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historia, da arquitetura moderna leonardo benevolo QUINTA PARTE: © MOVIMENTO MODERNO 32. AS CONDICOES DE PARTIDA fim de avaliar corretamente a situagio dos primei- 10s dois decénios do século XX — sobre os quais 2 situa, a cavaleiro sobre a guerra, o movimento da ~yuitetura moderna — 6 preciso levar em conta que cultura de vanguarda recolocou em movimento, des- 2 1890, a teoria ° a pritica da arquitetura, porém, > interim, as condigées técnicas, econdmicas e sociais ‘as quais depende 0 trabalho dos arquitetos moditi- scam-se com ainda maior rapide, abrindo um novo ‘mais grave contraste entre as transformagoes em ‘0s modelos culturais utilizados para controlé-las. Se a arquitetura € o sistema de intervengbes de jepende a preparagio do cenério urbano, pode-se ger que as modificagoes da oferta, devidas aos artistas, ‘30s grupos de destaque, permanecem muito inferio- as modificagoes da demanda. E necesséiio insistir nesse contraste © repetir um eScurso semelhante Aquele que foi feito no principio relagio ® Revolugdo Industrial entre 1760 ¢ 1830. mbém agora os novos processos técnicos © econé- cos alteram 0 equilibrio das situag6es, introduzindo ~vos fatores ¢ deslocando as quantidades dos fatores sdentes de modo a produzir situagdes qualitativa- ate novas: enquanto isso, em um campo mais vasto, roduz-se 0 conflito entre teoria politica e desenvol- sito econdmico, o qual repercute, tal como em fins século XVIII, sobre a cultura artistica e impede interpretagio correta das exigéncias das modifi Ges em curso, ‘A segunda revolugdo industrial € tornada_possi- = por algumas inovagies téenicas: a difuséio do pro- cedimento Bessemer (inventado em 1856) na inds- tria siderirgica, que leva A substituicao gradual da gus pelo ago em quase todas as aplicages: a invencio do dinamo (1869) para o aproveitamento da eletricidade como forga motriz, © as experiéncias de Galileo Fer- raris no campo magnético rodante (1883), que tor- nam possivel o transporte para grandes distancias da energia hidréulica e abrem caminko para numerosas aplicacies da eletricidade: 0 telefone (1876); a lam- pada clétrica (1879); a invenczo do motor a explosio (1885) que permite a utilizagdo do petréleo para a propulsio de navios, de veiculos terrestres e, mais tar de, dos avides (1903). Enquanto isso, 0 aumento das construgées ferro- vidries (que se quadruplicam entre 1875 © 1905), a ligagio das redes locais em um sistema continuo (em 1872, completa-se a primeirs linha transcontinental americana, em 1884, a galeria de Gottardo, em 1902, a transiberiana), a abertura do Canal de Suez (1869) a répida substituigfo da vela pelo motor nos transpor- tes maritimos (tomnada inevitével pela auséncia de ven- tos na rota de Suez), fazem baixar o custo dos transportes e permitem um desenvolvimento sem pre- cedentes do coméreio internacional, 0 qual triplica see volume entre 1880 ¢ 1913. Esses progressos esbocam-se entre 1870 e 1895 enquanto continua a baixa dos pregos, ¢ acentuam-se no final do século, quando a descoberta das minas de fouro no Transvaal abre um petiodo de aumento de recos que, nos vinte anos de paz © de estabilidade 371 politica que vdo até 1914, coincide com uma exeepcio- nal prospetidade econémica. No interior do sistema que parece tio estével e progressista, porém, agrava-se a contradi¢io entre @ ideologia liberal, que colocou em movimento os novos, desenvolvimentos econdmicos & politicos, e as novas formas de coagio toradas possiveis pelo nivel de técnica e organizagio atingido. No campo politico, 0 movimento liberal contra- 1p8e, a0 principio de legitimidade, 0 principio de nacio- nalidade que, na primeira metade do século XIX, alcanga na Europa um triunfo quase completo; 0 mes mo principio, contudo, aplicado as relagdes internacio- nais, promove, na segunda metade do século XIX, 0 imperialismo e conduz a um estado de equilibrio ba- seado no contraste de interesses irredutiveis No campo econdmico, bastam as dificuldades econdmicas de 1870 para provocar