
ver.
Eu sorria, mas o sorriso foi morrendo à medida que tudo foi
vindo na minha mente. Provavelmente, eu estava branco como um
papel, minha mente rodava com as milhões de possibilidades de
como eu faria tudo isso dar certo.
— Você vai desmaiar? — Giovanni perguntou, prendendo o
riso. — Está parecendo comigo quando Grace disse que estava
grávida pela primeira vez.
— Pelo menos você teve nove meses para processar a ideia.
— Passei a mão pelo meu cabelo.
—Thommy, vamos ver o filme do Homem-Aranha no meu
quarto, aquele dia não terminamos de ver. — Bella falou olhando
para mim, não tinha nada de frieza em sua voz.
O garoto mal podia se conter.
Um filhote de Golden, era isso que ele era.
Pensei sorrindo como um bobo. Observamos Isabella e
Thomas subir as escadas, e quando escutei a porta do quarto se
fechando, me virei para Tio Giovanni.
— O que caralhos eu tenho que fazer para cuidar de uma
criança? — Perguntei nervoso.
O velho sorria como se tudo estivesse sob controle. Não tinha
nada sob controle.
— Parar de falar “caralho” já é um ótimo começo. — Tia Grace
falou enquanto passava rumo a cozinha.
— Nada além do que você já faz, Logan. — Giovanni bateu no
meu ombro.
Eu ri irônico.
— O menino acabou de chorar porque se sentia abandonado.
Claramente alguma coisa de errado eu estava fazendo.
— Ser pai não é ser perfeito, Logan. É ver o que está errado e
consertar. — Ele foi caminhando e olhou para trás. — Venha, garoto,
vamos tomar alguma coisa no meu escritório. Você precisa respirar.
— E depois eu preciso comprar roupas de cama. —
Resmunguei.
— Bem-vindo. — Giovanni rebateu. — Você vai amar cada
segundo dessa loucura.
Olhei para cima e tentei reunir forças.
Só mais cinco minutos de surto, depois eu precisaria engolir o
choro, cuidar do meu irmão e falar com meu pai. E, claro, torcer para
que o escroto não fizesse nenhuma gracinha.
Eu posso contar nos dedos quantas pessoas eu conheço que
amam o seu trabalho. A maioria dos meus colegas e familiares
trabalham porque precisam de dinheiro para pagar suas contas e, aí
sim, serem felizes. Eu sou exatamente o oposto. Eu trabalho porque
eu preciso do meu emprego para ser feliz, simples assim.
Nunca imaginei que seria esse tipo de pessoa viciada em
trabalho, até porque sempre fui um terror na escola – dei muito
trabalho para a coitada da minha mãe quando era pequena –, mas,
no final das contas, minha paixão por aviação virou amor, e um
daqueles que você acha que jamais conseguiria viver sem.
A pior parte em ser engenheira é, sem dúvida nenhuma, o
preconceito que ainda se tem por parte dos homens. Sim, eu sofro
com o machismo no meu emprego desde o dia em que eu coloquei
meus pés aqui, quando ainda era uma mera estagiária.
É horrível se sentir a pior pessoa do mundo, e é pior ainda
quando você tem que provar coisas que mais nenhum dos seus
colegas tem. Dentro da minha equipe, nós somos seis engenheiros
juniores, mas eu sou a única que precisa apresentar um tipo de
projeto teste para pegar um projeto principal. Eu também sou a única
com equipe reduzida, além, é claro, de todos os comentários
terríveis do meu chefe.
Eu amo meu trabalho, mas odeio a empresa onde eu trabalho.
Não sou idiota, sei que provavelmente tem empresas que me
dariam muito mais valor do que essa, mas aí eu teria que ficar longe
da minha casa, dos meus amigos e da minha família, coisa que eu
não eu ainda não me sinto confortável para fazer.
É insuportável ter que fingir para minha família que eu não
sofro todos os dias para estar aqui. Eu não quero preocupá-los e
não quero seus conselhos. Esse é um problema que faço questão de
resolver sozinha.
O preconceito não dói apenas porque as pessoas são escrotas
e te rejeitam. Preconceito é uma violência, que dilacera e agride, e
por isso dói tanto. Eu não queria ser uma mulher que precisa ter uma
superjornada como engenheira para ser aceita e respeitada. Eu
deveria ser respeita e pronto. Sem história, sem conquista, e sem
tanta luta.
O mínimo que meu chefe poderia fazer era me respeitar. E
não, ele não deveria me respeitar porque eu sou melhor que qualquer
um aqui dentro, e sim porque eu sou uma pessoa, simples assim.