uma retomada do protecionismo ¢ do colonialismo; no mesmo periodo, torna-se evidente, em algumas grandes indis passagom da livre concorréncia a0 monopélio. Escreve B. Russell: Dois homens foram es principais eriadores do mundo moderno, Rockefeller e Bismarck Um na economia, outro ra politics, arruinsram @ soho liberal de uma felicidade universe! atinglda através da concorréncia individual, substituin- dora pelo monopélio © pelo Estado considerado ‘como uma corporagio. © © ano de 1870, em que Bismarck consegue provo- car a guetta franco-prussiana, é também o ano em que Rockefeller © Flager adquirem 0 controle da Standard ‘Oil Company. © significado ambivalente da palavra “liberdade” cncontra-se retomado freqiientemente no debate cultu- ral de fins do século XIX. A liberdade invocada por Van de Velde e Wagner, tal como aquela que é pro- curada_por Rimbaud e Van Gogh, até o extremo sacrificio pessoal, conserva um significado preciso so- mente em relagdo as regtas e as circunstincias tradi- ionais que os artistas esto decididos a refutar; essa refutagio deve possuir uma validade gerat e, enquanto isso, deve ser avaliada por um empenho individual in- censurivel. Assim, 0 apelo & comunicago universal alternar-se com a impaciéncia por cada ocasio con ereta de confrontagio. L. RUSSELL, B, Storia delle Idee del secolo XIX (2934) Trad. i, Turin, 1950, p. 368. 372 Nao € possivel inttoduzir aqui, @ no ser atravé de indicios, uma problemética que se origina dos con- fins da histéria da arquitetura, Bastard notar que c limite personalista, comum & vanguarda arquitetOnics € a muitas outras experiéncias da época, impede z acuraulagio dos resultados atingidos pelos artistas « pelos grupos de maior empenho, isto 6 toma impos- sivel & cultura arguitet6nica manter-se a par das trans formagies da técnica de construgio e ainda mais dos aspectos de organizacdo da urbanistica e da produgao dos objetos de uso. As inovacdes técnicas descritas anteriormente in- fluem na téenica de construgées, com os novos mate- tiais utilizaveis para as estruturas de sustentagaio — 0 ago, em substituigo a gusa, © 0 conereto armado — € com os instrumentos de comunieagio interna — o elevador, 0 telefone, o correio pneumético — que per- mitem fazer funcionar novos organismos de edificacéo, tzis como os hotéis ¢ os edificios de escritdrios de muitos andares, Jé foi observado que a cultura da época nio esti apta a colher sem preconceitos as possibilidades ofe- recidas pelos novos processos. técnicos; as esiruturas gradeadas somente so accitas pelos construtores norte- americanos © por Perret interpretadas no sentido da perspective tradicional; 0 carter ritmico e indefinido Go organismo do arranha-céu surge, na construgio civ do Chicago entre 1880 e 1890, ‘somente na medida em que se aicnua o controle decorativo e quando ¢ este perdido com a intervencao de projetistas mais exi Bentes, tais como Sullivan ¢ Root. Contudo, as caréncias da cultura de vanguarda tornam-se evidentes sobretudo perante os problemas da urbanistica e do desenho industrial. A fim de controlar as transformagSes em curso nas cidades, 2 técnica urbanistica que s¢ forma na se- gunda metade do século, sob a tutela do novo dirigismo econdmico e politico, idealizou algumas operagdes tipicas: a demoticdo dos centros hist6ricos, as ampli ges na periferia, 0 desmantelamento das fortificagdes barrocas a fim de construir sobre tais reas as vias de circunvalagio flanqueadas por jardins e edificios pi- blicos. Os modelos formais utilizados nessas opera- Ges so 05 da tradigio clissica e do grand got, sobre os quais se encaixam, nas siltimas décadas do século, 0s tragados curvilineos ¢ irregulares derivado: da tradigio paisagistica inglesa, As transformagées das construgées acompenham as das instalagdes urbanas — rede de éguas ¢ esgotos, redes elétricas e de gis, ferrovias metropolitanas — fazendo valer 0 paralelismo tantas vezes mencionado centre engenharia ¢ tradigio eclética, Esse repert6rio de solugdes demonstra-se J inadequado nos primeiros anos do século XX, quando confrontado com alguns problemas inusitados: 0 projeto das novas capitais, como Camberra e Nova Déihi, os planos reguladores de algumas grandes cidades americanas, onde 0 xadzez tradicional nao rege mais a excessiva dimenséo atin- gida, tais como no de Burnham e Bennet de 1909 para Chicago. Ainda mais grave reyela ser o contraste, quando a difusio do automével faz nascer, nos EUA, , mais tarde, na Europa, enormes periferias de baixa densidade, deslocando para a escala territorial todos os problemas da organizacio urbana. A cultura de vanguarda nfo somente ignora esses novos problemas, como também nao esté apta a for- necer uma alternativa coerente & praxe urbanistica tra- dicional paca resolver os problemas usuais} as experi- éncias de Gamier, de Howard, de Soria, de Berlage, so tentativas parciais e hesitantes, que colocemos em destaque tendo-se em vista os desenvolvimentos que se seguiram, mas que resultam jrrelevantes em relagio as dos urbanistas ortodoxos como Stiibben, Lutyens, Burnham, e que resultam pateticamente desproporcic nais em relagio & importincia dos problemas que jé nessa época se delineiam. Assim, no campo das artes aplicadas, o preconcei- to dos reformistas contra os processos ‘mecinicos & superado somente no iiltimo decénio do século XIX, © fregiientemente € substituido por uma apreciagao mnftica dos valores industrais, que retrocede para uma exalzagto formal da atmosfera mecinica. Por conse- guinte, a art nouveau, embora traga um profundo interesse por tais problemas, nao leva a uma modifica so apreciavel da organizacdo produtiva dos objetos de uso, exatamente enquanto a demanda de tais bens esté-se modificando radicalmente, pelo surgimento de novas € mais vastas categorias de consumidores, A tomada fatha dos fatos reais explica a singular aceleragio do debate cultural na década que precede a Grande Guerra. As novas tendéncias apresentam-se fem intervalos cada vez mais curtos ¢ so desgastam com rapidez equivalente; nossa tarefa no ¢ enumerar as tapas singulares da discusséo, mas reconhecer nessa contenda artificial as intervengGes realmente importan- tes e feutiferas a longo prazo. 374 1. A “Deutscher Werkbund” e a nova arquitetura alema De 1900 em diante, a Alemanha esté no centro da cultura arquiteténica’ européia. As razbes dessa situago so complexas: com efeito, na Alemanha, essa cultura nfo possui por tras de si mesma uma tradigfo compardvel A francesa ou inglesa, a indus- trializagio & de data recente ¢ a5 estruturas sociais estéo Higadas mais fortemente a0 passado; mas é exa~ tamente a relativa austncia de precedentes que per- mitiu 2 constituigo de uma minotia de operadores ccondmicos, de politicos © de artistas de mentalidade aberta e progressista, e colocou-os, ndo em posicao polémica contra os poderes constituidos — como ocor- re em quase todos os demais Estados europeus — mas em condigées de ocupar alguns postos diretivos na sociedade em vias de transformagdo; assim, os te6ricos 08 artistas de vanguarda chegam com relativa facil dade a ensinar nas escolas estatais, encontram-se diri- gindo as revistas mais importantes, orientando as grandes editoras, organizando as exposigdes, influe iando em grande escala a produgdo industrial e tam- ‘bém em certa medida influindo na politica cultural do governo, como Muthesius. Deve-se sobretudo a este aparato de organizagio 0 fato de que a Alemanha atrai de todas as partes da Europa os melhores génios Van de Velde da Bélgica, Otbrich da Austria e até mesmo Wright dos EUA por certo tempo. A. mais importante organizacZo cultural alem& de antes da guerra € a Deutscher Werkbund, fundada em 1907 por um grupo de artistas ¢ criticos’associados 2 alguns produtores. © objetivo da Werkbund — reza o estatuto — & eno- brecer o trabalho artesanal, coligando-o com a arte ¢ a indis: tia A associagto deveja' fazer uma escotha do melhor da arte, da indistri, do artesanata © das forcas ativas manuais: ‘deseja reunir of esforgos ¢ 28 tendéncias para o trabalho de qualidade existente no mundo do trabalho: forma 0 