Mas aqui estou eu, caminhando até a sala dele com um sorriso
petulante no rosto e uma postura invejável, para receber mais uma
das suas chamadas de atenção, sem explicação, e assim poder
fazer o meu trabalho.
— Isabella! — O idiota do meu chefe levantou o rosto me
vendo na porta da sua sala, que ele fazia questão de sempre deixar
aberta, para mostrar o quanto ele era legal com a sua equipe.
Cuzão do caralho.
O que mais me irritava nesse imbecil era sua arte de se fazer
de bonzinho, mas ser pior do que qualquer pessoa que eu já conheci.
Louis conseguia te afrontar e te humilhar com uma classe invejável.
— Me falaram para passar aqui antes de ir para minha mesa.
Então aqui estou. — Soltei um riso falso, que ele me devolveu com a
mesma falsidade.
— Querida... — Falou com um tom de voz condescendente. —
O projeto C-157, que você terminou na sexta-feira, precisará ser
refeito.
Tentei controlar meu rosto, mas provavelmente devo ter
falhado. Eu passei três meses nesse projeto, e eu sei que ele estava
perfeito.
— Louis, eu tenho certeza de que esse projeto está
exatamente de acordo com suas especificações. — Falei baixo, mas
firme.
— Fique tranquila, essas coisas acontecem com iniciantes. O
Tobias vai te ensinar sobre a leitura das especificações, e eu espero
o projeto novo em sete dias. Estamos entendidos? — Seus olhos
estavam em mim, mas eu podia notar o suave sorrisinho que
estampava seu rosto.
Eu tenho certeza de que li as especificações direito, eu não
preciso que alguém me ensine isso. Ainda mais uma pessoa que
sabe muito menos do que eu. Tobias é um dos engenheiros da minha
equipe e não tinha nem um terço do meu conhecimento, esse babaca
na minha frente sabia disso.
— Ok. Vou esperar o Tobias para iniciar a demanda. — Engoli
em seco. Se eu fosse ser eu mesma aqui, provavelmente mandaria
esse cuzão à merda, porém eu não posso. Não quero ser demitida.
Saí da sala com a raiva tomando conta de mim. Meu desejo
era fazer alguma coisa, mas eu faria o quê? E como eu sairia bem
de uma coisa dessas? A última menina que saiu dessa empresa
depois de tentar buscar os direitos dela, está fora do mercado até
hoje.
Como me defender sem que o jogo se vire contra mim e eu
saia perdendo?
Três meses jogados no lixo, e minha meta de ter ofertado para
a empresa pelo menos seis projetos no ano seguiu o mesmo rumo.
Eu odiava chorar. Fraqueza era algo irreconhecível no meu
vocabulário, mas nesse momento eu sentia as lágrimas pinicando
meus olhos e minha respiração começando a descompensar.
— Respira, Isabella. — Disse a mim mesma.
Eu não podia ter uma crise de ansiedade agora. Não no meio
da empresa.
Nossas mesas ficavam todas juntas em uma sala um pouco
maior que a do meu chefe. Se eu já era considerada mais fraca entre
os meus colegas por ter uma vagina, chorar e demonstrar meu
problema só tornaria tudo ainda pior.
Soltei a respiração e me sentei na minha mesa.
Nenhum dos meus colegas estava na sala agora, o que era um
alívio, mas, ainda assim, olhei para cima, fazendo a respiração que
minha psicóloga havia me ensinado.
Inspirei profundamente.
Segurei.
Um.
Dois.
Três.
Quatro.
Cinco segundos.
Soltei todo ar que eu estava segurando.
Repeti o processo por mais umas cinco vezes, até sentir meu
coração bater mais devagar e os pensamentos estarem mais
organizados.
— Isabella... — Era a voz de Luka, meu estagiário.
— Diga, Luka.
— Deixaram esse café e essa sacolinha para você lá embaixo.
— Ele parecia assustado. — O homem alto e loiro disse para só
entregar em mãos, e que se eu não o entregasse, faria com que eu
fosse demitido, então se puder avisar para ele.
O Logan é inacreditável, juro.
— Fique tranquilo, ninguém será demitido hoje. — Peguei meu
café e a sacolinha.
Foi um alívio ver que o sonso tinha comprado na cafeteria dos
meus pais, pelo menos uma coisa ele sabia fazer certo.
Depois de algumas mensagens não respondidas, eu finalmente
tinha entendido que ele realmente não me queria por perto, e eu me
recuso a rastejar por alguém, então me afastei também. Tudo bem,
admito, ele já tinha me respondido, mas depois de dois dias e sem
nem ao menos me explicar o motivo do sumiço.