poato de reunifo de todos aqueles que sio capazes ¢ estZo dessjosos a¢ produzir um trabalho de qualidade.? Essa instituigdo recothe a heranga das associagdes inglesas inspiradas nos ensinamentos de Mortis, com uma diferenga importante: nfo dé uma relevancia preconceituada 20 artesio, nem pretende opor-se aos métodos de trabalho em série proptios da producio 2, Cit. em N. PEVSNER, f pioniert del movimento moderna da William Morris a Waller Groplus (1936). tead. it, Mili 1945, pp. 122-123, 4412, 413, P. Bchrens, instalagdes da Frankfurter Gasgeselischat, 1911 (eG. A, Plats, Die Baulunst der newesten Zit 1927) ea AEG de Ber | lim, 1909 (de F. Haber, op cit). 414, 415, P, Behrens, desenho para 9 indo apresentado na Exposicto Mundiat de Braxelas, 1910 (de Denstchlands Randa und Karat, goterbe auf der Weliawstelung zu Brel, 1910) ¢prova do ipo Bee Irene F- Haber, op it), WARALARARARATARAR WALARATARARARARARATAR, FSP icsukunft unferer tnduftriewird mitdavon abhangen, ob wirent(chloffen fem im Stande find, der ndch{ten Generation eine forgfaltige kanftlerifche a Erziehung des Ruges und der Empfindung angedeihen zu laffen. Bisher Paben wir nur far die Rusbildung oon Kinftlern geforgt. Alfred Cicjtwark. WMADADADADAR WADADATATARATATARARARARARAL corrent:. Essa colocagio é sem divida, oportuna, porquanto néo exclui a priori alguns dos fatores que agem concretamente, porém gera logo uma incerteza em relagéo ao método; com efeito, as associagées in- slesas, desejando permanecer figis aos métodos ma~ nuais, tinham j& pronta uma orientacdo prética pre- cisa, embora unilateral, e podiam servir-se dos exemplos medievais, tais como o Art Workers Guild, enquanto a Werkbund, ao se propor reunir arte, indistria e arte- sauato, efetivamente operantes com processos ¢ tradi- goes diversas, abre um problema de método por ‘enquanto indeterminado, coberto pela ambigua f6r- mula “trabalho de qualidade” (Qualittsarbeit). Com efeito, logo comecam na Werkbund discus- soes ehtre as tendéacies opostas: entre os defensores da padronizagio © os da liberdade de projeto, entre ‘0s defensores da arte © os da economia e, em 1914, ‘entre Muthesius ¢ Van de Velde, como foi mencionado no Cap. 9. Por trés dos termos tradicionais dessa polémica, ‘oculta-se a exigéncia de superar os particularismos da vanguarda, Em muitas outras nagies européias for- mam-se associagSes semelhantes & Werkbund alema ‘em 1910, a Werkbund austeiaca, em 1913 a suiga, em 1915 a Associagao do Desenho 2 da Indéstria na In- glaterra, ‘Na Werkbund, amadurece, entre 1907 ¢ 1914, a nova geracio de arquitetos alemies: Gropius, Mies van der Rohe, Taut. Dvas personalidades de excep- ional relevo servem de mediadores entre essa geracdo e a anterior, a qual iniciou a renovagio da cultura arquiteténica: Van de Velde, de quem jé se falou, ‘¢ Peter Behrens (1868-1940). A contribui¢ao do pri- meiro & sobretudo de ordem intelectual, enquanto que fo segundo age como exemplo de trabalho prético ¢ 6, talvez, como supe Argan, $a figura-chave para a com- preensio dessa passagem essencial na histéria da ar- quitetura moderna, Behrens principia como pintor; em 1899, ¢ um dos sete artistas chamados, juntemente com Olbrich, pelo Grio-Duque von Hessen, para Darmstadt, a fim de dar vida & colonia em Matildenhdhe, e ali constr6i sua casa, inspirando-se no repertério de Olbrich, mas com uma rigidez de colocagio e um gosto pelos ele- mentos volumosos ¢ pesados desconhecidos pelo fanta- sioso mestre austriaco (Figs. 410 e 411). 