Lógico que estava sendo horrível ter ele tão distante de mim, e
eu também estava preocupada com toda essa situação envolvendo o
pai dele, e até mesmo com o Thommy, mas não tinha muito o que
fazer, eu não queria me machucar ainda mais.
É engraçado como a dor funciona. Em um primeiro momento,
parece que ela vai te matar, mas com o tempo vai se tornando cada
vez mais suportável, até ela simplesmente sumir. Era assim que hoje
em dia eu lidava com a dor da ausência que meu melhor amigo me
causava. Em algum momento isso iria sumir.
Peguei a sacola com o meu donut favorito, e nele vinha preso
um bilhete. O papel vinho com a logo da cafeteria dos meus pais
tinha uma mensagem que eu reconhecia muito bem a letra.
Não tenho muito a dizer além de te pedir perdão por ter sido
um idiota e afastado você. Eu quero te explicar tudo, mas precisei
de um tempo para digerir todas as novas descobertas. Você já deve
ter percebido que minha família não é como a sua. Eu sei que isso
não é desculpa para nada, mas eu queria te proteger de mim
mesmo, e para isso eu precisei de um tempo.
Eu não sou perfeito, eu sei que você tem muitas expectativas
em relação a mim, e mesmo que eu não consiga suprir todas elas,
isso não faz com que eu te ame menos, Isabella.
Eu não consigo ser o amigo que está presente cem por cento
do tempo, nem o que advinha tudo que você quer antes mesmo de
você me pedir, e nem o perfeito que jamais vai te magoar.
O que estou tentando dizer é que eu sou esse cara, e se você
estiver disposta a me ter ao seu lado, eu preciso que você perdoe
meus erros — e nós dois sabemos que você é o rancor em pessoa
—, e entenda, de uma vez por todas, que não é porque eu não te
amo do jeito que você gostaria que eu não te amo.
Sinto sua falta.
E lembre-se, meus sorrisos sempre serão seus.
Logan Gauthier.
Esse vagabundo...
Meu Deus, eu estava chorando?
Toquei meu rosto, sentido uma pequena gotícula que havia
rastejado em rosto. Eu deveria matar o Logan por todas às vezes
que ele me fez chorar, e eu juro que queria dizer que foram poucos,
mas eu estaria mentindo.
Eu odiava como ele havia me tratado, e, por Deus, o sumiço
por dois dias quase me enlouqueceu de preocupação, mas uma
coisa ele tinha razão: para mantê-lo na minha vida, eu tinha que
entender algumas coisas. A primeira delas é que esse amor que eu
carregava no meu peito precisava ir embora. Logan nunca seria meu,
e eu precisava entender isso de uma vez por todas. Segundo, eu não
era perfeita, assim como ele não era.
Não foi por falta dos meus pais tentarem me ensinar que
perdão liberta, e toda essa coisa, mas diz isso para o meu ódio
quando alguém cometia algum erro comigo.
Olhei para o bilhete nas minhas mãos novamente.
Não é porque eu não te amo do jeito que você gostaria que eu
não te amo.
Peguei o meu celular e abrir na conversa com Logan. Algumas
mensagens pedindo para conversar comigo, outras pedindo perdão.
Não posso dizer que ele não havia tentado.
Isabella: Eu não preciso que você me ame do meu jeito, eu só
preciso que você me ame.
Logan: Eu te amo, Isabella. Desculpa ter te magoado.
Podemos nos encontrar no Hamilton’s hoje?
Isabella: Você não vai na festa de recepção dos alunos na
fraternidade?
Logan: Não, sua bocuda. Quero sair com você. Só nós dois.
Isabella: Você me busca e você paga... Sr. Bilionário.
Logan: Te pego às oito, e não use aquele vestido preto curto.
Eu podia jurar que a testa dele estava enrugada pensando em
todos as pessoas olhando para minhas pernas e bunda.
Isabella: Aham, não vou não... Confia.
Logan: Você vai se vingar, não é?
Prendi o riso.
Eu podia até perdoá-lo, mas daí não o punir por todas as
lágrimas e angústias era além da minha maturidade.

Passei a última camada de máscara nos meus cílios e me


afastei do espelho para me olhar. Os cabelos pretos estavam lisos,
graças à chapinha, e o rosto coberto por maquiagem realçava todos
os pontos certos.
Confesso que eu não era em nada como Zoella ou Stella, que
sempre viviam maquiadas. Me dava uma certa agonia passar base,
mas em dias de festa eu dava o braço a torcer e passava uma
massa corrida no rosto.