3. G. C, Ancar, resonha de “Eliante o doll Architettura’ ‘de G. Beano}, om Casabella, n. 216 (1957), p. 44, 376 A seguir, Muthesius chama-o para ditigir a Aca- demia artistica de Diisseldorf, e 0 diretor da AEG, Rathenau, confie-the, em 1907, 0 encatgo de consultor ariistico de toda sua indistria, desde os edificios aos produtos 8 publicidade. Behrens toma-se, assim, um dos profissionais mais importantes da Alemanha; por volta de 1908, trabalham em seu estiidio Gropius, Mies van der Rohe e, por um breve periodo, também Le Corbusier. Behrens constréi para a AEG em Berlim vérios edificios industriais e no perde, nem mesmo em temas desse género, uma atitude de artista decorador, pro- pondo-se acomodar os elementos funcionais com so- lenidade e até mesmo com graga um tanto arcaica, de sabor wagneriano. A entonacéo geral é sdbria © ma- cige, com uma referéncia vagamente literéria 2 atmos- fera ameagadora das fabricas tradicionais, enquanto alguns cpisddios de destaque so tratados de modo de- cididamente decorativo, que faz esquecer o cardter fun- cional das estruturas: veja-se a parte superior do barracdo de turbinas, com 0 frontio cheio de contor- nos em linha quebrada ¢ o vitral situado imediatamente abaixo, que sobressaem dos cantos em alvenaria, for- mados por ornatos reentrantes, produzindo um cfeito de encaixe, abstrato e espléndido (Fig. 413), ou, em foutra obra, os volumes cilindricos dos reservatérios, acentuados”expressionisticamente, como torres amea- sadoras (Fig, 412). Em outras ocasides, a arquitetura de Behrens € leve e festiva, e utiliza a bicromia wagneriana para desmaterializar completamente as superficies das pa- redes, tal como no Crematorio de Delstern & no pavi- Indo de honra da Exposigo da Werkbund em Coldnia © repertério de Behrens esté bem radicado na tradigdo da vanguarda, especialmente austtiaca, Con- tudo, em suas mos, as formas tradicionais sio usadas com parciménia e, distendendo-se em solenes compo- sig6es monumentais, percem ao mesmo tempo forga € concentrago, nfo devido & falta de energia do artista, ‘mas sim gracas a uma espécie de ligeira desconfianca, de reserva intelectual, deixando por vezes que aflorem valores de género bem diverso: apresentacao crua de materiais ¢ de engenhos funcionais, ritmos uniformes, repeticoes indefinidas de motivos elemehtares. Ver os desenhos decorativos estudados para a produgdo in- dustrial, onde o repertério art nouveau é drasticamente simplificado © reduzido 4 combinagdo de poucos cle- mentos geométricos, a fim de dar maior énfase 20 gro © 8 textura dos materiais (Fig. 414). Nao se deve esquecer que, no estidio de Behrens, Yedicando-se ao projeto das obras citadas, formam-se Gropius e Mies van der Rohe. 0 fato é 0 seguinte as duas experiéncias, a da vanguarda que se exaure € a do movimento moderno que surge, estd0 vincula. Gas, mas sio intimamente diversas e incomensuriveis & passagem, portanto, ako pode ocorrer por simples evolugdo. mas sim por enfraguscimento da. primeira experiéncia que se consome a medida que surgem, sob forma ainda confusa, os elementos da sezunda. Walter Gropius (1883-1969), filho de um abas- tado arquiteto e funcionsrio berlinense, trabalha ‘no esitidio de Behrens, porém logo comeca a projetar por sua conta: em 1906, um grupo de casas agricolas em Janikov; em 1913, alguns méveis, os desenhos pa Fa uma automotriz a benzol, para uma fabric ‘de Kénigsberg, e, principalmenic, em 1911, um esplén- dido edificio industrial, a fébriea de formas para sapas tos Fagus ad Alfeld an der Leine (Figs, 416-421). A fabrica Fagus emerge isolada na periferia de Alfeld, em uma bela concha verde entre bosques ¢ colinas: estd quase intacta, como a propria cidade, gendo uma das poucas zonas poupadas pela Segunda Guerra Mundial, ¢ o visitante de hoje pode quase ima- ginar que esté vendo 0 edificio como era hé cinglienta anos atrés, quando foi inaugurado. A primeira coisa que nos toca ¢ a simplicidade e seguranca dessa arg) tetura, em contraste com as intengSes monumentais € @ carranca dramética das obras andlogas de Behrens © de Postzig; excsto a chaming, nenhum elemento vor Iumétrico € destacado em relagio aos demais, ¢ 0 discurso arquiteténico desenvolve-se vagaroso e tran. gill nos diversos corpos da construgdo, correspon. dentes as diferentes fungdes; nem mesmo planimetria geral revela pesquisas de composicéo fora do comum, estando 0s varios corpos cotocados um ao lado do outro do modo mais simples © econémico, A inexeedivel adequagdo técnica permitiu uma perfsita conservacio; dois materiais apenas, 0 tijolo © 0 metal polido, formam a superficie externa, ¢ a com- binagio fundamental de amarelo e preto domina toda a composicéo. Observando-se o gosto dos acabamen- tos, especialmente 0 célebre corpo dos vitrals, desco- brem-se contudo numerosas incertezas: a idgia de fazer sobressair 0 plano do vitral em relagio & parede, © vazio nas esquinas, o porto de ingresso € o corpo ‘onde est situado, estriado por horizontals mais escu- ras, so evidentes memérias behrensianas conservadas nio sem impacto, Todavia, esté claro que o interesse 378 do projetista ndo se situa aqui: existe mesmo uma certa despreocupacdo, na actitago de alguns dados estilisticos, que contrasta com o rigor das solugtes tecnicamente mais vinculadas; dir-se-ia que a dedica. go de Gropius esté distribuida de modo oposto a0 habitual, porquanto € menor nas partes representativas © maior naquclas que tradicionalmente sio considera das. secundérias, Nesse edificio, cristalizou-se uma passagem um tanto transitéria, ¢ talver soja devido a isso seu fascinig fora do comum; é como se, partindo da linguagem de Behrens, 0 aparato estilistico-formal se ienha ulterior. mente afrouxado até reduzir-se a poueas formulas, com valor de simples caracterizagio cronologiea, enquanto os elementos técnicos organizarara-se em uma lingua gem compacta ¢ coerente, permanecendo, contudo, em bruto, com todo o frescor e a precariedade que essa situagio comporta, Pode-se interpretar quase ioda a fabrica Fagus com uma clave puramente tecnolégi estando as exigéncias estilisticas reduzidas a um vernis extremamente fino, © edificio adquire, assim, uma espécie de fixide © de caréter absoluto; na produgio de Gropius, as obras que mais se assomelham a esta nio so edificios, mas produtos industriais, como 2 automotriz de 1913 € 0 automével Adler de’ 1930. Na outra obra importante de Gropius anterior & guerra, a fabrica-modelo da Exposigéo da Werkbund de Colénia em 1914 (Fig. 422), 0 delicado equlibrio da Fagus ¢ alterado, Aqui, as cxigéncias representati- kas so obviamente preponderantes, e a linguagem de Gropius absorve uma série de sugesties formas de Wright, de Behrens, da halle des machines patisiense de 1889, nem sempre justapostas com felicidade, To. Gavia, © modo de compor & sempre gil ¢ articulado, sobretudo no pitio com as duas garagens que ligam corpo dos escritérios & sala de maquinas, e muitos de- talhes sd0 excelentes, tais como as duas escadas heli Coidais inteiramente visiveis do exterior dentro de scu involucro envidragado, A personalidade de Gropius tende, desde 0 prin- cipio, a compreender © a mediar as teses © as orien fagoes contrastantes; nessa época, apenas por uma ver a tendéncia corre 9 risco de cair em uma espécie de ecletismo, talvez devido & atmosfera forgadamente com. posta da Exposieao de 1914 e da Werkbund, onde se agitam forcas divergentes. Convém considerar, con. frontando-as, as outras obras construidas nessa oca. sitio: 0 saliio de festas de Behrens, o pavilho para as indastrias alemis do vidro de Bruno Taut, © pavilhao 420,421. Alfeld an der Leing«ttrica Fages, 329, Gropis © A. Meyer, dois deals da flbrica Fagus em 422. W. Gropies ¢ A. Mayer, a fbrica-modeto aa Exposigio da Week 14,1911, bund de Colonia de 1914 (26. A, Plats op. et) austriaco de Hoffmann, o teatro de cena tripartida de ‘Van de Velde, cada uma com seu proprio caréter mar- cado © exclusive. Nesse perfode, Gropius comega também a esere- ver. Sea primeiro artigo, publicado em Leipzig em 1911, traz este titulo significativo: Na consirugao dos edificios industriais, as exigéncias artisticas podem ser postas em acordo com as priticas e econémicas? * No Annuario da Werkbund de 1913, Gropius publica um estudo sobre o desenvolvimento da mo- demna arquitetura industrial, onde ilustra e comenta positivamente alguns edificios uilitérios norte-ameri- ‘canos Os silos do Canad © da América go Sul, os transporta- dores de carvio das grandes fetrovias © os mais modern0s estabelecimentos industriais da América da Norte... apre: sentam uma composigéo arquiterdnica de tal precisa, que, fa observator, seu significado