No dia a dia, eu gostava mais de usar roupas despojadas,
como calças rasgadas, jaqueta de couro e alguma camiseta legal,
mas, quando eu saia à noite, não dispensava meus vestidos curtos e
colados no corpo. Eu não tinha medo algum de ser sexy, gostava de
me sentir gostosa.
Exatamente como Logan havia pedido, não coloquei o vestido
que o deixava doido. Estava usando um ainda pior. O vestido estava
todo colado em meu corpo, na parte do busto havia uma
transparência, assim como na barriga e nas coxas. Todos os pontos
do meu corpo estavam valorizados e muito bem mostrados.
— Vai na festa da fraternidade também? — Matteo questionou,
entrando no meu quarto.
Pelo cheiro de perfume e suas roupas, ele também iria sair.
— Não, vou ao Hamilton’s. — Fui sucinta.
— Donatella acabou de sair com Zion. — Matteo balançou a
cabeça. — É lógico que ela se encantaria bem pelo meu treinador,
que, por uma brincadeirinha do destino, é também o meu cunhado.
Essa família estava virando uma salada mista de
relacionamentos, para o desespero do Matteo.
— Eu não diria que ela está apenas encantada, apaixonada é
uma palavra melhor.
— Eu vivi para ver a Donatella se apaixonando. — Matteo
mordeu a própria bochecha. O pobre coitado, que é tão ciumento
quanto eu, estava provavelmente em surto porque Dona estava
saindo com Zion. — Agora eu entendo o que vocês sentiram quando
eu falei que estava com Zoe. É péssimo.
— Pelo menos agora vocês dois podem dividir a angústia de
sentir ciúmes dos irmãos. Olha que maravilha.
— Eu acho que estou um pouco preocupado, mas é mais
medo, sabe? De tudo mudar e de alguma forma ficarmos todos
distantes. Stella, por exemplo, eu não vejo desde o casamento da
Antonella. — Meu irmão cruzou os braços e parecia preocupado.
Sentei-me ao lado de Matt e escorei minha cabeça em seu
ombro.
— Sempre seremos nós, só que com mais pessoas na família.
Você com a Zoe, Stella com Harry, Antonella e John, e ao que tudo
indica, Donatella e Zion... e eu. — Acho que tinha sido a primeira vez
que eu notei que era a única Azzaro que não tinha ainda se
encontrado no amor.
Tudo bem que eu poderia ser um pouco dramática, já que
minha irmã gêmea estava começando a sair com Zion e eles tinham
passado mais tempo brigando do que realmente juntos. Porém, eu a
conhecia. No fundo, eu sabia que Dona havia encontrado o que
sempre tinha procurado em segredo.
— Ele ainda está por aí, Bella. Você sabe disso. — Matteo
beijou minha testa.
Eu já não tinha mais tanta certeza. Algo dentro de mim me
falava que eu já tinha achado o amor da minha vida. Eu não
conseguia imaginar como eu amaria alguém como eu amo o Logan.
Empertiguei a coluna e sorri para o meu irmão.
— Às vezes, eu vou ser a tia rica. — Pisquei, mas ele não
sorriu.
Lá vem o discurso do emocionado. Estava demorando.
— Isabella, nem começa. Você ainda vai encontrar o homem
que vai arrebatar o seu coração, sempre confiou nesse ensinamento.
Não vai ser agora que vai dar uma de Donatella, a não ser que já
tenha encontrado... — Cerrei os olhos para o meu irmão.
Será que o boca aberta do Noah havia comentado alguma
coisa?
— Vai dar tudo certo. — Fui evasiva. — Você vai na festa da
fraternidade?
— Não, vou no drive-in com a Zoe. — E então foi a vez dele
de cerrar os cílios. — Com quem você vai no Hamilton’s?
— Com o Logan. — Tentei soar o mais natural possível.
Sempre consegui enganar meu irmão mais novo muito bem, não
seria agora que isso mudaria.
Ele sabia que Logan estava distante, uma coisa que Matteo
estava longe de ser era sonso. Ok, que ele demorava para descobrir
as coisas, mas sempre descobria em algum momento. Estava
torcendo para minha paixão incubada ser uma dessas coisas que ele
demora horrores para descobrir. Imagina o surto do Matteo quando
finalmente realizar que o maior terror dele virou realidade?
— Pensei que estava brigada com ele. — Matt falou
desconfiado.
— Eu não tinha brigado, só que eu não ia mais aturar as
confusões dele, então decidi me afastar. Ele me mandou um café e
donuts hoje, além de um bilhete. Enfim, tudo certo.