torna-se forgota e inequivoca. mente claro. © natural estado de terminado deses edificios rio reside na vastidio das dimensées materials — que, por certo, nio devem ser consideradas aa qualidade de uma obra ‘monumental —, mas ne visio clara e independente que seus Projetistas tiveram dessas formas grandes, imponentes. Estas flo esto empanadas por um respeite sentimental pela ta digo, nem por outros escrupulos intelectuais gue diminuem fossa erquitetura eutopéia contemporinea e impedem que ela tenha qualquer verdadeira originalidade artistic, Tais preferéncias ajudam a explicar as intengdes de Gropius como projetista. Sem diivida superesti- mando as arguiteturas industriais “espontancas”, cle move-se ainda nos termos da cultura de vanguarda, porém intui que a solugio dos dualismos e das difi- culdades encontra-se em uma adesio correta as exi- éncias concretas, nfo em algum novo sistema ideo- 6gico ou formal; em suas obras, existe algo de novo © importante em’ relacdo & producio européia: uma adesdo calma e racional as necessidades técnicas, e uma espécie de desdramatizacéo da linguagem que disso deriva. Por enquanto, talvez ele sustente que isso possa bastar ¢ que a nova arquitetura possa bro- tar quase automaticamente, seguindo paso a passo, sem preconceitos, as necessidades objetivas Nio 6 possivel, contudo, insistir em um juizo se- methante, que € unicamente hipotético; de fato, a ex- periéncia serena ¢ otimiste de Gropius de antes da 4, Gronius, W. Sind beim Baw von Industriegcbituden Kiastlevisehe Gesichespunkie mit praktischen wad wirtschaftl chen vereinbar? Leipeig, 1911. 5. Grorws, W. Diz Entwicklung moderner Industriebau- uns.” Jahroueh des deutschen Werkbundes, lena, 1913. p. 22 380 guerra 6 violentamente interrompida pelo conflito mun- dial, pela crise cultural que se segue, e somente depois de ter passado por tais crises € que seu pensamento se completa, Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969) filho de um mestre-canteiro; trabalha primeiramente como desenhista no estidio de B. Paul de 1901 a 1907, de- pois, em 1908, ao lado de Behrens, e, finalmente, 2 partir de 1911, na Holanda, ao lado de Berlage. Em 1913 abre um estidio de arquitetura em Berlim, mas seu trabalho & logo interrompido pela. guerra. F muito mais dificil em relagio a Mies, do que em relagdo 2 Gropius, emitir um juizo sobre a ativida- de © sobre as orientagdes seguidas antes da guerra mundial. © primeiro projeto, a Casa Fuchs de 1911 ainda se situa inteiramente dentro do Ambito do estilo de Behrens, © 0 segundo, a Casa Kréller-Miller de 1912, possul um cardter quase classicizante (embora 9 espacamento limpo e elegante das janelas anuncie timbre inconfundivel de sua arquitetara maior). © jovem arquiteto ndo manifesta qualquer desojo de no- Vidades sensacionais: no maximo, um amor quase ariesanal por aprofundar 0 estudo dos elementos de construgdo e um propésito de agir sobre as partes funcionais do edificio, transmutando-as em arquitetura em virtude unicamente de relagdes bem mediadas. 2. Os movimentos para a reforma das artes figurativas Entre 1905 e 1914, as pesquisas dos pintores de vanguarda chegam 2 uma reviravolia decisiva, © pro- pdem uma teforma radieal dos principios que regalam 05 hébitos visuais comuns; 2 rapidez dos desenvolvi- mentos © a analogia entre 05 resultados a que chegam 20 mesmo tempo varios artistas por vérios caminhos, ‘mostram que se esté cumprindo uma operacio crucial, preparade 4 muito tempo, € que esto em jogo os interesses de toda a cultura artistica, Em 1905, na Salon d’Automne, apresentam-se juntos pela primeira vez os jauves (Detain, Friesz, Marquet, Mangain, Matisse, Puy, Rowault, Valtat, Vi minck);’ no mesmo ano,’ seguindo uma erientagéo stim, Bieyl, Kirchner, Heckel e Schmidt-Rortuff fan- dam, em Dresden, 0 grupo Die Briicke, 20 qual ade rem, a seguir, Nolde e outros. Entre 1907 e 1908, surgem as primeiras obras cubistas de Picasso ¢ de Braque, a partir das quais prosseguem as pesquisas

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