Matteo me olhava meio boquiaberto e um pouco
desconfortável.
— O que foi?
— Nada, é que eu achei que você demoraria mais para
perdoar ele. Comigo foi um mês de vácuo. — Eu o conhecia como a
palma da minha mão, esse fedelho estava mentindo.
— Desembucha. O que você está tentando esconder de mim?
— Matteo desviou o olhar, do mesmo jeito que ele fazia quando era
pequeno e eu o pegava fazendo alguma merda. — Matt, eu sou sua
irmã...
— Eu sei que você é apaixonada pelo Logan. — Matteo disse
rápido, como se vomitasse as palavras.
É logico que ele sabia.
— Vou matar o Noah! — Sibilei.
— Não vai nem tentar negar? — Matt parecia ainda mais em
pânico.
Eu o encarei, de sobrancelhas arqueadas, e cruzei meus
braços.
— Tudo bem, eu sei, nem adiantaria negar. Irmã, o Logan?
— Você escolheu se apaixonar pela Zoella? — Devolvi.
Ele negou com a cabeça.
— Se eu pudesse escolher, nada disso aconteceria. — Fui
sincera.
Fodeu.
Fodeu muito.
Fodeu em níveis catastróficos.
Por fora, eu parecia calma, mas por dentro era como se eu
tivesse em um incêndio e não soubesse nem como fugir.
— Bella, o Logan... você sabe como ele é em relação a
relacionamento. Você vai acabar sofrendo com essa história toda.
Era exatamente por isso que eu nunca quis que nenhuma de vocês
chegassem perto deles. — Matt pegou na minha mão. — A Liz está
sofrendo, agora você vai sofrer, e eu quero matá-los. Olha que
ótimo.
Ambos rimos, mas pelo olhar de Matteo eu sabia que ele
estava em pânico.
Se todas nós escutássemos Matteo, a paz reinaria? Com
certeza, mas somos um bando de mulas que não escutam ninguém.
— Faz quanto tempo que você guarda tudo isso dentro de
você? — Matteo suspirou.
— Tempo o bastante para eu saber que isso aqui não é só
paixão. — Já estava fodida mesmo, que ele soubesse de tudo. —
Matt, você não pode contar para ele.
Escutei o barulho dele engolindo seco.
— Matteo Azzaro, você não fez isso! — Puta que pariu!
Por que as coisas não podem ser apenas ruins? Por que tudo
sempre tem que ficar ainda pior?
— Não fiz, foi o Noah. — Ele disse como um garotinho
assustado.
Aquele linguarudo do caralho. Juro por Deus que um dia ele vai
me pagar por isso. Tinha que falar sobre isso?
— Ele acreditou no Noah? — Levantei da cama. Malditos
saltos quase me fizeram cair no processo.
— Isabella, calma.
— Não me manda ficar calma, Matteo. — Me virei para ele. —
Como ele reagiu? Que dia que foi isso? Juro por Deus que se você
não me contar... nossa, nem sei o que eu faço.
— Isabella — Matteo gritou. — Respira, porra.
Cruzei meus braços, tentando respirar fundo.
Como ia ficar calma?
Não existia nem essa possibilidade.
— Ele acreditou ou não?
Estando nessa posição, eu nem parecia uma mulher de vinte e
quatro anos, e sim uma adolescente de quinze.
— Foi no dia que ele gritou em você lá em Nova Iorque.
A única coisa que consegui fazer foi balançar a cabeça.
Eu não ia chorar.
Eu não ia gritar.
Puta que pariu, eu realmente vou matar o Noah.
— Não era direito do Noah contar essa merda. São os meus
sentimentos, eu deveria ter tido o direito de contar.
— Como se você fosse contar em algum momento. — Matteo
foi irônico.
— E ainda assim, era meu direito, Matteo! Eu não queria que
ele soubesse. Logan não me ama, e sempre foi taxativo quando
falava não tem pretensão de amar alguém, muito menos ter um
relacionamento com alguém. Me diz logo qual foi a merda da reação
dele!
— Está legal... ele entrou em pânico.
— Pânico. — Fui digerindo as palavras enquanto ele falava.
Isso era terrível.
— Bella, eu não posso falar tudo, você sabe disso. — Os
ombros de Matteo caíram em derrota.
— Ele realmente não me ama, não é? Ele precisou desse
tempo apenas para saber como iria lidar comigo. — Falando em voz
alta, eu me sentia ainda mais patética.
Matteo olhou para cima, como se conversasse com Deus.
— Olha, eu realmente mereço um prêmio de consolação por
ter melhores amigos tão idiotas. — Seus o